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Oshigi en i Stas

Oct 16, 2015

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  • OS HIGIENISTAS E A EDUCAO FSICA:

    A HISTRIA DOS SEUS IDEAIS

    por

    Edivaldo Gois Junior

    ___________________________

    Dissertao de Mestrado Apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica da

    Universidade Gama Filho Como Requisito Parcial obteno do Ttulo de Mestre em Educao Fsica

    Rio de Janeiro, Maro de 2000

    Dedico a Soraya e minha famlia

  • Homenagem ao professor Primeiramente eu gostaria de declarar meu amor a esta profisso. Algumas vezes

    desacreditada, outras creditada, no importa, o que interessa que escolhi este ofcio, e tenho muito orgulho dele. Contudo este amor no por acaso, pois teve origem no trabalho daqueles outros, que um dia foram e so meus professores. Foram eles que ensinaram-me a gostar e optar pelo magistrio. Eram e so to talentosos, que me despertaram admirao. Ento perguntei a mim mesmo: por que no? E estou aqui hoje escrevendo este texto cafona que antecede minha dissertao de mestrado. Pensei, desta forma, que seria justo homenagear aqueles que me ajudaram no caminho da Educao.

    Aos sete anos eu entrei em uma escola para at hoje, dezessete anos depois, nunca mais sair. Naquele ano, 1983, eu observava com certa preocupao aquelas crianas chorando copiosamente, no querendo de forma alguma deixar a me e ficar com uma senhora desconhecida. Esta senhora era uma professora, a primeira que tinha visto em toda minha vida, pelo menos que me lembre. Passado algum tempo, estvamos todos ns, chores ou no, em uma sala de aula. Dentro daquele ambiente, aquela senhora, que me lembro o nome, era Yolanda, nos ensinava as coisas mais simples como escrever, ler, desenhar. Porm o mais simples o mais complicado, que talento e pacincia tinha aquela senhora, que por inmeras vezes pegava na mo de cada um, sem excluir ningum, mesmo aqueles que no tinham interesse. Eu tenho muitas lembranas para contar da Professora Yolanda, que certamente j faleceu, pena que o espao e tempo sejam pequenos agora.

    Outro professor importante era o Joel. Sua disciplina era Educao Fsica, sua pedagogia era tecnicista, como era comum. Contudo o tecnicismo no o desqualificava, pois valores como cooperao, amizade, eram muito valorizados em sua aula. Lembro que quando disputvamos os campeonatos escolares, e um parceiro errava um passe, ou uma jogada simples, ele exigia que ns dssemos apoio ao menino. Ele foi um professor muito importante na formao de seus alunos, ensinando valores como a solidariedade.

    J na faculdade, eu conheci um professor um pouco louco, um maluco beleza. Seu nome: Antnio Geraldo Magalhes Gomes Pires. Eu devo muito a este professor, pois ele acreditou mais do que ningum em meu potencial. Fora este aspecto, que didtica ele possui. impossvel no prestar ateno, no entender o tema mais complicado se ele est na frente do quadro-negro. Sua aula um espetculo, gestos, bocas e caras, andando o tempo todo para l e pra c. Transparncias nem pensar, s o giz basta. Para ele, transparncia sofisticada estratgia de professor sem talento. Eu tento seguir seu exemplo, mas no todo mundo que tem seu carisma.

    Na faculdade no interior de So Paulo, tambm, eu tive o prazer de ser orientado por um tal de Pedro Pagni. Quantas histrias eu tenho para contar desse cara. O fato que em 1995, eu buscava, destemperadamente, algum que me pudesse orientar em Histria da Educao Fsica, ento me indicaram o Pedro, que no era meu professor. Ento fui procurar o tal do Pedro, entrei no restaurante universitrio, sentei na mesa do professor, e fiz todo um discurso e perguntei: e ento, Professor? Ele respondeu: Acho interessante, por que voc no procura o Pedro? Eu tinha me enganado de pessoa, o cara do cavanhaque era o Geraldo, que mais tarde foi meu professor e que j homenageei neste texto. O engano foi uma gafe, contudo ele me indicou que o Pedro ia palestrar naquele dia, foi quando o conheci. Disse ao Pedro que queria estudar a Educao Fsica na Grcia Antiga. Minha primeira leitura indicada por um orientador foi o Paidia, umas mil pginas, acho que ele queria que eu desistisse, isto no aconteceu. Nos trs anos em que ele me orientou eu aprendi muito. Existe muito do Pedro nesta dissertao.

    No mestrado, eu conheci melhor uma cidade e uma pessoa maravilhosa. Um sotaque muito reconhecvel, jeito latino, um argentino meio desconfiado, fumando sem parar, me entrevistava na seleo do mestrado. Achava que ele no tinha ido com minha cara. Acho que me enganei, alm de ter passado na seleo, acabei sendo seu orientando, e que sorte a minha. No s pelo intelectual que ele , pelo professor dedicado, pelo profissionalismo, qualidades que divide com o Antnio Jorge Soares, mas pelo amigo que se revelou. Eu s tenho palavras carinhosas para este amigo. Obrigado Hugo Lovisolo.

    Foi esta maneira muito simples que encontrei para dizer obrigado a estes profissionais, que piegas no? GOIS JUNIOR , E (2000) . Os higienistas e a Educao Fsica: a histria de seus

    ideais. (Dissertao de Mestrado). Rio de Janeiro: PPGEF, Universidade Gama

    Filho.

    2

  • Orientador: Prof. Dr. Hugo Lovisolo

    RESUMO

    Esta dissertao tem como objetivo refletir sobre a homogeneidade

    ou heterogeneidade do discurso do movimento higienista e sua influncia

    sobre a Educao Fsica. Para isto, enfatizamos a anlise de discursos tericos e

    propostas de interveno dos higienistas. Chegamos concluso que havia uma

    mentalidade heterognea e difusa entre os mesmos. Sendo que suas propostas

    iam da regulamentao dos casamentos entre indivduos mais aptos,

    esterilizao, at a democratizao da sade e da educao, ambas estratgias

    divulgadas por peridicos da Educao Fsica. Assim sendo, o que pode

    caracterizar os higienistas o interesse comum na divulgao de hbitos

    higinicos, normas profilticas e cuidados com o corpo. Seus objetivos no eram

    simplesmente atender os interesses de determinada classe social, mas sim, fazer

    que seus conhecimentos cientficos pudessem melhorar a vida de todos. Isto

    ficou claro a partir da anlise de documentos que despertam a ateno pelo

    carter reivindicatrio do discurso de vrios higienistas, que apontam a

    necessidade urgente da interveno nos problemas sociais da sociedade em

    voga.

    3

  • GOIS JNIOR, E (2000). The higienistas and the Physical Education: the history

    of its ideals. (Master Dissertation ). Rio de Janeiro: PPGEF, Gama Filho

    University.

    Adviser : Prof. Dr. Hugo Lovisolo

    ABSTRACT

    This dissertation has as objective to contemplate on the homogeneity

    or heterogeneity of the speech of the " movement higienist" and its influence on

    the Physical Education. For this, we emphasized the theoretical and proposed of

    intervention of the higienists analysis of speeches. We reached the conclusion

    that there was a heterogeneous and diffuse mentality among the same ones. And

    its proposals went of the regulation of the marriages among more capable

    individuals, sterilization, until the democratization of the health and of the

    education, both strategies disclosed by newspapers of the Physical Education.

    Like this being, what can characterize the higienistas it is the common interest

    in the popularization of hygienic habits, medics norms and cares with the body.

    Its objectives were not simply to assist the interests certain social class, but yes,

    to do that its scientific knowledge could improve the life of everybody. This was

    clear starting from the analysis of documents that you/they wake up the

    attention for the character chritical of the speech of several higienists, that aim

    the urgent need of the intervention in the social problems of the society in vogue.

    4

  • NDICE

    CAPTULO Pgina

    INTRODUO..................................................................................- Problema e posio - Delimitando o objeto - Caminhando para uma hiptese - Metodologia - Relevncia e Justificativa - Revisitando a historiografia da Educao Fsica - O que o leitor pode esperar desta dissertao

    001

    1 O MOVIMENTO HIGIENISTA NA EUROPA..................... - Do contexto - Industrializao - A urbanizao e as epidemias - Uma nova filantropia - O paradoxo do Liberalismo - O idealismo do movimento higienista - O motor humano - Desenvolvimento e debates da Medicina

    019

    2 OS HIGIENISTAS DO BRASIL............................................... - Brasil : incio do sculo XX - Abandono do povo: as epidemias - Pessimismo em relao raa e ao povo - A resposta nacionalista - Discusso intelectual sobre os problemas do Brasil - Os higienistas: crtica da sociedade e polmica racial - O movimento higienista: seus contrastes e suas complexidade - Como mudar? A interveno higienista

    060

    3 A EDUCAO FSICA E OS HIGIENISTAS......................... - O exemplo francs - Os intelectuais brasileiros, os higienistas e os mtodos ginsticos no Brasil - O melhor mtodo - Outras propostas, os mesmos objetivos - A Educao Fsica e as teorias higienistas - Precisamos nos legitimar

    142

    CONSIDERAES FINAIS........................................................... 166

    BIBLIOGRAFIA BSICA.............................................................. 169

    5

  • INTRODUO

    " enquanto houver

    historiadores, suas explicaes sero

    incompletas, pois nunca podero ser uma

    regresso ao infinito(Veyne, 1995, p.56.).

    Problema e posio

    Em meados do fim do sculo XIX e incio do sculo XX, surgia um novo

    discurso. Suas propostas residiam na defesa da Sade Pblica, na Educao, e no

    ensino de novos hbitos. Convencionou-se cham-lo de movimento higienista. O

    movimento tem uma idia central que a de valorizar a populao como um bem,

    com capital, com recurso talvez principal da Nao (Rabinbach, 1992). O movimento

    se expandiu pelo mundo e chegou ao Brasil, embora mediante reapropriaes e

    reinterpretaes.

    Preconizando normas, hbitos, que colaborariam com o aprimoramento

    da sade coletiva, do povo, da raa. Nas ltimas dcadas, a interpretao do

    movimento higienista foi abertamente crtica, sobretudo nas obras de histria da

    Educao Fsica geradas a partir dos anos oitenta. O argumento central dos crticos

    baseou-se um duas operaes: mediante a primeira o movimento higienista foi

    homogeneizado, considerado como um discurso e uma prtica de carter unitrio;

    pela segunda, foi considerado como agindo em bloco a servio dos interesses das

    6

  • classes dominantes. De fato, a homogeneizao estaria a servio da segunda

    operao, de sua considerao em bloco como sendo funcional para os interesses das

    classes dominantes. A crtica depende da homogeneizao, ela seu pressuposto

    lgico.

    Esta dissertao pretende mostrar que o movimento higienista era

    altamente heterogneo sob o ponto de vista terico (fundamentos biolgicos e

    raciais), ideolgico (liberalismo e anti-liberalismo). J no campo das medidas ou das

    polticas pblicas de educao, sade, habitao e trabalho, entre outras,

    encontramos uma maior unidade. Isto no de se estranhar. bem conhecido o fato

    que embora contrapostos em termos de adeso, as teorias bacteriolgica e dos

    miasmas, na prpria Europa, propuseram as mesmas medidas profilticas. Sobre

    este exemplo voltaremos adiante, aqui apenas pretendemos indicar para o leitor que

    teorias explicativas diferentes podem levar a prticas de interveno semelhantes.

    Outra preocupao nossa, mediante a descrio desse objeto de estudo,

    foi a questo do posicionamento. Embora sejamos crticos dos crticos, ou seja,

    reelaboremos as crticas, tentamos evitar as predefinies partidrias e ideolgicas.

    No porque as excluamos, mas porque tentamos controla-las metodologicamente. O

    envolvimento com o objeto de estudo no significa a assuno da parcialidade. As

    leituras de, entre outros, Eric Hobsbawn e Quentin Skinner fortaleceram em ns a

    confiana em podermos orientar-nos pela procura da imparcialidade, embora ela

    jamais seja absoluta. Autores, que se no nos deram um modelo metodolgico, nos

    deram indicaes de como realizar a tarefa de contar a Histria. Nosso orientador

    Hugo Lovisolo, por exemplo, sempre cita o argumento de Thomas Merton: se de fato

    impossvel um ambiente estril, poderamos fazer cirurgias nos esgotos. Contudo,

    7

  • sbia e praticamente procuramos os ambientes cirrgicos mais estreis possveis.

    No acreditamos que as coisas sejam diferentes no campo da histria e das cincias

    sociais

    Em Hobsbawn, primeiramente, percebemos a importncia da

    imparcialidade ou iseno1. Este autor recomenda: muito importante que os

    historiadores se lembrem de sua responsabilidade, que , acima de tudo, a de se

    isentar das paixes de identidade poltica - mesmo se tambm as sentirmos.

    (Hobsbawn, 1998, p.20). O que ele nos quer ensinar que uma histria deve ter

    universalidade, e no identidade de um grupo poltico, racial. Por exemplo, uma

    histria pode ser contada para os que pretendem revolucionar o mundo, outra para

    quem pretende reformar, outra para quem conservador. Uma histria para os

    judeus, outra para os alemes. Hobsbawn pensa que a construo dessas histrias de

    identidades (polticas, nacionais, raciais) podem fazer com que a Histria perca sua

    universalidade, tornando-se uma histria de identidade. Muitos pesquisadores

    voltam-se ao passado procurando uma legitimao para seus atos no presente. Eles

    utilizam a histria para justificar suas posies (Hobsbawn, 1998).

    Ensina-nos, tambm Quentin Skinner:

    Quando digo que a tarefa do historiador a do

    anjo registrador quero dizer que sua aspirao deve ser a de

    recapturar o passado nos seus prprios termos deixando de

    lado, no possvel, as dvidas ps-modernistas quanto total

    viabilidade disso. (...) O que quero dizer que nossos valores

    devem nos motivar a escolher os assuntos que queremos

    1 Da mesma forma nos orientou Antnio Jorge nas suas aulas sobre Popper.

    8

  • estudar. Mas, uma vez feita a escolha, a recuperao do

    passado exige grande imparcialidade.(Skinner, 1998, p.7)

    Com esta passagem podemos entender que a escrita da histria exige

    imparcialidade. Deste modo, ao descrevermos o discurso do movimento higienista

    brasileiro, optamos nem por defend-lo, nem por atac-lo, mas sim, vislumbrar sua

    complexidade, seus prprios termos no seio da sociedade que se formou entre as

    ltimas dcadas do sculo passado e as primeiras deste, ou seja, no seu prprio

    contexto.

    medida que o trabalho se intensificava, percebamos que havia matizes

    de valores da poca que eram diversos dos da sociedade atual, o que ocasionou mais

    obstculos na sua caracterizao. Vimos que o discurso higienista, tambm era fruto

    de uma sociedade em processo de industrializao, o que acarretou certas nfases na

    questo do preparao do trabalhador, na urbanizao, no controle de novas doenas

    epidmicas e ocupacionais. Ou seja, o discurso higienista voltava-se para questes

    pertinentes ao seu tempo, aos valores da poca como trabalho, disciplina,

    interveno. Como qualquer discurso datado, por isso, sua interpretao

    descontextualizada apenas pode produzir anacronismos. Descobrimos que ignorar

    este contexto e valores da poca, comprometeria esta narrativa. Segundo Gramsci,

    devemos ter historicidade, que ter a conscincia da fase de desenvolvimento de

    nossos tempos e do fato de que ela est em contradio com outras concepes de

    outros tempos." (Gramsci, 1978, p.13) Enfim, ns no poderamos julgar

    pensamentos e atitudes envolvidas por valores que s vezes so contrrios aos

    valores de hoje. Tentamos olhar para o passado sem pr julg-lo.

    9

  • partir destas dificuldades encontradas por ns, tentamos desenrolar

    nosso objeto de estudo. Vimos que os problemas estavam apenas comeando.

    Delimitando o objeto

    A primeira dificuldade revelou-se na delimitao do recorte histrico.

    Seria muito difcil determinar uma data que fosse considerada como a inicial e a

    terminal na vigncia do discurso higienista, estabelecendo sua periodizao.

    Poderamos ter adotado uma periodizao determinada pela histria poltica, isto

    seria possvel caso considerssemos este discurso como especfico das tendncias

    ideolgicas do sculo XIX e, menos ainda, como Ghirardelli entendeu, como

    especfico produto do liberalismo (Ghiraldelli, 1988). Contudo, quando examinamos

    as fontes, esta prerrogativa no se manteve pois, no caso brasileiro, sua consolidao

    se deu em plena Ditadura Vargas, momento brasileiro caracterizado pelo domnio

    ideolgico das tendncias centralizadoras, no-liberais. Nos parece mais coerente,

    determinar um marco inicial baseado em ocorrncias que tornaram possvel a

    demanda do movimento higienista europeu, como a industrializao, a

    urbanizao, a bacteriologia e a fisiologia, a filantropia e as diversas ideologias que

    militam na segunda metade do sculo XIX, como o liberalismo mas, tambm, o

    socialismo. Com isto, podemos adotar este recorte temporal inicial na segunda

    metade do sculo XIX e o corte final, por deciso da dinmica da pesquisa, corte por

    certo arbitrrio, em 1945. Pretendemos, no futuro, alongar a pesquisa para o nosso

    presente.

    10

  • A segunda dificuldade foi definir o que era um higienista. As definies

    enciclopdicas eram muito restritas, definindo-os como estudiosos da Higiene, como

    mdicos sanitaristas. Porm o movimento higienista era muito mais amplo.

    Contava com apoio de educadores, polticos, advogados, engenheiros, instrutores de

    ginstica. Enfim, uma gama bastante diversa de profisses foi influenciada pelos

    pressupostos higienistas. Assim, no entendemos os higienistas como apenas

    mdicos. Ento, pensamos em caracteriz-los como intelectuais que tinham em

    comum o desejo de melhorar as condies de sade coletiva da populao brasileira.

    Somente dentro deste modelo podemos dar uma certa unidade aos higienistas.

    Contudo a tarefa no era to simples, pois o que um intelectual?

    Em Gramsci encontrada a definio mais usual de intelectual. Em sua

    obra Os intelectuais e a organizao da cultura, ele defende a existncia de dois

    tipos especficos de intelectuais: os intelectuais tradicionais e os orgnicos. Os

    primeiros teriam o papel de manter e justificar o constitudo. J os intelectuais

    orgnicos, defenderiam determinadas classes sociais, organizando seus interesses,

    aumentando seu poder.(Gramsci, 1978a) Esta tipologia acaba criando duas

    polarizaes, uma entre o orgnico e tradicional, e outra entre os defensores das

    classes dominantes e das classes dominadas. Dentro desta lgica, um intelectual est

    favor ou contra os interesses dos trabalhadores ou empregadores. Contudo,

    percebemos que seria muito difcil caracterizar o movimento higienista e seus

    intelectuais dentro desta perspectiva. No poderamos caracteriz-los como

    intelectuais orgnicos favorveis ou contrrios aos interesses dos trabalhadores, sem

    imputar-lhes uma homogeneidade de discurso inexistente. Em outras palavras, esta

    histria no poderia ser narrada com viles e mocinhos.

    11

  • Neste sentido, tornou-se mais interessante o uso da definio de Hugo

    Lovisolo. Segundo ele, o que caracteriza um intelectual seu desejo de formar mais

    intelectuais, ou seja, tornar a sociedade mais crtica e intelectualizada. Com esta

    definio, podemos considerar os higienistas como intelectuais, e muitos outros que

    no se adaptam tipologia gramsciana. Deste modo, para Lovisolo, podemos

    compreender porque os educadores fsicos, que tambm se consideram intelectuais,

    procuram que o atleta seja criticamente consciente de seus movimentos fsicos e dos

    jogos sociais e polticos que participam. Na verdade, eles esto tentando

    intelectualizar aquela prtica. Em seus termos, do mesmo modo:

    Os mdicos que insistem para que conheamos e

    administremos criticamente nosso prprio organismo para

    crescermos em autonomia. Em todos os casos, o pensar por

    si mesmo, o ser intelectualmente adulto est presente. Parece-

    me que este o bojo da tradio na qual os intelectuais so

    emotivamente formados e talvez seja esta a grande ligao com

    o cotidiano e com os diferentes segmentos da sociedade. Em

    definitiva, autores crticos dos intelectuais, como Foucault,

    Bourdieu ou Habermas procuram, nem sempre explicitamente,

    que pensemos por ns mesmos, autonomamente, de forma

    emancipada. Eles tambm querem reproduzir intelectuais.

    (Lovisolo, 1998a, p.7)

    Se os intelectuais tem em comum o desejo de formar outros, seria difcil

    no considerar os higienistas como tal. Eles tinham um discurso heterogneo, e s

    vezes oposto, contudo tinham algo em comum: o desejo de educar a populao nas

    12

  • normas higinicas. Eles tinham a misso de convencer e racionalizar muitas prticas,

    por exemplo a Educao Fsica, a classe dirigente, da importncia da Educao

    Higinica.

    Fora esta caracterizao, Lovisolo, ainda identifica outras categorias

    dentro do termo intelectual. Segundo ele, existem os intelectuais academicistas e os

    intervencionistas/cientificistas (Lovisolo, 1997).

    Os primeiros so aqueles interessados no saber pelo saber, no se

    preocupando imediatamente com a aplicao de suas descobertas tericas, separando

    o poltico do cientfico. J os intervencionistas propem a reestruturao do mundo

    partir da cincia, postulando a necessidade de um conhecimento til para a

    sociedade. Estabelece formas de interao com o povo, tentando conduzi-lo, educ-

    lo, conscientiz-lo (Lovisolo, 1997).

    Os higienistas se definem como intervencionistas na medida que usam

    suas pesquisas para indicar as melhores formas de evitar a doena, quando procuram

    explicaes econmicas, sociais, biolgicas, para o estado de doena do povo.

    Quando prope estratgias, ainda que de forma difusa, para o equacionamento de

    problemas da Sade Pblica.

    Podemos, ento, desta forma, encarar os higienistas como intelectuais

    cientificistas que tinham como ideal o melhoramento das condies da Sade

    coletiva e individual, atravs do encaminhamento de propostas de interveno, que

    por muitas vezes iam em direes opostas, mas queriam alcanar este mesmo

    objetivo.

    13

  • Caminhando para uma hiptese

    Se tivssemos o intuito de analisar os higienistas como intelectuais

    dentro da tipologia gramsciana, teramos que defini-los como intelectuais orgnicos,

    e ento teramos que enfrentar o problema de definir a favor de qual classe social

    teriam atuado. A historiografia dos anos oitenta optou por esse modelo e tambm

    optou, com argumentos pouco slidos, em defini-los como intelectuais a servio das

    classes dominantes. Nesta viso, os higienistas seriam defensores do capital. Seu

    discurso e ao, homogneo ou unitrio, seria determinado pelos interesses das elites

    sociais. Ainda em uma perspectiva gramsciana, poderiam ser montados argumentos

    que salientassem sua participao como defensores dos trabalhadores e opositores do

    Capital. Ou seja, a tipologia de Gramsci levaria na direo de um jogo no qual

    estamos obrigados a distinguir e agrupar os defensores de um e outros, opressores e

    oprimidos. Consideramos, a partir da leitura de seus escritos e da avaliao de suas

    aes, que a tipologia cria uma polarizao que se torna difcil conceber na anlise

    do discurso dos higienistas.

    Seria mais preciso caracteriz-lo como um discurso heterogneo, que por

    muitas vezes, mediava os interesses entre as classes sociais, sem necessariamente

    assumir os interesses dos opressores ou dos oprimidos. Se as coisas ocorreram desse

    modo, teramos, ento, que pensar a possibilidade que alm dos interesses dos

    oprimidos e opressores podiam tambm estar em jogo os interesses dos prprios

    intelectuais. Assim, os interventores intelectuais estariam interessados em construir

    uma sociedade que favorea aos intelectuais. Acredito que seja esta a hiptese que

    pode ser derivada do trabalho de Lovisolo citado anteriormente.

    14

  • Em termos concretos partiremos da hiptese de que os ideais do

    movimento higienista no eram determinados pelos interesses da camada

    dominante, embora em sua funo de mediadores os levassem em conta.

    Desta forma, a hiptese central que ser defendida neste estudo que o

    discurso de vrios higienistas, que influenciaram a mentalidade da poca, chegando

    at nossos dias2, e de modo particular aos discursos e a interveno da Educao

    Fsica, partilhavam do intuito de cuidar melhor da populao atravs de uma

    interveno estatal, melhorando sua sade, tendo como estratgias s vezes a

    esterilizao, regulamentao dos casamentos e, em outras, a conquista de direitos

    trabalhistas, a defesa da democratizao da Sade e da Educao, enfim, constituindo

    um iderio heterogneo, que atingiu diversos setores da sociedade, como a Educao

    Fsica. No fundo, tratava-se de fazer uma populao mais sadia, mais disciplinada,

    mais educada e, porque no, fsica e intelectualmente mais preparada.

    Metodologia

    Esta pesquisa qualitativa, de modelo bibliogrfico, tem por objetivo

    estudar fontes primrias e secundrias sobre o tema.

    As tcnicas de pesquisa consistem na anlise de documentos do perodo:

    Adotamos como fontes primrias, trabalhos de intelectuais brasileiros da

    primeira metade do sculo XX, como Monteiro Lobato (1961, 1961a, 1961b),

    Fernando de Azevedo (1920, 1933, 1950, s.d.) Affonso Celso (1943), Manoel

    Bonfim (1905, 1926, 1996), Alberto Torres (1982, 1990), Oliveira Vianna (1959),

    2 Nos dias de hoje o prprio movimento das sade pode ser considerado como derivado do discurso higienista do incio do sculo.

    15

  • Pena Belisrio (1923), Afrnio Peixoto (1913, 1938), Miguel Couto (1932, 1933), e

    outros. Assim como, atas de congressos de Higiene, manuais de Higiene, peridicos

    da poca, tradues de Inezil Penna Marinho (s.d, s.da,) dos mtodos ginsticos.

    Do mesmo modo adotamos, diversas fontes secundrias que deram

    suporte s nossas interpretaes, principalmente na descrio do movimento

    higienista na Europa, onde tivemos como base principal, os trabalhos de Anson

    Rabinbach (1992), Jacques Donzelot (1980), Georges Vigarello (1985), George

    Rosen (1994). No caso brasileiro, nos interessaram, principalmente, trabalhos de

    Gilberto Hochman & Nzia Trindade (1996), de Thomas Skidmore (1989, 1998),

    Vera Marques (1997), Dante Moreira Leite (1976), e outros.

    Relevncia e Justificativa

    Esta pesquisa torna-se justificvel e relevante na medida que contrape a

    idia dominante em nosso campo sobre o movimento higienista, que algumas

    vezes considera a Educao Fsica dita higienista como uma prtica autoritria ligada

    ao militarismo e aos mdicos. Tendo a idia de progresso em mente, julgam que a

    Educao Fsica hoje e o movimento de sade so melhores, progrediram. Ou seja,

    acredita-se que as orientaes da Educao Fsica progrediram e ainda progridem.

    H, no entanto, aqueles que quando escrevem a histria da Educao

    Fsica, passam a idia de que o movimento higienista representou um mal e, que o

    mal ainda persiste, embora possam postular que o progresso ainda deve ser alcanado

    no desenvolvimento, por exemplo, de uma conscincia crtica.

    16

  • Diferentemente dessas perspectivas, queremos entender o movimento

    higienista destacando seus ideais, motivaes, interaes sociais. Para, ento,

    observarmos at que ponto esta idia de progresso se sustenta.

    Nosso trabalho busca a crtica do que j foi contado na historiografia da

    Educao Fsica, respaldando outras interpretaes para sua a histria.

    Revisitando a historiografia da Educao Fsica

    Na dcada de noventa algumas crticas foram elaboradas com o intuito de

    relativizar muitas das teses da historiografia da Educao Fsica da dcada de oitenta.

    Pedro ngelo Pagni (1995), Alberto Pillati (1994), Ademir Gebara (1994), e mais

    recentemente, na ocasio da orientao deste trabalho, Hugo Lovisolo (1998)3

    apontaram muitas lacunas na produo da Histria crtica (como ficou conhecida

    a historiografia da dcada de oitenta).

    A tese principal desta historiografia representada, principalmente, por

    Lino Castellani Filho (1988), Paulo Ghiraldelli Jnior (1988) e Carmem Lcia

    Soares (1990), com os seguintes textos: Educao Fsica no Brasil: uma histria

    que no se conta; Educao Fsica Progressista; O pensamento mdico

    higienista e a Educao Fsica no Brasil: 1850-1920, que a teoria e a prtica dos

    higienistas e dos professores/instrutores de Ginstica/Educao Fsica era

    3Ademir Gebara (1994) e Lus Alberto Pillati (1994) questionaram a questo da periodizao poltica adotada pela Histria Crtica. Pedro ngelo Pagni no Histria da Educao Fsica no Brasil: notas para uma avaliao(In: FERREIRA NETO, As Cincias do Esporte no Brasil) faz uma crtica sobre a produo de Fernando de Azevedo, Inezil Penna Marinho e Lino Castellanni Filho sobre histria da Educao Fsica, ressaltando lacunas na historiografia destes autores. Hugo Lovisolo no Histria Oficial e histria crtica: pela autonomia do campo ( In: Coletnea do VI Congresso Nacional de Histria da Educao Fsica, Rio de Janeiro, UGF, 1998) v semelhantes essas duas formas de escrever histria na Educao Fsica Brasileira, pois estiveram da mesma forma preocupadas mais com a legitimao de uma pedagogia do que com a reconstruo da histria.

    17

  • determinada pelos interesses das classes dirigentes. A este respeito Francisco

    Caparroz, afirma, com propriedade que,

    "No que as condies a este respeito estivessem

    totalmente equivocadas ou que no se devessem operar anlises

    neste sentido, no se trata disso, mas sim de mostrar que operar

    anlises nica e exclusivamente nesta perspectiva pode levar

    fatalmente a certos reducionismos, como acreditar que o

    processo histrico totalmente determinado pela

    macroestrutura, o que levaria ento a crer, que no h espaos

    para as contradies e conflitos, j que h apenas e to somente

    um movimento (paradoxalmente) esttico e linear de

    reproduo da ideologia dominante." (Caparroz, 1997, p.74-5)

    Concordamos com a anlise de Caparroz. No precisamos desconsiderar

    as interpretaes desses autores, mas devemos testa-las, no simplesmente, aceit-las

    como verdades absolutas.

    Por exemplo, Castellani considerou, baseado em um livro de Jurandir

    Freire Costa, que os higienistas colaboravam em um projeto racista de supremacia

    da raa branca e, tambm, de opresso da classe trabalhadora. Com comprovamos

    nesta passagem:

    Os mdicos higienistas, ento, atravs da

    disciplinarizao do fsico, do intelecto, da moral, e da

    sexualidade, visavam ...multiplicar os indivduos brancos

    politicamente adeptos da ideologia nacionalista... por isso

    18

  • que nos cumpre dizia o Dr. Joaquim Jos dos Remdios

    Monteiro, citado por Jurandir envidar todos os esforos para

    o melhoramento da gerao atual pela garantia da procriao,

    pela educao fsica... Educao Fsica associada Educao

    Sexual, a qual segundo os higienistas deveria transformar

    homens e mulheres em reprodutores e guardies de proles e

    raas puras...4

    Castellani baseado nesta citao considerou o movimento higienista

    unido na questo da superioridade da raa branca, atribuindo a este movimento um

    discurso unvoco e homogneo. Demonstraremos nesta dissertao, que por muitas

    vezes, higienistas como Fernando de Azevedo, Miguel Couto e outros, teceram duras

    crticas a esta ideologia.

    Outra crtica, desta vez da autoria de Hugo Lovisolo, caminha no mesmo

    sentido medida que considera que uma histria narrada sem uma maior

    imparcialidade, como foi feito na dcada de oitenta, est sujeita a acreditar que

    questes como: de que lado est a histria narrada? a quem defende? quais so seus

    heris? qual sua moralidade ou sua poltica? tem mais importncia, enquanto

    critrios de aceitabilidade, do que a consistncia da narrativa, das provas fatuais, da

    originalidade no tratamento dos materiais da histria. O problema, ento, no

    porque ou com qual intencionalidade se pensa que os ideais higienistas alienavam o

    povo ou eram funcionais ao liberalismo. O problema como se demonstra essa

    convico. No se trata de expulsar as convices, trata-se de afinar o como. Nos

    termos de Lovisolo:

    4 CASTELLANI FILHO. Op. cit., p.44. COSTA, Jurandir Freire. Ordem mdica e norma familiar.

    19

  • Os autores e as produes da "histria crtica" da

    educao fsica tornaram-se parte dos dogmas e seus autores,

    citados e recitados, por vezes contra sua vontade, parece que

    esto alm da crtica terica e emprica. A citao dogmtica

    pode ser resultado de que estamos, alguns dos de dentro, com

    disposies favorveis para aceitar como vlida e boa sua

    narrativa da histria dos esportes e da educao fsica. Uma

    narrativa altamente ideologizada pelas preocupaes de

    denunciar "projetos" e "aes" de dominao e de justificar os

    contraprojetos, por vezes supostos, de emancipao dos grupos

    historicamente subordinados ou dominados. Esta sem dvida

    uma dimenso da histria, contudo, no a nica nem sempre a

    mais relevante. Assim, a histria crtica inventa sua prpria

    reduo histrica para se contrapor a outros reducionismos.

    Reproduz, em espelho deformado, aquilo que pretende

    combater. (Lovisolo, 1998, p.57)

    Esta historiografia, segundo Lovisolo, preocupou-se mais em revisar

    trabalhos da historiografia da Educao5 que fossem de encontro s suas

    interpretaes, do que a reconstruo da histria de uma forma consistente. Assim,

    por exemplo, ainda segundo Lovisolo, a histria crtica no poderia ter ignorado que

    os fisiologistas e higienistas, no sculo passado na Europa e no Brasil, foram aliados

    importantes da classe trabalhadora (Lovisolo, 1998). Pois, despertaram o pblico

    para a idia de que um povo sadio e educado um capital de inestimvel valor para o

    pas, dando fundamento a reivindicaes dos trabalhadores, ajudando-lhes a

    Rio de Janeiro, Graal, 1983, p.213.

    20

  • consolidar a idia de que Sade e Educao deveriam ser prioridades do Estado.

    Defenderam a reduo da jornada de trabalho como medida profiltica no combate s

    doenas ocupacionais. Enfim, por diversas vezes, colaboraram na melhoria das

    condies de vida da populao em geral, como demonstraremos nesta dissertao.

    A historiografia comentada nesta crtica, tambm, parte do pressuposto

    de que a populao em geral no pode resistir a ideologia dos governos. Se o

    governo liberal, todos passam a ser influenciados a ter um pensamento liberal. Se

    transportarmos esta lgica para nossos dias entenderamos que o pensamento dos

    professores de Educao Fsica era autoritrio at 1985 e passou a ser neo-liberal?

    Neste sentido, Max Weber pode nos ensinar que o indivduo deve estar

    no centro da problemtica. No seu trabalho mais paradigmtico mostra, por exemplo,

    que o desenvolvimento do capitalismo vai depender da mentalidade das pessoas.

    Temos que entender que o protestantismo no foi criado para ser funcional ao

    capitalismo, mas em uma lgica de interao entre os atores sociais contribuiu na

    consolidao do esprito capitalista. Nas suas palavras: "...o racionalismo

    econmico, embora dependa parcialmente da tcnica e do Direito Racional, ao

    mesmo tempo determinado pela capacidade e disposio dos homens em adotar

    certos tipos de conduta racional." (Weber, s.d., p.11)

    Finalizando, ressaltamos que uma interpretao comum todos os

    autores que o movimento higienista atendia aos interesses da camada dominante

    da populao. Defenderemos a tese que esta relao mais complexa, mais

    weberiana, procurando afinar esta reflexo.

    5 Demerval Saviani (1983), Maria Lusa Santos Ribeiro (1982), Otaza Romanelli (1984), Libneo (1985), Alcir Lenharo (1986), Jurandir Costa (1983 ), Edgar de Decca (1988).

    21

  • O que o leitor pode esperar desta dissertao

    No primeiro captulo, faremos uma reviso de literatura com o intuito de

    construir o cenrio europeu em que o movimento higienista se moldou. Portanto

    usaremos as interpretaes de historiadores europeus que discutiram o tema. Nestes

    autores procuraremos a descrio das condies de vida na Europa antes do

    movimento higienista. Perceberemos, ento, que a crise que vivia esta sociedade

    produziu uma mentalidade de mudana. Descreveremos este discurso, enfocando

    seus objetivos, seus ideais. Tambm saberemos como a Sade Pblica era tratada,

    para entendermos que o Estado no atendia as demandas da Sade, sendo assim, o

    povo encontrava-se em um estado de abandono. Ento surgem diversos movimentos

    sociais defendendo e exigindo a interveno do Estado nas questes sociais. Entre

    estes, existia um movimentos de intelectuais reformadores, mdicos, educadores, que

    constitua o grupo higienista agindo em diversos setores da sociedade.

    Em segundo lugar, veremos se no Brasil as condies do trabalho, do

    ensino, da sociedade se diferenciavam das condies europias. O quadro que ser

    descrito no diverso do europeu, porm observaremos determinadas nfases no

    discurso higienista brasileiro. Encontraremos outros postulados, como a idia de que

    o povo estava doente e abandonado que substituiria a mentalidade que pregava

    que o povo brasileiro era debilitado racialmente por suas caracterstica genticas

    herdadas de raas inferiores. Estas teses eram discutidas entre os intelectuais

    brasileiros, que influenciaram o movimento higienista no Brasil. Como era este

    debate? Como influenciou os higienistas? So indagaes respondidas nesta

    dissertao.

    22

  • Ento, finalmente, analisaremos as fontes primrias da Educao Fsica,

    onde destacaremos o discurso higienista.

    Finalmente, ratificaremos outras interpretaes sobre a histria da

    Educao Fsica relacionada ao movimento higienista.

    23

  • MOVIMENTO HIGIENISTA NA EUROPA

    Do contexto

    Para entender a influncia do movimento higienista no Brasil e na

    prpria Educao Fsica, deveremos comear descrevendo, de forma sinttica, o

    contexto no qual suas idias tiveram origem e ganharam repercusso. Pareceu-nos

    pertinente consultar obras de historiadores europeus que revelassem os aspectos do

    24

  • movimento para, posteriormente, estabelecer suas relaes com o movimento no

    Brasil, tentando aprender tanto semelhanas quanto diferenas.

    O que podemos perceber, inicialmente, que o movimento surgiu em um

    contexto de crescimento do capitalismo industrial, manufatura e grande indstria, na

    Inglaterra, Frana e Alemanha. O quadro de constante crescimento da indstria e da

    pobreza constituram um cenrio propenso s reformas de vrios setores da

    sociedade. Nesse mesmo contexto, Marx, no Capital, elaborou sua famosa lei da

    pauperizao crescente do proletariado.6 Assim, as relaes entre trabalhadores e

    industriais, com alta explorao e srios problemas de sade, influenciaram na

    construo de um iderio que pretendia torn-las mais justas (Rabinbach, 1992).

    Mas este no o nico aspecto que caracteriza o contexto at o sculo

    XVIII. Inicia-se, tambm, um novo discurso de valorizao da populao,

    caracterizando uma mudana na filantropia, que comea a ser adotada por novos

    governos liberais na Inglaterra e Frana.

    Posteriormente, analisando o sculo XIX, constataremos que o

    movimento higienista j se encontrava em alicerces slidos. Vrios profissionais

    de diversas reas comeam a disseminar seu discurso de melhoria dos padres de

    vida. O argumento de autoridade deste iderio eram as pesquisas cientficas que

    comprovavam a urgncia na interveno da sociedade nos problemas da populao.

    Como resultado deste processo, o surgimento da cincia do trabalho colaborou na

    reduo da jornada, intervalos, melhores condies de vida para o trabalhador

    (Rabinbach, 1992).

    6 Lembramos que a primeira edio do Capital de 1868. Sobre a manufatura e a grande indstria e suas condies de operao e vida dos trabalhadores sua obra continua sendo uma excelente fonte.

    25

  • Outro aspecto relevante neste contexto o resultado da urbanizao, que

    causa novas doenas e epidemias (Rosen, 1994). Uma demanda que no ignorada

    pelos mdicos, que defendem diferentes formas de prevenir e tratar as molstias. E,

    isto, exige pesquisas, que contriburam para o desenvolvimento da cincia no campo

    da medicina e da Sade Pblica.

    Sendo assim, a cincia passa a determinar a melhor forma para cada um

    cuidar de seu corpo, em um projeto de mudanas de hbitos em relao ele

    (Rabinbah, 1992).

    Todos estes aspectos colaboraram na efetivao da idia de que a

    populao era a grande riqueza da nao.

    Industrializao

    O sculo XVIII marcou na Inglaterra o desenvolvimento das tecnologias

    industriais. Modificando profundamente o panorama social e econmico do pas.

    Segundo o historiador francs Andre Alba (1986), a Inglaterra passou de

    pas agrcola, onde predominava a mdia propriedade, para um pas de grandes

    propriedades, de agricultura renovada, para por fim tornar-se a potncia industrial

    daqueles anos.

    Os ingleses que trabalhavam, principalmente, com l, com o

    desenvolvimento do comrcio internacional, comearam a trabalhar com tecidos de

    algodo. Ao mesmo tempo, uma srie de aperfeioamentos tcnicos aumentaram

    cada vez mais a produo. Com o surgimento dos teares, nasce o maquinismo. A

    indstria metalrgica, tambm, teve um crescimento considervel. O ferro

    26

  • trabalhado de forma cada vez mais eficaz. As tecnologias iam se aperfeioando, at

    que, aproximadamente, em 1780, Watt pautando-se em pesquisas anteriores de

    Papin e Newcomem, cria a mquina vapor (Alba, 1986, p. 210).

    O desenvolvimento dessas tecnologias possibilitaram Inglaterra a

    supremacia no campo da indstria. Fato que gerou riquezas, aumento da

    produtividade e da produo.

    Principalmente, a Inglaterra, mas tambm a Frana, tinham a sua

    disposio a tecnologia necessria para o desenvolvimento da indstria. E, foram os

    dois pases que primeiro sentiram as conseqncias sociais da industrializao. Ainda

    no preparados para o trabalho industrial, os trabalhadores do campo perderam seus

    empregos na zona rural. As pequenas propriedades tambm perderam representao

    econmica. Muitos trabalhadores rurais migraram para as cidades na Inglaterra.

    Segundo Alba (1986, p.257), se fazia uma imensa concorrncia entre os

    trabalhadores, portanto os salrios eram muito baixos. O desemprego tornar-se-ia um

    problema de propores imensas, aumentando a pobreza.

    Este aumento da pobreza, que assolava a Inglaterra desde o fim da Idade

    Mdia, passou a ser a preocupao central de alguns autores na Europa. George

    Rosen nos mostra que vrios projetos foram elaborados para amenizar o problema.

    Em 1601 a lei Elisabetiana tornou-se a base da administrao inglesa da Lei dos

    Pobres. (Rosen, 1980)

    Inicialmente, ela delegava o cuidado dos pobres s comunidades locais.

    Como as parquias, que tiveram a incumbncia de atender esta demanda. Segundo

    Rosen:

    27

  • A despeito de vrias aes, porm, o problema da

    massa de trabalhadores, permaneceu sem soluo. Na segunda

    dcada do sculo XIX, a pobreza e o infortnio social se

    espalhavam mais do que nunca, em virtude das mudanas na

    agricultura e na indstria.(Rosen, 1994, p.153)

    No sculo XVIII, a pobreza cada vez mais passou a ser encarada como

    uma doena social. Interessante observarmos que o trabalho nesta poca visto

    como uma virtude moral, e o cio um vcio. Se o indivduo est ocioso, por falta de

    vigor moral. A pobreza era encarada como um vcio individual e eticamente

    condenvel.

    No Antigo Regime, os Hospitais Gerais eram recluses para os

    vagabundos. A esmola, as companhias de caridade eram ineficazes no combate

    pobreza.

    Existiam projetos, datados desde o sculo XVII, propondo a utilizao da

    fora de trabalho dos pobres. Rosen cita os mais relevantes da Inglaterra. Estes so

    os trabalhos de Samuel Hartlib, Willian Petty e Jonh Graunt.

    Samuel Hartlib, segundo Rosen, estava interessado em propostas de

    reforma econmica e social. Em 1641, publica A Description of the Famous

    Kingdom of Macaria. Nesta obra o autor demonstra vrios experimentos sobre

    remdios obtidos atravs das experincias cientficas. Ele tambm defendia que

    alguns padres teriam mais utilidade s comunidades se adquirissem mais

    conhecimentos sobre a arte de curar. Hartlib v no padre, que atende aos pobres, a

    possibilidade de dar uma ateno mdica mais preparada s classes populares. E

    porque no o mdico? Esta classe era inacessvel aos pobres, pois seus servios

    tinham um alto custo econmico, sem falar que existiam em pequeno nmero.

    28

  • Autores da esquerda tambm adotaram esta proposta de ateno mdica por conta

    dos padres, como exemplifica Rosen com Gerrard Winstanley. Este era membro do

    Partido Democrtico Popular conhecido como levellers (Rosen, 1980). Hartlib

    tambm desenvolveu outro plano de ateno aos pobres, onde propunha uma lista de

    mdicos dispostos a prestar servios gratuitamente.

    Outro autor citado por Rosen Petty. As propostas de Petty estavam

    coerentes com uma tendncia do puritanismo de esquerda e direita, que era um

    desejo pragmtico de aplicar os conhecimentos s necessidades prticas e imediatas

    da sociedade. Ele prope um hospital onde os mdicos dariam e receberiam

    instrues. Este seria bem equipado, comandado por um mdico mais experiente, que

    dissecaria os corpos e supervisionaria s pesquisas experimentais sobre s doenas.

    Esta inclinao para a elaborao de projetos o incio da composio de uma

    estrutura terica e prtica dentro do qual os problemas sociais da sade seriam

    enfocados no sculo XVIII e XIX no movimento higienista. Petty tambm foi

    pioneiro em estudos aritmticos de medio dos fatores sociais e econmicos da

    populao.

    Graunt tambm seguiu esta orientao estatstica de anlise dos fatores

    sociais. Ele comeou a considerar os nmeros de morte e nascimento em relao s

    doenas, chegando vrias concluses. Entre suas descobertas percebeu que o

    nmero de mortes no campo era menor em comparao com a cidade. Fazendo estas

    descobertas, demonstrou a utilidade da aritmtica poltica de Petty. Todavia, ainda

    foi este ltimo que deu a maior contribuio a esta rea. Petty percebeu que no

    bastava considerar a fertilidade natural e a populao como condies primordiais de

    alcance da prosperidade econmica, era preciso ultrapassar os obstculos ao

    29

  • desenvolvimento da populao. Achava necessrio criar condies sociais

    necessrias ao desenvolvimento da populao, capazes de promover a sade e

    prevenir a doena. E para ele, o Estado tinha o dever de criar estas condies.

    Vimos que as polticas de Sade Pblica at o incio do sculo XVIII na

    Inglaterra eram inestruturadas, entregues aos poderes locais sem recursos para

    investir na sade.

    A urbanizao e as epidemias

    Outro problema gerado pela industrializao era a urbanizao sem

    planejamento. A medida que os trabalhadores do campo migravam paras as cidades

    encontravam condies higinicas precrias. Antes estavam isolados no campo,

    portanto a transmisso das doenas era dificultada. Mas agora estavam todos juntos

    em ambientes insalubres. Para os mdicos isto significou uma maior proliferao das

    enfermidades.

    No havia saneamento bsico apropriado. Somente partir do sculo

    XVII, o Estado passou a cuidar deste problema. Anteriormente, isto cabia aos

    indivduos. Mesmo assim o Estado no cumpria seu dever, segundo Jonh Stow, h

    muito negligenciada e forada a ser um canal, muito estreito e imundo, ou por

    completo obstrudo (STOW apud ROSEN, 1994, p.100)

    De fato as epidemias se proliferaram pelas cidades. Surgindo novas

    doenas. Segundo Rosen, Rudolf Vircow elaborou uma teoria segundo a qual a

    doena epidmica seria uma manifestao de desajustamento social e cultural. Ele

    defendia que com o novo contexto histrico apareciam novas doenas epidmicas.

    30

  • Nos sculos XVI e XVII, entre estas novas doenas estavam o suor ingls, o tifo

    exantemtico, o escorbuto, e outras (Rosen, 1994)

    O suor ingls apareceu repentinamente no meio dos soldados ingleses, e

    rapidamente espalhou-se pela populao. Os principais sintomas eram febre alta,

    dores no corpo, profunda angstia. Incidiu em muitos ingleses. Em Londres,

    segundo Rosen, matou em uma semana dois prefeitos e seis vereadores. Da mesma

    maneira que surgiu a doena desapareceu de repente, para retornar em outras

    ocasies (Rosen, 1994)

    O raquitismo foi outra doena que se alastrou pela Inglaterra. Rosen

    observa que esta doena transformou-se em uma ameaa para a sade das crianas.

    No se tem certeza de que o raquitismo teve origem no sculo XVII, mas a causa da

    manifestao e aumento da incidncia da doena, nos conta Rosen, tem origem na

    severa presso econmica e terrvel pobreza, em especial no sul da Inglaterra

    (Rosen, 1994, p.80). O raquitismo poderia ser evitado pelo consumo de clcio,

    fsforo e vitamina D. Mas como o leite (rico nestes componentes) estava sendo

    pouco consumido, pois os preos estavam altos e o desemprego aumentava

    abruptamente, a populao se absteve de seu consumo, possibilitando a incidncia da

    enfermidade.

    Na Frana a industrializao comea efetivamente no sculo XIX,

    trazendo os benefcios, mas tambm os problemas enfrentados na Inglaterra. Durante

    o sculo XIX este pas enfrentou muitos problemas referentes sade pblica. A

    urbanizao apressada e sem estrutura condicionou os novos operrios a pssimas

    condies de vida. Rosen observa a semelhana dos stos lotados de pessoas em

    Manchester e Liverpool aos de Lille e Ruo.

    31

  • Essas pauprrimas condies de vida despertaram uma mentalidade de

    reao contra este quadro. Diversos escritores, mdicos, filsofos, comearam um

    discurso de melhoria de vida da populao. Sem duvida esta mentalidade que

    comea a ser construda vai dar suporte ao movimento higienista.

    Como podemos observar at agora neste captulo, os governos

    praticamente no se preocupavam com a populao. No existe uma poltica nacional

    de sade que pudesse cuidar dos problemas da preveno, da nutrio, da habitao,

    do saneamento. Neste momento surge uma mentalidade de interveno nesta situao

    de extrema pobreza . Este discurso cria os alicerces do movimento higienista, que

    usaria a autoridade cientfica para convencer governos, industriais e a prpria

    populao. Observem este discurso do poeta francs Charles Baudelaire:

    Como pode algum seja de que partido for, e

    sejam quais forem os preconceitos sobre os quais se criou, no

    se sensibilizar diante dessa multido doentia que respira a

    poeira das fbricas, engole a penugem de algodo, tem seus

    organismos saturados com chumbo branco, mercrio e todos os

    venenos necessrios criao de obras de arte, e dorme, em

    meio a vermes, em bairros onde a maior e a mais simples das

    virtudes humanas se aloja ao lado dos vcios mais

    emperdernidos e do vmito do penitencirio? (BAUDELAIRE

    apud ROSEN, 1994, p.188)

    Esta mentalidade parece atingir diversos segmentos profissionais. A

    busca do melhor por meio da interveno, influenciou a Filantropia em novas

    maneiras de cuidar do povo, como veremos seguir.

    32

  • Uma nova filantropia

    O crescimento da pobreza constrangia o Antigo Regime. E, a pobreza

    continuou depois da Revoluo Francesa. Contudo, a estratgia para cuidar da

    populao mudou no discurso da filantropia. Se antes a filantropia se resumia a um

    assistencialismo, ela busca agora o aconselhamento. O objetivo prometido pela

    Filantropia ensinar o povo a se cuidar.

    Para exemplificar como se procede o tratamento do cuidar do povo,

    tomemos as metforas de Paul Veyne. Ele d o exemplo dos motivos que levaram ao

    fim dos espetculos dos gladiadores no Imprio Romano.

    Por que os combates entre os gladiadores terminaram no sculo IV?

    A resposta evidente para isto aponta para o fato dos imperadores

    tornarem-se cristos, portanto no aceitariam a gladiadura. Mas o autor responde:

    "no nada disto" (Veyne, 1995) .

    Na opinio de Veyne no o cristianismo a causa do fim das lutas, mas

    sim, a mudana das prticas governamentais em relao ao povo.

    Estas prticas poderiam considerar o povo como um rebanho: que

    morava nas terras do dominador. O povo vive bem se as circunstncias forem

    favorveis ao imperador, levando seu rebanho em uma determinada ordem, ao

    mesmo tempo, embrutecendo seus sditos. Ele no quer que seu rebanho enfraquea.

    Outra prtica seria tratar seu povo como crianas: O imperador iria

    considerar seus sditos como indefesas crianas.

    33

  • E a ltima tratar o povo como um fluxo de guas, que guiam-se por si

    prprias. A funo do Estado s fiscalizar este fluxo. Veyne identifica esta prtica

    no Welfare State.

    No caso do Imprio Romano, o lder deste considerava o povo como um

    rebanho, e no queria que este enfraquecesse, determinando o que era melhor para o

    povo. Sendo assim, permitia as lutas que familiarizavam a populao com o sangue e

    a morte.

    At que o Senado de Roma desfeito. Isto pode ter originado pavor na

    populao. Deste modo, o imperador no consegue ver limites em seu governo, e

    comea a agir de forma paternalista. Considera seu povo como crianas que devem

    ser afastadas da imoralidade. Estes imperadores paternalistas julgam o assassinato

    gratuito da gladiatura uma imoralidade mais grave que o teatro. D-se desta maneira

    o fim da gladiatura no decorrer do sculo IV. Portanto, segundo Veyne, so trs

    formas de cuidar do povo por parte dos governos. (Veyne, 1995)

    Aqui est nosso problema. A Filantropia v o povo europeu do sculo

    XVIII como imorais. Ela quer afast-lo dos vcios, educar, modificar seus hbitos. O

    povo passa a ser pensado como uma criana que no sabe o que bom, ento, o

    filantropo pretende ensin-lo a viver. Racionaliza que isto far o povo crescer e

    ganhar autonomia, podendo se sustentar sem o auxlio financeiro dos governos.

    Para isto usa duas estratgias: ensinar, principalmente, a criana; e

    plantar o hbito de poupar dinheiro.

    Jacques Donzelot nos mostra que a Filantropia incorporava uma

    mentalidade de economizar gastos pblicos e conservar energias humanas em prol

    34

  • do Estado. Era preciso convencer o Estado a intervir efetivamente sobre a pobreza,

    gerando uma riqueza nacional.

    Na extremidade mais pobre do corpo social, o que denunciado a

    irracionalidade da administrao dos hospcios. Estes cuidavam de muitas crianas

    abandonadas. O Estado por sua vez, segundo os filantropos, se beneficiava pouco

    da criao de uma populao que s excepcionalmente chegaria a uma idade onde

    poderia reembolsar os gastos que provocou. Trata-se, neste caso, da ausncia de uma

    economia social. (Donzelot, 1980)

    O Poder judicirio denunciava que existiam um nmero considervel de

    crianas mal cuidadas e que escapavam de toda e qualquer autoridade. No queriam

    coloc-las na priso. Orientavam seus funcionrios para fazerem o necessrio para

    que os pais cumprissem seus deveres. Eles no podero vos rechaar pois

    acabamos de promulgar uma srie de leis de proteo a infncia que vos autorizam

    a passar por cima da autoridade paterna.7

    Conservar as crianas significaria por fim aos malefcios da imoralidade.

    Poderamos agrupar sob a etiqueta de "economia social" todas as formas de direo

    da vida dos pobres com o objetivo de melhorar suas condies de vida, de obter um

    nmero desejvel de trabalhadores com o mnimo de gastos pblicos. Em suma, o

    que se convencionou chamar de filantropia.

    A filantropia preocupava-se em formar moralmente o homem. Por

    exemplo, segundo Donzelot, o que perturbava a moralidade das famlias eram os

    filhos adulterinos, os menores rebeldes, as moas de m reputao, enfim, tudo o que

    poderia prejudicar a honra familiar, sua reputao e sua posio. Em compensao, o

    7 Donzelot cita uma fala de um juiz, 1980, p.138.

    35

  • que inquieta o Estado o desperdcio de foras vivas, so os indivduos inutilizados

    ou inteis. (Donzelot, 1980) A filantropia tenta dar conta dos dois aspectos. Ela tenta

    conter um excesso de liberdade, o abandono nas ruas. Instauram tcnicas que

    consistem em limitar esta liberdade, em dirigir as crianas para espaos de maior

    vigilncia, ou seja, a escola e a habitao familiar, tendo o objetivo de controlar e

    inculcar novos hbitos.

    Essa estratgia de educao, alm da conservao das crianas, pretendia

    ensinar o povo a poupar. Assim, ao invs de um direito assistncia do estado, cujo

    papel seria aumentado, vindo a perturbar o jogo dessa sociedade, ela pretendia

    fornecer os meios para o povo alcanar uma futura autonomia atravs do ensino da

    virtude da poupana. Por parte do Estado, o papel seria sancionar, atravs de uma

    tutela cuidadosa, as demandas de ajuda que ainda permanecessem, j que elas

    constituiriam indcio flagrante de falta de moralidade. (Donzelot, 1980)

    A filantropia prega o conselho eficaz em vez da caridade humilhante,

    norma preservadora no lugar de represso destruidora.

    isso que os filantropos se prope a mudar, fazendo da incitao a

    poupana a chave mestra do novo dispositivo da assistncia.

    O Paradoxo do Liberalismo

    Podemos, agora, refletir um pouco sobre os paradoxos desta mentalidade

    que vem se construindo aos poucos at desembocar no movimento higienista.

    Temos um problema aqui. Como fica o papel do Estado na interveno?

    Vimos que comea a se sedimentar um discurso de melhoria das condies de vida, o

    36

  • que s se sustentaria com a interveno do Estado. J a Filantropia quer reduzir o

    papel do Estado assistencialista, quer que o povo aprenda a se cuidar sozinho, mesmo

    que para isto seja necessria a interveno do Estado atravs de uma Educao

    moralizadora. Mesmo de maneiras diferentes, os dois convidam o Estado a modificar

    uma realidade caracterizada pelas ms condies de vida.

    Eles fazem isto porque o Estado no cumpre seu papel de atender as

    necessidades bsicas da populao. Ele no intervm. Com a Revoluo Francesa,

    que significou o advento do Liberalismo Econmico, as polticas pblicas de sade

    estavam fadadas ao abandono. Se antes em governos absolutistas, o Estado no se

    manifestava efetivamente em relao a estas questes, imaginem agora com o Estado

    Mnimo do Liberalismo, onde os gastos dos governos devem ser reduzidos. Mas

    aqui que a Histria se torna surpreendente. O Liberalismo promoveu o crescimento

    do Estado, quando atendeu s solicitaes do movimento higienista para a

    construo de polticas pblicas de sade.

    Segundo Rosen, Robert Owen tinha antevisto, nos primeiros anos de

    Revoluo Industrial, a necessidade de ao do Estado para pr freio em algumas das

    conseqncias da liberdade econmica:

    A difuso geral de manufaturas em um pas gera

    um novo carter em seus habitantes; e como esses carter se

    molda sobre um princpio muito nocivo felicidade individual

    ou geral, produzir os males mais lamentveis e permanentes, a

    no ser que essa tendncia seja neutralizada pela interferncia

    de leis. (Owen apud Rosen, 1994, p.172)

    37

  • O discurso higienista vai convencer os governos da necessidade da

    interveno do Estado. Mesmo este sendo Liberal.

    Estas interpretaes mostram que somente a Histria Poltica no d

    conta da descrio de todo o contexto histrico. Parece-nos que revela, neste caso, a

    ponta desta montanha de gelo. Contudo, toda a histria tem seus limites. No

    queremos criar um antagonismo entre histria poltica e histria social. At mesmo

    quem comeou com a micro-histria (uma das possibilidades da histria social)

    contando a realidade por baixo em O queijo e os vermes8, como Carlo Ginzburg9,

    se preocupa com o fato deste modelo se efetivar como o nico modo de escrever

    histria10, segundo ele, no podemos esquecer a histria poltica. Contudo devemos

    admitir que a histria social tem mais a contar sobre o objeto Sade pblica.

    Conforme o objeto de estudo, tanto a histria social como a histria poltica do

    conta de determinados aspectos. Todos importantes para compreendermos a

    realidade.

    8 Publicado no Brasil pela Companhia das Letras em 1976. 9 Carlo Ginzburg, historiador italiano, autor da obra O queijo e os vermes onde inaugura uma concepo de histria preocupada com a viso de determinado ator social sobre a realidade, o que se convencionou chamar micro-histria. Este modelo ganhou fora dentro da histria social, o que preocupa este autor que considerar este modismo perigoso, pois no podemos esquecer a histria poltica.

    38

  • O idealismo do movimento higienista

    No incio do sculo XVII, as doenas ocupacionais comearam a ser

    temas de obras mdicas. Ramazzini11 publicou o primeiro tratado geral sobre

    doenas dos trabalhadores.

    A classe trabalhadora da indstria crescia vertiginosamente na Europa.

    Devido este fato, estes trabalhadores foram os primeiros, juntamente com os

    mineiros e marinheiros, a terem seus ofcios investigados pela Medicina. Mas o

    clssico de Ramazzini foi De Morbis Artificum Diatriba (Discurso sobre as

    doenas dos artfices). Este autor dedicou-se a chamar a ateno para necessidade de

    prevenir as enfermidades dos trabalhadores, estudando mais de quarenta profisses.

    As jornadas de trabalho eram intensas e tomavam quase todo o dia. O

    trabalhador esgotava-se em pouco tempo, ocasionando vrias enfermidades, falta de

    disposio, que eram encarados como tendncia ociosidade, como falta de virtude

    para o trabalho, e no uma doena.

    A produo industrial era, na Inglaterra, central para a atividade

    econmica. Portanto, o trabalho ocupava posio de destaque nas preocupaes da

    sociedade.

    No sculo XVIII e XIX, o trabalho industrial j representava o centro das

    preocupaes sociais e econmicas. Era ele que iria garantir a riqueza da nao. E

    qualquer infortnio que fosse causado ao trabalho era fonte de discusses. Neste

    10 Cf. Ginzburg apud Maria Pallares-Burke. Descobertas de um Espectador, Folha de So Paulo, caderno mais, 13 de junho de 1999. 11 George Rosen cita este autor por sua obra A doena dos trabalhadores, So Paulo, Fundacentro, 1985.

    39

  • quadro o trabalhador passa a ser importante, o gerador das riquezas, portanto deveria

    ser cuidado:

    Uma populao grande e sadia estava no centro

    do interesse dos aritmticos polticos porque era um meio,

    essencial, para se aumentara riqueza e o poder da nao do

    Estado. Em conseqncia, estadistas, legisladores,

    administradores, mdicos, homens de negcio reconheceram

    suas responsabilidades ante o povo. Responsabilidade, por

    exemplo, pelos cuidados da sade, pela preveno das doenas,

    pela assistncia mdica aos necessitados. (Rosen, 1994, p.95)

    O sculo XIX, como nenhum outro, colocou em pauta o corpo e seus

    cuidados. Foi neste sculo que o homem tentou identificar a importncia e os limites

    do corpo. Mais do que isto, foi a poca de debate em defesa de uma melhoria das

    condies de vida do trabalhador industrial. Para retratarmos esta poca

    explicaremos os ideais populacionistas e a idia da fadiga. So todos tpicos que

    levam o homem a cuidar de seu corpo, buscando novas formas de preserv-lo.

    No sculo XIX, dois pensamentos colaboram com o discurso do corpo

    como uma mquina. So estes: a idia populacionista; e a descoberta da fadiga. Estes

    dois eventos apoiados pelas descobertas cientficas no campo da fisiologia

    sustentaram o discurso do movimento higienista na Europa.

    Mas em que consistem estas representaes que constituram a base do

    pensamento higienista?

    Comearemos pela a idia populacionista.

    40

  • Cada homem fazia parte da fora social, que por sua vez dependeria da

    qualidade e quantidade dos trabalhadores. Ento, a riqueza de uma nao media-se

    pelo nmero de trabalhadores que ela poderia ter. A idia populacionista defendia a

    livre procriao, que garantiria uma maior fora social.

    Portanto, cada mulher e cada homem visto como um capital da nao.

    Imaginem uma mquina que por falta de cuidados quebra-se, isto

    representa um prejuzo. Se o corpo do homem passa a ser visto como uma riqueza,

    qualquer adversidade que faa este homem adoecer ou falecer representa um prejuzo

    irreparvel para a fora social da nao. Com isto, surgem discursos que defendem o

    cuidado e a relevncia de cada trabalhador para o pas.

    Se os seres humanos passam a ser vistos como o capital da nao, como

    recursos, devem ser cuidados. neste contexto que descoberto o conceito de

    fadiga, que fundamental para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores.

    A fadiga parece ser o termo do sculo XIX para expressar o que

    sentimos hoje quando dizemos que estamos com estresse. Estamos esgotados, a

    vida conturbada nos deixa abatidos. Da mesma forma, o trabalhador industrial do

    sculo passado sentia a fadiga, que parecia limitar a produo.

    Anson Rabinbach em The Human motor nos explica como deu-se esta

    descoberta dos limites do homem. Segundo ele, os primeiros sinais de uma mudana

    na percepo de trabalho aparecem na literatura mdica em 1887. Os mdicos

    comearam a considerar o excesso de trabalho como causa de degeneraes fsicas.

    Esta literatura apontou a fadiga como o sinal principal da recusa do corpo em aceitar

    as disciplinas da sociedade industrial moderna. Se a fadiga existiu antes da sociedade

    moderna, ainda no havia aparecido como um termo mdico, nem recebeu ateno

    41

  • significante. Em 1870, porm, um discurso mdico novo comeou a desenhar a

    topografia de fadiga e colocar marcos em seu terreno previamente inexplorado.

    (Rabinbach, 1992)

    Rabinbach cita mdicos que comearam a publicar artigos tematizando a

    fadiga. A definio de fadiga do francs Carrieu defende que o uso exagerado dos

    elementos anatmicos causam problemas, muitas vezes irreversveis ao organismo.

    A imagem moderna da fadiga revela a crescente preocupao do homem

    com sua sade e com a sade do trabalhador. A doena, a invalidez, ou a morte

    representam imediatamente uma perda para a economia do pas.

    A fadiga era o grande mal, com ela no se produzia, desanimando os

    trabalhadores, representando prejuzo.

    Lovisolo encontra na obra de Comnio (1592-1670), no sculo XVII, a

    idia de fadiga. Ele preocupado com os processos educacionais, via que a fadiga

    atrapalhava a absoro dos contedos. Observava que longas horas de estudo sem

    descanso comprometia a eficincia e produtividade do estudo. Dois sculos antes da

    fadiga se tornar o centro das pesquisas sobre o trabalho, este pedagogo j a

    identificava como um mal que deveria ser evitado na Escola que idealizou. (Lovisolo,

    1999).

    Rabinbach busca em Nietzsche explicaes para esta idia de fadiga no

    sculo XIX. Segundo este ltimo, e outros pensadores desta poca, a fadiga foi

    identificada com a prpria modernidade. A desintegrao caracteriza este tempo, e

    tambm a incerteza: nada est firmemente em seus ps ou em uma f dura, um vive

    para o amanh porque o dia aps o amanh duvidoso. Tudo em nossa vida

    42

  • escorregadio e perigoso, e o gelo que nos suporta tornou-se finamente arriscado,

    onde ns andamos, logo ningum poder andar (Rabinbach, 1992).

    No pensamento do sculo XIX, a noo de fadiga representava um

    pessimismo em relao ao futuro da humanidade.

    A idia de conservao da energia e da entropia, tambm, acarretaram

    uma grande preocupao com o esgotamento destas energias, que resultaria em uma

    situao apocalptica. Por exemplo, Balzac planejou escrever uma patologia da vida

    social, para mostrar como o estoque de foras dos homens diminuda por

    demasiada despesa do esforo. A descoberta da entropia atestou uma viso

    pessimista da natureza, em que, a quantidade disponvel de energia estava

    diminuindo continuamente.

    Esta idia de energia que deve preservada, tambm foi apoiada pelas

    descobertas cientficas da fisiologia. As descobertas da termodinmica.

    Anson Rabinbach explica que no sculo XIX, depois de controvrsias

    entre fisiologistas da poca, aplicou-se o princpio de conservao de energia no

    corpo humano. Este princpio mostrou que atravs da respirao e ingesto de

    substncias qumicas (como gorduras e protenas), os msculos absorviam calor do

    meio externo, transformando este combustvel em energia, ou seja, transformando

    energia em energia a ser utilizada.

    O msculo uma ferramenta por meio da qual a transformao de fora

    efetuada. Mas no a prpria energia, esta ser absorvida do meio externo. Ento,

    uma nutrio apropriada cuidaria da melhoria das foras, a capacidade de produzir

    aumentaria.

    43

  • Da mesma forma que a mquina precisava de um combustvel para seu

    funcionamento, no seria diferente com a mquina mais complexa da histria, ou

    seja, o motor humano. A mesma metfora que tinha sido inaugurada no sculo XVI

    por Descartes, que dizia que o corpo do homem era como uma mquina. Vejamos a

    seguinte passagem deste filsofo:

    O que no aparecer de maneira alguma estranho

    a quem, sabendo quo diversos autmatos, ou mquinas mveis,

    a indstria dos homens pode produzir, sem aplicar nisso seno

    pouqussimas peas, em comparao grande quantidade de

    ossos, msculos, nervos, artrias, veias e todas as outras partes

    existentes no corpo de cada animal, considerar esse corpo uma

    mquina que, tendo sido feita pelas mos de Deus,

    incomparavelmente mais bem organizada e capaz de

    movimentos mais admirveis do que qualquer uma das que

    possam ser criadas pelo homem. (Descartes, 1999, p.11)

    As novas descobertas da fsica, especialmente a termodinmica, e da

    fisiologia do sculo XIX legitimaram o discurso higienista, que adotou a estratgia

    da metfora do motor humano para realizar seus objetivos.

    Foram os higienistas que pregaram novidades no cuidar do corpo.

    Novidades que prometiam alcanar um melhor bem-estar para a vida quotidiana, que

    afastariam as epidemias, que tornariam os homens mais dispostos para o trabalho,

    que buscariam riquezas para o pas.

    A metfora da mquina humana formou parte de uma estratgia de

    popularizao dos novos hbitos higinicos. Que pretendiam responder questes

    44

  • como: Como atingir os trabalhadores da indstria? Como melhorar as condies de

    vida da populao em geral?

    Um dos papis centrais da metfora do homem-mquina foi o de

    convencer os capitalistas a cuidar de seus recursos humanos.

    O motor humano

    O contexto histrico legitimou a necessidade de cuidar do trabalhador.

    Rabinbach elenca vrias comprovaes empricas desta tese na Europa, como

    veremos neste captulo.

    Durante as ltimas dcadas do sculo XIX, o liberalismo europeu

    alinhou-se com as doutrinas cientficas da conservao da vida. Seus pilares gmeos

    eram medicamento e biologia. A higiene social sancionou a viso de que a sociedade

    seria melhor atravs da noo de equilbrio. Para os reformadores, era a sociedade

    um delicado organismo, cujas funes dependiam da interveno estatal. Estatsticas

    sociais poderiam atestar o custo da negligncia em relao s condies sociais,

    como tambm para os benefcios potenciais de remover seus efeitos danosos. Teorias

    cientficas foram adotadas atravs dos estudos estatsticos para enfatizar as razes

    sociais da doena. O discurso higienista pregava a melhoria na sade, a longevidade,

    e a conservao do trabalhador, que poderiam aumentar as foras produtivas da

    nao. Na obra de Louis Querton (1905), o catecismo da energia social era patente.

    Reunindo argumentos biolgicos, estatsticos, e sociolgicos, para apoiar o aumento

    da interveno estatal para a construo, conservao, e encarecimento da mquina

    humana.

    45

  • O Solidarismo, uma doutrina desenvolvida por Lon Bourgeois,

    enfatizava a moral mtua e coletiva, as obrigaes sociais de todos os scios

    produtivos da sociedade. Reformas que poderiam reduzir a explorao, promover a

    produtividade, aumentando a justia social.

    Em 1900, em uma exposio em Paris, o ministro socialista do comrcio,

    Alexandre Millerand, apontou os resultados positivos de tais agrupamentos

    incentivadores da defesa social, aumentando a solidariedade social. Segundo ele, as

    reformas reduziram as fraquezas individuais, permitindo superar os obstculos do

    ambiente.

    Economistas do Solidarismo, inclusive Charles Guide, Charles Rist, Paul

    Cauws, e Raoul Jay, fundaram uma revista onde enfatizavam os custos sociais da

    sade debilitada do trabalhador. Este peridico criticava os baixos padres de vida da

    populao, o que causava uma queda na produtividade pessoal do trabalhador. O

    Solidarismo era a base ideolgica dos reformadores republicanos, que acreditaram

    que melhorando a sade dos trabalhadores, melhorariam a produtividade e

    preservariam o capital da nao. Raoul Jay resumiu o clculo essencial do

    positivismo social francs em 1904. Para ele, uma nao que permitisse a destruio

    ou reduo das foras mentais e fsicas dos trabalhadores manuais faziam um

    pssimo planejamento. Essas foras fsicas e morais so uma parte do capital

    nacional como as mquinas. O industrial que para reduzir os custos de produo, no

    faz a manuteno das mquinas, seria considerado um tolo. Segundo ele, se ns no

    pensamos o mesmo de um industrial que impe um trabalho excessivo aos

    trabalhadores, paga um salrio insuficiente, porque ns sabemos que ele nunca ter

    46

  • que consertar o dano causado pela negligncia criminal de deteriorar a sade do

    indivduo. O dano assumido pela nao. (Rabinbach, 1992)

    O interessante observarmos, que o movimento higienista elabora uma

    estratgia para convencer os governos e empresrios baseada no produtivismo. Mas

    seu interesse no colaborar em uma maior explorao do povo. Eles estavam

    preocupados, tambm com a sade da populao. Pois se no fosse assim, o quadro

    de explorao do sculo XVII poderia ser mantido. Quando um trabalhador

    adoecesse, e tivesse sua produo diminuda era fcil substitu-lo devido s altas

    taxas de desemprego. Deste modo, a produtividade se manteria. Mas os higienistas

    querem regular esta explorao com o objetivo de diminuir a pobreza, melhorando as

    condies de vida.

    O poder operrio deveria ser visto, segundo os higienistas, como um

    capital da nao.

    Em meados de 1900, a cincia de trabalho se tornou uma arma intelectual

    poderosa no arsenal dos reformadores de classe-mdia. Na atmosfera de intenso

    debate sobre a durao da jornada de trabalho, nos riscos sade do trabalho

    industrial, nas controvrsias em cima de salrios e normas de trabalho, a cincia do

    trabalho comeou a representar um papel importante nos esforos dos reformadores

    liberais em mediar o conflito social. Armand Imbert, em um estudo, tentava

    estabelecer uma soluo mais eqitativa do conflito entre trabalho e capital. Em

    1903, no Congresso de Bruxelas de Higiene e Demografia, os lderes do movimento

    de higiene social americano e europeu uniram-se para debater como a cincia de

    trabalho poderia ultrapassar os limites do laboratrio, formando polticas e

    legisladores com argumentos em defesa dos mtodos especficos para a organizao

    47

  • de trabalho. Quatro anos depois quando o delegados do congresso voltavam a se

    encontrar em Berlim, os cientistas e reformadores queriam que o Estado cooperasse

    na aplicao da cincia de trabalho para reduzir fadiga, acidentes, e as horas de

    trabalho.

    A preocupao destes reformadores refletiam as ansiedades de uma

    sociedade que entrava na idade industrial. Mas tambm mostrou as realidades de uma

    fbrica nova, mecanizada, nascida no auge da Revoluo Industrial. Os argumentos

    contra a fadiga, favor da qualidade do ambiente de trabalho, pautavam este

    contexto. Imbert via na reduo da jornada de trabalho uma forma de aplicao da lei

    da Conservao da energia, que para ele, no se aplicava a um msculo, mas sim,

    sociedade como um todo (Rabinbach, 1992). Os deterioradores do motor humano

    que causavam danos ao trabalhador, substituam a mo-de-obra facilmente, deixando

    ao Estado as conseqncias das doenas. Por estas razes, a cincia experimental era

    impretervel no papel de achar uma soluo verdadeiramente eqitativa para estes

    conflitos.

    Uma questo que pode ser colocada neste momento como alguns

    pensadores de esquerda daquela poca viam estes ideais higienistas. Ser que eram

    to rigorosos como os marxistas da Educao Fsica em suas crtica?

    Muitos socialistas europeus compartilharam o universo mental do

    movimento higienista. Mesmo se eles s vezes fossem cticos em relao aos

    motivos das reformas liberais. Mas em face do quadro de abandono em que se

    encontrava a populao, a necessidade da interveno estatal era uma questo que

    superava as barreiras ideolgicas. Segundo um sindicalista francs, a solidariedade

    48

  • entre os indivduos ferida pela explorao e pelo o esgotamento pessoal, com isto a

    energia de produo est correspondentemente reduzida. Um panfleto que circulou

    com o ttulo Travail et sumenage (Trabalho e Esgotamento) reivindicou contra o

    esgotamento das energias, como regra na experincia do trabalho. Alguns

    economistas, e at mesmo empresrios industriais, compartilharam esta percepo do

    poder operrio como um recurso nacional precioso. O discurso em preservar o poder

    operrio como a soluo para as questes sociais, emergiram gradualmente, ao

    trmino do sculo XIX, em um espao entre o sindicalismo e o liberalismo. Depois

    de 1900, a conservao da energia foi aplicada a vrios assuntos sociais: a jornada

    de trabalho, acidentes industriais, seguro de sade, a durao do servio no exrcito,

    o mtodo formal de educao, e o papel de mulheres na fora operria. Na Frana e

    na Alemanha, no perodo at o Primeira Guerra Mundial, a cincia do trabalho

    contribuiu a uma constelao nova de conhecimentos e polticas dedicadas a

    conservar a energia do corpo social. (Rabinbach, 1992)

    Se pensarmos que estas comprovaes empricas de que, na Europa, a

    cincia do trabalho legitimou as lutas sindicais, podemos refutar interpretaes que

    vislumbram o movimento higienista como apenas um aliado dos interesses

    dominantes, embora pudessem existir convergncias e at elas serem enfatizadas

    para se atingirem os objetivos .

    Muitos empresrios e economistas, segundo Rabinbach, resistiram, no

    entanto, as propostas dos higienistas. Diziam que os custos dos salrios mais altos

    para o Capital fariam a indstria perder competitividade. Outros diziam que com

    menos horas de trabalho, o trabalhador iria mais freqentemente para a botequim,

    49

  • consumiria mais bebidas alcolicas e ento chegaria ao trabalho sem condio para

    produzir.

    Em contrapartida, os higienistas explicitavam exemplos que provavam o

    crescimento da produtividade com a reduo da jornada e aumento do salrio. O

    economista Lujo Bretano acreditava neste pressuposto, argumentando que com o

    aumento dos salrios, o trabalhador ganharia em satisfao e bem-estar, refletindo

    este benefcios em maior produtividade. (Rabinbach, 1992) Este discurso no foi

    aceito sem muita resistncia, como do economista alemo Wilheim Hasbach. No

    entanto, cresceu o nmero de obras que defendiam a melhoria nas condies de

    vida dos trabalhadores e a reduo do tempo de trabalho.

    Na Alemanha, um exemplo que defendia a melhoria das condies de

    trabalho e de vida a obra O Comrcio de Algodo na Inglaterra e no Continente,

    uma pesquisa das indstrias de algodo inglesas e alems, escrita em meados de

    1890 por Gerhard Schulze-Gvernitz. Para ele, a superioridade fsica da operao de

    fbrica inglesa quando comparada com o Continente reconhecida pelos alemes da

    mesma maneira que a prpria superioridade fsica deles (Rabinbach, 1992). Sua

    anlise atribua esta superioridade a salrios mais altos e aumento do consumo.

    Ainda, parafraseando este autor, o investimento que a indstria inglesa fez em sade

    almejava, principalmente, um padro melhorado do viver. O progresso enorme na

    nutrio do trabalhador, que a Inglaterra viu durante o sculo XIX, o fator mais

    importante favorvel capacidade para competio da indstria inglesa. (Rabinbach,

    1992)

    Outro exemplo a ser citado o da Gainsborough Commission, que

    quando completou sua investigao na Alemanha, concluiu, em 1905, que para a

    50

  • comprovao das teses dos reformadores alemes, que apesar de horas mais longas, o

    trabalhador daquele pas era inferior ao trabalhador ingls em produtividade pessoal.

    Uma comparao detalhada dos germnicos com os trabalhadores americanos,

    administrada no mesmo ano, mostrou resultados semelhantes.

    John Rae, um economista socialista britnico, defendia a experincia

    europia na Jornada de Oito Horas. Segundo este, era possvel para os fabricantes

    da Europa melhorar a capacidade de cornpetio deles como foi feito na Inglaterra,

    reduzindo as horas de trabalho.

    Outra desvantagem que poderia diminuir a produtividade, era uma

    nutrio no adequada do trabalhador. Estudos foram feitos comparando

    trabalhadores de vrios pases com os ingleses. Descobriu-se que a nutrio inglesa

    baseada em rosbife era superior do francs baseada em sopa e vegetais, portanto

    pobre em protenas. Hector Denis, reformador socialista , discutiu na Cmara belga

    de Deputados, que era possvel expressar a quantia de poder operrio em calorias de

    energia. mile Waxweiler, analisando a dieta do trabalhador americano, tambm

    observou que o trabalhador nos Estados Unidos tinha um rnodo de vida mais alto

    que o competidor europeu, e assim, mais condies favorveis para a expanso da

    fora produtiva.

    No s a energia fsica foi melhorada pela elevao do padro de vida,

    tambm foi ampliada a capacidade mental. O progresso enorme na nutrio do povo,

    que a Inglaterra viu durante este sculo, um elemento relevante ao aumento da

    capacidade de competio da indstria inglesa.

    51

  • O discurso do solidarismo higienista e o discurso socialista elaboram

    argumentos para convencer os governos e empresrios da necessidade do aumento

    dos salrios, da reduo da jornada e da melhoria das condies de vida.

    Com a ascenso na economia da Alemanha e Frana, depois de 1895, o

    dia de oito horas se tornou, segundo Rabinbach, a demanda universal do movimento

    operrio internacional, superando at o assunto do salrio.

    Os socialistas europeus viram o dia de oito horas como o oferecimento de

    numerosos benefcios permanentes, como proteo contra a explorao excessiva,

    um lazer mais produtivo, e salrios no final das contas mais altos. A celebrao de

    Dia Primeiro de Maio em nome do dia de oito horas, em 1889, dirigiu o movimento

    internacional dos trabalhadores a esta meta: a reduo da jornada de trabalho. Como

    Cross discute, o movimento das oito horas era o resultado trinta anos de luta poltica

    e ideolgica. Que teve o apoio das investigaes cientficas dos higienistas, que

    reivindicavam o cuidado com trabalhador.

    Com tanto movimento e argumentos favorveis, os empresrios

    comearam a fazer experincias no exemplo ingls, reduzindo a jornada de trabalho.

    Depois de 1890, um nmero de pequenos industriais comearam um

    experimento com a semana de trabalho encurtada, para deste modo, observar os

    nmeros da produtividade. Estes esforos foram empreendidos por razes

    econmicas, mas tambm era pretenso que eles servissem como modelos para

    outros industriais. Um experimento particularmente influente era o do industrial

    belga e engenheiro L.C. Fromont. Ele tentou aplicar a doutrina da conservao de

    energia aos seus trabalhadores. Ele contou sua experincia com a jornada de dez

    horas em dois turnos. Observou que os trabalhadores sempre estavam sonolentos,

    52

  • desatentos, intoxicados. Os trab