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Os policiais podem ser controlados?
Resumo
A atividade policial na democracia impe a questo sobre o
controle dos policiais, ou seja, como assegurar que eles, em sua
tarefa de assegurar a ordem pblica, no violaro os direitos dos
cidados. A organizao policial inclina-se em direo aos mecanismos
formais de controle como as normas e os procedimentos, mas essas
formas de regulao de conduta podem ser insuficientes, devido am-pla
margem de liberdade que os guardas desfrutam nas ruas. Tomando-se
como referncia os discursos de oficiais policiais militares da
Bahia, este artigo discute a prtica policial na sociedade
democrtica e a percepo elaborada pelos policiais dos mecanismos de
controle de seus pares e conclui enfatizando os obstculos que podem
ser encontrados na tarefa de controle dos policiais, empecilhos
cuja superao torna-se difcil porque tm origem na prpria atividade
policial.
Palavras-chave: Polcia. Policiamento. Democracia. Cidadania.
Estado de Direito.
* Professor da UFBA e Doutor em Cincia Poltica pela USP.
Antonio oliveirA*
DOSSI
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Introduo
atividade policial na sociedade democrtica impe
a questo do controle dos agentes policiais, ou seja,
como assegurar que os detentores imediatos da fora
pblica no violaro os direitos civis. Alguns dos meios
institucionalizados para garantir essa regulao so os
mecanismos institudos pela prpria organizao: os controles
internos.
A organizao policial inclina-se em direo aos mecanismos formais
de
controle, como as normas e os procedimentos, mas esses modos de
re-
gulao de conduta podem ser insuficientes, devido ampla margem
de
liberdade que os guardas desfrutam nas ruas, autonomia que
deriva, em
larga medida, da prpria natureza da tarefa de policiamento. Este
artigo
discute os mecanismos de controle do policiamento na sociedade
de-
mocrtica com o objetivo de apresentar argumentos sobre os
obstculos
impostos regulao da conduta dos policiais nas esquinas da
cidade,
argumentos derivados de reflexes tericas e de dados produzidos
pela
pesquisa para a tese de doutorado em que foram entrevistados em
pro-
fundidade 41 oficiais policiais militares de todos os postos. O
texto est
dividido em quatro sees. Na primeira e na segunda, analisa-se o
debate
acadmico sobre a regulao dessa atividade, a fim de assinalar-se
que as
dificuldades impostas a essa regulao no podem ser reduzidas a
ques-
tes locais e conjunturais, pois elas tm razes na prpria ocupao
profis-
sional. Na terceira seo, discutem-se os mecanismos de controle e
seus
limites e recorrem-se s falas de oficiais da Polcia Militar da
Bahia para
servirem de referncia aos argumentos; e a concluso enfatiza os
empe-
cilhos aos controles externo e interno dos agentes que patrulham
as ruas.
A
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A regulao dos agentes policiais
A funo da fora pblica1 marcada pela ambivalncia, pois a
repres-
so do, e a proteo ao, cidado decorrem da mesma ao policial.
Isso
sublinhado por Jos Vicente Tavares dos Santos: o exerccio da
coero fsica
legtima e o desempenho de uma funo social marcada pelo consenso,
isto
, o exerccio de funes de bem-estar social ou de relacionamento
com
as coletividades ou comunidades locais (TAVARES DOS SANTOS,
1997, p.
161). No entanto, essa ambivalncia algo com que o corpo social
tem de
conviver, enquanto a violncia empregada pelo agente for
legtima.
O pblico em geral e as autoridades polticas demandam ao
policial,
algumas vezes, prticas abusivas contra os transgressores da lei
e os promo-
tores de desordens. A admisso da justia particular em relaes
privadas
gera pedidos de atos abusivos quando a desordem se instaura, ou
ameaa
instaurar-se, na esfera pblica: o arbtrio e a violncia podem ser
a respos-
ta do policial a demandas da populao especialmente de baixa
renda
(PAIXO; BEATO,1997, p. 246). O contexto social em que se
inscreve o
abuso do policial mais complicado do que se sugere e a violncia
desse
agente tem, no raras vezes, a conivncia da populao. Teresa Pires
Cal-
deira (1991) analisou essa cumplicidade quando abordou o
desprezo da
sociedade brasileira em relao aos direitos civis e humanos. Esta
pesquisa-
dora discute um fenmeno mais geral que perpassa o imaginrio
coletivo
no Brasil e que ajuda a compreender o uso excessivo de fora da
parte de
agentes pblicos: a representao social do corpo. Para ela, o
corpo con-
cebido pela sociedade brasileira como um espao onde a inflio de
dor e
outras formas de interveno so largamente permitidas:
1 Este artigo trata apenas do policiamento ostensivo nas
cidades, que, no Brasil, tarefa de polcias militares estaduais.
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(...) o corpo incircunscrito desprotegido por direitos
indivi-duais e, na verdade, resulta historicamente da sua ausncia.
No Brasil, onde o sistema judicirio publicamente desa-creditado, o
corpo (e a pessoa) em geral no protegido por um conjunto de
direitos que o circunscreveriam, no sentido de estabelecer
barreiras e limites interferncia ou abuso de outros (CALDEIRA,
2000, p. 370).
Se h essa concepo social do corpo e se a ela se junta a
complica-da questo da avaliao de dado comportamento ser ou no
transgressor da lei (BLACK, 1979), torna-se difcil a consolidao de
mecanismos que imponham obstculos agresso fsica ilegtima praticada
pelos policiais, pois este tipo de coero empregado contra
criminosos e marginalizados pode no ser percebido pela sociedade em
geral como abuso de poder, mas como merecido castigo aplicado ao
desviante. E, nesses casos, a co-letividade no denuncia, nem quer
testemunhar contra o guarda que, a seus olhos, agiu corretamente
(quanto ao apoio dos cidados aos abusos do policial, ver tambm
BRICEO-LEN et al. 1999). Com estas observa-es, no se pretende
isentar de responsabilidade as autoridades policiais pelas prticas
ilegais cometidas por elas prprias e por seus subalternos. Apenas
se evidencia a complexidade do cenrio onde ocorrem os exces-sos e a
necessidade de criar-se mecanismos institucionais que no lhes
permitam responder s demandas autoritrias dos cidados, ainda que
haja dificuldades para a consolidao desses mecanismos.
A discusso do mau uso do poder policial orientada quase sempre
pelo recurso agresso fsica. Embora seja a mais dramtica e visvel
for-ma de excesso, ela no a mais frequente. Os abusos mais comuns,
pro-vavelmente, concentram-se nos encontros de pouca visibilidade
entre o agente pblico e os cidados de segunda classe e envolvem
vrios tipos de coero ilegal. Alm disso, h mais um problema que no
contemplado pela discusso sobre a fora ilegtima: a polcia dispe de
uma fonte de suspeitos, ou seja, um conjunto de pessoas que ela pe
a sua disposio e a quem ela recorre quando necessita produzir
culpados e resolver em
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pouco tempo alguma ocorrncia criminal, sobretudo as de grande
reper-cusso social. A polcia utiliza arbitrariamente essas pessoas
para a reso-luo de casos, para apresentar ao pblico as provas de
sua eficincia, e, no raras vezes, essa prtica tem a aprovao das
autoridades polticas, elas mesmas ciosas de exibirem resultados ao
pblico. Essa produo de uma fonte de suspeitos pela polcia
universal, assim como universal tambm o perfil dos eleitos:
indivduos pobres membros de algum grupo marginalizado e os
criminosos, ou seja, as pessoas que nos esteretipos vigentes
preenchem as caractersticas de um bandido e algum infrator
conhecido que negocia confisses em troca de favores ou para no ser
alvo da violncia do policial.
As medidas que podem reduzir o emprego do constrangimento f-sico
nos encontros mais visveis no implicam inibir nem este tipo de
coero em situaes pouco iluminadas nem os outros abusos, como o
indicado anteriormente. Pelo fato de serem muito pouco expostos
luz, os excessos praticados na penumbra so objeto de difcil
apreenso, di-ficultando tanto a anlise das situaes em que eles
ocorrem quanto a elaborao de propostas para sua soluo. Devido ao
fato de as pesquisas empricas sobre a conduta indevida do guarda
nos encontros de pouca visibilidade serem escassas no Brasil, a
discusso terica aqui apresentada permanece restrita ao uso da
violncia na atividade policial neste texto, identificada
exclusivamente com agresso fsica e s dificuldades de seu controle2.
Talvez, de forma indireta, se exponham os empecilhos
2 Os dados que servem para argumentar que h uso excessivo de
fora so os de homicdios, porque so as cifras mais precisas sobre a
agresso fsica. Isto no significa que todos esses assassinatos foram
ilegtimos, mas a quantidade deles pode ser evidncia da necessidade
de melhor qualificao dos profissionais. Na cidade de So Paulo,
entre 2001 e 2003, os policiais militares assassinaram 1887
pessoas, o que corresponde a 14% do total de homicdios dolosos
ocorridos no perodo na capital paulista (os dados para os policiais
so da Folha de S. Paulo (03/10/02; 11/02/04), e os dos homicdios em
geral, da SENASP). Para a cidade de Salvador, h dados para os anos
de 1999 e 2000: os patrulheiros foram responsveis por 208 mortes, o
que correspondeu a 17% dos homicdios dolosos nessa capital (os
dados para os policiais so da Corregedoria da PMBA e os dos
homicdios dolosos, da SSP-Ba).
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regulao das truculncias e da corrupo em geral, principalmente em
encontros pouco visveis dos cidados com os policiais.
necessrio enfatizar que violncia e brutalidade no so termos
in-tercambiveis. A ltima implica uma srie de comportamentos
indevidos do guarda (agresso verbal, gestos obscenos, rispidez
etc.), enquanto a agresso fsica uma entre as vrias formas de
tratamento imprprio que ele pode dispensar s pessoas. A fora
excessiva um risco na ocupao de um profissional que lida com o
perigo e treinado para, e autorizado a, usar a fora, inclusive a
fatal. A questo que permanece o quantum de violncia justificvel e
em quais situaes.
As prescries legais so muito vagas e gerais para servirem de
guias precisos aos policiais que, nas ruas, enfrentam situaes
ambguas e devem responder a elas de imediato. Por isto, algumas
agncias de polcia elabo-ram regras mais claras e restritivas para o
uso da fora letal na atividade de policiamento, discriminando as
situaes em que esse tipo de violncia no permitido, porm no h a
mesma cautela com relao fora no fatal. A falta de claro padro para
o recurso agresso fsica em geral faz com que o agente pblico
dependa de sua discricionariedade para decidir se deve ou no
exercer este seu direito em determinado encontro (REISS, 1971).
Todavia, no se deve atribuir negligncia das autoridades policiais a
falta de prescries precisas e inequvocas para o uso da violncia em
geral, sobretudo da fora no letal, pois essas providncias talvez no
possam ser tomadas devido natureza da ocupao policial: o quantum de
fora deve usar-se e em que situao. A pergunta parece ser
irrespondvel, enquanto a situao a ser confrontada pelo agente
permanecer em aberto, e a noo de fora necessria, vaga. O recurso
coero fsica como um meio de re-
soluo de conflitos envolve essa complexa questo estrutural que
no ser
superada com as perplexidades e a genuna revolta da populao
diante
dos excessos dos detentores imediatos da fora pblica.
Alm disso, os policiais frequentemente concebem a si mesmos
como a tnue linha que separa a ordem da desordem. Este senso de
que
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sua misso combater a desordem, os grupos perigosos e os
desregrados
pode dar conta de muitos de seus abusos, pois, no af de tornar o
mundo
melhor ou mais limpo, o policial pode enveredar pelo caminho da
ilegali-
dade, desde que este lhe parea mais eficiente para atingir os
fins por ele
prescritos (quanto a essa prtica na polcia civil, ver KANT DE
LIMA, 1995;
BRETAS; PONCIONI, 1999). Alm desse sentimento de dever para
com
a boa sociedade, aprende-se, na socializao informal, que os
colegas re-
compensam as aes agressivas e punem o comportamento cauteloso:
po-
liciais cautelosos so vistos como parceiros de risco, pois expem
ao perigo
o colega (LESTER, 1996). Os agentes da fora pblica que no
confrontam
o cidado quando este os desafia so reprovados pelos seus
pares:
Existe forte crena subcultural que o policial, ao ignorar os
de-safios dos cidados, perde o respeito do conjunto da popu-lao e
torna difcil a outros policiais trabalharem no local. O cdigo
policial probe dar as costas (REISS, 1971, p. 150).
Outro componente da cultura ocupacional que favorece o abuso
do poder o fato de o policial conceber os desafios dos cidados
como
um desacato sua pessoa (BECKER, 1991), ou seja, ele no percebe
sua
autoridade como funcional: o policial pensa a si mesmo no como
um
instrumento do governo, mas como uma pessoa em interao com
outra
pessoa (TOCH, 1996). A personalizao da relao entre o
profissional e
o cidado pode ter efeito negativo, pois o fato de o guarda dar
as costas
ao tratamento incivil que lhe foi dispensado pelo cidado pode
ser visto
pelos parceiros como aceitao da humilhao, e no como evitao
de
um confronto que pode desencadear atos violentos de
consequncias
imprevisveis, e o resultado desse modo de perceber as coisas
pode ser o
conflito que deveria ter sido evitado pelo policial.
Nesse debate acerca do controle da coero fsica no
policiamento,
costuma-se fazer distino entre a regulao da fora letal e a da no
fatal.
Ainda que o recurso fora mortal seja tido como de mais fcil
controle,
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os estudos revelam que se sabe muito pouco sobre as condies e as
situ-
aes em que ela usada (WAEGEL, 1984; GELLER; SCOTT, 1992).
Mas,
aps comparar o uso da fora letal entre vrias unidades de polcia,
Geller
e Scott sugerem que este uso est associado reverncia vida
humana
nutrida pela cultura organizacional da agncia e que os
administradores
da polcia podem estimular este princpio, atravs da adoo de uma
po-
ltica clara e consistente de restrio ao uso da fora mortal; uma
poltica
em que so relevantes o treinamento, o desenvolvimento de tticas
e de
instrumentos alternativos, a liderana, a poltica de pessoal e a
declarao
constante e firme em defesa da vida.
O trabalho de Waegel dirigido s representaes dos policiais
quanto ao emprego da violncia letal, e o autor sublinha tanto as
cren-
as prospectivas que influenciam sua deciso de usar as armas
quanto
as interpretaes retrospectivas dos eventos ocorridos. As
primeiras so
valores e princpios defendidos pelo agente e que lhe permitem
violar
tanto as proibies gerais quanto as regras especficas da agncia
policial,
fornecendo a justificativa para a conduta indevida; as segundas
so inter-
pretaes particulares do acontecimento em que o agente se
envolveu e
revelam os modos especficos de as pessoas justificarem suas aes
quan-
do requeridas a faz-lo (WAEGEL, 1984, p. 145).
Esses mecanismos de justificao da conduta ilegal podem ser
de-
nominados de tcnicas de neutralizao, ou seja, racionalizaes que
ne-
gam a existncia da vtima e a da agresso ao olhar a outra pessoa
como
algum que merece a injria aplicada e, por conseguinte, absolvem
da
pena aquele que inflige o dano:
A prpria indignao moral e a dos outros so neutralizadas por uma
insistncia na afirmao de que a injria no era errada luz das
circunstncias e em relao a quem ela foi aplicada, ao contrrio, ela
era um modo correto de reta-liao ou de punio; a injria no foi de
fato uma injria (SYKES; MATTA,1957, p. 668; traduo livre).
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As pessoas categorizadas por esteretipos so vistas como
diferentes
em uma forma essencial dos cidados respeitveis. Em alguns casos
elas
so percebidas como subumanas quando rotuladas de anormais;
impu-
tado a elas a inferioridade moral, o que as torna merecedoras do
trata-
mento abusivo aos olhos tanto de quem aplica a punio quanto,
muitas
vezes, da sociedade em geral. Essas tcnicas de neutralizao
utilizadas
pelos delinquentes so apropriadas para interpretar-se a conduta
do po-
licial infrator, uma vez que, ao infringir o cdigo penal, ele se
torna um
ofensor, e no parece haver razo para interpretar-se o
comportamento
delinquente do guarda de modo diferente ao que se emprega na
compre-
enso da conduta de outros transgressores. Se, por um lado, os
policiais
adotam tcnicas de neutralizao da culpa, por outro lado, eles
esto
dispostos a reconhecer seus erros em alguns casos em que
recorreram
fora mortal. Todavia, a maioria deles acredita que os enganos so
inevi-
tveis devido especial natureza de seu trabalho, principalmente
porque
eles devem decidir sobre o emprego da arma em fraes de segundo
(Id
rather be judged by twelve than carried out by six; WAEGEL,
1984, p.
147). Eles alegam que seus encontros com o pblico so
invariavelmente
complexos e ambguos, tornando a culpabilidade de qualquer guarda
em
dada situao difcil de ser avaliada. Desde que os mtodos
duvidosos
sirvam ao propsito de fazer justia, eles caem dentro da definio
do
comportamento aceitvel pelos profissionais:
A presteza a dispensar justia nas ruas est enraizada em trs
crenas amplamente compartilhadas: 1) atirar em suspeitos dispensa
uma verso de justia no comumente dispensa-da pelas cortes; 2) o
pblico quer que a polcia atire em suspeitos quando eles so vistos
cometendo um crime; 3) atirar em suspeitos tem o efeito de dissuaso
que beneficia os cidados respeitadores da lei (WAEGEL,1984, p.
149).
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Devido constatao do peso das regras informais na conduta do
agente e natureza do policiamento, que se desenrola
frequentemen-
te em condies de pouca visibilidade, os resultados do debate
sobre o
controle da ao policial talvez no permitam muito otimismo.
Alguns
pesquisadores inspirados no interacionismo simblico so cticos
quanto
eficcia de qualquer controle externo inclusive o da hierarquia
da
polcia , porque a atividade policial seria orientada basicamente
pelas
regras informais derivadas da cultura ocupacional e pelas
situaes do
encontro entre o agente pblico e o cidado, ou seja, pelo tipo de
inte-
rao que se d entre os dois atores no curso do evento, e isso
poria em
dvida o controle dos policiais mediante as regras formais.
Diversos so os
trabalhos que fornecem indcios que confirmam essa reflexo.
Contudo,
pode apontar-se um problema com esse ceticismo. Quando os
especia-
listas afirmam que os policiais esto sempre preocupados em
encontrar
cobertura, ou seja, em produzir aparncia de legalidade para seus
atos,
afirma-se, indiretamente, que eles tm de observar as regras
formais, pois,
caso eles as ignorem todo o tempo, ou delas afastem-se muito,
haver
dificuldades para cobrirem-se. Esquece-se tambm que a cultura
profis-
sional no construda sobre um vazio social, ou seja, a cultura
policial
incorpora elementos das normas, dos princpios, dos valores e das
leis
vigentes na sociedade e na corporao em que o agente est
inserido.
Na discusso deste tema, ou seja, o do peso da cultura
ocupacional
na conduta do agente, vale sublinhar a contribuio de Clifford
Shearing e
Richard Ericson, pois eles frisam que a transmisso da cultura
policial no
um processo automtico de internalizao das regras. Ela se d
atravs
de uma coleo de histrias e de aforismos que instruem os
policiais so-
bre como ver o mundo e agir nele (discutindo a prtica policial
no Brasil,
Roberto Kant de Lima (1989) aponta o uso corriqueiro de histrias
atravs
das quais os policiais apresentam as suas concepes sociais). As
histrias
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e os aforismos, atravs de suas mltiplas reticncias, reservam o
espao
para a interpretao e a criao dos policiais individuais, pois
elas proveem
os agentes com instrumentos que eles podem empregar em seu
trabalho,
entretanto sem minimizar o fato de que isto ainda requer sua
iniciativa
(SHEARING; ERICSON, 1991, p. 489-492). Essa reflexo enfatiza o
papel
ativo dos agentes e, ao faz-lo, mostra que o policial individual
o rbitro
final ou o mediador das influncias estrutural e cultural da
ocupao. Isto
indica que as presses ocupacionais so mediadas pelas experincias
indi-
viduais (CHAN, 1996), e, portanto, que a cultura policial
dependente do
ambiente poltico, social, legal e organizacional no qual ela se
desenvolve.
A proposio segundo a qual as aes do guarda so bastante afetadas
pela
cultura ocupacional verdadeira, mas a de que esta cultura
moldada
apenas pela prtica de trabalho, no. As aes externas podem
influenciar
a cultura profissional e, por conseguinte, as prticas dos
agentes, por isso
outros analistas acreditam que os controles exteriores podem
influenciar
positivamente a conduta do agente nas ruas, ainda que se
reconhea a per-
tinncia dos argumentos dos autores que enfatizam a situao do
encontro
como principal indutor do comportamento do guarda.
O debate sobre a regulao do poder policial est longe de ser
es-
gotado e os termos em que ele posto envolvem os meios de
controles
interno e externo.
A eficincia dos mecanismos de controle
O controle externo sobre a polcia tem limitaes como ser
visto
adiante, mas alguns pesquisadores o considera indispensvel.
Analisando
a agresso policial, Paulo de Mesquita Neto indica a pertinncia
da regu-
lao exterior, mas sublinha o controle interno, pois este traz
embutida a
necessidade de profissionalizao da agncia e de melhoria da
formao
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dos guardas, o que poderia repercutir tanto na qualidade dos
servios
prestados quanto no controle da violncia policial (MESQUITA
NETO,
1999). Essa relevncia dos controles internos, principalmente a
qualifica-
o profissional, enfatizada pelos pesquisadores norte-americanos.
Isto
no significa recusar os mecanismos externos de controle, sempre
defen-
didos, mas reconhecer que essas formas so insuficientes diante
do grau
de discricionariedade do agente da polcia, da fluidez de seu
mandato e
da dificuldade de demonstrar-se o uso da fora excessiva no
julgamento
civil/penal ou nos vrios tipos de reviso de sua conduta,
sobretudo quan-
do se trata do emprego da fora no letal contra cidados
marginalizados
em encontros pouco visveis. Por causa dessa complexidade, os
meca-
nismos empregados para o controle do policial tendem a ser
mltiplos,
como argumenta David Bayley ao apresentar diversos mecanismos de
re-
gulao adotados por diferentes pases, mas sempre uma combinao
de
mtodos externos e internos (BAYLEY, 1996, p. 286-290; 1998).
A m conduta do policial difcil de ser demonstrada por vrias
ra-
zes: a ausncia de uma teoria da fora excessiva que permita
identificar
sem equvoco o abuso do policial; a suspeio dos denunciantes
perante
o tribunal; a maior credibilidade do agente pblico frente ao
acusado
de crime; a relutncia de testemunhos policiais; e a indisposio
pblica
de aplicar aos funcionrios da lei as penas reservadas aos
delinquentes
(KLOCKARS, 1996). Podem acrescentar-se ao rol desses empecilhos,
a
identidade de interesses entre a polcia e os promotores e a
necessidade
de manuteno de boas relaes de trabalho (...) (CHEH, 1996, p.
252).
Outro fato que minimiza o efeito das aes judiciais sobre o uso
da fora
excessiva indicado por Albert Reiss: Quando ocorre a m conduta
po-
licial, a organizao no atingida, por isso ela no precisa temer a
m
conduta, exceto em casos escandalosos (REISS, 1992, p. 75). A
lei crimi-
nal no tem como agir sobre a agncia de polcia e sua organizao,
por-
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tanto as fontes sistmicas do mau comportamento individual no
sofrem
perturbaes, ou seja, os fatores organizacionais que favorecem a
condu-
ta indevida permanecem intocveis, a exemplo das formas de
promoo
e da distribuio de prmios que privilegiam a bravura e o
destemor.
Jerome Skolnick e James Fyfe sugerem que a raridade das
conde-
naes de policiais em processos criminais advm do fato de que
leigos
no so adequados para julgar delitos decorrentes da m conduta
ocupa-
cional, pois falta-lhes a competncia tcnica necessria para
avaliarem se
houve prtica inadequada:
No menos difcil para os jurados em julgamentos cri-minais
concluir, alm de qualquer dvida razovel, que as aes profissionais
da polcia foram criminosas ao invs de medidas defensivas
apropriadas. Os promotores sabem dis-to e eles no gostam de perder.
Os promotores so relu-tantes a agir contra a prpria polcia, sua
parceira usual em procedimentos criminais (SKOLNICK; FYFE, 1993, p.
199).
De fato, difcil o julgamento da conduta indevida de qualquer
profissional na execuo de seu trabalho, uma vez que a profisso
des-
fruta o reconhecimento social de que s os expertos sabem como
exe-
cutar determinada tarefa, o que exclui, portanto, o leigo de
julgar com
competncia o modo como o profissional, enquanto especialista,
agiu no
cumprimento de sua misso, exceto quando h erro bvio e
grosseiro,
a exemplo do bisturi que esquecido dentro do paciente. Nos
demais
casos, a prpria Justia, para emitir seu juzo, recorre ao parecer
tcnico
dos colegas de quem est sob julgamento. Esses empecilhos
avaliao
do mau comportamento do agente de polcia fizeram com que Carl
Klo-
ckars sugerisse uma teoria da fora excessiva; uma teoria que
servisse de
referncia para avaliar se a coero usada pelo policial em
determinado
evento foi a necessria e nada alm disso.
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No se pode identificar com exatido a fora excessiva, exceto em
ca-sos bvios e raros. A definio oferecida pela mais alta corte
norte-america-na de apelo insuficiente para os pesquisadores dos
Estados Unidos (basta citar que um dos itens exigidos por essa
corte para caracterizar-se a violn-cia como abusiva o seu carter
manifestamente sdico). A distino feita pelos tribunais brasileiros
entre fora e violncia tambm no satisfatria por ser vaga demais: a
primeira a fora necessria; a segunda, a excessiva. Assim sendo,
para Klockars, tornar-se-ia indispensvel elaborar a teoria da fora
excessiva, a fim de que se pudessem adotar medidas reguladoras do
uso da agresso fsica. Para elaborar essa teoria, a polcia deve
tomar como referncia seus profissionais mais altamente
qualificados: Fora excessiva dever ser definida como o uso de mais
fora que um policial altamente qualificado consideraria necessrio
usar naquela situao particular (KLO-CKARS, 1996, p. 8). A partir
dessa definio, poder-se-ia avanar na discus-so do controle da
violncia, pois ela engloba tanto os casos de abusos j definidos em
leis e regulamentos quanto aqueles de menor visibilidade e os
decorrentes da falta qualificao profissional.
Estas observaes sobre os mecanismos de controle so judiciosas,
pois mostram que a transferncia justia comum do julgamento dos
abusos e crimes de policiais militares no Brasil pode no ter
impacto signi-ficativo no uso da fora3, principalmente no da no
letal e contra cidados de segunda classe, que, uma vez agredidos,
no se sentem vontade em
denunciar e, quando denunciam, tm pouca credibilidade perante
as
3 Os policiais militares esto sob a legislao civil para os
crimes de homicdio desde 1996 e alguns deles continuam assassinando
com a mesma desenvoltura do perodo anterior lei que transferiu o
julgamento de guardas homicidas para o tribunal civil. Quando
menos, a Polcia Militar de So Paulo no reduziu suas taxas de
assassinato (1996, p. 368; 1997, p. 436; 1998, p. 466; 1999, p.
577; 2001, p. 590; 2002, p. 541; 2003, p. 756). Isto refora a tese
defendida por alguns especialistas de que as decises do judicirio e
a lei criminal no tm muito impacto sobre a violncia policial,
inclusive sobre o uso da fora letal. A mdia anual de homicdios
praticados pelos milicianos paulistas, entre 1990 e 1992, era de
1030; depois do escndalo do Carandiru, a mdia entre 1993 e 1996
caiu para 388 (Folha de S. Paulo, 27/04/2000), o que indica a
importncia dos controles internos e, provavelmente, dos
informais.
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SOCIOLOGIAS156
agncias pblicas e prpria sociedade. Ademais, como
pesquisadores
americanos argumentam, as aes judiciais no cobem o uso
excessivo
da fora no letal:
Nem a prtica e a teoria nem a realidade e a percepo coin-cidem
sempre, e a concepo geral da influncia das Cortes sobre a atividade
policial exagerada. A exclusionary rule no inibe prticas abusivas
(SKOLNICK; FYFE, 1993, p. 94).
Alm disso, o controle do crime , frequentemente, visto pelos
jui-
zes como um interesse maior, e, quando a fora percebida como
neces-
sria para coibir a infrao penal, ela vista tambm como legtima,
ainda
que seja legalmente discutvel. Em poca de sentimento de
insegurana
exacerbado e de aumento da criminalidade, os meios heterodoxos
de
obteno de provas so tomados como legtimos pelas cortes. Na
d-
cada de 1980, a Suprema Corte norte-americana sancionou a
violao
de procedimentos legais na obteno de provas, a exemplo de
permitir
que o acusado fosse interrogado sem ter sido avisado de seus
direitos, ou
ento ser interrogado na ausncia do advogado (SKOLNICK; FYFE,
1993,
captulo 3). Os juizes no parecem muito dispostos a recusar punio
a al-
gum reconhecidamente culpado por causa do comportamento
indevido
do policial durante a priso ou a investigao (KLOCKARS, 1991, p.
426);
para uma reflexo mais aprofundada sobre a tenso, dentro do
sistema
penal, entre o modelo de controle do crime e o modelo do
respeito s
regras do direito (ver PACKER, 1968).
O impacto do judicirio sobre a atividade policial no muito
gran-
de, o que se pode inferir depois de anos de pesquisa e reflexo
em um
pas de democracia consolidada e de judicirio eficiente, quando
menos,
mais eficiente que o brasileiro. Estas observaes no refutam a
legitimi-
dade da pretenso de julgarem-se os milicianos na justia comum,
mes-
mo porque o mtodo democrtico adotado no por ser o mais
eficiente,
mas por garantir o tratamento equnime dos cidados, o qual um
dos
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SOCIOLOGIAS 157
pilares da democracia. Alm disso, uma chave no desenvolvimento
da
polcia como profisso foi a mudana de sua identificao como
fora
militar empregada para propsitos de segurana interna, ela passou
a ser
definida como uma agncia especializada e autnoma, distinta do
exr-
cito, para gerenciar os conflitos internos e passou a ser uma
organizao
vinculada ao sistema legal ordinrio, e seus integrantes
tornaram-se sub-
metidos legislao e ao procedimento jurdico que atingem os
outros
cidados. As observaes apresentadas sobre os limites da
interveno
do judicirio na ao policial apenas pretendem ressaltar a
complexidade
da violncia policial e a de seu controle. Os autores americanos
parecem
inclinar-se defesa da qualificao profissional como meio mais
eficaz
para reduzir o uso excessivo de fora, pois esto convencidos de
que h
correlao entre o recurso s formas ilegais de ao e a
incompetncia
tcnica para resolver-se adequadamente o conflito.
Neste debate acerca do controle da atividade policial, no se
pode
ignorar o hbito corrente entre as autoridades polticas e
policiais da emis-
so do chque en gris, expresso cunhada por Jean-Paul Brodeur
(1991)
para nomear a prtica da prescrio de ordens muito vagas e gerais
que
permitem ao emissor isentar-se de culpa em casos de abuso da
parte
de quem as executou, com o argumento plausvel de que no
emitiu
aquela ordem. Porm, o chque en gris possibilita ao executante
tambm
afirmar que sua conduta estava de acordo com dada interpretao
da
ordem recebida. Desta forma, todos se isentam de
responsabilidade: as
autoridades polticas, o comandante/chefe de polcia e os
policiais subal-
ternos. Alis, esta declarao de iseno de culpa muito comum
po-
lcia. Os agentes desta corporao so notrios defensores da
autonomia
profissional, todavia nunca aceitaram a responsabilidade que a
segue. Sua
reivindicao de autonomia acompanhada da imputao de culpa
sociedade em geral desajuste familiar; desemprego; falta de
educao;
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SOCIOLOGIAS158
crise dos valores; permissividade quando eles fracassam na
execuo de
suas tarefas, inclusive na tarefa de regulao da conduta de seus
pares nas
ruas. Diante das constantes denncias de agresso policial
veiculadas pela
imprensa e dos dados de homicdios praticados pelos agentes da
fora p-
blica, talvez seja relevante discutirem-se os mecanismos de
regulao luz
dos discursos daqueles que, dentro da organizao, so os
responsveis
pela formao, pela superviso e pela punio desses agentes: os
oficiais.
Os mecanismos elaborados pela PMBA
Nos anos de 1990, os administradores da PMBA iniciaram um
pro-
cesso de reforma organizacional e operacional, a fim de produzir
uma
agncia mais eficiente e agentes mais civis no trato com os
cidados. Os
dirigentes adotaram como estratgia o policiamento comunitrio,
que
pretende envolver a populao na definio das tarefas da
Corporao,
ao mesmo tempo em que esta se torna mais responsvel perante
aquela.
Como sabido atravs das notcias transmitidas pela imprensa, o
milicia-
no frequentemente acusado de comportamento desrespeitoso dos
di-
reitos individuais e de uso excessivo de fora. Logo, a forma de
regulao
da conduta dos agentes adotada pela PMBA pea fundamental para
a
implementao de uma fora pblica que cumpre seu papel
constitu-
cional de assegurar os direitos fundamentais, entre eles, o da
integridade
fsica das pessoas, que no deve ser ameaada, sobretudo, pelo
Estado. A
regulao do trabalho policial esbarra em dificuldades impostas
pela na-
tureza desta atividade, porm empecilhos no implicam
impossibilidade,
quer dizer, o fato de que o guarda usufrui de ampla margem de
manobra
nas ruas no significa que os regulamentos e as normas
organizacionais as-
sim como as polticas de recompensa e de punio adotadas e
defendidas
pela Administrao no interfiram em sua conduta ocupacional.
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Sociologias, Porto Alegre, ano 12, no 23, jan./abr. 2010, p.
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SOCIOLOGIAS 159
Na pesquisa emprica, os oficiais foram interrogados sobre as
formas
de controle da atividade policial mantidas pela PMBA, sobretudo
no que
diz respeito s praas, pois so elas que vigiam as esquinas da
cidade. Alm
da superviso do trabalho pelos superiores hierrquicos, a exemplo
das
rondas dos oficiais, a Corporao instituiu um mecanismo de reviso
inter-
na da conduta: as corregedorias. Cada Companhia tem uma
corregedoria
e um setor de informaes que deve no s verificar as denncias
contra
os policiais mas ter a iniciativa de investigar a conduta dos
agentes na rea
de sua atuao. Existe ainda a Corregedoria Geral para onde o
cidado se
pode dirigir, caso sinta-se constrangido em denunciar o guarda
em seu local
de trabalho. Em princpio, esses mecanismos internos de reviso de
con-
duta so adequados para apurarem as denncias do pblico e
proporem
medidas corretivas, pois eles so formas de investigao que
envolvem os
agentes da prpria Instituio, o que facilita os trabalhos de
apurao do
comportamento denunciado, como comprovam as pesquisas que
compa-
ram os resultados obtidos pela reviso interna e pela reviso
externa das
aes do guarda. Afirmar que as corregedorias so um mecanismo
ade-
quado de regulao da conduta no significa dizer que elas tm
eficcia
concreta no caso da PMBA, apenas se afirma que a experincia tem
tes-
temunhado a importncia dos mecanismos internos de reviso,
sobretudo
quando eles so comparados aos externos (PEREZ; MUIR, 1996).
Mas, se essas formas de regulao da atividade policial so
necessrias,
elas no so suficientes. Para que se possa melhor argumentar,
decidimos
reproduzir alguns discursos dos agentes sobre outros modos de
controle:
Eu acho que o Ministrio Pblico, apesar de ostentar essa
ban-deira do controle externo da atividade policial, mas ele atua
de uma forma tmida. Eu penso que ele teme se comprometer, acho que
ele diz assim: que se ele atuar muito prximo da pol-cia, ele vai se
comprometer, ou vai se contaminar, vamos dizer. uma viso sem
nenhuma fundamentao, apenas na base do achismo, mas ele no exerce
efetivamente (Cel. B).
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SOCIOLOGIAS160
J que somos uma instituio que lida com a violncia, com ficar
face-a-face com o perigo o tempo todo, eu acharia que o Estado
deveria dotar a polcia, tanto a militar quanto a ci-vil, de um
departamento de apoio psicolgico que atuasse, por exemplo, quando
um policial nosso, ele se envolvesse com confronto que houvesse
morte, ou que houvesse aque-la tenso, aquela adrenalina toda,
aquela carga toda, que ele, ao invs de voltar diretamente pro
servio, que ele fos-se ter acompanhamento psicolgico, porque tm
situaes que acabam viciando (Ten. I).
O tenente I indica um problema institucional para regular a
ao
do agente: a falta de uma assistncia especializada ao policial
que, por
alguma razo, se envolveu em episdios de violncia, gratuita ou
no.
O tenente toca na delicada questo de a violncia tornar-se um
hbito
provocado pela profisso, sobretudo porque o agente pode
acreditar que
as leis no colaboram com seu trabalho e isto pode induzi-lo
justia
privada. O problema de policiais envolverem-se em atos
infracionais e
fazerem disso um hbito foi discutido por Gary Marx (1988). O
enten-
dimento desse problema no estranho Administrao da PMBA, pois
seu Estatuto prev o acompanhamento social e psicolgico de
agentes
que se envolveram em problemas mais srios, como nos casos de
homic-
dios, mas parece que essas medidas no foram atualizadas, como
indica
a fala do tenente e que foi comprovada pela nossa pesquisa. H
alegao
da falta de recursos, mas o problema principal pode ser o da
importncia
conferida pela Administrao ao tema, pois a milcia dispe de um
qua-
dro de profissionais especializados assistentes sociais e
psiclogos que
poderiam estabelecer o diagnstico, indicar a terapia adequada e
acom-
panhar os policiais. Ao argumento de que a retirada dos guardas
para se-
rem submetidos a esse acompanhamento provocaria falta de pessoal
nas
ruas, pode responder-se que, se a retirada deles provocar
esvaziamento,
h, ento, policiais demais envolvidos com prticas de violncia,
tenha
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SOCIOLOGIAS 161
sido ela necessria ou no, e, alm de esses agentes serem uma
ameaa
ao pblico e no uma garantia de segurana, a Corporao deve
repensar
seu modo de preparao dos guardas, pois, ainda que os atos de
violncia
praticados tenham sido legais, eles podem indicar a incompetncia
tc-
nica dos agentes, que no saberiam empregar meio alternativo
coero
fsica na resoluo do conflito, sobretudo no que se refere ao uso
da fora
letal. Nesses casos, a requalificao profissional pode ser de
mais valia do
que a simples punio, ou seja, deve-se sublinhar a
responsabilidade da
organizao pelo comportamento de seus agentes.
No debate pblico sobre o tema comum assinalar-se a
necessidade
de rgos oficiais que tenham a funo de fiscalizar o trabalho
policial, ou
seja, a defesa do controle externo. Mas, o coronel B indica a
existncia
de um srio problema quanto a esse controle: o Ministrio Pblico
no
cumpriria seu dever legal por temer agir muito prximo da polcia,
por te-
mer contaminar-se, talvez porque a polcia lida com o lixo da
sociedade e,
pode complementar-se a fala do coronel B, adota mtodos sem os
quais
o sistema penal teria dificuldades para funcionar, mas que so
recursos
legal e moralmente dbios, e, assim sendo, a imagem pblica
negativa
da polcia poderia ser transposta para o Ministrio Pblico. A
questo
central aqui no a de o discurso do agente revelar ou no a
realidade,
e sim que ele encontra eco nas reflexes tericas. Egon Bittner
(2003)
com uma anlise sociolgica apurada e Casamayor (1973) com uma
interpretao mais filosfica discutiram o porqu de os juizes
relutarem
em trabalhar mais prximo da fora pblica, inclusive para
fiscaliz-la: o
sistema criminal necessita dos meios pouco ortodoxos empregados,
s
vezes, pelos policiais na deteno do infrator e na apurao dos
fatos
(por exemplo, sem a suspeio do guarda, que pode ferir os
direitos civis
e a dignidade humana, os ofensores s seriam detidos em atos
visveis de
flagrante delito, ou seja, muitos delinqentes que respondem a
processos
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SOCIOLOGIAS162
ou que esto na cadeia no teriam sido apanhados; sem esquecer os
m-
todos de obteno de provas e de confisses que serviro de guia aos
ma-
gistrados em sua apreciao do processo, procedimentos que nem
sempre
seguem s boas regras do direito mas que esclarecem os fatos). Os
juizes
sabem disso, reconhecem em silncio essa necessidade e,
exatamente por
isso, preferem manter-se distante da polcia, a fim de assegurar
a imagem
imaculada do judicirio dentro de um sistema que est longe de ser
virtu-
oso. Verdade que as anlises desses dois autores referem-se ao
judicirio,
mas elas podem ser transpostas sem dificuldades para a relao
entre a
promotoria e a polcia e elas permitem entrever os obstculos ao
controle
externo da atividade policial pelas instncias superiores do
sistema criminal.
Outra forma de estimular o bom comportamento na ponta do
sistema,
isto , nas ruas, seriam as formas de recompensas para os
milicianos mais
destacados. Contudo, o trabalho na rea operacional no o mais
valorizado
pela Administrao. A pesquisa revelou que os policiais que atuam
na rea
administrativa, ou fora da Corporao, ganham mais, tm mais
prestgio e
so promovidos mais rapidamente do que seus pares que asseguram a
tran-
qilidade nas esquinas da cidade. Se o guarda se destaca pela boa
conduta e
pela eficincia nas ruas, e, por causa disso, os superiores acham
que ele deve
ser recompensado, seu nico prmio pode ser o de ir para a
administrao,
ou para algum rgo fora da Instituio, isto , se algum policial se
destaca
por ser um bom patrulheiro, a populao corre o risco de perd-lo.
Portanto,
esse mecanismo de controle recompensa para induzir boa conduta
que
a Administrao poderia dispor para regular os agentes na via
pblica no
eficiente pela simples razo de ele no existir.
Se os oficiais concebem os mecanismos internos de controle
como adequados e defendem alguns externos, existiria, porm,
um
fator que ditaria o comportamento dos guardas e imporia
obstculos
ao controle institucional:
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SOCIOLOGIAS 163
Cabe sociedade formar pessoas menos preconceituosas, e isto
muito difcil. A PM recebe homens prontos, que j to formados. A
gente d formao tcnica e tenta melhorar essa pessoa como ser humano,
mas se ela no tiver recepti-va a isso, nada vai fazer ela mudar
(Ten. A).
A, a gente pega uma pessoa desta da sociedade, que pensa que a
polcia pode tudo, entra no curso de formao, aquela formao, por ser
no espao de tempo pequeno, no d pra trabalhar este homem, at pra
mostrar a realidade dos fatos, das coisas, dos acontecimentos.
Ento, ele entra na Corpo-rao achando que polcia pode tudo, no ?
(TCel. B).
Sem pr em dvida que a imagem de uma fora pblica que pode
tudo seja decorrente tanto de uma histria de autoritarismo
poltico que
sempre caracterizou o pas quanto da percepo que vigora na
sociedade
brasileira, de acordo com a qual os direitos individuais e
humanos so
privilgios (CALDEIRA, 1991), h, nessas falas, uma tendncia de o
oficial
eximir-se da responsabilidade pela conduta dos subordinados, uma
vez
que eles no teriam como agir sobre as pessoas que chegam
Instituio
com atitudes autoritrias. Alm dessa inclinao a isentar-se de
respon-
sabilidade porque as pessoas j chegam adultas , h a imagem que
os
oficiais constroem das praas e que pode ter impacto nos
mecanismos de
regulao que os primeiros estabelecem para os segundos.
A origem social e a qualificao profissional das praas so
distintas
das dos oficiais. Estes, em geral, pertencem s famlias de renda
superior
quelas e, mais importante, so submetidos ao curso de formao
profis-
sional reconhecido como de nvel superior, o que implica distino
clara
entre os dois estamentos no interior da Corporao. Quando
interrogados
se, alm das atitudes concebidas fora da PMBA, a origem social
das praas
dificultava o seu controle, eles responderam que sim.
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SOCIOLOGIAS164
A percepo de que a origem social das praas favorece sua m
conduta pode ser inserida na viso amplamente compartilhada pela
so-
ciedade que associa pobreza ao crime e violncia. No cabe aqui
dis-
cutir a pertinncia dessa correlao, mas devem analisar-se suas
possveis
conseqncias na regulao da atividade policial. Na medida em que
se
atribui a conduta indevida dos agentes a fatores externos
Instituio,
h a probabilidade de os fatores organizacionais que podem
influenciar
o mau comportamento a formao tcnica deficiente, as formas de
re-
compensa que no levam em considerao a conduta do agente em
seu
trato com o pblico e a excessiva distncia entre quem planeja e
quem
executa o trabalho serem negligenciados frente aos elementos
exterio-
res que favorecem a atuao inadequada dos atores. No se duvida
de
que pessoas de comportamento desviante adentrem a milcia e
aprovei-
tem o poder do qual so investidas para praticarem abusos,
contudo a
questo essencial no esta, mas, sim, os mecanismos que a
Corporao
dispe para no permitir, ou para punir, a m conduta do agente e
as
formas de ela premiar a boa conduta deles nas ruas, ou seja, o
foco do
debate acerca da conduta do policial nas ruas deve ser deslocado
do in-
divduo (a famosa ma podre no cesto sadio) para a organizao,
como
judiciosamente assinalam Reiss (1992) e Bayley (1996).
Quando interrogados sobre a responsabilidade da organizao na
conduta desviante dos agentes, os oficiais argumentam que se
adotam re-
gulamentos disciplinares rigorosos e adequados. Os modos de
regulao
defendidos pelos oficiais assentam-se nas regras formais e na
fiscalizao,
o que compatvel com sua viso legalista da profisso e com sua
defesa
da disciplina e da hierarquia militares como forma de controle.
Porm
essa concepo dos agentes deve ser mais discutida.
As organizaes policiais nutrem a viso legalista do ofcio que
pra-
ticam, mas elas reconhecem a ampla margem de manobra permitida
pela
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SOCIOLOGIAS 165
atividade policial (MONJARDET, 1996), o que pe em dvida a
efetivi-
dade das regras e dos procedimentos formais para controlar a
conduta
do agente que est nas ruas; efetividade suposta pela percepo
legalista
do trabalho policial, pois, se este restringe-se a aplicar a
norma legal, os
regulamentos e os procedimentos formais podem dar conta do
compor-
tamento dos guardas, para isso suficiente comparar a ao deles
que,
pela concepo legalista, se deveria restringir execuo da lei com
as
normas e os procedimentos previstos para aquela atuao, e, caso
haja
discrepncia, podem recorrer-se aos cdigos formais para efetuar a
devi-
da punio. No parece que os oficiais da PMBA ignorem esse
dilema,
isto , que essa viso legalista se choca com o fato de a
atividade policial
promover a autonomia dos executores, porque estes lidam com
eventos e
contextos que os cdigos no podem dar conta, ou seja, o trabalho
poli-
cial no , nem parece que possa ser, o de simples aplicao da lei.
Como
os oficiais reconhecem a discricionariedade do policial, h a
probabilida-
de de que a defesa acentuada da disciplina militar e a declarao
de que
a tarefa policial a de simples execuo do estatuto legal sejam
recur-
sos de que eles lanam mo para reduzir sua responsabilidade pela
m
conduta do subalterno: uma vez que a organizao assenta-se em
uma
disciplina rigorosa e a profisso apresentada como adstrita letra
da lei,
o mau comportamento deve ser atribudo, sobretudo, ao desvio
individu-
al, que por sua vez pode ser explicado pela origem social do
desviante.
As fontes sistmicas da conduta indevida podem ser negligenciadas
em
favor da explicao que toma como referncia os fatores individuais
que
promovem o abuso dos atores; e, tambm, camuflam-se os obstculos
ao
controle da ao policial que so inerentes ao ofcio.
Mas deve-se discutir um pouco mais a relevncia da disciplina e
da
hierarquia militares na tarefa de controle da atividade
policial.
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SOCIOLOGIAS166
A necessidade da disciplina militar no trabalho policial no
auto-
evidente, a suposio desta necessidade est baseada na transposio
de
uma realidade de trabalho para outra bem diferente. As
atividades coti-
dianas do patrulheiro e do soldado no so comparveis entre si,
exceto
em termos gerais de que ambas asseguram a soberania do Estado
com o
recurso fora. A discricionariedade do policial e a fluidez de
seu manda-
to pem em dvida a eficcia de um modo de disciplina concebido
para
profissionais que atuam coletivamente sobre um objeto e em
situaes
mais bem definidos e que so diretamente fiscalizados pelo
supervisor,
como o caso dos militares. Claro, no se pode afirmar que essa
disci-
plina seja desnecessria ao trabalho policial (parece que ela
relevante
para assegurar o bom comportamento do agente dentro dos quartis,
o
que por si s positivo), apenas se sublinha a pertinncia da
discusso
sobre o modo mais eficiente de garantir a boa conduta do
miliciano na
via pblica, pois a forma at hoje tida como a mais apropriada
pode ser
decorrente de uma poca em que, em vrias partes do mundo, a
polcia
se pretendia apresentar como uma agncia que controla seus
agentes,
adotando o modelo de disciplina do exrcito, sem interrogar se
isso cor-
respondia realidade da operao policial.
Se a prtica profissional dos militares pode ser controlada por
esse
tipo de disciplina, pode no ser o caso do trabalho policial,
que, ao con-
trrio da atividade da armada, se caracteriza pela ao individual
e de
pouca visibilidade, caracteres estes que favorecem a
discricionariedade
dos atores. Alm do qu, deve-se sublinhar, os principais insumos
do po-
der discricionrio do policial so a necessidade de o agente ter
de adaptar
a ordem normativa s ordens cotidianas e o reconhecimento social
de que
ele pode negociar com alguns violadores da lei de modo a evitar
o uso da
coero fsica e para promover a paz social, dados estes que no
carac-
terizam a atividade do militar, pois quando este experto sai dos
quartis
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Sociologias, Porto Alegre, ano 12, no 23, jan./abr. 2010, p.
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SOCIOLOGIAS 167
, em geral, para impor a ordem normativa e no para adequ-la
reali-
dade; e o soldado no dispe da mesma liberdade do policial no que
se
refere negociao com os transgressores da ordem pblica. Diante
de
atividades to distintas, abre-se a discusso acerca da adequao de
um
mesmo modo de regulao dos atores que a elas se dedicam. Debate
esse
que se torna premente perante o fato de, at a presente data, a
disciplina
e a hierarquia militares no parecerem ser suficientes para
assegurar a boa
conduta dos policiais nas ruas, a acreditar no nmero de
homicdios por
eles praticados e nas constantes denncias de mau comportamento
regis-
tradas na imprensa e por organizaes de defesa dos direitos
humanos.
Mas, apesar do apego hierarquia militar e da viso legalista
dos
oficiais, a atividade policial por eles percebida como
dependente da
situao, do resultado do face-a-face entre o guarda e o cidado, o
que
faz com que a habilidade, a experincia e o discernimento sejam
decisi-
vos no policiamento e que, aos olhos deles, esses atributos
sejam to re-
levantes quanto as leis e os procedimentos formais na ocupao
policial.
Em suma, os oficiais reconhecem e aceitam a police discretion,
por causa
da natureza de seu trabalho. Sabe-se, porm, que esse poder
provoca
abusos. Como ele no pode ser extirpado, pois est inscrito na
atividade
de policiamento, resta saber como evitar ou reduzir os excessos
que a
margem de liberdade do guarda nas ruas pode gerar.
As ruas constituem a principal zona de incerteza da
organizao
policial, pois a hierarquia pode fazer muito pouco em relao ao
contro-
le imediato dos patrulheiros. Estes, alm de desfrutarem ampla
margem
de autonomia na via pblica, porque podem selecionar os eventos
que
merecem sua ateno e esto longe do supervisor, contam com o
reco-
nhecimento dos superiores, ao menos informalmente, de que sua
discri-
cionariedade necessria ao ofcio que praticam. Parece ser devido,
so-
bretudo, natureza da atividade de policiamento que os oficiais
apostam
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na qualificao profissional como meio mais adequado de regular a
condu-
ta dos agentes, pois a qualificao permitiria ao policial atuar
de modo mais
condizente com as regras e os procedimentos formais impostos
pela organi-
zao, o que reduziria os desvios. Mas a formao profissional no
parece
ser tambm suficiente para os oficiais, e isto evidenciado quando
eles so
interrogados sobre o mecanismo que eles particularmente concebem
como
mais eficiente para assegurar o bom comportamento dos policiais
na via
pblica. Mais uma vez, cabe reproduzir parcialmente algumas
falas:
Ns j pensamos em controle eletrnico. No radiopatrulha-mento
existem estudos de controle atravs de satlite, mas o homem p
complexo. O policiamento ostensivo p, ele se tornou difcil de ser
fiscalizado, ento, eu vou pela questo da conscientizao (Maj.
E).
Olha, eu me reporto na educao, na conscientizao. Eu acho que
todo caminho se traduz na educao. Por que na educao? Porque voc
mostra ao policial a importncia dele, conscientiza ele da
necessidade dele fazer um bom policiamento (Cap. F).
preciso ele ter respeito, ele saber: olhe, esse pedao aqui, se
eu sair e tiver um assalto, a responsabilidade no s minha, eu vou
trazer um problema pra Corporao, eu sou parte deste processo, o
sucesso da Corporao depende de mim, eu tenho responsabilidade
(TCel. E).
Pode ver-se que, ao fim e ao cabo, apela-se conscincia de um
profissional que os oficiais sabem que atua isolado e no pode
ser acom-
panhado de perto pelo fiscal ento, como confiar na disciplina
militar,
que supe a superviso direta e imediata dos atores em ao? , e
que
se defronta com situaes complexas que os regulamentos e os
procedi-
mentos no do, nem podem dar, conta ento, como apostar na
viso
que sustenta ser o trabalho policial o de simples aplicao da
lei? Como
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os oficiais so policiais, eles sabem que no podem jogar todas as
suas
fichas nem na disciplina militar nem nas regras formais como
meios de
garantir a boa conduta do guarda nas esquinas, por isso h o
recurso a sua
conscincia. No se trata de uma particularidade da PMBA, pois o
apelo
virtude dos agentes que patrulham as ruas o recurso ltimo dos
que
administram o aparelho policial, como pode ver-se no comentrio
de
Dominique Monjardet (1996, p. 283-289).
O apelo conscincia profissional um recurso de todos os admi-
nistradores, mas ele tem particular importncia quando a funo que
o
agente desempenha no , nem parece que possa ser, claramente
defi-
nida, como o caso do mandato policial, o qual se refere
manuteno
da ordem pblica, algo por demais vago e fludo; quando a
execuo
do mister muito dependente das circunstncias que a envolvem e,
por
causa disso, no pode ser prescrita com detalhes, ao contrrio do
que
acontece com outros ofcios cujas tarefas tm contedos previamente
es-
pecificados com clareza, o que permite estabelecer com preciso a
forma
de elas serem efetivadas, forma que independe da ideologia do
executor
e que orientada por uma teoria; quando se fica merc da
iniciati-
va do agente, porque ele pode selecionar os eventos que merecem
sua
ateno; quando o executor est longe do olhar do supervisor;
quando
o processo pelo qual se executa o trabalho mais importante do
que o
produto gerado; quando h o problema da reviso do trabalho
efetivado:
um produto mal feito ou uma prestao de servio mal conduzida
podem
ser corrigidos, a ao do policial que altera a vida cotidiana, e
at mesmo
o destino, dos cidados, muito mais difcil de ser revisada, o
patrulheiro
pode ser punido, mas isso no anula nem atenua o dano por ele
provoca-
do; e, sobretudo, quando os princpios e os valores individuais e
de grupo
jogam papel decisivo na execuo do ofcio, pois os policiais lidam
com
assuntos de ordem moral que causam a reprovao e a repugnncia
social
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ou que dizem respeito ajuda a pessoas em dificuldades, e a
resoluo des-
sas questes envolve a apreciao subjetiva orientada pelos valores
morais
dos que as devem resolver, e no h meio de evitar isso. O
conjunto dessas
situaes assinala o trabalho policial, por isso o apelo virtude
do agente
torna-se to essencial, e a questo de sua regulao, to
complexa.
Concluso
Os mecanismos de controle externo da atividade policial so
uma
necessidade bvia, contudo no se devem ignorar nem a natureza
dessa
atividade nem que se est diante de uma profisso. Negligenciar a
natu-
reza do trabalho policial pode servir apenas para produzirem-se
mecanis-
mos de regulao incuos, como a proposta de unificao das polcias
mi-
litar e civil, pois no se v como tal medida reduziria a ampla
margem de
manobra que os guardas desfrutam nas esquinas da cidade e como
uma
organizao mais complexa e, portanto, mais opaca teria mais
controle
sobre seus agentes. Por outro lado, os atores externos que
pretendem
intervir na corporao policial no se devem comportar como se ela
fosse
um mero instrumento que pudesse ser reformado a qualquer
momento
e em qualquer direo, bastando para isto apelar ao chamado
interesse
pblico. Eles devem lembrar-se que esto lidando com uma
profisso,
que tem interesses privados, e que, por causa disso, o aparelho
escapa a
seu controle, no sentido de que as reformas que eles pretendem
impor
instituio podero encontrar resistncias internas que dificilmente
sero
vencidas. A insistncia em no reconhecer que o aparelho policial
tem
autonomia porque movimentado por uma profisso, e que isto no
pode ser eliminado, s pode induzir negao ou camuflagem dos
problemas inerentes atividade policial.
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SOCIOLOGIAS 171
Quanto regulao interna das aes do miliciano, h a inclinao
para a responsabilizao individual. Embora isso possa ser
imputado ten-
tativa de o superior livrar-se da responsabilidade pela conduta
do subal-
terno, tal imputao deve ser matizada. A atividade policial
personaliza a
relao entre o agente e o pblico, personalizao que no
decorrente
de uma apropriao indbita da funo pblica como sugere Hans
Toch
(1996), ou no o exclusivamente, mas do fato tanto de o miliciano
ser o
agente do poder pblico que chamado a intervir nas relaes
privadas e
na vida ntima das pessoas quanto de, em sua tomada de deciso,
ele levar
em conta os indivduos com seus dramas e com suas circunstncias
concre-
tas (MUIR, 1977), sem que nenhuma teoria ou prescrio
organizacional
possa orient-lo. Este estado de coisas produz a personalizao da
relao
entre o policial e o cidado isso, sem dvida, gera efeitos
negativos, pois
afeta a imparcialidade dos agentes pblicos, mas, como decorre da
nature-
za da atividade, no parece que possa ser eliminado; se que seria
desej-
vel tal coisa, pois esta eliminao implicaria que os policiais no
deveriam
levar em conta a dimenso humana nos eventos em que eles intervm
, o
que, aos olhos do guarda, torna a atividade muito dependente do
indivduo
que a executa, ou seja, de seu equilbrio, de sua astcia, de sua
formao
moral, de seu temperamento e de suas atitudes, por causa disso,
no uni-
verso policial, privilegia-se a responsabilizao individual,
porm, embora
seja compreensvel essa concepo que os agentes elaboram a partir
de
sua situao de trabalho, isto pode desviar a ateno das fontes
sistmicas
da conduta incivil, isto , isentar de responsabilidade a
organizao pelos
profissionais que forma e supervisiona.
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Is it possible to control police officers?
Abstract
In a democracy, police activity requires control of the police
officers, to make sure that in their task of ensuring public order
they will not violate the citizens rights. The police organization
leans toward the formal mechanisms of control, such as rules and
procedures, but these forms of conduct regulation may be
insufficient, due to the large margin of freedom the officers have
on the streets. Examining the discourse of military police officers
from the state of Bahia, this article discusses the police practice
in a democratic society, and the officers per-ception of the
mechanisms used to control their colleagues. In the conclusion, the
paper emphasizes the obstacles that can be found in the task of
controlling police officers, obstacles that are difficult to
overcome because they have their origin in the police activity.
Keywords: Police. Policing. Democracy. Citizenship. Rule of
law.
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Recebido: 17/12/2007
Aceite final: 26/08/2008