Antes de concluir o tema da prova em relao tutela inibitria,
cumpre analisar, ainda que brevemente, a questo da modificao do nus
da prova, como critrio vlido de lidar com a questo probatria em aes
inibitrias
nus da Prova e sua Modificao no Processo Civil Brasileiro
Srgio Cruz Arenhart
Procurador da Repblica. Ex-juiz Federal
Mestre e Doutor em Direito pela UFPR..
Professor da UFPR e da UTP.
1. Consideraes iniciais
Ningum tem dvida de que o processo civil moderno deve
atualizar-se para fazer frente s necessidades do direito material e
da nova dinmica da sociedade contempornea. Tampouco se duvida de
que esta mudana no pode depender apenas de alteraes legislativas,
pois estas, muitas vezes, demoram a ocorrer. Impe-se, ento, buscar
aprimorar o processo tambm com a evoluo na interpretao judicial,
com o manejo mais ajustado das tcnicas processuais postas disposio
do juiz e com o preenchimento das lacunas legais, sob o vento das
garantias constitucionais.
A regra do nus da prova insere-se hoje nesta perspectiva:
constitui ela um dos pontos em que se debrua a doutrina para
imprimir necessrias alteraes no sistema processual, tornando-o mais
prximo realidade do direito material. A adequada manipulao desta
regra e a extrao de seu inteiro potencial representa necessria
tarefa para a consecuo de um processo efetivo, capaz de traduzir as
peculiaridades de cada direito, garantindo, assim, eficazmente, o
princpio do acesso justia. De fato, o nus da prova importa em
relevante aspecto a ser disciplinado minuciosamente, quando se est
diante de fatos cuja prova complexa ou revela certa
particularidade. Com efeito, atribuir-se a prova de certa alegao de
fato a uma parte ou a outra (rectius, atribuir-se o nus da no-prova
a uma parte ou a outra) pode determinar o sucesso ou o fracasso da
demanda, j que no raro esta prova altamente complicada, muito
dispendiosa ou mesmo impossvel. Como cedio, o nus da prova importa
em relevante aspecto a ser disciplinado minuciosamente, quando se
est diante de fatos cuja prova complexa ou revela certa
particularidade. No h dvida de que, muitas vezes, o grande
complicador do processo a prova: seja por seu custo, seja pela
dificuldade (ou mesmo impossibilidade) em obt-la, a atribuio da
carga da prova de certo fato (ou de sua falta) a uma das partes
pode, sem dvida, resultar em importante privilgio ou em grave fardo
a esta.
Exemplo dessa importncia revela-se na dimenso das relaes de
consumo. A autorizao legal para que o juiz modifique este nus em
certas circunstncias, assim como a imputao prvia do nus (em relao a
certos fatos) ao fornecedor, simplifica sobremaneira a situao
processual do consumidor, facilita a tutela de seus interesses e
constitui, por vezes, a nica forma de permitir que o consumidor
apresente sua demanda em juzo.
O significado da manipulao do nus da prova naquele microssistema
pode indicar seu relevo para outras situaes. Com efeito, outros
tipos de interesses, com muita freqncia, ocasionam dificuldades na
sua proteo, dificuldades estas muitas vezes relacionadas com a
dificuldade na demonstrao do interesse do direito no processo. Eis,
ento, a justificativa deste breve trabalho: buscar apreciar como se
comporta a regra do nus da prova, apreciando as condies que
autorizariam a sua modificao, j que esta possibilidade para alm dos
campos do direito do consumidor pode importar significativa condio
para a tutela de legtimos interesses.
2. A Regra sobre o nus da Prova
Parece desnecessrio dizer que a regra do nus da prova,
preconizada (em linhas gerais) no art. 333, do Cdigo de Processo
Civil, assenta-se em premissa objetiva, repartindo esse nus da
seguinte forma: cumpre ao autor o nus da prova em relao aos fatos
constitutivos de seu direito e ao ru o nus semelhante em relao aos
fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do
autor.
Antes de tratar da aplicao da regra em comento no regime do
Cdigo de Defesa do Consumidor, convm apontar a maneira como esta
regra vem sendo interpretada pela doutrina. Desnecessrio dizer que
ao contrrio do que se pode pensar o direito brasileiro no impe o
nus da prova quele que alega o fato. Independentemente de quem
afirma o fato no processo, como visto acima, o nus probatrio a seu
respeito distribudo segundo regras objetivas e fixas, de modo que
se atribui ao autor esse nus em relao aos fatos constitutivos de
seu direito e ao ru o nus referente prova dos fatos modificativos,
extintivos e impeditivos do direito do autor (CPC, art. 333). Deste
modo, ainda que tenha o ru afirmado, em sua contestao, um fato
constitutivo do direito do autor (como existente ou no), ou mesmo
que tenha o autor apontado, em sua petio inicial, fato extintivo de
seu direito (tambm como existente ou no), tais circunstncias no tm
o efeito de alterar o onus probandi, incidindo, ainda assim, a
regra objetiva nesse caso.
Por bvio, a grande questo que encerra esta forma de distribuio
do nus da prova se liga exata caracterizao dos fatos que devem ser
caracterizados como constitutivos do direito do autor e aqueles
outros a serem tidos como extintivos, modificativos ou impeditivos
daquele. O tema demanda estudo aprofundado, que no tem espao neste
contexto. Todavia, pode-se dizer, de modo singelo, que a determinao
desta qualidade da afirmao do fato se d com base na apreciao da
norma a incidir no caso concreto. Assim, sero constitutivos os
fatos que compem o substrato ftico da norma que gera o efeito
pretendido pelo autor; a seu turno, sero modificativos, extintivos
ou impeditivos os fatos que integram as normas modificativas,
extintivas ou impeditivas, capazes de eliminar o efeito jurdico
buscado pelo demandante.
Outro ponto que merece ser esclarecido liga-se natureza das
regras que fixam a distribuio do nus probatrio entre as partes.
Discute-se se corresponde esta disciplina a uma regra de
procedimento indicando quem deve provar o que, no processo ou uma
regra de julgamento designando como o magistrado deve julgar diante
da falta de prova sobre certo ponto controvertido do processo.
Embora conduzam a conseqncias similares, cada qual destas orientaes
defende distinta opinio em relao funo e ocasio em que esta regra
tem aplicao.
Para a primeira teoria (a que v na regra sobre nus da prova uma
regra de procedimento), a disciplina em questo tem por finalidade
reger a conduta das partes no processo, distribuindo entre elas o
papel de trazer as provas para o processo. Assim, tocaria ao autor
produzir a prova dos fatos constitutivos de seu direito e ao ru
produzir a prova dos fatos modificativos, extintivos e impeditivos
do direito do autor. Se a regra em comento corresponde a uma
normatizao de procedimento (das partes), ento indica a quem cabe a
prova de que fato no processo. Sua funo, pois, de disciplinar quem
tem a imposio de trazer a prova sobre certo fato ao processo e
convencer o magistrado sobre a existncia (ou inexistncia) da alegao
formulada sobre o ponto controvertido; evidentemente, em sendo isto
verdade, a regra incide na fase inicial do processo, j que as
partes devem saber, de antemo, quais provas devem trazer ao
processo para que sua tese seja acolhida pelo magistrado. Se esta
viso mais correta, ento as regras que distribuem o nus da prova
destinam-se diretamente s partes, para comunicar-lhes como devem
agir para ter sucesso no acolhimento de suas verses pelo juiz.
Para a outra viso existente a respeito do assunto, as regras de
repartio de nus da prova so regras que se prestam no a determinar a
conduta das partes mas a influir na forma do julgamento do juiz,
caracterizando-se, pois, como regras de julgamento. Por outras
palavras, a funo destas regras indicar s partes qual prova devem
elas produzir, mas sim informar ao magistrado como deve ele julgar
quando verifica no processo a ausncia de prova sobre certa afirmao
de fato.
Esta viso se sustenta na premissa de que as partes tm direito
prova e, conseqentemente, dever de produzir prova de modo que no se
pode transmudar este direito em nus. Por outro lado, esta orientao
no deixa de lado a constatao de que as partes tm, sempre, interesse
em produzir provas, seja em relao aos fatos dos quais diretamente
lhes resulta benefcio, seja no concernente inexistncia dos fatos
que podem prejudicar-lhes (a chamada contra-prova). Mais que isso,
esta concepo no se esquece de que, segundo a legislao atual, nem s
as partes produzem prova no processo semelhante papel tambm
desempenhado pelos terceiros, pelo Ministrio Pblico, quando atua
como custos legis, e tambm pelo magistrado, que tem ativa e
predominante funo na colheita de prova, como prev o art. 130, do
cdigo.
Diante de todo este quadro, considera esta teoria que todos
estes agentes partes, terceiros, Ministrio Pblico e tambm o juiz
buscaro trazer provas para o processo, que objetivem o
convencimento do magistrado a respeito dos fatos que interessam ao
deslinde do litgio. Se, porm, concluda toda a instruo do processo,
perceber o magistrado que certa afirmao de fato deduzida no est
provada nos autos, nem por isso poder negar-se a julgar a causa.
Ter de decidir a controvrsia, imputando o nus da ausncia de prova
sobre aquela afirmao de fato a alguma das partes; para saber a quem
este prejuzo deve ser atribudo que o juiz se valer das regras de
distribuio do nus da prova. Na lio de CAPPELLETTI, le regole in
tema di onus probandi hanno carattere rigorosamente sussidiario:
esse, diversamente dalle regole sullonere di alegazione, non
corrispondono ad un potere monopolistico di prova della parte
onerata, e pertanto sono tali, che vengono in considerazione
soltanto nella ipotesi di mancanza di prove, hanno insomma il fine
ed effetto di render possibile al giudice di giudicare anche
nelleventualit di mancanza di prove.
A funo da regra do nus da prova, pois, no seria a de disciplinar
a conduta das partes, mas sim a de orientar o julgamento do
magistrado. Sempre que o juiz, ao ser instado a decidir a
controvrsia, no se sinta seguro em relao aos fatos (no vendo mais
qualquer possibilidade de buscar prova a seu respeito), mantendo
ainda assim o dever de julgar, dever decidir segundo os critrios
atribudos pela regra de nus da prova. Assim, entender que o fato no
existe em prejuzo do autor, se se tratar de fato constitutivo do
direito deste; prejudicar, todavia, ao ru, quando a falta de prova
se der sobre fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito
do demandante.
Parece que esta ltima opinio a que melhor se harmoniza com a
orientao do Cdigo de Processo Civil atual. Em razo dos preceitos
que orientam o sistema probatrio da legislao atual, enxergar nesta
regra uma direo ao julgamento do magistrado. Afinal, no importa a
origem da prova, a regra do nus da prova no probe a utilizao de uma
prova oriunda por algum que no tenha o nus em seu aporte ao
processo. Para o processo, importa apenas que a prova de certa
afirmao de fato esteja ou presente; sua origem completamente
irrelevante. Neste sentido, a regra do nus da prova visa a regular
no os deveres das partes (ao menos de forma direta), indicando quem
deve provar o que no processo, mas antes a forma como o magistrado
deve julgar a causa diante da ausncia de prova de certa afirmao de
fato. A regra, portanto, no incide no incio do processo, de forma a
apresentar s partes como devem comportar-se, seno ao seu final,
quando do julgamento da causa ou, excepcionalmente, em outro
momento processual, por ocasio da anlise de alguma liminar
requerida quando exauridas as formas de tentar obter a prova de
todos os fatos relevantes ao processo. A regra de nus da prova,
enfim, determinao voltada ao juiz, para apontar-lhe como deve
julgar a causa e como deve considerar as afirmaes de fato diante da
impossibilidade concreta de produzir-se prova sobre determinada
alegao de fato.
Isto, todavia, no invalida a outra teoria a propsito da funo da
regra do nus da prova. Na realidade, as duas teorias no so
excludentes, mas complementares, representando apenas duas faces de
um mesmo fenmeno. Se verdade que esta regra se dirige ao juiz,
possvel tambm dizer que, indiretamente, ela se destina s partes.
Afinal, ciente a parte de que a ausncia de prova sobre certa
afirmao de fato poder vir em seu prejuzo, ter ela motivao
suficiente para empenhar-se em produzir prova sobre aquele fato, de
forma a evitar a supervenincia do gravame, caso os demais sujeitos
do processo no tragam a prova ao processo. Alis, nesta linha de
pensamento, seria mesmo correto concluir que quanto mais o processo
se aproxima do princpio dispositivo (em que o juiz deve julgar
estritamente secundum allegata et probata partium) tanto mais estas
duas teorias se convertem em duas faces de uma mesma moeda; apenas
quando o processo oferece maiores concesses para o princpio
inquisitrio surge o interesse na contraposio das idias. Desta
feita, se a regra tem em mira, primariamente, a figura do juiz, no
se pode negar que ela exerce, de forma reflexa, influncia sobre a
conduta das partes, j que o prejuzo da ausncia de prova de certas
afirmaes de fato sempre recair sobre uma ou outra destas. Por este
motivo, ainda que a incidncia desta regra apenas se opere ao final
do processo, quando do julgamento da causa, conveniente ainda que
no seja imperativo que o magistrado assinale s partes, com
antecedncia, qualquer deciso sua a respeito de eventual modificao
dos critrios de imputao deste nus, a fim de que as partes possam
saber, ex ante, sobre quais afirmaes de fato devem empenhar-se em
produzir prova.
Sublinhe-se que este aviso anterior (sobre a modificao do regime
do nus da prova) conveniente, mas no obrigatrio para o juiz. Isto
porque no se pode falar em leso ampla defesa e ao contraditrio em
razo da modificao dos critrios do nus da prova, sendo a regra,
naturalmente, destinada a incidir quando do julgamento da causa. No
h leso a tais garantias constitucionais simplesmente pelo fato de
que as partes no tm disponibilidade sobre as provas que detm e que
so de interesse do processo; dever das partes apresentar todas as
provas que possuem e que possam ter alguma importncia para o
processo, como claramente decorre do dever de veracidade, estampado
no art. 14, inc. I, do Cdigo de Processo Civil (e como ainda seria
possvel extrair da interpretao a contrario sensu do art. 14, inc.
IV, do mesmo diploma). No h, por isso mesmo, que se falar em
surpresa da parte, diante da inverso do nus da prova em seu
prejuzo; se ela no produziu a prova que poderia fazer, faltou ela
com dever processual, no podendo esta omisso ser invocada em seu
benefcio.
Calcado nestas premissas, possvel dizer que, se a regra do nus
da prova dirige-se o magistrado, esclarecendo-lhe a forma de
proceder diante da ausncia de prova, a manipulao desta regra pode,
em no raras circunstncias determinar alteraes radicais na situao
favorvel ou desfavorvel da parte diante do tema da prova. Com
efeito, lidando com o regime do nus da prova, imputando-o por vezes
a uma parte ou a outra, o ordenamento processual acaba por
facilitar ou dificultar a posio da parte no processo, pois atribui
a esta maior ou menor prejuzo pela ausncia de prova (ou,
especialmente, de prova concludente e absoluta) das afirmaes de
fato no processo.
Concluindo esta parte inicial, cumpre lembrar que a regra em
comento no tem carter cogente. Ao contrrio, possui ela natureza
dispositiva, de modo a permitir alterao de regime. Esta alterao, a
propsito, pode decorrer da vontade das partes, mas tambm se
subordina a inmeras outras formas. Mais que isso, a modificao da
distribuio desta carga pode operar-se por determinao legal (como,
alis, bvio), bem como por determinao judicial.
3. A Modificao do nus da Prova
Vrias circunstncias podem determinar a modificao do regime do
nus da prova, exposta na forma do art. 333, do CPC. As condies para
tanto so da mais diversa natureza, sendo que a classificao adiante
exposta representa to-s tentativa de agrup-las em categorias mais
ou menos homogneas, a fim de permitir tratamento mais didtico da
questo.
Segundo estas condies, pode-se conceber quatro formas de
modificao do regime do nus da prova: a convencional, a legal, a
judicial e a necessria. Esta ltima, na verdade, poderia ser melhor
colocada como subespcie da anterior (judicial), mas sua alocao em
separado responde a particulares requisitos de sua incidncia e
fonte constitucional de sua admisso.
Outro reparo que merece ser desde logo apontado diz com o termo
inverso, geralmente empregado para tratar do tema aqui apreciado.
Na realidade, no existe caso de inverso prpria do regime do nus da
prova, j que esta deveria consistir em imputar ao ru o nus da prova
dos fatos constitutivos do direito do autor e ao autor a carga da
prova dos fatos modificativos, extintivos e impeditivos de seu
prprio direito. Ora, nenhuma hiptese existente no direito
brasileiro contempla semelhante previso, de modo que no se deve
falar, ao menos propriamente, em inverso do nus da prova. O que
existe, sempre, uma modificao no regime tradicional do nus da
prova, de forma a imputar a (falta de) prova de determinados fatos
de maneira diferente daquela realizada pela regra do art. 333, do
CPC. As situaes estudadas, portanto, limitar-se-o a distribuir, de
forma diversa do regime padro, o nus da prova entre os sujeitos do
processo, pelas vrias circunstncias que sero, a partir de aqui,
examinadas.
3.1. A Modificao Convencional
A primeira forma de modificao do nus da prova a convencional.
Esta, como se tem por evidente, a que resulta de conveno entre as
partes. Como visto anteriormente, a regra do art. 333, do CPC, de
cunho dispositivo, podendo ser livremente alterada (dentro de
certos limites) pelas partes. Esta concluso ressai evidente da
interpretao a contrario sensu do pargrafo nico do art. 333, em
questo. Como esclarece este dispositivo, nula a conveno que
distribui de maneira diversa o nus da prova quando: I recair sobre
direito indisponvel da parte; II tornar excessivamente difcil a uma
parte o exerccio do direito.
Ora, se apenas em tais casos proibida a conveno que distribua de
forma diversa o nus da prova entre as partes, em todas as demais
situaes esta conveno admitida. Trata-se, portanto, de verdadeiro
negcio jurdico processual, admitido desde que satisfeitos os
requisitos para a validade de qualquer negcio jurdico (agentes
capazes, objeto lcito e forma admitida em lei).
Assim, desde que os sujeitos (partes) sejam capazes capacidade
de ser parte e capacidade de estar em juzo e desde que intervenham
neste acordo todas as partes que sero atingidas pela distribuio
distinta do nus da prova, vivel realizar-se esta modificao.
Sublinhe-se, todavia, que este acordo poder, eventualmente, ser
invocado para afastar os efeitos da possvel sentena desfavorvel por
terceiros prejudicados, ainda que intervenientes no processo,
quando, por sua incidncia, a defesa dos interesses destes terceiros
puder vir a ser afetada. Em tais casos, demonstrando a ocorrncia do
prejuzo em decorrncia desta modificao convencional do nus da prova,
o terceiro poder afastar o efeito de interveno (art. 55, inc. I, do
Cdigo de Processo Civil), exigindo reapreciao judicial de suas
alegaes.
Quanto licitude do objeto para este negcio processual tem-se que
qualquer causa, ressalvadas as hipteses apresentadas no pargrafo do
art. 333, autoriza a elaborao deste acordo. Tambm no permitem a
elaborao desta modificao as relaes de consumo, sempre que esta
inverso venha em prejuzo do consumidor (art. 51, inc. VI, do Cdigo
de Defesa do Consumidor). Outrossim, no admitem modificao do nus da
prova as situaes em que normas ditadas no interesse pblico (e,
portanto, de carter cogente) atribuem o nus de certa prova a algum.
Como se est, aqui, diante de regra de contedo impositivo
(inafastvel pela vontade das partes), obviamente no ter cabimento a
modificao convencional do nus da prova nestes casos. Desse modo,
sempre que, por exemplo, existir regra que fixe presuno legal
relativa em relao a determinado fato, sendo esta regra
caracterizada como de ordem pblica, no ser admissvel a alterao de
seu contedo, atravs da manipulao convencional do nus da prova.
Em relao, finalmente, forma da modificao convencional, a lei no
impe modo pr-determinado. Admite-se, pois, que esta modificao seja
veiculada por qualquer forma. Poder esta conveno ser realizada
dentro do processo ou fora dele; poder ela constar de contrato,
como clusula especfica (a fim de prevenir futura demanda, ou
facilitar a condio de uma das partes nesta), ou poder ser objeto de
pacto especfico; poder versar sobre vrias afirmaes de fato ou
apenas sobre algum dos pontos do processo. No h, enfim, limite
formal para esta conveno.
Poder-se-ia cogitar, eventualmente, de requisito formal
especfico para a conveno sobre nus da prova naqueles casos em que a
lei material exige certa forma para atos jurdicos (a exemplo dos
arts. 108, 1.369, 1.653, 1.793 e 2.015 do Cdigo Civil atual). Em
tais casos, seria possvel pensar que, como a lei exige a escritura
pblica para a validade do negcio jurdico a respeito de tais
matrias, a mesma forma seria exigvel para a conveno a respeito do
nus da prova. No parece, todavia, adequada esta concluso.
Na realidade, a conveno que aqui se estabelece sobre a prova de
afirmao de fatos. No h qualquer disposio a respeito dos direitos
envolvidos (para cuja disposio se exige a forma especfica). No tem,
portanto, cabimento estender o requisito de validade dos negcios
jurdicos a respeito de tais direitos para abranger tambm o negcio
jurdico processual, incidente sobre a prova de afirmao em relao
queles atos. H, portanto, liberdade de forma sempre no que diz
respeito a esta conveno.
A nica ressalva que se admite diz respeito a eventuais
exigncias, feitas pelo direito material, em relao a clusulas como a
aqui examinada. Exemplificativamente, tem-se a regra do art. 424,
do novo Cdigo Civil, que determina que em contratos de adeso,
tratando ou no de relao de consumo, so nulas as clusulas que
estipulem a renncia antecipada do aderente a direito resultante da
natureza do negcio. Pode suceder que a clusula que modifique o
regime do nus da prova conflite com o comando acima exposto. Nestes
casos, obviamente, no ser ela admissvel.
Pontes de Miranda, argumentando sobre este preceito, considera
que os prprios contratantes podem estabelecer que somente alienar
algum bem mvel ou semovente, se a prova do depsito em pagamento foi
em determinado banco, ou que s recebe cheque visado. Na verdade,
parece no ser disso que o dispositivo trata. Todavia, a fixao de
certo meio especfico de prova para a demonstrao de determinado fato
em juzo como cogitado pelo autor, deve, realmente, ser admitida,
ainda que sob fundamento distinto: no tem ela por base o pargrafo
nico do art. 333 em comento, mas sim a apreciao dos requisitos
formais do negcio jurdico celebrado entre as partes (a respeito do
direito material).
3.2. A Modificao LegalA modificao legal decorre, como o prprio
nome indica, de expressa determinao inserida em texto legislativo.
Neste caso, a lei claramente estabelece outro regime (distinto do
critrio apresentado pelo art. 333, do Cdigo de Processo Civil) de
atribuio do nus da prova, de forma a facilitar a situao processual
de alguma das partes no processo. Tal o caso da previso contida no
Cdigo do Consumidor (art. 6o, inc. VIII), em que expressamente se
contempla a inverso do nus da prova em benefcio do consumidor, como
tcnica de facilitao da defesa de seus direitos. Da mesma forma,
apresenta-se esta figura na idia que subsidia as presunes legais
(especificamente as relativas). A previso de uma presuno legal
relativa nada mais faz do que colocar alguma das partes em situao
de privilgio, atribuindo ao seu adversrio a demonstrao de que o
fato presumido no se operou.
3.2.1. O Regime do nus da Prova no Cdigo de Defesa do
Consumidor
a) Observaes gerais
O Cdigo de Defesa do Consumidor aplica amplamente a tcnica de
manipular o regime do nus da prova. Em vrios preceitos se encontra
alterao em relao ao regime padro (estabelecido pelo Cdigo de
Processo Civil), o que se explica em razo da peculiaridade das
relaes sujeitas a este estatuto. A ateno deste trabalho se focar
apenas em razo da limitao imposta por estas curtas linhas na regra
do art. 6o, inc. VIII, desta lei, por se tratar do preceito geral
de modificao do regime do nus da prova e por ser aquele que mais
dificuldade tem apresentado atuao prtica.
Como cedio, de acordo com este preceito, autoriza-se ao
magistrado a inverso do nus da prova sempre que presente ou a
hipossuficincia do consumidor, ou a verossimilhana de sua alegao.
Nestes casos, poder o magistrado atribuir ao fornecedor a prova de
fatos que, normalmente, estariam na incumbncia do consumidor ou, na
outra viso do assunto, impor quele o nus da no-prova de certos
fatos cuja falta normalmente redundaria em prejuzo ao
consumidor.
No se trata, frise-se desde logo, ao contrrio do que parece
exsurgir da redao explcita do dispositivo mencionado, caso de
inverso do nus da prova. A inverso conduziria a que se imputasse ao
ru a prova do fato constitutivo do direito do autor (em verdade da
ausncia deste), e ainda ao autor a prova da ausncia de fatos
modificativos, extintivos ou impeditivos da pretenso por ele mesmo
deduzida. Obviamente, no isto o que ocorre. Em verdade, o que a
legislao autoriza a distribuio diferenciada do nus da prova, de
modo a facilitar a defesa do consumidor em juzo, atribuindo ao
fornecedor o nus da prova de fatos que, normalmente, no lhe
competiriam.
A regra em comento tem incidncia, porque rege o julgamento da
causa e no o procedimento das partes, e como, alis, j parece estar
claro da exposio antes realizada, apenas por ocasio da prolao da
sentena ou, excepcionalmente, quando da avaliao de alguma tutela
liminar (cautelar ou antecipatria) cabvel. De fato, somente nesta
ocasio, em que o magistrado solicitado a decidir a controvrsia
(provisria ou definitivamente), dever ele avaliar a prova presente
nos autos e impor o nus da falta de prova relevante para o processo
a alguma das partes. O tema j foi versado anteriormente, razo pela
qual, diante da falta de ulteriores particularidades, dispensa
maiores comentrios.
Note-se ainda e parece que isto fundamental que a modificao do
nus da prova, como afirmado pelo Cdigo de Defesa do Consumidor nada
mais que um reflexo do princpio fundamental deduzido no seu art.
6o, VIII. Ou seja, a garantia expressa no preceito em exame no ,
verdadeiramente, a modificao do nus da prova, mas sim a facilitao
da defesa dos interesses do consumidor em juzo, sendo a tcnica da
modificao do onus probandi apenas uma forma de atingir este
objetivo.
Assim, tudo aquilo que se for especular a respeito da aplicao
desta regra deve considerar essa premissa maior a facilitao da
defesa do consumidor sendo invivel extrair da norma qualquer coisa
que afronte essa finalidade. Por outro lado, sendo essa a garantia,
nem sempre ser suficiente a modificao do nus da prova, podendo o
magistrado buscar outras solues para facilitar a defesa dos
interesses do consumidor em juzo. Parece que este dado deve ser
sempre considerado quando se examina o preceito em questo: a sua
finalidade de simplificar a condio do consumidor em juzo, sendo que
desta premissa deve decorrer qualquer interpretao que se extraia da
regra.
Por outro lado, e aqui se est diante de imposio constitucional,
esta facilitao da defesa dos interesses do consumidor em juzo no
pode dar-se em detrimento da possibilidade de defesa do fornecedor.
Vale dizer que esta facilitao, imposta pela lei, jamais poder
importar em sacrifcio ao direito de defesa da outra parte. Sempre,
assim, que esta facilitao (inclusive pela tcnica da modificao do
nus da prova) importar em tolhimento concreto do direito da outra
parte em apresentar suas razes, a aplicao do comando em questo no
pode ser admitido, pois viola regra maior, inscrita no texto
constitucional.
Alis, por esta especfica razo, que normalmente a modificao do
nus da prova no se d em relao ao elemento dano da responsabilidade
civil, limitando-se ao nexo causal e, eventualmente, culpa (sendo,
porm, que tambm a estes dois elementos o raciocnio a seguir pode
ser aplicado). Ora, sabido que o fornecedor no tem ao menos
normalmente condio de provar a inexistncia de dano sofrida pelo
consumidor, mesmo porque no se prova a inexistncia de um fato.
Impor, assim, esta prova ao fornecedor (com base no art. 6o, inc.
VIII, em questo, ainda que presentes os pressupostos nos limites do
que se ver adiante) inviabilizar a defesa de seus interesses,
agindo de forma manifestamente inconstitucional. Haver, portanto,
sempre, de buscar um equilbrio entre estes dois princpios, j que no
se pode admitir que o acolhimento de um obscurea o outro.
b) As hipteses de modificao do nus da prova no regime das relaes
de consumo
Conforme explicita o art. 6o, inc. VIII, do CDC, confere-se,
como direito fundamental ao consumidor, a facilitao da defesa de
seus direitos, inclusive com a inverso do nus da prova, a seu
favor, no processo civil, quando, a critrio do juiz, for verossmil
a alegao ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinrias de experincia.
Haver, portanto, duas hipteses em que esta inverso ser
admissvel: quando houver verossimilhana da alegao do consumidor ou
quando for ele hipossuficiente. Note-se que o preceito legal prev
situaes distintas, no se podendo aceitar a orientao que v a
necessidade da conjugao de ambos os requisitos para a modificao em
questo. De fato, h quem sustente que ser sempre necessrio que surja
a verossimilhana da alegao do consumidor e a sua hipossuficincia
(aliada quela). A tese no pode ser admitida, j que o texto legal
claro em exigir apenas uma das situaes descritas sendo invivel, at
mesmo para atender ao esprito do preceito, exigir-se a conjugao de
ambos os requisitos. Por outro lado, como se ver a seguir, apenas
uma das hipteses descritas corresponde, efetivamente, a situao em
que haver modificao do critrio do nus da prova.
Examinando os casos em que se admite a modificao em questo,
observa-se que a primeira situao admitida pela lei diz respeito
verossimilhana da alegao do consumidor. Precisamente aqui reside a
hiptese que no corresponde, verdadeiramente, a caso de modificao do
nus da prova.
Por esta hiptese, eventualmente, pode suceder que, ao final do
processo, quando da ocasio propcia para o julgamento do processo,
apesar da prova produzida pelas partes, no tenha o magistrado
chegado a convico de certeza em relao s afirmaes das partes
(convico de certeza). Diante desta incerteza, o caminho natural
seria o de aplicar a regra do nus da prova, imputando o prejuzo
decorrente da incerteza a uma das partes do processo (segundo o
tipo de fato ainda tido como obscuro, como visto anteriormente). No
obstante isso, pode-se ter que o magistrado, ainda que no esteja
seguro (certo) a respeito dos fatos, considere provvel que, diante
das provas dos autos, a verso apresentada pelo consumidor seja
verdadeira (ainda, repita-se, que no se tenha, nos autos, provas
conclusivas neste sentido). Trata-se, pois, de situao em que est
presente a plausibilidade de que as afirmaes do consumidor sejam
procedentes, ainda que no exista prova definitiva e inequvoca que
possa subsidiar esta concluso. Neste caso, impedido que est o juiz
de decidir-se pela ausncia de clareza dos fatos (non liquet), dever
ele julgar a causa, em definitivo, calcado exclusivamente em juzo
de probabilidade, modificando o nus da prova em benefcio do
consumidor que apresenta a plausibilidade do fato, em detrimento do
fornecedor, que no foi capaz de abalar tal concluso, demonstrando
ser improvvel a ocorrncia dos fatos afirmados. Assim, em se
tratando de relao de consumo, est o juiz autorizado a julgar a
causa definitivamente fundado em simples juzo de aparncia, desde
que esta aparncia beneficie o consumidor. Ante a impossibilidade de
formar juzo concludente de certeza, poder a sentena da causa estar
lastreada em probabilidade, desde que esta venha em benefcio do
consumidor, e considerando que o fornecedor no tenha conseguido
demonstrar que a tese por aquele apresentada improvvel.
Esta hiptese de modificao do regime do nus da prova, em verdade,
consiste na aplicao direta do princpio da preponderncia, concebido
pelo direito escandinavo e de utilizao corrente na doutrina alem.
Por este princpio, a modificao do nus da prova no se d
exclusivamente quando se altera a regra que imputa este nus ao
autor (quanto ao fato constitutivo de seu direito) ou ao ru (quanto
aos fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do
autor); ao contrrio, a presena de alguma prova mnima j capaz de
alterar este regime do nus probatrio, de forma a imp-lo sobre a
parte adversria, liberando a parte a quem beneficia este mnimo
probatrio at que a preponderncia da prova esteja ao lado da parte
contrria (verossimilhana preponderante).
A situao em questo, portanto, trata em verdade da aplicao do
princpio da verossimilhana preponderante, impondo ao magistrado que
diante deste caso, e apenas quando isso beneficiar o consumidor
possa o juiz afastar a regra do nus da prova (que impe critrios
objetivos para a imputao deste nus), atribuindo o prejuzo da dvida
judicial parte que tem sua tese improvvel, a fim de proteger a tese
provvel.
Como dito, no h propriamente aqui aplicao de qualquer tcnica de
modificao do nus da prova. Se a regra do nus da prova uma regra que
se destina ao juiz para dizer a ele como julgar em caso em que no
atinja juzo conclusivo (convico de certeza) a respeito de como as
coisas aconteceram, claro que em havendo verossimilhana (que
beneficia a alegao do consumidor) a soluo j est feita pelo prprio
caso concreto. O juiz, crendo que o consumidor tem razo, deve
considerar o fato em favor do consumidor, j que sua dvida embora
existente tende contra o outro plo do processo. Sequer haveria
sentido, a propsito, em sustentar que, neste caso (estando o
magistrado mais propenso a considerar existente o fato de interesse
do consumidor, embora no esteja certo a este respeito) desconsidere
toda esta convico (apenas porque no de certeza) para privilegiar o
fornecedor. No h qualquer racionalidade que explique a tutela do
interesse improvvel, com o sacrifcio do interesse provvel, somente
por conta da preservao de um princpio que se presta, apenas, como
orientao ltima deciso judicial.
De toda sorte, e deixada de lado a forma como deve ser encarada
esta hiptese, a verossimilhana em questo deve ser apurada, dentro
do Cdigo do Consumidor, segundo os critrios ditados pelas mximas da
experincia. Estas mximas so juzos hipotticos, a priori em relao ao
fato ocorrido, baseadas na normalidade, na experincia em relao a
certo estado de coisas. Haver, assim, uma alegao verossmil pelo
consumidor nos moldes exigidos pelo CDC, sempre que este fizer uma
afirmao que, segundo as regras da experincia comum ou cientfica,
possa ela ser plausvel ao magistrado. A presena desta
plausibilidade justifica que a situao do consumidor deva ser
privilegiada em detrimento da posio do fornecedor. No se justifica,
como dito anteriormente, impor ao magistrado que decida a favor da
tese que lhe parea improvvel (sacrificando o direito que se lhe
apresenta provvel) apenas para fazer prevalecer regra de carter
nitidamente subsidirio.
A previso em questo, na realidade, tem por objetivo simplesmente
dizer que o magistrado no tem a obrigao de julgar, sempre, fundado
em certeza a respeito dos fatos da causa. Eventualmente, quando a
natureza do direito (ou as circunstncias da causa) no permitir a
elucidao dos fatos, estar o juiz em razo da norma em comento
autorizado a julgar apenas com base em aparncia (em
verossimilhana), sem que possa o magistrado exigir do consumidor a
demonstrao exaustiva (com carga de certeza) a respeito da existncia
do direito (ou melhor, dos fatos) por ele afirmado.
A segunda hiptese em que se admite a modificao (e aqui se est,
efetivamente, diante de caso de modificao da regra em questo) do
nus da prova a da hipossuficincia do consumidor. Embora a questo
tenha hoje menor importncia (dado que a opinio majoritria j se fixa
em determinado sentido), discutiu-se muito no passado a respeito da
caracterizao desta hipossuficincia. Alguns autores, com o
surgimento do Cdigo de Defesa do Consumidor, entendiam que a
hipossuficincia de que ali se falava era econmica, ou seja, pautada
segundo critrios de predominncia econmica do fornecedor em relao ao
consumidor. O raciocnio indicava que, porque o consumidor poderia
ser, economicamente, menos forte que o fornecedor, nestes casos
seria admissvel que esta inferioridade fosse compensada por um
privilgio processual. Assim, a hipossuficincia a que alude o cdigo
ocorreria sempre que o consumidor estivesse em desvantagem econmica
em relao ao fornecedor o que justificaria tratamento diferenciado
no processo, com a modificao do nus da prova em benefcio do
consumidor. A modificao do nus da prova, ento, visaria a
reequilibrar a situao de desequilbrio apresentada pelas partes no
processo.
Fundada, alis, nessa noo a propsito do critrio, parte importante
da doutrina (acompanhada por diversas decises judiciais) admitiram
embora hoje a questo se tenha pacificado em sentido contrrio a
inverso no do nus da prova, mas sim da despesa da prova tcnica. A
base deste pensamento sustenta-se exatamente no pressuposto de que,
diante de hipossuficincia econmica, o grande problema existente diz
respeito capacidade da parte em enfrentar as despesas processuais;
tratando-se a despesa da prova tcnica um dos custos mais vultosos
do processo, impor o nus de arcar com este valor ao fornecedor (e
no ao consumidor, ainda que este requeira a prova pericial)
poderia, por si, resolver o problema da parte. Obviamente, a soluo
alvitrada anteriormente no era adequada a atender aos objetivos
pretendidos. A uma, porque, embora o custo da prova pericial seja,
muitas vezes, caro, no esta a nica despesa significativa realizada
pela parte que, ademais, dispe da Lei de Assistncia Judiciria
Gratuita (Lei n. 1.060/50) para tratar desta situao de carncia de
recursos para fazer frente demanda. A duas, porque a modificao do
nus da despesa da prova sem a conseqente modificao do nus da prova
no tem qualquer repercusso benfica ao consumidor. De fato,
considerando que o no pagamento das despesas com a prova pericial
implica a no realizao da prova, se no h modificao do nus da prova,
o fato (que deveria ser provado e que, no caso, interessa ao
consumidor) permanece inexistente; e, aplicando a este fato
inexistente o regime normal de nus da prova (que, ento, no foi
modificado) o prejuzo da no-prova incidir sobre o consumidor. V-se,
ento, que a medida no soluciona, de modo algum, o problema do
consumidor, ao menos da forma como , comumente, aplicada.
Isto no significa dizer que a imposio do custo da prova pericial
ao fornecedor seja invivel. Com efeito, parece que a medida em
comento til e deve ser aplicada pelo Judicirio, como a seguir se
ver. Apenas vale sublinhar que a imposio ao fornecedor do dever (e
no mais nus) de adimplir com os custos da prova tcnica no tem
qualquer relao com o tema da modificao do nus da prova.
De fato, parece que sempre vivel que o juiz imponha ao
fornecedor desconsiderando a regra do art. 33, do Cdigo de Processo
Civil o dever de pagar as despesas com a prova pericial. Esta
deciso haver de considerar (e o ponto foi sublinhado no incio deste
trabalho) justamente o princpio acolhido pelo Cdigo de Defesa do
Consumidor, que busca facilitar a defesa do consumidor em juzo
(art. 6o, inc. VIII, em sua parte inicial). Ora, se este o princpio
e se esta facilitao pode ser apresentada, diante do caso concreto,
simplesmente com a atribuio do dever de pagar as despesas da prova
pericial ao fornecedor esta medida ser apta (e suficiente, sendo
ento desnecessrio modificar-se o nus da prova) a satisfazer a
inteno da lei. No caso, a questo se reflete exclusivamente na
alterao do regime das despesas processuais, sem qualquer
envolvimento com o tema do nus da prova.
De todo modo, diante deste caso, logicamente no se cogita de
dispensar a prova se no pago o seu valor. Ao contrrio, tratando-se
de imposio de dever, tocar ao magistrado tomar providncias
especialmente aquelas indicadas pelos arts. 14, pargrafo nico, 17,
461 e 461-A para obter a satisfao de sua ordem dirigida ao
fornecedor. Ou seja, havendo esta imposio do dever de antecipar as
despesas com a prova tcnica, dever o magistrado assegurar-se de que
o fornecedor cumprir a determinao judicial, sob pena de incidir nas
conseqncias (civis, criminais e processuais) adequadas. A prova
pericial, de toda sorte, dever ser realizada j que no houve
modificao do nus da prova sem prejuzo de considerar o magistrado
que a conduta renitente do fornecedor (em no antecipar o valor das
despesas) possa importar em argumento de prova em seu desfavor
(podendo-se aplicar, analogicamente, espcie, a previso do art. 232,
do Cdigo Civil de 2002).
A maioria dos autores da atualidade, que tentam encontrar a
adequada definio da hipossuficincia considerada pelo CDC, conclui
que esta exigncia refere-se chamada hipossuficincia tcnica. O termo
significaria que, em certas ocasies, o consumidor no teria acesso s
mesmas informaes que o fornecedor tem, o que coloca aquele em
situao de desvantagem em relao a este. Realmente, cumpre considerar
que o fornecedor, no raro, por conhecer a forma como foi realizado
o servio ou elaborado o produto, por entender melhor o
funcionamento do produto ou as complexidades da prestao do servio,
est em melhores condies de verificar em que ponto pode ter ocorrido
o problema narrado pelo consumidor. Haver, nestas situaes, evidente
favorecimento condio do fornecedor que, por dominar a forma da
prestao do servio ou do produto, encontra-se em vantagem (sob o
ponto de vista probatrio) em relao ao consumidor. Esta vantagem,
por seu turno, muitas vezes, pode dificultar sobremodo (quando no
inviabilizar) a proteo do consumidor, j que este pode no ter
condies de demonstrar a validade de sua tese justamente por no
dispor daqueles dados, que esto no domnio do fornecedor.
A inteno do preceito em exame , segundo esta tica, atender,
justamente, a estas situaes. Havendo esta manifesta vantagem (em
termos de prova) do fornecedor em detrimento do consumidor,
justifica-se que se atribua quele o nus da prova, em relao ausncia
de qualquer defeito no produto ou no servio. Se o fornecedor tem
maior facilidade em produzir a prova desta ausncia tendo, ademais,
assumido o risco da fabricao do produto ou da prestao do servio
razovel atribuir-se a ele a imposio de produzir a prova ou, ao
menos, arcar com a dvida judicial (resultante do no esclarecimento)
a respeito do assunto.
Segundo esta viso da hipossuficincia, sua funo seria a de
permitir a distribuio dinmica do nus da prova, imputando-o a quem
tem maior facilidade na produo da prova. Se esta parte que tem
acesso privilegiado prova do fato (de sua existncia ou no) no
elimina a dvida judicial a respeito do tema, justo que se lhe
impute o prejuzo decorrente da no-prova.
Seja como for, no obstante toda a discusso travada a respeito da
espcie de hipossuficincia que autoriza a aplicao do dispositivo (se
tcnica ou econmica) o fato que talvez a melhor interpretao a ser
dada ao requisito seguindo-se, nesse passo a lio de Watanabe e
Ceclia Matos seja a mais ampla, que abranja as duas vises a
propsito do tema. O princpio, afinal, a facilitao da defesa do
consumidor em juzo e neste contexto, quando o consumidor estiver em
grau de fragilidade, quer econmica, quer tcnica, quer de qualquer
outra natureza, no af de facilitar a sua defesa no processo
restabelecendo a igualdade substancial quebrada pela desigualdade
concreta e especfica do caso entre consumidor e fornecedor
justifica-se a modificao do regime do nus da prova. Desta feita,
sempre que o magistrado considerar presente alguma disparidade
entre a situao do consumidor e do fornecedor (desfavorvel ao
primeiro), de qualquer espcie que seja, dever aplicar a regra em
exame, a fim de restabelecer a igualdade substancial entre as
partes, que desejvel no processo.
c) Momento da modificao do nus da provaRelativamente ocasio em
que deve o magistrado modificar a regra do nus probatrio, discute,
ainda hoje, intensamente a doutrina. H quem pense que a determinao
desta inverso deva dar-se anteriormente concluso da instruo da
causa, normalmente na audincia preliminar (ao mesmo tempo em que o
magistrado decide que provas admitir art. 331, 2o). Outros pensam
que somente na sentena deve o juiz aplicar o comando do art. 6o,
inc. VIII, do Cdigo de Defesa do Consumidor, modificando o nus da
prova.
Sustentando a primeira orientao, pondera Carlos Roberto Barbosa
Moreira: em que instante deve o juiz determinar a inverso do nus da
prova? No, certamente, no de sentenciar, pois a j no mais haveria
oportunidade de o fornecedor produzir outras provas: se a este, em
decorrncia da inverso, se transferiu o nus de demonstrar fatos
ento, o rgo judicial h de lhe conceder a chance efetiva de
desincumbir-se do encargo, que antes inexistia. Por isso, ao juiz
no se permite inverter o nus da prova, para beneficiar o
consumidor, seno em etapa do procedimento que ainda comporte a
produo de provas. O correto ser que o juiz ordene tal inverso antes
do incio da fase instrutria, fixando, precisamente, os fatos que o
fornecedor dever provar.
J no sentido de que a modificao do nus probatrio deve ocorrer na
sentena, tem-se, dentre outros, a orientao de Nelson Nery Jr. Para
este, as regras sobre a distribuio do nus da prova so regras de
juzo, de sorte que caber ao juiz, quando do julgamento da causa,
agir de acordo com o procedimento autorizador do art. 6o,VIII. Elas
orientam o magistrado quando h um non liquet em matria de fato.
Caso haja nos autos prova dos fatos constitutivos do direito do
autor, normalmente o juiz dever julgar a demanda a favor deste.
Quando esses fatos no estiverem provados, cumprir ao juiz verificar
se o consumidor hipossuficiente ou se suas alegaes fticas so
verossmeis. Em caso afirmativo, dever verificar se o fornecedor fez
a prova que elide os fatos constitutivos do direito do consumidor.
Na ausncia desta prova (non liquet), julgar a favor do
consumidor.
Em verdade, como se pode observar das duas opinies transcritas,
toda a polmica orbita na compreenso que se tem da funo da regra
sobre o nus da prova. Para quem v neste comando uma regra de
procedimento dirigida s partes para informar seu procedimento em
matria de prova soa absurda a idia de que a modificao do nus possa
dar-se em sentena. J para aqueles que compreendem esta regra como
preceito de julgamento que informa ao magistrado como deve julgar
em caso de dvida a nica concluso natural aquela que entende que a
aplicao da modificao deve ser feita na sentena.
Diante do que restou dito inicialmente, parece mais adequado
entender que o sistema processual brasileiro v na regra sobre o nus
da prova uma regra de julgamento, de modo que a modificao do onus
probandi realmente s pode dar-se por ocasio da prolao de decises
judiciais. De fato, se certo que a regra em questo informa ao
magistrado como deve decidir em caso de dvida, somente na
oportunidade em que proferir deciso proceder ele a avaliao de seu
convencimento. Somente a poder ele verificar encontrar-se em dvida
em relao a certo fato, de modo que, apenas nesta oportunidade,
haver espao para aplicar a regra do nus da prova, modificada ou no
por critrios particulares, como aquele previsto no art. 6o, inc.
VIII, do Cdigo de Defesa do Consumidor.
A dificuldade na aceitao dessa opinio por parte do restante da
doutrina decorre, como se v da passagem descrita acima, no incio
deste tpico, da suposio de que a defesa do fornecedor pode ser
surpreendida com o anncio, apenas em sentena, da modificao do onus
probandi. O receio, porm, se assenta em premissas falsas, de modo
que no justifica, realmente, a adoo de posio diversa.
Com efeito, aqueles que acreditam que a modificao em sentena do
nus probatrio importaria em violao da garantia de defesa do
fornecedor por ser este surpreendido com uma alterao subseqente das
regras do jogo no notam que o interesse em produzir prova no tem
qualquer relao direta com a regra do nus da prova. Como lembra
Carnelutti, enquanto o interesse em afirmar o fato unilateral,
porque cada parte s tem interesse em afirmar os fatos que do causa
ao atendimento sua posio processual (pretenso ou exceo), el inters
em cuanto a la prueba es bilateral, ya que una vez afirmado un
hecho, cada una de las partes tiene inters en proporcionar la
prueba acerca del mismo: una tiene inters en probar su existencia y
la otra su inexistencia. La experiencia del proceso muestra
ejemplos de este doble inters en anttesis, en el concurso de la
prueba y de la contraprueba. De fato, se o autor tem interesse na
prova da existncia do fato constitutivo de seu direito, o ru tem o
mesmo interesse na prova da inexistncia deste fato.
No h, portanto, surpresa a ser alegada pelo fornecedor sob a
suposio de que no lhe fora oferecida oportunidade para produzir
prova a respeito do fato. A oportunidade existiu, tinha ele
interesse nesta prova, mas preferiu, ainda assim, deixar de
produzi-la. Considerando ainda que a modificao do nus da prova uma
possibilidade nas relaes de consumo, de se ter que o fornecedor
sabia (anteriormente) que esta sua inao poderia, no futuro,
comprometer a defesa de sua tese. No h, portanto, que se pensar em
surpresa, ou em prejuzo ao fornecedor.
Note-se que a aplicao da presuno decorrente do nus da prova
(modificado ou no) nem sempre se dar exclusivamente na sentena. Em
verdade, sempre que o magistrado for instado a proferir deciso a
respeito do mrito da causa, poder ele, em havendo dvida insupervel,
recorrer diretriz posta na regra do nus da prova (seja em sua verso
normal, seja com as alteraes aqui examinadas). Assim, tambm quando
o magistrado houver de examinar pedido de antecipao de tutela ou,
ainda, de medida cautelar (embora o mrito desta no se confunda com
o da ao principal) poder pautar-se nos critrios a respeito do nus
da prova para formar sua deciso. Tambm nestes casos, portanto,
poder o magistrado, em havendo dvida invencvel (que no possa ser
superada com o recurso, usado como regra em tais situaes, da
verossimilhana preponderante) recorrer aos critrios do nus da prova
(modificado ou no pelos critrios do Cdigo de Defesa do Consumidor)
para sustentar sua deciso.
3.2.2. As Presunes Judiciais relativas
Como dito anteriormente, outra tcnica de modificao legal do nus
da prova consiste nas chamadas presunes legais relativas. Estas,
como se sabe, fixam previamente uma verdade a respeito de certo
fato, que deve ser aceita pelo julgador salvo se existir prova em
contrrio. Estas regras funcionam, ento, como uma orientao ao
julgador para que, estando em dvida a respeito da existncia ou no
de certo fato, conclua sempre diante da falta de prova suficiente a
seu respeito no sentido indicado pelo legislador na norma que
estabelece a presuno.
Assim, as presunes se colocam no lugar da regra do art. 333, do
Cdigo de Processo Civil, como guia para o magistrado que est em
dvida a respeito de determinado fato. Ao invs de aplicar ele a
diretriz da distribuio do nus da prova (art. 333, do Cdigo de
Processo Civil), utilizar ele do preceito que especifica a
presuno.
Nesse sentido, as regras que estabelecem presuno legal relativa
no assim as absolutas, j que nestas a existncia de prova em
contrrio totalmente irrelevante para a fixao da verdade a respeito
do fato - podem importar em verdadeira modificao do regime padro do
nus da prova. Eventualmente, claro, as presunes harmonizam-se
exatamente com as diretrizes do nus da prova estabelecidas
regularmente. Todavia, quando assim no acontecer, configuraro elas
a regra suplementar a ser aplicada pelo magistrado no lugar do
comando expresso pelo art. 333, do Cdigo de Processo Civil que
guiar a deciso judicial no caso de dvida a respeito de certo
fato.
As presunes relativas, ento, derrogam o regime do onus probandi,
impondo outra distribuio deste nus entre as partes do processo. A
ausncia de prova em relao a determinado fato, que prejudicaria
originalmente uma das partes do processo, poder em virtude da
existncia da presuno, vir a ser tomada em prejuzo de seu
adversrio.
3.3. A Modificao Judicial
Denomina-se judicial a modificao operada por interveno direta da
atividade jurisdicional. Aqui, a tnica que causa a distinta aplicao
da regra do art. 333, do Cdigo de Processo Civil, est na manipulao
pelo juiz dos elementos sua disposio.
Nesse sentido, tambm produz reflexo sobre o regime normal do nus
da prova a chamada presuno judicial (praesumptiones hominis).
Semelhante presuno legal, aqui tambm se tem a inferncia do
acontecimento de um fato, sem que haja prova real de que ele tenha
ocorrido. Essencialmente, porm, a distino entre as duas formas de
presuno est em que, na legal, a concluso da existncia do fato
decorre de atividade do legislador, enquanto na judicial, o
magistrado quem conclui pela ocorrncia do fato probando.
Realmente, as presunes judiciais (prova indiciria) partem do
conhecimento de certos fatos para que possam ser concludos outros,
aos quais, normalmente, aqueles primeiros esto associados. Ou seja,
partindo-se da convico de ocorrncia de um certo fato (indcio), pode
o juiz, por raciocnio lgico, inferir a existncia de outro fato
(objeto a ser provado), j que, comumente, um decorre do outro ou
devem, ambos, acontecer simultaneamente.
Evidentemente, no exame da prova indiciria h concreta e
relevante aplicao das mximas da experincia (comum e tcnica), j que
com base nesta experincia (quod plerumque accidit) que se autoriza
a concluso de que, pela ocorrncia de um fato se pode deduzir a
existncia de outro.
Recorrendo s palavras de PROTO PISANI, estas provas indicirias
consistem no raciocnio pelo juiz, uma vez adquirido atravs de
fontes materiais de prova (ou mesmo atravs do notrio ou em seqncia
da no contestao) o conhecimento de um fato secundrio, dirigido a
deduzir deste a existncia ou no do fato principal ignorado.
O conhecimento do fato probando resulta de uma inferncia lgica,
formulada pelo magistrado a quem submetida a causa, a partir do
conhecimento de outro fato que se prova nos autos e ao qual,
normalmente, a ocorrncia daquele primeiro est ligada. H, ento, um
fato secundrio (externo causa de pedir, no pertencente ao material
ftico da demanda) provado e, por sua ocorrncia, se extrai a
conseqente existncia (ou inexistncia) do fato primrio (pertencente
causa de pedir e cuja afirmao efetivamente consubstancia objeto de
prova), em cuja prova se tinha, efetivamente, interesse. Este juzo
possvel diante de um critrio racional indutivo de normalidade ou de
probabilidade lgica da coexistncia de ambos os fatos, norteado por
critrios da experincia comum ou tcnica. Ou seja, tem-se, no cerne
da figura, uma idia de silogismo: ocorrendo o fato A, sempre (ou,
ao menos, normalmente) deve ocorrer o fato B; verificada a
ocorrncia do fato A, ento tambm ocorreu o fato B. Ou, com maior
apurao, na explicao de COMOGLIO, FERRI e TARUFFO, existe um fato F,
conhecido pelo juiz, que pode ser tido como premissa de uma
inferncia I, fundada sob um critrio C (solidamente constitudo por
mximas da experincia: [...]), a qual consente a atribui um grau G
de correo assero pela qual o fato a prova FP verdadeiro ou
falso.
Como fica claro da anlise dos esquemas apresentados, a adequao
ou no da inferncia lgica est calcada na maior ou menor preciso das
premissas utilizadas para subsidiar a concluso, ou seja, no grau de
certeza que se tem da efetiva ocorrncia do fato secundrio e no grau
de vinculao que existe entre a verificao deste e a conseqente e
necessria existncia do fato primrio (ou, utilizando o esquema de
COMOGLIO, FERRI e TARUFFO, na consistncia do critrio C e, por via
lgica, do grau G). , ento, a convico que se tenha na
inexorabilidade da procedncia da ilao formulada que repousa o grau
de credibilidade da presuno judicial.
Elemento indissocivel da idia desta presuno (judicial) a noo de
indcio. Como visto, o princpio do raciocnio presuntivo calca-se na
verificao concreta de outro fato (do qual se extrair a ocorrncia do
fato principal). Este fato secundrio, cuja verificao possvel pelos
meios probatrios normais, que se chama de indcio.
Finalmente, releva ponderar que o valor e a fora desta ilao
assenta-se na capacidade que esta tenha de satisfazer os seus
aspectos intensivo e extensivo. Pelo segundo critrio (extensivo),
imprescindvel que a presuno seja apta a demonstrar a totalidade do
fato probando (daquele fato principal, que se pretende provar). E,
para satisfazer ao outro critrio (intensivo), depende o indcio da
demonstrao de que daquele fato (indicirio) no pode decorrer outro
fato que no seja aquele que se deseja provar. Sucede, ento, que a
demonstrao, pela parte contrria, de que o indcio no cobre a
totalidade do fato probando ou ainda de que daquele fato secundrio
podem advir outros fatos que no apenas o fato principal, elemento
suficiente para abalar a credibilidade da presuno formada e quanto
mais forte se torna esta demonstrao, menos razovel se apresenta a
presuno. Prosseguindo ainda neste raciocnio, possvel concluir que,
por outro lado, os indcios podem somar-se quando todos convergem
para a mesma concluso para reafirmar a adequao da ilao
formulada.
Feitas estas consideraes a respeito da prova indiciria, cumpre
examinar em que termos interfere ela na distribuio do nus da prova.
certo que no se deve afirmar, com rigor cientfico, que as presunes
judiciais alteram o nus da prova, pois no h qualquer imputao
distinta deste nus entre as partes, em razo das provas
indicirias.
Com efeito, a presuno judicial no se aplica da mesma forma que a
diretriz do nus da prova, mas sua funo tambm atuar nas situaes de
dvida do magistrado. De fato, no havendo para o juiz prova a
respeito de fatos relevantes para o processo e vedando-se-lhe a
recusa do julgamento diante da falta de clareza dos fatos (non
liquet) dever ele servir-se de instrumentos que subsidiem sua
deciso. A regra do nus da prova ser, sempre, a ltima a ser aplicada
diante deste caso, devendo ser precedida de juzos calcados em
verossimilhana preponderante, resultantes da prova indiciria.
Realmente, as presunes judiciais incapazes de gerar convico de
certeza autorizam o magistrado a julgar com base em mera
probabilidade. Estando ele em dvida a respeito de certo fato, e
sendo invivel obter prova direta a respeito deste (capaz de gerar,
eventualmente, convico de certeza), poder ele decidir em estado de
dvida, pendendo sua deciso a favor de quem apresentou a afirmao
mais provvel segundo os critrios dos indcios apresentados.
A prova indiciria, enfim, implica tcnica de facilitao da prova,
simplificando a condio da parte (a quem o indcio beneficia) no
processo.
De toda sorte, em virtude da existncia de prova indiciria,
atribui-se parte contrria a demonstrao de que o liame lgico que
liga ambos os fatos (o indcio e o fato probando) no suficientemente
forte a ponto de fazer o magistrado considerar este ltimo como
existente. Atribui-se, tambm, a prova da eventual inexistncia do
fato probando, excluindo totalmente o nexo entre o indcio e aquele
outro fato.
Nesse sentido e sem desconsiderar a observao acima feita pode-se
concluir que, por meio das presunes judiciais, o sistema positivo
opera deslocamento do regime normal de atribuio do nus da prova, j
que permite a algum, mediante mera demonstrao de probabilidade da
ocorrncia de um fato (pela comprovao da existncia de outro que
quele se liga por vnculo lgico), liberar-se da carga da prova do
fato, atribuindo ao adversrio a demonstrao de que o fato probando
no ocorreu ou, pelo menos, de que a probabilidade de que ele no
tenha ocorrido seja mais forte do que a possibilidade resultante do
raciocnio de inferncia formado inicialmente.
3.4. A Modificao Necessria
Esta ltima modalidade de modificao do regime do nus da prova, em
verdade, constitui uma derivao da figura anteriormente examinada
(modificao judicial). Tambm aqui a modificao se opera pela
atividade do juiz. Ao contrrio, porm, do que restou visto no item
anterior, aqui existe verdadeiramente modificao do regime do onus
probandi, imputando o magistrado o prejuzo da dvida a parte diversa
daquela apontada pela regra do art. 333, do Cdigo de Processo
Civil.
Assenta-se esta figura na interpretao constitucional do texto
processual. Como bvio, o art. 333, do diploma processual, norma
infraconstitucional que, portanto, deve conjugar-se ao texto da Lei
Maior. Poder suceder, eventualmente, que a aplicao desavisada do
art. 333 em questo venha a impossibilitar, ou, eventualmente, a
dificultar sobremodo, a proteo de certo direito em juzo.
Imagine-se, por exemplo, situaes em que a parte autora no tem
qualquer condio de trazer a juzo a prova do fato constitutivo de
seu direito. Considerando que a falta de prova desta circunstncia
implica, inexoravelmente, a rejeio de sua demanda, no h dvida de
que, neste caso, a regra do nus da prova funciona como impeditivo
para a proteo judicial do interesse invocado. Haver, ento, choque
evidente entre o art. 333 em comento e o preceito contido no art.
5o, inc. XXXV, da Constituio Federal, na medida em que a existncia,
no ordenamento jurdico infraconstitucional, daquela regra importa
em excluso (indireta, mas existente, j que de nada adiante alegar a
violao se no h forma de prov-la) da apreciao pelo Judicirio de leso
ou ameaa a leso a direito.
Precisamente a reside esta ltima tcnica de modificao do nus da
prova. No choque entre a previso processual e a garantia
fundamental constitucional, por lgica deve esta prevalecer,
afastando a aplicao do regime tradicional do nus da prova, previsto
no art. 333, do cdigo processual. Impe-se, assim, uma interpretao
conforme do texto apresentado pela legislao processual, a fim de
que ele somente seja aplicado quando sua incidncia no vier a
impedir (ou a dificultar excessivamente) a proteo de interesses.
Desta forma, quando surgir, pela incidncia do art. 333, do Cdigo de
Processo Civil, a impossibilidade de proteo de certo tipo de
interesse porque invivel a produo da prova por parte de quem
deveria traz-la (nus subjetivo) ou deveria suportar o prejuzo pela
sua falta (nus objetivo) no poder ser esta regra aplicada, ficando
ao talante do magistrado encontrar a distribuio do onus probandi
segundo critrios que permitam a plena realizao da garantia
constitucional.
Fundamentalmente, em duas situaes sente-se presente esta
circunstncia, ao menos em grande parte dos casos: para as aes
negativas (fundadas na inexistncia de certo fato) e para as aes
voltadas para o futuro (ou seja, para a tutela inibitria).
Em relao a estas espcies de demandas, no difcil imaginar que o
tema da prova (e, especificamente, a possibilidade de o autor
produzir prova do fato constitutivo de seu direito) seja o
principal obstculo proteo do interesse deduzido em juzo.
Imagine-se, por exemplo, que aquele que afirma leso futura, a ser
praticada por algum, muitas vezes no tem como demonstrar a presena
de concreta ameaa a seu direito, porque, talvez, a ameaa do ru no
se exterioriza em atos materiais ou, ao menos, no deixa vestgios no
mundo concreto (capazes de constituir prova). Ainda assim, pode ser
que a ameaa exista de fato, no resultando de mera conjectura do
interessado. Certamente, deixar sem proteo este interesse (que ser
violado, s vezes sem possibilidade de restituio ao estado anterior)
desobedecer ao comando constitucional da inafastabilidade da
jurisdio. Ser, ento, vivel afastar a incidncia da regra do nus da
prova, permitindo ao juiz que distribua este nus segundo as
peculiaridades do caso concreto, ainda que sem observar as
diretrizes do art. 333, em anlise.Deveras, quando se trata de
tutela preventiva, possvel imaginar que a modificao do regime padro
de distribuio do onus probandi seja a nica forma possvel de
permitir a tutela sobre certos tipos de interesses. Assim como
acontece com a prova de afirmaes de fatos negativos, em tais casos
em que a prova do fato futuro afirmado praticamente impossvel
poderia o magistrado, desde que fosse possvel a contra-prova (ou
seja, que este fato futuro no acontecer), modificar o regime do nus
da prova, imputando parte contrria (r na ao inibitria) o nus da
(no-)demonstrao da inexistncia de qualquer ameaa de leso a
interesse. Desta forma, a alterao do regime do nus da prova
serviria como maneira alternativa de disciplinar a prova da ameaa
de leso, que requisito indispensvel para a tutela inibitria. Quando
no houver outra forma de demonstrar a existncia da ameaa (ainda que
segundo a idia de verossimilhana preponderante), satisfazendo a
dvida do juiz, poder ele modificar o regime do nus da prova,
liberando o autor da prova impossvel do fato futuro (probabilidade
de leso) e imputando este nus ao ru (a prova da ausncia de qualquer
ameaa).
Claro est que esta modificao do regime do nus da prova mesmo
porque no tem autorizao expressa de lei depende da concorrncia de
dois fatores: a) a impossibilidade concreta ou a dificuldade
intransponvel de o interessado produzir a prova sobre o fato futuro
temido; b) a real possibilidade, vislumbrada pelo magistrado por
evidncias especficas do caso real, de que a parte contrria tenha
condies de produzir provas capazes de demonstrar a inocorrncia da
futura violao do direito. Ausente o primeiro requisito, no h o
respaldo constitucional para afastar a incidncia do art. 333, do
cdigo processual, sobre o caso concreto. Por outro lado, faltando o
segundo pressuposto, estar-se- violando as garantias do
contraditrio e da ampla defesa (art. 5o, inc. LV, da Constituio
Federal), no havendo, ao menos em princpio, fundamento para que em
tais casos, para a preservao da garantia do acesso ao Judicirio, se
viole outra garantia de igual hierarquia, salvo em se recorrendo ao
princpio da proporcionalidade. Deveras, excepcionalmente, poder
surgir conflito efetivo entre a garantia da inafastabilidade (do
autor) e o preceito do devido processo legal (para o ru) no
tratamento do tema em questo. Nestes casos, a nica soluo vivel ser
recorrer ao princpio da proporcionalidade (e seus sub-princpios), a
fim de, ponderadas as garantias, avaliar qual deve prevalecer no
caso concreto. Apenas nesse caso pode justificar-se o afastamento
dos dois requisitos acima indicados, para fazer preponderar a
garantia da inafastabilidade.
O mesmo se deve dizer em relao s aes negativas. Tambm aqui ser
justificvel afastar os parmetros traados pelo art. 333, do Cdigo de
Processo Civil, sempre que se apresentem os dois pressupostos
anteriormente apontados: a inviabilidade de o autor demonstrar a
inexistncia do fato objeto de sua pretenso e a possibilidade
concreta de o ru comprovar a sua existncia. Nesse campo, com
efeito, nem sempre haver a presena destes requisitos, de modo que
no toda ao negativa que autoriza o afastamento da regra geral sobre
o nus da prova.
Note-se, nesse passo, que j houve na histria do direito
processual quem defendesse a idia de que toda ao negativa
importaria em modificao do regime do nus da prova (negativa non
sunt probanda), com supedneo no direito romano. Tambm j se defendeu
que estas aes jamais admitiriam qualquer ressalva em relao ao
regime tradicional de atribuio do nus da prova, sob o pressuposto
de que qualquer fato negativo implica uma afirmao de fato existente
inverso. O tema, portanto, controvertido, e merece ponderao mais
cuidadosa.
De todo modo, vale sublinhar que, sempre que a prova necessria
para o autor (para a propositura de sua ao negativa) no esteja em
sua posse, mas possa seguramente ser obtida junto ao ru ou a
terceiro, no ter cabimento recorrer figura da modificao do nus da
prova. Para estes casos, a legislao processual tem instrumentos
especficos (Cdigo de Processo Civil, arts. 355 e ss.), de modo a
dispensar a necessidade de recorrer ao afastamento constitucional
da previso do art. 333, do Cdigo de Processo Civil.
A par dessa situao, importa tambm dizer que, normalmente, o
regime do nus da prova nas aes negativas no difere em nada do
regime tradicional, estabelecido pelo Cdigo de Processo Civil.
De fato, em regra, aquele que pretende a declarao da inexistncia
de uma relao jurdica sustenta sua pretenso em um de dois elementos:
a) ou sustenta esta inexistncia na existncia de um fato extintivo,
modificativo ou impeditivo daquele, de modo que a relao havia
existido anteriormente, mas foi extinta, modificada ou impedida
(sendo esta a declarao que se objetiva); b) ou se afirma a
inexistncia daquela relao, sustentando a existncia de elemento
incompatvel com aquela (como no caso em que se afirma a
impossibilidade de ocorrncia de um acidente de veculo, porque a
pessoa estava com seu automvel em outra cidade).
Em ambos os casos acima descritos, a ao negativa tem por
pressuposto a existncia de fatos (ou de fatos impeditivos,
extintivos ou modificativos, ou ainda de fatos incompatveis com
aqueles que se quer negar). Nas duas situaes, por bvio, no h espao
para a modificao do regime do nus da prova, competindo ao autor o
nus da prova dos fatos constitutivos de seu direito, ou seja, dos
fatos extintivos, modificativos e impeditivos, ou dos fatos
incompatveis com a existncia da relao jurdica que se quer ver
reconhecida como no ocorrida.
Todavia, pode-se imaginar situaes em que o autor se limita a
negar a existncia de um fato, sem ter condies de, a seu respeito,
afirmar a existncia de fatos incompatveis ou de fatos
modificativos, extintivos ou impeditivos. Imagine-se, por exemplo,
a situao daquele que recebe duplicata para pagar, sem que saiba a
origem do ttulo ou tenha conhecimento do negcio jurdico base;
pense-se tambm (embora o caso tenha disciplina especfica por conta
da incidncia das regras referentes s relaes de consumo, dispensando
a soluo aqui preconizada) nos casos freqentes em que algum v lanada
em sua conta telefnica ligao de alto valor que no realizou, ou tem
em sua fatura de carto de crdito lanada despesa que desconhece.
Nestes casos, muitas vezes, o interessado estar na condio limiar de
limitar-se a negar a ocorrncia destes eventos, sem poder, porm,
justapor a estes fatos modificativos, extintivos ou impeditivos, ou
ainda fatos incompatveis.
Para estas situaes extremas que a soluo da modificao necessria
do regime do nus da prova com fundamento na Constituio da Repblica
pode ser aplicada. Desde que satisfeitos os pressupostos apontados
anteriormente (impossibilidade da prova pelo autor e possibilidade
concreta pelo ru), dever o magistrado afastar a incidncia da regra
do art. 333, do Cdigo de Processo Civil, distribuindo o nus da
prova, no caso, entre as partes, segundo as particularidades do
caso concreto, e conforme esta maior facilidade na apresentao da
prova.
Logicamente, em todos os casos em que se possa recorrer a esta
chamada modificao necessria do nus da prova, parece ser relevante
que o magistrado comunique, com antecedncia, s partes desta sua
deciso. Especialmente por se tratar da aplicao direta de garantias
constitucionais, parece ser importante que as partes tenham prvia
cincia a respeito do afastamento da regra processual (art. 333, do
Cdigo de Processo Civil), at para que possam insurgir-se contra
esta deliberao. Assim, ainda que se trate essencialmente de regra
de julgamento, esta modificao do regime de distribuio do nus
probatrio deve ser previamente advertido aos sujeitos do
processo.
4. ConclusoComo cedio, a disciplina adotada pelo Cdigo de
Processo Civil brasileiro em relao ao nus da prova rgida, pautada
em critrios estabelecidos de forma apriorstica. Isto dificulta a
adequao do regime da prova realidade do caso concreto, j que o
processo no tem, ento, condies de responder s necessidades da
situao especfica carente de proteo.
A soluo aqui preconizada especialmente na ltima tcnica explorada
de modificao do nus da prova (modificao denominada de necessria)
busca aproximar o regime do direito brasileiro chamada carga
dinmica da prova, amplamente utilizada no direito norte-americano,
permitindo que o magistrado imponha o nus da prova parte que teria
maior facilidade em produzi-la. Esta tcnica, ao que parece, permite
ao processo responder melhor s peculiaridades do caso especfico,
atendendo melhor aos objetivos da jurisdio.
Apenas para ilustrar esta distribuio dinmica do nus probatrio,
que no se pauta por critrios pr-fixados, mas examina o caso
concreto, vale lembrar que o direito norte-americano possui
interessantes tendncias a este respeito. Assim, entende-se por
atribuir o nus da prova parte que pretende alterar o status quo
(v.g., alterao da perda econmica para o ru); entende-se tambm que
aquele que alega um fato no usual deve provar sua ocorrncia; da
mesma forma, atribui-se o nus da prova parte que detm certo
conhecimento peculiar a respeito dos fatos da causa.
Estes exemplos permitem enxergar a maior argcia desta tcnica de
distribuio do nus probatrio. De fato, ningum melhor que o
magistrado para saber quem tem melhores condies de produzir certa
prova e, portanto, quem deve ser prejudicado pela dvida judicial. A
determinao anterior da distribuio destas cargas no d conta da
riqueza da realidade, permitindo, com maior facilidade, o
cometimento de injustias na aplicao desavisada da conseqncia na
desateno do nus da prova. J a distribuio dinmica deste nus, a par
de dispensar toda a digresso aqui feita, amolda o processo mais
perfeitamente realidade a ser examinada, permitindo resultados mais
adequados e aperfeioando o processo.
No h, por outro lado, que se temer o excessivo poder dado ao
juiz por conta desta carga dinmica. Com efeito, no se deve
pretender limitar o poder do juiz, mas sim control-lo, e isso no
pode ser feito mediante uma previso legal da conduta judicial, como
se a lei pudesse dizer o que o juiz deve fazer para prestar a
adequada tutela jurisdicional diante de todas as situaes concretas.
Como as situaes de direito material so vrias, deve-se procurar a
justia do caso concreto, o que repele as teses de eu a lei poderia
controlar o poder do juiz. Esse controle, atualmente, somente pode
ser obtido mediante a imposio de uma rgida justificativa racional
das decises, que podem ser auxiliadas por regras como as da
proporcionalidade e suas sub-regras.
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Fala-se, tambm, no direito europeu, em nus objetivo e nus
subjetivo da prova, para indicar, respectivamente, a incidncia
desta regra como proposio de julgamento e de procedimento (v., a
respeito, ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba. Trad. E.
Krotoschin. Buenos Aires: EJEA, 1956, p. 15/16).
Entendendo desta forma, v. CHIOVENDA, Giuseppe. Princpios de
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Reus, 1925, p. 249/252; DINAMARCO, Cndido Rangel. Instituies de
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71; LOPES, Joo Batista. A prova no direito processual civil
brasileiro. So Paulo: RT, 1999, p. 36 e ss..
Cf. ARENHART, Srgio Cruz. Perfis..., ob. cit., p. 279/280.
O que, alis, confirmado dentre tantas regras, pelas contidas nos
arts. 339, 340 e 341, do Cdigo de Processo Civil, sem que se possa
olvidar o dever, imposto pelo cdigo, a todos os que participam do
processo de expor os fatos em juzo conforme a verdade (art. 14,
inc. I), de onde facilmente se extrai este dever probatrio de forma
ampla.
V., a respeito, BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Poderes
instrutrios do juiz. So Paulo: RT, 1991, p. 66 e ss.; BARBOSA
MOREIRA, Jos Carlos. Sobre a participao do juiz no processo civil.
Participao e processo. So Paulo: RT, 1998, p. 389/390.
O direito romano admitia que o juiz pudesse recusar-se a julgar
em casos que considerava que a prova das alegaes no estava clara.
No estando convencido sobre a realidade dos fatos, podia
simplesmente jurar sibi non liquere, retratando que em seu ver, as
coisas no estavam claras, o que exoneraria o juiz de julgar a
causa, impondo ao pretor nomear outro iudex para atuar no lugar do
primeiro (a respeito, v. KARAM, Munir. nus da prova: noes
fundamentais. Revista de processo. N. 17. So Paulo: RT,
jan-mar/1980, p. 51).
Adotando esta viso, v. CARNELUTTI, Francesco. La prova civile.
2a ed., Roma: Ateneo, 1947, p. 30; Id. Sistema de derecho procesal
civil. vol. II. Trad. Niceto Alcal-Zamora y Castillo e Santiago
Sents Melendo. Buenos Aires: Uteha, 1944, p. 94 e ss.; COMOGLIO,
Luigi Paolo. FERRI, Corrado. TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo
civile. 2a ed., Bologna: il Mulino, 1995, p. 626; MONTESANO, Luigi.
ARIETA, Giovanni. Diritto processuale civile. Vol. II. 2a ed.,
Torino: Giappichelli, 1997, p. 90; LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale
di diritto processuale civile. Vol. II. 4a ed., Milano: Giuffr,
1984, p. 89; MARQUES, Jos Frederico. Instituies de direito
processual civil. Vol. III. 4a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1972,
p. 295/296; MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Srgio Cruz.
Comentrios ao cdigo de processo civil. Vol. V, tomo I. So Paulo:
RT, 2005, p. 383 e ss. (embora, aqui, o tema venha a ser abordado
de forma mais ampla, com implicaes diversas); VARELA, Antunes.
BEZERRA, J. Miguel. NORA, Sampaio e. Manual de processo civil. 2a
ed., Coimbra: Coimbra, 1985, p. 445 e ss.; BARBOSA MOREIRA, Jos
Carlos. Julgamento e nus da prova, in Temas de direito processual.
2a Srie. 2a ed., So Paulo: Saraiva, 1988, passim.
CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza della parte nel sistema
delloralit. Parte prima. Milano: Giuffr, 1962, p. 392.
Nesse mesmo sentido, esclarece ROSENBERG que la esencia y el
valor de las normas sobre la carga de la prueba consisten en esta
instruccin dada al juez acerca del contenido de la sentencia que
debe pronunciar, en un caso en que no puede comprobarse la verdad
de una afirmacin de hecho importante (ROSENBERG, Leo. La carga de
la prueba, ob. cit., p. 2).
Assim, tambm, manifesta-se ROSENBERG, dizendo que debe decidirse
sobre la carga de la prueba slo al final del proceso, regularmente
despus de examinadas las circunstancias de hecho no discutidas, y
despus de la recepcin de la prueba (ROSENBERG, Leo. La carga de la
prueba, ob. cit., p. 3). No mesmo sentido, v. BARBOSA MOREIRA, Jos
Carlos. Julgamento e nus da prova, ob. cit., p. 76.
Conforme leciona Egas Moniz de Arago, se prevalecessem os
critrios vlidos para a pesquisa cientfica, o magistrado no poderia
julgar enquanto pairasse a menor dvida a respeito da verdade dos
fatos, isso, porm, conduziria ao famoso non liquet, isto , o
julgador se negaria a sentenciar por no se sentir habilitado, dada
a ausncia de prova; no entanto, como a sentena ter de ser
pronunciada mesmo que as provas no o convenam, necessrio que algum
critrio o oriente neste momento. O melhor, sem dvida, o que a lei
adota em decorrncia da aplicao da teoria do nus da prova: autoriza
o magistrado a julgar em desfavor daquele a quem incumbia produzir
a prova necessria a convenc-lo e ou no o fez ou, embora fazendo-o,
f-lo insuficientemente e por isso no logrou o resultado pretendido
(formar o convencimento do julgador) (MONIZ DE ARAGO, Egas Dirceu.
Exegese do cdigo de processo civil. Vol. IV, tomo I. Rio de
Janeiro: Aide, p. 86).
O direito norte-americano emprega os termos nus da produo da
prova (burden of production) e nus da persuaso (burden of
persuasion) para expressar as duas facetas do nus da prova (v.,
entre outros, a respeito do assunto, JAMES JR., Fleming. HAZARD
JR., Geoffrey C. LEUBSDORF, John. Civil procedure. 4 ed., Boston:
Little, Brown and Co. 1992, p. 337).
O tema ser mais demoradamente abordado adiante.
A respeito de uma classificao destas formas de modificao do
regime do nus da prova, v. ARENHART, Srgio Cruz. Perfis..., p.
283/285.
Nelson Nery Jr. aponta exemplos desta situao em relao ao direito
do consumidor. Segundo ele, os arts. 12, 3, e 14, 3, do CDC
determinam que, para haver excluso da responsabilidade de o
fornecedor indenizar o dano decorrente do fato do produto ou servio
(acidentes de consumo), preciso que ele comprove a existncia e
verificao das causas excludentes adotadas pela lei. Da mesma forma,
o art. 38 do Cdigo diz competir o nus da prova da veracidade da
informao ou comunicao publicitria a quem as patrocina. Nesses
casos, como o nus da prova est atribudo ao fornecedor por normas de
ordem pblica (art. 1, CDC), estas no podem ser derrogadas por
conveno das partes (GRINOVER, Ada Pellegrini, et alli. Cdigo
brasileiro de defesa do consumidor. 6 ed., Rio de Janeiro: Forense
Universitria, 1999, p. 506).
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentrios ao cdigo de
processo civil. Tomo IV. 3a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.
274.
V., nesse sentido, DINAMARCO, Cndido Rangel. Instituies de
direito processual civil. Vol. III. So Paulo: Malheiros, 2001, p.
77/78 e 125.
Cite-se, como exemplo de modificao, que no ser abordada neste
estudo, a regra do art. 38, desta mesma lei (o nus da prova da
veracidade e correo da informao ou comunicao publicitria cabe a
quem as patrocina).
Manifestando-se em outro sentido, entendendo que a inverso deve
ocorrer por deciso prpria, anterior sentena (at o saneamento da
causa), v. ALMEIDA, Joo Batista de. A proteo jurdica do consumidor.
So Paulo: Saraiva, 1993, p. 80; MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa. A
defesa do consumidor em juzo in Revista de direito do consumidor.
Vol. 5. So Paulo: RT, jan/mar 1993, p. 197/198; NOGUEIRA, Tnia Lis
Tizzoni. Direitos bsicos do consumidor: a facilitao da defesa dos
consumidores e a inverso do nus da prova in Direito do consumidor.
Vol. 10. So Paulo: RT, abr/jun 1994, p. 59; RODRIGUES, Marcelo
Abelha. Elementos de direito processual. Vol. 2. So Paulo: RT,
2000, p. 187, nota 36.
Sempre baseado na premissa de que no serve de nada a
possibilidade de alegar algo no processo que no se possa
concretamente provar.
Conforme atesta CECLIA MATOS, havendo dvida e constatando que as
afirmaes do consumidor so verossmeis e que o fornecedor no fez
prova que as contrariasse ou as provas produzidas no ilidiram a
presuno, o juiz avaliar o grau de probabilidade dos fatos
verossmeis no provados, podendo onerar o fornecedor por sua omisso
ou desinteresse em realizar a prova (MATOS, Ceclia. O nus da prova
no cdigo de defesa do consumidor, Direito do consumidor. Vol. 11.
So Paulo: RT, jul-set/1994, p. 167).
Veja-se, a respeito, WALTER, Gehrard. Libre apreciacin de la
prueba. Bogot: Temis, 1985, p. 159/165.
V., a respeito, ARENHART, Srgio Cruz. Perfis..., ob. cit., p.
287/288. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz.
Comentrios..., vol. 5, tomo I, ob. cit., p. 403.
Note-se, a propsito, que a verossimilhana de que aqui se trata
no tem qualquer relao com a verossimilhana exigida para a antecipao
de tutela (art. 273, do Cdigo de Processo Civil). V., a respeito,
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Comentrios..., ob.
cit., p. 427.
Conforme sustentado em outro lugar, as regras de experincia
comum decorrem de generalizaes formadas no seio da sociedade, as
quais podem ter base em crenas religiosas, regras de moral ou mesmo
em leis naturais, lgicas ou cientficas (MARINONI, Luiz Guilherme;
ARENHART, Srgio Cruz. Comentrios..., ob. cit., p. 458). Por uma
crtica ao uso das mximas de experincia e mecanismos de controle de
seu uso, v. TARUFFO, Michele. Senso comum, experincia e cincia no
raciocnio do juiz. Trad. Cndido Dinamarco. Curitiba: IBEJ, 2001,
esp. p. 26 e ss.
Para uma anlise mais criteriosa do tema, v. MARINONI, Luiz
Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Comentrios..., ob. cit., p.
427/428.
V. a respeito, defendendo a noo tcnica de hipossuficincia, Kazuo
Watanabe in GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Cdigo brasileiro de
defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, ob.
cit., p. 713/714 (embora adotasse ele, em edies anteriores da mesma
obra, outro entendimento a respeito do assunto); MATOS, Ceclia. O
nus da prova no cdigo de defesa do consumidor, ob. cit., p. 166;
NOGUEIRA, Tnia Lis Tizzoni. Direitos bsicos do consumidor: a
facilitao da defesa dos consumidores e a inverso do nus da prova,
ob. cit., p. 57. J defendendo a noo eco