Osteotomia sacroilíaca posterior: uma opção ao acesso ... · cranioencefálico e abdominal, contusão pulmo-nar ... da articulac¸ãofoi então removida com saca-bocados de Kerrison
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Transcript
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OCIEDADE BRASILEIRA DEORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA
www.rbo.org .br
ota Técnica
steotomia sacroilíaca posterior: uma opcãoo acesso ilioinguinal na reconstrucão pélvicam lesões inveteradas�
oão Antonio Matheus Guimarães ∗, Vinícius Magno da Rocha André Luiz Loyelo Barcellos
nstituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
nformações sobre o artigo
istórico do artigo:
ecebido em 9 de dezembro de 2016
ceito em 26 de janeiro de 2017
n-line em 8 de julho de 2017
alavras-chave:
steotomia
arafusos ósseos
rticulacão sacroilíaca
sso pélvico
r e s u m o
As fraturas do anel pélvico ocorrem em associacão com lesões potencialmente graves, cujo
tratamento é prioritário no cenário de atendimento ao politraumatizado. Como consequên-
cia, a abordagem ortopédica definitiva pode ser postergada, fazendo com que os pacientes se
apresentem com deformidades inveteradas e potencialmente incapacitantes. O tratamento
dessas deformidades é um desafio, requer reconstrucões cirúrgicas estagiadas e altamente
complexas. O acesso ilioinguinal tem sido amplamente usado nessas cirurgias, pois permite
a liberacão e mobilizacão da hemipelve e, em alguns casos, a fixacão anterior da articulacão
sacroilíaca. Entretanto, na maioria das vezes, uma reconstrucão estável requer que esse
acesso seja usado em associacão com outros dois acessos cirúrgicos (longitudinal posterior
e Pfannestiel), o que aumenta sobremaneira o tempo cirúrgico e o risco de complicacões,
como lesões neurovasculares e infeccão da ferida operatória. No presente estudo, apresenta-
mos uma técnica de osteotomia posterior para liberacão posterior e anterior da articulacão
sacroilíaca que elimina a necessidade de uso do acesso ilioinguinal. A técnica é feita pelo
acesso longitudinal posterior e permite mobilizacão adequada da hemipelve e reducão de
deformidades verticais e rotacionais antes da fixacão espinopélvica e reducão da sínfise
Ltda. This is an open access article under the CC BY-NC-ND license (http://
Introducão
As lesões do anel pélvico decorrem de traumas de altaenergia. Sua associacão com traumatismos cranioencefálicos,contusões pulmonares e/ou lesões de vísceras abdominaisprolonga a permanência das vítimas em unidades de tera-pia intensiva (UTI) para estabilizacão clínica.1 Em algunspaíses, a dificuldade de acesso a centros ortopédicos espe-cializados no tratamento dessas lesões retarda ainda maisa abordagem definitiva, aumenta o tempo de hospitalizacãoe a morbidade decorrente do uso prolongado de fixadoresexternos.1–3
Não é raro que sobreviventes desses traumas evoluam comdor, limitacão funcional e, em alguns casos, déficits neuroló-gicos associados à deformidade inveterada,3cujo tratamentoainda é um desafio. Entre algumas das dificuldades a seremvencidas estão a consolidacão viciosa, a formacão exuberantede calos ósseos, a proximidade com os órgãos abdomino-pélvicos e estruturas neurovasculares e o posicionamentode implantes em padrões complexos de fratura, com perdaóssea e/ou infeccão decorrente do uso prolongado de fixadoresexternos.1–4
Na maioria dos casos, o tratamento das lesões inveteradasdo anel pélvico é feito com três acessos cirúrgicos: 1) acesso ili-oinguinal (primeira janela), para liberacão da porcão anteriorda articulacão sacroilíaca (ASI); 2) acesso longitudinal pos-terior ao sacro, para liberacão da porcão posterior da ASI efixacão posterior do anel pélvico; e 3) acesso de Pfannestiel,para a reducão e fixacão da sínfise púbica (SP).1,2 No presenteestudo, apresentamos uma técnica que elimina a necessidadede uso da primeira janela ilioinguinal, reduz o risco de lesãoneurovascular, o tempo cirúrgico, a perda sanguínea operató-ria e o risco de infeccão.
Descricão do método
Na exemplificacão da técnica descreveremos o caso de umapaciente de 40 anos, vítima de queda de 12 metros, comtrauma direto sobre os membros inferiores. Além da lesão pél-vica, a paciente foi admitida na unidade de emergência com
creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
traumatismo cranioencefálico e abdominal, contusão pulmo-nar e fratura do gradil costal à direita, fratura-luxacão dopé direito e déficit neurológico da raiz de L5 à direita. Apósestabilizacão inicial da pelve com fixador externo (FE) e dafratura-luxacão do pé e laparotomia exploradora, a pacientefoi mantida em UTI por oito semanas até a estabilizacão clí-nica. O FE foi retirado ainda na UTI, na sexta semana após otrauma.
Dois anos após o acidente, a paciente foi avaliada.Queixava-se de lombalgia, dor na região inguinal direita, difi-culdade de deambulacão e de permanecer sentada por longosperíodos. Os exames de imagem foram atualizados, revela-ram deformidade em rotacão lateral e ascensão da hemipelvedireita (fig. 1 A-D), que determinaram encurtamento do mem-bro inferior ipsilateral. O tratamento cirúrgico foi indicadopara reconstrucão do anel pélvico.
Técnica cirúrgica
Primeira etapaEm decúbito ventral, sob anestesia geral, fez-se o acesso lon-gitudinal posterior ao sacro, seguiu-se com a disseccão damusculatura para permitir ampla visualizacão da ASI direita.Instrumentacão de L5, S1 e ilíacos foi feita bilateralmente, como objetivo de fixacão espinopélvica (Fesp) após osteotomia ecorrecão da deformidade. A ossificacão formada sobre a ASI,asa sacral e processo transverso de L5 foi cuidadosamenteremovida, permitiu a liberacão da raiz de L5, que se encon-trava aprisionada entre a asa do sacro e o processo transversopela ascensão da hemipelve direita. Osteotomias cuidadosasforam feitas na ASI do seu polo cefálico ao caudal, usaram-seosteótomos finos do aspecto sacral posterior em direcão aointerior da articulacão, criou-se um sulco progressivamentemaior no espaco articular (fig. 2 A-C). Nessa etapa, cuidou-separa que os osteótomos não violassem a porcão anterior daarticulacão, como medida de protecão para os vasos e órgãospélvicos. A fina camada óssea remanescente na porcão ante-
rior da articulacão foi então removida com saca-bocados deKerrison (fig. 2D). Antes do fechamento da ferida, um frag-mento ósseo de crista ilíaca foi ressecado para uso na próximaetapa da cirurgia.
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Figura 1 – Reconstrucão tridimensional de tomografia computadorizada feita dois anos após o trauma. A, vista anterior; B,v
SAdpóPcucmd
joso obtido de crista ilíaca foi então interposto no leitode osteotomia e na ASI (fig. 3B). Finalmente, a ferida foi
fechada por planos, com a instalacão de drenos Hemovac®
nosubcutâneo.
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ista posterior; C, vista alar esquerda; D, vista alar direita.
egunda etapainda sob anestesia geral, a paciente foi posicionada emecúbito dorsal. A abordagem de Pfannestiel foi empregada,ossibilitando acesso à SP. A reducão foi feita com pincassseas, seguida de sua fixacão com placa de reconstrucão.rocedeu-se então à revitalizacão da sínfise e à interposicão derista ilíaca obtida na etapa anterior, com objetivo de obter-sema fusão desta articulacão. Uma segunda placa foi posi-ionada para fixar o enxerto e garantir rigidez adicional àontagem. A ferida foi fechada por planos, com boa cobertura
os implantes.
AÁrea de
osteotomia
Zon
a fo
ram
inal
Zon
a fo
ram
inal
15°
15°
C
B
igura 2 – Osteotomia sacroilíaca posterior. A, demonstracão da
ara os cortes ósseos sequenciais; B, C, resseccão óssea sequencortical anterior; D, finalizacão da osteotomia com saca-bocado d
Terceira etapaA paciente foi reposicionada em decúbito ventral e o acessofeito na primeira etapa foi reaberto. A reducão da defor-midade foi feita com alicates que permitiram a distracãoentre as cabecas dos parafusos de L5 e dos ilíacos (fig. 3 A).A Fesp foi feita com o bloqueio das hastes aos parafusose união delas por um conector transverso. Enxerto espon-
Zon
a fo
ram
inal
Zon
a fo
ram
inal
15°
15°
D
área de seguranca e angulacão de ataque do osteótomoial, com criacão do sulco e manutencão de fina camadae Kerrison.
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A Alicate dedistraçã o
Parafuso de L5travado na haste
Parafuso do ilíaco,conectado porém semtravamento na haste
Sulco daosteotomia
B
mat
Figura 3 – Reducão posterior da deformidade. A, esque
A paciente permaneceu internada por sete dias após acirurgia, foi liberada para a deambulacão no terceiro dia depós-operatório e tem sido acompanhada regularmente noambulatório há 18 meses, com melhoria da dor e da mar-cha. A consolidacão da lesão foi evidenciada no sexto mês depós-operatório (fig. 4 A e B). A funcão da raiz de L5 não foirecuperada.
Comentários finais
As fraturas instáveis da pelve, quando abordadas na emer-gência, são tratadas com fixadores externos em sua grandemaioria, mesmo que de forma temporária. Lindhal et al.3 rela-taram uma série de 110 casos de fraturas instáveis tratadascom fixador externo e seus resultados foram insatisfatóriosem 85% dos casos. Nesse estudo, a principal complicacão foia consolidacão viciosa com sua deformidade residual (58%).
Embora essas deformidades se associem com reducão daqualidade de vida, concordamos com Mears e Velyvis4 quenem todos os pacientes se beneficiariam da reconstrucãocirúrgica. Diante da complexidade dessas lesões, aspectosclínicos e radiológicos devem ser levados em consideracão,
assim como a experiência da equipe cirúrgica e disponibi-lidade de implantes adequados para o tratamento dessespacientes. Desvios verticais da hemipelve superiores a 10 mm,
Figura 4 – Radiografias do primeiro ano de pó
izacão da técnica; B, enxertia do sulco da osteotomia.
ou ainda rotacões superiores a 10 graus, são parâmetros cor-relacionados à dor crônica e limitacão funcional, são usadospara indicar a reconstrucão em pacientes que se apresentamcom dor, déficit neurológico progressivo e/ou dificuldade paraa marcha.2,5
Normalmente, a reconstrucão cirúrgica requer uma abor-dagem estagiada para recriar a lesão inicial, permite suamobilizacão e correcão da deformidade. Para cada está-gio do tratamento, um acesso cirúrgico diferente é usado(tabela 1).
Lesões com instabilidade multidirecional normalmentese apresentam com ascensão e rotacão da hemipelve,calcificacão circunferencial da ASI e retracão de partes moles,exigem uma abordagem por triplo acesso na maioria dasvezes.2 Nessa abordagem, o acesso ilioinguinal é usado paraliberacão anterior da ASI e tem sido considerado pedra angu-lar do tratamento.2,4 Esse acesso aumenta o tempo cirúrgico, aperda sanguínea e a chance de ossificacão heterotópica, alémde colocar em risco a raiz de L5 e o feixe neurovascular inguinale já ter sido relacionado à fraqueza da musculatura abdutora,às hérnias incisionais e às infeccões no pós-operatório.6
A técnica aqui apresentada dispensa o acesso ilioinguinal,
sem prejuízo para a liberacão da porcão anterior da ASI. O alar-gamento progressivo da área de osteotomia libera espaco paraa correcão tanto vertical como rotacional da deformidade, sem
s-operatório. A, inlet view; B, outlet view.
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Tabela 1 – Opcões de acesso na abordagem estagiada para reconstrucão de deformidades pélvicas inveteradas
Acessos cirúrgicos Indicacão
Anterior-posterior-anterior1) Ilioinguinal Liberacão com ou sem a fixacão da
articulacão sacroilíaca anteriorDeformidades com desvio verticale rotacional da hemipelve, comcalcificacão circunferencial daarticulacão sacroilíaca e aberturada sínfise púbica
2) Longitudinalposterior
Liberacão e fixacão da articulacão sacroilíacaposterior
3) Pfannestiel Reducao e fixacão da sínfise púbica
Posterior-anterior-posterior1) Longitudinal
posteriorLiberacão posterior da articulacão sacroilíaca Deformidades com desvio vertical
e rotacional da hemipelve, comcalcificacão predominantementeposterior da articulacão sacroilíacae abertura da sínfise púbica
2) Pfannestiel Reducao anterior e fixacão da sínfise púbica3) Longitudinal
posteriorFixacão posterior da articulacão sacroilíaca
Anterior-posterior1) Ilioinguinal Liberacão anterior da articulacão sacroilíaca Deformidades com desvio vertical
mínimo, abertura mínima dasínfise púbica e calcificacão daarticulacão sacroilíaca
2) Longitudinalposterior
Fixacão posterior da articulacão sacroilíaca
Anterior-anterior1) Ilioinguinal Liberacão e fixacão anterior da articulacão
sacroilíacaDeformidades rotacionais, comintegridade sacroilíaca posterior,abertura anterior da articulacãosacroilíaca e da sínfise púbica
2) Pfannestiel Reducao e fixacão da sínfise púbica
PosteriorLongitudinal posterior Liberacão e fixacão posterior da articulacão
sacroilíacaDeformidades verticais e/ourotacionais com mínima aberturada sínfise púbica
AnteriorIlioinguinal Liberacão e fixacão da articulacão sacroilíaca
anteriorDeformidades com aberturasacroilíaca anterior e mínimaabertura da sínfise púbica
ouPfannestiel Reducão e fixacão da sínfise púbica Deformidades rotacionais, com
rfnp
inltplapad
aelsoefda
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1
esseccão óssea excessiva. Adicionalmente, quando o ilíacousiona ao processo transverso de L5, conforme observamoso caso apresentado, uma reducão adequada da hemipelveela abordagem ilioinguinal se torna inviável.
Outro aspecto que merece destaque é a estabilidadensuficiente da osteossíntese sacroilíaca anterior, que tornaecessária a complementacão posterior, especialmente em
esões desviadas e envelhecidas.7 Além disso, tracão esquelé-ica ou pinos de Schanz como joysticks podem ser necessáriosara a reducão do ilíaco e posicionamento das placas sacroi-
íacas anteriores. Quando a liberacão é feita pela via posterior,s manobras de distracão entre os parafusos de L5 e ilíacosermitem reducão adequada, dispensam esses dispositivosdicionais, que aumentam ainda mais a morbidade e duracãoa cirurgia.8
Em nossa paciente usamos na segunda etapa da cirurgia ocesso de Pfannestiel para reduzir e fixar a SP, obtendo maiorstabilidade do anel pélvico. Estudos biomecânicos que ava-iem a importância dessa etapa na reconstrucão pélvica aindae fazem necessários. A obrigatoriedade de fusionar a ASI éutro ponto controverso na técnica apresentada. Fizemos a
nxertia da área de osteotomia, pois algumas áreas do sulcoeito permanecem sem contato ósseo mesmo após a reducãoa deformidade. A ASI contralateral também é fusionada, poiscreditamos que dessa maneira é possível reduzir o estresse
2
integridade sacroilíaca e aberturada sínfise púbica
biomecânico sobre os parafusos inseridos no ilíaco e o riscode afrouxamento ou quebra.
Nossa técnica é uma opcão promissora, porém igualmentedemandante tecnicamente. A maior limitacão ainda é a neces-sidade de integracão entre equipes de cirurgia do traumaortopédico e de cirurgia da coluna vertebral. O treinamento denovos ortopedistas em cursos avancados de trauma pélvicoé um investimento que deve ser considerado diante do cres-cente número de politraumatizados, assim como a criacão decentros especializados.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
e f e r ê n c i a s
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