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Integrar em Lngua Portuguesa: consideraes finais do Projecto
Aproximaes
Ana Lusa Oliveira
Rosa Maria Faneca
Teresa Ferreira
Universidade de Aveiro Aveiro/Portugal
Resumo
Numa sociedade cada vez mais marcada pela heterogeneidade de
origens e culturas, a
integrao dos cidados estrangeiros essencial para a harmonia e
coeso sociais. Neste mbito, e
tendo por base o pressuposto fundamental de que o domnio da
lngua do pas de acolhimento um
factor que muito contribui para essa almejada integrao,
iniciou-se em 2005 o Projecto
Aproximaes Lngua Portuguesa: atitudes e discursos de no nativos
residentes em Portugal,
cujas populaes-alvo so as comunidades cabo-verdiana, ucraniana e
chinesa, dada a grande
relevncia que assumem no panorama da imigrao em Portugal. Os
objectivos gerais do projecto
contemplam duas vertentes distintas, mas complementares: a
vertente social, relacionada com o
papel da lngua na integrao dos sujeitos; e a vertente
lingustica, ligada s especificidades da
apropriao da Lngua Portuguesa (LP) dificuldades lingusticas e
estratgias de aprendizagem1.
Partindo das representaes evidenciadas em inquritos e
entrevistas realizados a
imigrantes2 adultos, pretendemos apresentar alguns resultados do
projecto, cuja finalidade consiste
em fornecer pistas didcticas em relao apropriao do Portugus como
Lngua No Materna
(em contexto formal, no formal e informal3).
1. Enquadramento do Projecto Aproximaes4
1.1. Imigrao em Portugal
At h poucas dcadas atrs, Portugal, semelhana de outros pases do
sul da Europa, era
um pas marcado pela forte emigrao (Marques & Rosa, 2003;
SEF, 2006), cujos valores
superavam em larga escala os da (ainda assim existente) imigrao.
No entanto, a situao
migratria tem vindo a alterar-se e, actualmente, Portugal,
continuando a ser caracterizado pela
emigrao, constitui igualmente um destino de eleio para
imigrantes de diferentes origens tnicas,
sociais, culturais e lingusticas. Esta recente corrente
imigratria resulta da conjugao de uma srie
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de factores, dos quais se destacam: a democratizao da sociedade
portuguesa, em 1974; o fim da
soberania lusitana nos territrios ultramarinos da sia e da
frica, na segunda metade do sculo
XX; a adeso de Portugal Unio Europeia, em 1986, e a consequente
abertura das suas fronteiras
aos estados membros (acentuada pela entrada em vigor do Acordo
de Schengen e da respectiva
Conveno de Aplicao em Portugal, em 1995); e, por fim, a queda
dos regimes do Leste Europeu,
o surgimento de novos estados independentes e os problemas
polticos, sociais e econmicos que
caracterizam esses pases (cf. Pires, 2003, Bastos & Bastos,
1999 e Rocha-Trindade, 1995 para uma
sntese). Como resultado destas e doutras mudanas scio-polticas
ocorridas na Europa
promotoras de contactos econmicos, cientficos, culturais e
lingusticos a diversos nveis, assim
como de uma intensa mobilidade internacional em 2004 (ano da
concepo do projecto) existiam
447.186 cidados estrangeiros a residir legalmente em Portugal.
Actualmente, e de acordo com os
dados do ltimo relatrio estatstico do Servio de Estrangeiros e
Fronteiras (SEF), verificamos um
ligeiro decrscimo no que diz respeito ao nmero total de
estrangeiros residentes em Portugal
(409.185). No entanto, no obstante este facto e as ligeiras
oscilaes ocorridas no ranking das
comunidades mais representadas no territrio portugus (cf. SEF,
2006), as comunidades
seleccionadas para a realizao deste estudo continuam a merecer,
no panorama migratrio
nacional, uma ateno especial no s pelo lugar de destaque que
ocupam em termos numricos
sobretudo as comunidades cabo-verdiana e ucraniana, a primeira e
terceira comunidades mais
numerosas em Portugal como tambm pela sua prpria natureza
sociolingustica (cf. seco 1.4.).
1.2. Breve apresentao do Projecto Aproximaes
A tomada de conscincia em relao ao recente papel de Portugal
enquanto pas de
acolhimento e s suas responsabilidades no que diz respeito
integrao efectiva dos cidados
estrangeiros que, como sabemos, se consubstancia no direito
igualdade e ao pleno exerccio da
cidadania levaram a que, em 2004, se delineasse o Projecto
Aproximaes Lngua Portuguesa:
atitudes e discursos de no nativos residentes em Portugal.
Iniciado a 1 de Maro de 2005 e tendo
como terminus o dia 30 de Setembro de 2007, o projecto
estabeleceu como populaes-alvo adultos
e jovens-adultos de origem cabo-verdiana, ucraniana e chinesa
que, de uma forma mais ou menos
guiada e sistemtica, se tivessem envolvido em contextos/situaes
de aprendizagem formal e no
formal da lngua do pas de acolhimento. Todavia, na sequncia do
desenvolvimento do projecto e,
em particular, do conhecimento que foi sendo recolhido em relao
s comunidades em estudo,
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acabou por se alargar o pblico a todos aqueles que
investiram/investem no desenvolvimento de
competncias em LP, seja atravs do recurso a um processo de
aprendizagem formal ou no formal
(como inicialmente previsto) ou atravs do envolvimento
consciente e intencional dos sujeitos em
aprendizagens informais, tais como a interaco com outros
falantes de Portugus5.
Incidindo primordialmente (mas no exclusivamente) sobre as
representaes sociais6 dos
sujeitos no nativos em relao LP, o projecto teve as seguintes
principais linhas de aco:
a) a anlise da relao que os prprios sujeitos estabelecem entre o
Portugus e os seus percursos
de integrao/expectativas sociais;
b) a caracterizao dos novos pblicos de aprendentes de Portugus
como Lngua No Materna.
, ento, dos resultados gerais deste projecto que pretendemos dar
conta neste artigo.
1.3. Design metodolgico
O corpus de anlise do nosso estudo constitudo por um total de
175 questionrios e 10
entrevistas complementares realizados entre o final de Julho de
2005 e o incio de Maro de 2006 a
adultos e jovens-adultos de origem cabo-verdiana, ucraniana e
chinesa residentes em Portugal.
O questionrio, preenchido por 75 cabo-verdianos, 75 ucranianos e
25 chineses7, constituiu
o principal instrumento de recolha de dados do projecto e
encontra-se estruturado em torno de trs
domnios de anlise:
a) perfil sociolingustico dos sujeitos;
b) representaes sobre a LP e o seu processo de aprendizagem;
c) expectativas sociais e de integrao.
As entrevistas, realizadas a 4 cabo-verdianos, 4 ucranianos e 2
chineses (seleccionados a
partir da amostra geral do estudo), foram elaboradas com o
objectivo de potenciarem a
explicitao/aprofundamento das informaes veiculadas pelos
sujeitos aquando do preenchimento
do questionrio. Por se basearem nas respostas de cada indivduo s
perguntas do questionrio, as
entrevistas no correspondem a um mesmo guio.
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A anlise que aqui apresentamos resulta, pois, do cruzamento de
dados, os quais, tendo sido
obtidos atravs de um contacto muito prximo entre investigador e
informante e dando particular
nfase aos discursos dos sujeitos, numa abordagem mica (Mondada,
2005), pem em evidncia
les expriences de vie des participantes et participants de mme
que le sens que ces derniers leur
attribuent (Grin-Lajoie, 2002: 78-79), neste caso concreto a
inter-relao entre as crenas, as
representaes e atitudes de no nativos face lngua do pas de
acolhimento e ao seu processo de
integrao. Centrar-nos-emos, num primeiro momento, nas
representaes sociais evidenciadas
pelos inquiridos das trs comunidades em relao ao binmio
lngua/integrao, e, num segundo
momento, analisaremos as suas representaes metalingusticas
relativamente s dificuldades
sentidas em LP e s estratgias/actividades por eles consideradas
como sendo mais eficazes no
processo de apropriao do idioma do pas de acolhimento.
1.4. Caracterizao sociolingustica da amostra
As comunidades deste estudo pertencem a geraes migratrias
distintas e apresentam entre
si uma natureza sociolingustica tambm diversa.
Os cabo-verdianos deste estudo apresentam-se como um grupo
predominantemente jovem.
Com efeito, 30 dos 75 inquiridos pertencem faixa etria dos 18-24
anos e 17 dos 25-30, valores
que, por si s, totalizam 63% das respostas. Quanto ao nvel de
escolaridade, uma parte significativa
dos respondentes (55%) afirma ter como habilitaes escolares o
ensino superior incompleto (cf.
Anexo 1 Grfico 1). Se associarmos a esta informao as variveis
referentes profisso exercida
em Portugal e ao tempo de residncia no pas de acolhimento bem
como os dados anteriormente
apresentados em relao idade dos sujeitos podemos constatar que
estamos perante um pblico
essencialmente estudantil8, cujos objectivos no processo de
imigrao passam essencialmente pela
obteno, no pas de acolhimento, de um grau acadmico. Com efeito,
61% dos inquiridos indica a
categoria Estudante como sendo aquela que define a sua situao
profissional em Portugal e, em
69% dos casos, o tempo de permanncia no pas de acolhimento no
excede os 6 anos, o que, em
nosso entender, parece estar em consonncia com os objectivos
inerentes ao processo de imigrao
de uma grande parte dos elementos do grupo inquirido, os quais
implicam, na maior parte dos
casos, o regresso terra de origem. Nas palavras de um dos
entrevistados, no h nenhum pas que
eu trocaria para viver (H.182). No que diz respeito sua Lngua
Materna (LM), verificamos que
se trata de um grupo bastante homogneo. Na verdade, 87% dos 75
inquiridos aponta o Crioulo de
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Cabo Verde (CCV) como LM, 12% o CCV e o Portugus, e apenas 1% se
refere exclusivamente
LP.
O grupo de ucranianos que constitui objecto de anlise neste
projecto traduz o carcter
recente da imigrao de Leste em Portugal. De facto, no so
observadas, na amostra, quaisquer
respostas que indiquem um perodo de permanncia no nosso pas
superior a 7 anos. Trata-se de um
pblico adulto, tal como podemos observar pelos dados referentes
idade dos inquiridos, em
relao aos quais se verifica uma maior incidncia nas faixas dos
25-3 (21%), 31-37 (37%) e 38-44
(20%). Enquadrando-se igualmente na tendncia manifestada pelas
comunidades imigradas do
Leste Europeu no que diz respeito ao estatuto acadmico, este
grupo caracteriza-se por possuir um
nvel de instruo maioritariamente superior e mdio (52% e 43%,
respectivamente) cf. Anexo 1
Grfico 1. Para alm disso, estes sujeitos caracterizam-se tambm,
regra geral, por uma situao de
sobrequalificao relativamente no s sua profisso em Portugal como
tambm profisso
exercida no pas de origem. Quanto LM, as respostas dos
inquiridos parecem retratar o passado
histrico recente do pas natal enquanto parte integrante da Unio
Sovitica. Efectivamente, apesar
de verificarmos a existncia de um nmero significativo de
informantes (49%) para quem o
Ucraniano assume isoladamente o estatuto de LM, tambm
encontramos 19% de respostas que se
referem exclusivamente Lngua Russa e 31% s lnguas Ucraniana e
Russa em simultneo.
Quanto aos imigrantes chineses deste estudo, estes
distribuem-se, em termos etrios,
essencialmente pelas faixas dos 18-24 (36%), 25-30 (16%), 31-37
(24%) e 38-40 (16%). Quanto ao
tempo de residncia em Portugal tambm ele um pouco disperso. Com
efeito, no obstante
constatarmos que 42% dos inquiridos esto em Portugal h menos de
3 anos (inclusive)
ilustrando, assim, o boom demogrfico de imigrantes de origem
chinesa em Portugal nos ltimos
anos , os dados permitem-nos tambm perspectivar percursos de
imigrao eventualmente um
pouco mais longos, ainda que circunscritos ao perodo de uma
dcada (20% das respostas situam-se
entre os 7 e os 10 anos, inclusive). A nvel das habilitaes
acadmicas, o grupo parece subdividir-
-se em duas categorias: a dos licenciados e ps-graduados ou em
vias de obter uma ps-graduao
(52%); e a dos que possuem apenas o ensino bsico completo (44%)
cf. Anexo 1 Grfico 1.
Em termos profissionais, destacam-se claramente, e semelhana dos
cabo-verdianos, os estudantes
(76%). Por fim, no que concerne LM dos inquiridos, as respostas
dos sujeitos atestam a
diversidade dialectal presente em territrio chins. De facto,
muito embora uma grande parte dos
sujeitos (56%) se refira indistintamente Lngua Chinesa9, alguns
inquiridos fazem questo de
especificar a variedade dialectal que consideram ser a sua LM, a
saber: Cantons (28%), Mandarim
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(8%) e dialecto de Xangai (4%). Apenas um dos informantes refere
simultaneamente as Lnguas
Chinesa e Portuguesa.
2. Consideraes finais do Projecto Aproximaes
Tendo em considerao que Portugal um pas onde, apesar das
alteraes significativas
ocorridas durante as ltimas dcadas, se continua a verificar,
para a maior parte da populao, uma
sobreposio de factores identitrios (lngua, cultura, valores,
nacionalidade), torna-se urgente
estar atento s mltiplas formas de viver e sentir a LP presentes
em territrio nacional,
nomeadamente por parte daqueles cujo background histrico,
social, cultural e lingustico
substancialmente diferente do dos autctones.
, ento, nesse sentido, e partindo do princpio fundamental de que
a questo da integrao
dos cidados estrangeiros passa, entre outros aspectos, pelo
desenvolvimento de competncias na
lngua do pas de acolhimento (a qual permite a criao de laos
afectivos com uma nova ptria),
que consideramos de fulcral importncia produzir conhecimento
acerca das novas realidades com
que nos deparamos e desenvolver estratgias que nos permitam agir
em conformidade com as
mesmas. Teremos em conta, para o efeito, que as relaes que os
sujeitos estabelecem com a LP
podem ir da total identificao at ausncia dessa identificao.
Todavia, prevemos que essa
relao se possa fazer em complementaridade com outras pertenas,
em constantes recriaes da
prpria ptria lingustica.
2.1. Lngua e Integrao
Uma pessoa chega c, no conhece nada, no sabe falar! muito
complicado viver no meio de
pessoas estranhos! (K.92)
A existncia humana caracteriza-se pelo seu carcter social e
socializante. Desde sempre, o
Homem tem tendncia a organizar-se em sociedade, criando relaes
de interdependncia que
garantem a sua sobrevivncia. Mesmo nos locais mais recnditos do
planeta, onde o fenmeno da
globalizao tem dificuldade em penetrar, os seres humanos
organizam-se em tribos ou outras
formas de estruturao social. Ora, um dos factores mais
importantes, e que possibilita esta vivncia
em comunidade, a comunicao, e especificamente a comunicao verbal
possibilitada pela
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utilizao da linguagem. Neste sentido, as lnguas, como marcas
dessa capacidade de linguagem
e, assim, como marcas de pensamento , desempenham um papel
fundamental na coeso e na
organizao social. Precisamos delas para interagir com as outras
pessoas, para exercer uma
profisso, para transmitir, receber e perpetuar conhecimentos,
para expressar opinies e
sentimentos, para pedir informaes, entre tantas outras funes que
no so s comunicativas, mas
antes tambm afectivas, cognitivas e socializantes.
Assim sendo, facilmente se conclui que o desconhecimento da
lngua falada pela maioria
dos elementos de uma comunidade dificulta a integrao na mesma.
No caso especfico dos
imigrantes, a barreira lingustica , sem dvida, o primeiro
obstculo, entre muitos, com que se
deparam:
Factor determinante na integrao social dos migrantes na
sociedade de acolhimento a
aquisio de um conjunto de competncias sociais e culturais. De
entre estas competncias, as competncias lingusticas assumem uma
importncia particular, dado que permitem criar e manter formas de
relacionamento com a populao autctone e a aquisio de informaes
sobre oportunidades existentes nas diversas esferas sociais
(oportunidades culturais, econmicas, etc.). Existe a este respeito
uma crescente literatura que procura avaliar, sobretudo, a
influncia das competncias lingusticas dos imigrantes sobre a sua
integrao socioprofissional e, em particular, sobre o aumento dos
seus nveis salariais (veja-se, por exemplo, Chiswick, 1991;
Chiswick e Miller, 1996; Dustmann, 1994; Espenshade e Fu, 1997).
(Baganha, Marques & Gis, 2004: 106)
Uma das entrevistadas de nacionalidade chinesa confirma esta
constatao atravs do relato
da sua prpria experincia: quando c cheguei, pronto, as pessoas
deixavam-me de lado porque
eu no sabia falar, no sabia o que que as pessoas faziam, ento,
ficava sempre num cantinho e
depois, quando tocava, ia para as aulas, e depois no intervalo
ficava l outra vez! Depois, com
com tempo, aprendi falar, comecei conversar com as pessoas!
Pronto, a que comecei a entrar
mesmo a minha vida como deve ser! Acho que isso! (K.132).
O sucesso escolar e/ou profissional e a maior ou menor incluso
dos imigrantes numa
sociedade que ao princpio lhes estranha dependem, entre outros
aspectos, do conhecimento que
tm da lngua de acolhimento. Por outro lado, a aprendizagem dessa
mesma lngua ser
condicionada pela importncia que os sujeitos lhe atribuem, ou
seja, quanto mais importncia
reconhecerem necessidade de dominarem a lngua do pas de
acolhimento, mais se empenharo na
sua aprendizagem e, consequentemente, melhor e mais depressa
conseguiro atingir uma boa
proficincia lingustica (Gardner & Lambert, 1972). Por esse
motivo, iremos analisar alguns
indicadores que evidenciam a importncia atribuda LP pelos
sujeitos entrevistados das trs
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comunidades em anlise, bem como alguns indicadores do grau de
integrao revelado pelos
mesmos nos questionrios, de modo a estabelecer uma relao entre
estas duas vertentes. Temos
conscincia, no entanto, de que h outros factores que intervm no
processo de aquisio
lingustica, tais como as caractersticas pessoais dos sujeitos
(idade, sexo, factores de ordem
cognitiva), os seus repertrios lingusticos (a proximidade
lingustica entre a LM e a lngua de
acolhimento, o conhecimento prvio de outras lnguas), as motivaes
inerentes aprendizagem
da lngua-alvo (que podem ser integrativas e/ou instrumentais,
estando estas ltimas relacionadas,
entre outros aspectos, com a necessidade de domnio lingustico
que o prprio meio impe, como,
por exemplo, o tipo de profisso exercida) e os constrangimentos
scio-profissionais e econmicos
(a facilidade ou no em aceder a cursos de lngua e o tempo
disponvel para dedicar ao estudo da
lngua).
2.1.1. Anlise de alguns indicadores de integrao
Nesta subseco procederemos anlise das respostas dos inquiridos
relativamente a quatro
questes que indiciam o seu grau de integrao na sociedade
portuguesa. Temos de ter sempre
presente, no entanto, de que se trata de indicadores, deixando,
como tal, alguma margem de
interpretao ao investigador. As questes em causa incidem sobre
os seguintes aspectos: inteno
de fixar residncia definitiva em Portugal; sentimentos
relativamente aos portugueses; regularidade
com que frequentam a casa de portugueses; e regularidade com que
frequentam instituies e
associaes portuguesas.
Com base no background lingustico e cultural destas trs
comunidades, poderamos tentar
prever qual o grau de sucesso com que cada um dos trs grupos do
estudo se integraria em Portugal.
A hiptese a colocar, baseada em critrios sociolingusticos e
(inter)culturais, seria a seguinte: os
cabo-verdianos seriam a comunidade com maiores probabilidades de
se integrar na sociedade
portuguesa, uma vez que a LP a lngua oficial de Cabo Verde e
dada a ligao histrico-cultural
entre os dois pases. Nas palavras de uma entrevistada
cabo-verdiana, eu acho que para ns, os
imigrantes dos PALOPs, Portugal j um pas mais fcil de integrao,
porque j temos
conhecimentos anteriores! A colonizao trouxe coisas boas; j
conhecamos a lngua, j sabamos
um pouco da cultura (M.364). No extremo oposto teramos a
comunidade chinesa: a LP e a LM
destes imigrantes so linguisticamente distantes, assim como o
contexto cultural radicalmente
diferente. Seria, pois, a comunidade com menos probabilidade de
integrao. No meio encontrar-se-
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-ia a comunidade ucraniana, cuja LM se distancia da LP (mas no
tanto como a dos chineses),
embora pertencendo, tal como a LP, famlia de lnguas do
Indo-Europeu. Por outro lado, a sua
cultura, sendo diferente da portuguesa, no deixa de ser
europeia, tendo, portanto, muitos pontos de
contacto (lembre-se a difuso da cultura comunista em tempos
ainda no muito recuados, por toda a
Europa). Correspondero estas hipteses realidade apresentada
pelos inquiridos?
Com base na anlise dos dados, estas previses parecem no
corresponder realidade
apresentada pelos sujeitos que constituem a amostra deste
estudo. Relativamente inteno de fixar
residncia em Portugal, 57% dos ucranianos respondeu
afirmativamente, enquanto que apenas 17%
dos cabo-verdianos e 8% dos chineses partilha dessa inteno, o
que se pode explicar pelos
diferentes objectivos inerentes passagem da maioria dos sujeitos
pelo territrio portugus. De
entre os factores alegados pelos que responderam que no
pretendem ficar em Portugal, destaca-se
o desejo de voltar para o pas de origem, expresso por 16% dos
chineses e por 23% dos cabo-
-verdianos inquiridos. A este propsito, importa referir que uma
grande parte dos cabo-verdianos da
amostra so estudantes universitrios que vieram para Portugal com
o nico propsito de investir na
sua formao acadmica e, de seguida, voltar a Cabo Verde (tal como
j foi, alis, mencionado
aquando da caracterizao da amostra deste estudo). Efectivamente,
dois entrevistados desta
nacionalidade referem que o seu objectivo terminar a sua formao
e regressar, porque eu quero
contribuir para o desenvolvimento do meu pas (Il.72). ainda de
referir que 5% dos cabo-
-verdianos alega no gostar de Portugal e 1% refere a existncia
de xenofobia. Por outro lado, 15%
dos ucranianos diz que tenciona ficar porque gosta de Portugal.
No geral das trs comunidades, as
razes mais apresentadas quer na deciso de ficar, quer na de
partir, quer para os indecisos,
prendem-se com factores de ordem econmico-profissional (No,
assim, eu quero ficar, mas
depende. [] Concretamente eu posso dar exemplo muito claro que
percebe se calhar a todo o
portugus. Quando ns chegmos em Portugal, coisas, a vida, coisas
como Economia era muito
melhores [] era muito mais fcil encontrar trabalho, e agora
J.206;218).
Quanto ao segundo indicador analisado, foi solicitado aos
indivduos que seleccionassem a
frase que melhor exprimia o seu sentimento relativamente aos
portugueses:
a) no v inconveniente em casar-se com um(a) portugus(a);
b) agrada-lhe t-los como amigos;
c) agrada-lhe t-los apenas como colegas de trabalho;
d) prefere t-los como simples conhecidos;
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e) exclui-os das suas relaes pessoais.
Uma vez que a primeira frase colocou algum desconforto (at
porque alguns dos inquiridos
j eram casados), vamos considerar as hipteses a) e b) em
conjunto, pois ambas revelam o mesmo
sentimento de simpatia e apreo pelos portugueses, no sendo
particularmente relevante a questo
do casamento para a anlise em causa. Assim, 92% dos informantes
chineses seleccionou estas
opes, bem como 75% dos ucranianos e apenas 51% dos
cabo-verdianos. Esta ltima comunidade
destacou-se ainda pela elevada relutncia em responder questo
(39% dos cabo-verdianos
inquiridos no respondeu). Quanto sua opinio sobre os
portugueses, uma entrevistada ucraniana
respondeu que Eu acho que este povo, no seu geral, povo bom! H
muitos pessoas boas,
dispostas de ajudar. Tambm, em geral, h pessoas que gosta muito
de comunicar-se. No se pode
dizer que essas pessoas so fechados ou cada um vive no seu mundo
prprio! No! Eu acho que
portugueses so muito abertos! (J.268).
No que diz respeito frequncia da casa de portugueses, os
ucranianos so os que afirmam
faz-lo com mais regularidade (39%), seguidos dos chineses (32%)
e, por ltimo, dos cabo-
-verdianos (21%). de destacar que 23% dos cabo-verdianos alega
nunca ir a casa de portugueses,
por oposio a apenas 12% dos chineses e 4% dos ucranianos. Temos,
no entanto, a este nvel, que
ter em considerao as diferenas que existem entre as trs
comunidades em termos de relao
histrica, social e poltica com a populao portuguesa, que se
traduzem, como bvio, em
diferentes representaes e contactos inter-pessoais,
interculturais e interlingusticos entre as
comunidades estrangeiras em questo e os portugueses. tambm
relevante o facto de as
caractersticas sociais da amostra seleccionada no serem
representativas das caractersticas das trs
comunidades a que pertencem, uma vez que, ao contrrio da
amostra, as comunidades cabo-
-verdiana e chinesa no so constitudas maioritariamente por
estudantes, mas sim por
trabalhadores. A escolha da amostra no se prendeu, pois, com
critrios sociais mas sim com
critrios de ordem lingustica e, mais particularmente, com os
percursos de aprendizagem da LP dos
indivduos8.
O ltimo indicador de integrao analisado prende-se com a
frequncia de instituies e
associaes portuguesas. Neste caso, os ucranianos e os
cabo-verdianos do estudo so os que
frequentam com maior regularidade (29% e 28%, respectivamente),
e em menor quantidade os
chineses (8%). Quanto a esta comunidade, h 48% que afirma nunca
frequentar associaes ou
instituies portuguesas, a par de 27% de cabo-verdianos e 20% de
ucranianos.
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Da leitura destes indicadores, e tendo em conta as diferentes
modalidades de integrao
defendidas por Pires (2003: 96 e seguintes), posicionadas num
contnuo que apresenta, enquanto
extremos, os plos da assimilao e da etnicizao (Pardal, Ferreira
& Afonso, 2007: 73),
podemos concluir que a comunidade ucraniana inquirida parece ser
a mais integrada na nossa
sociedade, aproximando-se mais do plo da assimilao. Quanto s
outras duas comunidades, que
demonstram aproximar-se mais do plo da etnicizao, os dados no so
conclusivos, pois os cabo-
-verdianos questionados revelaram, em mdia, uma menor
predisposio para entrar em contacto
com os autctones (i.e., menores motivaes integrativas cf.
Gardner & Lambert, 1972), mas, por
outro lado, os chineses da amostra frequentam com menor
regularidade instituies portuguesas e
manifestam menor vontade de ficar em Portugal. Mesmo assim, dado
tudo o que foi dito
anteriormente, arriscamo-nos a dizer que os informantes
cabo-verdianos parecem ser os que
revelam menores sinais de integrao, talvez, como diz um dos
entrevistados, devido forma
como encontrei aqui os colegas cabo-verdianos um pouco
agrupados, s vezes, e acho que isto
dificulta muito a integrao (A.434).
2.1.2. Importncia atribuda LP no processo de integrao: grande,
pequena ou nula?
Para apurarmos a importncia atribuda LP, basemo-nos na resposta
a trs perguntas do
questionrio. Por um lado, os sujeitos inquiridos foram
questionados quanto importncia que a LP
teve na sua deciso de fixao ou no de residncia definitiva em
Portugal. Constatmos que os
respondentes das trs comunidades atribuem maior peso LP na sua
deciso de ficar em Portugal
(86% dos inquiridos que pretende ficar em Portugal afirma que a
LP teve grande importncia nessa
deciso). Podemos inferir que o facto de j conhecerem a lngua um
factor acrescido, embora no
o mais importante, para permanecerem no nosso pas. Por oposio,
apenas 29% dos que
responderam que no pretendem ficar diz que a LP teve grande peso
nessa deciso. Estes dados
poderiam indicar que tencionam sair de Portugal por causa de
dificuldades lingusticas em LP, mas
no nos parece ser esse o caso. A interpretao mais adequada
prender-se- talvez com a inteno
manifestada por alguns inquiridos de ir para pases onde a LP
necessria, como o caso dos cabo-
-verdianos que querem voltar para o seu pas de origem.
A segunda questo analisada prende-se com a importncia que os
indivduos atribuem LP
relativamente concretizao das suas ambies profissionais:
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a) exercer a sua profisso;
b) montar um negcio;
c) ganhar dinheiro independentemente da actividade.
Observmos que 93% dos que ambicionam montar um negcio atribui
grande importncia
LP na tomada dessa deciso, o que demonstra que tm conscincia de
que no basta ter esprito
empreendedor para arriscar a nvel empresarial; muito importante,
para alm disso, o poder e
competncia de comunicao. Por outro lado, a percentagem de
pessoas que no pensa em montar
um negcio e que atribui grande importncia LP nessa deciso baixa
para 82%, sendo, ainda
assim, um valor bastante significativo.
Por fim, os sujeitos entrevistados foram solicitados a atribuir
um valor entre 1 e 5 (sendo 1 o
mnimo e 5 o mximo) a oito afirmaes relativas relevncia da
LP:
a) facilita a integrao na sociedade portuguesa;
b) facilita o exerccio da sua actividade;
c) permite-lhe fazer amizades com os portugueses;
d) possibilita-lhe melhorar de vida;
e) possibilita-lhe melhorar a situao profissional;
f) possibilita-lhe exercer a sua profisso;
g) possibilita-lhe melhorar/alargar relaes sociais;
h) possibilita-lhe ir trabalhar noutro pas de LP.
Depois de feita a mdia das respostas de cada comunidade,
conclumos que, de forma geral,
os ucranianos inquiridos so aqueles que atribuem maior peso LP
(mdia de 4,5 valores), seguidos
dos cabo-verdianos (3,9 valores) e, por ltimo, dos chineses (3,3
valores).
Se considerarmos a mdia das respostas de cada comunidade a cada
um dos oito parmetros
referidos (cf. Grfico 2), podemos perceber quais as reas que os
inquiridos consideram beneficiar
mais do conhecimento da LP e quais aquelas para as quais a LP
menos relevante.
-
13
Grfico 2 Representaes dos sujeitos sobre a importncia da LP
Comeando pela comunidade ucraniana participante no projecto, a
LP parece ser muito
importante para melhorar a situao profissional (4,8 valores),
para exercer a sua actividade (4,7),
para a integrao na sociedade portuguesa (4,7) e para
melhorar/alargar relaes sociais (4,6).
Temos, ento, presentes duas vertentes: a vertente profissional e
a vertente de interaco com outras
pessoas. A amplitude das respostas de apenas 0,4 valores, entre
4,4 e 4,8, excepto no que se refere
a ir trabalhar noutro pas de LP, que apenas mereceu 3,5 valores
(apenas 8% dos ucranianos afirmou
no tencionar permanecer em Portugal). Podemos, ento, concluir
que, excepo deste ltimo
aspecto mencionado, esta comunidade reconhece uma importncia
muito elevada LP em relao a
todos os parmetros considerados.
Quanto comunidade cabo-verdiana respondente, a amplitude das
respostas de 1,1
valores, merecendo a resposta mais baixa 3,4 valores e a mais
alta 4,5. Na opinio dos informantes,
a LP tem mais influncia na integrao na sociedade portuguesa
(4,5), no exerccio da sua
actividade (4,3), na possibilidade de ir trabalhar noutro pas de
LP (4) e no exerccio da sua
profisso (3,9). Temos de considerar que alguns dos inquiridos de
nacionalidade cabo-verdiana so
estudantes universitrios, como j dissemos anteriormente, cujo
objectivo obter qualificaes
acadmicas que lhes permitam aceder a boas posies profissionais
em Cabo Verde. Um dos
entrevistados dizia que Estou c para estudar. Prefiro abdicar de
umas frias que certamente so
bem passadas e concluir a minha formao num curto espao de tempo.
Portanto este meu
objectivo, e depois regressar de vez (Il.66). Deste modo, as
suas representaes quanto
1
2
3
4
5
integrao na sociedade portuguesa
exercer a sua actividade fazer amizades com os
portugueses melhorar de vida melhorar a
situao profissional
exercer a sua profisso melhorar/alargar relaes sociais ir
trabalhar noutro pas de LP
Ucranianos Cabo-verdianos Chineses
-
14
importncia da LP reflectem essa inteno de regressar ptria: o
facto de conhecerem previamente
a lngua falada na sociedade de acolhimento facilita a sua
integrao, e, consequentemente, o
sucesso acadmico; o facto de viverem em contexto de imerso
lingustica contribui para a melhoria
da sua proficincia em LP, o que uma mais-valia muito grande,
dado que em Cabo Verde os
melhores cargos so ocupados pelos que possuem um bom domnio da
lngua oficial (a LP) Por
exemplo, podes estar numa funo que, por exemplo, o chefe exija
ou que mesmo necessrio
[falar Portugus]! Por exemplo, antes de vir para Portugal, eu
trabalhava no protocolo do Estado,
portanto, que tipo relaes pblicas, era obrigado a falar em
Portugus (Il.176-178).
Por ltimo, no que se refere comunidade chinesa inquirida, o que
mais se destaca o facto
de todos os valores serem baixos, variando entre 3 e 3,4, excepo
da importncia reconhecida
LP na melhoria da situao profissional (3,8). De acordo com estes
dados, pode concluir-se que os
chineses do estudo consideram que o domnio da LP no muito
relevante para qualquer dos
aspectos em anlise, sendo possvel (sobre)viver em Portugal tendo
apenas conhecimentos
elementares da LP. precisamente esta ideia que uma das
entrevistadas chinesas expressa,
referindo-se mais aos seus conterrneos do que ao seu caso
particular: h outra coisa que um
factor muito forte, que os chineses pensam que no precisam de
Portugus para viver! assim,
eles esto aqui, aprende-se um bocadinho porque necessitam, mas
no querem, no tm vontade de
aprender o Portugus, porque uma pessoa quando c chega, qualquer
chins chega l: Olha,
Portugus muito difcil!. E uma pessoa fica com ideia: Olha,
Portugus muito difcil!,
Olha, se calhar eu no vou conseguir aprender o Portugus! Uma
pessoa j tem receio de ir l
experimentar uma coisa! E ento quando comea com os verbos ou com
as palavras assim difceis,
olha, melhor eu noeu, abrindo um bocadinho, para vender ou para
trabalhar, resto deixo
estar! (K.148).
2.1.3. A importncia conferida LP reflecte-se no grau de
integrao?
Tendo em conta a anlise efectuada, em relao amostra deste
estudo, dos indicadores de
integrao e dos indicadores que revelam a importncia atribuda LP,
parece que, de facto, estes
dois factores esto relacionados. Podemos observar que a
comunidade ucraniana do estudo a que
reconhece maior importncia LP a diversos nveis e,
simultaneamente, a que revela mais sinais de
integrao na sociedade portuguesa. As representaes que tm sobre a
necessidade do domnio da
lngua de acolhimento reflectem-se no esforo que investem nesse
sentido, nomeadamente na
-
15
elevada frequncia de cursos de LP direccionados a estrangeiros e
nas estratgias de aprendizagem,
como veremos mais adiante, na seco consagrada a esta temtica
(cf. seco 2.3.). de destacar
que valorizam muito o contacto com os portugueses enquanto meio
de melhorarem a sua
proficincia em LP: eu acho que quando a pessoa tem uma vida
activa, no trabalha s com
imigrantes, no lida s com as pessoas da terra dela, s com os
imigrantes, e no trabalha s com
mquinas, trabalha com as pessoas e comunica muito, ajuda muito!
Porque esses situaes
normais, no ? Eles puxam um bocado pela cabea e a pessoa,
pronto, aprende e tenta
desenrascar-se! E um estmulo sempre. A pessoa precisa de dizer,
de explicar alguma coisa, tem
que s vezes ir buscar alguma palavra ao dicionrio, ou perguntar
ao colega, ou sei l! Ou tentar
explicar alguma coisa com ajuda das outras coisas, as outras
palavras, at desenhos e gestos d!
(V.144-146). Alm de ser uma boa estratgia de aprendizagem da LP,
a interaco com os
portugueses assume-se igualmente como uma excelente estratgia de
integrao. Outro factor
importante de integrao a valorizao e receptividade que
demonstram em relao cultura
portuguesa: para aprender o Portugus, a pessoa tem que fazer
muito esforo, fazer muito esforo
e sempre falar com os portugus e pedir para eles corrigirem,
porque s assim consegue a pessoa
aprender. Mas, alm disto, mantm a cultura, a cultura portugus;
os livros, jornais, importante
(D.244-246); assim, os nossos tradies de nossas festas, de nossa
cultura, de nossa religio
sempre estiveram na nossa casa, ns seguramos tradies: muito
tradies de Natal, tradies de
Pscoa, tradies, no consigo compreender como que pode ser na
outra maneira, porque
isso est vivo em ns, na nossa alma! Mas j tudo misturado. Ns
temos celebrar nossa Natal
tambm e cultura portuguesa, j est tudo misturado, at comida, at
tradies. Natal,
Carnaval, temos celebrar a nosso Natal, ns Pai Natal tambm vem
na nossa casa, Iesmarov da
nossa lngua, da nossa festa tambm vem, e nossas crianas tambm
muito mais felizes, porque eles
tm o Pai Natal e So Nicolau! (Ir.252-260).
Quanto comunidade chinesa inquirida, os dados indicam ser o
segundo grupo mais bem
integrado dos trs grupos respondentes (embora seguidos de perto
pelos cabo-verdianos), mas, ao
mesmo tempo, o que menos importncia atribui LP. A justificao
para a pouca importncia dada
LP parece residir na dificuldade efectiva que tm em aprender
Portugus, bem como nas
representaes associadas a essa dificuldade (cf. tambm a
transcrio de K.148, no final da
subseco 2.1.2.) confesso que Portugus difcil, acho que Pronto,
no s eu, h muitas
pessoas dizem que Portugus uma das lnguas mais difceis do mundo!
No quer dizer assim
muito difcil, mas para os chineses uma lngua muito diferente, no
tem nada a ver com Chins.
-
16
muito difcil de aprender! (K.151). Face a esta limitao, os
elementos inquiridos desta
comunidade parecem limitar-se a dominar o Portugus apenas o
suficiente para conseguir exercer a
sua profisso e limitam os contactos com os autctones aos
indispensveis e aos que o seu domnio
lingustico permite. Efectivamente, apesar de demonstrarem ter
uma boa opinio sobre os
portugueses (92% afirma gostar de t-los como amigos/ no ver
inconveniente em casar com um
portugus), isso no significa que convivam muito com os mesmos.
Neste ponto diferenciam-se dos
ucranianos e demais imigrantes de Leste, como uma entrevistada
chinesa afirma: No , por
exemplo, como os russos: trabalham; noite vo para os bares,
falam com os portugueses e
aprende-se muito mais rpido! isso eu acho! Os chineses no gosta
muito do Portugus e no
est assim muito -vontade com Portugus, porque no gostem, pronto!
(K.148). Esto, por
conseguinte, aqui em jogo, para alm do domnio da lngua do pas de
acolhimento, todo um
conjunto de factores que se relacionam com as prprias culturas
de integrao dos sujeitos, com as
diferenas culturais entre os grupos e as prprias personalidades
dos seus membros, entre outros.
No caso dos cabo-verdianos inquiridos, reconhecem bastante valor
LP, at porque o facto
de a lngua ser comum a Portugal e a Cabo Verde (porque oficial
neste pas) um dos motivos, a
par de factores histrico-culturais, da elevada emigrao deste pas
para o primeiro e porque esto
conscientes da mais-valia que constitui o domnio desta lngua em
Cabo Verde. Por outro lado, no
que se refere integrao surgem em ltimo lugar, relativamente aos
elementos das outras duas
comunidades analisadas, em parte devido ao sentido de pertena
sua cultura e s saudades que
sentem da sua terra e das suas famlias, que os leva a conviverem
mais com pessoas da sua
nacionalidade e os impede de se abrirem mais sociedade
portuguesa: e depois, aquela coisa de
separao, tambm, casa, famlia, isso tudo teve grande impacto!;
aquela coisa, aquela msica
quente, bastante tropical, que entrou-me pela alma, foi senti
uma sensao agradvel; que
saudades!; sofro bastante a separao, porque eu sempre fui uma
pessoa muito ligada
famlia! (A.42;64;436-438); Como podes imaginar, a saudade da
famlia muito importante,
principalmente eu sou muito apegado minha famlia, extremamente
complicado. muito difcil.
Eu costumo dizer aos meus colegas que o principal obstculo que
os alunos estrangeiros tm
quando saem, portanto, do pas lidar com a saudade, a distncia,
porque muito complicado
Por exemplo, eu s vezes estou a estudar, de repente bate-me: Ser
que est tudo bem com a
minha famlia?; [Entrevistadora]: Tens muito orgulho em Cabo
Verde, no tens?
[Entrevistado]: Tenho, tenho, tenho, tenho, tenho muito, muito!
(Il.54-58;110).
-
17
Para concluir, resta-nos acrescentar que a modalidade de
integrao dos imigrantes no
depende nica e exclusivamente de si, da sua vontade, do seu
domnio lingustico. Entre outros
factores, so tambm importantes as representaes que deles tm os
nativos do pas de
acolhimento. No caso das comunidades ucraniana e cabo-verdiana,
constatamos que a imagem que
os portugueses em geral tm das mesmas se relaciona directamente
com a sua modalidade de
integrao. De facto, os portugueses nutrem simpatia e considerao
pelos ucranianos, causadas no
s por motivos que podem ser atribudos forma como esta comunidade
se inter-relaciona com os
autctones, mas tambm a uma certa compaixo pelo facto de crerem
que uma grande parte dos
ucranianos exercia, no seu pas de origem, profisses com um certo
estatuto social, como mdicos,
advogados e polticos, e que agora, em Portugal, exercem
profisses muito abaixo das suas
qualificaes (cf. ainda Mendes, 2007):
Ainsi, lacteur social immigr de lEurope de lEst est surtout un
homme (malgr quelques
rfrences aux femmes et aux couples), adulte, dge moyen. Il
travaille dans la construction civile et a une formation suprieure
pour les fonctions quil exerce prsent. Il est arriv au Portugal
travers des rseaux clandestins de main-doeuvre, venant surtout de
Moldavie, dUkraine ou dune autre ancienne Rpublique de lUnion
sovitique. Il est en situation illgale en situation de prcarit face
un intermdiaire, un patron ou un entrepreneur et il veut lgaliser
son statut. Il habite dans des baraques de chantiers ou loue des
chambres. Il garde une grande partie de largent, travaille plus de
dix heures par jour y compris les week-ends. Il est chrtien, de
confession orthodoxe, il essaie dapprendre le portugais, envoie
presque tout largent la famille quil veut faire venir pendant
quelque temps, au Portugal. (Cunha, 2001: 100)
Por oposio, a imigrao proveniente de Cabo Verde (bem como a de
outras origens
africanas de expresso portuguesa) tem sido pautada por
representaes e atitudes diferenciadas, em
termos de inter-relao com a comunidade de acolhimento, as quais
se devem, essencialmente, a
factores econmicos e scio-profissionais, determinadores do
exerccio de poder, e que podem, de
resto, ser ainda observadas actualmente (cf. ainda Arajo,
2006):
Lacteur social-type dfini comme dorigine africaine qui na pas
les honneurs du
discours direct et dont les propos sont rapports est, dans cette
tude de cas, manifestement un adolescent ou un jeune adulte. Il
habite des quartiers dgrads ou de relogement dans la priphrie de la
Grande Lisbonne, na pas en gnral de famille structure et a connu
lchec scolaire et divers passages par des collges ou des instituts
de rducation. Il est originaire du Cap-Vert, n au Portugal, et est
peru comme un dlinquant ou un marginal ds quil refuse daccepter un
emploi quelconque (li la construction civile ou faisant des travaux
non qualifis). On laccuse en outre de prfrer en fonction de ses
valeurs voler ou faire du trafic de drogue. (Cunha, 2001: 99)
-
18
[] embora o racismo revista hoje formas mais subtis e difusas, a
percepo dos negros como uma ameaa social, percepo que pode ser
associada ao racismo mais tradicional e flagrante, perdura na nossa
sociedade. (Machado, 2001)
2.2. Dificuldades Lingusticas
Parece-me que eu no falo como fala um portugus. diferente!
(V.82)
Nesta seco, pretendemos essencialmente identificar e descrever
as principais dificuldades
lingusticas sentidas pelos informantes das trs comunidades em
estudo, tendo como finalidade
ltima fornecer algumas pistas relativamente aos contedos
gramaticais em relao aos quais os
professores de Portugus (em contexto formal e no formal) devem
estar atentos. Com efeito, s um
conhecimento aprofundado das dificuldades especficas sentidas
pelos indivduos, bem como das
causas que lhes so inerentes (a nvel lingustico), permitir ao
professor desenvolver actividades e
estratgias adequadas s situaes concretas de ensino/aprendizagem
com que se depara. Isto torna-
-se tanto ou mais premente se tivermos em considerao, por um
lado, o facto de que grande parte
dos professores, em Portugal, no possui formao especfica na rea
da Didctica do Portugus
como Lngua No Materna e, por outro, a pluralidade de pblicos com
que, frequentemente, tm de
lidar. Os resultados deste projecto, a este nvel, tm, por
conseguinte, como objectivo facilitar o
acesso destes professores a informaes lingusticas relativas a
trs comunidades de imigrantes com
bastante representatividade em territrio portugus.
Iremos, ento, tendo em conta o acima exposto, analisar as
representaes dos respondentes
das trs comunidades em estudo em relao s suas principais
dificuldades na apropriao da LP e
s causas que apresentam para as mesmas, tendo em considerao,
sobretudo, o primeiro objectivo
do projecto10. Para tal, recorreremos ao cruzamento de dados
obtidos atravs dos questionrios e das
entrevistas, nomeadamente:
a) das respostas dos 175 informantes a uma pergunta em que era
solicitado que escolhessem, dos
itens apresentados (cf. Anexo 2 Quadro 1), as dificuldades
sentidas em relao
aprendizagem do Portugus; esta questo obteve um total de 525
respostas, visto que os
indivduos, de acordo com as instrues dadas, deveriam seleccionar
3 tpicos gramaticais;
-
19
b) dos discursos dos 10 indivduos entrevistados, seleccionados a
partir do grupo dos 175
inquiridos, tal como explicitado anteriormente em relao s razes
que, na sua perspectiva,
esto na origem dos problemas previamente identificados nos
questionrios.
A anlise comparativa dos dados obtidos na pergunta supracitada
do questionrio permite-
-nos atestar uma homogeneidade considervel no que diz respeito s
principais dificuldades
mencionadas pelos sujeitos das trs comunidades. Com efeito, se
considerarmos os 5 tpicos
gramaticais que renem maior nmero de respostas, verificamos uma
forte incidncia nos itens
referentes concordncia das formas verbais (16%), utilizao da
preposio (12%), estrutura
da frase (12%), pronncia (11%) e formao dos tempos (11%), tal
como possvel observar no
Quadro 1 (Anexo 2).11
Esta constatao afigura-se, no nosso entender, particularmente
interessante, tendo em conta
que nos estamos a referir a indivduos cujas LMs so geneticamente
distintas entre si, as quais, por
apresentarem estruturas diversificadas, poderiam eventualmente
originar aproximaes diversas
LP. Vejamos, ento, at que ponto os argumentos apresentados pelos
sujeitos para a seleco destes
itens, bem como as explicitaes veiculadas em relao s causas das
diferentes dificuldades,
variam ou no de grupo para grupo e se esto ou no em conformidade
com as realidades
lingusticas em questo. Para tal, analisaremos as representaes
metalingusticas dos entrevistados
em relao aos 5 tpicos identificados como mais problemticos e
recorreremos anlise
contrastiva dos aspectos gramaticais que podero estar na origem
dessas mesmas dificuldades12.
2.2.1. Verbos (concordncia das formas verbais; formao dos
tempos)
O domnio que parece causar mais problemas aos falantes das trs
comunidades , sem
dvida alguma, o dos verbos. Com efeito, no s a categoria
concordncia das formas verbais
rene o maior nmero de respostas nos trs grupos (17%, nos
chineses e ucranianos e 14%, nos
cabo-verdianos) como em todos eles o item formao dos tempos
ocupa tambm um lugar de
destaque, a saber: a segunda posio no grupo dos chineses (13%),
a terceira no dos ucranianos
(12%), e a quinta no dos cabo-verdianos (9%). O cruzamento
destes dados com as explicitaes
fornecidas pelos sujeitos nas entrevistas levanta-nos, no
entanto, algumas dvidas em relao ao
tipo de dificuldade especfica sentida pelos falantes, uma vez
que os diferentes aspectos so
referidos indistintamente, verificando-se, pois, uma certa
confuso de conceitos aproximados (o que
-
20
pode, porventura, ser uma consequncia do fraco domnio de
metalinguagem mais rigorosa). Assim,
quando inquiridos sobre as dificuldades relativas concordncia
das formas verbais, dois
entrevistados ucranianos e um chins referem-se, na realidade,
problemtica dos tempos verbais e
uma falante cabo-verdiana reporta-se simultaneamente (e de modo
algo hesitante) a estes dois
aspectos (concordncia das formas verbais e tempos verbais).
Vejamos, ento, a que que se
referem concretamente os sujeitos e quais as causas inerentes s
dificuldades enunciadas.
No que diz respeito aos falantes de origem chinesa, e de acordo
com a explicao de uma
das entrevistadas, o problema dos tempos verbais reside no facto
de na sua LM os verbos serem
utilizados apenas no infinitivo e a informao de tempo ser
expressa atravs de outros elementos,
tais como advrbios: ns usamos, olha, amanh. Amanh amanh! Ns no
usamos vou; :
amanh fazemos qualquer coisa! (K.27). Reportando-se, portanto,
ao carcter no flexional da
Lngua Chinesa (que se verifica no s em relao a questes de tempo,
mas tambm a questes de
gnero e nmero), a aluna remete para uma das principais
caractersticas do funcionamento da sua
LM: a existncia de palavras vazias/ funcionais (palavras com
sentido abstracto que possuem uma
funo gramatical) e a relevncia da ordem das palavras na frase
para concretizar a expresso dos
tempos, modos e aspectos verbais, e do gnero e nmero, entre
outras funes (Wang, 2002: 347-
348). Deste modo, podemos concluir que as suas dificuldades em
LP dizem respeito quer aos
tempos verbais, quer s concordncias das formas verbais,
concretizados de forma diferente na sua
LM. A principal causa dos problemas a este nvel parece ser,
ento, o carcter eminentemente
analtico da Lngua Chinesa, o que dificulta a compreenso, por
parte dos falantes chineses, da
pertinncia e das funes desempenhadas pelas estruturas altamente
flexionais dos verbos em LP.
No entender de uma das entrevistadas, o Chins toda a gente
entende [] o Portugus complicar
tantas coisas que ns nem sequer precisamos! (K.42). A este nvel,
torna-se tambm claro que a
problemtica dos verbos surge, neste grupo de falantes,
intrinsecamente associada a questes
sintcticas (pelas razes acima evocadas e como teremos
oportunidade de aprofundar mais adiante),
o que, de resto, se pode comprovar pelos resultados obtidos nos
questionrios, que revelam que a
estrutura da frase a terceira dificuldade mencionada pelos
sujeitos desta comunidade (12%), logo
a seguir concordncia das formas verbais (17%), e formao dos
tempos em exequo com a
utilizao da preposio (13%).
Quanto aos imigrantes ucranianos deste estudo, o principal
problema parece residir nos
tempos verbais, contedo gramatical que, segundo uma das
entrevistadas, de uma exigncia tal
que o seu estudo no pode ser feito sozinho, antes exigindo o
acompanhamento por parte de um
-
21
professor. A causa primordial apontada pelos entrevistados em
relao a esta dificuldade a
existncia de muitos tempos morfolgicos em LP, mais do que os
existentes em LM, que so
apenas trs Passado, Presente e Futuro. De acordo com alguma
bibliografia consultada sobre o
funcionamento da Lngua Russa13 (Mateus, Pereira & Fischer,
2006; Wade, 2002; Beard, 1996),
existem efectivamente apenas trs tempos verbais e dois modos
(Indicativo e Imperativo), ao
contrrio do que acontece em Portugus, cujo sistema temporal mais
complexo. Por outro lado,
prevamos que os informantes mencionassem as diferenas ao nvel do
sistema aspectual, dado que
a que o afastamento entre a LP e a LM mais evidente e susceptvel
de originar mais
dificuldades. Enquanto que em Portugus a expresso do aspecto
atravs do sistema verbal
indissocivel da conjugao temporal, em Russo a maioria dos verbos
tem um verbo correspondente
com o mesmo significado e, frequentemente, com o mesmo radical,
mas com valor aspectual oposto
verbos perfectivos e imperfectivos. Estas duas formas
distinguem-se normalmente pela presena
de afixos e conjugam-se no passado e no futuro (sinttico ou
analtico); os imperfectivos conjugam-
-se tambm no presente. O facto de esta distino entre a LP e a LM
no ter sido referida nas
entrevistas pode ser explicado pela inexistncia de conscincia
metalingustica a este nvel, ou seja,
pela ausncia de conscincia dos sujeitos em relao codificao
aspectual na sua lngua de
origem e na de acolhimento, o que resulta, frequentemente, na
produo de frases como a que de
seguida apresentamos: Naquela altura j pessoas tiveram um nvel
diferente de lngua e era muito
difcil, num grupo, por exemplo, de seis ou oito pessoas, dar
aulas para todos no mesmo tempo
(J.50). No que se refere concordncia das formas verbais, apenas
um entrevistado mencionou este
tpico como sendo um problema, justificando-o com as diferenas
entre as duas lnguas em questo
(LP e LM). De facto, como o informante menciona, embora de forma
muito superficial e no
recorrendo a metalinguagem precisa, as formas verbais, em
Portugus e em qualquer um dos modos
e tempos, concordam com o sujeito em pessoa e nmero, perfazendo,
ao todo, seis pessoas
gramaticais. Em Russo o mesmo sucede para o Presente e para o
Futuro, mas no para o Passado,
em que as formas verbais concordam em gnero (feminino e
masculino) e nmero (singular e
plural), havendo, deste modo, quatro formas verbais no
Passado.
Relativamente ao pblico cabo-verdiano, apenas uma das
entrevistadas se refere a esta
problemtica, referindo-se simultaneamente concordncia das formas
verbais e aos tempos
verbais, e fazendo aluses a outras questes de ordem sintctica,
como por exemplo a utilizao das
preposies. A informante atribui a causa dos seus problemas neste
domnio, por um lado, s
lacunas que possui em termos de formao escolar (porque so falhas
que no meu caso trouxe
-
22
desde a escola M.108) e, por outro, ao predomnio
lingustico-comunicativo e afectivo do CCV
relativamente LP ( assim, eu no sei explicar; eu s sei eu cresci
com o Crioulo M.118).
No desconsiderando a primeira justificao apresentada pela
informante, estamos, todavia, em crer
que os principais problemas, neste mbito, residem efectivamente
nas diferenas que se verificam
entre a LM dos sujeitos e a LP, visto que em CCV os verbos no
flexionam em nmero e gnero e a
expresso de tempo, modo e aspecto no se realiza atravs de
conjugao verbal, mas atravs da
utilizao de morfemas (cf. Mateus, Pereira & Fischer 2006;
Veiga, 2002). A falta de conscincia
dos sujeitos em relao a esta dificuldade (bem como a outras que
mencionaremos ao longo desta
seco) resultar, em nosso entender e entre outros aspectos, da
falta de competncias escritas dos
indivduos em LM14. Consideramos, pois, que, a este nvel, o grupo
de cidados de origem cabo-
-verdiana deste estudo se encontra em clara desvantagem em relao
aos restantes, no podendo
tirar partido daquilo que constitui o principal elemento
impulsionador da apropriao de uma nova
lngua: a LM do sujeito (cf. Ringbom, 1987; James & Garrett,
1991; Hawkins, 1996; James, 1996).
2.2.2. Utilizao da preposio
A utilizao das preposies em LP outro dos aspectos que rene algum
consenso entre as
3 comunidades que constituem o pblico-alvo deste projecto,
ocupando a segunda posio no caso
dos imigrantes chineses e cabo-verdianos (com 13% de respostas,
em ambos) e a quinta posio no
caso dos falantes de origem ucraniana (com 11% de
respostas).
Muito embora no encontremos, nas entrevistas dos falantes de
origem chinesa, qualquer
referncia a este tpico, podemos indicar como possvel causa para
este problema lingustico, e de
acordo com a bibliografia consultada, o facto de no haver, em
Mandarim e LP, uma
correspondncia directa no que a esta categoria gramatical diz
respeito. Ou seja, verifica-se uma
falta de equivalncia quer a nvel da categoria gramatical em que
se inserem, quer em termos das
funes desempenhadas entre as palavras vazias/funcionais em
Mandarim (j referidas) e as
preposies ou outras classes de palavras em LP. A ttulo
exemplificativo, Wang refere que o
termo auxiliar de equivale preposio de e ao pronome relativo que
em portugus (2002:
348). Ora, se tivermos em considerao o grande nmero e variedade
de preposies e locues
prepositivas de que a LP faz uso para expressar diferentes funes
sintcticas (ex.: Objecto
Indirecto), bem como a complexidade das regncias verbais em
Portugus (i.e., saber quais as
-
23
preposies exigidas por cada verbo), torna-se clara a
perplexidade que um sistema como o da LP
pode causar a um falante chins a este nvel.
No que diz respeito aos informantes ucranianos, e semelhana do
sucedido nas entrevistas
dos falantes chineses, no observmos, nos seus discursos,
qualquer tentativa de explicao para
esta dificuldade. H, no entanto, um entrevistado que associa
este problema ao da concordncia dos
nomes em gnero, pois considera particularmente difcil fazer a
contraco de preposies com
artigos (inexistentes em Russo), os quais veiculam em LP a
informao de gnero (sendo esta outra
causa de dificuldades para os falantes ucranianos). Com base nas
diferenas entre a LP e a LM dos
sujeitos, podemos apresentar o sistema de casos existente em
Lngua Russa e Ucraniana como
provvel explicao para a dificuldade sentida pelos inquiridos
relativamente ao uso de preposies.
Efectivamente, os nomes tm marcas de caso, o que significa que
tm diferentes terminaes para
indicar as diferentes funes sintcticas que podem desempenhar na
frase: Nominativo, Acusativo,
Genitivo, Dativo, Prepositivo e Instrumental, em Russo, e
Nominativo, Acusativo, Genitivo,
Dativo, Locativo, Instrumental e Vocativo, em Ucraniano. Em LP,
pelo contrrio, no existem
casos, sendo algumas funes sintcticas desempenhadas mediante o
emprego de preposies. A
isto acrescem as dificuldades causadas pela regncia verbal, j
referidas a propsito das dificuldades
dos falantes de origem chinesa.
Quanto aos falantes de origem cabo-verdiana (cf. An, 1999a), o
problema reside na
diferente configurao do sistema de preposies das lnguas em
contacto, neste caso, o CCV e a
LP. Os entrevistados remetem, portanto, para a complexidade, em
LP, da escolha da preposio
adequada (s vezes, quando estou a utilizar o de, em, para []
confronto-me com
situaes [] em que eu digo: Mas isto no est certo A.244) e para a
problemtica das
contraces das preposies com os artigos ([Entrevistadora]: Quando
me falou no de e no
em, est a falar nas contraces? [Entrevistado]: , de, da, , .
A.289;292). No que diz
respeito ao primeiro aspecto, a dificuldade em utilizar a
preposio adequada no idioma do pas de
acolhimento deriva, ento, da ausncia de uma correspondncia entre
as preposies existentes nos
dois sistemas lingusticos, como, por exemplo, a inexistncia, em
CCV, da preposio a e a
existncia de uma s preposio, pa, para representar as preposies
portuguesas para e por
(An, 2000, 2006). Acresce a isto ainda o facto de, na LM dos
sujeitos, no existirem artigos
definidos e, por conseguinte, no se realizar nesta lngua a
contraco das preposies.
-
24
2.2.3. Estrutura da Frase
A estrutura da frase uma dificuldade que, apesar de ter sido a
terceira categoria mais
referida no total das respostas obtidas no questionrio, acaba
por ter uma distribuio menos
homognea nos trs grupos em anlise. Com efeito, enquanto que para
os ucranianos este foi o
segundo item mais referido (16%), no grupo dos chineses ocupa a
terceira posio (12%) e no dos
cabo-verdianos o sexto lugar (8%). Vejamos, ento, at que ponto
estes resultados podem ser
indicadores, a este nvel, de uma maior distncia ou proximidade
entre as LMs dos sujeitos e a LP.
No que diz respeito aos falantes de origem chinesa, no
observmos, nas entrevistas,
referncias explcitas relativamente a este aspecto concreto. No
entanto, , com efeito, em relao
ao Mandarim que podemos observar as maiores dissemelhanas no que
diz respeito ordem bsica
dos elementos da frase, a qual, caracterizando-se por uma grande
rigidez, no se relaciona, como
em LP, com questes de funo sintctica, mas com critrios de
natureza discursiva, a saber: a
noo de tpico (a pessoa ou coisa sobre a qual se faz um
comentrio) e a noo de definitude
(informao nova vs informao j conhecida). O tpico corresponde
normalmente a um sintagma
nominal (que pode ou no coincidir com o sujeito) sobre o qual se
faz um comentrio. Ocorre no
incio da frase e diz sempre respeito a informao que j partilhada
pelo emissor e pelo receptor.
A definitude, que em LP expressa atravs dos artigos definidos e
indefinidos (inexistentes em
Lngua Chinesa), realizada na LM dos sujeitos atravs do
posicionamento do sintagma nominal na
frase. Assim, se estiver no incio da frase, o sintagma tem valor
definido (corresponde, portanto, a
informao conhecida); se aparecer no fim, tem valor indefinido
(dizendo respeito a informao
nova, no partilhada) (cf. Mateus, Pereira & Fischer 2006;
Wang, 2002). Ainda no que diz respeito
estrutura da frase, podemos verificar que, para alm dos
constrangimentos colocados pela noo
de tpico e definitude, existem tambm outras estruturas
sintcticas cuja posio se encontra,
partida, determinada, nomeadamente: os auxiliares e os sintagmas
preposicionais, que, regra geral,
precedem o verbo, e as oraes relativas, que precedem a expresso
nominal (Mateus, Pereira &
Fischer 2006; Wang, 2002: 247). A maior liberdade que
caracteriza a ordem das palavras na frase
em LP poder, ento, causar problemas no s ao nvel da produo como
tambm ao nvel da
compreenso de enunciados no idioma do pas de acolhimento, por
parte destes sujeitos.
Quanto comunidade ucraniana em estudo, as causas mencionadas
para as dificuldades
sentidas neste domnio relacionam-se, mais uma vez, com as
diferenas existentes entre a LM e a
LP, sendo referido por uma entrevistada que o Portugus exige o
recurso a mais palavras do que a
-
25
LM (Em Lngua Ucraniana ou Russa [] ns no precisamos falar tanto
palavras para construir
frase! Ir.228-230). Com base no conhecimento que temos das
lnguas Russa e Ucraniana, esta
caracterstica confirma-se e prende-se com a inexistncia dos
artigos (definidos e indefinidos), dos
verbos copulativos ser e estar, e com a utilizao mais limitada
de preposies ( qual j fizemos
aluso anteriormente). Existe tambm uma maior flexibilidade no
que diz respeito ordem das
palavras na frase nomeadamente em relao posio do verbo , o que
resulta, sobretudo, do
sistema de casos, ao qual fizemos aluso na subseco 2.2.2., a
propsito das preposies.
Em relao aos falantes cabo-verdianos, no deixa de ser curioso
que, no obstante o item
da estrutura da frase no ter obtido, nesta comunidade, o mesmo
relevo alcanado nas restantes
(como j explicitado), se encontre, nas entrevistas, um nmero
significativo de interaces votadas
(tentativa de) explicao dos problemas sentidos pelos indivduos a
este nvel. Assim sendo, os
informantes apresentam como principais causas para esta
dificuldade as seguintes: as diferenas
existentes entre o CCV e a LP, promotoras de transferncias
desadequadas (s vezes o Crioulo no
sei se at que ponto permite ou deixa permitir que eu elabore uma
frase de uma determinada
maneira A.190), a vontade dos sujeitos de atingir a perfeio em
LP (porque eu sou, sinto
que tento ser eu no sei se um defeito, essa coisa de tentar ser
perfeito! A.218) e a
dificuldade, manifestada por um dos entrevistados, em
expressar-se em LP (eu acho que a
dificuldade que eu sinto [] em exprimir tem a ver com a minha
pouca frequncia em leitura
porque eu leio muito pouco! Il.206). Em relao a estes dois
ltimos aspectos, cumpre realar o
facto de estes indivduos possurem, por vezes, uma concepo errnea
relativamente ao que
significa falar bem Portugus. A ttulo de exemplo, referimos o
caso de um dos entrevistados que
se reporta ao registo de lngua como sendo indicador de correco
lingustica (eu respondi:
Calma, a professora est a tentar entrar em contacto com o meu
colega; e o outro colega
respondeu assim: O Il. fala muito caro! Il.330), no se
apercebendo da inadequao do registo
utilizado (formal), tendo em conta a situao concreta de
comunicao em que se encontrava
inserido (uma conversa informal entre colegas do ensino
secundrio). No entanto, mais do que
atentar nestes dois ltimos factores que, por se situarem a um
nvel pessoal, podero no reflectir a
perspectiva do grupo, importa aqui sobretudo analisar de que
forma as diferenas sintcticas entre o
CCV e a LP podero interferir na aprendizagem do Portugus. De
acordo com a bibliografia
consultada, o CCV , das 3 LMs em anlise, a que mais afinidades
possui com a LP no que
concerne ordem bsica dos elementos da frase (ambas possuem como
estrutura base a seguinte:
sujeito-verbo-objecto). As principais especificidades do CCV
residem, ento, na no utilizao dos
-
26
artigos definidos e na anteposio do complemento indirecto ao
complemento directo. Deste modo,
mesmo que se verifiquem interferncias da LM dos sujeitos sobre a
LP, estamos em crer que estas,
em si, no constituiro obstculo comunicao. Trata-se, porventura,
de preconceitos lingusticos,
fundados sobre critrios sociolingusticos e econmicos (Bagno,
2000) dos sujeitos sobre a sua
prpria LM, qui fruto de teorias antigas e infundadas que
atribuam ao CCV o estatuto de um
Portugus mal falado:
Durante a poca colonial, o Crioulo era considerado por muitos
como um Portugus mal
falado ou, na melhor das hipteses, um dialecto do Portugus.
Estas ideias arreigaram-se de tal maneira no imaginrio colectivo
que ainda hoje prevalecem na mente de muitos portugueses e at de
alguns cabo-verdianos. A ideia de Portugus mal falado radicava no
preconceito, expresso por alguns autores, desde o sculo XIX, de que
os falantes de Crioulo no eram capazes de imitar os portugueses.
(Mateus, Pereira & Fischer 2006)
2.2.4. Pronncia
Quanto ao ltimo contedo gramatical que iremos abordar, a
pronncia, podemos
constatar que corresponde ao terceiro item mais mencionado no
grupo dos cabo-verdianos (12%),
ao quarto no grupo dos ucranianos (12%) e ao quinto no dos
chineses (9%). , pois, interessante
verificar a existncia de uma grande preocupao com o domnio do
sistema fonolgico por parte
da comunidade de falantes cuja LM geneticamente mais prxima da
LP, o CCV em relao
qual se vislumbrariam, partida, mais analogias com o idioma do
pas de acolhimento. Analisemos,
ento, quais as principais dificuldades dos trs grupos em relao a
este item.
Quanto aos falantes de Mandarim, o nico problema invocado nas
entrevistas consiste na
pronncia do som /R/ ( muito difcil, claro! Erre, logo no incio
com aquele erre R.13).
Como causa apresentada para o facto, uma das entrevistadas
aponta, uma vez mais, a inexistncia,
na sua LM, do referido som (normalmente ns no usamos rr e esta
som no sai [] mesmo
de origem; no d para fazer mais nada K.163-165). Efectivamente,
o problema dos falantes de
origem chinesa vai muito para alm da pronncia deste nico som,
correspondendo, na realidade, a
uma dificuldade em produzir consoantes vibrantes (/R/ ou /r/) ao
nvel do aparelho fonador, por
serem inexistentes na sua LM. Como a mesma entrevistada
menciona: o som /R/ sai parece que de
garganta! (K.159). Para alm desta dificuldade mencionada pelos
sujeitos, poderamos acrescentar
como potenciais dificuldades em LP a inexistncia, em Mandarim,
das consoantes oclusivas e
fricativas sonoras (/b/, /d/, /g/; /v/, /z/, /Z/), bem como das
vogais nasais e dos ditongos nasais
-
27
(Mateus, Pereira & Fischer 2006). Estas dificuldades, que
podem ou no causar obstculos em
termos de comunicao, parecem, sobretudo, constituir factores de
inibio para estes indivduos, os
quais podem afectar o desenvolvimento de competncias no idioma
do pas de acolhimento e
condicionar a interaco com os portugueses, por exemplo.
No que diz respeito aos entrevistados de origem ucraniana, trs
dos indivduos entrevistados
identificam a pronncia como uma dificuldade, tendo um
especificado a dificuldade em pronunciar
o som /R/, inexistente em Russo e Ucraniano, e dois referido os
ditongos nasais. No primeiro caso,
a entrevistada explicou que o sistema fonolgico da sua LM no
contempla o som /R/, sendo este,
inclusivamente, considerado um desvio em relao norma (Ns no
temos; ns pensamos que
isso defeito. [] L no fundo No sei explicar! Quando as crianas
falam assim considera-se
um defeito! Aqui o contrrio! V.88-92). Acrescentou que no
dia-a-dia no se esfora por
produzir este som, pois d mais importncia ao contedo do que
pronunciao correcta das
palavras. No caso dos ditongos nasais a mesma explicao
apresentada: estes sons no existem na
sua LM, sendo difcil aprender a pronunci-los de forma semelhante
a um nativo. Ao que foi
mencionado nas entrevistas podemos acrescentar que a pronncia e
percepo das vogais
particularmente problemtica para falantes eslavos, uma vez que
em Portugus existem sons
voclicos inexistentes nas suas LMs, como o caso de //, /e/ e //.
Por outro lado, as diferenas ao
nvel do sistema alfabtico tambm originam problemas de pronncia
na leitura, bem como de
ortografia: em Portugus, ao contrrio do que acontece em Russo, a
cada letra pode corresponder
mais do que um som e, alm disso, cada som pode ser representado
por diferentes letras ou at por
conjuntos de letras.
Quanto aos informantes cabo-verdianos, e semelhana do que se
verificou relativamente
aos outros dois grupos, a principal dificuldade mencionada foi a
da pronncia do som /R/, ficando
subentendida, na interveno de uma das entrevistadas, que a causa
do problema reside na ausncia
deste som na sua LM, como podemos observar: so erres, o som
diferente! A mim custa muito
carregar nos erres depois que vim para aqui [Portugal] (M.252).
Neste domnio, poderamos
ainda invocar o sistema voclico do CCV como podendo estar na
origem de algumas imprecises
(resultado, por vezes, de hipercorreces) a nvel da pronunciao de
alguns sons em LP,
nomeadamente a abertura de algumas vogais que, no pas de
acolhimento, so de pronncia (mais)
fechada. A este nvel, importa destacar a preocupao manifestada
pelos entrevistados em atingir
um nvel de proficincia lingustica semelhante ao dos portugueses
(A preocupao de falar um
Portugus correcto; e mesmo eu sinto, portanto, a nvel, portanto,
da minha pronncia que, ao
-
28
longo do tempo, melhorou bastante! Il.334). Muito embora estes
aspectos no causem problemas
de maior comunicao, esto, sem dvida alguma, e a par de muitos
outros factores de ordem
social, na origem de atitudes discriminatrias dos portugueses em
relao a estes falantes. Com
efeito, se verdade que em relao a este tpico gramatical que os
ditos nativos se tornam
particularmente intolerantes como refere Carl James:
[native speakers] are at their most authoritative on matters of
phonology, less so on morphology, less still on syntax, and least
on semantics []. Phonetics waywardness [] is seen as a sign of
helpless incompetence and just cause for derision (1998: 47)
, tambm verdade que o nvel de intolerncia varia de acordo com o
grupo em questo. Ao passo
que os desvios produzidos (neste ou noutros domnios) por
determinadas comunidades (por
exemplo, falantes de origem inglesa ou francesa) so vistos como
um sinal de exotismo ou de
esforo comunicativo nas suas tentativas de aproximao aos
interlocutores portugueses, os
produzidos por outros grupos (nomeadamente os de origem
africana) so, frequentemente,
conotados com sentido pejorativo ou acolhidos como erro, como se
como refere Mia Couto
(1997) estivessem a desgastar a lngua. Estamos, novamente, no
domnio do preconceito
lingustico, anteriormente referido:
O preconceito lingstico conseqncia dos preconceitos sociais. Em
geral, exercido
sobre as pessoas que sofrem mais estigmas na sociedade o
analfabeto, o pobre, aqueles que no tm acesso escolarizao. Essas
pessoas so acusadas de falar errado, de no saber falar, de
estropiar a lngua. Quando se faz uma anlise mais refinada, do ponto
de vista sociolgico, a gente percebe que h uma transferncia daquilo
que a sociedade acusa a pessoa de ser para a lngua que ela fala.
Ento, se a pessoa pobre, a lngua dela pobre. Se a pessoa vive numa
regio considerada atrasada, a lngua dela vai ser considerada
atrasada. (Bagno, 2005)
2.3. Estratgias de Aprendizagem
Para aprender Portugus a pessoa tem que fazer muito esforo.
(D.244)
Nesta seco, centrar-nos-emos, especificamente, nas estratgias de
aprendizagem que os
entrevistados julgam ser mais eficazes no processo de apropriao
da LP, tendo como objectivo
descrever o perfil de aprendizagem de cada uma das trs
comunidades. Faremos, esporadicamente,
referncia resposta a duas perguntas do questionrio uma sobre
quais os exerccios15
-
29
facilitadores da aprendizagem da LP e outra sobre a existncia ou
no de semelhanas entre a LM
dos sujeitos e a LP (cf. Anexo 3 Quadro 2 e Anexo 4 Quadro 3).
Como finalidade ltima,
espera-se que os dados aqui apresentados possam constituir
indcios pedaggicos orientadores das
prticas de ensino do Portugus como Lngua No Materna a imigrantes
destas nacionalidades.
As trs comunidades referiram vrias estratgias (conjunto de
operaes e recursos
pedaggicos e/ou comunicativos) que utilizam com o objectivo de
favorecerem a apropriao da
LP. Partindo da tipologia apresentada por OMalley & Chamot
(1990), citada tambm em Cyr
(1998), procedemos categorizao das estratgias de aprendizagem
mencionadas pelas trs
comunidades, de acordo com a seguinte taxionomia: estratgias
metacognitivas; estratgias
cognitivas e estratgias scio-afectivas. Vejamos, em largos
traos, o que se entende por cada uma
delas:
a) por estratgias metacognitivas entende-se a reflexo sobre o
processo de aprendizagem, o que
engloba a compreenso das condies que o favorecem, a planificao e
a organizao das
actividades, a auto-avaliao, a identificao das reas
problemticas, o controlo ou a
monitorizao das actividades de aprendizagem e a
auto-correco;
b) quanto s estratgias cognitivas, estas implicam uma interaco
entre o aprendente e a LP, a sua
manipulao mental e fsica e a aplicao de tcnicas especficas (ex.:
a repetio de
vocabulrio e sua memorizao, a tomada de notas, a traduo, a
comparao com outras
lnguas conhecidas, nomeadamente a LM, o uso de fontes
potenciadoras de aprendizagem, tais
como dicionrios, manuais, gramticas, media), com vista a
resolver um problema ou
executar uma tarefa de aprendizagem;
c) por fim, as estratgias scio-afectivas implicam uma interaco
com locutores nativos ou com
pares com o intuito de favorecer a apropriao da LP e o controlo
ou a gesto da dimenso
afectiva, como a cooperao e a solicitao de apreciao/correco
sobre a sua performance
lingustica, bem como sobre o seu processo de aprendizagem.
Apesar de, nas entrevistas, serem referidos os trs tipos de
estratgias supracitados,
podemos, com efeito, constatar que o peso atribudo a cada um
varia consoante a comunidade a que
os sujeitos pertencem.
No que diz respeito aos informantes ucranianos, o principal
aspecto a destacar reside no
facto de eles se dedicarem por iniciativa prpria e de forma
autnoma ao desenvolvimento de
-
30
competncias em LP, muitas vezes ainda antes da chegada a
Portugal, aquando da deciso de
emigrar (Comecei estudar Portugus quando eu ainda estava na
Ucrnia, quando marido me
disse que provavelmente vais para Portugal. Eu arranjei um livro
e escrevi comecei aprender
sozinha J.180). Este tipo de aprendizagem autnoma implica o
recurso a diversas estratgias
metacognitivas, uma vez que os indivduos planificam e organizam
as actividades de aprendizagem
e identificam as suas dificuldades. Com base nessa estruturao
prvia do estudo, decidem que
materiais usar e que exerccios realizar.
Assim, no que se refere s estratgias cognitivas utilizadas por
este grupo de aprendentes,
destacamos as seguintes: o recurso a guias de conversao,
dicionrios e gramticas (Eu estudei
sozinha, pronto, peguei nos livros de gramtica e claro que
andava a fazer os exerccios por
escrito. V.148; trabalhei com dicionrio, estava a ler as
palavras que no conhecia, estava a
escrever no papelinho com traduo e assim trabalhei, trabalhei,
trabalhei Ir.130); a
rentabilizao dos seus repertrios lingusticos, nomeadamente
atravs de estratgias de
intercompreenso, tais como a transferncia, a traduo/retroverso e
a comparao entre lnguas
(na nossa lngua h muitas palavras de origem latina, muitssimos.
Em Ingls tambm h aquelas
palavras e tambm no sei como, mas na lngua ucraniana h palavras
semelhantes ou muito
parecidos com lngua portuguesa, por exemplo, palavra muro, que
aquela parede
J.158). Uma das caractersticas da comunidade ucraniana reside,
ento, na capacidade de reflexo
sobre as diferenas e semelhanas entre a LM e a LP tanto ao nvel
lexical como gramatical 44%
dos inquiridos diz, no questionrio, que considera haver
semelhanas entre estas duas lnguas (cf.
Anexo 4 Quadro 3). Ainda em relao s estratgias cognitivas, estes
indivduos referem, embora
com menos incidncia, a memorizao, nomeadamente no que concerne
aquisio de novo
vocabulrio (E no incio tambm se eu queria dizer qualquer coisa e
no sabia as coisas
elementares eu [] procurava as palavrinhas no dicionrio depois
memorizava e no outro dia
conseguia dizer o que eu queria Ir.146-148).
Esta comunidade tambm valoriza muito as estratgias
scio-afectivas, nomeadamente a
interaco com locutores nativos, motivada essencialmente pela
necessidade que sentem de se
fazerem entender e pela vontade de aperfeioar a sua fluncia em
LP (Sim, alm dos cursos
tambm tive agora muitos conversar com muitos pessoas para
aprefear a lngua, porque s nos
livros pessoal no se consegue aprender lngua! Tem que sempre ir
falar, ter um dilogo com os
pessoas, para as pessoas conseguirem corrigir os erros que
pessoal est a falar! D.26). A este
propsito destacam-se as estratgias de solicitao de clarificao
e/ou verificao (pedidos de
-
31
esclarecimento, de reformulao e correco), tal como mencionado
neste ltimo excerto, assim
como por uma outra entrevistada: todo o dia eu pedia [] s
pessoas que, se eu falo mal, faz
favor, tem que gritar um bocadinho e corrigir um bocadinho
(Ir.118).
No que se refere s competncias mencionadas aquando da pergunta
sobre os exerccios
facilitadores da aprendizagem, verificamos que os sujeitos
atribuem igual importncia oralidade e
leitura/escrita. A diminuta relevncia atribuda nos questionrios
ao funcionamento da lngua
(apenas 5% das respostas) contrariada nas entrevistas, em que os
sujeitos manifestam realizar
habitualmente exerccios gramaticais por iniciativa prpria, o que
por si s parece ser indicador de
que lhes conferem utilidade.
No que diz respeito aos falantes de origem cabo-verdiana, as
entrevistas apresentam poucas
informaes sobre as estratgias e exerccios facilitadores da
aprendizagem da LP, uma vez que
importava explicitar outros aspectos, na altura considerados
mais prementes em relao aos dados
obtidos no questionrio16. Quanto aos dados obtidos nos
questionrios, no nos permitem
perspectivar uma preferncia, por parte dos sujeitos desta
amostra, em relao a uma determinada
competncia. Com efeito, para alm do nmero de no respostas a esta
pergunta ser elevado (47%),
as informaes dadas pelos restantes informantes distribuem-se de
forma equilibrada pelas
competncias orais e escritas (cf. Anexo 3 Quadro 2).
Conseguimos identificar, ao longo das entrevistas, a referncia a
algumas estratgias
cognitivas, nomeadamente a comparao entre a LM e a LP, a qual
favorecida no s pelo
contexto de diglossia existente em Cabo Verde, como tambm, e
sobretudo, pela proximidade
gentica das duas lnguas em causa. Este aspecto , de resto,
confirmado pelas respostas
afirmativas, nos questionrios, de 57% dos inquiridos em relao
existncia de semelhanas entre
o CCV e a LP (cf. Anexo 4 Quadro 3). Para alm da comparao entre
a LM e a LP, os sujeitos
referem ainda, ao nvel das estratgias cognitivas, a traduo, a
consulta de gramticas de LP e o
uso de fontes potenciadoras de aprendizagem, tais como livros e
meios de comunicao social:
olha, tenho dificuldades [] e por causa disso comprei at uma
gramtica! Comprei at uma
gramtica mesmo para corrigir (Il.274-276); olha se tens
problemas em exprimir, eu acho que
um problema que fcil de combater lendo muito (Il.214); Agora, na
Sic Notcias, est a
passar um Campeonato da Lngua Portuguesa e h dias no Jornal da
Noite estava um linguista a
falar dos erros o trabalho dele escrever os erros que os
profissionais, no s da comunicao
social, mas, por exemplo, [] os comentadores falam no dia-a-dia
[]. E eu tenho esta
-
32
preocupao de, quer dizer, posso no falar bem, mas tento ver como
que , portanto, estas
dificuldades que eu tenho (Il.282-288).
O outro grupo de estratgias referido pelo grupo de entrevistados
consiste nas estratgias
scio-afectivas, nomeadamente as que correspondem a pedidos de
apreciao/correco sobre o seu
desempenho. Na verdade, considerando que a lngua a prtica!
(Il.186), este cabo-verdiano
refere-se necessidade que sentia, sobretudo durante os primeiros
tempos, de obter da parte dos
seus colegas de escola um feedback em relao s suas produes
orais: eu tinha sempre aquela de
dizer assim: Oh, pessoal, quando eu cometer qualquer erro, no ?
Qualquer erro, oh p, por
favor ajuda-me a corrigir! (Il.330).
Por fim, quanto aos falantes de origem chinesa, cumpre-nos,
antes de mais nada, explicitar
que as entrevistadas constituem casos de excepo em relao amostra
do estudo. Com efeito,
sendo uma delas leitora numa universidade e a outra uma
estudante do ensino bsico, no s
possuem motivaes de aprendizagem em relao LP distintas das dos
restantes congneres em
anlise, como tambm apresentam perfis de aprendizagem singulares.
Uma das entrevistadas remete
precisamente para esta questo ao afirmar, por um lado: h outra
coisa que um factor muito
forte: que os chineses pensam que no precisam de Portugus para
viver! (K.148) e, por outro:
Eu acho Portugus d muito jeito a mim! Pelo menos a mim d-me
muito jeito! E eu gosto
bastante lngua portuguesa! (K.169).
Reportando-nos, ento, essencialmente s informaes veiculadas
pelas duas entrevistadas,
podemos constatar uma certa preferncia pelas estratgias
scio-afectivas, designadamente a
interaco com falantes nativos tendo em vista o desenvolvimento
de competncias em Portugus.
A este nvel destaca-se, sobretudo, no discurso de uma das
entrevistadas, a referncia a pedidos de
clarificao e/ou verificao quer em contexto escolar (Eu acho que
muito mais fcil estar com
mais atenes nas aulas do que estar aqui a ler os livros, porque
l eu posso perguntar
professora K.32; Eu tenho uma aula de conversao, vais l
conversar com professora e s
vezes quando tu precisas ela d-te apoio K.34) quer extra-escolar
(Eu comecei mesmo por
ouvir as pessoas a falar e depois tentar ser eles a explicar-me
o que que quer dizer aquelas
palavras ou aquela frase! K.140).
No que se refere s estratgias cognitivas utilizadas, a segunda
das entrevistadas,
reportando-se especificamente ao contexto formal de
aprendizagem, afirma no realizar um esforo
intencional no sentido de optimizar a sua performance acadmica
(sinceramente, eu no gosto de
estudar o Portugus [] eu quase no estudo Portugus. Mesmo nos
testes no; antes dos testes
-
33
no uma coisa que eu fao muito! K.34) e no gostar de realizar
tradues (Eu no gosto
traduzir as palavras K.140) nem exerccios gramaticais (eu no
gosto dos exerccios com
verbos K.42). No entanto, afirma recorrer a outras estratgias no
sentido de desenvolver as suas
competncias em LP (em contexto informal e formal). Destacam-se,
a este nvel, o uso de fontes
potenciadoras de aprendizagem, como os livros e os jornais (leio
os livros, os jornais; de uma
forma tambm ajuda bastante K.32) e a memorizao, particularmente
a de tipo auditivo (Eu
gosto de estar com ateno nas aulas K.32; Eu no gosto de estar a,
olha, uma pessoa a falar
eu vou ao dicionrio ver o que que significa; complica-se muito
as coisas. Ainda por cima uma
pessoa no se fixa a cada palavra! Naquele momento se calhar sim,
mas depois esquece-se
rapidamente! Mas, por exemplo, uma pessoa est a conversar com
outro, tem de ser ou