OS f i l SOf OS E A M QUINA *I.A A P R E C I A O D O M A Q U I N
I S M Oa notvel livrinho do Sr. P.-M. Schubl' nos apresentaa
histria das re-laes da filosofia com a tcnica ou, mais exatamente,
a histria das atitu-des da filosofia e dos filsofos (termos esses
tomados em sua acepomais ampla) com relao tcnica e,
particularmente, com relao m-quina.A curva que essas atitudes esboa
muito curiosa,e pode ser resumi-da como segue: ela vai da
resignaosem esperan9(Antiguidade) es-perana entusiasta(poca
moderna) para retornar ~ r-signao desespe-rada (pocacontempornea).
Ao que todavia necessrio acrescentarque eusocie da mquina que a
filosofia antiga se resigna, e que coma sua presena que a
contempornea obrigada a se resignar.a comportamento dessa curva
que, para dizer a verdade - pelo menosna sua segunda parte -
exprime muito bem a evoluo normal das atitudeshumanas, explica-se
sem dvida pelo fato de 'que, com rarfssimas exce-es, o que
interessava e preocupava aos filsofos no era a mquina en-quanto
tal, nem mesmo a mquina enquanto realidade tcnica, mas a m-quina
enquantorealidade humana e social. Em outros termos, o
problemafilosfico do maquinismono se coloca emfuno do papel da
mquina na"Crnique, nQS 23.e 26,1948.243produo, mas em funo de sua
influncia sobre a vida humana, em fun-o das transformaes que o
desenvolvimento do maquinismo lhe provo-ca ou pode faz-Ia sofrer.
Isso est muito claro para-Aristteles que, numaclebre passagem do
inreio da Polftica, declara que a "escravido deixariade ser
necessria se as lanadeiras e os plectros pudessem mover-se porsi
mesmos"," o que leva justificativada escravido: - na ausncia ou
im-possibilidadeda mquina no so necessros "instrumentos animados"
aolado dos "instrumentos inanimados"? - e implica,como premissa
suben-tendia (to evidente para um grego que Arist6teles no tem
necessidade deexpress-Ia), a idia de que existem trabalhos to
penosos,ou to aborre-cidos, que nenhum homem digno desse nome, ou
pelo menos que nenhumhomem livre poderia aceitar realiz-los:"
trabalhos que, por isso mesmo, spodem ser realizados pelos
escravos; ou pelas mulheres. E partindo darcompreende-se bem o
sentido humano dos cantos de alegria de Antifilosde Bizncio quando
glorifica os beneHcios do moinho d'gua "que libera asmulheres do
penosotrabalho da moagem": "Tirai vossas mos da m,moleiras; dormiat
tarde, mesmo que o canto do galo anuncie o dia, poisDemeter
encarregou as ninfas do trabalho daquilo que se encarregavamvossas
mos: elas se precipitam do alto de uma roda, fazem girar o seu
ei-xo que, atravs de rodas de engrenagem, move o peso cncavo das
msde Nisyra. Ns degustaremos a vida da idade de ouro se
pudermosapren-der a saborear sem fadiga as obras de
Demeter."Infelizmente, para difundir seus beneHcios pelo
mundo,Demeter e asNinfasesperaramuma dezena de sculos, e apenas nos
sculos XVI eXVII que a utilizao das mquinas,e em particulara
utilizao da forahidrulica, comeoua se difundir e a representar
papel de alguma impor-tncia. Em todocaso, deimportncia suficiente
paraqueDescartes,constatando"quantosautmatos diversos ou mquinas
moventes a inds-tria do homem pode fazer",contemplando "as grotas e
as fontes que estonos jardins de nossosreis" ... "relgios,fontes
artificiais, moinhos e outrasmquinas semelhantes", concebe (na
seqnciade Bacon,mas contrrioa ele, no sobre um sensualismo
empirista, mas sobre um matematismoplatonizante) a idia de uma
cincia (ou at mesmo de uma filosofia) ativa,operativa, de uma
filosofia"prtica pela qual conhecendo o forno e asaes do fogo, da
gua, do ar, dos astros,dos cus e de todos os outroscorpos que nos
cercam, to claramentequanto conhecemos os diversosoHcios de
nossosartesos", poderlarnos "tornar-nos senhores e domina-dores da
natureza", da natureza exterior pela "mecnica" e da natureza
donosso corpo pela medicina.Dar compreendemos que, animadopor esse
sonho grandiosode ~cincia que seria ao mesmo tempo sabedoria e
potncia, Descartes tenhaacreditado que no poderia ocult-Iado mundo
"sempecar gravementecontra a lei que nos obriga a buscar tanto
quanto esteja a nosso alcance, o244bem geral de todos os homens", e
que, no estivesse apenas decidido asolicitar o apoio pblico para as
experincias que estava fazendo, mas queainda tivessesonhadoem
"criar uma Escola de Artes e Otlcios"e acon-selhado "a construir,
no CoJJegeRoyale em outros lugares que se consa-graria ao pblico,
diversasgrandes salas para os artesos; a destinar cadasala para
cada corpo de artesos;a juntar cada sala umgabinete repletode todos
os instrumentos mecnicos necessrios ou utensOios das Artesque ali
se devia ensinar, a realizar fundos suficientes no apenas para
co-brir as despesas que as experincias demandariam, mas tambm
paramanter os Mestresou Professores cujo nmero seria igual ao das
Artesque ali se ensinaria. Os Professores deveriam ser hbeis em
Matemtica eem Flsica,para poder responder a todas as questes dos
artesos, dar-Ihes a razo de todas as coisase esclarec-los para
fazer novas desco-bertas nas Artes".O sonho cartesianode uma
humanidade liberada pela mquina de suasujeios foras da natureza, de
uma humanidadevitoriosados malesque a oprimiam,animou a Europa
durante mais de dois sculos. E aindahoje est vivo e atuante.' No
entanto,h mais de cem anos, exatamentedesde a poca em que a
conquista de novas fontes de energia e de novosmateriais,em que a
substituioda gua e da madeira pelo fogo e pelo fer-rQ..inaugurou,
com a primeira revoluo industrial,a idade tcnica da nist-ria humana
e tornou possfvel a realizao dessas mquinas to ardente-mente
desejadas e to ingenuamente esperadas e tambm to ingenua-mente
glorificadas,que vozes discordantes se fazem ouvir. Pois a
mquinailudiu as esperanas que se haviam colocado nela: destinada
aaviar fadi-ga dos homens ela, pelo contrrio, s parecia agrav-Ia. A
idade da mqui-na, ao invs de ser a idade de ouro da
humanidade,revelou-se a sua idadede ferro. As lanadeiras e os
plectos moviam-se bem sozinhos, mas o te-celoPermanecia mais do que
nunca encadeado ao seu oHeio. Ao invs delibertar o homem e fazer
dele "o senhor e dominador da natureza", a m-quina transformou o
homem num escravo de sua prpriacriao. Almdisso, por um paradoxo
surpreendente, a mquina, ao aumentar a potnciaprodutiva do
homem,sem dvida criou a riqueza mas, ao mesmo tempo,difundiu a
rnlsria. Enfim, a mquina, ou pelo menos a indstria,destruiu abeleza
e criou a feira."A mquina fonte de misria .. Seria mpossfve no
ficar desiludido esurpreso. Ma era necessrio render-se evidncia: a
mquina(ou pelomenos a mquina funcionando em condies econmicas e
sociais dadas)aumentou consideravelmente o rendimento do trabalho;
mas, por issomesmo,criou o desemprego. Alm disso,levando sempre
mais longe a di-viso do trabalho e sua decomposio em operaes
elementares, a m-quina tornouo trabalho mais simples (o
que,comoProudhon viu muitobem, permitiu substituir o arteso ou o
operrioqualificado por um traba-245, Ihador braal),mas
desumanizando-o e tornando-omuito mais montono eaborrecido; enfim,
a mquina, aliviando efetivamente a fadiga dos homens,ou
seja,eliminandoo recurso fora ffsica do operrio e
substituindo-opela aplicaode uma energia mecnica(o que permitiu
substituir os tra-balhadores braais por mulheres e crianas),
substituiu tambm o ritmohumano, o ritmo vitaldo trabalho formado
pela alternncia de esforoedescanso, pela uniformidade do ciclo
mecnicoque se podia repetir e re-produzir indefinidamente. Em
outras palavras,as mquinas no conheciama fadiga, podiam trabalhar
sem parar. Sem dvida os operrios se cansa-vam. Mas onde estava o J
jrnite daquilo que eles podiam suportar? Ningumsabia e, de mais a
mais, no queria saber. Alm disso, seria necessriosepreocupar com o
desgastedesse material humano j que, exatamente gra-as ao
desemprego criado pela mquina, ele era excessivo e que, com aajuda
do progresso tcnico, estavaassegurado que sempre o seria?Porisso a
jornada de trabalho atingiu quatorze,dezesseis e at mesmo
dezes-sete horas,enquantoo salriobaixava nessa mesmaproporo e
'que,confessado pelos prpriosindustriais,"seis dcimos .dos operrios
.. noganham. o estritamente necessrio". Compreende-se ento que, at
osesplritos mais fiis f otimista e democrtica do sculo XVIII,
tenham-serevoltado.Como Michelet,que mesmoreconhecendo que a mquina
"pe ao al-cance dos mais pobres uma grande quantidade de objetos de
utilidade, atmesmo de luxo, e de arte aos quais eles no podiam ter
acesso", escreveque ao mesmo tempo era "impossfvel no ver esses
lastimveis rostos dehomem, essas jovens fanadas, essas crianas
retorcidas ou inchadas"pelo serviodas mquinas. Como Villerm, que
observaas deplorveiscondies de vida dos operrios nas grandes
cidades manufatureiras (par-dieiros, promiscuidade etc.), e a
explorao desumana do trabalhodascrianas "que permanecemdezesseis,
dezessete ou dezoito horas em pcada dia, das quais pelo menos treze
numa pea fechada quase sem mu-dar de lugar nem de posio. Isto no
mais um trabalho, uma tarefa, uma tortura .:'Isso na Frana. Porque
na Inglaterra a situao, como descrita por Buret e Engels, ainda
pior. Especialmente nas minas. Por is-so "Haussez no hesita em
comparar a sorte dos operrios ingleses dosnegros da Amrica", e
Robert Owen em nos dizer que "a escravido bran-ca nas manufaturas
era, nessa poca de completa liberdade, mil vezes piordo que nas
casas de escravos que eu vi nos EstadosUnidos e nas ndias;no que
diz respeito sade, alimentao, s vestimentas, estas ltimaseram
preferfveis s manufaturas inglesas".Ora, ento o que fazer? Fourier
condenao industrialismo, "a mais re-cente de nossas quimeras
cientrficas", e o trabalhoindustrial,qerador deinsuportvel
desgosto, "vcio radical do mecanismocivilizado", e procura oremdio
no Falanstrio "ondecada grupo de trabalhadores exercer
su-246cessivamente as diversas atividades que preferir; Owen
"preconiza umanova organizaodo trabalho numa comunidade
meio-industrial meio-agrf-cola que ele tenta, em vo, realizar nos
Estados Unidos"; Sismondi obser-va "que mais vale a populao se
compor de homens do que de mquinasa vapor, ainda que os tecidos
fabricados pelos primeiros fossem mais ca-ros do que os fabricados
pelas segundas" e aplica indstria moderna afbula do aprendiz de
feiticeiro incapaz de desfazer o encantamento; Car-Iyle ope o
passado medieval ao presente e "convidaos chefes de inds-tria a
deixarem de ser bucaneirospara se tornarem cavaleiros conscientesde
seu dever feudal" para com seus operrios;Ruskin "sonha com
umtra-balho feliz e apreciado,feito mo, sem ajuda de mquinas alm
daquelasque so movidas pelo vento e pela gua"; Samuel Butler,
finalmente,reto-mando no plano ideolgico a revolta dos cartistas, *
descreve no Erewohna vida de um pas que realizou uma revoluo
industrial s avessas e des-truiu as mquinas "cuja invenono
remontasse para alm dos ltimosduzentos e setenta anos"."Poderfamos
continuar,e acrescentar aos textos citados pelo Sr.'Schuhlinmeros
outros . De fato, medida que a idade tcnica desenvolvetodasas suas
virtualidades inerentes, as condenaes que emanam de pensa-dores (ou
escritores) mais ou menosreacionrios (cat6Iicos) ou mais oumenos
romnticos, tornam-se cada vez mais numerosas. A mquina e
acivilizaoindustrialrecebem a carga de todos os males do momento
pre-sente. Reprova-se-Ihes destruir a diversidade cambiante do
mundo esubstituf-Ia em toda parte pela uniformidade montona da
bugiganga produ-zida em srie; de substituir a noo de valor e de
qualidade pela de gran-d~a -puramente quantitativa -; de provocar
um rebaixamento Cio gosto, eat mesmo da cultura; de submeter o
homem perseguiodo lucro e dosprazeres brutais e de extingir nele
qualquerestabilidade e ,at mesmoqualquer vida interior.Essas
crfticas - que s vezes se apresentamsob o disfarcede umadescrioda
vida americana_7certamente nem sempre estavam erradas. verdade,por
exemplo, que nada se pode comparar feira horrenda dossubrbios
industriais, a no ser a feira pretensiosados quarteires ricosdas
cidades da idade do ferro; verdade que quase tudo que nossas
cida-des - e nossaspaisagens - ainda contm de beleza Ihes vem da
pocapr-maqufnica." E perfeitamenteexato que a trepidao e a
complicaosemprecrescentes da vida modernaso o mfnimo possfvel
compatveiscom a meditao, com a reflexo,em resumocom a cultura. E
para re-tornar ao papel econmicoda mquina e de sua influncia sobre
o homem,*Adeptos do partido ingls que reivindicava a adoo da carta
democrtica que redigiu,e que continha importantes reformas sociais.
(N. da Trad.)247 verdade que nada mais absurdo do que a misria e o
desempregocria-dos pela. "superproduo" e pelo progresso tcnico e,
finalmente, que otrabalho taylorizado, estandardizado e regulado do
operrio de uma linha demontagem moderna, to degradante e to
embrutecedor quanto,o da es-cravido grega ou romana.Devemos, ento,
condenar a mquina e - nos resignando,alis, com asua presena -
pregar a beleza do artesanatoe do retorno terra? O Sr.Schuhl no
pensa assim. Com muita razo ele demonstra que a mquina, nofim das
contas,manteve a sua promessa: ela efetivamente aumentou (tal-vez
de maneira demasiado rpida e brusca) a potncia do homem e quasefez
dele "o senhor e o dominador da natureza"; que,
incontestavelmente,ela aumentou o bem-estar e o nfvel de vida das
populaes dos pafses in-dustriais; que os horrores do perlodo
"herico" do capitalismo pertencemao passado e que a legislaosocial,
cada vez mais desenvolvida, a pro-teo mulher e criana,as limitaes
da durao do trabalho e a melho-ria de suas condies, sobretudo
depois da "segundarevoluo industrial";concederamaos homens alguma
coisa que - exceto uma pequena minoria- nunca haviam possuldo, ou
seja, tezeres" e portanto,a possibilidade deaceder cultura. Ou de
criar uma cultura. Pois no do trabalho que nas-ce a civilizao: ela
nasce dos lazeres e do jogo.Assim, poderemos acrescentar que cabe
ao prprio homem saber queemprego dar sua potncia e aos seus
lazeres. Particularmente, se eledesejar salvaguardar para o
ndivfduo uma zona de liberdade e de vidapessoal, de vida "privada"
ou se pelo contrrio, criando deliberadamenteuma civilizao de massa,
levando at o fim as tendncias ao conformis-mo, uniformizao e ao
nivelamentoinerente a ela, ele optar pela des-personalizao do homem
e sua imerso total - que tambm se podechamar "integrao" ou
adjustment - no grupo,para chegar a um bravenew world do gnero
daquele que Aldous Huxley j nos ofereceu uma ima-gem,
talvez,proftica. Mas a mquina,enquantotal, no tem nada a vercom
isso; de fato, existiam civilizaes, e bem grandes, como a chinesa
ea hindu, que recusarama personalizao sem nunca terem conhecido
omaquinismo.Do meu ponto de vista, o Sr. Schuhl tem toda razo ao
valorizar a "se-gunda revoluo industrial" que encerrou a idade do
ferro e inaugurouaidade da eletricidade. De fato, com ela a
humanidade deixou o perodo tc-nico da sua histria e entrou no
perodo tecnolgico, perlodo que tem seuscaracteres prprios,
freqentementeopostos aos da poca precedente;"De minha parte,
acredito que ainda se poderia ir mais longe e pretenderque, mesmo
em sua fase inicial, os delitos do maquinismo(exceto no
planoesttico) tenham sido muito menoresdo que se diz. Sem dvida,no
sepode ler sem revolta as descries da misria atroz das classes
operriasna primeira metade do sculo XIX que foram coligidas, por
exemplo, por248Engels e Buret. E menos ainda se pode ler, sem
repugnnciae horror, asprodues da propaganda capitalista que
defendiam, emnome da liberdadee do cristianismo, o direito de o
patro fazer trabalhar crianasnas minas emandar para a rua os
operrios doentes ou idosos ( pena que o Sr. Schuhltenha considerado
no ser necessrio citar exemplos dessaliteratura).llA histria da
acumulao capitalista, tal como contada por Marx na pri-meira parte
do Capital, no uma histria bonita. Nem uma histria muitoedicante."
E no entanto, eu temo bastante que, ao afirmar que a situaodas
classes trabalhadoras piorou em decorrncia da
revoluoindustrial,cometa-se um erro muitograve no determinando
suficientemente ostermos da comparao. Sem dvida correta,se nos
limitarmos a compa-rar o nrvel de vida do operrio do incio do sculo
XIX com o do arteso dosculo XVII ou do XVI, essa assero na verdade
falsa se lhe dermos,como freqentemente se faz, um alcance geral.
preciso resistir miragem romntica e sua idealizao das "guildas"e
dos "mestres-artesos" e, em contrapartida, preciso no esquecernunca
o fato de que o artesanatomedievaltrabalhavasobretudo para
umaclientela restrita e rica, que seus produtoseram to caros que
atualmenteseriam classificados entre os objetos de luxo" e que,
apesar disso, a per-sistncia da utilizaoda fora humana como fora
motriz e fonte de ener-gia (eram os homens que faziam girar os
tornos dos torneirase a roda dosoleiros,eram os homens. e no os
cavalos ou as quedasd'gua que, nagrande maioria dos casos,
acionavamas serras e os aparelhos para le-vantarpesos, eram os
homens que faziam funcionar os foles das fundi-ese das ferrarias}"
implicava a existncia de uma grande massa detrabalhadores no
qualificados, cujo modo de vida e nvel de-existncia di-feriam
completamente do modo de vida e nvel de existncia de Umarmei-ro,
umjoalheiro ou um mercador de panos.Porm, mesmono que diz respeitoa
essas indstrias de luxo cujasobras at hoje admiramos, pensemos um
pouco na misria fisiolgica dovidreiro, do tecelo, do mineiro.Alm
disso, preciso no esquecer que a cidade medieval(assim comoa cidade
do sculo XVI e do XVII), centro administrativo e religioso e,
antese depois de tudo,centro de comrcio e no de indstria, era um
osis debem-estar no meio da misria atroz dos campos.Pois o campons,
excetodurante um perodo muito curto da Alta Idade Mdia quando a
impossibili-dade dos transportes forou o consumolocalizadoe, com
isso,limitou ospretvements * dos senhores, era pobre. Muito pobre.
At mesmo o yeo-man ingls,cuja situaoeconmica e social,graas
invenodo arco*Imposto emnatura cobrado pelos senhores feudais aos
camponeses. (N. da Trad.)249de seis ps, infinitamentesuperior do
campons continental,era apenasconfortvel. Ainda af, precisono se
deixar influenciar pela imagem daOld merry England; precisoantes
pensar nas sublevaes, nas escas-sezese, sobretudo, na realidade
demogrfica: no fato de que, at a revolu-o industrial,a populao da
Inglaterra oscilou entre 4 e 7 milhes de ha-bitantes sem nunca ter
ultrapassadoessa cifra.No decorrer dos sculos XVI e XVII, a situao
do campesinatoinglsainda piorou terrivelmente: a introduo e o
aperfeioamento das armas defogo, que acabaram por destruir a base
militar do feudalismo e permitiram aformao dos Estados Modernos,
tambm privaram o arco de seu valormilitar e com isso a yeomanry no
conseguiu resitir invaso da nova no-breza que a privou de suas
terras comunais (enclosures). A desero doscampos e a invasodas
cidades pela misria foram os seusprimeirosefeitos: foi a
existnciadessa massa de homens que, em suas aldeias, lite-ralmente
morria de fome, o que permitiu a industrializao to rpida da
In-glaterra e, ao mesmo tempo, determinou o nfvel de vida do
operrio. Nfvelmuito baixo, sem dvida, mas evidentementemuito
superior ao nfvel de vi-da campons,j que a revoluoindustrial e a
industrializao das cidadesprovocou uma formidvel expanso
demogrficaque, por sua vez, favore-ceu o desenvolvimento sempre
crescente da indstria. Poder-se-ia atmesmo sustentarque a
exploraodesavergonhada do trabalho e em par-ticular do trabalho das
crianas que foi o fator -ou umdos fatores - de-terminantes dessa
expansodemogrfica:as crianas que trabalham, pro-duzem, e com1isso
aumentam a massa dos bens - de comida - que aclasse laboriosa
usufrui ou que partilha."Essa expanso demogrfica, resultado da
baixa da mortalidade infantil eda mortalidade em geral, em si um
bem ou um mal? A concentrao demassas humanas cada vez mais
numerosas nas grandes cidades, quea tcnica moderna (a do
transporte) tornou posslvel um bem ou um mal?As opinies, sem dvida,
podem estar divididas. verdade que tfnhamosmais espao quando ramos
menos numerosos; verdade tambm que apaisaqerncamponesa maisbela, e
falando genericamente, at mesmomais humana do que os desertosde
pedra e cimento de nossas grandescapitais.Mas quem sabe? A mquina,
criando a riqueza,parece nos reconduzir oligantropia e talvez tambm
seja a mquina,- que j recriou o noma-dismo -o que permitir a
redispersodas populaes urbanas e sua rein-sero, dessa vez
consciente, na natureza.A mquina, quero dizer a intelignc.ia tcnica
do homem, manteve a suapromessa. Agora cabe sua inteligncia
polltica e sua inteligncia toutcourtdecidir para que fins ele
empregar a potncia que foi colocada suadisposio.2501 1 . A S OR IG
ENS D O MA QUINISMOo estudo da evoluodas atitudes da filosofia, e
dos filsofos com rela-o mquina, de que esboamos uma curva sumria,
curva que, em l-tima anlise, se explicapelo progressodo maquinismoe
pelo desenvolvi-mento gradualde suasconseqncias humanas, nos.
conduz ou nos re-conduz aos problemas do maquinismo e do progresso
tcnico enquantotais. Problemas cuja importncia e interesse no podem
escapar a nin-gum. Pois, mesmose no admitirmos, como os marxistas,
que a evolu-o da tcnica determinae explica toda a histria humana,
que ela forma oargumento do qual todo o resto - moral, polftica,
filosofia, arte - so apenasfunes dependentes, nem por isso deixa de
ser verdade que as revolu-es industriais dos dois ltimos sculos
modificarame at mesmo sub-verteramprofundamente as condies e os
quadros da vida humana, e queessas subverses nos criaram uma
mentalidade e hbitos de pensamentomuito diferentes dos que eram
comuns na Idade Mdia e na Antiguidade.Poder-se-ia dizer, grosso
modo, que a civilizao industrial "desnatu-rou" nosso mundo e
substituiu o meio, d quadro e o ritmo naturais da vidapor uma ritmo
mecnico, um quadro artificiale um meio fabricado. '6 E,
pa-ralelamente, o pensamento moderno substitui em toda parte o
esquemabiolgico pelo esquema mecnico da explicao. Poder-se-iatambm
dizer- e talvez isso venha a dar no mesmo - que a
tcnicapr-industrial erauma tcnica de adaptaos coisase que a
tcnicaindustrial a tcnicada explorao das coisas.Poder-se-ia at
mesmo acrescentar que a tc-nica moderna a tcnica da criao das
coisas."*Como e por que nasceu essa tcnica? Qual a fonte e a origem
do ma-quinismo? No fundo, no se sabe nada sobre isso. Pois todas as
explica-es, por maisplausveis que sejam, terminampor girar em
cfrculos.Oque,apesar de tudo, no um escndalo para o esplrito,
bastantenormal que existam na histria -mesmo na histria do espfrito
- aconteci-mentos inexplicveis, fatos irredutfveis,
comeosabsolutos.As origens da tcnica se perdem na noite dos tempos.
possvel,alis,que a tcnica, assim como a linguagem no
tenha,estritamente falando,origem: o homem sempre possuiu
utensflios,da mesma forma que semprepossuiu a linguagem. Parece at
que ele sempre foi capaz de fabric-Ios.Exatamentepor isso foi
possvelcomparar a definio do homem pela pa-lavra com a definio do
homem pelo trabalho: o homem enquanto homemseria essencialmente
faber, fabricador de coisas,fabricador de utensflios."E tambm, nem
a pr-histria nem a etnografia nos permitem
assistirao251nascimentodo utensfllo, mas apenas acompanh-Ioem sua
evoluo e emseus aperfeioamentos.Se o utensOio no tem origem, a
mquina seguramentetem. Mas no uma origem hist6ric. Pois se
certamente existiram, se ainda existem gru-pos humanos to
primitivosou degeneradosque ignorem qualquer espciede mquina, em
contrapartida, todas as civilizaes cuja histria podemosestudar, j
se encontram de posse delas, ou pelo menos de posse de apa-relhos
que, como o torno do oleiro, o tear do tecelo,o forno, o lagar,
osaparelhos para levantar objetospesados, colocam-se, por assim
dizer,ameio caminho entre o utensOio e a mquina propriamentedita. E
todas asgrandes civilizaes da Antiguidade possuem, ainda que em
nmero rnfi-mo,mquinas verdadeiras. Por isso, o grande problema que
preocupatanto a histria da civilizaoquanto a histria das tcnicas,
no explicarpor que existirammquinas no Egito, na Grciae em Roma,mas
pelocontrrio, explicarpor que existiram to poucas,explicar no o
progressomas a estagnao, explicar particularmente como e por que o
admirveldesenvolvimento da civilizao grega no foi nem precedido nem
acompa-nhado por umdesenvolvimento tcnico correspondente.Para
explicar esse fato em verdade surpreendente, poderlarnos invocara
falta de matrias-primas -o ferro emespecial -,no mundo antigo. O
fer-ro era raro e caro. E sem ferro como fabricar mquinas?
-Corretfssimo,caso se tratassem de mquinas modernas.Menos correto
no caso de m-quinas mais simples: a indstria dos sculos XVI e XVII
construiu muitobem as suas de madeira, assim como foi de madeira
que os ribeirinhos doEufrates fizeram - e ainda fazem - suas
enormes rodas de irrigao.Poderfarnos invocar a pobrezaenergtica do
mundo antigo que noapenasdesconhecia a mquina a vapor,como nem
mesmo sabia atrelarconvenientemente os seus cavalos. Bastante
correto ainda; incontest-vel que apenas a descobertada potncia
motriz do fogo (e a utilizao docarvo em metalurgia) que permitiu o
desenvolvimento da grande inds-tria e que apenas no sculoXI os
arreios modernos fizeram sua apari-o." Este ltimo ponto,
seguramente, no de pouca importncia:para otransporteeficaz e rpido,
O cavalo de fato indispensvel. Mas para giraruma roda de moinho, ou
uma roda de engrenagem ele o muito menos; pa-ra essasnecessidades
pode-se da mesma forma utilizar bois. Alm disso,no que diz respeito
atrelagem do cavalo deveras surpreendente queuma invenoto simples
tenha sido realizada to tardiamente; nenhumdos que puxavam barcos
com a sirga teve jamais a idia de passar a cor-da de sirgar pelo
pescoo do cavalo:era pelo flanco ou atravs do peitoque ela passava.
Como pode ter acontecidoque nenhum condutor de car-ros de combate
tenha observado isso ou ainda, que nenhum dos puxado-res sirga
jamais lhe tenha feito observar?" Enfim, considerando que aroda a
ps e a roda de engrenagem existiam,nada se oporia utilizao252das
forashidrulicas pelos romanos e pelos gregos,pelo menos da ma-neira
como isso foi feito no inrcio dos tempos modernos.A estanao tcnica
do mundo antigo poderia ser explicada,de manei-ra muito mais
profunda, por razespsico-sociolgicas; ela seria determi-nada pela
prpria estrutura da sociedade e da economia antigas:
sociedadearistocrtica, economiafundamentada sobre a escravido. Esta
a expli-cao que, segundo mile Meyerson,o Sr. Schuhl aceita: "Se no
se tinhao recurso s mquinas .era porque no se tinha necessidade de
econo-mizar a mo-de-obra que havia disposio, numerosa e pouco
custosa,mquinas vivas, to distantes do homem livre quanto a besta:
os escra-vos." - "A abundnciada mo-de-obraservil torna a mquina
anti-econ-mica; alis, o argumento retorna, formando um crculo de
onde a antiguida-de no conseguiu sair: pois, por sua vez, a ausncia
de mquinas faz comque no se possa dispensaros escravos. Alm disso,
a existnciada es-cravidono cria apenas condies determinadas onde a
construo demquinas que economizammo-de-obra parecepouco desejvel de
umponto de vista puramente econmico: ela tambm promove uma
hierarquiaparticular dos valores que provoca o desprezo pelo
trabalho manual."Esse desprezo, trao comumdas civilizaes
aristocrticas (e atmesmo das outras),era de tal maneira difundido
entre os gregos que, con-forme nos lembra o Sr. Schuhl,o prprio
termo l3&v(xuao,>,que significaarteso, torna-sesinnimo de
desprezfvel e se aplica a todas as tcnicas:"tudo que artesanalou
manufatureirotraz vergonha e deforma a alma aomesmo tempo que o
corpo" -o corpo,porque o exerccio de umoffcio de-terminadoentrava e
impede o seu desenvolvimento harrnonoso, e a almaporque a indstria
tem como finalidade "satisfazer aquilo que existe de infe-rior no
homem, o desejo de riqueza .." "Dessamaneira o desprezo que setem
pelo arteso se estendeaIDcomerciante: com relao vida
liberal'ocupada pelos lazeres estudiosos (