[BR_JC_10: JC-ESPORTES-1_MATERIAL <1213_04_ESP_04> [JC1] ... 13/12/09] Author:YPARENTE Date:13/12/09 Time:17:14 www.jc.com.br/maisesportes » maisesportes www.jc.com.br/maisesportes » maisesportes Eterno comandante de pulso forte e sonhador Será “a pátria de chuteiras” nos gramados O Flamengo voltará a campo assim co- mo o abandonou. Uniforme preto e branco, uma cruz branca no lado esquerdo peito. Quer que o primeiro adversário desta nova etapa seja o último oponente enfrentado no Campeonato Pernambucano de 1949, o Íbis. Contará com uma equipe amadora, como na origem. Uma escalação formada por militares. O Exército Brasileiro voltou a abraçar a causa. Além de comissão técnica e jogadores, cederá instalações para a admi- nistração e treinamentos. Será “A Pátria de Chuteiras”, como alcunhou, empolgado, o presidente de honra da instituição, Leonar- do Colares, evocando o escritor pernambu- cano Nelson Rodrigues. O elenco vai treinar utilizando a estrutu- ra do 4º Batalhão de Comunicações, em Te- jipió, na Zona Oeste do Recife. Os jogos acontecerão no Estádio Marechal Castelo Branco, no mesmo local – a ideia inicial, já refutada pela própria diretoria, era tentar utilizar o Estádio Olindão, no bairro Jardim Brasil, em Olinda. Uma situação modesta, mas relativamente favorável se comparada ao quadro de vários clubes tradicionais do Estado que penam para seguir sobreviven- do, como por exemplo o América, seis vezes campeão pernambucano. O braço pernambucano do Comando Mi- litar do Nordeste já participa regularmente dos Jogos Marciais do Exército com um ti- me de futebol de campo. Boa parte destes militares vestirão o padrão alvinegro. “Te- nho conhecimento de alguns sargentos inte- ressados em participar da preparação deste time e militares com interesse de jogar”, re- passa o comandante do 4º Batalhão de Co- municações e vice-presidente do Flamengo, tenente-coronel Alex Vander Lima Costa. “Enquanto o time estiver na qualidade de amador, o Exército Brasileiro tem condi- ções de fornecer suporte.” Mas o primeiro campeão pernambucano vai precisar de um apoio bem mais efetivo do que simplesmente o altruísmo dos mili- tares para ter uma sorte melhor do que o destino reservado à sua primeira fase. A par- ticipação em competições profissionais sig- nificará também o fim da ligação direta com o Exército. “Nossa função é a de resga- tar essa história e chamar a atenção da so- ciedade. Esperamos que o Flamengo seja bem aceito e possa contar com outros apoios. A partir do profissionalismo, já não teremos vínculos”, segue o comandante. Foi o próprio neto do Tenente Colares que fez a conexão com o comandante do 4º Batalhão de Comunicações, no começo do ano. “Ele nos contou a história do Fla- mengo e do seu avô. Nos interessamos por- que somos entusiastas do esporte. O Exérci- to sempre teve essa cultura. Começamos a conversar sobre um possível ressurgimento e nos juntamos a outros interessados”, ex- plica o tenente-coronel. RECURSOS O retorno via amadorismo, porém, não é sinônimo de facilidade. Para adequar a si- tuação junto à CBF e à FPF, os dirigentes ti- veram de desembolsar R$ 11 mil. Destina- ram R$ 10 mil para o pagamento de taxas na entidade nacional e os outros mil reais na local. “Esta é a parte mais pesada da conta. Gastamos alguma coisa também com documentação em cartório, como o re- gistro do novo estatuto. Desde que o Fla- mengo parou, surgiram novas leis e conse- quentemente outras exigências”, revela o presidente Felipe do Rêgo Barros. Os registros de nome, marca e símbolos já estão sob a posse da nova administração. E as negociações com um parceiro para a venda de produtos licenciados estão avança- das. Os recursos serão todos revertidos para bancar as necessidades básicas da equipe. “A princípio, para disputar o Campeonato de Amadores, precisaremos de verba para garantir o material para os treinamentos e transporte para jogar. Às vezes precisaremos ir um pouco mais longe. Não é muita coi- sa”, garante o mandatário. (R.C.) Quem conviveu de perto com Alberto Colares Martins, ou simplesmente o tinha no convívio do futebol, rapida- mente ressalta duas características do “dono” do Flamen- go. Exaltam o rigor com que cobrava boa conduta – quer fosse de jogadores, colegas militares e mesmo dos fi- lhos –, mas também relembram a dedicação e lealdade na defesa das suas causas. O clube foi uma delas. Institui- ção que o tenente não abandonou mesmo quando já não havia sede social, diretoria composta ou time para re- presentar o primeiro campeão pernambucano. Reuniões da Federação Pernambucana de Futebol (FPF) para deliberar sobre regulamento e tabela de com- petições, encontros casuais da entidade, nada passa- va sem que fosse notada a presença do Te- nente Colares. “Até perto de morrer ele sem- pre comparecia às reuniões da FPF. Mesmo sem ter time para par- ticipar de Campeo- nato Pernambuca- nos, era recebido como o presidente do Flamengo. Acompanhava ele nos encontros com Rubão (Rubem Ro- drigues Moreira – presidente da FPF en- tre 1955 e 1982). Ele tinha uma carteiri- nha que o permitia entrar de graça em to- dos os jogos”, conta Leonardo Colares. Os livros registram a participação importante do mili- tar já nos primeiros anos de existência da FPF, fundada em 16 de junho de 1915 com o nome de Liga Sportiva Pernambucana (LSP). Givanildo Alves, em A História do Futebol em Pernam- buco, assim descreve a participação do ainda diretor fla- menguista Alberto Colares contra o profissionalismo em 1920: “(...) Alberto Colares, dirigente do Flamengo, che- gou até a propor, numa reunião do Conselho da Liga, que no ano seguinte fosse instituído um prêmio de 11 medalhas de ouro ao clube melhor colocado sem possuir no seu quadro jogador importado. Em outras palavras: profissionais”. Em casa, não queria envolvimento das filhas com fu- tebol. Nenhuma delas era autorizada a frequentar os es- tádios recifenses, tampouco os jogadores participavam de qualquer evento familiar. “Me lembro que tiramos uma foto com os jogadores uma única vez, no Rio de Janeiro. Mas eu era muito pequena, não me lembro di- reito. Papai não deixava a gente ir para o campo por- que dizia que os homens ficavam muito agressivos nos jogos, gritavam palavras ofensivas. Ele também era muito preocupado com nossos estudos”, relembra Ava- ni Colares. Junto à esposa Alfredina Whatley Colares, teve outras três filhas. Uma delas faleceu ainda aos 16 anos. As ou- tras estão vivas. Cresceram na Estrada Real do Poço. “A vida inteira de vovô foi em Casa Forte, mais exatamente no Poço da Panela”, confirma o Neto. “Era um dirigente que não tinha interesses comerciais ou indevidos, como vemos acontecer demais hoje em dia. Ele se dedicava inte- gralmente ao Flamengo, exclusivamente por amor. Gosta- va do clube. Quem dera todos os dirigentes de hoje se comportassem de forma semelhante”, afirma Felipe do Rêgo Barros. (R.C.) Rafael Carvalheira [email protected] Marcos Leandro [email protected] Luiz Cavalcante; J. Albuquerque e Francisco Alves; Frederico, Ruy e Abdon; Farias, Perci Fellows e Taylor; Gastão e Waldemar. Provavelmente nem os pesquisado- res mais atentos digam de pronto que time é este. As lembranças datam de 1915. Temporada em que este “eleven” do Sport Club Flamengo conquistou o título da primeira edição do Campeonato Pernambucano. Única taça estadual da agremiação, da qual não se ti- nha notícias desde meados do século passado. Não se ti- nha, assim com o verbo no passado, porque esta histó- ria, importante do ponto de vista esportivo e social, será resgatada. O preto e o branco voltarão a campo, pratica- mente uma refundação. Primeiramente, para amisto- sos. Depois, para participar do Campeonato Pernambu- cano de Amadores. Por fim, em 2011, será integrante de divisões inferiores. A última participação da equipe na elite estadual foi em 1949. Fiel aos amadores em plena ascensão do pro- fissionalismo, interrompeu sua história entre os gran- des clubes de Pernambuco na lanterna. Não marcou pontos nos sete jogos que disputou. Nem sequer con- quistou um empate. “Acho que o Flamengo pode ter pa- rado pelo apego a ideias antigas. Disputava com jogado- res amadores contra os profissionais. Quando o time perdeu por 14x0 para o Santa Cruz (21/5/1949), os tor- cedores do Santa Cruz falavam: ‘Tira o time de campo, Colares!’ (presidente do clube). Foi aí que ele viu que não havia mais condições de sustentar”. A hipótese é le- vantada por Leonardo Colares, de 51 anos. A equipe foi goleada em 1949 ainda por Náutico, Moinho Recife, Sport, América e até pelo Íbis. Talvez Leonardo seja a pessoa mais apropriada para tentar listar os motivos da interrupção do time. Nem tanto por ser o pai do sonho de retorno e novo presiden- te de honra do Flamengo. Mas por conhecer como pou- cos o último presidente da primeira fase do alvinegro, falecido em 1978 aos 82 anos. “Vovô assumiu no final de década de 20. Foi ficando isolado na tentativa de manter a equipe. Todo mundo foi saindo aos poucos. A partir de 1933, comandava sem companhia. Uma hora, não deu mais para manter a equipe. O sonho dele era resgatar o clube. Passou vários anos correndo atrás des- te objetivo. Morreu tentando, mas não conseguiu.” “Vovô” em questão era Alberto Colares Martins, ou simplesmente Tenente Colares. Foi sobretudo este mili- tar quem aproximou o clube do Exército Brasileiro. Ave- nida 17 de Agosto, 1015. Foi o último prédio a funcio- nar como sede social. Quando o time foi parando, o ca- sarão perdeu a serventia. Atualmente, a instalação abri- ga o Centro de Preparação de Operações da Reserva (CPOR). Havia dois campos no local. Sobrou apenas um deles. Mas não está em condições adequadas para treinamentos de um time de futebol. As taças, símbolos de conquistas de disputas amado- ras e de bairro, também ficaram órfãs. “Depois que o Flamengo deixou de disputar o torneio principal do Per- nambucano, ainda passou alguns anos participando de competições menores. Mas não há muitos registros dis- so”, diz o pesquisador Carlos Celso Cordeiro, autor de duas publicações sobre o Campeonato Pernambucano. “Tenho informações que, durante a década de 1960, vo- vô entregou os troféus ao Náutico. Também estamos tentando resgatá-los”, informa Leonardo. O material foi de fato entregue na Avenida Rosa e Sil- va. “O Tenente Colares tinha muito apreço pelo Náuti- co”, relembra o administrador e colecionador Ricardo Breno Rodrigues, 75 anos, que ocupou cargos diretivos no Timbu de 1946 a 2001. As taças ficaram estocadas em um armário no segundo andar do casarão princi- pal. Mas hoje não se tem notícias deste material. “É ver- dade, ele entregou tudo mesmo ao Náutico. Sempre via esse armário por lá. Mas eram poucos troféus. Infeliz- mente não sei o fim que deram àquilo tudo.” Boa parte das recordações, acervos desbotados com o tempo, perderam-se também na cheia que inundou a cidade do Recife em 1977. “Papai tinha muitas fotos, camisas, recortes de jornais da época. A água invadiu lá em casa mais de dois metros e destruiu. Morávamos em Casa Forte. Outras coisas, não tive o interesse de guar- dar porque achei que nunca iria precisar”, relata Avani Colares, 86 anos, filha mais velha do tenente. Uma relíquia, pelo menos, está salva. A foto da equi- pe que atuou no último jogo do título de 1915 foi res- taurada recentemente e pertence ao acervo de Francisco Lyra, neto de José Frederico do Rêgo Maciel, um dos jo- gadores (na foto acima, o primeiro da esquerda para a direita, ajoelhado). “Se fosse hoje, acho que atuaria co- mo lateral-esquerdo. Lembro que vovô sempre contava histórias, principalmente sobre os últimos jogos. Mas não lembro detalhes porque eu era muito pequeno. Eram aquelas conversas de avô”, conta Lyra. O título veio após um supercampeonato contra o San- ta Cruz e o Torre. A taça saiu com vitória por 3x1 dian- te do Torre. Frederico não só esteve no campo do Bri- tish Club naquele 12 de dezembro, aos 19 anos, como foi autor de um dos gols dos flamenguistas. Taylor mar- cou os outros dois, enquanto Barreto descontou para os adversários. Contra os corais, uma semana antes, no mesmo gramado, a vitória havia sido acachapante. Go- leada incontestável por 6x2 naquele que viria a se tor- nar o segundo maior detentor de conquistas do Esta- dual. O comando para a construção de novas lembranças está a cargo de Felipe do Rêgo Barros. O advogado, de 40 anos, será o primeiro presidente desta segunda etapa de existência do Flamengo Sport Club, o único civil a ocupar cargo na agremiação, pelo menos neste primei- ro momento. “Vou cumprir essa missão nos primeiros anos e depois repassar o clube a quem de direito. É uma história bonita e importante para a sociedade per- nambucana que queremos resgatar. Não temos interes- se em vender jogadores ou entregar o time nas mãos de empresários, nada disso”, garante. E, na ausência de know-how ou recursos, a tradição pode impulsionar para um futuro pouco modesto. “Va- mos renascer já com uma estrela no escudo. Quando voltarmos para a Primeira Divisão, dou três anos para conquistarmos o título. Não me interessa se um tem fo- lha de R$ 1 milhão e o outro tem torcida. Nós teremos disciplina, força de vontade e essencialmente amor à ca- misa.” Se o desejo de Leonardo Colares vier a se confir- mar, o futebol pernambucano agradece. (R.C.) D esde 1945, o Sport Club do Recife, o Santa Cruz Futebol Clube e o Clube Náutico Capibaribe se revezam como campeões pernambucanos. Invariavelmente, todos os anos os jornais estampam o time de um dos três perfilado num grande pôster de recordação para os torcedores. Mas outros quatro clubes também já levantaram a taça da competição, embora as gerações mais recentes desconheçam o fato com profundidade. Houve um tempo em que Sport Club Flamengo, Torre Sport Club, Tramways Sport Club e América Futebol Clube fizeram frente ao trio de ferro recifense. Levantaram juntos 12 troféus. Numa época em que os amadores, em grande maioria, desfilavam pelos campos da cidade. O profissionalismo tratou de passar esses clubes para trás. Sonhadores, porém, estão trazendo à vida novamente o Flamengo. Este é o assunto do primeiro dia da série de matérias Quatro Campeões, que vai até quarta-feira. Amanhã, o extinto Torre. Design: Yana Parente e Gustavo Correia Fotos: Acervos pessoais e Rodrigo Lôbo Tratamento de Imagem: Alexandre Lopes, Claudio Coutinho e Jair Teixeira