Top Banner
UNIVERSIDADE POTIGUAR PRO-REITORIA DE PS-GRADUA˙ˆO E EXTENSˆO HISTRIA DO RIO GRANDE DO NORTE Maxuel Batista de Araœjo O ltimo Dos Tarairiœs NATAL 2006
67

O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Apr 26, 2023

Download

Documents

Welcome message from author
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
Page 1: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

UNIVERSIDADE POTIGUAR

PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO

HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE

Maxuel Batista de Araújo

O Último Dos Tarairiús

NATAL 2006

Page 2: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

MAXUEL BATISTA DE ARAÚJO

O ÚLTIMO DOS TARAIRIÚS

Monografia apresentada a Universidade Potiguar, como parte dos requisitos para obtenção do título de Especialista em História do Rio Grande do Norte.

Orientador: Profª. M.sC Marlene da Silva Mariz

NATAL 2006

Page 3: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

A663

Araújo, Maxuel Batista de. O último dos Tarairiús / Maxuel Batista de Araújo. � Natal, 2006. 67f. Monografia (Especialização em História do Rio Grande do Norte) Universidade Potiguar. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós- Graduação. 1. História do Rio Grande do Norte � Monografia. 2. Índios Tarairiús � Monografia. 3. Guerra dos Bárbaros - Monografia. I. Título. RN/UNP/BCFP CDU:94(813.2)(043)

Page 4: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

MAXUEL BATISTA DE ARAÚJO

O ÚLTIMO DOS TARAIRIÚS

Monografia apresentada a Universidade Potiguar, como parte dos requisitos para obtenção do título de Especialista em História do Rio Grande do Norte.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Profª. Ms. Marlene da Silva Mariz - Orientadora

Universidade Potiguar - UnP

__________________________________________________ Profª. Marlucia Galvão Brandão

Universidade Potiguar - UnP

__________________________________________________

Prof. Universidade Potiguar - UnP

Page 5: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Dedico esta Obra A minha esposa, Rosângela e

ao meu filho, Richard Max,

pelo amor, carinho e paciência.

Page 6: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

AGRADECIMENTOS

A Deus,

eterno pai de amor e misericórdia.

Aos meus pais, Francisco e Letícia,

pelo amor, apoio, educação

A Professora Marlene Mariz,

pela amizade, atenção, pela paciência, pelos conhecimentos

transmitidos e pela confiança e crença depositada em mim.

As amigas super-poderosas, Liege Barbalho, Socorro Patriota e Paula Francinette,

pelas horas de estudos, companheirismo, solidariedade e trabalho.

Page 7: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Os vencedores sempre escrevem a História a seu modo; aos

vencidos resta apenas lê-la com dissabor. Mas se os índios

tivessem tido oportunidade de escrever uma História do Brasil,

muitas páginas dos nossos livros seriam bem diferentes.

(ALMEIDA, Geraldo Gustavo de. 1988)

Page 8: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

RESUMO Estudo sobre o processo de dizimação e extermínio da tribo indígena Tarairiús no espaço

geográfico do Rio Grande do Norte, enquanto importante elemento de compreensão da

formação histórica do povo potiguar e as condições que se deu este processo. Observa-se,

contudo que, desde de o início da colonização portuguesa na América, os índios que

ocupavam o território que estava sendo conquistado pelos portugueses foram constantemente

denominados de bárbaros numa classificação claramente etnocêntrica, que levava em conta

sua aparente falta de organização social, religiosa e política, e principalmente seus hábitos

antropofágicos. Estes, a princípio, foram vistos como costumes bestiais e selvagens, o que

lhes garantia o adjetivo denegridor, sem que se levasse em conta seu contexto cultural.

Apresentado aqui, visando a contribuir para a compreensão do processo colonizador

português na América e a resistência indígena no nordeste colonial, a partir do conflito

conhecido como Guerra dos Bárbaros, ocorrido entre o final do século XVII e começo do

século XVIII. O evento em questão nos permite delinear o desdobramento da conquista e

colonização portuguesa através do processo de cooptação que envolvia índios, negros e

excluídos de forma a efetivar a conquista e exploração das novas terras. Por parte dos índios

evidenciam-se várias posturas que refletem as táticas de resistência e sobrevivência

empreendidas pelas tribos indígenas brasileiras. Por fim, obtém-se, ao custo do genocídio

indígena, a terra necessária à exploração da pecuária e a viabilização do caminho terrestre

entre os �brasis�.

Palavras-Chaves: Índios Tarairius. Rio Grande do Norte. Guerra dos Bárbaros. Extermínio

Page 9: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

ABSTRACT

Study on the decimation process and extermination of the aboriginal tribe Tarairiús in the

geographic space of the Rio Grande do Norte (�Great River of the North�), while important

element of understanding of the historical formation of the people to Potiguar and the

conditions that if this process gave. It is observed, however that, since of the beginning of the

Portuguese settling in America, the indians who occupied the territory that were being

conquered for the Portuguese constantly had been called of Barbarians in a clearly

ethnocentric classification, that took in account its apparent lack of social, religious

organization and politics, and mainly its anthropophagic habits. These, the principle, had

been seen as beastly and wild customs, what them guarantee the denigrating adjective,

without that if it took in account its cultural context. Presented here, aiming at to contribute

for the understanding of the Portuguese colonizer process in America and the aboriginal

resistance in the colonial northeast, from the known conflict as �Guerra dos Bárbaros�

(Barbarian�s War), occurrence enters the end of century XVII and start of century XVIII.

The event just mentioned allow us to point out the Portuguese conquests and colonization

through a process involving Indians, Blacks and excluded people in order to conquer and

exploit the new lands. In terms of the Indians, we can see many things reflecting resistance

and survival tactics used by Brazilian Indian tribes. Finally, due to the Indian genocide, it

becomes possible to have enough land for cattle raising and the viability of new paths among

the �Brazils�.

Word Key: Tarairius indians. Rio Grande do Norte. Barbarian�s War. Extermination.

Page 10: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 9

2. Primeiros habitantes do Brasil: Índios .............................................................. 12

2.1. Tupis e Tapuias ...................................................................................................... 18

2.2. Os Índios do Rio Grande do Norte ........................................................................ 25

3. Os Extintos Tarairius .......................................................................................... 27

4. Janduís: últimos Tarairius do Rio Grande do Norte ....................................... 33

4.1 Guerra dos Bárbaros: resistência a dominação portuguesa ................................... 36

4.2 Missões e Aldeamentos: a legitimação do extermínio indígena ............................ 46

5. Considerações Finais ........................................................................................... 59

Referências ........................................................................................................... 65

Page 11: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

1. Introdução

Na aurora de um novo milênio, onde o papel da História em nossa sociedade volta a

ser discutida de forma mais intensiva por historiadores, estudiosos e teóricos de diferentes

linhas de pensamentos, em relação a novas concepções e re-leituras de fatos e acontecimentos

do passado da humanidade, entretanto, há um consenso, que é a ampla visão e semiótica do

interpretar da História, almejando uma melhoria geral no atual panorama de ver e estudar os

acontecimentos da humanidade, valorizando os detalhes, fatos locais, o cotidiano etc.,

integrando-os no processo maior da formação histórica global.

Dentro deste paradigma, procura-se nesta obra contribuir para a compreensão do

processo da formação histórica do Brasil, no tocante a consolidação do modelo colonizador

português na América e a resistência indígena na Capitania do Rio Grande, a partir do levante

conhecido como Guerra dos Bárbaros ou do Açu, ocorrido entre o final do ano de 1670 e

1699.

É exclusividade da humanidade conhecer, perceber, tirar conclusões da realidade

e construir concepções que favoreçam uma mudança de atitudes frente ao ambiente

sócio-cultural em que vive. É de fundamental importância à discussão sobre a

construção de uma nova consciência sobre as relações do homem com os a História e

seus acontecimentos, como o levante indígena, popularmente denominado �Guerra dos

Bárbaros�, que, neste estudo procura-se abordar de forma mais ampla este levante,

ressaltando o massacre e aniquilamento da população indígena do Rio Grande do Norte,

em especial, a tribo dos índios Tarairiús.

A proposta deste estudo resulta de observações e análises da historiografia

brasileira no sentido de discutir de uma forma mais ampla, esclarecedora e didática de

um dos maiores, quiçá, o maior levante indígena das Américas contra a forma de

denominação e colonização européia.

Page 12: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Nesse sentido, entende-se que, é através de discussões, análises, novas leitura e

releituras de determinados fatos históricos é que podemos dar início a um importante

processo que venha contribuir para o desenvolvimento de uma proposta paradigmática e

semiótica deste importante fato, que, a História �oficial� brasileira timidamente aborda

em seus compêndios, desta forma justiça-se iminente projeto, em ter como novas

referências, fazer justiça à brava trajetória histórica da tribo dos índios, que, aqui se

procura revelar a saga do último dos Tarairiús e assim, possibilitar a construção de um

novo despertar, onde cada pessoa e o coletivo possam desenvolver conceitos diferentes

dos construídos até hoje que vê o homem como �centro de tudo� (antropocentrismo) e a

supervalorização da tradição européia (europocentrismo) e não como parte de um

processo sócio-cultural global.

Histórica e culturalmente é de fundamental importância conhecer e valorizar nossos

elementos da formação do povo brasileiro, seus traços e heranças culturais, procurando

despertar o sentimento de valorização e conservação do nosso genuíno sentimento de

�brasilidade�, enfatizando a construção da história regional, como importante elemento na

compreensão da História mundial.

Para se fazer uma investigação que, venha contribuir para a possibilidade de uma

nova visão de conhecimento da forma de tratar o levante indígena e o massacre da tribo

dos Tarairiús (entre os séculos XVII e XVIII) no Nordeste brasileiro, em destaque, na

Capitania do Rio Grande, deu-se a necessidade de recorrer a fontes documentais,

escritos e relatos de diversos historiadores potiguares e de outras regiões.

Entretanto, ainda verifica-se a necessidade de ampliar a produção científica,

principalmente a Potiguar, em torno do levante �Guerra dos Bárbaros�, ou Guerra do

Açu, ou ainda, embora com muitas controvérsias, o termo �Confederação dos Cariris�.

Devido encontramos poucos autores que exploraram este tema, pelo menos, restringe

seu debate ao meio acadêmico, onde podemos citar autores como: Leonardo Guimarães

Vaz Dias (UFF); Maria de Fátima Martins Lopes (UFRN); Olavo Medeiros Filho (IHG-RN) e

Page 13: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Pedro Puntoni (UFRN) e alguns artigos, teses e periódicos específicos sobre o massacre

dos índios Tarairiús no espaço norte-rio-grandense.

Este estudo está estruturado em cinco capítulos, a Introdução referenciando sobre a

discussão e analise da importância do debate em torno da questão indígena no Estado do Rio

Grande do Norte, dívida histórica, que faz necessário a ampliação desse tema; o segundo

capítulo, pretende-se mostrar uma visão panorâmica dos primeiros habitantes do Brasil � os

índios; no terceiro capítulo, verifica-se as características de luta e resistência dos índios

Tarairiús, bem como sua localização, tribos, usos e costumes. Já o quarto capitulo, trata

especificamente da tribo dos Janduís � os últimos Tarairiús dos Rio Grande do Norte,

enfocando a resistência a dominação portuguesa no episódio histórico, conhecido como

Guerra dos Bárbaros ou Guerra do Açu. Por fim, as analises e reflexões sobre a explanação

do que levou o extermínio do último dos Tarairius.

2. Os primeiros habitantes do Brasil: Índios

Page 14: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Os habitantes do continente americano descendem de populações advindas da Ásia,

sendo que os vestígios mais antigos de sua presença na América, obtidos por meio de estudos

arqueológicos, datam de 11 a 12,5 mil anos. Todavia, ainda não se chegou a um consenso

acerca do período em que teria havido a primeira leva migratória.

No Brasil, a presença humana está documentada no período situado entre 11 e 12 mil

anos atrás. Mas novas evidências têm sido encontradas na Bahia e no Piauí que comprovariam

ser mais antiga esta ocupação, com o que muitos arqueólogos não concordam. Assim, há uma

tendência cada vez maior de os pesquisadores reverem essas datas, já que pesquisas recentes

vêm indicando datações muito mais antigas.

Há cinco séculos, os portugueses chegaram ao litoral brasileiro, dando início a um

processo de migração que se estenderia até o início do século XX, e paulatinamente foram

estabelecendo-se nas terras que eram ocupadas pelos povos indígenas.

O processo de colonização levou à extinção muitas sociedades indígenas que viviam

no território dominado, seja pela ação das armas, seja em decorrência do contágio por doenças

trazidas dos países distantes, ou, ainda, pela aplicação de políticas visando à "assimilação"

dos índios à nova sociedade implantada, com forte influência européia.

Embora não se saiba exatamente quantas sociedades indígenas existiam no Brasil à época da

chegada dos europeus, há estimativas sobre o número de habitantes nativos naquele tempo,

que variam de 1 a 10 milhões de indivíduos. (FUNAI, 2000).

Estes habitantes foram logo denominado pelos portugueses de índios brasileiros e

estavam divididos em tribos, de acordo com o tronco lingüístico ao qual pertenciam: tupi-

guaranis (região do litoral), macro-jê ou tapuias (região do Planalto Central), aruaques

(Amazônia) e caraíbas (Amazônia). (DANTAS, 1990).

Os indígenas que habitavam o Brasil por volta do ano de 1.500, viviam da caça, da

pesca e da agricultura de milho, amendoim, feijão, abóbora, bata-doce e principalmente

Page 15: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

mandioca. Esta agricultura era praticada de forma bem rudimentar, pois utilizavam a técnica

da coivara (derrubada de mata e queimada para limpar o solo para o plantio). Os índios

domesticavam animais de pequeno porte como, por exemplo, porco do mato e capivara,

todavia, não conheciam o cavalo, o boi e a galinha. As tribos indígenas possuíam uma

relação baseada em regras sociais, políticas e religiosas. O contato entre as tribos acontecia

em momentos de guerras, casamentos, cerimônias de enterro e também no momento de

estabelecer alianças contra um inimigo comum.

Os índios faziam objetos utilizando as matérias-primas da natureza. Vale lembrar que

índio respeita muito o meio ambiente, retirando dele somente o necessário para a sua

sobrevivência. Da madeira, construíam canoas, arcos e flechas e suas habitações (ocas). A

palha era utilizada para fazer cestos, esteiras, redes e outros objetos. A cerâmica também era

muito utilizada para fazer potes, panelas e utensílios domésticos em geral. Penas e peles de

animais serviam para fazer roupas ou enfeites para as cerimônias das tribos. O urucum era

muito usado para fazer pinturas no corpo. (DANTAS, 1990).

Entre os indígenas não há classes sociais como a do homem branco. Todos têm os

mesmo direitos e recebem o mesmo tratamento. A terra, por exemplo, pertence a todos e

quando um índio caça, costuma dividir com os habitantes de sua tribo. Apenas os

instrumentos de trabalho (machado, arcos, flechas, arpões ) são de propriedade individual. O

trabalho na tribo é realizado por todos, porém possui uma divisão por sexo e idade. As

mulheres são responsáveis pela comida, crianças, colheita e plantio. Já os homens da tribo

ficam encarregados do trabalho mais pesado: caça, pesca, guerra e derrubada das árvores.

Duas figuras importantes na organização das tribos são o pajé e o cacique. O pajé é o

sacerdote da tribo, pois conhece todos os rituais e recebe as mensagens dos deuses. Ele

também é o curandeiro, pois conhece todos os chás e ervas para curar doenças. Ele que faz o

Page 16: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

ritual da pajelança, onde evoca os deuses da floresta e dos ancestrais para ajudar na cura. O

cacique, também importante na vida tribal, faz o papel de chefe, pois organiza e orienta os

índios. (DANTAS, 1990).

A educação indígena é bem interessante. Os pequenos índios, conhecidos como

curumins, aprendem desde pequenos e de forma prática. Costumam observar o que os

adultos fazem e vão treinando desde cedo. Quando o pai vai caçar, costuma levar o

indiozinho junto para que este aprender. Portanto a educação indígena é bem pratica e

vinculada a realidade da vida da tribo. Quando atinge os 13 os 14 anos, o jovem passa por

um teste e uma cerimônia para ingressar na vida adulta, isto é, um rito de passagem.

Em relação a Religião, cada nação indígena possuía crenças e rituais religiosos

diferenciados. Porém, todas as tribos acreditavam nas forças da natureza e nos espíritos dos

antepassados. Para estes deuses e espíritos, faziam rituais, cerimônias e festas. O pajé era o

responsável por transmitir estes conhecimentos aos habitantes da tribo. Algumas tribos

chegavam a enterrar o corpo dos índios em grandes vasos de cerâmica, onde além do

cadáver ficavam os objetos pessoais. Isto mostra que estas tribos acreditavam numa vida

após a morte. (CUNHA, 1987).

O trabalho é dividido por idade e sexo: as mulheres cuidam da casa, as criança da roça

e o homem é responsável pela defesa, caça e colheita de alimentos. A caça é muito bem

estruturada. Eles estudam o hábito de cada animal para depois caçá-los. Já na pesca, são

usados vegetais como o timbó (a planta timbó possui um veneno que atordoa o peixe) nas

iscas facilitando na caça.

Além da vara de pescar os índios ultilizam outros métodos como as armadilhas. Uma delas é o

pari, uma cesta funda com uma abertura por onde o peixe passa atrás da isca, mas não

consegue sair. (DANTAS, 1990).

Page 17: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

A maioria dos índios utilizam a agricultura como um dos principais métodos de

sobrevivência, o principal método usado pelos índios é o de abrir uma clareira na floresta,

deixar os troncos caídos secarem no solo e depois colocar fogo. Após isso o terreno estava

pronto. Outra característica interessante nos indígenas são os ritos, um método simbólico de

representar ações ou épocas especiais. No Brasil muitas tribos praticam ritos de passagem,

que marcam a passagem de um grupo ou indivíduo de uma situação para outra.

Esses ritos se ligam à gestação e ao nascimento, à iniciação na vida adulta, ao

casamento, à morte e a outras situações. As tribos indígenas também possuem seus mitos e

heróis. Os mitos nada mais são que as idéias e modos de ver as coisas passadas de geração

em geração. Ao contrário dos católicos, a maioria das tribos pouco acreditam num Deus

supremo, criador de todas as coisas. Os índios também creêm em heróis místicos,

responsáveis pela criação de rituais, arte e costumes. (DANTAS, 1990).

Uma curiosidade, e muito questionada até hoje, é o infantinicídio de gêmeos por parte

das tribos. Isso se dá, pois eles acreditam que, ao nascer gêmeos, uma das crianças encarna o

bem e a outra o mal. Para acabar com isso, os índios tratam de acabar o mais rápido possível

com ambas às crianças ou, em tempos recentes, com o que nascer por último.

Vale ressaltar que durante o período de colonização, as Capitanias Brasileiras tinham

como base econômica à cultura da cana-de-açúcar. No Rio Grande do Norte essa base

econômica se solidificou com o cultivo da cana-de-açúcar no litoral e o desenvolvimento da

pecuária no Sertão, onde as terras eram impróprias para a cultura da cana. Essa atividade que

de início era feita em pequena escala, passou a se expandir Sertão adentro principalmente

quando da ocupação Holandesa no Nordeste.

Além do mais, o gado se constituía numa fonte econômica abundante, já que dele era

aproveitado quase tudo, inclusive o próprio couro que era exportado para outros países e que

Page 18: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

levou ao surgimento de oficinas de beneficiamento (curtumes) nas capitanias do Rio Grande,

Paraíba e Pernambuco.

Todavia, com a expulsão dos Holandeses do Brasil muito gado ficou sem dono,

vagando e espalhando-se pelo Sertão, fazendo com que logo colonos interessados em

apascentá-los, ocupassem suas ribeiras. E com a colonização Portuguesa e o povoamento se

acentuando cada vez mais, através da formação das cidades e vilas, ficava bastante

complicado alimentar a população, visto que as terras que não estavam sendo utilizadas para o

plantio de cana-de-açúcar, estavam ocupadas com a criação do gado. Para solucionar esta

questão, as autoridades provinciais resolveram limitar a criação do gado, proibindo-a até dez

léguas do mar e também as margens dos rios, para que estas terras pudessem ser preservadas

tanto para o cultivo da cana, quanto também, para outros produtos agrícolas. Essa legislação

resultou na ocupação das terras até então inexploradas, já que a atividade pecuária exigia uma

maior quantidade das mesmas. (SCATAMACCHIA,1994).

Contudo, a posse da terra era controlada pelo Governador Geral que só concedia a

posse mediante o "povoamento" dentro de um ano, sendo esta posse cabível quando entregue

aos colonos portugueses ou vassalos do rei de Portugal. Assim, criou-se no pensamento

colonial a idéia de um interior "vazio", apesar de ser habitado pelos nativos da terra que não

foram tidos como seres humanos.

Todavia, de início foi muito comum à convivência pacífica entre nativos e

portugueses, devido principalmente ao pagamento de "resgates", por parte dos colonos. Vê-se

assim, que existia um medo em demasia por parte do gentio devido ao avanço do colonizador

em suas terras e vice-versa. Esses resgates eram uma espécie de "imposto da paz", que visava

uma certa cordialidade entre o invasor e o invadido.

A partir de então, a ocupação portuguesa no Sertão do Rio Grande do Norte se

intensificou devido ao avanço das frentes pastoris, que objetivava expandir a pecuária Sertão

Page 19: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

adentro, chegando o momento que devido a esse avanço pastoril, a presença indígena se torna

um empecilho à colonização, levando as autoridades coloniais a utilizarem como estratégias

de desocupação destas terras, a eliminação dos nativos que resistissem aos interesses

colonizadores, especialmente os homens, já que as mulheres e crianças não eram mortas, pois

poderiam servir aos interesses dos colonizadores. (SCATAMACCHIA,1994).

Crucialmente e em face da ruptura demográfica e social promovida pela conquista

européia, foi sugerido que os padrões de organização social e de manejo dos recursos naturais

das populações indígenas que atualmente vivem no território brasileiro não seriam

representativos dos padrões das sociedades pré-coloniais. Esse é um ponto controvertido

entre os pesquisadores, pois ainda não há dados suficientes advindos de pesquisas

arqueológicas, bioantropológicas e de história indígena enfocando o impacto do contato

europeu sobre as populações nativas para que se possa fazer tal afirmativa.

O atual estado de preservação das culturas e línguas indígenas é conseqüência direta

da história do contato das diferentes sociedades indígenas com os europeus que dominaram o

território brasileiro desde 1500. Os primeiros contatos se deram no litoral e só aos poucos

houve um movimento de interiorização por parte dos europeus.

2.1. Tupis e Tapuias

Page 20: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

A classificação clássica e genérica − adotada pelos colonizadores portugueses −

foi aquela que dividia os indígenas brasileiros em dois grandes grupos: os tupis e os

tapuias. Os tupis representavam aqueles indígenas que ocupavam o litoral brasileiro no

momento da chegada dos primeiros colonizadores. Estes índios se assemelhavam

culturalmente, o que justificava uma classificação genérica para os diversos grupos que o

constituíam. No entanto, o mesmo não vale para os tapuias. Esta designação era dada

pelos tupis a todos indígenas que se contrapunham a eles e servia para designar grupos

das mais variadas culturas. É notável, porém, como a divisão dualista tupi-tapuia foi

apropriada pelos colonizadores e como cada grupo adquiriu um caráter específico de

acordo com suas posturas em relação ao processo de conquista português. (PUNTONI,

1998).

Foram tupis, em geral, os grupos que se aliaram aos portugueses em seu avanço

conquistador. Estes grupos indígenas buscavam tirar proveito destas alianças para obter

maiores sucessos em suas guerras contra tribos rivais e os colonizadores conseguiam

desta forma concretizar uma aliança indispensável em sua ambição conquistadora, que

se veria impossibilitada sem tais acordos. Tivemos, assim, durante todo o processo de

colonização portuguesa na América, a construção de uma imagem que dividia os índios

entre tupis e tapuias e que com o desenvolver deste processo tal imagem passaria a

refletir uma impressão comum aos portugueses, a de que os tupis representavam

aqueles índios pacificados e mais aptos a �receber a civilização�, enquanto os tapuias

seriam irredutíveis, o que acabaria por reservar o famigerado adjetivo de �bárbaros� para

estas tribos, sem que se constituísse qualquer diferenciação entre os diversos grupos que

compunham a imprecisa denominação de tapuia.

Até o costume antropofágico dos índios foram vistos e qualificados de forma

diferenciada pelos colonizadores. A antropofagia dos tupis, em geral, remetia,

principalmente, a um ritual de vingança. Já entre os tapuias, nos poucos relatos

existentes, evidencia-se o endocanibalismo, onde em geral se devoravam os parentes

Page 21: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

mortos, como forma de evitar que seus corpos apodrecessem, cuidado que não

dispensavam aos seus inimigos, que quando mortos eram, quase sempre, abandonados.1

Neste caso podemos perceber a permanência de uma mentalidade cavalheiresca

entre os europeus que via algo de nobre em um ritual de vingança, mesmo que

envolvesse a antropofagia, e desta forma hierarquizavam os costumes indígenas,

colocando as atitudes tupis como moralmente superiores às tapuias.

Aos tupis foi reservado o conceito de antropófagos e os tapuias eram chamados

de canibais, conceitos este associado diretamente ao prazer de comer carne humana,

sem nenhum ritual de vingança que o justificasse.2

Os Tapuias, também conhecidos principalmente por �Bárbaros�, habitavam, dentre

outras regiões, os sertões da Capitania do Rio Grande. Dividiam-se em vários grupos

nomeados de acordo com a região onde moravam � Cariris (Serra da Borborema), Tarairiou

(Rio Grande e Cunhaú), Canindés (no sertão do Acauã ou Seridó). Eram chefiados por vários

reis e falavam línguas diversas. Merecendo destaque os reis Janduí e Caracará. (MEDEIROS

FILHO, 2003).

Dentro das características físicas dos Tapuias, ressalta-se que, os homens

apresentavam-se corpulentos, possuidores de grande força física. A pele queimada, em tons de

marrom. Usavam cabelo longo ao sabor do vento. Não costumavam usar roupas.

(MEDEIROS, 1985).

1 Para uma excelente análise do canibal e do canibalismo na América e sua imagem na Europa ver: LESTRINGANT, Frank. O Canibal: grandeza e decadência. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.

2 Para uma breve análise da distinção entre canibais e antropófagos ver o artigo: CUNHA, Manuela Carneiro da. Imagens de Índios do Brasil: o século XVI. In: PIZARRO, Ana (org.). América Latina: palavra, literatura e cultura. São Paulo: Memorial/Campinas: Unicamp, 1993.

Page 22: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Eram desprovidos de pêlos por todo o corpo. Apesar de andarem nus, cobriam as

partes íntimas com peças feitas de materiais rudimentares, extraídos da natureza. Em contra

partida, as mulheres apresentavam estrutura física pequena, mas a cor era a mesma da dos

homens. Costumavam manter os cabelos curtos ou longos, de corpos rechonchudos. Também

escondiam suas partes íntimas. Adornavam seu corpo com o que encontravam na natureza �

Penas de aves, folhas de plantas nativas, raízes, utilizavam-se de pedaços de paus para

fazerem brincos, colares e outros. Utilizavam-se de tais enfeites tanto para a prática das

danças, como na preparação para a guerra. (MEDEIROS, 1985).

Os Tapuias, por vezes, atingiam aproximadamente dois séculos de vida. Quando isso

acontecia eram homenageados por sua tribo. Isto quando do sexo masculino � se do sexo

feminino, ao darem à luz a mais de um filho, tornavam-se cativas. Estando doentes são

visitados pelos amigos e se o caso de morte, matavam-nos para que não houvesse sofrimento.

A causa mais freqüente de óbito entre os Tapuias era o veneno de cobra. Eram

endocanibalistas, devoravam até mesmo os de sua tribo, quando da sua morte.

A puberdade era o período em que a donzela estaria pronta para casar-se. A virgindade

era bastante valorizada. O namoro, acontecia entre danças, onde eram escolhidos os

pretendentes. No noivado, o pretendente oferecia presente ao sogro. Quando a donzela não

arrumava pretendente, era levada ao chefe e este a possuía.

Os jovens tinham que demonstrar valor pessoal, exibindo força física. O rei aprovava a

cerimônia e quando esta se realizava, furavam-se as faces dos noivos e colocavam pauzinhos.

A festa durava cinco dias. Os matrimônios eram severos, apesar da poligamia, mas as

cerimônias eram reservadas às primeiras esposas. Possuir várias mulheres era sinal de

Page 23: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

prestígio. O adultério era raro, e o marido expulsava a ré, depois de açoitá-la, no caso do

flagrante e poderia matá-los. Sobre os tapuias cariris, eram praticantes do adultério, e era

recíproco. (MEDEIROS, 1985).

A Índia Tapuia, quando grávida, não tinha relações com o marido, também enquanto

amamentava. A tapuia dava à luz nas matas, cozia o umbigo e a placenta e comia. Quando

voltava ao acampamento, o filho era cuidado por outra mulher. Os maridos tinham o mesmo

resguardo da parturiente. Esta se alimentavam de farinha de mandioca, milho, feijão, até o

nascimento dos dentes dos lactentes. Os nascidos mortos eram devorados pelos tarairiús. As

crianças começavam a andar com nove semanas e aprendiam a nadar nesta mesma época.

Entre sete e oito anos eram furados o lábio inferior e as orelhas e colocados ossos e paus,

depois eram batizados, ficando aptos para as lutas. (MEDEIROS, 1985).

Os Tapuias possuíam semblante ameaçador, corriam igual as feras, por isso eram

muito temidos. Eram inconstantes, fáceis de ser levados a fazer o mal. Eram fortes,

carregavam nos ombros grandes pesos. Ao irem para guerra, marchavam em silêncio, mas no

embate faziam bastante alarido, jogando setas envenenadas das quais os feridos jamais

escapavam. Os tapuias que se destacavam nas lutas eram considerados heróis.

O poder real não era hereditário, este era substituído quando morto. O rei distinguia-se

dos outros pelos cabelos e pelas unhas. Os tapuias eram muito obedientes ao rei.

Os tapuias se enfeitavam da cabeça aos pés para as lutas. Suas armas eram as flechas,

as pranchetas, arcos e dardos, que usavam com grande habilidade. Usavam também as clavas

e machados de mão; as armas eram enfeitadas com bonitas plumas. Eles não se utilizavam das

armas de fogo, passaram a usar em razão da Guerra dos Bárbaros. (MEDEIROS, 1985).

Page 24: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Eram nômades, paravam onde houvesse abundância de alimentos. Gostavam de viver

ao ar livre. Por isso não construíam casa, levantavam alguns ramos para servir de abrigo.

Eram gulosos, as reservas alimentares dentro da área duravam somente dois ou três dias.

Quando partem para outros sítios tocam fogo no acampamento.

O rei era quem programava as atividades do dia e da noite. Antes de partirem,

banhavam-se no rio, para espantar a moleza. Quando mudavam de acampamento, os mais

fortes carregavam dois troncos de árvores. As mulheres e os meninos conduziam as armas, as

bagagens e os trastes. Chegados ao local do novo acampamento, iam cortar árvores, e usavam

os galhos e ramagens para fazerem sombra. As habitações dos tapuias eram toscas e feias.

Eles levavam uma vida descuidosa. Não semeavam, não plantavam, nem se

esforçavam por coisa alguma. Alimentavam-se com mel de abelhas e maribondos e com todas

as imundícies da terra, como cobras e lagartos. Os tapuias armavam ciladas aos peixes e

animais, utilizando seu admirável olfato e sua habilidade para comer. Alimentavam-se ainda

de frutos agrestes, caça fresca, peixes, tudo sem temperos ou condimentos. Não semeavam

outra coisa além da mandioca.

Para assar a carne, eles cavavam um buraco na terra e colocavam a carne, depois

enterravam pondo folhas de árvores por cima e faziam uma fogueira por cima de tudo.

Para atraírem felicidade na caça e pesca, os tapuias cariris queimavam ossos de animais ou

espinhas de peixes. (MEDEIROS, 1985).

Os jovens caçadores presenteavam os velhos da tribo com caças e pescarias, sem

sequer comer um único pedaço. Durante o período de caça e pesca, comiam uma sopa muito

rala, feita com farinha de milho ou mandioca. Depois dessa temporada, estavam magros, por

razão do intenso trabalho e da alimentação inadequada.

Page 25: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

A linguagem era um tanto mal entendida, pois era trêmula, e cantada, não se entendia

nada. Dezenas de palavras foram usadas na linguagem dos tapuias como por exemplo; carfa,

caruatá, cayú, comatyn, corpamba, corraveara, cucuraí, ditre, entre outros.

Foram aldeias, que em pouco tempo foram transformadas em vilas, onde existia um

chefe para governar esse vilarejo indígena, onde estabeleceu-se a forma de vida um tanto

democrática entre os demais. Podemos citar alguns nomes de aldeias existentes, como: a

aldeia Jacoca, Utinga, Baía da Traição, Monte Mor da preguiça, Boa Vista, Cariris, Campina

Grande, Brejo, Panatis, Coremas, Aldeia dos Pegas, dos Icos pequenos, etc.

A religião dos Tapuias era basicamente animista, eles adoravam as forças da natureza

com o trovão, a lua, o sol, além disto, acreditavam que certos animais, como serpentes, aves e

alguns mamíferos, como morcegos, praticaram sacrifícios de animais, até humanos. Os

europeus aqui chegados trataram de demonizar os deuses dos Tapuias, como podemos ver na

frase do cronista Morisot, �Os brasilianos só adoram o diabo, não que daí esperem um bem,

mas porque o temem, e por esse motivo oferecem sacrifícios e o invocam�. (30, 125).

Os Tapuias também tinham como Deus principal a Constelação da Ursa Maior, para

eles um inimigo dos Tapuias o intrigou com o seu Deus, este era a raposa, a causadora de sua

expulsão do paraíso. Os tapuias acreditavam na imortalidade da alma desde que a pessoa não

tivesse morrido de morte matada ou de picada de serpente. (MEDEIROS, 1985).

Os Tapuias não faziam nada sem antes consultar os feiticeiros e adivinhos. De um

modo geral, a religião dos tapuias lembra um pouco as religiões da África, no tocante a

influência forte dos feiticeiros na vida indígena.

Os europeus viam nos rituais dos tapuias um comércio direto com os poderes do

inferno, além disto os tapuias possuíam deuses também que regiam a agricultura, a pesca e a

caça, os invocaram e sacrificaram a eles para obter boas colheitas, pesca e caça fartas. Os

tapuias tinham uma lenda que falava no Deus da criação, que tinham dois filhos, o mais novo

Page 26: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

foi embora para a terra, o Deus pai enviou seu filho mais velho para buscar seu filho mais

novo, mas este e seus filhos acabaram maltratando e matando o irmão mais velho, que depois

de morto ficou na terra, entre seus parentes, por vários dias e somente depois ascendem ao

céu, retornando para o seu pai. (MEDEIROS, 1985).

Quando se observa o mapa da distribuição das populações indígenas no território

brasileiro de hoje, podem-se ver claramente os reflexos do movimento de expansão político-

econômica ocorrido historicamente. Os povos que habitavam a costa leste, na maioria

falantes de línguas do Tronco Tupi, foram dizimados, dominados ou refugiaram-se nas terras

interioranas para evitar o contato.

É importante lembrar a questão lingüística dos índios brasileiros, uma vez que, a maior

parte das sociedades indígenas que conseguiram preservar suas línguas vive, atualmente, no

Norte, Centro-Oeste e Sul do Brasil. Nas outras regiões, elas foram sendo expulsas à medida

em que a urbanização avançava.

2.2. Os Índios do Rio Grande do Norte

Os indícios mais antigos que comprovam a presença do homem no Brasil se

encontram na Serra da Capivara, no Piauí, e datam cerca de 50 mil anos. Durante muito

Page 27: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

tempo, os ancestrais dos atuais índios brasileiros viveram por lá. Só que, há mais ou menos 11

mil anos, no final do período Pleistosceno e começo do Holosceno, o Nordeste começou a

secar e os povos dessa região precisaram migrar em busca de terras mais férteis. Foi então que

o Seridó, região entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba, passou a ser habitado por seres

humanos, mais precisamente pelos índios Tarairius, do tronco lingüístico Macro-Jê.

Mapa � Ocupação e Povoamento do Rio Grande do Norte

Os índios da América, sobretudo os do Brasil em geral, encontravam-se no estado

neolítico (coletores, usos da cerâmica e pedra polida) quando os europeus da �idade do

Ferro�. O litoral norte-rio-grandense, na época da descoberta do Brasil, era habitado pelos

tupis, originários do Paraguai e do Paraná. Falavam o abanheenga que, segundo Varnhagen,

era uma língua aglutinativa, porém, com reflexões verbais. Receberam o nome local de

potiguares.

Observa-se que atualmente, o Estado do Rio Grande do Norte é o único

oficialmente que não registra mais povos indígenas, onde admite-se o total desaparecimento

completo dos povos indígenas.

Tarcísio Medeiros (1985) descreve o tipo físico dos potiguares: �tinham o porte

mediano, acima de 1,65 cm, reforçados e bem feitos no físico, olhos pequenos, negros,

encavados e erguidos, amendoados (...), eram mais ou menos baços, claros. Pintavam o corpo

com desenhos coloridos (...), furavam os beiços�.

Page 28: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Os tapuias, que moravam no interior, foram descritos da seguinte maneira, por Olavo

de Medeiros Filho: �as mulheres eram, indistintamente, pequenas e mais baixas de estatura

que os homens. Possuíam a mesma cor atrigueirada, sendo muito bonitas de cara, obedecendo

cegamente aos maridos em tudo que fosse razoável�.

Janduís (Tarairiús)

Tupis

Mapa � Distribuição das tribos indígenas do RN � séculos XVI a XIX

E, mais adiante, acrescenta: "os tapuias andavam inteiramente nus. Não usavam barbas

e depilavam sistematicamente todos os pêlos surgidos no corpo, inclusive as sobrancelhas (...)

Os tapuais pintavam hediondamente o corpo com tinta extraída do fruto de jenipapo, a fim de

adquirirem um aspecto terrível nos combates". (MEDEIROS, 1985, p. 86)

Tarcísio Medeiros apresenta a seguinte classificação da população nativa, formada por

diversas nações, na época da descoberta do Brasil: Litoral: potiguares; Seridó: arius, cariris,

panatis, curemas, pebas e caicós; Chapada do Apodi: paiacus, cariris, pajéus, pegos, moxoiós

e canindés; Zona Serrana: pacajus, panatis, icós e parins. (MEDEIROS, 1985, p. 86)

3. Os Extintos Tarairius

Durante os séculos XVI e XVII (inicio da colonização portuguesa na Capitania do

Norte), habitavam o interior da Capitania, parte do Ceará e da Paraíba, os índios denominados

Tarairiús, era um desses grupos Tapuias habitantes do Sertão que se distinguia dos Cariris e

Page 29: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

dos Gê. Os Tarairiús eram subdivididos em dois grupos e se diferiam entre outros aspectos,

lingüísticos � culturalmente dos Cariris e tinham como chefes Janduí e Cerro-Corá. Os

primeiros habitavam áreas sub-litorâneas, como as margens dos rios da região Seridó e o

segundo habitava nas proximidades de rios permanentes, como o Rio S. Francisco. Um dos

aspectos da cultura indígena que provam as suas diversidades culturais, é a prática do

endocanibalismo, ou seja, quando morria um membro da tribo, este era comido pela própria

tribo, e também quando nascia um bebê morto, este era comido pela mãe, o que não acontecia

com a tribo Cariri. Os Tarairiús que habitavam o Sertão da Capitania do Rio Grande

dividiam-se em Janduí, Ariú, Pega, Canindé, Genipapo, Paiacú, Panati, Caratiú e Corene, os

quais tiveram contato com os colonos portugueses quando a pecuária adentrou os Sertões.

(MEDEIROS, 1985).

Dança dos Tarairius (Janduis) � Albert Echkout

O clima do sertão impunha aos Tarairiú uma vida seminômade, já que de acordo com

as estações do ano, estes mudavam seu acampamento para outros lugares que garantissem seu

sustento, não tendo aldeias fixas. Assim relatos apontam que nos meses de Novembro,

Dezembro e Janeiro, os Tarairiú se colocavam perto do mar, já que essa região era mais rica.

Dormiam em redes ou no chão. As migrações para outras áreas eram indicadas pelos

Page 30: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

feiticeiros e anunciadas pelos reis que determinavam o local do próximo acampamento. Após

as chuvas estes se deslocavam para as várzeas dos rios, onde plantavam mandioca, milho e

legumes.

Os Tarairiús eram guerreiros temidos até por outros indígenas, devido sua força,

velocidade e destreza na guerra. Além das armas européias, eles adotaram o uso de cavalos, o

que causava espanto aos Portugueses. Sendo uma sociedade guerreira, a posição dos

"principais", ou seja, de um grande guerreiro, era de grande prestígio, havendo cerimônias de

coroação com muitos festejos. Os acordos de paz também eram feitos com a presença do

guerreiro, sendo que este juntamente com os seus, se tornavam a partir do "acordo", vassalos

do Rei de Portugal. (MEDEIROS FILHO, 2003).

Índia Tairariu � Albert Echkout, 1643 Índio Tairariu � Albert Echkout, 1643

Percebe-se até então, que estão explícitos os interesses coloniais para "livrar" o

território da presença indígena, seja pela morte, pela fuga ou pela rendição forçada ou ainda

com outras estratégias de intimação para obter escravos disponíveis a colonização. E na

tentativa de expulsar os índios e de se apropriar das suas terras para desenvolver a pecuária,

iniciava-se a ampliação das fronteiras econômicas em direção aos Sertões das Capitanias Rio

Page 31: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Grande do Norte, Paraíba e Ceará. Contudo, esse empenho colonial gerou muitos conflitos,

onde até os padres seculares temiam vir até o Rio Grande, por medo dos "bárbaros" tapuias.

Durante as décadas de 1670 e 80, com a distribuição de sesmarias nas ribeiras dos rios

Acauã, Seridó, Açu, Apodi e Mossoró, e implantação da pecuária na capitania do Rio Grande,

foi criada uma situação que de certa forma favoreceu uma convivência entre os Tapuias e

vaqueiros, tanto que os conflitos eram resolvidos através de "acordos", sendo que em algumas

situações, os conflitos eram resolvidos através da "força", ou seja, pela escravização indígena

para a mão-de-obra. Esses conflitos foram se alastrando e fazendo com que a situação se

agravasse em ambas as partes, pois a interiorização cada vez mais forte da pecuária vinda de

um lado, do litoral de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande e do outro (Maranhão, Piauí e

Ceará), colocava os indígenas numa situação de imobilidade diante das frentes pastoris,

levando-os a se constituir numa barreira à colonização, que foi denominada de "muro do

demônio". Por conseguinte, os índios "espremidos" num limite mínimo de terras, pressionadas

e sem saída reagiram violentamente, levando a capitania a uma deflagração que ficou

conhecida como a "Guerra dos Bárbaros". . (MEDEIROS FILHO, 2003).

No ano de 1687, a reação Tarairiú à colonização, intensificou-se tanto que foi preciso

pedir intermédio de um vereador da câmara enviado ao governador geral na Bahia, pois o

levante já havia causado grande catástrofe. O governador geral Mathias da Cunha, vendo a

possibilidade da retomada das terras pelos Tarairiú, ordenou que o coronel Antônio de

Albuquerque da câmara assumisse a liderança de interesse dos colonizadores.

Os Portugueses tentaram repreender os "indígenas", enviando tropas paulistas

lideradas por Domingos Jorge Velho, para guerrear contra eles. Os objetivos dessa luta seriam

degolar os guerreiros e escravizar suas mulheres e crianças, já que estas úteis, podendo ser

inclusive vendidas para pagar os custos da guerra. Além disso, as mulheres cativas, iriam

trabalhar na agricultura, enquanto as crianças seriam educadas nos moldes católicos e de

Page 32: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

acordo com os interesses dos dominadores. Nesse sentido, aos poucos eles iriam se

desprendendo de suas raízes culturais. (MEDEIROS FILHO, 2003).

Em três séculos toda essa gente desapareceu. Nenhum centro resistiu, na paz as tentações d�aguardente , às moléstias contagiosas, as brutalidades rapinantes do conquistador. Reduzidos foram sumindo misteriosamente, como que sentido que a hora passara e eles eram estrangeiros na própria terra (CASCUDO apud MARIZ E SUASSUNA, 1997, p. 48)

Os Tapuias, em destaque os Tarairius, viveram harmoniosamente nas bacias dos rios

Açu, Apodi e respectivos afluentes durante milênios. Os conflitos com outras tribos existiam,

mas nada que pudesse pôr em risco toda uma etnia. Até que, num belo dia do século XVII, um

bando de branquelos, leia-se bandeirantes, invadiram suas terras e instalaram enormes

fazendas de gado. Percebendo a sua não-aceitação por parte dos nativos, os estrangeiros

fizeram de tudo para liquidar com aquele povo que atrapalhava a ocupação da região e

destruía seu gado. Assim, passou a incentivar rixas antigas entre tribos rivais.

Os Tarairius, tradicionalmente inimigos dos índios do litoral, logo se viram metidos

num conflito com os tupis, que se haviam aliado aos portugueses. Por volta de 1680, todas as

tribos dos tarairius, mais conhecidos como tapuias (bárbaros) pelos brancos, se uniram numa

espécie de confederação, para enfrentar os colonizadores no maior conflito étnico do Brasil

Colonial, a Guerra dos Bárbaros. (MEDEIROS FILHO, 2003).

A briga foi tão forte que os governantes precisaram contratar o bandeirante mais

sanguinário da época, Domingos Jorge Velho, para acabar com o afoitamento dos índios. Para

se ter uma idéia, esse tal Domingos Jorge Velho (responsável pela morte do líder negro

Zumbi e conseguiu destruir o Quilombo dos Palmares), que sobrevivia às investidas do

Governo há mais de um século.

Page 33: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

A Guerra dos Bárbaros durou cerca de 30 anos e dizimou milhares e milhares de

tapuias. O seu fim só se deu com a rendição e a submissão dos índios, que passaram a

trabalhar nas fazendas de gado a que tanto detestavam.

Cabe aqui estabelecer também uma distinção de importância para a compreensão do

conflito da "Guerra dos Bárbaros". Trata-se da distinção entre colonizadores e colonos, uma

vez que muitos tratam tais conceitos como sinônimos.

Sabemos que a colônia se constitui em função dos interesses econômicos da

metrópole. Sendo assim, a colonização portuguesa no Brasil visa à produção de riquezas que

atendam aos interesses mercantis da metrópole e é em conseqüência disto que se estabelece a

sociedade açucareira brasileira. No entanto, o desenvolvimento desta sociedade gerará

conflitos de interesses entre os que vivem na colônia. Quanto mais se afastarem do modelo

senhorial-escravista, e dos interesses metropolitanos que visam unicamente o lucro e os

benefícios para a metrópole, maiores serão estes conflitos.

Poderia-se dize, entretanto, que a causa mais imediata da "Guerra dos Bárbaros" foi a

expansão da pecuária pelo sertão nordestino, pois ela provocou a invasão de terras que até

meados do século XVII eram desprezadas pelos portugueses e que neste momento se

tornavam necessárias para a expansão do gado. Desta forma, ocorreu o afunilamento dos

territórios das tribos indígenas da região e a sua conseqüente reação. É claro, porém, que

reduzir os conflitos no nordeste colonial a uma simples disputa por terras é simplificar

sobremaneira o processo de conquista e colonização do Brasil em todas as suas

peculiaridades. Há entre tantos fenômenos históricos daquela conjuntura alguns que não

devem ser de maneira alguma colocados em segundo plano.

Pelo lado dos índios, ocorre a delineação de estratégias de resistência e sobrevivência

que vão além da simples defesa de suas terras. E pelo lado dos portugueses temos um

complexo jogo de interesses ligados ao processo de conquista e colonização que se traduz em

Page 34: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

conflitos entre as camadas sociais internas, assim como entre estas e o interesse externo da

Coroa, tendo, no caso da Guerra dos Bárbaros, destaque o papel central dos bandeirantes

paulistas nestes conflitos.

Casal de Tarairius � desenho de Georges MacGrav � 1648.

Hoje, quase não se vêem resquícios da população e da cultura tarairiu na região. Até

mesmo o povo que vive nas terras onde os indígenas viveram tem características físicas

tipicamente européias. O único legado deixado, fora um ou outro cromossomo perdido no

meio do material genético daquela gente, foram às pinturas rupestres espalhadas por diversos

lugares e que só agora tiveram a sua importância reconhecida.

4. Janduís: últimos Tarairius do Rio Grande do Norte

Os Tapuias, aqui denominados de �Tarairius Janduís�, possuíam semblante

ameaçador, corriam igual as feras, por isso eram muito temidos. Eram inconstantes, fáceis de

ser levados a fazer o mal. Eram fortes, carregavam nos ombros grandes pesos. Ao irem para

Page 35: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

guerra, marchavam em silêncio, mas no embate faziam bastante alarido, jogando setas

envenenadas das quais os feridos jamais escapavam.

Os tapuias se enfeitavam da cabeça aos pés para as lutas. Suas armas

eram as flechas, as pranchetas, arcos e dardos, que usavam com

grande habilidade. Usavam também as clavas e machados de mão;

as armas eram enfeitadas com bonitas plumas. Eles não se

utilizavam das armas de fogo, passaram a usar em razão da Guerra

dos Bárbaros.

O rei era quem programava as atividades do dia e da noite. Antes de partirem,

banhavam-se no rio, para espantar a moleza. Quando mudavam de acampamento, os mais

fortes carregavam dois troncos de árvores. As mulheres e os meninos conduziam as armas, as

bagagens e os trastes. Chegados ao local do novo acampamento, iam cortar árvores, e usavam

os galhos e ramagens para fazerem sombra. As habitações dos tapuias eram toscas e feias.

Os tapuias levavam uma vida descuidosa. Não semeavam, não plantavam, nem se

esforçavam por coisa alguma. Alimentavam-se com mel de abelhas e maribondos e com todas

as imundícies da terra, como cobras e lagartos. Os tapuias armavam ciladas aos peixes e

animais, utilizando seu admirável olfato e sua habilidade para comer. Alimentavam-se ainda

de frutos agrestes, caça fresca, peixes, tudo sem temperos ou condimentos. Não semeavam

outra coisa além da mandioca.

Para assar a carne, eles cavavam um buraco na terra e colocavam a carne, depois

enterravam pondo folhas de árvores por cima e faziam uma fogueira por cima de tudo. Para

atraírem felicidade na caça e pesca, os tapuias cariris queimavam ossos de animais ou

espinhas de peixes.

Os Jovens caçadores presenteavam os velhos da tribo com caças e pescarias, sem

sequer comer um único pedaço. Durante o período de caça e pesca, comiam uma sopa muito

Page 36: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

rala, feita com farinha de milho ou mandioca. Depois dessa temporada, estavam magros, por

razão do intenso trabalho e da alimentação inadequada. (DIAS, 2001).

A linguagem era um tanto mal entendida, pois era trêmula, e cantada, não se entendia

nada. Dezenas de palavras foram usadas na linguagem dos tapuias como por exemplo: carfa,

caruatá, cayú, comatyn, corpamba, corraveara, cucuraí, ditre, entre outros.

Foram aldeias, que em pouco tempo foram transformadas em vilas, onde existia um

chefe para governar esse vilarejo indígena, onde se estabeleceu a forma de vida um tanto

democrática entre os demais.

Os Tarairius Janduís, também conhecidos por "Bárbaros", habitavam, dentre outras

regiões, os sertões da Capitania do Rio Grande. Dividiam-se em vários grupos nomeados de

acordo com a região onde moravam � Cariris (Serra da Borborema), Tarairiou (Rio Grande e

Cunhaú), Canindés (no sertão do Acauã ou Seridó). Eram chefiados por vários reis e falavam

línguas diversas. Merecendo destaque os reis Janduí e Caracará. (DIAS, 2001).

Os homens apresentavam-se corpulentos, possuidores de grande força física. A pele

queimada, em tons de marrom. Usavam cabelo longo ao sabor do vento. Não costumavam

usar roupas. Eram desprovidos de pêlos por todo o corpo. Apesar de andarem nus, cobriam as

partes íntimas com peças feitas de materiais rudimentares, extraídos da natureza. Em contra

partida, as mulheres apresentavam estrutura física pequena, mas a cor era a mesma da dos

homens, porem costumavam manter os cabelos curtos ou longos, de corpos rechonchudos.

Também escondiam suas partes íntimas. Adornavam seu corpo com o que

encontravam na natureza � Penas de aves, folhas de plantas nativas, raízes, utilizavam-se de

pedaços de paus para fazerem brincos, colares e outros. Utilizavam-se de tais enfeites tanto

para a prática das danças, como na preparação para a guerra.

Os Tapuias, por vezes, atingiam aproximadamente dois séculos de vida. Quando isso

acontecia eram homenageados por sua tribo. Isto quando do sexo masculino - se do sexo

Page 37: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

feminino, ao darem à luz a mais de um filho, tornavam-se cativas. Estando doentes são

visitados pelos amigos e se o caso de morte, matavam-nos para que não houvesse sofrimento.

A causa mais freqüente de óbito entre os Tapuias era o veneno de cobra. Eram

endocanibalistas, devoravam até mesmo os de sua tribo, quando da sua morte.

Casal de Tarairius � Joan Nieuhof � séc. XVII

4.1. Guerra dos Bárbaros: resistência a dominação portuguesa

A Guerra dos Bárbaros, em sentido amplo, se refere aos conflitos entre grupos

indígenas que habitavam o sertão do território do atual nordeste brasileiro e as forças

colonizadoras portuguesas que tinham o objetivo de conquistar aquelas terras de forma a

permitir a utilização produtiva da pecuária na região. Estes conflitos podem ser divididos em

Page 38: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

dois episódios: as guerras no recôncavo e a Guerra do Açu, que juntas remetem a mais de 70

anos de duração, de 1650 a, pelo menos, 1720. Tais conflitos eram citados na documentação

coeva como a �guerra aos bárbaros� e referidos pela historiografia como a Guerra dos

Bárbaros. Em muitos casos esta nomenclatura é citada referindo-se unicamente à Guerra do

Açu, em outras englobando também as guerras do recôncavo baiano. (DIAS, 2001).

A Guerra dos Bárbaros foi um conflito entre vários grupos indígenas do grupo

lingüístico macro-jê unidos naquela que ficou conhecida como Confederação Cariri3 e as

forças colonizadoras portuguesas na América. Este conflito durou mais de meio século e foi

responsável pelo completo extermínio de algumas tribos indígenas e pelo completo

desmantelamento das demais envolvidas. Representou a conquista do sertão nordestino

brasileiro para o domínio português e o seu uso efetivo na criação de gado, de fundamental

importância para a subsistência da sociedade açucareira. Para a consolidação desta conquista

foram manejados efetivos de caráter militar de todo o nordeste brasileiro, além da ajuda de

contigentes expressivos de outras regiões. Foram formadas alianças com tribos tupis que

permitiram multiplicar o efetivo da força de ataque portuguesa. (PUNTONI, 2002).

A repressão ao quilombo dos Palmares foi adiada para que seus combatentes

pudessem auxiliar no ataque aos indígenas �bárbaros� que destruíam milhares e milhares de

cabeças de gado e centenas de colonos e ameaçavam o centro da capitania do Rio Grande,

Natal. (PUNTONI, 2002).

Neste trabalho que aqui apresentamos, tratamos apenas de um período desta longa

guerra, a saber o período mais intenso da chamada Guerra do Açu, mais especificamente

aquele período entre a intensificação ocorrida nos levantes indígenas por volta de 1687 e o

3 Pedro Puntoni em sua tese A Guerra dos Bárbaros; povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720, USP, 1998, contesta a existência de uma confederação entre os índios tapuias como foi colocada pela historiografia, ou seja, como um �genuíno movimento organizado de resistência ao colonizador� (p.64), embora ele mesmo admita a possibilidade de terem ocorrido confederações na �noção mais fraca do termo, simples alianças entre nações e tribos para fazer face ao inimigo comum� (p. 66). A discussão é tratada entre as páginas 64 e 72 da referida tese.

Page 39: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

tratado de paz entre janduís e portugueses em 1692. Esta limitação cronológica corresponde à

necessidade de não alargar demasiadamente a narrativa histórica, uma vez que a mesma foi

feita com grande competência por Maria Idalina da Cruz Pires4 por Pedro Puntoni5

em suas

teses respectivamente de mestrado e doutorado. Desta forma, e considerando os limites de um

trabalho de monografia de graduação, acreditamos que os elementos contidos nos

relacionamentos sociais e seus conflitos referentes a este período são suficientes para a análise

e compreensão dos mecanismos utilizados particularmente no processo de conquista desta

região por parte dos portugueses assim como aqueles utilizados pelos �gentios bárbaros� em

seu processo de resistência. (PIRES, 1990).

Com sua reduzida participação na historiografia nacional e sua quase ausência nos

livros e manuais escolares, a Guerra dos Bárbaros só recentemente, através das teses citadas,

teve a abordagem merecida, mas longa distância ainda a separa do conhecimento leigo e

inclusive do especializado, afinal não é incomum o desconhecimento do episódio por parte de

profissionais especializados em história do Brasil.

Este quadro, reflete mais especificamente todo o descaso com que é tratada a história

indígena do Brasil, que fora dos núcleos especializados tem pouquíssimo espaço, o que não é

condizente com o papel central que os povos autóctones exerceram na história brasileira. E é

importante ressaltar que este descaso vai além da questão ideológica, uma vez que mesmo nas

obras que privilegiam eventos marginais à história oficial, o espaço destinado à �Guerra dos

Bárbaros� é nulo ou diminuto se comparado a outros episódios de resistência6

4 PIRES, Maria Idalina da Cruz. Guerra dos Bárbaros; resistência indígena e conflitos no Nordeste colonial. Recife: Fundarpe, 1990. 5 PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros; povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo, 1998. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo. 6 Note-se que a Guerra dos Bárbaros é contemporânea ao Quilombo dos Palmares, apenas para fazer uma comparação com o espaço dedicado à história de um movimento que também era de resistência e protagonizado pelos negros, aqueles que junto com os índios compõem o grupo mais desfavorecido na história e na historiografia brasileira, mas que, no entanto, tem um espaço incomparavelmente maior nesta historiografia.

Page 40: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

No caso em questão, há realmente uma enorme carência de documentos, uma vez que

pouco se escreveu sobre os tapuias, sendo objeto preferencial da abordagem dos relatos

colonizadores as tribos tupis que em geral se aliavam e eram aldeadas pelos missionários. E a

falta de documentos escritos pelos indíos também é de se lamentar, porém não devemos nos

imobilizar por tais motivos. Através das fontes existentes a história da resistência deve ser

construída se desejamos realmente compreender o Brasil. (LOPES, 2003).

Considerando todos os limites existentes em um trabalho de monografia de graduação

esperamos com este estudo estar contribuindo para a discussão de alguns elementos que

entendemos fundamentais para a compreensão da resistência indígena e do processo de

conquista português, em especial o papel do bandeirante paulista na conquista da região em

questão, e das estratégias de sobrevivência dos janduís, aqueles que eram tidos pelos

portugueses como os mais temíveis naquela que, na opinião de Affonso de Escragnolle

Taunay, foi �guerra índia a mais séria talvez ocorrida no Brasil�7.

O termo �Bárbaro� tem suas implicações com barbárie, que por sua vez, tem suas

implicações na nomenclatura do evento, possibilitando, assim, a compreensão de como ele era

aplicado no contexto em questão. Entretanto a palavra �bárbaro� surgiu na Grécia Antiga,

onde ele era aplicado basicamente para designar os demais povos que não compartilhavam da

cultura helênica. Aristóteles fez amplo uso do conceito em sua tentativa de justificar a

�escravidão natural�. Embora a discussão a respeito da bárbárie seja típica do século XVIII,

no período da Ilustração, o termo já permeava os discursos do século XVII com fins

legitimadores. Fica claro, assim, de onde se trazia a retórica que justificava a escravidão dos

indígenas e de que forma era associativo o conceito imposto aos indígenas que não se

7 TAUNAY, Afonso de E.. História das Bandeiras Paulistas. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1975. Tomo I, p.153.

Page 41: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

alinhavam com a proposta colonizadora portuguesa e o interesse em mão-de-obra dos

colonos. Aristóteles considerava os bárbaros como seres humanos inferiores, naturalmente

destinados a obedecer:

Há ainda, por ação da natureza e para a manutenção das espécies, um ser que manda e outro que obedece. Pois aquele que tem inteligência capaz de prever tem, de modo natural, autoridade e poder de chefe; aquele que não tem senão a força física para executar, deve, obrigatoriamente, obedecer e servir � e, portanto, o interesse do amo é o mesmo do servo. (...) Os poetas escreveram: �Os gregos têm o direito de mandar nos bárbaros� como se a natureza fizesse distinção entre bárbaro e escravo. (...) Existem, na espécie humana, seres tão inferiores a outros quanto o corpo o é em relação à alma, ou a besta ao homem; são aqueles para os quais a utilização da força física é o melhor que deles se consegue. Segundo nossos princípios, esses indivíduos são destinados, por natureza, à escravidão (...) Deste modo, entre os homens, uns são livres, outros escravos; para eles é proveitoso e justo viver como servos.8

O conflito que envolve os colonizadores e seus agentes por um lado e a aliança

indígena que ficaria conhecida como Confederação Cariri, e que englobava, entre outros,

janduís, paiacus, caripus, icós, caratiús e cariris teve início no final do século XVII e

durou até, pelo menos, a segunda década do século XVIII. (PUNTONI, 2002).

Desde de o início da colonização portuguesa na América, os índios que ocupavam o

território que estava sendo conquistado pelos portugueses foram constantemente denominados

de bárbaros numa classificação claramente etnocêntrica, que levava em conta sua aparente

falta de organização social, religiosa e política, e principalmente seus hábitos antropofágicos.

Estes, a princípio, foram vistos como costumes bestiais e selvagens, o que lhes

garantia o adjetivo denegridor, sem que se levasse em conta seu contexto cultural. Tudo isto

serviria de pretexto para a missão evangelizadora e civilizadora empreendida pelos

8 ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Hemus, s.d. p.10-17.

Page 42: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

colonizadores e missionários, onde se buscava principalmente a conversão dos nativos aos

valores da cultura ocidental.

A denominação de bárbaro ia além do natural estranhamento e incompreensão

causados pelo choque da alteridade, e se encaixava num conveniente discurso legitimador da

opressão, escravidão e extermínio, e que era reforçado por uma cartografia que sempre dava

relevo ao seu caráter selvagem e antropófago.9

Porém, conforme o andamento do processo

colonizador português e da conseqüente ajuda ou empecilho que o indígena representava esse

conceito seria aplicado somente àqueles que não favoreciam de nenhuma forma a

colonização, conforme analisaremos melhor adiante.

E os colonos necessitavam de mão-de-obra para seus engenhos, suas lavouras, seus

serviços domésticos, enfim, para os servir. O discurso aristotélico, atravessaria os séculos e

encontraria como seu maior eco no período colonial das Américas os textos de Juan Ginés de

Sepúlveda, que foi o contraponto de Bartolomeu de Las Casas no debate a respeito da

conversão indígena.10

Sepúlveda baseava seus argumentos na teoria de Aristóteles, e defendia a �escravidão

natural�:

[...] Constata-se esta mesma situação entre os homens; pois há os que, por natureza, são senhores e outros que, por natureza, são servos. Os que ultrapassam os outros pela prudência e pela razão, mesmo que não os dominem pela força física, são, pela própria natureza, os senhores; [...] E é justo e útil que sejam servos, e vemos que isto é sancionado pela própria lei divina. Pois está escrito no livro dos provérbios: �O tolo servirá o sábio�. Assim são as nações bárbaras e desumanas, estranhas à vida civil e aos costumes pacíficos. E sempre será justo e de acordo com o direito natural que essas pessoas sejam submetidas ao império de príncipes e de nações mais cultivadas e humanas, de modo que, graças à virtude dos últimos e à prudência de suas leis, eles abandonam a barbárie e se adaptam a

9 A respeito da representação iconográfica do índio na América portuguesa ver:: RAMINELLI, Ronald. Imagens da Colonização: a representação do índio de Caminha a Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. 10 A respeito do debate acerca das formas de conversão dos índios ver: PÉCORA, Alcir. Cartas à Segunda Escolástica. In: NOVAES, Adauto (org). A Outra Margem do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

Page 43: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

uma vida mais humana e ao culto da virtude. E se recusam esse império, é permissível impô-lo por meio das armas e tal guerra será justa assim como o declara o direito natural... Concluindo: é justo, normal e de acordo com a lei natural que os homens probos, inteligentes, virtuosos e humanos dominem todos os que não possuem estas virtudes.�11

É, basicamente, este discurso que seria apropriado pelos bandeirantes paulistas, que,

assim, justificavam a atividade que lhes trazia riqueza. A preocupação em articular

argumentos que validassem a escravidão indígena, visto esta ter sofrido maiores reservas que

a africana, foi constante na colonização, principalmente em São Paulo, onde os colonos, que

necessitavam da mão-de-obra indígena para a sobrevivência de suas atividades econômicas e

sofriam com a oposição jesuíta que procurava controlar esta mesma mão-de-obra,

desenvolviam constantes petições à Coroa com o objetivo de consumar na teoria o que já

existia na prática. Entre os principais argumentos estavam a necessidade de se erradicar

costumes �bárbaros� como a antropofagia e a poligamia, e também a intenção de dominar os

infiéis, dentro de uma concepção religiosa que se cristalizava na chamada �guerra justa�.

Todos argumentos estavam dentro do contexto de uma civilização superior que tinha uma

missão: civilizar e evangelizar os índios.12

Estes argumentos davam um aspecto moral às petições dos colonos, no entanto, muitas

vezes os argumentos se restringiam à necessidade urgente de mão-de-obra para o

desenvolvimento da colônia.

Se há um agente do processo colonizador português na América que merece

destaque num estudo sobre a "Guerra dos Bárbaros", este agente é o grupo formado

pelos bandeirantes paulistas. Sua atuação na guerra será determinante para o seu

11 SEPÚLVEDA, Juan Ginés. �Tratado sobre las justas causas de la guerra contra los indios� apud ROMANO, Ruggiero. Os Mecanismos da Conquista Colonial: os conquistadores. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1973. p.84-5. 12 A respeito da opinião dos paulistas sobre a escravidão indígena, trechos importantes da obra de Bartolomeu Lopes de Carvalho contando com o depoimento dos paulistas para informar à Coroa encontram-se na obra: MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes na origem de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 134-136. A obra original chama-se �Manifesto a Sua Magestade� e encontra-se na Biblioteca do Palácio da Ajuda, em Lisboa. Infelizmente não me foi possível consultá-la.

Page 44: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

encaminhamento final e são estes homens, responsáveis diretos pela maior caçada à

seres humanos ocorrida naquele que seria o futuro território do Brasil, que melhor

representam o intercâmbio cultural que ocorreu entre indígenas e portugueses na

América portuguesa, muito embora tal intercâmbio tenha se dado inconscientemente

como veremos mais adiante.

O que, no entanto, cabe oportunamente lembrar aqui são algumas características dos

bandeirantes que, aos olhos de cidadãos europeus, eram suficientes para os qualificar de

bárbaros, colocando-os num mesmo nível que os �selvagens� que habitavam estas terras,

como fica claro no depoimento de d. frei Francisco de Lima, bispo de Pernambuco , muito

lembrado quando da discussão sobre o uso da língua geral em São Paulo nos primeiros

séculos da colonização, mas que aqui pretendo analisar em um outro aspecto. Diz o bispo a

respeito de Domingos Jorge Velho: �Este homem é um dos maiores selvagens com que tenho

topado: quando se avistou comigo trouxe consigo língua, porque nem falar sabe, nem se

diferença do mais bárbaro Tapuya mais que em dizer que é Cristão�13. Sem querer entrar na

discussão a respeito do conhecimento ou não da língua portuguesa por Domingos Jorge

Velho, nem querendo desconsiderar os conflitos de interesses entre jesuítas e bandeirantes, é

importante ressaltar a pertinência de tal imagem, uma vez que a vida levada por esses

paulistas causava muitas vezes estranhamento aos acostumados com a vida no Reino.

Vivendo na �fronteira� da penetração territorial paulista e tendo como principal

atividade de sustentação econômica o apresamento e comercialização dos indígenas, tornava-

se indispensável uma adaptação que permitisse a vida no sertão, e esta adaptação era a causa

de uma certa estranheza e desqualificação a partir do ponto de vista do reino ou do colono

estabelecido nas áreas de colonização mais densa.

É claro que a analogia efetuada pelo bispo de Pernambuco e, com certeza, muito

utilizada em relação aos bandeirantes não implicava em uma semelhança literal em seus 13 ENNES, Ernesto José Bizarro. As Guerras nos Palmares; subsídios para sua história.. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1938. p. 353.

Page 45: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

critérios de classificação social, e sim um meio de denegrir e desqualificar aqueles que

assumiam traços culturais indígenas, além de cometerem atrocidades que sensibilizavam a

maioria dos jesuítas, mesmo considerando os interesses econômicos destes.

Essa imagem dos bandeirantes será recorrente na "Guerra dos Bárbaros", de forma que

recorre-se freqüentemente à idéia de que �apenas um outro �bárbaro� poderia dar fim aos

�bárbaros gentios��.14

Toda a atuação dos bandeirantes no processo colonizador da América portuguesa foi

possibilitado por uma legislação indigenista que Beatriz Perrone-Moisés15 conseguiu resumir

brilhantemente com três adjetivos: contraditória, oscilante e hipócrita. Essa legislação, onde a

Coroa tentava atender ora aos desejos de colonos, ora aos anseios dos jesuítas permitiu que a

escravidão indígena atravessasse mais de três séculos, com todos os seus abusos intrínsecos,

graças principalmente à chamada �guerra justa�. Ciente da absoluta necessidade de dispor da

mão-de-obra indígena que cultivava a terra, a defendia de ataques de europeus e outros índios

e os servia de guias para as expedições ao sertão, os colonos pleitearam constantemente à

Coroa o direito de usufruir deste benefício, e é através da �guerra justa� que eles encontrarão

a melhor justificativa para o cativeiro indígena. Através deste conceito que justificava os

ataques a tribos que cometessem hostilidades e impedissem a propagação da fé, os colonos

não tinham dificuldade de provocar conflitos que posteriormente justificassem a declaração de

uma �guerra justa� e assim os possibilitassem de adquirir mão-de-obra escrava indígena. E,

naturalmente, é desse expediente que se utilizaram os bandeirantes para legalizar a

�mercadoria� que obtinham em suas expedições, apesar de atacarem índios aliados e muitas

vezes já aldeados pelos jesuítas, o que garantia o permanente conflito com estes além de

protestos da administração portuguesa.

14 PIRES, Maria Idalina da Cruz. Op. cit., p.68. 15 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.115-116.

Page 46: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

O complexo jogo de alianças entre colonizadores europeus e populações nativas revela

o papel determinante ocupado pelos últimos no processo de ocupação e efetiva conquista da

terra, uma vez que representavam a mão-de-obra mais imediata, conheciam a terra que se

conquistava e representavam a força necessária para compor os efetivos repressores. Este

papel assume em determinados momentos o principal uso que se faz dos indígenas, se

tornando também mais importante, na política colonizadora dos portugueses, do que o papel

de trabalhador escravo.

Vale ressaltar que, para defender os interesses colonialistas e acabar qualquer foco de

resistência a presença portuguesa (fato acentuado na segunda metade do século XVII), em

primeiro lugar, eram convocados para a repressão aos índios aqueles que constituem a maioria

de qualquer empreitada militar na América portuguesa: os índios cooptados. Desta forma, são

enviadas duas Companhias, uma do Terço do Camarão, responsável pelo efetivo de indígenas

à disposição do governo português. Nesta mesma lógica, é acionada outra Companhia, a do

Terço de Henrique Dias responsável pelos negros que ocupavam a mesma posição. Neste

momento ambas estão sob a coordenação do governador de Pernambuco, que as envia ao Rio

Grande após solicitação de Mathias da Cunha. No Rio Grande ficam sob ordem do Coronel

Antônio de Albuquerque da Câmara, nomeado Cabo desta facção.

Desde o começo dos conflitos, é possível perceber também um conflito de interesse

entre colonizadores e colonos. Para os colonos aqueles povos indígenas representavam um

entrave para o desenvolvimento de suas fazendas de gado, já para os colonizadores

portugueses percebe-se o interesse em utilizar aqueles guerreiros, quando possível, em

proveito próprio, através de alianças que permitissem a atuação das tribos tapuias em favor da

conquista portuguesa.

Além de índios e negros cooptados, eram também utilizados criminosos, vadios e

degredados para a composição destes terços, que viriam a engrossar as tropas sob ordem do

Page 47: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Coronel Antônio Albuquerque da Câmara devido à promessa de perdão para aqueles que

combatessem os bárbaros.

A mobilização de praticamente toda a força militar disponível na região, além do

auxílio dos bandeirantes podem nos dar a dimensão do conflito e o poder de resistência e

reação dos índios. A Guerra dos Bárbaros foi um conflito secular que representou a etapa de

conquista de uma porção considerável daquela que seria a América portuguesa, e que possuía

um caráter estratégico pois, além de servir para a pecuária, era através daquelas terras que se

traçava o caminho terrestre para a efetiva colonização do litoral norte do Brasil, cujo a

Capitania do Rio Grande seria o ponto crucial e estratégico para a empreitada lusitana, daí a

necessidade de um enorme continente militar para consolidar a dominação de Portugual junto

as suas novas terras.

4.2. Missões e Aldeamentos: a legitimação do extermínio indigena

As Missões eram aldeamentos indígenas criados e organizados pelos missionários e

geralmente eram localizadas no habitat natural do índio, ficando assim afastadas das

povoações. Na verdade, eram logradouros que reuniam os índios sobreviventes da empresa de

conquista. Para os missionários, as Missões eram espaços "civilizados" nos quais os índios se

transformariam "homens" saindo do estado da barbárie em que se encontravam.

Escravizar o indígena não era um gesto tão isento de regulamentação. Em 1565, a

Mesa da Consciência e Ordem, reunia-se em Lisboa e restringia o "direito" de se cativar

Page 48: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

somente os índios aprisionados em "guerras justas" e estabelecia que seriam livres os índios

que tivessem se submetido pacificamente aos agentes colonizadores.

Segundo o Governador Geral Mem de Sá, as Missões deveriam ter uma organização

administrativa como as outras vilas de habitação colonial, com um Meirinho (autoridade civil

escolhida entre os indígenas) quel se encarregaria da vida administrativa. Este faria cumprir as

ordens em todos os aspectos: trabalho, religião, etc. Tais decisões transformaram-se em leis

em 1570. A partir daí os índios seriam homens livres, contanto que se mantivessem unidos à

religião cristã e à colonização. Por outro lado, manteve-se o cativeiro legal dos índios

aprisionados em "guerra justa".

Devido ao crescimento econômico da América Portuguesa com o desenvolvimento

açucareiro, foi criado em março de 1609 um órgão do Tribunal da Relação do Brasil, o qual

controlaria as relações sociais, jurídicas e políticas na própria colônia. Esse órgão seria

também responsável pelo cumprimento da lei que garantia a plena liberdade aos índios,

proibindo qualquer tipo de escravidão indígena e obrigando os colonos ao pagamento aos

índios pelos trabalhos prestados. Assim os jesuítas ficaram responsáveis pela catequese,

direção temporal dos aldeamentos e administração das terras e dos serviços dos índios aos

colonos. Observa-se que a lei de 1609 era fruto de constantes conflitos entre colonos,

necessitados de mão-de-obra, e missionários, preocupados com a evangelização dos índios

pagãos.

A proibição total da escravidão indígena, gerou uma reação violenta contra a lei e

contra os missionários. Dessa forma, a Coroa voltava atrás na sua decisão, em 1611, e

ordenou nova lei, retornando a permissão da escravidão dos índios capturados em "guerra

justa" ou resgatados de outras tribos; reafirmando também a existência dos aldeamentos.

Nessa retomada de decisão, os colonos se sentiram vitoriosos, uma vez que os mesmos tinham

garantido o acesso aos cativos de guerra e o trabalho dos índios aldeados. Por outro lado

Page 49: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

significou também a perda do poder dos jesuítas, pois a nova lei deixou os mesmos

responsáveis apenas pela parte espiritual.

No século XVII, ao aldeamentos começaram também a ser fundados nos sertões, a fim

de reduzir os índios das novas áreas ocupadas. Os anos que se seguiram foram repletos de

conflitos entre os colonos e missionários, por causa dos vários aprisionamentos de índios,

aldeados ou não, em virtude da interiorização da colonização com a pecuária e da conseqüente

disputa pelas terras.

Em meio a tantos conflitos envolvendo religiosos, índios e os grandes sesmeiros,

várias decisões administrativas e jurídicas foram tomadas, dessa vez, a criação do Bispado de

Pernambuco por Bula do Papa Inocêncio XI, em novembro de 1676, para orientar os

religiosos e intermediar nas situações conflituosas que se desenrolavam no sertão. E em

março de 1681, criou-se a Junta das Missões de Pernambuco, subordinada a que existia em

Lisboa e que iria promover e cuidar de todos os negócios referentes às Missões e catequese

dos índios. Sendo assim, a partir de 1686, essas Missões passaram a ser regidas pelo novo

"Regimento das Missões", que deu aos Padres da Companhia de Jesus o controle espiritual,

político e temporal dos aldeamentos, porém garantindo o acesso dos colonos ao trabalho

indígena, que deveria agora ser contratado em troca de pagamento .

Percebe-se que a criação das Missões de aldeamento fez parte de uma política de

aldeamento da Coroa portuguesa que assegurava os diversos interesses da colonização, como

também respondiam aos objetivos religiosos dos missionários e da Igreja.

Na Capitania do Rio Grande, as missões de aldeamento foram implantadas na década de

1680, iniciando-se as atividades em duas das quatro aldeias Potiguara que ainda existiam no

litoral do Rio Grande.

Para alcançar os objetivos pretendidos pelos missionários, as Missões deveriam ser

localizadas em áreas que fossem realmente interessantes à colonização. O interesse em

Page 50: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

estabelecer aldeamentos seria mais nas áreas de atividade agrária, visto que nas outras áreas

da pecuária o contingente de mão-de-obra era reduzido. No sertão era necessário fazer o

"despovoamento" de índios para que se pudesse efetivar um "povoamento" colonial. Isso

explica por que das cinco Missões estabelecidas no Rio Grande, apenas uma, a de Apodi,

fosse localizada no sertão, e com curta duração. As quatro outras Missões de Guajiru,

Guarairas, Igramació e Mipibu, localizavam-se em área litorânea.

A missão de Guajiru foi um dos aldeamentos cuja presença dos jesuítas se deu desde

1679. A vinda destes jesuítas ocorreu por motivo de desavenças entre os administradores e os

missionários da Companhia de Jesus, pelo qual ficou definido que nos aldeamentos os

missionários tinham todo o comando.

Diversas Missões foram instaladas nas aldeias potiguares, dentre elas estão: Missão de

Guaraíras; Missão de Mipibu que corresponde a cidade de São José de Mipibu; Missão de

Igramació que segundo escavações demonstram uma herança de missionários bem antigos

com relação as demarcações de terras.

Todas essas Missões, portanto, tiveram por objetivos colonizar as aldeias potiguares.

Através da evangelização, estas Missões levaram muitos índios a se batizarem no

cristianismo. Assim, aos poucos, estabelecia-se sua estada fixa da posse da terra, onde os

índios eram levados a crerem que aqueles eram seus "aliados" e não inimigos.

Após sucessivos conflitos entre os indígenas revoltosos e colonizadores, uma

esperança de paz foi proposta: sugeria-se através de aldeamentos demarcados, o limite de

terras com o propósito de alto sustento das tribos indígenas. Em troca das terras, os índios se

viam obrigados a contribuir com a colônia, na formação e agregação de tropas responsáveis

em controlar possíveis conflitos.

Page 51: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Muitos foram os motivos para a não concretização dessa paz efetiva, em princípio a

não demarcação das terras, posteriormente o deslocamento dos indígenas de seus locais de

origem para outros locais, onde os mesmos não se acostumavam. As conseqüências desse

último foi com a falta de estruturação, a necessidade de pequenos furtos, sobretudo de gado e

roçados dos vizinhos, para alimentos da população da tribo.

Um fator agravante foi que com os primeiros acordos, os índios foram armados com

pólvora e chumbo para combater tribos revoltosas e isso influenciou os mesmos a encontrar

um certo poder e credibilidade para revoltarem-se. Numerosas foram as tentativas de controlar

essas situações contrárias a paz, mas em sua maioria foram frustradas, a não ser quando

através do Conselho Ultramarino houve a necessidade de uma "guerra justa", onde só poderia

ser castigadas as tribos que estivessem completamente revoltosas e sobre os indígenas que

praticavam os roubos (entregues por chefes de sua tribo).

Os inúmeros levantes geraram, por conseguinte vários acordos, que só beneficiaram os

colonos e facilitaram a dizimação dos indígenas, onde o papel dos aldeamentos criou

paliativos ao amplo caráter social, político e econômico do indígena para a colônia.

Os objetivos das missões de aldeamentos estavam claramente contextualizados por

interesses religiosos e políticos. Estes se concretizam na própria política de povoamento e

exploração econômica que através da distribuição e demarcação de terras, busca-se não só a

garantia de territórios contra invasões bárbaras, mas também a produção agrícola de diferentes

culturas (os indígenas acostumados com a sua vida seminômade tradicional, são

surpreendidos com o modo de produção europeu, que visava o acúmulo de produtos).

Aqueles, caracterizam-se pelo domínio cultural e espiritual da Igreja católica (jesuítas) para

com os indígenas, na tentativa de "domesticar" ou civilizar o selvagem através dos

ensinamentos cristãos.

Page 52: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Quando se retratam as missões, pode-se perceber que algumas vezes exigiam esforços

de índios e missionários e que posteriormente adquiriu um caráter mais instável e definitivo,

gerando assim, depois da sua extinção, as igrejas de tijolo e pedra que conhecemos, porém

com algumas modificações na aparência.

As capelas iniciais deveriam seguir o padrão estrutural das capelas coloniais, em que a

capela-mor e a nave constituíam o mesmo corpo da construção, dividido por um arco-

cruzeiro. Quanto ao estilo arquitetônico, as capelas dos aldeamentos do Rio Grande deveriam

seguir o padrão verificado nos outros aldeamentos do Brasil colonial. Um espaço muito

importante também era o terreiro central, pois era um lugar responsável pela ligação no

mundo nativo e colonial, local onde se realizavam as festas.

Segundo o padre Anchieta, a vida numa Missão jesuítica deveria ser rotineira e o papel

do missionário era de fundamental importância para a população, pois eram os mesmos que

controlavam o trabalho dos indígenas, contudo, mesmo com esse controle, muitos índios

como forma de resistência à imposição, fugiam às regras e roubavam a população, os frades e

até mesmo os missionários.

Apesar das Missões não terem conseguido "civilizar" os índios e torná-los

"verdadeiramente" cristãos, os outros objetivos foram conseguidos, como o acesso à terra e a

mão-de-obra servil e outros serviços, nos quais podemos citar a utilização de guerreiros

indígenas contra outros índios, para garantir o avanço das frentes de colonização e a

segurança das áreas já ocupadas. Os serviços que os índios aldeados prestavam aos moradores

do Rio Grande eram bastante variados, trabalhavam em canais, pescarias , entre outras

funções , inclusive nas guerras. Com isso pode-se perceber que os serviços prestados pelos

índios, eram de suma importância na produção econômica com destino ao comércio, como

também para à segurança e organização da vida na colônia. Entretanto, os serviços conforme

leis da época, deveriam ser pagos, sendo que uma parte antecipadamente e a outra ao término

Page 53: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

destes. Quando trabalhavam como "soldados" da colônia, o pagamento era feito com armas e

munições, ferramentas para agricultura e tecido para confeccionarem suas roupas.

Todavia, é importante ressaltar que os índios aldeados viviam inquietos , pois não

conseguiam sobreviver em um território tão limitado, sem falar da proibição dos colonos

quanto a pesca próximo as aldeias; por isso roubavam roças e gado das vizinhaças.Com esta

inquietação, e constantes conflitos, começam os pedidos para que fossem sujeitados todos os

tapuias, no entanto, apesar de ter sido remetidos alguns bandos para Pernambuco; o rei

ordenou em junho de 1715, que sejam cancelados os bandos; os oficiais da câmara percebem

que traria prejuízo tanto aos moradores como a capitania.

Por fim percebe-se nitidamente a dependência dos moradores do Rio Grande do

trabalho escravo indígena, que se completava pelo trabalho dos índios aldeados; onde as

Missões deixariam de ser mero abrigo de sobreviventes para o de trabalhadores "unidos" aos

escravos índios, sustentáculo da capitania.

É de crucial importância refletir ainda o por quê do Rio Grande do Norte ser um dos

raros estados brasileiros em que não há registro oficial de população indígena. Porém,

historicamente, a região de Açu e, de um modo geral, o interior do estado foi o cenário de

uma das resistências mais importantes da história colonial (PUNTONI 2002).

Esse paradoxo é explicado, em parte, pela forma como foi escrita a historiografia local

e pela ausência de estudos especializados na região. Assim, e apesar da falta de dados

empíricos, podemos pensar que as populações indígenas que povoaram o Nordeste foram

bastante numerosas: só os Janduí, distribuídos em vinte e duas aldeias, ocupavam uma grande

parte do sertão da Paraíba, de Pernambuco e do Rio Grande do Norte; eles eram estimados em

aproximadamente 20.000 em 1692 (PUNTONI 2002: 155; MEDEIROS FILHO 1984: 53). É

Page 54: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

importante lembrar que ao longo dos séculos, o número de índios é cada vez mais reduzido,

para chegar, no século XIX, a um apagamento nos registros administrativos, levando ao

confisco dos territórios indígenas e das terras das antigas missões jesuíticas: no censo de 1872

os �índios� são desvanecidos. A partir daí, serão contabilizados com os pardos, pretos e

caboclos (CARVALHO S/D.; LOPES 1999; MONTEIRO 2002: 184). Hoje, apesar da

existência de �índios� no estado � três mil cento e sessenta e oito pessoas no último censo

(IBGE 2000) -, a FUNAI não reconheceu nenhuma terra indígena para o Rio Grande do

Norte. Porém, e apesar da discrepância dos resultados entre 1991 e 2000 � a saber, a

população indígena teria se multiplicado quase por dez em dez anos! -, ainda não podemos

falar de um movimento de emergência étnica significativa no estado (IBGE 2000).

Portanto, não há população indígena reconhecida no estado, mesmo havendo

indivíduos que, de maneira isolada, sobretudo nas cidades, se reconheçam como índios. De

fato, é surpreendente depararmo-nos com esta realidade. Mas, como podemos interpretar

esses dados? A �tomada de consciência� de uma identidade indígena genérica neste caso não

é ligada, por enquanto, a nenhum processo de reivindicação de territórios; devemos ainda nos

contentar com índios urbanos invisíveis. Além disso, de maneira constante, encontramos

elementos que referenciam uma presença indígena, na língua, na vida cotidiana e mesmo na

denominação dos norte-riograndenses que, quando não são chamados de �Papa-Jerimum�

recebem o nome de �Potiguar�, lembrando os primeiros habitantes da costa. Por que, então,

justamente no Rio Grande do Norte, não é possível enxergar uma forte consciência

identitária? Será o fruto de uma ação concertada? Assim, logo após a retomada do território

pelos portugueses na segunda metade do século XVII, podemos pensar que houve uma ação

planejada e coordenada, visando a eliminação física das populações nativas e que, ao mesmo

tempo, se desenvolveu um movimento contínuo e generalizado de apagamento sistemático da

presença cultural dos grupos nativos; movimento que resultou numa amnésia coletiva. Neste

Page 55: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

sentido, o aniquilamento do elemento indígena nas consciências, inclusive dos próprios

descendentes, a erradicação física aliada ao apagamento dos índios nos documentos

administrativos, pode ser interpretado como sinais do pleno sucesso do processo colonizador.

Porém, deixando de lado essa hipótese, cabe a nós perguntar qual foi o destino dos índios do

Rio Grande do Norte. (CAVIGNAC, 1994).

Acredita-se para três diferentes possibilidades, mas que não se excluem: o extermínio,

a fuga e a miscigenação, geralmente, forçada. No primeiro caso e apesar da falta de

estatísticas, podemos falar de um etnocídio. A �guerra total�, comandada pelo Terço dos

Paulistas, foi a solução escolhida pela coroa portuguesa face à resistência autóctone. A

conseqüência lógica do extermínio das populações nativas e da expulsão dos seus territórios

tradicionais foi o desaparecimento das diferenças lingüísticas e culturais dos grupos. Uma

vez aberto o caminho para o sertão, a economia pastoril pôde se estabelecer. O processo

iniciado por volta de 1660 demorou a ser efetivado, sendo posterior ao dos outros estados,

sobretudo Bahia e Pernambuco (CASCUDO 1955; CAVIGNAC 1994; DANTAS 1961: 26;

MACEDO 1998; MACEDO 2002: 50-70; PUNTONI 2002).

As concessões de terra no Seridó só começam a serem efetivadas depois de 1670

(CASCUDO 1955: 257-258; LIMA 1988: 17; MACEDO 2002: 71; MEDEIROS FILHO

1981: 262-263, 1984: 108-109). A tentativa de re-ocupação do território pelos portugueses se

iniciou lentamente após o �tratado de paz� de 1692 (PUNTONI 2002: 124, 165;

PORTALEGRE et alii 1994: 149). Para se ter uma idéia do pouco desenvolvimento do Rio

Grande em relação a outras regiões, é só lembrar que para o ano de 1618 havia só um

engenho, o de Cunhaú - onde havia escravos desde o início do séc XVII. Em 1630,

encontramos dois ou três no litoral potiguar (Andrade 1990: 15; Monteiro 2002: 116). Em

1687, quando foram construídas oito casas fortes para abrigar os moradores, �só tinham cinco

ou seis homens� no Forte dos Reis Magos (LOPES 1999: 102-5).

Page 56: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

O ataque constante dos tapuias provocou medo dos moradores, muitos deles fugiram

(PUNTONI 2002: 123, 133-34). Finalmente, nos meados do século XVII, a região começou a

ser colonizada: isto só foi possível após a reconquista do território pelos portugueses, em

1654. Mesmo assim, até os meados do século XVIII, o interior do Rio Grande do Norte

continuava despovoado, o que colocava os colonos em perigo (Andrade 1990: 20; Lopes

1999: 102-105); situação também relatada por Henry Koster quando ele atravessou a região

do Açu, no início do século XIX (KOSTER 1978: 96-126).

Menciona-se também muitos registros de grupos que fugiram para o interior: das

aldeias do litoral para o sertão �a procura de sua nação�, e do sertão do Rio Grande para

outros estados como o Ceará (Serra de Ibiapaba), Paraíba, Pernambuco, Piauí, Maranhão;

informação que corresponde à versão que a tradição oral lembra com mais freqüência

(PORTALEGRE et alii. 1994: 148; 156-157). Da mesma forma, outros grupos vieram do

Ceará para instalar-se na região do Apodi (LOPES 1999; MACEDO 2002: 78-79; PUNTONI

2002: 124, 126, 129).

Assim, encontramos o rastro de índios fugindo da Bahia no início do século XVII que

foram se instalar no sertão do Ceará, na serra do Araripe, e em Pernambuco (Puntoni 2002:

129, 170). Também, em 1660, a mando do Padre Antônio Vieira, trezentos tapuias, vindos de

Pernambuco, foram retirados da serra de Ibiapaba (CE) (PUNTONI 2002: 131). O chefe

potiguar Algodão, originário do sertão da Copaoba, que, desde cedo, manteve contato com

Padres jesuítas (entre 1599 e 1614), teve que se exilar no Ceará após 1656. Em 1658, escreveu

para o Padre Antonio Vieira para pedir o auxílio de missionários, apesar de ter deixado os

portugueses pelos holandeses e em 1671, faz uma petição junto a outros �chefes� Aragiba,

Cachoé e Maxure da aldeia de Parangava. Ele parte para o conflito armado - notadamente na

Bahia em 1674 (PORTO 2000: 119 e 122).

Page 57: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Enfim, a tese da miscigenação forçada é a que ficou mais lembrada pelos

historiadores, explicando e enfatizando o desaparecimento das populações nativas (Cascudo

1955: 38). As famílias eram desmembradas, os índios eram �repartidos, para que não

permaneçam unidos�, as mulheres ficavam com as crianças e os homens eram mortos,

escravizados, serviam no exército ou trabalhavam nas fazendas, nas pescarias e nas salinas

(PORTALEGRE et alii. 1994: 121; 125; 146-158). É verdade que a política indigenista

desde os primeiros momentos da colonização favoreceu a miscigenação (OLIVEIRA, 1999).

Por exemplo, nas aldeias, através das suas ações evangelizadoras ou do trabalho forçado, os

jesuítas tentavam realizar uma integração dos diferentes segmentos da sociedade colonial, o

que favorecia a perda do sentimento de grupo e dos sinais diacríticos da cultura remanescente.

Por outro lado, a extinção das missões, com a saída dos jesuítas em meados do século XVIII,

deixou as populações nativas a mercê dos invasores e dos colonos. As missões, num momento

posterior ao fim da resistência indígena no sertão, podem ter se transformado em focos de

resistência: alguns documentos datando da metade do século XVIII indicam que missões

serviam de refúgio aos índios rebelados e que os jesuítas eram contra a servidão dos índios,

preferindo �alugá-los�, pois eram os primeiros beneficiários (Portalegre et alii. 1994: 146-

147; 161-166). Aliás, antes mesmo da expulsão dos jesuítas, os índios aldeados, como os de

Guaraíras em 1716 �andavam pouco obedientes� e as vilas eram o palco das revoltas

organizadas, sobretudo a de Guajiru (Extremoz) onde haviam, ainda em 1760, ameaças de

levante indígena (PORTALEGRE et alii. 1994: 166, 169, 172). Num outro nível, os índios

foram integrados ao processo colonial: com os negros, eles serviam na guerra, fornecendo

homens para as tropas militares no combate aos levantes indígenas e na conquista da terra

(LOPES 1999: 138; PIRES 1990; PUNTONI 2002: 58, 170). As mulheres, as crianças e os

outros sobreviventes tiveram, geralmente como única solução para se manterem vivos, a

integração com os não-índios. Geralmente eram considerados como vadios pelo poder

Page 58: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

colonial, pois há inúmeros registros de queixas de roubo e destruição dos bens, animais e

plantas (LOPES 1999; PORTALEGRE et alii. 1994: 107-180).

Finalmente, deve-se levar em conta as conseqüências do contato com os europeus: as

doenças, a escravização dos homens e o estupro das mulheres, o desmembramento das

famílias, a desestruturação dos grupos, a deportação das populações, o agrupamento nas

aldeias missionárias, onde diversos grupos eram agrupados num mesmo local, a proibição das

práticas culturais e, sobretudo, religiosas, etc. Porém, há indícios de que o trabalho

missionário não foi tão eficiente como podia se esperar, pois no final do século XVII (1689),

os missionários e as autoridades se queixam de que �muitos tapuias, �daqueles do Silva 40�

(...) continuavam (com) os antigos ritos sem se doutrinarem� como podemos verificar em

Guajiru (Extremoz) ou entre os Panati, índios �pacificados e domesticados�. Ainda em 1725,

os Oficiais da Câmara de Natal escrevem uma carta ao Rei de Portugal, para dar conta da

rebeldia dos índios aldeados que �ao mesmo tempo [que] vão às missas, continuam

idolatrando e usando seus �gentilicos ritos��, voltando �para seus costumes antigos� sem

administração dos padres, como aconteceu na Missão de Guajiru em 1756 quando o jesuíta

Antônio Vaz voltou para Recife (Portalegre et alii. 1994: 121, 160, 164 e 169). No

Pernambuco, por volta de 1672, o Frei Martin de Nantes, capuchino francês, se opõe aos

ataques dos colonos contra os índios. Porém, lamenta-se da indiferença do seu rebanho à

�verdadeira palavra� (Valence 1888). Mas o extermínio sistemático e a remodelagem das

culturas locais, perpetuado ao longo dos séculos do período colonial, teve como ápice e

conseqüência lógica, no final do século XIX, a negação da identidade genérica de índio e o

seu apagamento nos registros oficiais. A estes fatores somam-se outros que concorrem à

desestruturação da sociedade tradicional sertaneja fundada na pecuária, tais como os

movimentos populacionais ocorridos devido a secas sucessivas nos séculos XIX e XX; o que

conduziu a um enfraquecimento das redes de sociabilidades familiares e à desintegração das

Page 59: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

comunidades mais frágeis, pois instaladas nas terras menos produtivas. Porém, mesmo com

estes indícios de resposta, a pergunta permanece: se há populações indígenas (re)conhecidas

nos estados vizinhos do Rio Grande do Norte, porque, justamente aí, não existe nenhum grupo

reivindicando uma identidade indígena? (CAVIGNAC, 1994).

Tal indagação, talvez, encontre respostas em estudos e obras consagradas de

historiadores que trataram da História do Rio Grande do Norte, como as de Luís da Câmara

CASCUDO (1984) e Augusto Tavares de LIRA (1982), inscrevem a existência dos nativos

até mais ou menos o século XVII, no máximo até as duas primeiras décadas do século XVIII.

Depois da Guerra dos Bárbaros (1683-1725) � movimento de resistência indígena contra a

expansão da pecuária no sertão e que é considerado o maior conflito interétnico do Brasil

Colonial � os índios teriam sido dizimados do interior. Os lugares por onde andavam deram

lugar a fazendas destinadas à criação de gado e, em alguns casos, a pequenas manchas

urbanas, as povoações e vilas, origens das atuais cidades sertanejas.

Em lugar das divindades nativas um deus que é uno e trino ao mesmo tempo instalou-

se nas capelas erguidas nas plagas sertanejas, onde Nossa Senhora (com seus vários títulos),

Sant�Ana, São Sebastião e outros santos da tradição cristã repousam como protetores da

população que crescia paulatinamente. À exceção de alguns contingentes que foram poupados

do extermínio físico, mas aldeados em missões religiosas, o restante dos índios teria, de fato,

sido expurgado da então Capitania do Rio Grande.

O peso desse possível �desaparecimento� dos índios no Rio Grande do Norte é tão

forte que mesmo na contemporaneidade seus efeitos ainda se fazem sentir. Os moradores das

cidades do Sertão do Seridó, porção centro-sul do estado, por exemplo, costumam falar dos

indígenas como elementos vestigiais de um passado que somente é lembrado quando alguém

fala das caboclas-brabas amansadas a dente de cachorro e casco de cavalo ou dos índios

Page 60: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Cariri. Até mesmo os livros didáticos tendem a mencionar o índio apenas no Período

Colonial. Durante o Império e a República eles passam desapercebidos, inexistindo nas aulas

de história, a não ser quando falam de sua participação na constituição da personalidade

�mestiça� do brasileiro tal defendida por Gilberto Freyre.

No correr do século XIX os índios apareceriam nos Censos Demográficos e na

documentação judicial da Província do Rio Grande do Norte, em destaque a Comarca do

Caicó sob a denominação de caboclos, demonstrando que mesmo sob a marca da

discriminação e do preconceito teimavam em resistir. Todavia, se faz necessário uma

reflexão profunda sobre a real presença de índios no Rio Grande do Norte atualmente, visto

que, especialmente os escritos que tocam na presença indígena no Estado e com mais

particularidade no interior, a fim de verificar dados mais concretos sobre as populações

indígenas no Rio Grande do Norte, quem sabe um dia possamos falar da sua presença nos dias

atuais, se ressurgirem através do processo da etnogênese.

5. Considerações Finais

Os primeiros contatos foram de estranheza e de certa admiração e respeito. Caminha

relata a troca de sinais, presentes e informações. Quando os portugueses começam a

explorar o pau-brasil das matas, começam a escravizar muitos indígenas ou a utilizar o

escambo. Davam espelhos, apitos, colares e chocalhos para os indígenas em troca de seu

trabalho.

O canto que se segue foi muito prejudicial aos povos indígenas. Interessados nas

terras, os portugueses usaram a violência contra os índios. Para tomar as terras, chegavam a

matar os nativos ou até mesmo transmitir doenças a eles para dizimar tribos e tomar as

Page 61: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

terras. Esse comportamento violento seguiu-se por séculos, resultando no pequenos número

de índios que temos hoje.

A visão que o europeu tinha a respeito dos índios era eurocêntrica. Os portugueses

achavam-se superiores aos indígenas e, portanto, deveriam dominá-los e colocá-los ao seu

serviço. A cultura indígena era considera pelo europeu como sendo inferior e grosseira.

Dentro desta visão, acreditavam que sua função era convertê-los ao cristianismo e fazer os

índios seguirem a cultura européia. Foi assim, que aos poucos, os índios foram perdendo sua

cultura e também sua identidade.

Desde da época do "Descobrimento do Brasil", os indígenas continuam desrespeitados em seus direitos

básicos, como primeiro povo habitante do Brasil. Infelizmente os índios são vistos hoje como seres inferiores

(primitivos) pela maioria das sociedades urbanas, mas isso não pode ser levado à sério, pois nenhuma cultura

pode ser considerada inferior ou superior a um outra.

Daí vem a questão do etnocentrismo, que tem a tendência para considerar a cultura de seu próprio povo

como a medida de todas as demais. Os índios foram assassinados, torturados, maltratados, exterminados,

massacrados, aniquilados, escravizados, e até queimados durante mais de 500 anos do "descobrimento". Isso

demonstra como os índios sofreram, ou até mesmo, como sofrem nos dias de hoje.

Com o passar do tempo, ou seja, futuramente, se esta situação constrangedora e desumana do índio

continuar desta maneira, vamos ter a extinção dos índios, e com isso, os índios só serão lembrados, de forma

histórica, no dia famoso chamado 19 de abril, que é o Dia do Índio. Conforme os acontecimentos maléficos,

alguns índios foram obrigados, ou que seguissem nossos costumes, ou até mesmo influenciados pela nossa

cultura (roupas, relógio, refrigerante, celular, e entre outras).

O homem, na era da globalização, encontra-se em uma situação de incerteza quanto ao

seu destino. É um ser em angústia ao estar inserido num mundo com a exclusão social

crescente, e o desequilíbrio ambiental. A violência exagerada, a insegurança nacional e

internacional e uma sociedade que o exige a consumir os seus produtos de forma exagerada. É

a crise do ter. Na análise dos elementos preconceituosos em relação aos cultos afro-

brasileiros, é preciso ter um certo cuidado, pois há uma multiplicidade de fatores sócio-

culturais e históricos que legitimam.

.... diante de qualquer fato, qualquer fenômeno, a abordagem universalista do Ocidente tende a ultimar-se de um único modo: a pergunta sobre a

Page 62: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

significação [...] essa necessidade de interpretar, para fazer significar, é uma das grandes linhas de força da civilização ocidental [...] interpretar é, assim, a operação básica de �leitura� do real, de atribuir-lhes nomes e significações a partir de �grades� ou modelos de entendimentos que se interpõem entre o intérprete-observador e o real. (SODRÉ, 2002, p. 8)

Ao trata-se de um assunto tão intrigante e fascinante ao mesmo tempo, é como

caminhar em direção da linha do horizonte, pois mais que andemos em sua direção mais

distante ela fica, portanto, ao optarmos para fazer uma análise inicial do tema a Guerra dos

Barbaros.

Contudo à expropriação e a dizimação já realizada com esses índios pelos portugueses,

estes ainda tinha que pagar uma conta que não lhes era sua e sim, devida pelos brancos aos

mesmos. Todavia, como a lógica da colonização era além da liberação das terras para a

pecuária, obter mão-de-obra necessária para o trabalho, se fazia então fundamental,

desenvolver a escravidão. Daí o porque de retirar os indígenas da Aldeia com o pretexto de

introduzi-los na fé católica, batizando-os e sustentando suas despesas em troca de seus

serviços, pois caso permanecessem na aldeia não haveria como forçá-los ao trabalho, ou seja,

escravizá-los. Por conseguinte, a guerra dos bárbaros só reforçou essa lógica ao atender os

objetivos da colonização. Foi assim, que tanto Domingos Jorge Velho que dizimou muitos

indígenas na serra do Acauã, hoje a conhecida Serra da Rajada, bem como, a tropa do

Pernambuco comandada pelo capitão Afonso de Albertin, que dizimou a tribo dos Janduí na

Ribeira do Açu, foram parabenizados pelos seus feitos pelo Governador geral e pelo novo

governador de Pernambuco, já que seus prisioneiros foram levados para Recife como

presentes para este último, sendo comercializados como escravos em praça pública para bom

proveito de seus "carrascos" e ou vencedores.

Com o continuar da repressão aos Tapuias e as vitórias obtidas, os oficiais da Câmara

de Natal enviaram um Memorial ao Rei, no qual alegando a este as perdas de colonos e

despesas realizadas para com o desenvolvimento da "guerra dos bárbaros", solicitava o reparo

das mesmas com o pagamento do gado perdido e a distribuição das terras "liberadas" entre as

Page 63: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

pessoas da Capitania, além da criação de um presídio no Arraial do Açu e de um alojamento

com cem índios domesticados, para a proteção dos moradores e para que estes "ajudassem" no

transporte do gado para Pernambuco.

É notório o interesse dos luso-brasileiros para que as perdas sofridas com a guerra

fossem logo reparadas, as terras expropriadas fossem distribuídas e ocupadas, evitando

possíveis iniciativas dos Tarairiú de retomá-las. Todavia, estes bravos guerreiros, apesar das

degolas, dos aprisionamentos, cativeiros e reduções em aldeamentos jesuíticos que sofreram

ao longo dessa história que lhes fora imposta, resistiram por cerca de mais trinta anos sempre

lutando como podiam pela posse de suas terras e na tentativa de vencer as injustas estratégias

da dominação colonial. Assim, a colonização portuguesa no Rio Grande e no Brasil, se

consolidou sob os moldes de uma visão cultural preconceituosa e injusta, onde o nativo

passou de gentio a infiel, por não se submeter ou tentar resistir às imposições européias, fato

esse, que acarretou o extermínio quase que completo dos nossos nativos.

Portanto, na ótica desde estudo que para a sobrevivência dos povos indígenas, de sua cultura e de tudo

o que ela representa para o Brasil é fundamental que eles sejam respeitados em sua identidade cultural e em

suas terras, que sejam ouvidos e que possam participar das decisões que lhe dizem respeito.

O impacto da conquista européia sobre as populações nativas das Américas foi imenso

e não existem números precisos sobre a população existente à época da chegada dos europeus,

apenas estimativas. As referentes à população indígena do território brasileiro em 1500

variam entre 1 e 10 milhões de habitantes. (FUNAI, 2000)

Estima-se que só na bacia amazônica existissem 5.600.000 habitantes da época da

chegada dos europeus. Também em termos estimativos, os lingüistas têm aceito que cerca de

Page 64: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

1.300 línguas diferentes eram faladas pelas muitas sociedades indígenas então existentes no

território que corresponde aos atuais limites do Brasil.

Dezenas de milhares de pessoas morreram em conseqüência do contato direto e

indireto com os europeus e as doenças por eles trazidas. Doenças hoje banais, como gripe,

sarampo e coqueluche, e outras mais graves, como tuberculose e varíola, vitimaram, muitas

vezes, sociedades indígenas inteiras, por não terem os índios imunidade natural a estes males.

(FUNAI, 2000).

Em face da ruptura demográfica e social promovida pela conquista européia, foi

sugerido que os padrões de organização social e de manejo dos recursos naturais das

populações indígenas que atualmente vivem no território brasileiro não seriam representativos

dos padrões das sociedades pré-coloniais. Esse é um ponto controvertido entre os

pesquisadores, pois ainda não há dados suficientes advindos de pesquisas arqueológicas,

bioantropológicas e de história indígena enfocando o impacto do contato europeu sobre as

populações nativas para que se possa fazer tal afirmativa.

O atual estado de preservação das culturas e línguas indígenas é conseqüência direta

da história do contato das diferentes sociedades indígenas com os europeus que dominaram o

território brasileiro desde 1500. Os primeiros contatos se deram no litoral e só aos poucos

houve um movimento de interiorização por parte dos europeus.

Contudo quando se observa o mapa da distribuição das populações indígenas no

território brasileiro de hoje, podem-se ver claramente os reflexos do movimento de expansão

político-econômica ocorrido historicamente. Os povos que habitavam a costa leste, na

maioria falantes de línguas do Tronco Tupi, foram dizimados, dominados ou refugiaram-se

nas terras interioranas para evitar o contato.

Page 65: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

Hoje, dos índios do Brasil, somente os Fulniô (de Pernambuco), os Maxakali (de

Minas Gerais) e os Xokleng (de Santa Catarina) conservam suas línguas. Curiosamente, suas

línguas não são Tupi, mas pertencentes a três famílias diferentes ligadas ao Tronco Macro-Jê.

Os Guarani, que vivem em diversos estados do Sul e Sudeste brasileiro e que também

conservam a sua língua, migraram do Oeste em direção ao litoral em anos relativamente

recentes.

As demais sociedades indígenas que vivem no Nordeste e Sudeste do País perderam

suas línguas e só falam o português, mantendo apenas, em alguns casos, palavras esparsas,

utilizadas em rituais e outras expressões culturais.

Segundo dados dos órgão oficiais de proteção e políticas indigenistas apontam que a

maior parte das sociedades indígenas que conseguiram preservar suas línguas vive,

atualmente, no Norte, Centro-Oeste e Sul do Brasil. Nas outras regiões, elas foram sendo

expulsas à medida em que a urbanização avançava.

Atualmente, no Brasil, vivem cerca de 345 mil índios, distribuídos entre 215

sociedades indígenas, que perfazem cerca de 0,2% da população brasileira. Cabe esclarecer

que este dado populacional considera tão-somente aqueles indígenas que vivem em aldeias,

havendo estimativas de que, além destes, há entre 100 e 190 mil vivendo fora das terras

indígenas, inclusive em áreas urbanas. Há também indícios da existência de mais ou menos 53

grupos ainda não-contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o

reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista. No Estado do

Rio Grande do Norte o último Tarairiú � símbolo maior da resistência indígena a ocupação

portuguesa � desde a metade do século XIX, vitima desse processo de extermínio,

Page 66: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

aldeamentos, aculturação não configura mais como elemento étnico do povo potiguar, pelo

menos oficialmente.

REFERENCIAS

ALMEIDA, Denis Sávio; GALINDO, Marcos; SILVA, Edson (Orgs.). Índios do Nordeste. Maceió: EDUFAL, 1999. ALMEIDA, Geraldo Gustavo de . Heróis indígenas do Brasil � Memórias sinceras de uma raça. Rio de Janeiro: Cátedra, 1988. ANDRADE, Pedro Carrilho de Andrade. Memória sobre os índios do Brasil, Revista do IG HRN, vol. VII, Natal, 1912. CASCUDO, Luis da C. 1955. História do Rio Grande do Norte. Rio d Janeiro: MEC, 1955. __________________. História do Rio Grande do Norte. 2.ed. Rio de Janeiro: Achiamé; Natal: Fundação José Augusto, 1984. _________________. História da Cidade do Natal. 3ª Ed. Natal: RN Econômico, 1999. (edição comemorativa do 4º centenário � IHG/RN). CARDIM, Fernão. 1980. Tratados da terra e gente do Brasil, Belo Horizonte, São Paulo, Itatiaia: Edusp, 1980. CARVALHO, Edílson Alves de. FELIPE, José Lacerda Alves. Atlas do Rio Grande do Norte. 2ª ed. Natal: O Diário, 2005. CAVIGNAC, Julie. A índia roubada: Estudo Comparativo da História e das Representações das Populações Indígenas no Sertão do Rio Grande do Norte, Cadernos de História, UFRN, 1995. ________________. A etnicidade encoberta: �Índios� e �Negros� no Rio Grande do Norte. Natal: UFRN, 1994 (tese de Doutorado). CUNHA, Manuela Carneiro da. Direitos dos Índios � ensaios e documentos. São Paulo: Brasiliense, 1987. _________________. História dos Índios do Brasil. São Paulo: FAPESP; Cia. das Letras, 1992. DANTAS, José. História do Brasil - dos habitantes primitivos à Independência. Editora moderna, volume 1. Rio de Janeiro, 1990. DANTAS, Manoel. 1918. O Rio Grande do Norte. Ensaio chorográfico, Natal: A República, 1918. DIAS, Leonardo Guimarães Vaz. A Guerra dos Bárbaros: manifestações das forças colonizadoras e da resistência nativa na América Portuguesa. IN: Revista Eletrônica de História do Brasil. Juiz de Fora, UFJF, v. 5, n. 1, jan. - jun. 2001.

Page 67: O ÚLTIMO DOS TARAIRIUS

FAUSTO, Carlos. 2000. Os Índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

FUNAI � Fundação Nacional do Índio. Índios. <Disponível em http://www.funai.gov.br/indios/conteudo.htm> Acesso em 25 mai 2006. IBGE � Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico do Brasil (Características gerais da população � população por cor, raça e sexo segundo as Mesorregiões, as microrregiões). Brasília: 1991; 2000. KOSHIBA, Luís; PEREIRA, Denise Manzi Frayze. História do Brasil. 7ª ed. São Paulo: Atual, 1996. KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Recife: Secretaria de Educação e cultura, governo de Pernambuco, 1978 [trad. Luis da C. Cascudo] LARROUSE CULTURAL, Nova Enciclopédia. Índios. São Paulo, Nova Cultural, 1998. LE GOFF, Jacques. 1996. História e memória. Campinas, Unicamp, 1996. LOPES, Fátima Martins. Índios, colonos e missionários na colonização da Capitania do Rio Grande de Norte. Mossoró: Fundação Vingt-um Rosado; IHGRN, 2003. MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. (mimeo). Existem índios no Rio Grande do Norte? A propósito da presença de populações indígenas no Sertão do Seridó entre os séculos XVIII e XIX. UFRN/CERES, 2002. MARIZ, Marlene da Silva (org.). Repertório de Documentos para a História Indígena existentes no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. São Paulo: FAPESP; Fundação Vingt-um Rosado, 1994.

MARIZ, Marlene da Silva. SUASSUNA, Luiz Eduardo Brandão. História do Rio Grande do Norte colonial (1597/1822). Natal: Natal Editora, 1997. MEDEIROS filho, Olávo de. Indios do Açu e Seridó. Brasília: Senado Federal, 1984. ______________________ Os Tarairius, exintos tapuias do Nordeste. Rev. do Instituto Histórico e Geográfico do RN, 1988. MEDEIROS filho, Olávo de. Aconteceu no Rio Grande do Norte. Natal, Depto. Estadual de Imprensa, 1997. ______________________. Notas para a história do Rio Grande do Norte, João Pessoa: Unipê, 2001. . MEDEIROS filho, Olavo. Índios do Açu e Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1984. MEDEIROS, Tarcisio. Proto História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Presença, 1985. (co-edição com a Fundação José Augusto).