OBESIDADE INFANTIL E FOME OCULTA – ASSOCIAÇÃO ENTRE ESCASSEZ E EXCESSO Autor: Flávio Diniz Capanema Pediatra, Mestre e Doutor pela Faculdade de Medicina da UFMG Pós-doutor em Gastroenterologia e Nutrição pela Assistance Publique Hopitaux de Paris (APHP), Sorbonne / França. Outubro de 2017
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OBESIDADE INFANTIL E FOME OCULTA ASSOCIAÇÃO ...antropometricos.pdf> 2. TRANSIÇÃO NUTRICIONAL, OBESIDADE E FOME OCULTA O fenômeno epidemiológico denominado “transição nutricional”
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OBESIDADE INFANTIL E FOME OCULTA – ASSOCIAÇÃO ENTRE ESCASSEZ E EXCESSO
Autor: Flávio Diniz Capanema
Pediatra, Mestre e Doutor pela Faculdade de Medicina da UFMG
Pós-doutor em Gastroenterologia e Nutrição pela
Assistance Publique Hopitaux de Paris (APHP), Sorbonne / França.
Outubro de 2017
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SUMÁRIO
1. OBESIDADE INFANTIL: ASPECTOS GERAIS E RELEVÂNCIA CLÍNICA .................................................. 3
2. TRANSIÇÃO NUTRICIONAL, OBESIDADE E FOME OCULTA ............................................................... 6
desvio de coluna, pés planos), diabetes tipo II e alguns tipos de cânceres, com alta taxa de
mortalidade relacionada à obesidade. Sabe-se que quanto maior o tempo de exposição à
obesidade, maior a chance de ocorrência de complicações. A criança obesa também tem maior
risco para algumas doenças e distúrbios psicossociais, provocados pelo estigma da obesidade, que
são de grande relevância nessa fase de estruturação da personalidade. Elas frequentemente
exibem baixa autoestima, afetando o desempenho escolar e relacionamentos, levando a
consequências psicológicas de longo prazo7,8.
Por ser uma doença complexa e multifatorial, outros aspectos mostram-se importantes na gênese
da obesidade infantil, tais como estrato social e estrutura familiar na qual a criança se encontra
inserida. A dinâmica familiar encontra-se inteiramente relacionada ao processo de saúde e doença.
E o bom estabelecimento do vínculo afetivo entre os pais e a criança torna-se fundamental na
prevenção da obesidade. Uma família que funciona adequada ou inadequadamente pode
contribuir para o desenvolvimento de doenças e/ou prevenir seus efeitos. Outra situação muito
comum diz respeito àquelas mães que passam a maior parte do tempo fora de casa e adotam a
prática de ofertar aos filhos guloseimas visando compensar sua ausência prolongada. Cabe ao
pediatra estar atento a esse tipo de ligação afetiva e buscar interferir nessa dinâmica
desfavorável7,8.
Além disso, a adoção de hábitos alimentares seletivos por parte das crianças está diretamente
correlacionada com o desenvolvimento do excesso de peso. O aumento do consumo de
carboidratos da dieta (açúcar, farinhas, massas e refrigerantes) contribui para o aumento de peso.
Por fim, o grau de atividade física merece ser considerado, diante do tempo excessivo gasto com
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jogos eletrônicos e computadores em detrimento de atividades esportivas, predispondo ao
sedentarismo. Estudos demonstram que a inatividade física na infância está diretamente
relacionada ao aumento da obesidade, numa associação diretamente proporcional entre o tempo
de exposição às telas e games e o excesso de peso dessas crianças11.
O diagnóstico de sobrepeso e obesidade em crianças varia de acordo com a idade (0-5 anos
incompletos, cinco a 10 anos incompletos e adolescentes), o índice antropométrico a ser utilizado
(peso/estatura, peso/idade, IMC/idade) e os valores de referência adotados (percentil ou escore Z),
conforme o Quadro 1.
Quadro 1. Classificação diagnóstica de sobrepeso e obesidade por idade e de acordo com o índice
antropométrico utilizado
VALORES DE
REFERÊNCIA
ÍNDICES ANTROPOMÉTRICOS
0 a 5 anos incompletos 5 a 10 anos incompletos 10 a 18 anos
incompletos
Peso/
estatura
IMC/
idade Peso/idade
IMC/
idade IMC/idade
>Percentil
85 e
<percenti
l
97
>Escore
z +1 e
<escore
z +2
Risco de
sobrepeso
Risco de
sobrepeso
Peso
adequado
para a
idade
Sobrepeso Sobrepeso
>Percentil
97 e
<percenti
l
99,9
>Escore
z +2 e
<escore
z +3
Sobrepeso Sobrepeso
Peso
elevado
para a
idade
Obesidade Obesidade
>Percentil
99,9
>Escore
z +3 Obesidade Obesidade
Peso
elevado
para a
idade
Obesidade
grave
Obesidade
grave
Fonte: Ministério da Saúde. 2011 (adaptado). Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/orientacoes_coleta_analise_dados_ antropometricos.pdf>
2. TRANSIÇÃO NUTRICIONAL, OBESIDADE E FOME OCULTA
O fenômeno epidemiológico denominado “transição nutricional” caracteriza-se por uma inversão
nos padrões de distribuição das condições nutricionais na linha do tempo, mostrando-se
diretamente influenciado por diversos fatores econômicos e sociais, a partir das mudanças
verificadas na modernização e globalização presentes nos modos de vida dos diferentes povos12.
Partindo de uma condição de atraso em direção à modernidade, esse fenômeno nutricional
caracteriza-se por uma migração da condição prevalente de escassez (desnutrição proteico-
energética) para o excesso de calorias (obesidade), contribuindo, dessa forma, para o aumento das
doenças crônicas não transmissíveis em todo o mundo.
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No Brasil, esse fenômeno tem sido observado nas últimas décadas, mesmo diante das diferenças
regionais apresentadas, e tem sido associado a fatores diversos como renda familiar, escolaridade
dos pais, peso ao nascer, estilo de vida e dietas inadequadas. Dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o excesso de peso foi encontrado com grande
frequência, a partir de cinco anos de idade, em todos os grupos de renda e em todas as regiões
brasileiras. Esse relatório notificou que uma em cada três crianças de cinco a nove anos estava
acima do peso recomendado pela OMS. O número de crianças acima do peso mais que dobrou
entre 1989 e 2009, passando de 15% para 34,8%. Analisando conjuntamente os dados de
obesidade e sobrepeso, apurou-se que 51,4% dos meninos e 43,8% das meninas apresentavam
algum grau de acometimento. O número de obesos aumentou mais de 300% nesse mesmo grupo
etário, indo de 4,1% em 1989 para 16,6% em 2008-2009. Entre as meninas, essa variação foi ainda
maior, de 11,9% para 32%13.
Gráfico 1. Evolução temporal de indicadores antropométricos na população brasileira de 5 a 9 anos
de idade, por sexo.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Estudo Nacional da Despesa Familiar 1974-1975 e Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009; Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição, Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição 198913.
Outro ponto de destaque no tocante à condição de transição nutricional das crianças brasileiras é
que, ao mesmo tempo em que se assiste à redução contínua dos casos de desnutrição proteico-
energética e aumento nas taxas de obesidade no país, verifica-se, em paralelo, uma situação
paradoxal marcada pelo aumento de carências nutricionais por déficit de micronutrientes – a
chamada “fome oculta”.
A fome oculta é caracterizada por uma carência silenciosa, não manifesta, de um ou mais
micronutrientes no organismo. Segundo a OMS, trata-se do problema nutricional mais prevalente
Referências laboratoriais para deficiência de vitamina D e anemia ferropriva (AF) em crianças
Quadro 2. Critérios laboratoriais para definição de suficiência de vitamina D de acordo com
diferentes entidades
Diagnóstico*
Global Consensus on
Prevention and
Management of
Nutritional Rickets
(2016)
Endocrine
Society Clinical
Practice
Guideline (2011)
American Academy
of Pediatrics
(2008)
Suficiência > 20 30 – 100 21 – 100
Insuficiência 12 – 20 21 – 29 16 – 20
Deficiência < 12 < 20 < 15
* Níveis séricos de 25-OH-vitamina D (ng/mL)
Quadro 3. Diagnóstico laboratorial de AF
VCN. HCM Reduzidos
RDW Elevado
CHr/RetHe Reduzidos
% de hemácias hipocrômicas Elevada
Contagem de reticulócitos Reduzida em relação à anemia
Ferro sérico Reduzido
TIBC Elevado
Saturação de transferrina Reduzida
Ferritina sérica Reduzida
sTfR Elevado
sTfR/logFerritina Elevado
ZPP Elevado
VCM: volume corpuscular médio; HCM: hemoglobina corpuscular média; RDW: índice de anisocitose; CHr, RetHe: conteúdo de hemoglobina nos reticulócitos; TIBC: capacidade total de ligação do ferro à transferrina; sRfR: receptor solúvel de transferrina; ZPP: zincoprotoporfirina.