Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos
Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
A ABORDAGEM POSITIVA NA VALORIZAÇÃO DA IDENTIDADE DOS
ALUNOS E ALUNAS NEGROS E NEGRAS: UMA REFLEXÃO JUNTO AOS
PROFESSORES DA EJA NO COLÉGIO ESTADUAL BENTO MUNHOZ DA
ROCHA NETTO – COLOMBO.
Adair José Bernardino1
Wanirley Pedroso Guelfi2
Resumo
O presente trabalho se insere no contexto da implementação da Lei 10.639/03 e
pretende se constituir em instrumento metodológico pedagógico para uma abordagem
positiva dos conteúdos referentes à História e Cultura Afro Brasileira e Africana em
sala de aula. Como meio de investigação utilizou-se de momentos de formação sobre
a legislação vigente a respeito do tema em questão. A partir do marco legal,
pretendeu-se analisar os fenômenos históricos e sociais que contribuíram para a
emergência da referida legislação. Assim, produzimos em conjunto um material que
deve contribuir para uma ação pedagógica que valorize os diversos pertencimentos
étnicos, focando os negros, de forma positiva. Esse material se destina num primeiro
momento, a professores da EJA, do Colégio Estadual Bento Munhoz da Rocha Netto
no município de Colombo – PR e pretende colaborar no processo de formação de
professores naquela modalidade, incluindo informações das contribuições dos
Movimentos Sociais Negros/as e, associando essas fontes (alunos e movimentos
sociais negros) nas aulas de História. O embasamento teórico dessa unidade didática
se assenta na metodologia da História de Vida e da História Oral e na produção
historiográfica existente sobre o tema. O que se pretende é uma abordagem que
contribua para a valorização do pertencimento de sujeitos que, historicamente, tiveram
suas identidades negadas nos currículos escolares.
Palavras Chaves: Identidade negra; História e Cultura Afro Brasileira e
Africana; Educação de Jovens e Adultos (EJA)
INTRODUÇÃO
A construção da identidade é um processo cultural e histórico que se constitui a
partir de referenciais positivos ou não, que interferem diretamente na forma em
1 Professor de História da rede Estadual de Educação, lotado no Colégio Estadual Bento Munhoz da
Rocha Netto – Município de Colombo 2 Professora Orientadora do PDE. Concursada da Universidade Federal do Paraná. Mestre em Educação -
UFPR (2001), graduada- UFPR (1981) e graduação em Ciências Políticas e Sociais pelo Instituto de
Ensino Superior de São Caetano do Sul - IMES (1975).
que homens e mulheres percebem, agem e se comportam diante da realidade
em que vivem, e nesse sentido se constroem socialmente. No Brasil, essas
relações foram construídas a partir de referenciais europeus que excluíam os
povos indígenas, naturais dessa terra e a população negra africana e Afro-
Descendente que foi escravizada durante séculos. O projeto de inferiorização
da população negra, a partir da exaltação de estereótipos negativos permeou
por séculos no imaginário social e nas práticas de discriminação de negros e
negras no Brasil.
Uma das formas mais perversas de reprodução dessa realidade foi e
continua sendo no ambiente escolar. São discursos, posturas, textos e imagens
reproduzidas nos materiais didáticos utilizados nas instituições de ensino nas
várias modalidades em todo o país, que reafirmam a figura do negro de forma
animalizada, subalterna, submisso entre outras formas, sempre o
desqualificando na sua humanidade. Essa realidade contribui fortemente para
que as instituições de ensino, na sua maioria, sejam espaços de reprodução de
estereótipos que geram preconceitos, discriminações e exclusão dessa
população. Esse fator é facilmente comprovado nos altos índices de evasão e
de reprovação entre a população negra apresentados por todos os institutos de
pesquisas que trabalham com dados estatísticos sobre a realidade educacional
no Brasil.
Diante dessa realidade, e na perspectiva da valorização e visibilização
das contribuições positivas da população negra para a construção social,
cultura, política e econômica da história do Brasil, é que se pretende apresentar
esse material. Sua importância está no sentido de trazer contribuições para que
educadores e educadoras tenham acesso a materiais e informações que
apresentem personalidades negras na história do continente Africano e do
Brasil. Os/as personagens negros/as muitas vezes não aparecem nos materiais
didáticos presentes no ambiente escolar. São referenciais importantes que
devem ser conhecidos estudados e valorizados, pelas suas trajetórias e
contribuições como forma de superação dos estereótipos acerca da população
negra diariamente presente nos meios de comunicação social, nas ruas e que
se reproduz na escola. Todos esses elementos constituem um conjunto de
práticas que excluem crianças, jovens e adultos das instituições de educação
formal.
Essa realidade está diretamente ligada, entre outros fatores, à trajetória
de escravização pela qual a população negra passou no Brasil e pelas
conseqüências desse processo, entre outras desigualdades, ainda hoje
fortemente percebidos nos altos índices de analfabetismo que atinge
diretamente negras e negros, (Brasil 2004, 2006, 2008; Silva Jr. 2002). Nesse
sentido, é importante pensar o fortalecimento da identidade negra a partir da
história das civilizações Africanas, das resistências e do processo escravizador
ocorrido na história do Brasil. A organização de negras e negros em
irmandades, em quilombos, bem como os referenciais positivos dessa
população ao longo da história brasileira, são elementos importantes no
processo educativo. Significa pensar a educação como fortalecimento da
identidade dos sujeitos, a partir dos conhecimentos historicamente produzidos
por seus ancestrais. Valorizar esses referenciais é uma das formas de
implementar políticas de acesso e permanência dessa população á educação,
processo que se estrutura a partir da possibilidade de entendimento dos
mecanismos sociais, políticos e ideológicos que produzem e reproduzem essa
realidade no ambiente escolar. Esses são também elementos que contribuem
fortemente para o entendimento dos processos de reprodução de uma
realidade que aponta para a grande presença da população negra nos
processos de evasão e reprovação no sistema educacional brasileiro.
Essa realidade evidencia conseqüentemente, o expressivo percentual
de negros e negras, que recorrem a modalidade de Educação de Jovens e
Adultos - EJA, fenômeno aqui entendido como resultado de um processo de
discriminação racial que permeou e ainda se mantém fortemente na
organização e implementação de políticas educacionais no Brasil.
Quando analisamos a presença e a participação dos negros e negras na
história da educação brasileira, bem como referencias ao seu pertencimento, é
evidente a ação do Estado tanto na formulação de legislações que impediram o
acesso dessa população aos sistemas de educação formal. Fator evidente
quando em diferentes períodos da história brasileira, essa população é
excluída diretamente do acesso a educação, principalmente no período de
escravização.
Outra ação do Estado é fortemente percebida nos processos de
exclusão, a partir da organização de uma sociedade e de políticas ao longo da
história brasileira que impossibilitaram negros e negras de uma efetiva
participação nos meios de integração política e econômica na sociedade
brasileira. Essa realidade é fortemente percebida a partir da promoção e
difusão de estereótipos e preconceitos, que ainda hoje provocam danos a
construção e a valorização de sua identidade (MUNANGA, 2008),
principalmente nas mídias e em materiais didáticos utilizados nas instituições
de ensino onde
A ausência dos negros nos livros didáticos, a inexistência de
bonecas negras na escola, de cartazes, de filmes e da veiculação de
imagens positivas do negro contribuem para o processo de
invisibilidade da criança negra no espaço escolar. Além disso, a
difusão de imagens preconceituosas reforça a baixa auto-estima
desses alunos. (ABRAMOVAY e CASTRO p. 256, 2006)
As acentuadas desigualdades educacionais entre a população negra em
relação à população branca são evidenciadas em estudos de diversos
pesquisadores/as como (Hasenbalg, 1987; Hasenbalg e Silva, 1990;
Rosemberg, 1998; Jaccoud e Beghin, 2002) entre outros. Em todos os níveis
de ensino, estes estudos apontam desigualdades significativas, e tornam-se
mais explicitados nos níveis de ensino mais elevados como apontam os
mesmos estudos.
Quando comparamos o desempenho escolar de crianças negras e
brancas, com mesmo nível de renda familiar e de participação no mercado de
trabalho, os dados apontam para um atraso escolar significativamente maior
entre a população negra (ROSEMBERG, 1998), o que nos leva a concluir que
o sistema de ensino discrimina e exclui de forma direta essa população.
A partir dessa análise e tendo como referencia os dados atuais sobre
analfabetismo, bem como a existência, ainda hoje, de uma expressiva
demanda de educação de jovens e Adultos no Brasil, infere-se que a
população negra ocupa grande percentual dessa demanda.
Do ponto de vista das políticas públicas de atendimento a EJA, que vão
desde investimentos nessa modalidade de ensino, passando pela formação de
professores/as e culminando em práticas pedagógicas ainda compensatórias,
(Bernardino, 2008b), entende-se que existe um sistema que produz e reproduz
um silenciamento e um processo de invisibilização dessa realidade, fator que
culmina na reprodução de um sistema educacional que segundo Silva e Gomes
(2006) reafirmam os altos índices de analfabetismo que atinge de forma mais
acentuada a população negra no Brasil.
Caracterizada ao longo de grande parte da história brasileira como
política compensatória, a EJA se configura, em alguns momentos, como
necessidade de responder a questionamentos de instituições internacionais.
Essa realidade diz respeito aos altos índices de analfabetismo existente no
país, e dessa forma, se vincula principalmente a programas com objetivos de
produzir dados estatísticos para fins de financiamento e para melhorar a
imagem do país frente a instituições internacionais. Realidade fortemente
presente nos estudos de (Paiva, 1997; Addad, 2005; Pierro, 2005; Bernardino,
2008a). Em outros momentos, essa realidade se estrutura como forma de
―integrar‖ determinados grupos sociais ao mercado de trabalho a partir das
necessidades de cada período, também sob a lógica da modernização.
Segundo estudos do IPEA (2008), esses fatores, além de não
contribuírem para a integração dos negros e negras à sociedade brasileira, por
estarem fortemente condicionados a políticas de caráter excludentes e racista
dessa população, reproduziram uma realidade que culmina ainda hoje no
limitado acesso as diversas políticas públicas no plano da mobilidade social,
aquisição de renda, saúde, moradia, educação entre outros. Fatores que geram
uma desvantagem de negros e negras em relação a população branca no
Brasil como indicam os estudos de (Hasenbalg, 1979).
1. IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO
O material didático foi desenvolvido junto a três professoras da disciplina
de história, que trabalham na modalidade de Educação de Jovens e Adultos
(EJA)3 no Colégio Estadual Bento Munhoz da Rocha Neto, no município de
Colombo – Paraná. O referido Colégio está, localizado no bairro Moinho Velho
em Colombo; esta
―[...] é uma área de ocupação irregular, sem infra-estrutura, onde se concentram traficantes, usuários de drogas e infratores. Nesse ambiente coabitam grupos de indivíduos que, sem opção de moradia, agregam-se e formam seus núcleos familiares, numerosos e sem planejamento, onde não existe, na maioria das vezes, a representatividade paterna e, ou o materna, papel delegado a outros membros da família – avós, tios, irmãos mais velhos. Os adultos e, ou responsáveis pelos alunos, apresentam um nível de escolaridade muito baixo, muitos trabalham na informalidade, as crianças e adolescentes vivem em situação de risco, sozinhos o dia todo, envolvendo-se em brigas de rua, cometendo delitos e reforçando os casos de violência nas proximidades da escola. As famílias, em sua grande maioria, não acompanham a vida escolar dos filhos, não participam de reuniões, ou de qualquer atividade promovida pela escola, pedagógicas (reuniões, palestras, encontros de pais, feiras culturais) e, ou sociais (festas, apresentações dos alunos), (Proposta Pedagógica do Colégio Estadual Bento Munhoz da Rocha Netto, 2012, p. 20-21)
Diante dessa realidade, esse trabalho buscou se constituir em uma
contribuição junto aos/as professores/as de história do referido Colégio, no
sentido de análise e compreensão dessa realidade onde o colégio está
inserido. Optou-se por uma abordagem teórica que valorizou a fala dos sujeitos
históricos envolvidos, como professores/as e alunos/as e a contribuição de
ambos no processo de implementação do projeto. Essa abordagem permite
conhecer a partir de realidades diferentes o mesmo fenômeno e as relações de
poder que podem intervir no ensino-aprendizagem. Esse foi também um
importante mecanismo de estudo dos fatores históricos que culminaram na
ocupação e na formação da realidade acima descrita; Já que grande parte
dessa população é constituída por negros e negras matriculados/as na EJA.
3 Esse material pode ser também utilizado como contribuição para outras modalidades de ensino e outras
disciplinas que queiram utilizar as informações e sugestões de atividades aqui sugeridas. Isso porque a
Deliberação nº 04/06 – CEE reafirma que “ O Projeto Político Pedagógico das instituições de ensino
deverá garantir que a organização dos conteúdos de todas as disciplinas da matriz curricular contemple,
obrigatoriamente, ao longo do ano letivo a História e Cultura Afro Brasileira e Africana na perspectiva de
proporcionar aos alunos uma educação compatível com uma sociedade democrática, multicultural e
pluriétnica (Art. 2º.)”
Outro objetivo foi complementar a produção didático-pedagógica de
forma coletiva, contemplando os referenciais legais, tanto a nível Nacional
quanto Estadual, que tratam da obrigatoriedade da abordagem positiva em
todas as disciplinas da matriz curricular, ao longo de todo o ano letivo da
História e Cultura Afro Brasileira e Africana nos currículos da educação básica
e superior das instituições públicas e privadas. Essa é uma forma de
apresentar personalidades negras, que são muitas vezes invisibilizadas nos
materiais didáticos utilizados nas escolas. A ausência de referenciais positivos
nos materiais didáticos contribui de um lado para a reprodução de estereótipos
acerca da população negra no Brasil e por outro lado para que negros e negras
não tivessem referenciais positivos de seu pertencimento étnico racial no
processo de formação de sua identidade enquanto negro e negra.
O conhecimento dos movimentos de resistência e da luta do povo negro
por políticas públicas de reconhecimento e valorização de sua contribuição são
importantes também no processo educacional. Dessa forma, a implementação
da Lei 10.630/2003, enquanto legislação nacional e dos desdobramentos de tal
legislação a nível Estadual, como as Deliberações, Orientações e Instruções,
que dizem respeito à História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na formação
social, cultural e econômica do Brasil também objeto desse material
pedagógico.
Esse processo de intervenção pedagógica ocorreu junto às professoras,
mas também com a participação dos/as educandos/as, no sentido de que essa
seja uma produção coletiva onde todos os sujeitos envolvidos contribuam na
elaboração do material. Acredita-se que pelos processos históricos, de
exclusão dos/as educandos/as dessa modalidade de ensino, esse material
pode se constituir num importante instrumento diagnóstico da realidade da
população negra jovem, adulta e idosa que freqüentam a EJA. Essas pessoas
vem de diferentes trajetórias históricas de exclusão e de negação de direitos
por parte do Estado brasileiro; trajetórias de vida que podem auxiliar
educadores/as, nos processos de produção e implementação de práticas
educacionais em história – aqui em especial na EJA - que contemplem de
forma positiva a participação de negros e negras na formação da sociedade
brasileira e paranaense.
O presente estudo pretende também ser uma contribuição no campo
educacional para a compreensão dos mecanismos presentes e ausentes nessa
modalidade de ensino que corroboram para um processo de reprodução do
racismo na escola. Essa relação se dá a partir dos mecanismos de
invisibilização do expressivo percentual de negros e negras; jovens, adultos e
idosos que hoje freqüentam essa modalidade de ensino no Estado Paraná e
aqui em especifico no município de Colombo.
A escolha desse público em especial, para a produção do material, se
justifica por questões sociais e históricas referentes a vários processos de
exclusão da população negra do acesso a políticas públicas educacionais, de
uma forma em geral, e as poucas referências positivas de seu pertencimento
étnico racial como forma de valorização da identidade negra africana nos
conteúdos escolares. Dessa forma, a produção desse caderno temático vem de
encontro às necessidades encontrada por professores/as em ralação a quase
inexistência de materiais pedagógicos (ou ao acesso a eles) e atividades que
tragam abordagens positivas da contribuição do povo negro brasileiro e afro
descendente.
1.1 O TRABALHO COM AS PROFESSORAS.
O trabalho com as professoras de história que fazem parte do projeto,
teve início na semana pedagógica; momento de apresentação do projeto para
a comunidade escolar e o material didático. Nesse primeiro momento, houve
questionamentos por parte de professores e professoras de outras disciplinas,
sobre o porquê o projeto iria trabalhar somente a contribuição da população
negra e não dos demais povos/etnias que também contribuíram na formação
cultural, política e econômica do Brasil. (― somos todos iguais, e a valorização
de uma cultura sobre a outra é que configura o racismo‖). O questionamento
inicial propiciou um processo de discussão no sentido da fomentação de um
debate que diz respeito à superação de um conceito, ainda impregnado na
sociedade brasileira, reproduzido fortemente dentro do ambiente escolar: ―o
Mito da Democracia Racial‖. Segundo Munanga, (2008, p. 77). Essa teoria
cunhada por Gilberto Freire,
[...] exalta a idéia de convivência harmoniosa entre os indivíduos de todas as camadas sociais e grupos étnicos, permitindo às elites dominantes dissimular as desigualdades e impedindo os membros das comunidades não-brancas de terem consciência dos sutis mecanismos de exclusão das quais são vitimas na sociedade
A partir dessa discussão, foi possível iniciar um processo de diálogo e de
aprendizagem que contribuiu fortemente para o início e o desenvolvimento das
atividades com os/as professores/as.
A primeira fase foi um momento de justificar a importância do projeto
para a disciplina de história, a partir dos movimentos de resistência e de luta do
movimento negro ao longo da história do Brasil. Esse processo possibilitou,
após séculos de luta, alguns avanços e conquistas principalmente na área
educacional. Esse foi um momento importante de estudo e discussão com as
professoras de história e outros/as que se interessaram pelo tema. A partir das
leituras e das discussões acerca da história de resistência e da legislação que
trata da temática, foi possível pensar em conjunto o possibilidades
metodológicas que enriqueceram o material pedagógico. O momento de estudo
da Legislação e dos fatores históricos que as produziram foram importantes
para desmistificar a idéia de que toda legislação existente sobre a temática da
Obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira foi
um processo pacífico ou dádiva do governo brasileiro. Esse foi resultado de
séculos de luta do movimento negro, fator ainda desconhecido por grande
parte dos/as educadores/as.
1.2 O TRABALHO COM OS/AS ALUNOS/AS
O primeiro contato com os/as educandos/as da EJA ocorreu no final do
mês de Março, quando já havia iniciado a discussão com as professoras
acerca da temática e dos materiais que seria trabalhado. Após a apresentação
inicial iniciamos uma discussão sobre diversidade e os preconceitos e
discriminações que as pessoas sofrem por serem diferentes uma das outras.
Eles/as foram apontando algumas situações em que uma pessoa ou eles/as
mesmos eram discriminados/as. O processo de discriminação para eles/as se
dá a partir de características físicas que as pessoas apresentam como peso,
situação social, deficiência física entre outras. Poucas pessoas apresentaram a
questão racial ou étnica como características que fazem com que uma pessoa
seja discriminada. Nesse sentido também é forte os efeitos da chamada
―Democracia Racial‖, permeando as relações entre as pessoas e ocultando as
diferenças sociais e a exclusão dos/as não brancos na sociedade brasileira. É
percebível na fala dos/as educandos/as, reflexo de um processo produzido
historicamente do qual, as pessoas pouco questionam ou se dão conta. Diz
respeito as formas de preconceitos, discriminações e exclusão presentes no
dia a dia, naturalizadas em atitudes e comportamentos impostos por uma
sociedade racista. Nesse sentido, o entendimento é de que a educação é um
dos elementos fundamentais na superação dessa realidade. Ficou muito
evidente na fala dos/as alunos/as que as pessoas são mais discriminadas pela
questão social e que a raça/etnia não se configura em parâmetros para afirmar
que a pessoa está sendo discriminada somente pela cor da sua pele. A partir
dessas falas foi realizado um trabalho sobre os principais indicadores sociais e
raciais no Brasil, de forma à construir um outro conhecimento, baseado nos
dados apresentados pelas estatísticas atuais sobre desigualdades raciais no
Brasil.
É necessário estabelecer mecanismos pedagógicos de abordagem da
realidade das desigualdades existentes entre negros e brancos na sociedade
brasileira como apontam os principais organismos de estatística e de pesquisa
como o Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) ou o Fundo de
desenvolvimento das Nações Unidas para as Mulheres (Unifem). As pesquisas
realizadas,
Mostram que grandes diferenças raciais marcam praticamente todos os campos da vida social brasileira. Seja no que diz respeito a educação, saúde, renda, acesso a empregos estáveis, violência ou expectativa de vida, os negros se encontram submetidos às piores condições. (JACCOUD, 2008, p.135)
Especificamente, quando tratamos da questão da educação, o que se
percebe é um sistema educacional no Brasil, que excluem grande parte da
população negra das instituições de ensino regular, fator que os faz retornar
mais tarde na EJA, tendo em vista que, como aponta Osório, (2008, p. 89)
―Para os negros, a passagem pelo sistema educacional é ainda mais
importante que para os brancos, pois essa é a única forma pela qual podem
eventualmente superar as desigualdades de origem, qualificando-se para
aproveitar os canais de mobilidade ascendente‖. Essa realidade ficou
evidenciada no questionário diagnóstico apresentado, onde dos 43 (quarenta e
três) educandos/as pesquisados/as, 32 (trinta e dois) se auto declararam pretos
ou pardos. Desses, 28 (vinte e oito) afirmaram que voltaram a estudar para
melhorar de vida.
A partir desse diagnóstico percebe-se a importância de materiais
didáticos que fortaleçam a identidade desses/as educandos/as, contemplando
a história de seus antepassados, os movimentos de resistências e as
personalidades que contribuíram para a formação cultural, social, política e
econômica do Brasil. Nesse sentido, um trabalho sobre História do Brasil,
contemplando os mecanismos que colocaram e ainda colocam a população
negra em desvantagem em relação à população não negra é fundamental para
o entendimento das relações de preconceitos, discriminações e de exclusão da
população negra no Brasil.
Foi nessa relação de diálogo entre professoras e educandos/as que
conseguimos construir juntos/as um material pedagógico que pode contribuir
com a prática pedagógica de professores/as de história e de outras disciplinas
da matriz curricular.
2. CONCLUSÃO
A realização desse trabalho apresentou questões que acredito, devem
ser priorizadas como importantes fontes de discussão da realidade racial
dentro das instituições de ensino. As observações que se seguem, estão
relacionadas às falas dos/as educandos/as, das professoras que participaram
da implementação do projeto e de outras pessoas que fazem parte da
comunidade interna escolar. É importante que, em se tratando do racismo
presente na sociedade, torna-se fundamental que toda comunidade escolar
esteja num processo continuo de aprendizagem.
Num primeiro momento há uma preocupação em relação ás professoras
que reafirmam existir ainda pouco material que trata da História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana. Ou o acesso a esses materiais ainda são difíceis até pela
dinâmica da organização escolar . Elas dizem que os livros didáticos utilizados
quase nunca abordam a temática e quando o fazem é de forma
descontextualizada e/ou pejorativa. Nesse sentido a implementação do projeto
foi satisfatória e cumpriu com os objetivos propostos. Esses tinham por
finalidade, trazer referenciais positivos de personalidades negras, que não
aparecem nos livros de história, mas que foram importantes no processo de
resistência tanto a escravização, quanto nos movimentos de luta por igualdade
de direitos e melhores condições de vida da população negra. O Material
também apresenta negros e negras que travaram lutas no processo de
superação das discriminações sofridas em decorrência do período de
escravidão. Nesse sentido, podemos afirmar que tanto a Lei 10.639/03, quanto
todos os demais marcos legais que surgiram a partir daí foram resultado da luta
do movimento organizado de negros e negras ao longo da história brasileira
que não aparecem nos currículos escolares.
Na atualidade, percebe-se uma significativa produção de materiais
didáticos como filmes, documentários, revistas especializadas, musicas, sítios,
livros entre outros que tratam da temática. O material didático apresentado e
implementado na escola, apresentou várias sugestões desses materiais que
podem auxiliar professoras e professores em suas práticas pedagógicas em
sala de aula. Trouxe também indicações de entidades do movimento negro
organizado que realizam atividades no campo cultural, político, social e
educacional relacionadas a contribuição dos vários países africanos e da
população negra no Brasil. Como espaço de produção do conhecimento, essas
entidades do Movimento Negro devem ser chamadas para o espaço escolar no
sentido de contribuir na organização dos conteúdos curriculares, já que
algumas dessas entidades estão organizadas muito próximas das escolas.
A percepção que se tem nesse processo de implementação, é de que
mesmo depois de séculos de luta e resistência do Movimento Negro, ainda se
constata fortemente a presença perversa do racismo na sociedade brasileira e
a escola como um mecanismo ainda muito eficiente de reprodução dessa
realidade.
As discussões e os resultados, deram conta dos problemas encontrados
ainda hoje nos os livros didáticos que se configuram em importantes
instrumentos pedagógicos no processo de superação do racismo e da
discriminação em sala de aula. Os materiais didáticos em sua grande maioria,
mesmo quando ainda reproduziram estereótipos acerca da população negra,
devem ser objetos de questionamentos em sala de aula, no sentido da
compreensão e da intencionalidade presente nesses materiais. A escola deve
ser o lugar da produção do conhecimento. Nesse sentido, os/as professores/as
reafirmam que denunciar e questionar junto aos/as alunos/as essa realidade
sempre que verificada nos materiais, pode ser uma ação eficaz no processo de
combate ao racismo e toda forma de discriminação no ambiente escolar. As
ações de toda comunidade escolar no sentido de avaliação dos materiais, nas
discussões, nos momentos pedagógicos e sempre que essa realidade for
percebida no ambiente escolar, podem contribuir também para avançarmos na
superação de atitudes racistas e discriminatórias. Nesse sentido podemos
avançar na valorização das contribuições positivas da população negra na
construção da sociedade brasileira, ao lado de todas as demais etnias que
também participaram desse processo na história do Brasil.
Nesse sentido conclui-se que não há como negar que há discriminação
e racismo nas práticas escolares. É necessário nesse contexto, fortalecer as
ações de implementação das políticas de ações afirmativas para minimizar
séculos de exclusão e violência contra a população negra. A promulgação da
Lei 10.639/03, bem como seus desdobramentos Estaduais e Municipais,
representou um importante passo no processo da valorização e do respeito a
população negra no Brasil. Essa legislação possibilitou um processo de,
visibilização e discussões do racismo que se reproduz na sociedade como um
todo e principalmente nos espaços escolares atingindo de forma direta
crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos negros e negras. A legislação
por si só, não garante que práticas construídas durante séculos de exploração,
de invizibilização e de discriminação de uma população/etnia sejam superadas
facilmente. É necessário uma ação conjunta, um projeto de nação que valorize
e respeite as diferenças. É fundamental criar um ambiente onde negros e
negras se percebam representados/as, respeitados e que tenham seu
pertencimento étnico valorizado, assim como as demais etnias nos espaços
escolares.
Tanto as professoras que fizeram parte do projeto, quanto os/as
educandos/as reafirmaram que o material apresentado vai ser de grande
importância. Para as professoras o material deve representar um importante
referencial no trabalho sobre as relações étnico raciais em sala de aula, bem
como as indicações de livros, filmes, documentários, músicas e sítios
apresentados. Para os/as educandos/as foi muito gratificante perceber a
reação diante da curiosidade em conhecer outras personalidades negras que
foram importantes para a história brasileira.
Espera–se que esse material possa contribuir com outros/as
professores/as, de outras áreas do conhecimento e modalidades que tenham
interesse em pensar uma educação que respeite e valorize todas as
contribuições das etnias na formação cultural, social, política e econômica do
Brasil. O projeto desenvolvido vem de encontro a essa realidade. Pretende
contribuir também, para que professores/as tenham mais subsídios
pedagógicos e metodológicos, que os/as auxiliem em suas práticas de ensino
aprendizagem, no sentido da superação do racismos e de todas as formas de
preconceitos e discriminações existentes ainda hoje no ambiente escolar.
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