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Anlise Social, vol. XXV (105-106), 1990 (1., 2.), 57-117
Os primrdios da Intersindicalsob Marcelo Caetano*
1. AS REFORMAS LABORAIS DE MARCELO CAETANO
As reformas laborais introduzidas pouco aps o incio do Governo
deMarcelo Caetano constituram um dos aspectos mais salientes da
liberali-zao ento ensaiada do regime corporativo. Entre essas
reformas assumiuespecial importncia a reviso da legislao relativa
aos sindicatos e do regimejurdico das relaes colectivas de trabalho
(respectivamente pelo Decreto-Lei n. 49 058, de 14 de Junho de
1969, e pelo Decreto-Lei n. 49 212, de28 de Agosto de 1969).
A reviso dessas leis instaurou, primeira vista, um quadro legal
dasrelaes laborais inteiramente novo, no tanto pela extenso, como
pela qua-lidade das matrias que foram alteradas. Olhando mais de
perto, contudo,ficar a sensao de que o contedo real das reformas
seria o que o Governona prtica permitisseindependentemente, at
certo ponto, da letra e doesprito inicial das novas leis. To
importante como estas ter sido, por umlado, o clima social e
poltico suscitado pela fase de abertura do caeta-nismo, as grandes
expectativas geradas no meio sindical e dos trabalhado-res em
geral. Uma certa reanimao sindical iniciou-se mesmo antes de
apro-vadas as novas leis. Por outro lado, a experincia colhida no
plano laboraipelo Governo de Caetano nos seus primeiros tempos,
antes e depois da apro-vao das novas leis, tambm foi determinante
do rumo que as reformastomaram. O novo quadro legal podia ter tido
uma interpretao mais libe-ral, mas, pela sua ambiguidade, teria
igualmente permitido uma interpreta-o ainda mais restritiva do que
a que finalmente teve.
O Governo de Caetano no apresentou as reformas laborais de 1969
emruptura com a situao anterior, mas como novos passos de uma
actuali-zao progressiva e metdica da legislao social portuguesa,
que teria sidoiniciada no princpio daquela dcada1. Na verdade,
porm, desde meados
Este artigo constitui um captulo do trabalho A Formao do
Sindicalismo Contempo-rneo em Portugal (1968-1989), a publicar,
integrado no projecto de investigao Interessesorganizados e
democracia em Portugal, coordenado no ICS por Manuel de Lucena e do
qualtambm fazem parte trabalhos sobre as associaes empresariais
(Carlos Gaspar) e sobre asso-ciativismo agrcola (Maria Ins
Mansinho.)
1 Veja-se o prembulo do Decreto-Lei n. 49 058, de 14 de Junho de
1969. Dessa actuali-
zao da legislao social fariam parte a reforma da lei da
Previdncia (1962) e a lei do con-trato individual de trabalho
(1966). No contudo convincente a afirmao de uma continui-dade entre
estas reformas e as de 1969.
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Jos Barreto
da dcada de 50 e princpios da de 60 que os crculos reformistas
do regimevinham propondo, sem xito, as principais alteraes que as
reformas cae-tanistas iriam consagrar em 1969. Eram estas, no caso
dos sindicatos, a abo-lio do sancionamento governamental dos
dirigentes eleitos e, no plano dacontratao colectiva, a consagrao
da obrigatoriedade de negociar e o con-sequente estabelecimento de
mecanismos de resoluo dos conflitos colecti-vos de trabalho.
No se pode pr em causa a sinceridade com que Marcelo Caetano
decla-rou, repetiu e insistiu na sua fidelidade poltica de trabalho
seguida no pas-sado pelo regime corporativo. Embora logo nos
primeiros dias do seuGoverno tenha lanado a frmula do Estado Social
conceito que s nosanos seguintes foi tornando algo mais explcito,
nem por um momentose duvidou da manuteno do Estado Corporativo. Mas
tambm no lcitoquestionarem-se as intenes e iniciativas reformadoras
do caetanismo. Seaceitssemos a tese comunista ou esquerdista
segundo a qual foram as lutasdos trabalhadores as nicas ou as
principais responsveis pelas mudanasoperadas no mundo do trabalho a
partir de 1968, dificilmente compreende-ramos porque no se
desencadearam essas lutas ou no se operaram essasmudanas mais
cedo.
Tendo Marcelo Caetano assumido a liderana do Governo em fins
deSetembro de 1968, os projectos de diplomas revendo a lei sindical
e a lei danegociao colectiva ficaram concludos e foram enviados
para apreciao Cmara Corporativa ainda antes do fim do ano. Da sua
elaborao haviasido encarregada uma comisso de reviso da legislao
laborai, que fun-cionava junto do gabinete do ministro Jos Gonalves
Proena e era com-posta por J. Silva Pinto, J. L. Nogueira de Brito
(dois futuros membros doGoverno) e Baslio Horta. A prontido com que
tudo foi feito resultou, emparte, do facto de os estudos
preparatrios terem sido efectuados haviamuito tempo e de estar mais
ou menos assente, desde os Colquios Nacio-nais do Trabalho e da
Organizao Corporativa do princpio da dcada, osentido desejvel das
reformas. Tratou-se apenas de desbloquear e pr emmovimento um
mecanismo j programado. Por outro lado, havia uma not-ria vontade
poltica de realizar rapidamente reformas, de no frustrar
asexpectativas abertas pela sucesso do lder do regime. Do ponto de
vista doGoverno, com efeito, a importncia destas a doutras reformas
de 1969(nomeadamente a extenso aos trabalhadores rurais de uma srie
de esque-mas de assistncia e segurana social que eles desconheciam)
media-se muitoconcretamente pela proximidade das eleies para a
Assembleia Nacional,realizadas em Outubro desse ano. As eleies,
ainda que invariavelmentemuito pouco competitivas (a avaliar pela
Assembleia Nacional delas resul-tante, em que a oposio continuou a
no ter lugar), constituam para Cae-tano a primeira oportunidade de
plebiscitar o novo curso.
Os autores das novas leis estariam convictos de que tal como o
sistemaestava antes era absolutamente intil3, pelo que no se
trataria de lhe apli-
2 Os trabalhos preparatrios deveram-se essencialmente aos
tcnicos do Centro de Estu-
dos Corporativos e do Fundo de Desenvolvimento da Mo-de-Obra
(FDMO), departamentosdo Ministrio das Corporaes onde se encontravam
as pessoas com mais abertura polticae que privilegiavam o enfoque
tecnocrtico (entrevista com J. L. Nogueira de Brito).
58 3 Entrevista com J. L. Nogueira de Brito.
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Os primrdios da Intersindical
car um tratamento cosmtico. Mas as reformas laborais procuravam
tam-bm satisfazer, talvez menos na essncia do que na aparncia,
alguns dosprincpios e direitos consignados nas Convenes 87 e 98 da
OIT (a primeira, qual Portugal ainda no aderira ento, sobre
liberdade sindical e a segunda,ratificada por Portugal em 1964,
sobre o direito de organizao e negocia-o colectiva). Desde 1961,
com efeito, que o Comit de Liberdade Sindicalda OIT vinha
examinando as queixas apresentadas pela Confederao Inter-nacional
dos Sindicatos Livres (CISL) contra o Governo Portugus e
fazendopresses sobre este no sentido da revogao das restries.
A reviso da lei sindical articulava-se estreitamente com a nova
lei danegociao colectiva. Formavam um conjunto lgico, que
potenciava o efeitoseparado de cada uma delas. Os objectivos da
nova lei sindical, segundo oparecer sobre ela emitido pela Cmara
Corporativa4, eram o fortalecimentodos sindicatos e uma menor
interferncia do Governo na sua vida internae na sua actividade.
Quanto nova lei das relaes colectivas do trabalho,o objectivo
fundamental era a dinamizao da negociao, submetendo-aa uma tramitao
obrigatria e imprimindo uma certa celeridade ao seu pro-cesso,
resultando de tudo uma atenuao do papel interventor do Estado se
que no se extingue, arriscava mesmo o respectivo parecer da
CmaraCorporativa5. Ambas as reformas se orientavam, pois, para uma
diminui-o da interveno do Estado, ao mesmo tempo que proporcionavam
o for-talecimento e uma maior responsabilizao da organizao
sindical. Veja-mos agora como que no concreto se propunham atingir
estes fins.
O aparecimento de sindicatos mais fortes ou poderosos seria
emprincpio favorecido pelas novas disposies da lei sindical
respeitantes aombito geogrfico e dimenso. Era abandonado em
definitivo o princpiodo mbito distrital. Exigia-se genericamente
que os sindicatos tivessem umadimenso (em efectivos) e uma
capacidade financeira bastantes para asse-gurar convenientemente a
representao dos trabalhadores. A nova lei apon-tava assim para a
fuso ou o alargamento de mbito dos sindicatos j exis-tentes de modo
quer a abrangerem uma maior rea geogrfica, quer aagruparem mais
profisses dentro do mesmo sector, embora isto no fosseestipulado
directamente. O relator do primeiro parecer atrs citado, J.
M.Cortez Pinto, acreditava porm que a apagada situao sindical
existenteem Portugal se devia mais carncia de poderes dos
sindicatos do que sdeficincias das estruturas organizativas (neste
caso, a pequena dimenso damaioria dos sindicatos). Haveria mesmo
que contar, segundo ele, com asresistncias dos pequenos sindicatos
s fuses suicidas. Por sua vez, o prin-cipal remdio para a falta de
poderes sindicais residiria na nova lei da nego-ciao
colectiva6.
A minimizao da interferncia do Estado nos sindicatos seria
atin-gida atravs da limitao dos poderes discricionrios do Governo e
da trans-ferncia para os tribunais do juzo da legalidade da actuao
dos sindica-tos. Neste captulo surgia a aparente grande novidade da
lei: a substituioda homologao ministerial dos dirigentes eleitos
por uma verificao pr-via dos requisitos de elegibilidade dos
candidatos. Entre esses requisitos
4 Parecer n. 21/ix, Pareceres da Cmara Corporativa, ano de 1969,
p. 196.
5 Parecer n. 26/ix, Pareceres da Cmara Corporativa, ano de 1969,
pp. 591-594.
6 Parecer n. 21/ix, loc. cit., pp. 196-197 e 264-265. 59
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Jos Barreto
contavam-se as condies estabelecidas para o exerccio do direito
de votosegundo a lei geral. A verificao competia ao prprio
sindicato, atravs deuma comisso nomeada ad hoc de entre os scios
que no exercessem fun-es directivas. A comisso de verificao, quando
o achasse necessrio oua solicitao do INTP, devia exigir dos
candidatos aprova documental dascondies de elegibilidade.
O Governo deixava tambm de poder destituir ou suspender as
direcessindicais, reservando-se para os tribunais do trabalho toda
a competnciade julgamento do contencioso eleitoral e das
transgresses s leis. Contudo,qualquer scio, ou o INTP, podia a todo
o momento requerer ao tribunala destituio dos dirigentes que
deixassem de reunir as condies de elegibi-lidade ou dos que, por
exemplo, estivessem a desviar o sindicato do fimpara que foi
institudo. Podia simultaneamente qualquer scio ou o INTPrequerer do
tribunal a suspenso preventiva dos dirigentes at deciso finaldo
processo. Se, por deciso judicial, uma direco sindical viesse de
futuroa ser destituda, o INTP nomearia em seu lugar uma comisso
administra-tiva obrigada a promover a realizao de eleies no prazo
mximo de seismesese no sine die, como at a. O ministro das
Corporaes perdia tam-bm a faculdade de dissolver os sindicatos,
transitando esse poder para oConselho Corporativouma espcie de
conselho de ministros restrito assis-tido por especialistas de
direito corporativo.
A nova lei sindical inclua ainda uma srie de inovaes talvez
menosimportantes que as j enunciadas, ainda que tambm
significativas ou sin-tomticas. Assim, o direito expresso (que o no
era antes) de as direcessindicais e as respectivas seces nomearem
delegados nas localidades e juntodas empresas em que forem
considerados necessrios. Era o pleno reco-nhecimento legal da
presena do sindicato na empresa, consagrando umdireito que na
prtica j se fora reconhecendo, mas que aparentemente sedesejava
difundir mais ou generalizar. A lei no entrava, porm, em
maispormenores na regulamentao desse direito, possivelmente com a
intenode dar primeiro alguma rdea solta e esperar pelos resultados.
Como vere-mos adiante, nos comeos de 1974, o Governo j pretendia
regulamentardetalhadamente essa prtica, atravs de um Estatuto dos
Delegados Sindi-cais, cuja preparao veio a ser interrompida pela
Revoluo.
Houve porm outras inovaes na lei de 1969, nas quais predominou
ainteno meramente cosmtica do legislador. Como a possibilidade de
os sin-dicatos se filiarem em organismos internacionais e de
participarem em reu-nies no estrangeiromediante acordo prvio do
INTP. Ou o desapareci-mento da antiga meno dos sindicatos como
entidades de direito pblicoe a supresso da frmula sindicatos
nacionais nos artigos da lei que foramalterados7.
Com efeito, a filiao internacional dos sindicatos ou a sua
participa-o em reunies sindicais internacionais eram teoricamente
possveis desde1933, com a condio da autorizao prvia do Governo. A
redaco do pre-ceito evoluiu, pela lei de 1969, para um tom mais
eufemstico, mas, no essen-cial, manteve-se. De qualquer modo,
durante todo o perodo corporativo,de Salazar e Caetano, nenhum
sindicato chegou a servir-se da faculdade de
7 Previa-se que nos restantes artigos da lei se operasse
futuramente a supresso da expres-
60 so sindicatos nacionais, o que j no chegou a fazer-se at
1974.
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Os primrdios da Intersindical
filiao ou reunio internacional. Tambm no para admirar: a CISL,
aCMT ou a FSM, bem como as respectivas federaes internacionais
secto-riais, eram as primeiras a condenar na OIT e fora dela a
falta de credibili-dade e representatividade dos sindicatos
pr-governamentais portugueses,cuja filiao logicamente recusariam.
Esta situao era arquiconhecida doGoverno Portugus, o qual, por sua
vez, no deixaria de chumbar as pre-tenses de filiao dos sindicatos
portugueses naqueles organismosse taispretenses chegassem a ser
formuladas (nunca foram!) por direces sindi-cais
oposicionistas.
Quanto ao desaparecimento, alis sub-reptcio, da nica meno
legaldos sindicatos nacionais como entidades de direito pblico
(artigo 3. dalei sindical de 1933), apenas se suspeita qual ter
sido a inteno do legisla-dor ao suprimi-la. O longo parecer da
Cmara Corporativa que esmiuada-mente analisou todo o texto do
projecto de lei sindical simplesmente omissosobre o eclipse da meno
entidade de direito pblico. No deixa, emcontrapartida, esse parecer
de vincar o princpio doutrinal que se mantmem vigor: Num Estado
Corporativo [...] os sindicatos fazem parte da estru-tura poltica
da Nao e so-lhes confiadas funes da maior relevncia nos no campo
dos interesses meramente laborais, mas tambm no domniosocial [...],
econmico [...], cultural [...], na vida administrativa e
poltica(desde a participao nos conselhos municipais at eleio do
chefe deEstado, passando pela constituio da Cmara Corporativa).
Princpio tantomais importante, quanto dele se fazia decorrer a
legitimidade da interven-o do Estado nos sindicatos8. Aps a entrada
em vigor das reformas labo-rais, Marcelo Caetano no perderia a
primeira ocasio propcia para asse-gurar que os sindicatos e os
grmios no podem ser tratados comoassociaes privadas. Isto porque o
Estado dos nossos dias tem de cons-tituir um Estado Social, em cuja
estrutura encontram o seu lugar as organi-zaes de trabalhadores e
empresrios. E porque o trabalho como aempresa so elementos
essenciais da moderna sociedade poltica. Enfim,porque os sindicatos
e os grmios recebem da prpria Constituio pode-res considerveis, no
s de representao, mas tambm para celebrar essasverdadeiras leis de
trabalho que so as convenes colectivas9. J no ex-lio, em 1974,
Caetano ainda continuar a defender a ideia de uma organiza-o
sindical inserida no Estado Corporativo10. Ressaltar, pois, de tudo
istoa inteno preponderantemente cosmtica do reformador ao apagar da
lei,sem explicaes, a meno dos sindicatos como entidade de direito
pblico.Ter o Governo pensado sobretudo em reduzir o nmero de pontas
por ondepoderia pegar o Comit de Liberdade Sindical da OIT, ou
seguindo outrainterpretao em aliviar a legislao corporativa das
ltimas veleidadesde doutrina propriamente totalitria!11
Se a interveno discricionria do Governo nos sindicatos era
realmentelimitada pela nova lei, a judicializao do controlo estatal
dos mesmosaumentava em idntica proporo. Indirectamente, pela via
judicial, o INTP
8 Parecer n. 21/ix, loc. cit., p. 267.Discurso de Marcelo
Caetano em 15 de Junho de 1970, por ocasio da homenagem que
lhe foi prestada pelos dirigentes sindicais e das casas do povo,
Boletim do INTP de 15 de Junhode 1970.
10 Depoimento, Rio de Janeiro, 1974, p. 124.
11 Manuel de Lucena, O Marcelismo, 1976, p. 64. 61
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ou seja, o Ministrio das Corporaes podia com facilidade pr
tudoem causa, desde os actos dos dirigentes aos resultados
eleitorais, passandopelas decises das assembleias gerais e pelas da
prpria comisso de verifi-cao dos requisitos de elegibilidade. Basta
aqui referir que a lei geral citava,entre as oito categorias de
inelegveis, os que professavam ideias contr-rias disciplina
social12. Ora o INTP podia requerer ao tribunal a desti-tuio de
dirigentes eleitos invocando essa movedia incapacidade, ou exi-gir
dos candidatos prova documental, passada pela autoridade
administrativa,de que as suas ideias no se opunham disciplina
social13. Exploradasintegralmente todas as faculdades legais, o
Governo no andaria longe dereconstituir os seus anteriores poderes
e, at, de transformar em seleco pr-via dos candidatos a antiga
homologao a posteriori dos dirigentes eleitos.
Para alm disto, o Governo conservava fortes poderes de controlo
e inter-veno directa, como a aprovao dos estatutos dos sindicatos e
suas alte-raes, a orientao e fiscalizao permanente das contas dos
sindicatos, ocontrolo burocrtico das receitas (nvel das quotizaes)
e das despesas deaquisio de bens, muitas vezes sujeitas a autorizao
prvia. J referi atrsa possibilidade de dissoluo dos sindicatos, bem
como o licenciamento pr-vio da sua filiao, contactos e representaes
internacionais.
Dois aspectos fundamentais do sindicalismo de feio
salazaristamantinham-se tambm inclumes: o princpio unicitrio da
organizao eo regime da quotizao obrigatria. Se bem que a nova lei
viesse expressa-mente permitir, em certos casos, a sobreposio
parcial de representativi-dade entre sindicatos de profisso e
sindicatos de ramo de actividade (o que,de resto, j se verificava
na prtica)14, ficava claro que isso s poderia suce-der entre
sindicatos de enquadramento diferente15. Mantinha-se, de facto,o
monoplio de representao dos sindicatos e a excluso do
pluralismo,embora se fugisse a afirm-losegundo o citado parecer da
Cmara Cor-porativa, que candidamente achava que assim se evitariam
as crticas daOIT...16 O pluralismo idealizado pela reforma
caetanista no ia muito almde uma limitada expresso de tendncias
preferencialmente apolticas no inte-rior dos sindicatos nicos.
Quanto quotizao obrigatria, no se lhe tocou. A questo foi
sim-plesmente evitada, ignoradaainda que no pudesse servir de
desculpa ofacto de a matria se encontrar regulada noutro diploma
que no a lei daorganizao sindical. Como bvio, a quotizao obrigatria
estava rela-cionada com o regime de unicidade sindical. Ou, mais
exactamente, com osistema de sindicatos nicos da confiana do
regime. A diferena decisiva,como adiante teremos ocasio de
comprovar.
No foi por prudncia tctica que Marcelo Caetano se manteve fiel
uni-cidade, repudiando o pluralismo sindical, mas sim por opo
poltica clara
12 Lei n. 2015, de 28 de Maio de 1946, artigo 2., ponto 7.
13 Para a prova de que os dirigentes ou candidatos a dirigentes
sindicais no professavam
ideias contrrias disciplina social, a entidade competente era o
presidente da cmara do con-celho em que residia o interessado, ou,
nos casos de Lisboa e Porto, o administrador do res-pectivo bairro
administrativo (despacho ministerial de 26 de Outubro de 1970).
14 Parecer n. 21/ix, loc. cit., p. 302.
15 Decreto-Lei n. 23 050, de 23 de Setembro de 1933, alterado
pelo Decreto-Lei n. 49 058,
de 14 de Junho de 1969, artigo 3.62 16 Parecer n. 21/ix, loc.
cit.y pp. 301-302.
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Os primrdios da Intersindical
e convicta. Numa entrevista concedida em Outubro de 1969, poucos
diasantes das eleies para a Assembleia Nacional, Caetano dizia que
a liber-dade de se constiturem vrios sindicatos na mesma rea e na
mesma profis-so traduziria um retrocesso, e grande, no mundo
portugus do trabalho17.Essa liberdade, reclamada por algumas foras
oposicionistas durante a cam-panha eleitoral, no interessava na sua
opinio aos trabalhadores, massim aos partidos polticos, que
pretendiam politizar os sindicatos etransform-los, como dantes, em
armas de luta, em vez de serem instrumen-tos de realizao pacfica
das conquistas do trabalho. Caetano entendia aliberdade sindical
noutro sentido: como faculdade de os trabalhadores se ins-creverem
ou no no sindicato18. Definio que ao Partido Comunista Por-tugus
certamente no repugnaria.
Como argumento positivo mais forte em apoio da unicidade
sindical,Caetano sustentava que o facto de haver um nico sindicato
reconhecidoem cada distrito permite que ele celebre contratos
colectivos sancionados peloEstado como verdadeiras leis19. Um fraco
argumento, porque a liberdadesindical preconizada pelas convenes da
OIT e reclamada por certos secto-res no comunistas da oposio em
Portugal no contrariava o princpio dafora legal das convenesque no
depende da existncia de sindicatosnicos.
Relativamente questo da unicidade sindical poder-se- verificar
aindauma curiosa convergncia estratgica do salazarismo, do
caetanismo libe-ralizador e do PCP. Os comunistas portugueses, com
efeito, no faziamcoro com todas as recomendaes da OIT ao Governo de
Salazar ou Cae-tano e ainda menos alinhavam com as posies e
exigncias da CISL. Comovimos, o PCP navegava estrategicamente (e no
por tctica) nas guas dossindicatos corporativistas, os quais
pretendia em bom leninista colocar aoservio dos trabalhadores. Por
isso rejeitara desde 1941 (e, com Bento Gon-alves, j desde 1935) a
criao de sindicatos paralelos clandestinos e con-denara, no
ps-guerra, a apresentao de mais de uma lista oposicionistas eleies
sindicais.
Por sua vez, a posio do Governo de Caetano tambm no pode
serinterpretada como uma continuidade meramente tctica. Para alm
das fortesrazes polticas (e tambm doutrinrias) acima referidas,
Caetano apostavana consolidao de uma nova classe dirigente
sindical. Esta pautar-se-ia porcritrios de competncia e eficcia
politicamente neutros. Seria capaz de pres-tigiar os sindicatos
corporativistas e de granjear o apoio dos associados emeleies mais
competitivas que anteriormente. Uma classe de
sindicalistastecnocratas (talvez um pouco imagem da classe poltica
do caetanismo),cuja adeso doutrina e ao regime poderia ser maior ou
menor, desde queno se traduzisse em aces polticas de hostilidade.
Se o Governo no acre-ditasse nesta possibilidade, no teria feito
sentido manter os sindicatos ni-cos e deix-los impassivelmente
conquistar por dirigentes oposicionistas.
Passando ao exame da reforma da negociao colectiva, e seguindo
omesmo mtodo que atrs, comecemos pelas novidades introduzidas pela
novalei (no se tratou aqui, como no caso da reforma sindical, de
alterar um velho
17 Entrevista ao Dirio de Notcias de 23 e 24 de Outubro de
1969.
18 Id., ibid.
19 Id., ibid. 63
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Jos Barreto
decreto-lei, mas sim de elaborar um articulado inteiramentre
novo). A maiornovidade foi, como j disse, a consagrao da
obrigatoriedade de negociar\decorrente da imposio de uma tramitao,
com prazos limitados, a todoo processo de negociao. No seria
doravante possvel recusar ou arrastarindefinidamente a negociao ou
a reviso de uma conveno colectiva.Desde que existisse o
correspondente organismo (ou organismos) de repre-sentao patronal e
em 1969 a cobertura da rede de grmios estava final-mente bastante
adiantada, um sindicato podia iniciar o processo de nego-ciao com a
apresentao de uma proposta de contrato colectivo detrabalho.
(Teoricamente, a mesma iniciativa se proporcionava aos
grmios,embora estes, por regra, a no exercessem). A partir da
recepo da pro-posta, contava o tempo para a resposta da outra parte
e para o prazo mximode concluso da conveno.
Esta nova regra revolucionava por si s todo o existente quadro
legal,tais as suas implicaes. Em primeiro lugar, a iniciativa das
negociaes, asua manuteno e a elaborao das convenes colectivas
passavam para acompetncia principal e quase exclusiva dos
sindicatos e dos grmios (eempresas), com o consequente decrscimo do
papel do Estado. Daqui umconsidervel reforo dos poderes e
responsabilidades sindicais. Em segundolugar, a lei admitia, pela
primeira vez sob o regime corporativo, que vies-sem a surgir
conflitos colectivos de trabalho20. Esta eventualidade era
tantomais provvel quanto se tornava a negociao obrigatria e se
pretendiasimultaneamente pela reviso da lei sindical diminuir a
interfernciagovernamental nos sindicatos e o controlo poltico dos
seus dirigentes. Emterceiro lugar, instauravam-se mecanismos de
resoluo dos conflitos colec-tivos. Eram eles a tentativa de
conciliao (a realizar no seio da corporaorespectiva), ou, caso esta
falhasse, a arbitragem, da competncia de umacomisso arbitrai
composta por trs elementos. A arbitragem representavao ltimo
recurso da parte que se julgasse prejudicada com o arrastamentodo
conflitoos sindicatos, por regra.
Para o Governo, a instituio da arbitragem representava o aspecto
maisrelevante da nova lei. Permitiria que o executivo adoptasse uma
atitude menospaternalista e se comprometesse menos directamente nas
questes laborais.Constitua, por outro lado, a grande justificao
para a continuada proibi-o da greve. De facto, admitindo-se
finalmente a inevitabilidade dos con-flitos colectivos, a
arbitragem era a nica alternativa para a greve em casode impasse
nas negociaes, uma vez que o Governo pretendia em princpioabandonar
a regulamentao administrativaquesto a que j voltaremos.No
tratamento doutrinrio e normativo dado pelo regime
conflitualidadelaborai parecia despontar assim uma nova etapa
histrica, que logicamentepoderemos denominar corporativizao. Esta
surgia depois da judicializa-o (a doutrina inicial do regime, que
ficara letra-morta desde 1933-34) eda governamentalizao que
imperara na prtica desde o princpio. Tratava-
20 Artigo 1., 3. No articulado do decreto a expresso diferendos
colectivos que
consagrada, mas no prembulo fala-se repetidamente de conflitos,
conflitos colectivos econflitos emergentes das relaes colectivas de
trabalho, qualificados alis como os maisgraves conflitos sociais do
nosso tempo. O ministro das Corporaes, Gonalves de Proena,achando
porventura a expresso ainda demasiado rebarbativa do ponto de vista
corporativo,preferia dizer os chamados conflitos colectivos de
trabalho (veja-se, por exemplo, o seu dis-
64 curso transcrito no Boletim do INTP de 28 de Fevereiro de
1969, pp. 201 e 203).
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Os primrdios da Intersindical
-se em 1969 apenas de um primeiro passo, se bem que decidido, no
caminhoda corporativizao dos conflitos colectivos, pois estes
ficavam ainda larga-mente sob a alada directa e indirecta do
Governo.
A importncia atribuda arbitragem na nova lei fica esclarecida se
recor-darmos que, para Marcelo Caetano, ela constitua o nico
processo civili-zado de solucionar conflitos colectivos,
substituindo com vantagem agreve21que continuaria obviamente
proibida. No fundo, Caetano talvezno acreditasse to piamente nas
virtudes miraculosas da arbitragem ou napossibilidade de Portugal
suplantar na questo da greve os pases mais civi-lizados. Em 1969,
de facto, as greves em Portugal, mesmo ilegais, j come-avam a
tornar-se uma realidade insofismvel e quantitativamente
impor-tante. Caetano, provavelmente, pensaria apenas que legalizar
a greve seriaencoraj-la, precipitando assim aquilo que mais
procurava evitar: a sua uti-lizao como arma poltica. O mesmo tipo
de reflexo havia sido feitopelos sectores conservadores quando o
direito de greve fora reconhecido pelaprimeira vez em Portugal, aps
a revoluo republicana de 1910, precipi-tando uma vaga de
paralisaes. De resto, nos meios governamentais caeta-nistas ningum
ter levantado seriamente a hiptese de voltar a legalizar
agreve22.
Nem a tentativa de conciliao nem a arbitragem eram formalmente
obri-gatrias, mas, na realidade, no havia para elas alternativa.
Alm disso, orecurso arbitragem tinha como condio prvia a efectiva
realizao datentativa de conciliao. Assim, as partes em litgio no
poderiam esquivar--se, sem denotar m f, disciplina racionalizadora
dos conflitos fixada nalei. Os mecanismos de resoluo dos conflitos
serviriam tambm para peneiraras eventuais tentativas de
aproveitamento poltico da aco sindical, que oGoverno temia acima de
tudo.
A questo fulcral da arbitragem era a nomeao do rbitro
presidenteou terceiro rbitrosendo os outros dois nomeados pelas
partes. Com efeito,sobre o rbitro presidente recaa a
responsabilidade de uma deciso que teo-ricamente podia ser tomada
por unanimidade, mas se antevia que viesse aser quase sempre por
maioria de dois contra um. Depois de se terem enca-rado vrias
hipteses pelo Governo e Cmara Corporativa, ficou estabele-cido na
lei que o terceiro rbitro seria escolhido pelos dois primeiros.
Umasoluo aparentemente conforme aos cnones do corporativismo de
asso-ciao, mas de execuo problemtica.
Passando ao que a nova lei manteve do anterior regime da
negociaocolectiva, citarei primeiramente a regulamentao
administrativa das con-dies de trabalho. Reservava-se a sua
utilizao para os casos conside-rados excepcionais em que a via
convencional no fosse possvel, quandoos superiores interesses da
economia nacional e da justia social o exigis-sem, ou, ainda, na
ausncia de organizaes representativas das partes. Ascondies de
trabalho nestes casos seriam estipuladas pelo Governo, atra-vs de
portarias de regulamentao do trabalho (anteriormente denomina-
21 Marcelo Caetano, Depoimento, Rio de Janeiro, 1974, p.
130.
22 Entrevista com J. L. Nogueira de Brito. Para se fazer uma
ideia do carcter tabu desta
questo basta referir que nem mesmo o projecto de reviso
constitucional apresentado na Assem-bleia Nacional de 1970 pelos
deputados da ala liberal propunha a supresso do artigo 39 . ,que
proibia a greve. 65
-
Jos Barreto
das despachos normativos). Apesar da f aparentemente
inquebrantvel naarbitragem, o Governo sabia que, se esta, por algum
motivo, falhasse nocumprimento do papel que lhe era cometido,
restava sempre o recurso sportarias regulamentadoras. Do ponto de
vista do regime, com efeito, quegarantia decisiva oferecia a
arbitragem de fazer prevalecer o interesse geralou nacional?
Mas, se o Governo de Caetano no abdicava de intervir, ainda que
a ttulosupletivo e excepcional, na estipulao das condies de
trabalho, tambmno desistia de ter sempre a ltima palavra a dizer.
Com efeito, a nova leimantinha a homologao ministerial das convenes
assinadas pelas partese note-se bem das prprias decises arbitrais,
sem a qual estas notinham eficcia. Compreende-se, contudo, que, nas
novas circunstncias, essaltima palavra pudesse ser realmente
importante para o Governono ante-riormente, quando todo o processo
de contratao colectiva estava sob o con-trolo directo do INTP. A
homologao, um autntico direito de veto doministro das Corporaes,
era a garantia de que nada de importante seriaestipulado pelas
partes contra a vontade do Governo, agora que este haviaoptado por
se manter a uma certa distncia da negociao propriamente dita.O
Governo de Caetano, renovando na continuidade a poltica
intervencio-nista de Salazar, no se mostrava disposto a deixar
simplesmente ao arb-trio dos negociadores de contratos colectivos
deliberaes de tamanhainfluncia na vida econmica, sobretudo pelas
consequncias que em perodoinflacionado podiam resultar23. Pretendia
sobretudo impedir o efeito deimitao que poderiam provocar salrios
demasiado altos eventualmentenegociados em certos sectores.
Curiosamente, estes argumentos coincidiamcom os avanados anos
antes, s que no passado no se registava ainda qual-quer inflao.
Se a atitude adoptada tendia a perpetuar uma interferncia
burocrticae paternalista nas relaes laborais, a preocupao do
Governo de Caetanocom as perspectivas de agravamento da inflao
tinha, essa sim, fundamento.A partir de 1969, com efeito, vai
observar-se uma escalada da taxa de infla-o em Portugal, no
seguimento, alis, de um surto moderado iniciado em1965. A escassez
de mo-de-obra, sobretudo especializada, resultante do fortefluxo
emigratrio da dcada de 60 e da mobilizao militar para a guerranas
colnias, conjugava-se com factores inflacionistas provenientes do
sec-tor agrcola e com a intensificao do ritmo de crescimento da
economia eo aumento da procura nos mercados interno e externo. Numa
anlise retros-pectiva, o salto operado pela taxa de inflao entre
1969 e 1971 ser atri-buda aco de um novo factor: a alterao das
condies de determina-o dos salrios industriais, na sequncia das
reformas laborais caetanistas24.E contudo muito difcil, na minha
opinio, avaliar as verdadeiras repercus-ses da liberalizao da
contratao colectiva nos aumentos salariais e, portabela, na taxa de
inflao, quando todas as outras condies econmicasnacionais se
conjugavam no mesmo sentido de alta dos salrios e dos preos.
As reformas laborais caetanistas de 1969 ficaram longe de
satisfazer oComit de Liberdade Sindical da OIT. Examinando de novo,
em princpios
23 Marcelo Caetano, op. cit., p . 130.
24 Daniel Bessa, O processo inf lac ionado portugus no ps-25 de
Abril de 1974, in Pen-
66 samiento Iberoamericano, n. 9, Janeiro/Julho de 1986, pp.
398-400.
-
Os primrdios da Intersindical
de 1970, a queixa apresentada pela CISL contra o Governo
Portugus, oComit verificaria a permanncia na nova legislao de vrias
das antigasrestries liberdade sindical e de negociao colectiva, bem
como a conti-nuada interferncia do Estado em ambos os campos25.
Verificava, nomea-damente, a manuteno do sistema de homologao das
convenes colec-tivas (agora incidindo tambm sobre as decises
arbitrais), situaoconsiderada inconcilivel com a adeso de Portugal
aos princpios consig-nados na Conveno 98 da OIT26. Na sua resposta
s crticas formuladaspelo Comit de Liberdade Sindical, o Governo
Portugus alegaria que ahomologao das convenes colectivas se
resumiria a um simples registoadministrativo, para se conferirem as
convenes assinadas pelas partes coma legislao em vigor. Explicao
esta que a prtica a breve trecho se encar-regou de desmentir
completamente.
Em resumo, pelas novas leis, o Governo mostrava sobretudo a sua
dis-posio de abrir caminho a uma gradual emancipao dos sindicatos
da tutelaadministrativa e a uma progressiva autonomizao da negociao
colectiva.Mas as precaues de que as leis se rodeavam eram tais e
tantas que torna-vam as reformas reversveis, condicionais. Sem
contar com a eventualidade nada remota, como veremos de futuras
alteraes ou aperfeioamen-tos da legislao contriburem para
retroceder sobre os passos dados naabertura.
Mas, se o Governo no tivesse por si prprio assumido uma atitude
deextrema prudncia, precavendo-se de muitos modos contra os
possveis apro-veitamentos abusivos e as consequncias indesejadas da
abertura, os pr-prios trabalhadores e os meios oposicionistas
ter-lhe-iam fornecido os moti-vos e os pretextos. Com efeito, nos
meses que antecederam a aprovao epromulgao das novas leis laborais,
quando j eram conhecidos os textosdos projectos e estes se
encontravam para apreciao na Cmara Corpora-tiva, desencadeou-se uma
vaga de agitao laborai (e estudantil), bem comoum surto de greves
nas empresas da cintura industrial de Lisboa sem para-lelo nas
dcadas precedentes. O momento poltico a sucesso do lder doregime
era julgado particularmente favorvel para a intensificao das
lutasreivindicativas. Aproveitar a demagogia liberalizante e vir-la
contra o pr-prio Governo era a palavra de ordem comunista. O PCP
alertava, alis, parao perigo maior de os trabalhadores acreditarem
em qualquer liberaliza-o do regime, porque nem o Governo nem o
patronato cederiam nada porvontade prpria27. Desde o incio que o
Governo de Caetano vinha qualifi-cado na imprensa comunista de
governo da ditadura terrorista dos mono-plios (associados ao
imperialismo estrangeiro) e dos latifundirios28, oude continuador
do salazarismo sem Salazar29. Aps a vaga de agitao e gre-ves dos
primeiros meses de 1969, o PCP congratulava-se pelo seu efeito
deagudizao das dificuldades do Governo, enquanto censurava o
socialistaMrio Soares por este se ter mostrado receptivo s medidas
falsamente libe-
25 Official Bulletin, supl. , ILO, 1970, n. 2, pp. 1-36.
26 H. Nascimento Rodrigues, Regime Jurdico das Relaes Colectivas
de Trabalho Ano-
tado, Coimbra, 1971, p. 87.27
Avante!, n. 397, Dezembro de 1968, pp. 1 e 4 .28
Ibid., n . 396, Outubro /Novembro de 1968, p. 1.29
Ibid., n. 398, Janeiro de 1969, p. 1. 67
-
Jos Barreto
ralizadoras de Caetano30. Num desafio frontal objectividade, o
PCPdenunciando algum pnico e desorientao perante as dvidas
liberali-zadoras do regime acabaria por concluir que tinham sido as
lutas dos tra-balhadores no princpio de 1969 que tinham forado o
Governo a operaras modificaes da legislao sindical31. Isto apesar
da prvia posio tomadapelo Partido, segundo a qual nada havia
mudado, seno para pior, com asreformas laborais caetanistas. E
apesar, como vimos, de o PCP ter feito oque estava ao seu alcance
para as dificultar.
2. ACOLHIMENTO E EXECUO DAS REFORMAS. A REANIMA-O SINDICALAs
reformas laborais de 1969 tiveram, em geral, um acolhimento
muito
crtico. Os sectores mais fiis poltica salazarista aos quais era
sensvelo prprio ministro das Corporaes, Gonalves de Proena, que
viria a sersubstitudo em Janeiro de 1970 mostravam-se preocupados
com o rumoque o regime levaria com tantas liberdades sindicais32.
Por seu turno, nadifusa rea poltica situada entre o regime e a
oposio, de onde saiu a cha-mada ala liberal do regime, as reformas
laborais foram julgadas por muitoscomo insuficientes. Mrio Pinto,
jurista ligado aos meios catlicos liberaise que tinha sido
consultor do Sindicato dos Bancrios do Porto em 1966-67,diz ter
recusado o convite de Caetano para o cargo de secretrio de Estadodo
sector do trabalho por concluir que seria impossvel fazer o que
que-ria33. Nos seus estudos publicados entre 1963 e 1973 sobre
conflitos detrabalho e estruturas sindicais, Mrio Pinto mostrava-se
favorvel nomea-damente institucionalizao da conflitualidade e da
prpria greve, inde-pendncia dos sindicatos em relao ao Estado e
possibilidade de existn-cia do nvel confederai de organizao
sindical. Francisco S Carneiro,deputado da ala liberal entre 1969 e
1973, confiou inicialmente na possi-bilidade de uma reforma da vida
sindicalciente embora das restries man-tidas pela lei liberdade
sindical (existncia de sindicatos oficiais e nicos),que
reprovava34.
Do lado da oposio democrtica moderada apontava-se sobretudo
ocarcter pouco ambicioso da reforma sindical, embora se
reconhecessemalgumas melhorias relativas. Segundo o sindicalista M.
Pina Correia (cat-lico, eleito para a direco do Sindicato dos
Bancrios de Lisboa em 1968,mas que viu recusada a sua homologao
pelo ministro das Corporaes jem 1969), o Governo tinha esperado 36
anos para modificar somente aspec-tos circunstanciais da lei. Na
sua opinio, tinham ficado por satisfazer no
30 Avante!, n. 404, Julho de 1969, p. 3 .
31 Ibid., id. O dirigente comunista Jos Vitoriano, que tinha
ento a seu cargo a frente
sindical, dir taxativamente que foi na conjuntura criada pela
poderosa vaga de lutas nasempresas dos primeiros meses de 1969 que
Marcelo Caetano sentiu necessidade de introduzirna legislao
sindical algumas alteraes pretensamente liberalizantes (O PCP e a
Luta Sindi-cal, cit. , p. 286). lvaro Cunhal defendeu idntico ponto
de vista em U n e anne de grandsvnements, in La Nouvelle Revue
Internationale, n. 3 /1970 (Maro).
32 Entrevista com Joaquim Silva Pinto.
33 Entrevista c o m Mrio P i n t o .
68 34 Francisco S Carneiro, Textos, 1. vol., 1969-73, Lisboa,
1981, pp. 33-34 e 443-444.
-
Os primrdios da Intersindical
s as recomendaes da OIT, como os prprios objectivos expressos
pelosColquios Nacionais do Trabalho do princpio da dcada35. Outros
apoda-vam a reforma sindical de conjunto de habilidades
poltico-jurdicas, con-siderando que o Governo perdera uma
oportunidade histrica de conferiraos sindicatos representatividade,
independncia (relativamente ao poder pol-tico) e fora contratual
(entendida como maior dimenso)36. Mas, emboracrticos, estes meios,
moderados duma maneira geral, acharam que, pelomenos inicialmente,
valia a pena fazer um esforo para o aproveitamentodas alteraes
introduzidas na legislao, confiantes em que o dilogo como Governo
era possvel37.
Do lado da oposio organizada clandestinamente, nomeadamente
oPCP, as reaces crticas s reformas caetanistas foram desde o incio
muitomais extremadas. Os dirigentes comunistas achavam, por
exemplo, que anova lei da negociao colectiva vinha limitar ainda
mais os direitos dostrabalhadores, reforando o controlo
governamental sobre a discusso doscontratos colectivos de trabalho
e a sua resoluo final e o predomnioda imposio patronal. Apenas
alguns pequenos recuos do Governoresultantes de uma hipottica
ofensiva prvia dos trabalhadores se pode-riam contabilizar
positivamente na nova lei. Mas at nesses casos teriam
ostrabalhadores de lutar, novamente, pela sua concretizao prtica38.
Exem-plo dos pequenos recuos que o PCP assinalou foi a imposio de
prazosao processo de negociao. A posio comunista sobre a nova
legislao sin-dical no era mais favorvelapesar de tambm a considerar
resultado daluta dos trabalhadores. Assim, sobre o controlo
governamental dos sindica-tos era dito que, se possvel, aumentou
ainda mais. Quanto judicializa-o do controlo da legalidade da aco
sindical, as perspectivas seriam asmais sombrias, dada a composio
de classe dos tribunais e o facto deos juizes serem nomeados pelo
Governo39. Onde a nova lei previa a possibi-lidade de os sindicatos
nomearam delegados nas empresas, o dirigente comu-nista Jos
Vitoriano via uma medida destinada a combater a representativi-dade
das comisses de unidade cuja formao o PCP promovia nasempresas40.
Ou onde a lei apontava (ainda que vagamente) para o aumentoda
dimenso dos sindicatos pela suposta via de fuses, o mesmo
dirigentedetectava uma manobra para provocar um maior afastamento
geogrficodos trabalhadores das sedes dos seus sindicatos41.
Em 1969 eram raras as vozes que em Portugal reclamavam
expressamentea possibilidade de criao de novos sindicatos, ao lado
dos existentes e, logi-camente, em concorrncia com eles. Os
comunistas, que eram a fora pol-tica oposicionista mais organizada,
nomeadamente na frente sindical, viamassim prevalecer com aparente
facilidade a sua estratgia entrista unitria
35 P rob l emas e evoluo do sindical ismo, mesa- redonda com a
par t ic ipao de repre-
sentantes das trs listas oposicionistas que se apresen ta ram s
eleies para depu tados de Ou tu -b ro de 1969: Mr io P ina Corre ia
( C E U D ) , Manuel Bidarra (CDE) e H . Barr i laro Ruas ( C E M )
,Dirio de Lisboa de 12 e 13 de Ou tub ro de 1969.
36 Manuel Bidarra em Problemas e evoluo do sindicalismo, in loc.
cit.
37 Entrevista com Armando Santos (actual secretrio-geral do
Sindicato dos Seguros do
Sul e Ilhas).38
Avante!, n. 407, Outubro de 1969.39
Ibid., n . 404, Ju lho de 1969.40
Jos Vitoriano, Experincias de Trs Anos de Luta Sindical, ed.
Avante!, 1973.41
Id., ibid. 69
-
Jos Barreto
e unicitria. Em vrios sectores no comunistas da oposio
pensava-se ouadmitia-se, com efeito, que no seria benfico para a
prpria classe traba-lhadora a existncia de um pluralismo sindical
dentro da mesma profissoou sector de actividade42. A ideia da
convenincia de um futuro movimentosindical nico, no lugar ou no
prolongamento da organizao sindical cor-porativista, parecia reunir
ento um largo consenso entre as diversas tendn-cias oposicionistas,
embora alguns vincassem bem, j em 1969, a condiode todas as
correntes sindicais e ideolgicas serem respeitadas e poderem
terexpresso dentro dos sindicatos43. No se pode deixar de
relacionar esta res-salva com a fractura ocorrida no bloco da
oposio nas eleies para depu-tados desse mesmo ano. No meio de
acusaes feitas aos comunistas de ten-tarem exercer o seu domnio
monoltico na coligao eleitoral unitria(CDE), a corrente socialista
apresentaria uma segunda lista oposicionista(CEUD) em alguns dos
principais crculos eleitorais, recolhendo contudomuito menos votos
que a primeira.
Linha estratgica divergente da dos comunistas era a de alguns
agrupa-mentos esquerdistas e de certos meios catlicos de esquerda,
que antes de1974 falaram em criar sindicatos ou estruturas
sindicais paralelas, forosa-mente clandestinas, mas muito pouco ou
nada adiantaram na prtica. Haverdiscusses e significativas
divergncias entre algumas correntes sindicais opo-sicionistas a
propsito destas e doutras questes assunto a que aindavoltaremos,
mas sempre com fcil prevalncia final da posio comunista.Em 1973, no
3. Congresso da Oposio Democrtica (Aveiro, 4-8 de Abril),o
socialista44 Francisco Marcelo Curto, consultor jurdico de vrios
sindi-catos, tomou a defesa do pluralismo sindical, que, na sua
opinio, no excluaa unidade dos sindicatos na sua luta por melhores
condies salariais e detrabalho, negando mesmo que a unidade
(organizativa) sindical fosse, emsi mesma, um benefcio ou vantagem
para os trabalhadores45. Esta posi-o, embora no completamente
isolada, no encontrava na altura um ecoconsidervel nos meios
sindicais (e at polticos) da oposioe muito menosnos meios ligados
ao poder. Prenunciava contudo os debates em torno destaquesto que,
num contexto poltico muito diferente, eclodiro em finais
de1974.
Enfim, outras vozes, muito dispersas e de fraca expresso no
mundo dotrabalho, recusavam o entrismo e admitiam j em 1969 o
pluralismo deorganizaes sindicais, tal como existia em vrios pases
europeus, conside-rando, por exemplo, desejvel a existncia futura
de sindicatos agrupandotrabalhadores segundo as suas afinidades
ideolgicas46.
A este panorama pouco diversificado, em que preponderava quase
semcontestao uma posio coincidente com a linha estratgica do PCP (e
con-vergente, no ponto da unicidade, com a rgida posio
governamental), noera alheio o bloqueio da situao poltica
portuguesa e a consequente falta
42 Manuel Bidarra em Problemas e evoluo do sindicalismo, in loc.
cit.
43 Mrio Pina Correia em Problemas e evoluo do sindicalismo, in
loc. cit.
44 F. Marcelo Curto seria um dos 27 fundadores do Partido
Socialista, em reunio reali-
zada na Alemanha Federal poucos dias aps o congresso
oposicionista de Aveiro.45
3. Congresso da Oposio Democrtica Teses, 2 . a seco, Seara Nova
, 1974, pp.224 e 228.
46 Ver, por exemplo, H. Barrilaro Ruas em Problemas e evoluo do
sindicalismo, in
70 loc. cit.
-
Os primrdios da Intersindical
de perspectivas de alterao profunda do quadro sindical. A situao
poucoevoluir at 1974, devido tambm relativamente forte unidade
oposicio-nista fomentada nos planos poltico e sindical pelo
conservadorismo inbilde Marcelo Caetano. A quebra, nos anos 30, com
uma autntica tradioassociativa, a forada inexperincia poltica dos
trabalhadores e algum iso-lamento relativamente ao sindicalismo
europeu ocidental eram outros fac-tores importantes da situao
sindical em 1969.
Deste modo, quando a abertura poltica do regime e as novas leis
labo-rais do o sinal de partida para a desejada reanimao da vida
sindical, asideias ou projectos que aparecem acerca das estruturas
organizativas maisconvenientes assentam basicamente nos sindicatos
existentes ou no quadropor eles definido. Na esteira, alis, das
propostas de reestruturao sindicalavanadas anos antes, nos Colquios
Nacionais do Trabalho, e da prpriafilosofia que havia presidido
elaborao das reformas. Falar-se- assim depulverizao, de sindicatos
pequenos e pobres, de diviso e descoordenao,de ineficcia, de falta
de poderes, de incapacidade tcnica dos dirigentes bem como dos
remdios necessrios para pr fim a todas essas situaes.Em certos
meios oposicionistas defendia-se, por exemplo, que s uma evo-luo
para sindicatos de ramo de actividade asseguraria uma aco
sindicalcoesa e eficaz47, adequada, alm do mais, estrutura dos
grmios, obvia-mente organizados por actividades. Outros defendiam
grandes sindicatos dembito nacional, de ramo ou de profisso,
criados a partir dos existentespor fuso de sindicatos distritais ou
pluridistritais.
O PCP no se ocupava muito do estudo ou discusso destas
questessobre o enquadramento desejvel, ou, pelo menos, no o fazia
segundo umaptica especificamente sindicalista, de defesa dos
interesses dos associados.Essas questes interessavam-lhe quase
exclusivamente dum ponto de vistapoltico, isto , do ponto de vista
da luta de classes e da luta contra o regime.Deveriam os sindicatos
ser grandes ou pequenos? Distritais ou nacionais?Profissionais ou
de ramo de actividade? Que novos sindicatos (ao abrigo dalei)
deveriam ser criados? Como resposta, tudo dependeria, para os
comu-nistas, das condies concretas de cada situao .
Assim, que algumas centenas de delegados de propaganda mdica
tives-sem em 1963 deixado de pagar quotizao para o Sindicato dos
Caixeirose formado o seu prprio sindicato, nada haveria a dizer. Os
comunistasviriam at a interessar-se muito por esse novo sindicato.
Mas, quando, algunsanos depois, em 1971, um grupo de vendedores
(caixeiros-viajantes e depraa) propunham destacar-se do dito
Sindicato dos Caixeiros de Lisboa parafundarem, como os seus
colegas do Porto j haviam feito, um sindicato quepoderia vir a
abranger cerca de 6000 associados na regio da capital, issoj foi
considerado um divisionismo condenvel49. O Sindicato dos Caixei-ros
de Lisboa tinha ento (desde 1970) na sua direco e no seu
aparelhoadministrativo vrios elementos comunistas ou prximos.
Mobilizando osassociados, a direco conseguiu frustrar a tentativa
autonomista, cono-
47 Ver, por exemplo, F. Marcelo Curto, O sindicalismo em questo,
in Seara Nova,
n. 14%, Junho de 1970, com a achega de Caiano Pereira no n. 1500
da mesma revista (Outubrode 1970) ou Manuel Bidarra, Problemas e
evoluo do sindicalismo, in loc. cit.
48 O PCP e a Luta Sindical, cit., p. 297.
49 Circular n. 17, de 5 de Maro de 1971, do Sindicato dos
Caixeiros de Lisboa. 71
-
Jos Barreto
tando-a com a anterior direco do Sindicato, derrotada nas
eleies. A auto-nomizao consumar-se- aps o 25 de Abril, com a criao
do Sindicatodos Tcnicos de Vendas.
O PCP, por princpio, declarava-se favorvel a estruturas
sindicais queno dividissem os trabalhadores nas empresas. Mas,
quando, por volta de1972, um grupo de trabalhadores de vrias
tendncias pretendeu fundar umnovo sindicato de mbito nacional
agrupando todos os assalariados dasindstrias de construo e reparao
naval, o PCP condenou e combateua iniciativa. Os comunistas
argumentaram ento que o novo sindicato enfra-queceria os sindicatos
metalrgicos distritais (tradicionais basties de mili-tncia
comunista) e provocaria uma situao de afastamento geogrfico
demilhares de trabalhadores das indstrias navais da sede do seu
sindicatonacional. Haveria ainda o risco de uma empresa dominante
no sector(Lisnave que urdiria planos de monopolizar toda a construo
naval doPas) poder vir a dominar o Sindicato . Com efeito, o PCP
julgava saberque a ideia da criao de um sindicato de todas as
profisses da indstriade construo e reparao naval fora soprada pelos
donos da Lisnave, ouseja, os tubares da CUF e os seus associados
estrangeiros51. Acusaodesmentida por um dos lderes da iniciativa, o
catlico progressista ManuelBidarra, segundo o qual haveria
inclusive trabalhadores comunistas envol-vidos na tentativa da
criao do novo sindicato52.
A atitude do PCP perante o movimento sindical podia pois
considerar--se extraordinariamente flexvel no plano tctico, mas
clara e coerente noplano estratgico. O que lhe valia desde essa
poca acusaes vindas sobre-tudo do lado dos esquerdistas de
oportunismo, reformismo e revi-sionismo. Por detrs do grande
radicalismo e intransigncia verbais mani-festados, por exemplo, na
imprensa partidria clandestina, os comunistasmoviam-se realmente
com bastante prudncia e percia nos sindicatos e ins-tituies
corporativas durante os anos do caetanismo. Segundo afirmaria
maistarde o lder comunista lvaro Cunhal, o PCP no tomou de assalto
o apa-relho sindical aps o 25 de Abril de 1974, mas sim antes: Na
verdade, omovimento operrio, e com ele o PCP, tomaram de 'assalto'
os sindicatosfascistas j no prprio tempo do fascismo e
transformaram-nos naquilo quesempre deviam ter sido, organizaes de
classe dos trabalhadores [...]53O que, se no corresponde
inteiramente verdade, encerra pelo menos umaparte dela.
Exceptuando, pois, alguns agrupamentos polticos de
extrema-esquerda,mais implantados no meio estudantil do que no
laborai, e que repudiavama actuao nos sindicatos fascistas, pode
dizer-se que, na prtica, a res-posta poltica de abertura sindical
do Governo de Caetano foi no sentidodo aproveitamento total das
novas margens de actuao. Como consequn-cia, entre 1969 e 1971 ou
seja, no primeiro trinio do Governo caeta-
50 O PCP e a Luta Sindical, cit. , pp. 296-297.
51 Ibid., p. 282.
52 Entrevista c o m Manuel Bidarra. S e g u n d o Bidarra, a
rejeio da iniciativa pe lo P C P apenas
se deveu ao facto de os comunistas no dominarem o processo. A
circunstncia essa simverdadeira de a administrao da Lisnave achar
igualmente vantajoso que houvesse apenasum interlocutor sindical (e
no 15 ou 20, como at ento) no prova que a ideia de formaodo novo
sindicato tivesse sido soprada pela empresa.
72 53 lvaro Cunhal, A Revoluo Portuguesa, o Passado e o Futuro,
Lisboa, 1976, p. 45.
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Os primrdios da Intersindical
nista, perto de 30 sindicatos seriam conquistados por direces
eleitas emlistas constitudas ou participadas por elementos da
oposio, tambm desig-nadas direces representativas ou da confiana
dos trabalhadores. Estemovimento iniciou-se pouco aps a chegada de
Marcelo Caetano ao Governo,ainda antes da publicao das novas leis
laborais, como reflexo do clima deconfiana gerado pelas
expectativas de liberalizao do regime.
Em Janeiro de 1969 seria finalmente homologada a direco
oposicio-nista dos bancrios de Lisboa, eleita em Maro do ano
anterior, aps vriaspresses exercidas sobre o ministro, nomeadamente
atravs do envio de cartasa Marcelo Caetano, publicadas na
imprensa54. Ainda assim, dois dos mem-bros da nova direco (um
catlico e um marxista independente) no obte-ro o sancionamento
ministerial, contrariamente a dois elementos comunis-tas, que o
ministro deixar passar, talvez por falta de informao a seu
res-peito. Um destes dois elementos, Daniel Cabrita, cuja filiao
comunistaera naturalmente desconhecida dos bancrios, assumir a
presidncia dadireco do Sindicato aps a respectiva tomada de posse,
em 20 de Feve-reiro de 1969. Dos dois dirigentes excludos pelo
ministro Proena, o mar-xista independente Antnio Ferreira Guedes no
desistiria de assumir (infor-malmente) as suas funes, frequentando
o Sindicato aps o trabalho.O outro, o catlico Mrio Pina Correia,
seria substitudo (tambm infor-malmente) pelo comunista Antero
Martins. Aumentava assim para trs onmero de membros do PCP na
direco dos bancrios de Lisboa55.
No Sindicato dos Bancrios do Porto, em eleies realizadas em
Feve-reiro de 1969, seriam praticamente reconduzidos os corpos
gerentes eleitosem 1966, da confiana dos meios oposicionistas e
compostos por catlicosprogressistas, comunistas (ou prximos) e
outros. Se, em 1966, estes corposgerentes haviam sido eleitos com
somente 80 votos em lista nica (o que noera, pois, exclusivo das
direces pr-governamentais), em 1969 aparecerauma segunda lista,
prxima do regime, mas que foi batida por grande dife-rena (1478
votos contra 212). A homologao da direco tardaria at Outu-bro desse
ano, sendo concedida apenas dias antes das eleies para deputa-dos
Assembleia Nacional.
Igualmente nos primeiros meses de 1969, em dois sindicatos de
oper-rios metalrgicos nortenhos eleger-se-o listas da classe
(segundo o PCP).O primeiro, o Sindicato dos Metalrgicos de Braga, s
em fins de Dezem-bro desse ano conseguir a homologao dos eleitos,
que ser festejada comouma magnfica vitria pelos dirigentes
comunistas . No segundo, o Sin-dicato dos Metalrgicos do Porto, a
vitria eleitoral conseguida em Feve-reiro desse ano por 435 votos
contra 333 (cerca de 300 destes ltimos porcorrespondncia) foi de
imediato anulada, no meio de grandes protestos daprpria assembleia
eleitoral57. O presidente da mesa invocaria a ilegalidadeda lista
vencedora, que antes considerara preencher as condies. Com a
com-placncia das autoridades, que tentaram persuadir (sem xito) a
lista oposi-cionista a chegar a um entendimento de partilha com a
direco cessante,esta ltima iria manter-se no cargo at 1970.
54 Entrevista com A n t n i o Ferreira Guedes .
55 Entrevistas com Fernando Moura Palhaa, Antn io Ferreira
Guedes e Antero Martins.
56 O PCP e a Luta Sindical, cit . , p . 248 .
57 Eduardo Serpa, Em Portugal: Sindicatos e Subverso, s. 1.,
1972, p . 5. 7J
-
Jos Barreto
Sempre em Fevereiro de 1969, realizaram-se as eleies para a
direcocentral do Sindicato dos Empregados de Escritrio de Lisboa.
Tinha entoeste Sindicato mais de 50 000 quotizantes, 30 000 dos
quais scios inscritos.Era um dos sindicatos mais bem organizados,
seguramente o de maior volumede quotizaes em Portugal. No conjunto,
talvez se pudesse considerar o maisimportante sindicato do Pas.
Estava organizado por seces de actividade,cujos dirigentes eram
eleitos trienalmente. A direco central era, por suavez, eleita por
um colgio composto pelos representantes das seces de acti-vidade.
Em 1969, e de acordo com um costume contestado pela oposio,os
representantes das seces de actividade eleitos nos meses
precedentes nopuderam participar na escolha da direco central, mas
sim e apenas os repre-sentantes eleitos em 1966, cujo mandato havia
j terminado. Tratava-se deum mecanismo no estatutrio que s
possibilitava a conquista da direcodo sindicato em, pelo menos,
duas eleies consecutivas. A lista oposicio-nista para a direco
central foi pois derrotada, mas impugnaria as eleiesem tribunalo
que acontecia pela primeira vez nos 36 anos do regime cor-porativo
e, por si s, constitua uma grande novidade. O tribunal
confirma-ria, entretanto, a legalidade das eleies. A lista
corporativista eleitainclua, contudo, lvaro de Campos Marcal, um
elemento moderado, de for-mao catlica, que ir presidir direco e
abrir o sindicato linha defen-dida pela lista oposicionista58. Como
vrias das seces de actividade doSindicato tinham, por sua vez,
dirigentes recentemente eleitos conotados coma oposio (catlicos,
comunistas e outros), a derrota da lista oposicionistamais parecia
uma meia vitria. Um dos lderes desta lista, o comunista
CaianoPereira (que pertencera alis direco central cessante), iria
mesmo inte-grar um grupo de trabalho do Sindicato com a misso de
dar apoio direc-o em matria de informao e formao sindical59.
Alm destes, outros sindicatos de menor dimenso elegeram
direceshomogneas de oposio ou integrando um ou vrios elementos
oposicio-nistas. Entre esses estava o Sindicato dos Delegados de
Propaganda Mdica,atrs j referido, que havia sido criado em 1963 e
reunia menos de um milharde profissionais. Um sindicato muito
pequeno, mas cujos associados alia-vam um grande activismo a uma
extrema mobilidade no Pas. Os impulsio-nadores da criao do
Sindicato, entre os quais o militante catlico Jos Teo-doro da
Silva, haviam entrado em conflito com o Ministrio das Corporaes,que
no aceitara os estatutos propostos. A direco do Sindicato foi
assimconfiada a um grupo de trabalhadores que aceitou o modelo de
estatutosimpostos pelo Governo60. Entre 1967 e 1969, os
profissionais que se opu-nham direco, entre os quais militantes
catlicos e vrios comunistas muitoactivos, vo montar uma operao de
abordagem do Sindicato61. Conse-
58 Entrevista com Dulcnio Caiano Pereira. Segundo o dirigente do
Partido Socialista Mal-
donado Gonelha (dirigente sindical antes de 1974), A . Campos
Maral no era pessoa doregime, mas sim um militante catlico
(entrevista com Maldonado Gonelha).
59 Expresso de 29 de Dezembro de 1973, p. 9, Caiano Pereira
responde. de notar que,
sendo a filiao comunista, antes de 1974, mantida em segredo, no
possvel saber com exac-tido a data de adeso ao PCP de muitos
sindicalistas que posteriormente se revelaram comu-nistas. Tambm no
se pode presumir que essa filiao fosse ento conhecida pela massa
asso-ciativa dos sindicatos, o que estava excludo pelas
circunstncias polticas anteriores a 1974.
60 Entrevista com Jos Teodoro da Silva.
61 Entrevista com Alfredo Morgado. Segundo Morgado (antigo
militante catlico, funcio-
74 nrio do CCO de Lisboa at 1967, delegado de propaganda mdica a
partir desse ano), teria
-
Os primrdios da Intersindical
guem a suspenso da direco em 1967 por irregularidades
financeiras, maso Governo volta a nomear, impassvel, os dirigentes
suspensos para umacomisso administrativa do Sindicato. J sob o
Governo de Caetano, os diri-gentes em causa sero definitivamente
suspensos. Em eleies realizadas em31 de Outubro de 1969 por fim
eleita uma direco presidida por Jos Teo-doro da Silva e incluindo
vrios elementos do PCP ou ligados coligaoCDE. uma das primeiras
direces sindicais que no necessitaro da homo-logao ministerial para
tomar posse, nos termos da nova lei.
A partir das eleies polticas de 26 de Outubro de 1969, o avano
dasforas oposicionistas sobre as direces sindicais acelerou-se,
aproveitandoum denso calendrio de eleies nos sindicatos. A entrada
em vigor deis novasleis laborais, bem como a mudana do responsvel
pelo sector governamen-tal do trabalho, em Janeiro de 1970, com a
posse do secretrio de Estadodo Trabalho, Joaquim Silva Pinto62,
compunham um quadro bastante dife-rente do do primeiro ano de
governo de Caetano. Mas o processo das elei-es para deputados de
1969 constituiu, at pelas frustraes que gerou, umimpulso decisivo
aco oposicionista no plano sindical. Aps aquilo quea oposio
qualificou, como no passado, de burla eleitoral a CDE e aCEUD no
colocaram um nico deputado na Assembleia Nacional,tornava-se mais
claro que a liberalizao poltica continuaria bloqueada. Orano campo
sindical desenhava-se uma margem de relativa liberdade, que
setraduzia na possibilidade de substituir, ainda que por vezes com
alguma luta,as direces da confiana do Governo, tranquilamente
eleitas no passadopor escassas dezenas de votantes. Naturalmente, a
luta poltica tenderia adeslocar-se para esse espao de relativa
liberdade. Por outro lado, a din-mica e a mobilizao geradas durante
a campanha eleitoral, em particularem torno das comisses ou grupos
socioprofissionais da CDE, seriam efi-cazmente aproveitadas nas
vrias profisses que a curto prazo tinham elei-es sindicais. Foi
como que uma continuao, nos sindicatos, da campa-nha eleitoral para
a Assembleia Nacional, s que com resultadossubstancialmente
diferentes para as foras da oposio.
Uma dessas profisses eram os caixeiros de Lisboa, classe em que
logoaps as eleies para deputados se iniciou, sob a direco de Jos
Pinela ,um movimento reivindicativo pela semana inglesa (com reduo
do horriosemanal de 48 para 44 horas). A aco articulava-se com a
campanha pela
sido o militante comunista Jos do Rosrio, tambm delegado de
propaganda mdica, a dirigiras operaes de abordagem ao Sindicato.
Outros comunistas muito activos no Sindicato foramlvaro Rana,
Amrico Costa Pereira (futuros dirigentes da Intersindical), Jos
Perdigo e Fer-nando Paraso Guerreiro. Domingos Abrantes, dirigente
do P C P , responsvel pelo pelouro dotrabalho e sindicatos, tambm
foi, em 1973, funcionrio do Sindicato de Propaganda Mdica.
62 O novo ministro das Corporaes (acumulando com a pasta da Sade
e Assistncia),
B. Rebelo de Sousa, delegava praticamente em Silva Pinto a gesto
do sector do trabalho.A nova Secretaria de Estado do Trabalho (e no
das Corporaes) anunciava no seu nome umanova atitude relativamente
s questes laborais. E m Maro de 1969 havia j tomado posse
comosubsecretrio de Estado do Trabalho J. L. Nogueira de Brito, que
em Janeiro de 1970 se man-ter nesse posto , mas abaixo de Silva
Pinto . O ministro substitudo, J. Gonalves de Proena,mostrava-se
por essa poca j abertamente crtico em relao liberalizao sindical
(entre-vista com Joaquim Silva Pinto) .
63 Jos Malaquias Pinela, antigo operrio corticeiro, depois
empregado no comrcio, era
em 1969 um elemento prximo do P C P , do qual j fora membro nos
anos 50, antes de ser presoem 1958 pelas suas actividades polticas.
75
-
Jos Barreto
conquista da direco sindical. Em 13 de Abril de 1970, aps eleies
pr-vias em trs das quatro seces64 do Sindicato, um colgio elegia
por grandemaioria a lista oposicionista. A direco passava a ter uma
maioria de ele-mentos comunistas e independentes prximos do PCP65.
Uma semana antes,em 5 de Abril de 1970, outro sindicato fora
conquistado por uma lista deoposio: o Sindicato dos Lanifcios de
Lisboa, cujo lder passava a serManuel Lopes, antigo militante
catlico, da rea socialista revolucionria.No mesmo ano, outros
sindicatos do sector dos lanifcios (Gouveia, Covi-lh) seriam
igualmente conquistados por listas oposicionistas, que em con-junto
puderam assim designar a direco da Federao Nacional dos Lani-fcios
(Outubro de 1970.) Mas j nos primeiros meses de 1970, dois
outrossindicatos haviam sido ganhos pela oposio: o dos jornalistas,
em Fevereiro,e o dos assistentes sociais, em Maro.
Em Junho e Julho de 1970, listas oposicionistas venceriam no
Sindicatodos Metalrgicos de Lisboa (1436 votos contra 18) e no
Sindicato dos Meta-lrgicos do Porto, onde a afluncia s urnas foi
ainda maior. A direcodos metalrgicos de Lisboa, chefiada por Antnio
dos Santos Jnior, cat-lico de esquerda, inclua elementos comunistas
e de extrema esquerda. Ostrs principais postos eram ocupados por
mecnicos altamente qualificadosda manuteno de avies da TAP, empresa
de onde partira a mobilizaoda classe66. Os lderes do Porto eram os
comunistas Vtor Ranita e AntnioMota67. No Porto, a vitria da lista
oposicionista nas eleies de Julho de1970 culminava mais de um ano
de luta pelo reconhecimento da direco,j eleita uma vez em Fevereiro
do ano anterior, mas no homologada. Em1970, j com Silva Pinto no
Governo, este ainda pressionou, sem xito, alista oposicionista no
sentido de chegar a um acordo com a direco cessante.A campanha da
oposio assentaria na contestao do contrato colectivopara o sector,
em vigor desde 1968 e que, na sua opinio, j estava desac-tualizado
quando foi assinado. Com trs dos principais sindicatos meta-lrgicos
conquistados (Lisboa, Porto e Braga), a direco da FederaoNacional
dos Sindicatos Metalrgicos e Metalomecnicos seria, por sua
vez,ganha em Outubro de 1970.
No sector da banca, depois dos sindicatos do Porto e de Lisboa,
opo-sio j s faltava ganhar a direco do de Coimbra, o que
aconteceria emMaio de 1970. Ser ento eleita, em votao muito
concorrida, uma listacomposta por catlicos progressistas e
elementos de esquerda moderada liga-dos CDE (em Coimbra no se
apresentara lista CEUD s eleies paradeputados de 1969.) Saiu
derrotada uma segunda lista oposicionista consti-tuda por
comunistas e incluindo tambm catlicos. A lista vencedora, aindaque
tivesse sido proposta pela direco anterior, no era afecta ao
regime,
64 A quarta seco, a feminina, seria extinta pouco depois .
65 Segundo J. Pinela, alguns deles s mais tarde depo i s do 25
de Abril se tornariam
membros do P C P (entrevista com Jos Pinela).66
Eram eles, alm do citado mecnico de aviao Antnio dos Santos
Jnior, o torneiromecnico Carlos Neves Alves e o mecnico de aviao
Lus Faustino. Os dois ltimos so actual-mente (1989) militantes do
Partido Socialista, sendo Lus Faustino presidente do Sindicato
dosTcnicos de Manuteno de Aeronaves SITEMA (ciso do Sindicato dos
Metalrgicos) e mem-bro do Secretariado da U G T .
67 Antnio Mota , actualmente deputado do P C P , no seria ento
ainda, segundo alguns,
7 6 membro desse Partido, mas apenas prximo.
-
Os primrdios da Intersindical
como a imprensa comunista pretendeu. A nova direco do Sindicato
dosBancrios de Coimbra participar de futuro activamente nas
actividades dasdireces sindicais de oposio68.
No sector dos seguros, os dois sindicatos existentes (Lisboa e
Porto) ele-geram em Julho de 1970 direces oposicionistas moderadas
independen-tes, constitudas por figuras de prestgio. No Sindicato
dos Seguros deLisboa, no tendo a direco cessante proposto nenhuma,
concorreram duaslistas oposicionistas. A lista derrotada era
composta maioritariamente porcomunistas e a vencedora era liderada
por Armando Santos, de formaocatlica (socialista aps 1974), e
constituda por elementos ligados aos meiosoposicionistas e s
organizaes catlicas.
Tanto no sector dos seguros como no da banca, a contratao
colectivahavia-se feito com regularidade desde a dcada de 30, nunca
se tendo regis-tado uma greve. Eram sectores em que os
trabalhadores se podiam conside-rar privilegiados em relao grande
maioria dos assalariados, usufruindode salrios e regalias muito
superiores mdia. Curiosamente, no Sindicatodos Seguros de Lisboa, a
contestao anterior direco (da confiana doregime) iniciou-se, em
1969, a pretexto de o seu presidente (Marques Ale-xandre) ter
votado, na Corporao do Crdito e Seguros, no candidato patro-nal
para procurador Cmara Corporativa, e no no candidato
dossindicatos69. Mais do que questes propriamente laborais, o que
parecia estarem causa era a dignidade da representao da classe.
Entre os bancrios de Lisboa, a contestao direco
corporativistativera incio em 1967-68, fundando-se no
descontentamento gerado peloarrastar do processo de negociao do
contrato colectivo. Comeada em 1966e concluda s em Fevereiro de
1968, esta negociao acabou todavia porse traduzir em grandes
benefcios para os bancrios, entre os quais o subs-dio de frias
obrigatrio. Isso no obstou, contudo, a que, duas semanasaps a
assinatura do novo contrato, uma lista oposicionista ganhasse as
elei-es para os corpos gerentes do Sindicato. O descontentamento,
mais umavez, no tinha directamente a ver com a situao objectiva das
condiesde trabalho, mas com a desconfiana que aos trabalhadores
merecia umadireco da confiana do Governo.
Ainda em 1970 foram eleitas outras direces sindicais de
dominante opo-sicionista, como no Sindicato dos Empregados
Administrativos da MarinhaMercante, Aeronavegao e Pesca (onde
alguns elementos vinham j de direc-es anteriores), no rcem-criado
Sindicato dos Tcnicos de Desenho ou noSindicato dos Empregados de
Escritrio e Caixeiros de Santarm.
Embora em outros sectores operrios tenha igualmente havido
mobili-zao em torno de listas oposicionistas, negociaes de
contratos, lutas egreves nas empresas, etc, por razes de vria ordem
a que no foi estra-nha a interferncia do Governo, no foram
conquistadas as direcesdos respectivos sindicatos. Assim aconteceu,
por exemplo, com os sindica-tos dos operrios txteis, vidreiros,
grficos ou alguns sindicatos de meta-lrgicos. Mas, de diversos
outros importantes sectores operrios, a mobili-zao foi nula ou
muito fraca, como, por exemplo, no grande sector da
68 Entrevista com Francisco Osrio Gomes.
69 Entrevista com Armando Santos. 77
-
Jos Barreto
construo civil ou na indstria cermica. Entre os sindicatos dos
serviostambm foram naturalmente muitos os que escaparam conquista
pela opo-sio.
Nos dois primeiros anos de Governo de Caetano, a reanimao
sindicalrestringiu-se pois a um pequeno nmero (cerca de 20-30) do
total de 325 sin-dicatos existentes, mas vrios se contavam entre os
mais importantes em efec-tivos, quotizaes e meios de actuao. Por
seu turno, a efectiva mobiliza-o dos trabalhadores para
assembleias, lutas, reivindicaes, nem sempreresultou na conquista
de direces sindicais. Estas conquistas aconteceramcom mais
frequncia em sindicatos de empregados administrativos e do sec-tor
dos servios. Entre os sindicatos conquistados pela oposio nos dois
pri-meiros anos, apenas os de metalrgicos e de trabalhadores dos
lanifciosrepresentavam o operariado industrial. Em suma, o
movimento de reanima-o sindical ficava a dever muito aos
trabalhadores das classes mdias, desig-nadamente aco pioneira dos
bancrios.
Dirigentes e sindicalistas comunistas explicaram esta
circunstncia ale-gando a maior tolerncia do regime perante os
sindicatos das classes m-dias70. Mas esta explicao, se encerra
alguma parcela de verdade, parecemais servir de desculpa doutrinria
para a evidente passividade do opera-riado em muitos sectores e
zonas do Pas. Essa relativa falta de militnciaou combatividade
operria (excepo feita para certas lutas por melhoressalrios e
condies de trabalho ao nvel de empresa) era, alis, frequente-mente
criticada pela prpria imprensa comunista. Para j no referir
queentre os sindicalistas comunistas que nas duas ltimas dcadas
mais se des-tacaram, nomeadamente na direco nacional do movimento,
so relativa-mente poucos os de provenincia realmente operria.
O movimento de animao sindical de 1969-70 localizou-se
predominan-temente em Lisboa e no Porto. Quase no se manifestou nos
sectores emque a sindicalizao era proibida (funo pblica,
agricultura). Coincidiucom uma exploso do movimento estudantil,
principalmente em Lisboa eCoimbra, com o qual por vezes se
articulou. O movimento estudantil,segundo alguns, teria mesmo
puxado pelo movimento operrio, servindo--lhe de exemplo no plano
organizativo e nas lutas e greves. Algumas figurasdo movimento
estudantil passar-se-iam para o terreno sindical, quer
comodirigentes, quer como consultores jurdicos ou tcnicos.
Das vrias tendncias oposicionistas que protagonizaram o surto
sindi-cal de 1969-70 emergia j a corrente comunista, pela sua maior
capacidadeorganizativa e presena sistemtica nos pontos-chave. Os
catlicos fre-quentemente ditos catlicos progressistas, ento talvez
mais numerosos,no formavam todavia uma tendncia coerente nem
estavam, enquanto tais,submetidos a qualquer tipo de coordenao. No
fundo, o militante sindicalno corporativista s podia servir-se da
capa de catlico ou, em ltimo caso,intitular-se independente.
Segundo o testemunho de vrios militantes e diri-gentes
organizativos da poca, a militncia catlica serviu de facto
muitasvezes para dar cobertura a aces de cariz especificamente
sindical e at aorganizaes como o CCO, que vivia sob a capa legal da
Liga Operria
70 Entrevista com F. Canais Rocha; Joo Vilanova, 1977/1978
Sindicalismo em Portu-
gal, Lisboa, Assrio e Alvim, 1977, pp. 51-52 (entrevista com
lvaro Rana); ver tambm. O PCP78 e a Luta Sindical, cit., pp.
247-248.
-
Os primrdios da Intersindical
Catlica71. Como, em Portugal, as correntes polticas moderadas de
centro--esquerda no puderam desenvolver-se sob o salazarismo e o
caetanismo,no havia outras referncias para a militncia sindical
legal. Sob a comumdesignao de catlicas encontramos pois, nesta
poca, uma variedade con-sidervel de linhas de militncia sindical e
poltica. Um consultor jurdicode vrias direces sindicais
oposicionistas dessa poca, Marcelo Curto (pr-ximo, na dcada de 60,
de sectores marxistas-leninistas, mas fundador, em1973, do Partido
Socialista), que conheceu de perto o meio catlico pro-gressista
anterior a 1974, afirma: Muitos catlicos eram d facto
profun-damente marxistas, por vezes mais radicais politicamente que
os prprioscomunistas. Eram catlicos de origem, nada mais.72 Outros
catlicos, emcompensao, sentiam-se mais prximos da ala liberal do
caetanismo oudo projecto poltico embrionrio da SEDES, tolerado pelo
regime de Cae-tano. Aps 1974, os catlicos aparecero posicionados
num largo espectropoltico e divididos, inclusivamente, no campo
sindical.
Um dos objectivos das reformas de 1969 fora, segundo J. L.
Nogueirade Brito, um dos governantes de ento no sector do trabalho,
reconhecera conflitualidade na base sem fazer perigar o sistema73.
O Governo tiveraf na existncia de foras sindicais corporativas, mas
a animao destasfora insuficiente. Sempre segundo o mesmo antigo
governante, a ofensivaoposicionista saldara-se, entre 1969 e 1970,
pela tomada dos principais sin-dicatos, restando apenas nas mos de
gente apoiante do regime os sindica-tos profissionais e pequenos. A
conflitualidade na base, supostamente con-trolvel, aparecia afinal
transfigurada em permanente agitao poltica.Alm disso, o Governo
verificava a explorao da contratao colectivapara fins polticos logo
nos primeiros processos importantes de negocia-o colectiva
iniciados sob a nova legislao. A reviso do contrato colec-tivo do
sector bancrio (que resultou simultaneamente na primeira
decisoarbitrai), das numerosas convenes colectivas para os
caixeiros de Lisboa(que proporcionaram logo seis arbitragens), dos
contratos colectivos paraas indstrias metalrgicas e metalomecnicas
e dos lanifcios, assim comoa negociao do primeiro acordo colectivo
da TAP, haviam conduzido, naptica do Governo, a um estado de grande
agitao74.
Verificaram-se, da parte do Governo, tentativas no sentido de
conter avaga de conquistas de sindicatos, ora correndo em auxlio
das direces dasua confiana (que pediam socorro ao Ministrio quando
sentiam o lugarameaado), ora procurando conciliar com estas as
listas da oposio,servindo-se enfim de expedientes burocrticos e
medidas repressivas para tra-var o avano dos oposicionistas. Mas,
saldando-se tudo por um aparente insu-cesso, o Governo ir optar, no
Outono de 1970, por iniciar um movimentode marcha atrs nas reformas
das leis laborais, cujas consequncias come-
71 Entrevistas com Jos Teodoro da Silva, Joaquim Calhau, Alfredo
Morgado c Carlos
A . Fernandes de Almeida . O C C O (Centro de Cultura Operria),
criado em 1962-63 segundoo mode lo de organizaes catlicas belgas e
francesas, tinha c o m o objectivo a formao de qua-dros e
activistas operrios para actuarem nos sindicatos, cooperativas e
locais de trabalho, estandoaberto a trabalhadores no catl icos
.
72 Entrevista com Francisco Marcelo Curto .
73 Entrevista com J. L. Nogueira de Brito.
74 Id- 79
-
Jos Barreto
cavam a no ser suportadas. A isso o persuadia a prpria
conjuntura pol-tica interna e externa de crescente contestao guerra
em frica, na sequn-cia da audincia do papa aos lderes dos
movimentos de libertao dascolnias (Julho de 1970) e no incio da
vaga de atentados de organizaesterroristas contra objectivos
militares do continente (a partir de Outubrode 1970). A organizao,
tambm a partir de Outubro, das chamadas reu-nies intersindicais
contribuiu para lanar o alarme nas hostes do regime:semanas depois,
nova legislao era publicada a pretexto de suprir deficin-cias e
esclarecer dvidas das leis aprovadas em 1969.
3. CONSEQUNCIAS DO APARECIMENTO DUM SECTOR
SINDICALOPOSICIONISTA. O LANAMENTO DAS REUNIES INTERSIN-DICAIS
A conquista, entre 1969 e 1970, de um grupo de importantes
sindicatospela oposio teve mltiplas consequncias, algumas das quais
possivelmenteno previstas pelo Governo. A grande animao da vida
sindical, as mudan-as operadas no interior das organizaes de modo a
torn-las mais actuan-tes e a orientao poltica dos novos dirigentes
potenciaram mutuamente osseus efeitos. A negociao colectiva, num
primeiro passo retirada do regimede voluntariado patronal em que
jazia, tornou-se, num segundo passo, nocampo de aco privilegiado de
dirigentes sem esprito corporativo, apoia-dos pelas bases em
assembleias gerais concorridas como nunca. Em muitoscasos, nem as
recentes eleies sindicais tinham conseguido atrair o nmerode
trabalhadores que comearam a afluir s assembleias convocadas
paraanalisar e debater o contedo das convenes colectivas. Os
bancrios deLisboa, sempre na vanguarda, chegaram a reunir 7000
trabalhadores numaassembleia geral, em Abril de 1970, para divulgar
e discutir a deciso arbi-trai relativa ao seu contrato
colectivo.
A informao permanente dos associados em reunies e assembleias,
ouatravs de circulares, panfletos, jornais e revistas, tornou-se
uma regra bsicada actuao dos dirigentes. A participao individual de
scios na actividadequotidiana dos sindicatos aumentou
extraordinariamente. Vrios sindicatoscriaram no seu seio estruturas
de apoio especializadas (grupos de trabalho),em que os scios mais
activos prestavam o seu contributo.
Aproveitando a faculdade expressamente concedida pela nova lei
sindi-cal, as direces sindicais comearam a nomear delegados nas
empresas elocalidadese, em alguns casos, a promover a eleio nas
empresas dos dele-gados e comisses de delegados. A lei sindical,
aparentemente, no temia(ou no previa) a eventualidade de uma direco
sindical constituda por ele-mentos oposicionistas construir toda
uma rede de delegados sindicais a par-tir do topo, nomeando em
dezenas ou centenas de empresas elementos dasua confiana. Neste
captulo, de resto, duas concepes se confrontaro nomeio sindical
oposicionista (e inclusive no seio do PCP). Uma tida por
maisdirigista, favorvel nomeao dos delegados pela direco do
sindicato,outra mais basista, favorvel eleio dos delegados nas
empresas.
Por outro lado, o PCP insistir muito na necessidade de manter
duasfrentes na luta laborai. A aco sindical no podia dispensar a
aco locali-
80 zada nas empresas, principal campo das lutas econmicas dos
trabalhado-
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Os primrdios da Intersindical
res75. A prpria estrutura dos sindicatos profissionais
dificultava a acodestes em muitas empresas, nas quais s a existncia
de comisses sindi-cais de unidade proporcionaria a actuao conjunta
dos trabalhadoresnomeadamente as greves. As comisses de unidade
eram tanto mais impor-tantes no organigrama sindical dos comunistas
quanto era certo que em vriasgrandes empresas se constituam, com
assentimento patronal, comissesinternas (na CUF e na Lisnave, por
exemplo) ou comisses do pessoal(como na TAP). Para o PCP tratava-se
de comisses criadas por algunspatres, com o fim de controlar o
movimento reivindicativo, devendo ostrabalhadores boicot-las e
criar ou reforar em seu lugar as comisses sin-dicais de unidade76.
Enfim, as comisses sindicais, em contacto umas comas outras,
poderiam, at certo ponto, constituir uma alternativa ao
prpriosindicato, caso este viesse a ser dirigido por elementos de
confiana doGoverno. Para o PCP, alis, na base deste organigrama
estavam as clulaspartidrias nos locais de trabalho.
As novas direces dinamizaram sistematicamente a assistncia
jurdicaaos seus associados em muitos casos ainda incipiente,
recorrendo paraisso contratao de mais advogados. A acrescida
iniciativa e responsabili-dade das direces na conduo da negociao
colectiva tambm motivouo recurso a economistas, tanto mais que a
nova lei impunha a fundamenta-o econmica das propostas,
contrapropostas e pedidos de conciliao. Acriao de estruturas
tcnicas de negociao nos sindicatos fez-se, inclusive,em detrimento
de certas funes assistenciais dos sindicatos corporativistas.Foi o
caso do Sindicato dos Metalrgicos de Lisboa, onde a nova
direcosuprimiu o subsdio para aquisio de livros escolares,
aplicando os 500 000escudos anuais correspondentes na manuteno de
um gabinete tcnico decontratao. A direco afirmaria que, em
consequncia desta aplicao dadita verba, os metalrgicos no teriam
mais necessidade de anualmente men-digarem os magros
subsdios77.
Os servios do INTP continuavam a garantir um certo apoio tcnico
aossindicatos durante a negociao colectiva, casa fosse solicitado,
mas as direc-es oposicionistas prescindiam naturalmente dele. Os
tcnicos e consulto-res em que os novos dirigentes sindicais
confiavam foram recrutados exclu-sivamente no meio oposicionista78
e viriam a ter um papel influente dentrodos prprios sindicatos,
participando em reunies (da direco e outras), redi-gindo
documentos, etc. O problema da insuficiente formao tcnica
dosdirigentes sindicais, tantas vezes levantado no passado pelos
governantes parajustificar a interferncia do INTP nas relaes
colectivas, encontrava aquiuma primeira soluorpida e radical. O
suposto problema tcnico apa-recia afinal como uma questo de
confiana poltica ou confiana tout court.
75 J. Vitoriano, Experincia de trs anos de luta sindical, in O
PCP e a Luta Sindical,cit., p. 293.
16 O PCP e a Luta Sindical, cit., p. 247.
77 Informao da Direco do Sindicato dos Metalrgicos de Lisboa (19
de Outubro de 1970).
78 Juristas e economis tas que trabalharam para os s indicatos
representativos antes de
1974: Marcelo Curto , Vtor Wengorov ius , Jorge Fagundes , M.
Brochado C o e l h o , MacastaMalheiros , Levy Baptista, J o o
Moura , J o o Amaral , Jos Barros Moura , Mrio P in to ,
VitalMoreira, J. G o m e s Canot i lho , Ave ls N u n e s , Jorge
Leite, Srgio Ribeiro, Vtor Constnc io ,Carlos Carvalhas , Pereira
de Moura , Mrio Valadas , Lus Moi ta , Lus Salgado M a t o s ,
MrioMurteira, Ferro Rodrigues , J. Flix Ribeiro, Jl io Dias .
SI
-
Jos Barreto
Resta dizer que nos sindicatos em que anteriormente j havia
assessores ouconsultores jurdicos (e tambm assistentes sociais e
outros tcnicos de idn-tico cariz), estes foram, regra geral,
despedidos ou substitudos por seremconsiderados elementos ligados s
direces derrotadas nas eleies. Algunshavia que o prprio INTP
colocara nos sindicatos, mas pagos por estes79.Em 1969, o consultor
jurdico que a nova direco dos bancrios de Lisboaencontrou no
Sindicato era, simultaneamente, advogado de um banco80.
A abertura sindical de 1969-70 teve como consequncia inevitvel
oaparecimento de um conflito de representatividade entre a
organizao cor-porativa e o sector poltico-sindical constitudo pelas
direces oposicionis-tas eleitas. medida que sindicatos com milhares
ou dezenas de milharesde scios e quotizantes se iam passando, por
via dos dirigentes eleitos, parao campo da oposio, esse conflito de
representatividade ganhava mesmoexpresso numrica. Utilizava-se
frontalmente o termo direces represen-tativas para designar as
direces de oposies eleitas. O antagonismo noera absoluto, uma vez
que, por princpio legal, todos os sindicatos se inte-gravam na
organizao (se no na filosofia) corporativa. Como vimos, omonoplio
representativo dos sindicatos nicos corporativos no foi
verda-deiramente posto em causa pelos principais sectores
oposicionistas. Mas haviaoutras convergncias e
coincidnciasdoutrinrias e prticas. Certas visesretrospectivas
absolutizam, contudo, o elemento conflitual. Situa-se assimem
1968-69 o fim da era corporativa no Sindicato dos Bancrios
deLisboa81, ou fala-se da ruptura com o regime corporativo em 1970
nou-tro sindicato82. Menospreza-se talvez aqui a duplicidade
inerente ao entrismooposicionista nas estruturas do
corporativismono s nos diferentes nveisdo aparelho sindical, como
tambm, e de forma crescente com o tempo, nascomisses corporativas,
nas direces e nos conselhos-gerais das corpora-es e na prpria Cmara
Corporativa. Contudo, o elemento de conflito ins-titucional,
inicialmente apenas latente, tomar forma e agudizar-se- coma
organizao das chamadas reunies intersindicais a partir do Outono
de1970.
J em 1969 apareciam referidas como reunies intersindicais as
tradi-cionais reunies havidas entre os trs sindicatos de bancrios
do Pas (Lis-boa, Porto e Coimbra) para a elaborao da proposta comum
de contratocolectivo para o sec tor . Na negociao colectiva, como
em outras acesconjuntas de sindicatos (junto de certas empresas,
por exemplo), era indis-pensvel reunir os vrios dirigentes
interessados. A partir de 1969, essas reu-nies vo naturalmente
multiplicar-se, espelhando assim a reanimao davida sindical e da
negociao colectiva. Da colaborao em aces pontuais necessidade de
estabelecer formas de consulta e coordenao mais est-
79 Entrevista c o m Jos Pinela .
80 ngulo Novo, n. 4 , p . 47 (assembleia geral de 25 de
Fevereiro de 1970).
81 J. P. Castanheira, Os Sindicatos e o Salazarismo A Histria
dos Bancrios do Sul
e Ilhas 1910/1969, p. 374.82
[Joo Francal] , Sindicato dos Trabalhadores de Terra da Marinha
Mercante, Aerona-vegaco e Pesca, Cinquenta Anos da Vida de Um
Sindicato, 1985, p. 65.
03 Revista Angulo Novo, n. 1, Julho/Agosto de 1969, p. 27. Os
sindicatos dos bancrios
no estavam reunidos em federao, como, por exemplo, os dos
seguros. A experincia de umafederao nacional fora j abandonada nos
anos 40, depois de ter contado com a oposio do
82 sindicato lisboeta.
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Os primrdios da Intersindical
veis, a distncia parecer curta. Mas no o era nas circunstncias
polticasconcretas de 1970, quando tudo o que no estivesse previsto
expressamentenas leis ainda comeava por ser ilegale muito
especialmente no caso deenvolver a coordenao de elementos ou
organizaes de algum modo cono-tadas com a oposio.
O projecto concreto de coordenar em permanncia e escala
nacionala actuao das direces sindicais representativas proveio,
segundo indi-ciam documentos e testemunhos credveis, do sector
sindical comunista e reamais prxima, naturalmente em execuo duma
directiva partidria. umaafirmao que ainda hoje pode suscitar
polmica, sobretudo da parte dosque, no sendo comunistas, se
empenharam convictamente naquele projectoe reclamam naturalmente
uma parte da sua autoria. Vtor Wengorovius, aotempo consultor
jurdico de direces sindicais oposicionistas e um dos res-ponsveis
no seio da CDE pela aco nos sindicatos a partir de 1