Page 1
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 37 | agosto de 2016
1
DIREITO, SEGURANÇA E
DEMOCRACIA
AGOSTO
2016
Nº 37
O TRÁFICO DE SERES HUMANOS NO ESPAÇO DE LIBERDADE, SEGURANÇA E JUSTIÇA Trafficking in human beings in the freedom, security and justice area Tatiana Maria de Oliveira Marques Mestranda em Direito e Segurança
RESUMO A criação do espaço Schengen e consequente abolição de fronteiras internas
permitiu a livre circulação de pessoas e bens nos Estados signatários. No entanto, esta
livre circulação veio facilitar a expansão da criminalidade organizada a nível internacional,
pelo que teve de ser acompanhada de medidas compensatórias de forma a conciliar a
liberdade com a segurança.
Neste contexto o tráfico de seres humanos passa a ser uma preocupação dos
Estados e de toda a União Europeia, visto que é considerado um fenómeno global e
transnacional. Este fenómeno persiste há milhares de anos sendo, por vezes, confundido
com a imigração ilegal. É um crime com características próprias e de difícil detecção pelo
que se torna necessário aprofundar conhecimentos para que a resposta dada no seu
combate seja adequada.
Page 2
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
2
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
O aumento do número de casos sinalizados de vítimas de tráfico de seres
humanos veio colocar em causa a livre circulação de pessoas e bens no espaço de
liberdade, segurança e justiça. É portanto necessário que os Estados estejam alertas para
este fenómeno e que cooperem entre si de forma a garantir o sucesso do seu combate
pois o tráfico de seres humanos não conhece fronteiras.
PALAVRAS-CHAVE Tráfico de seres humanos, Schengen, imigração ilegal, fronteiras, União europeia,
liberdade, segurança, estados membros, criminalidade, vítima, prevenção, cooperação.
ABSTRACT The creation of the Schengen area and consequent abolition of internal borders as
enabled the free movement of people and goods in the member States. However, this free
movement has favored the expansion of organized crime on an international level, which
led to mitigation measures in order to reconcile freedom with security.
In this context, trafficking in human beings is now a major concern for the States as
well as the whole European Union, as it is now considered a global and transnational
phenomenon. This phenomenon persists for thousands of years, being sometimes
confused with illegal migration. It is a crime with specific characteristics and hard to detect
and thus, it is necessary to have a deeper knowledge on the subject in order to make the
combat more adequate in terms of response.
The increase of the number of identified cases of human trafficking victims has
came to question the free movement of people and goods in the freedom, security and
justice area. It is, therefore, necessary for the States to be alert to this phenomenon and to
cooperate with each other in order to ensure success in its combat, because trafficking in
human beings knows no boundaries.
KEYWORDS Human Trafficking, Schengen, illegal immigration, borders, European Union, freedom,
security, member states, crime, victim, prevention, cooperation.
Page 3
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
3
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
1. Introdução
O presente trabalho foi elaborado no âmbito da disciplina “Estado, Globalização e
Segurança” leccionada no 1º semestre do Mestrado em Direito e Segurança e pretende
abordar a problemática do Tráfico de Seres Humanos num Espaço de Liberdade,
Segurança e Justiça marcado pela abolição do controlo das fronteiras internas.
O tráfico de seres humanos é expressamente proibido estando previsto no artº 5º
da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Desta forma a União criou um
quadro jurídico com o intuito de fazer face a esse fenómeno. O gradual aumento dos
casos sinalizados de vítimas de tráfico de seres humanos coloca em causa a livre
circulação de pessoas num espaço sem controlo de fronteiras internas. Assim torna-se
necessário adoptar medidas para garantir a continuidade da livre circulação num espaço
de liberdade, segurança e justiça e combater este tipo de criminalidade que afecta os
cidadãos mais vulneráveis e a própria segurança dos Estados.
Este trabalho inicia com a abordagem ao tráfico de seres humanos. Posteriormente
refere uma breve alocação sobre a criação do espaço Schengen e a sua integração na
União Europeia, sendo por fim abordado o tráfico de seres humanos na União Europeia.
Serão elencados alguns dados estatísticos referentes ao tráfico de seres humanos,
bem como a legislação que visa a sua prevenção. Será ainda abordada a estratégia para
a erradicação do tráfico de seres humanos actualmente em vigor apresentando as
prioridades nela contidas.
2. O tráfico de seres humanos O tráfico de seres humanos não é um fenómeno recente nem se encontra
confinado às fronteiras dos países. Este fenómeno é praticado há milhares de anos, no
entanto tornou-se popular na era dos descobrimentos com a escravatura de vários
africanos. Estes eram apanhados por traficantes e comercializados como se fossem
mercadorias com vista à obtenção de mão-de-obra escrava. (Costa, 2011)
Page 4
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
4
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
Nos dias de hoje este fenómeno ainda persiste, sendo considerado um fenómeno
global e transnacional. É um negócio lucrativo e atractivo para grupos criminosos
organizados, e uma das atividades mais rentáveis a seguir ao tráfico de armas e de
droga. (United Nations Office of Drugs and Crime, 2011)
Presume-se que em todo o mundo cerca de 2,5 milhões de pessoas sejam vítimas
de tráfico de seres humanos, sendo que em Portugal houve cerca de 1222 sinalizações
no período compreendido entre 2008 e 2015, segundo dados do Observatório de Tráfico
de Seres Humanos. Estes dados são meramente estatísticos e ilusórios uma vez que o
crime em questão é de difícil investigação, pois o aumento da criatividade dos traficantes
em conjunto com o “vazio legal” e com as dificuldades de atuação dos Órgãos de Policia
Criminal leva a que este crime tenha um baixo grau de detecção, investigação e
penalização, comparativamente com outras atividades ilegais. (Santos, Boaventura;2008)
O combate ao tráfico de seres humanos assumiu particular expressão com a
Convenção Europeia dos Direitos Humanos, assinada em Roma em 1950. Esta
Convenção tem por objectivo a defesa dos Direito Humanos, proibindo no seu artº 4º
práticas como a escravatura e o trabalho forçado. Criou ainda o Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem de forma a garantir uma eficaz protecção dos direitos reconhecidos
pela Convenção. Posteriormente foram aprovadas diversas recomendações relacionadas
com o tráfico de seres humanos.
Para identificar o crime de tráfico de seres humanos é necessário diversos
conhecimentos que permitam uma avaliação eficaz dos indícios e o seu consequente
diagnóstico. Uma vez que é frequente confundir o crime de tráfico de pessoas com o
crime de auxílio à imigração ilegal torna-se necessário distinguir estes dois tipos de crime,
pois os seus elementos constitutivos são diferentes e portanto as respostas que são
exigidas às autoridades dependem do crime em causa. (Costa, 2011)
A definição de tráfico de pessoas encontra-se no Protocolo Adicional à Convenção
das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à
Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e
Crianças, (Protocolo contra o Tráfico de Pessoas). Este Protocolo, bem como o Protocolo
Adicional relativo ao Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea,
(Protocolo relativo ao Tráfico de Migrantes) encontram-se na Convenção Contra a
Criminalidade organizada Transnacional adotada em 2000 pela Assembleia Geral das
Page 5
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
5
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
Nações Unidas. O seu objectivo era o de promover a cooperação entre os Estados com o
intuito de prevenir e combater de uma forma mais eficaz a criminalidade organizada
transnacional.
O Protocolo relativo ao Tráfico de Pessoas apresenta no seu artº 3º a definição de
Tráfico de Pessoas como sendo “o recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a
outras formas de coacção, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de
situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para
obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de
exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de
outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a
escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extracção de órgãos.”
Segundo esta definição o crime de tráfico de pessoas engloba três elementos
constitutivos, não bastando a verificação isolada de cada um deles para se poder afirmar
que estamos perante este tipo de crime. Assim é necessário que ocorra uma acção
(recrutamento, transporte, alojamento, acolhimento), através de um meio (ameaça, uso da
força, coacção, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, etc.) e com um objectivo
(exploração).
Na legislação Nacional este crime encontrava-se inicialmente previsto nos “crimes
Sexuais”. Com as posteriores alterações ao Código Penal, o Crime de Tráfico de Pessoas
encontra-se hoje na epígrafe do artº 160º relativo aos “Crimes contra a Liberdade
Pessoal”. Segundo este artigo comete o Crime de Tráfico de Pessoas:
1 - “Quem oferecer, entregar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa
para fins de exploração sexual, exploração do trabalho ou extracção de órgãos:
a) Por meio de violência, rapto ou ameaça grave;
b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;
c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência
hierárquica, económica, de trabalho ou familiar;
d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial
vulnerabilidade da vítima; ou
e) Mediante a obtenção do consentimento da pessoa que tem o controlo
sobre a vítima;
Page 6
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
6
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
Confrontando a definição dada pelo Protocolo relativo ao Tráfico de Pessoas e pela
tipificação do crime que nos é dado pelo Código Penal Português verifica-se que neste
último o referido crime também exige três elementos constitutivos (acção, meios e
objectivo).
Para que se consume o crime de tráfico é necessário que o agente pratique uma
das acções enumeradas e empregue para tal os meios enunciados com a intenção de a
explorar, não sendo portanto necessário a exploração efectiva. A exploração não tem
uma definição concreta, apenas são enumeradas algumas formas de exploração,
podendo ser considerado exploração qualquer uma das formas enumeradas no Protocolo,
bem como outras consideradas pertinentes. (Salt 2000 in “O tráfico de migrantes em
Portugal”)
O artº 5º do Protocolo obriga a criminalização do tráfico de pessoas, no entanto
não é exigível que a legislação de cada estado acolha os termos exatos da definição nele
constante. A legislação é elaborada de acordo com o quadro legal existente em cada
país, devendo consagrar os elementos típicos referidos na definição dada pelo Protocolo,
facto que é visível através da comparação das definições acima transcritas.
Relativamente ao auxílio à imigração ilegal a sua definição encontra-se no
Protocolo Adicional relativo ao Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e
Aérea, mais precisamente no seu artº 3º, segundo o qual entende-se por “Tráfico ilícito de
migrantes o facilitar da entrada ilegal de uma pessoa num Estado Parte do qual essa
pessoa não é nacional ou residente permanente com o objectivo de obter, directa ou
indirectamente, um benefício financeiro ou outro benefício material.”
Segundo esta definição verifica-se a existência de uma acção (facilitação da
entrada ilegal) e um objectivo (obter benefício financeiro ou material) não sendo portanto
visível nem relevante os meios como ocorre a facilitação da entrada no Estado de
acolhimento.
O artº 3º entende por “entrada ilegal a passagem de fronteiras sem preencher as
condições necessárias para a entrada legal no Estado de acolhimento”.
O artº 6º do referido Protocolo requer a criminalização da introdução clandestina de
migrantes nos casos em que esta ocorra de forma intencional, ou seja, para que seja
imputado a alguém o crime de auxílio à imigração ilegal é necessário que o agente atue
de forma dolosa e que obtenha lucro com o seu ato.
Page 7
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
7
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
O crime de auxílio à imigração ilegal encontra-se previsto nº artº 183º da lei
23/2007 que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de
estrangeiros do território nacional. Segundo este artigo comete o referido crime “quem
favorecer ou facilitar, de qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegais de cidadãos
estrangeiros em território nacional” bem como “quem favorecer ou facilitar por qualquer
forma, a entrada, a permanência ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território
nacional, com intenção lucrativa.”
Verifica-se segundo esta definição que o auxílio à imigração ilegal tem a finalidade
de obter lucro para facilitar a passagem de fronteiras através de meios ilegais.
(Engle,2004)
Quem se dedica a este tipo de ilícitos consegue obter documentos de uma forma
ilegal, nomeadamente através da falsificação ou suborno dos agentes de imigração,
permitindo desta forma a entrada legal no país de destino. (Engle,2004)
Verifica-se ainda que não é definido “facilitação”, subentende-se que esta refere-se
ao ato que leva a determinado fim, sendo neste caso a entrada ilegal num país do qual
não é nacional.
Comparando os pressupostos de cada uma das definições podemos apurar que
ambos são fenómenos de migração irregular com vista à obtenção de lucro, no entanto é
importante estabelecer as diferenças entre estes dois crimes. Segundo Aronowitz, citado
por Boaventura de Sousa Santos in “Tráfico de mulheres em Portugal para fins de
exploração sexual”, existem algumas diferenças importantes a apontar:
O auxílio à imigração ilegal recai sobre uma situação de irregularidade no território
nacional, não tendo relevância a finalidade da entrada irregular, pois após chegar ao país
de destino o indivíduo é livre para fazer o que quiser. O tráfico de seres humanos
pressupõe diversas acções e meios para obter um fim que é a exploração de outrem.
Quem recorre à imigração ilegal fá-lo de uma forma voluntária, enquanto no caso
do tráfico não há o consentimento da vítima, ou caso haja num momento inicial este torna-
se irrelevante devido aos meios utilizados pelos traficantes.
No auxílio à imigração ilegal a pessoa paga a outra para que lhe seja facilitado a
passagem de fronteiras de uma forma ilegal. Este pagamento geralmente ocorre antes do
início da viagem, deixando o individuo de ser uma preocupação para quem o auxiliou,
quer durante a viagem quer após a chegada ao destino. No caso do tráfico o traficante
Page 8
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
8
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
tem o intuito de explorar a vítima pelo maior tempo possível, pois esta fica dependente
dos traficantes.
O Departamento das Nações Unidas Contra Drogas e Crime menciona ainda a
transnacionalidade como sendo outro aspeto importante na distinção entre estes dois
tipos de crime. A introdução ilegal de uma pessoa implica o atravessamento de fronteiras,
enquanto o tráfico ocorre independentemente se as vítimas são levadas para outro país
ou para um outro local dentro do mesmo país.
Alguns autores defendem que o auxílio à imigração ilegal pode converter-se em
tráfico após a chegada ao país de destino. Algumas vítimas de tráfico iniciam a sua
viagem com o intuito de serem introduzidas ilegalmente num determinado país, contudo
acabam por constatar que foram enganadas ficando sujeitas a situações de exploração.
Por vezes os agentes do crime tem a intenção inicial de introdução clandestina de
migrantes, mas quando confrontados com a possibilidade de obter lucro com a sua acção
convergem para a prática do tráfico explorando as vítimas. Outro exemplo em que uma
situação de introdução ilegal de migrantes pode convergir para tráfico está relacionado
com o pagamento do ilícito, ou seja, o indivíduo paga apenas uma parte do montante no
início da viagem ficando em falta outra parte que será liquidada aquando da chegada ao
destino. Nestes casos eles são forçados a trabalhar auferindo salários demasiado baixos
para pagarem o montante em dívida. (Peixoto, João 2005 in “O tráfico de migrantes em
Portugal: perspectivas sociológicas, jurídicas e políticas”)
Pelo exposto podemos afirmar que apenas após a chegada ao país de destino, é
que é possível verificar se estamos perante um crime de auxílio à imigração ilegal ou
tráfico de seres humanos. (Van Impe, 2005 in “O tráfico de migrantes em Portugal:
perspectivas sociológicas, jurídicas e políticas”)
O tráfico de seres humanos pode envolver outros crimes, tais como extorsão,
tortura, ofensas à integridade física, injurias, homicídio, rapto, entre outros, pelo que a sua
identificação é importante nomeadamente nos casos em que as provas existentes não
são suficientes para desencadear um procedimento criminal por tráfico de pessoas, mas
podem ser suficientes para prosseguir criminalmente estes tipos de crime, tal como
recomenda o Manual das Nações Unidas contra o Tráfico de Pessoas.
Após verificarmos estas diferenças podemos afirmar que é difícil identificar se
estamos perante um crime de auxílio de imigração ilegal ou um crime de tráfico de seres
Page 9
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
9
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
humanos pois a fronteira entre estes dois tipos de criminalidade é ténue e ambos
apresentam pontos coincidentes. (Costa; 2011) Esta dificuldade prende-se ainda pelo
facto dos traficantes serem astutos nas suas estratégias e as vítimas terem receio em
denunciar a sua situação de exploração. Um incidente pode dar uma clara indicação da
ocorrência do referido crime, no entanto em muitos casos a informação é escassa e
pouco óbvia. Assim torna-se necessário adquirir sólidos conhecimentos sobre o crime em
questão para o saber identificar com rigor. (Costa, 2011)
Alguns casos de tráfico podem ser denunciados por pessoas externas ao meio e a
quem a vítima confidenciou a sua situação de exploração. Um exemplo desta situação
são os casos de prostituição em que a vítima confidencia ao cliente que se encontra a ser
explorada por alguém, e esta denúncia o caso às autoridades. No entanto estas
denúncias ocorrem com pouca frequência pois como foi enunciado anteriormente as
vítimas tem receio de represálias caso denunciem a situação. (Costa, 2011)
O Manual das Nações Unidas contra o Tráfico de Pessoas menciona que outra
forma de identificar casos de tráfico é através do policiamento efectuado pelas
autoridades, nomeadamente no controlo fronteiriço, e nas acções de fiscalização de
estabelecimentos de diversão nocturna, fábricas ou explorações agrícolas, onde poderá
ser provável encontrar pessoas que possam estar a ser exploradas. Contudo é importante
verificar a veracidade das informações recolhidas pois pode-se correr o risco da atuação
não surtir resultados. Existem diversos factores que nos indicam se uma pessoa poderá
estar a ser vítima de tráfico, no entanto diferem de acordo com o tipo de tráfico. Desta
forma é importante saber identificar esses factores e conjugá-los com as informações
recolhidas para se poder actuar de uma forma mais célere. Esses factores estão
relacionados com a faixa etária, o género, local de origem, local onde a vítima é
encontrada e o transporte. Relativamente à faixa etária esta pode indicar se uma pessoa
está a ser vítima de tráfico. Segundo o Manual das Nações Unidas, quanto mais velha for
a pessoa menor é a probabilidade de ser vítima de tráfico. Este fator é importante nos
casos de exploração sexual pois os “clientes” por norma procuram mulheres mais jovens.
O mesmo acontece nos casos de exploração laboral pois quanto mais velha for a pessoa
menos produtiva se torna. No entanto verifica-se algumas excepções, pois os idosos por
norma são utilizados na mendicidade. O tráfico sexual afecta sobretudo as mulheres,
contudo para o tráfico laboral são recrutados tanto homens como mulheres.
Page 10
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
10
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
Segundo o mesmo manual o local de origem é um factor de relevo em matéria de
tráfico de seres humanos. Por norma as vítimas são provenientes de países pouco
desenvolvidos e com poucos recursos onde reina um ambiente de pobreza e poucas
oportunidades.
Aquando da passagem das fronteiras as vítimas de tráfico exibem documentos de
viagem falsos ou pertencentes a outra pessoa o que poderá ser um indício de que
estamos perante uma situação de tráfico de seres humanos. Verifica-se ainda que as
vítimas estão permanentemente acompanhadas ou controladas pelos traficantes. Isto
acontece porque os traficantes receiam que as vítimas se apercebem que vão ser
exploradas à medida que se aproximam do local de destino.
Pelo exposto, até ao momento, verificámos as diferenças entre tráfico de seres
humanos e auxílio à imigração ilegal e a dificuldade em identificar os casos de tráfico de
seres humanos pelo que se torna importante permanecer alerta aos factores que nos
podem indicar esses casos, bem como adoptar medidas para o prevenir.
A criação do espaço Schengen e a consequente abolição do controlo de fronteiras
internas teve consequências na luta contra a criminalidade transfronteiriça. Iremos agora
abordar como foi ciado o espaço Schengen e a sua integração na União Europeia.
2.1 Criação do Espaço Schengen
Em 1958 foi assinado o tratado instaurando a União Económica Benelux cujos
objectivos principais eram a livre circulação de pessoas, bens, capitais e serviços;
coordenação das políticas económicas, financeiras e locais; e politica comercial entre
os três países. Com este tratado os Países de Benelux (Bélgica, Luxemburgo e Países
Baixos) foram os pioneiros na abolição das suas fronteiras internas.
Durante os anos 80 debateu-se sobre o significado da livre circulação de
pessoas. Alguns Estados Membros eram da opinião que a livre circulação de pessoas
deveria aplicar-se apenas a cidadãos da União Europeia, o que implicava que iria
manter-se os controlos nas fronteiras de forma a distinguir os cidadãos Europeus dos
nacionais de países terceiros; enquanto outros Estados Membros desejavam
estabelecer a livre circulação para todos, abolindo desta forma os controlos fronteiriços.
Como os Estados Membros não conseguiram chegar a um acordo, em 1985, a França
e a Alemanha juntaram-se aos Países de Benelux e decidiram criar entre si um
Page 11
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
11
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
território sem fronteiras que ficou conhecido como o “Espaço Schengen”, nome de uma
pequena localidade situada nas margens do rio Mosela a sul de Luxemburgo, junto da
tríplice fronteira entre Alemanha, França e Luxemburgo, onde foram assinados os
primeiros acordos.
Assim o Espaço Schengen representa um território no qual é garantido a livre
circulação de pessoas devido à abolição dos controlos das fronteiras internas por parte
dos Estados signatários, e a manutenção de uma fronteira externa comum.
De forma a materializar o referido espaço, em 1990 foi assinada uma
Convenção que entraria em vigor em 1995 e que permitiu abolir o controlo das
fronteiras internas entre os Estados signatários e criar uma fronteira externa única.
Para conciliar liberdade e segurança no espaço Schengen esta livre circulação
foi acompanhada de medidas “compensatórias” cuja adopção é obrigatória. De entre
essas medidas podem ser apontadas como as mais significativas a livre circulação de
todas as pessoas no espaço Schengen, as condições para a entrada de cidadãos
estrangeiros no espaço, a obrigatoriedade de adopção de um sistema comum de vistos
e de um visto comum, o estabelecimento de regras de controlo fronteiriço e de
circulação de estrangeiros, o aumento da cooperação policial e judiciária em matéria
penal, o estabelecimento de regras relativas à protecção de dados pessoais
informatizados e a criação de um sistema de informação Schengen (SIS) que se
encontra-se a funcionar desde 1995, data em que entrou em vigor a convenção e é um
instrumento eficaz na cooperação entre todas as polícias e entidades que o utilizam. A
cooperação e coordenação entre os serviços policiais e as autoridades judiciárias
permitem preservar a segurança e lutar contra a criminalidade organizada.
O espaço Schengen foi gradualmente alargando incluindo quase todos os
Estados Membros e países terceiros.
2.2 Integração do Acervo de Schengen no âmbito da
União Europeia
Os acordos relativos à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns,
bem como os acordos conexos e as disposições adotadas com base nesses acordos
tinham como objectivo reforçar a integração Europeia e acelerar a transformação da
União Europeia num Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça. Desta forma houve a
Page 12
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
12
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
intenção de incorporar referidos acordos e disposições no âmbito da União Europeia,
sendo no entanto aplicáveis se forem compatíveis com a legislação da União Europeia.
O acervo de Schengen (tal como são colectivamente conhecidos os acordos e
as regras) foi integrado na União Europeia pelo Tratado de Amesterdão em 1999.
No 10º considerando do Tratado de Amesterdão verifica-se que a União se
encontra decidida a criar um Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça de forma a
facilitar a livre circulação de pessoas garantindo a segurança dos seus povos.
De entre os objectivos a que a União se propõe, o 4º travessão do Artº B
enuncia: “a manutenção e o desenvolvimento da União enquanto espaço de liberdade,
de segurança e de justiça, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas, em
conjugação com medidas adequadas em matéria de controlos na fronteira externa,
asilo e imigração, bem como de prevenção e combate à criminalidade.”
O Título VI do referido tratado, relativo à cooperação policial e judiciária em
matéria penal, prevê que será objectivo da União facultar protecção aos cidadãos num
Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, sendo que, para alcançar este objectivo é
necessário prevenir e combater a criminalidade, o tráfico de seres humanos, os crimes
contra as crianças, o tráfico de drogas, armas, a fraude e a corrupção. Para atingir
esse objectivo é necessário cooperação policial e judiciária.
A cooperação policial é diligenciada pela Europol e abrange a cooperação
operacional entre as autoridades competentes na prevenção e detecção de infrações
penais; a recolha, armazenamento, tratamento, análise e intercâmbio de informações;
as iniciativas conjuntas em matéria de formação, intercâmbio de agentes de ligação,
utilização de equipamento e investigação forense e a avaliação em comum de técnicas
de investigação específicas relacionadas com a detecção de formas graves de
criminalidade organizada.
A cooperação judiciária em matéria penal tinha com objectivos facilitar e acelerar
a cooperação entre os ministérios e as autoridades judiciárias no que respeita à
tramitação dos processos e à execução das decisões; facilitar a extradição entre
Estados Membros; assegurar a compatibilidade das normas aplicáveis nos Estados
Membros e prevenir os conflitos de jurisdição entre Estados Membros.
Os objectivos para a implementação do Espaço de Liberdade, Segurança e
Justiça foram aprovados no Conselho Europeu de Tampere que se realizou em outubro
Page 13
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
13
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
de 1999. No seu parágrafo 23 verifica-se que o Conselho considera necessário
combater o tráfico de seres humanos através da aprovação de legislação que previsse
“severas sanções contra este grave crime”. Os Estados Membros e a Europol deveriam
desenvolver esforços para detectar e desmantelar as redes envolvidas, bem como
garantir os direitos das vítimas.
A abolição dos controlos das fronteiras internas facilitou a expansão da
criminalidade organizada a nível internacional. (Kellen, 2006)
2.3 A União Europeia e o Tráfico de Seres
Humanos
A livre circulação no espaço Schengen é um direito para os cidadãos Europeus
mas também para os nacionais de países terceiros que se encontrem legalmente no
espaço Schengen. A liberdade de circulação implica a abolição do controlo de fronteiras
internas, no entanto os países podem efectuar controlo de pessoas em qualquer ponto do
seu território nacional, no âmbito do policiamento de rotina ou serviços de controlo de
imigração, sendo esta uma das medidas para fazer face à criminalidade organizada.
(Conselho da União Europeia, 2015)
Relativamente às fronteiras externas cada Estado Membro é responsável pelo
controlo das suas fronteiras externas. O “Código de Fronteiras Schengen” estabelece
regras comuns a aplicar nos pontos de passagem das fronteiras externas. A criação da
FRONTEX veio complementar o sistema de gestão das fronteiras, promovendo a
cooperação operacional a nível da União Europeia, com o intuito de reforçar a segurança
nas fronteiras externas do Espaço Schengen. (Conselho da União Europeia, 2015)
A criação do Sistema de Informação Schengen (SIS) foi uma das medidas
adotadas para compensar a abolição do controlo de fronteiras. O SIS é uma base de
dados comum a todos os países participantes que possui diversa informação sobre
pessoas e objectos. Este sistema de informação foi melhorado dando origem ao SIS II
que entrou em funcionamento em 2013, apresentando melhores funcionalidades e novas
informações como é o caso dos dados biométricos, a possibilidade de diferentes ligações,
como por exemplo, relacionar uma pessoa a um veículo, bem como um reforço da
protecção de dados. Este sistema de informação torna-se essencial para o bom
Page 14
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
14
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
funcionamento do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça. (Conselho da União
Europeia, 2015)
O tráfico de seres humanos passa a ser uma preocupação dos Estados, bem como
de toda a União Europeia. Até à data foram elaborados alguns estudos sobre esta
temática. No 1º relatório publicado pela Comissão Europeia sobre tráfico de seres
humanos verifica-se que no período entre 2008 a 2010 foram identificadas cerca de
23632 vítimas de Tráfico. No ano de 2008 foram identificadas 6309 vítimas, tendo esse
valor aumentado para 9528 no ano de 2010, o que reflecte um aumento de 18%. Destas
vítimas 80% são mulheres, das quais 12% raparigas, e 20% homens, dos quais 3% são
rapazes. O objectivo deste tráfico é maioritariamente para exploração sexual, sendo que
25% são utilizados em trabalhos forçados e uma menor percentagem, cerca de 14%,
utilizada em atividades como a remoção de órgãos, atividades criminosas ou venda de
crianças.
A proveniência das vítimas de tráfico de seres humanos é maioritariamente dos
Estados Membros, (cerca de 61%), nomeadamente da Roménia e Bulgária. Contudo
foram contabilizadas cerca de 14% de vítimas provenientes de países Africanos,
nomeadamente da Nigéria, 6% da Ásia e 5% de países da América Latina.
Relativamente aos traficantes o referido relatório menciona que 75% dos suspeitos
são do sexo masculino e no período em causa o número de traficantes condenados
diminuiu 13%.
Para contrariar estes valores os Estados Membros terão de transpor na íntegra a
legislação e as medidas em vigor para combater o tráfico de seres humanos.
A Directiva 2011/36/EU adotada pela União Europeia e publicada no Jornal Oficial
a 15 de abril de 2011, visa a prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos, tendo
substituído a Decisão-Quadro nº 2002/629/JAI, apresentando um conceito mais amplo do
tráfico de seres humanos e passando ainda a incluir novas formas de exploração. Visa
também a prevenção da criminalidade e assegura que as vítimas tenham a possibilidade
de recuperar e reintegrar-se na sociedade. Um dos seus principais objetivos é a
prevenção e repressão rigorosas bem como a protecção dos direitos das vítimas, como é
possível verificar pelo seu artº 1º “A presente directiva estabelece as regras mínimas
relativas à definição das infrações penais e das sanções no domínio do tráfico de seres
Page 15
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
15
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
humanos. Introduz igualmente disposições comuns tendo em conta uma perspectiva do
género, para reforçar a prevenção destes crimes e a protecção das suas vítimas.”
Prevê ainda que sejam desenvolvidas medidas em países terceiros que sejam
pontos de origem e transferência de vítimas de forma a sensibilizar, apoiar e dar
assistências às vítimas e ainda auxiliar esses países a desenvolver legislação adequada
ao combate contra o tráfico. Mostra uma especial consideração pelas vítimas mais
vulneráveis, nomeadamente crianças, grávidas e pessoas com deficiência, prevendo
sanções agravadas para este grupo de vítimas.
Os produtos do crime deverão ser apreendidos e declarados perdidos a favor do
Estado, devendo ser utilizados para a assistência e protecção das vítimas,
nomeadamente para a sua indeminização ou utilizado nas acções policiais
transfronteiriças de combate ao tráfico de seres humanos.
No seu artº 8º a directiva menciona que não devem ser instauradas acções penais
ou aplicadas sanções às vítimas de tráfico de seres humanos pela sua participação
forçada em atividades criminosas. Esta medida tem como objectivo encorajá-las a ser
testemunhas nos processos penais contra os traficantes.
Os Estados Membros deverão ainda disponibilizar recursos para a assistência,
apoio e protecção destas vítimas, bem como reforçar a prevenção, adaptando medidas
para reduzir o risco das pessoas se tornarem vítimas de tráfico, nomeadamente através
de campanhas de informação, sensibilização, e educação. As pessoas susceptíveis de
estarem em contato com vítimas devem ter formação adequada para saber identificar e
lidar com essas vítimas.
As medidas impostas pela directiva 2011/36/UE deveriam ter sido adotadas pelos
Estados Membros até abril de 2013, (com exceção do Reino Unido e Dinamarca) pois
considerava-se que teriam um impacto na vitimização e iriam contribuir para uma
diminuição do número de vítimas de tráfico de seres humanos.
Em 2013 o Eurostat publicou um documento de trabalho sobre tráfico de seres
humanos na União Europeia. Este documento incide sobre dados recolhidos sobre o
tráfico de seres humanos e são provenientes de fontes oficiais dos Estados Membros
correspondendo ao período compreendido entre 2010 e 2012. No entanto, este
documento não avalia toda a amplitude do tráfico de seres humanos pois é baseado em
dados sobre vítimas e traficantes que tenham estado em contacto com as autoridades.
Page 16
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
16
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
Segundo este documento de trabalho verifica-se que, no período que o abarca,
foram identificadas/registadas cerca de 30146 vítimas de tráfico de seres humanos. De
entre estas vítimas 80% eram mulheres e 20% homens. A maioria eram vítima de tráfico
para exploração sexual (69%), 19% vítimas para exploração laboral e 12% utilizada em
atividades como a remoção de órgãos, atividades criminosas ou venda de crianças. A
maioria das vítimas do sexo feminino são traficadas para exploração sexual e os
indivíduos do sexo masculino são maioritariamente traficados para exploração laboral.
Relativamente a outros tipos de exploração como o caso da mendicidade forçada ou
venda de crianças a percentagem entre elementos de ambos os sexos difere pouco, ou
seja, segundo as estatísticas, as vítimas do género feminino utilizadas para este tipo de
exploração ronda os 52% enquanto as do género masculino os 38%, desconhecendo-se
o género de cerca de 10% das vítimas.
Cerca de 65% das vítimas são cidadãos da União Europeia sendo que a maioria
desses cidadãos são mulheres. Os principais países da União Europeia de proveniência
das vítimas são Roménia, Bulgária, Holanda, Hungria e Polónia. Dos países não
pertencentes à União Europeia verifica-se que as vítimas são provenientes da Nigéria,
Brasil, China, Vietname e Rússia. As vítimas provenientes de Países terceiros são
registadas em diversos Países na União Europeia, contudo as vítimas oriundas de países
da União Europeia são registadas em poucos países da União, não sendo portanto
possível retirar uma conclusão sobre a distribuição da cidadania.
Em relação aos traficantes verifica-se que cerca de 70% dos suspeitos são homens
e dois terços são cidadãos da União Europeia.
Os Estados Membros informaram que foram instaurados cerca de 8805 processos
por tráfico de seres humanos e proferidas cerca de 3855 condenações.
Estas estatísticas elaboradas em torno do Crime de tráfico de seres humanos são
importantes e encontram-se previstas no artº 19º da Diretiva nº 2011/36/UE que menciona
que “Os Estados Membros devem tomar as medidas necessárias para criar relatores
nacionais ou mecanismos equivalentes. A estes mecanismos cabe, nomeadamente,
avaliar as tendências do tráfico de seres humanos, avaliar os resultados das medidas de
luta contra este tráfico incluindo a recolha de estatísticas em estreita cooperação com as
organizações relevantes da sociedade civil activas neste domínio, e apresentar relatórios
sobre esta matéria.”
Page 17
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
17
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
Comparando os valores de vitimização verificou-se que o número de vítimas
aumentou de 2010 até 2012, contudo continuam a ser as mulheres as mais afectadas e
grande parte das vítimas provêm dos Estados Membros. No entanto é importante
salientar que nem todos os Estados Membros enviaram dados para a elaboração deste
documento de trabalho pelo que não é possível fazer uma comparação fidedigna dos
dados apresentados. Os súbitos aumentos ou diminuições podem reflectir apenas
mudanças legislativas.
Até à data da elaboração deste documento de trabalho as medidas impostas pela
Diretiva 2011/36/UE não tinham sido aplicadas por todos os Estados Membros. Apenas
seis Estados Membros tinham transposto na íntegra a Diretiva para a sua legislação
nacional e três Estados Membros tinham efectuado a transposição parcial. Este
documento de trabalho reafirma a necessidade de obtenção de dados mais completos e
comparáveis que permitirão uma avaliação mais precisa do problema de forma a obter
conclusões mais precisas ao nível da União Europeia.
Em 2012 a Comissão Europeia adoptou a Estratégia para a erradicação do tráfico
de seres humanos (2012-2016), com o intuito de estabelecer prioridades, corrigir lacunas
e complementar a directiva 2011/36/EU. Foi nomeado um coordenador da luta contra o
tráfico da União Europeia cuja função seria supervisionar a aplicação da referida
estratégia.
Esta estratégia identifica cinco prioridades no combate ao tráfico de seres
humanos. Em primeiro a identificação, protecção e assistência às vítimas de tráfico
através da criação de mecanismos nacionais e transnacionais de referência. A segunda
prioridade diz respeito à intensificação da prevenção do tráfico através da implementação
de atividades de sensibilização e programas de prevenção. Seguidamente, e como
terceira prioridade está definido o aumento da perseguição aos traficantes através da
criação de unidades policiais multidisciplinares, o aumento de investigações e
policiamento transfronteiriço. Esta prioridade incentiva à aplicação da lei para melhorar a
investigação e repressão dos traficantes. Como quarta prioridade é indicado o reforço da
coordenação e cooperação entre os principais intervenientes na política externa da União
Europeia. Como quinta e última prioridade temos o aumento do conhecimento e a
resposta eficaz a todas as formas de tráfico de seres humanos através do
desenvolvimento de um sistema europeu de recolha de dados.
Page 18
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
18
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
Em 2014 foi elaborado um relatório intercalar referente a essa estratégia com a
finalidade de fazer um balanço de como estaria a ser implementada na União Europeia.
Refere que foram alcançados progressos na identificação, protecção e assistência às
vítimas, tendo-se intensificado a prevenção do tráfico, aumentado a repressão aos
traficantes, bem como melhorado a coordenação, cooperação e coerência política.
Menciona ainda que os Estados Membros deverão continuar a trabalhar em conjunto e de
uma forma coordenada.
No entanto verifica-se que o tráfico de seres humanos continua a registar uma
expansão global. Para compreender as suas causas e os obstáculos inerentes ao seu
combate é importante articular três dimensões, sendo elas as migrações internacionais, a
segurança e os direitos humanos.
As migrações aumentaram com o processo da globalização e tem-se intensificado
com a redução de obstáculos à livre circulação das pessoas. O tráfico de seres humanos
encontra-se estritamente relacionado com as migrações transnacionais. A intensificação
dos fluxos migratórios abriu oportunidades para o desenvolvimento do negócio do tráfico
de seres humanos. A maioria das vítimas são migrantes à procura de melhores condições
de vida sendo aliciados em grande parte dos casos por falsas promessas de emprego.
Este tipo de criminalidade apresenta uma crescente atractividade no crime organizado
transnacional pois é considerada uma atividade criminosa de baixo nível de risco, pois as
vítimas são dissimuladas no meio do aumento dos fluxos migratórios o que dificulta a
atividade das autoridades dos países de destino na sua detecção, o que leva ainda a um
diminuto risco para os traficantes.
Com já foi mencionado no presente trabalho, a linha que separa as vítimas de
tráfico de seres humanos e os imigrantes ilegais é muito ténue. Na maioria dos países as
leis de imigração e as leis de tráfico de seres humanos foram desenvolvidas de forma
separada e não articulada existindo portanto algumas contradições, que segundo alguns
autores, reduzem a eficácia do combate ao tráfico de seres humanos. Certos autores
defendem ainda que as vítimas de tráfico são muitas vezes classificadas como imigrantes
ilegais, sendo expulsas em vez de receberem a protecção que lhes é devida. Esta
situação funciona como uma forma dos Estados se furtarem às suas responsabilidades de
apoio e protecção das vítimas, sendo portanto uma grave violação às suas obrigações
internacionais. Contudo tal não acontece sempre pois os Estados concedem o direito de
Page 19
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
19
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
permanências, através da emissão de autorizações de residência às vítimas de tráfico de
seres humanos que tenham sido identificadas como tal, passando assim a serem vistos
como imigrantes legais.
A multiplicação de conflitos que levaram a violações dos direitos humanos, as
novas ameaças transnacionais à segurança, tais como o terrorismo, a criminalidade
transnacional organizada, o tráfico de armas, droga e pessoas, entre outras, forma
factores que contribuíram para alterar a percepção sobre segurança. A segurança
humana surge como um conceito que engloba a segurança alimentar, económica,
ambiental, a segurança na saúde, a segurança pessoal e a segurança política. O novo
paradigma de segurança coloca a segurança do individuo ao mesmo nível da segurança
do Estado, que engloba a segurança das suas fronteiras e da integridade territorial, pois
considera-se que não é possível a existência de um Estado seguro com pessoas
inseguras. Alguns autores consideram que esta visão encara a segurança humana como
uma alternativa à segurança do Estado o que levanta algumas controvérsias. Eles
consideram que ambas se devem complementar para que a segurança humana seja um
dos objectivos da segurança do Estado. Este paradigma tem um impacto no tráfico de
seres humanos em três aspectos fundamentais.
Em primeiro lugar o tráfico constitui uma ameaça à segurança humana que atinge
qualquer individuo independentemente da idade, sexo, classe social e nacionalidade. Pelo
exposto verifica-se que o tráfico de seres humanos não incide apenas em mulheres
jovens, pobres e vulneráveis provenientes de países menos desenvolvidos mas abrange
qualquer indivíduo que apresente vulnerabilidades. O tráfico de seres humanos é um
factor de insegurança estando entre as suas causas outros factores tais como a pobreza,
a insegurança económica e a insegurança pessoal, as quais propiciam condições
favoráveis ao tráfico.
Em segundo lugar o combate ao tráfico encontra-se condicionado pela própria
definição de segurança do Estado e segurança humana. A difícil relação entre estes dois
conceitos gera dificuldades na forma como o tráfico de seres humanos é encarado pelos
Estados, bem como na protecção e apoio às vítimas. Verifica-se que apesar da
complementaridade destes dois tipos de segurança ainda predomina a ideia de que a
segurança do Estado se encontra ligada ao combate contra a criminalidade transnacional
e a segurança humana diz respeito à protecção da vítima e aos direitos humanos. Esta
Page 20
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
20
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
distinção acarreta problemas no combate ao tráfico de seres humanos na medida em que
dificulta a cooperação entre os diferentes atores envolvidos em tal luta.
O terceiro mas não menos importante aspeto a salientar é que o tráfico de seres
humanos constitui uma ameaça à segurança relativamente à qual os Estados não se
encontravam preparados para enfrentar, o que desencadeou um processo de reforma e
cooperação entre os Estados.
É portanto importante incorporar a segurança humana no próprio conceito de
segurança contribuindo desta forma para a redução do tráfico de seres humanos.
Relativamente aos direitos humanos verifica-se que o tráfico de seres humanos
põe em causa os direitos fundamentais bem como a dignidade do ser humano. No
entanto, o facto das vítimas de tráfico serem resgatadas da sua condição de exploração,
não quer dizer que tenha terminado a violação dos seus direitos humanos. Alguns autores
defendem que esta violação continua quando as vítimas passam para a esfera dos
Estados ou das organizações que as vão proteger. Tal acontece porque a sua protecção
inclui a integração em casas de abrigo o que poderá reforçar o estigma sobre elas bem
como suscitar questões relacionadas com a violação dos seus direitos devido à
permanente necessidade de lhes assegurar segurança privando-as da sua liberdade.
Entende-se que não devem ser impostas medidas restritivas dos seus direitos de forma a
não originar processos de re-vitimização. O desrespeito dos direitos humanos propicia o
risco de tráfico, no entanto o seu acolhimento no país de destino pode gerar novas
violações aos seus direitos.
3. Conclusão As políticas adotadas para combater o tráfico de seres humanos estão
relacionadas com a forma como se entende o tráfico. Assim todos os contributos dados
pelos estudos académicos sobre esta temática são importantes, pois permitem a
formulação de medidas políticas adequadas ao combate deste fenómeno.
Segundo Aronowitz a adopção da Convenção sobre o Crime Organizado e os
protocolos sobre o tráfico e a imigração ilegal foram passos importantes para a resolução
deste problema, na medida em que estabelecem uma definição para ambos os casos.
No entanto, e segundo Peixoto J. Soares in “O tráfico de migrantes em Portugal:
perspectivas sociológicas, jurídicas e políticas”, os casos reais identificados situam-se nos
Page 21
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
21
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
extremos entre o tráfico de seres humanos e o auxílio à imigração ilegal, existindo
diversos critérios que permitem a caracterização de cada um dos casos. O conhecimento
sobre a atuação dos traficantes, nomeadamente a sua organização e envolvimento em
grupos de crime organizado, é importantes para a compreensão deste fenómeno.
Nenhum país se deve considerar livre deste fenómeno, sendo necessário adequar
as respostas políticas, económicas e sociais, o que constitui por si só um grande desafio.
É necessário que a União Europeia reforce as políticas de prevenção e incentive a
cooperação entre os Estados Membros pois o tráfico de seres humanos é um fenómeno
que não conhece fronteiras e só com uma intervenção coordenada se poderá obter o
sucesso no seu combate.
4. Bibliografia
Livros
- Albano, M. 2010. O Combate ao Tráfico de Seres Humanos em Portugal
2007-2010. In Fogaça, C. (Coord.), Tráfico Desumano. Edição Cadernos da
Administração Interna. Colecção de Direitos Humanos e Cidadania.
- Ministério da Administração interna. 1995. Acordo de Schengen.
- Pedroso, Arménio. 2015. “O Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça da
União Europeia” in Jorge Bacelar Gouveia, (coord.), “Estudos de Direito e
Segurança” Vol I, Coimbra, Almedina.
- Piçarra, Nuno. 2015. “A União Europeia enquanto Espaço de Liberdade,
Segurança e Justiça: alguns desenvolvimentos recentes” in Jorge Bacelar Gouveia,
(coord.), “Estudos de Direito e Segurança” Vol I, Coimbra, Almedina.
- Santos, Boaventura. et al. 2008. “Tráfico de mulheres em Portugal para fins
de exploração sexual”; colecção estudos do género, Comissão para a cidadania e
igualdade do género; Lisboa.
Page 22
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
22
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
Documentos da internet
- Carneiro, R. (Coord). 2005. O tráfico de migrantes em Portugal:
perspectivas Sociológicas, Jurídicas e Políticas. Retirado de:
https://books.google.pt/
- Comissão Europeia. “Compreender as Políticas da União Europeia:
Fronteiras e Segurança”. 2014. Retirado de:
http://europa.eu/pol/pdf/flipbook/pt/borders_and_security_pt.pdf
- Comissão Europeia. “Como conseguir uma Europa aberta e segura”. 2014.
Retirado de:
http://ec.europa.eu/dgs/home-affairs/e-library/documents/basic-
documents/docs/an_open_and_secure_europe_-_making_it_happen_pt.pdf
- Comissão Europeia. “O espaço Schengen” Retirado de:
http://ec.europa.eu/dgs/home-affairs/e-
library/docs/schengen_brochure/schengen_brochure_dr3111126_pt.pdf
- Costa, J. 2011. “Tráfico de Seres Humanos”. Retirado de:
http://www.verbojuridico.net/doutrina/2011/joanacosta_traficosereshumanos.
pdf
- Costa. P. 2006. “O tráfico de pessoas e o auxílio à imigração ilegal em
Portugal: análise de processos judiciais” Retirado de:
http://pmcosta.com.sapo.pt/wp03.pdf
- EUROSTAT. 2013. “Trafficking in human beings.” Retirado de:
http://ec.europa.eu/anti-trafficking/
- Kellen, J. 2005. “A investigação do auxílio à imigração ilegal e
criminalidade conexa – a experiência do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras”.
Retirado de: http://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/wp200505.pdf
- Lucas, A. 2013. “Tráfico de seres humanos: a escravatura do seculo XXI”.
Retirado de: http://www.alem-mar.org/
- O Acervo de Schengen. 1999. Retirado de:
https://www.consilium.europa.eu/uedocs/cmsUpload/SCH.ACQUIS-PT.pdf
- Salvador. I. 2013. “O papel da GNR no combate ao tráfico de seres
humanos em território nacional” Retirado de:
Page 23
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
23
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
http://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/7705/1/Salvador%20TIA%20p%C
3%B3s%20defesa.pdf
- Tavares. A. 2012. “O tráfico de pessoas”. Retirado de:
http://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/3329/3/Trabalho_21003.pdf
Legislação e outros documentos
- Código Penal
- Decisão do Conselho 2009/371/JAI; Jornal Oficial da União Europeia
- Diretiva 2011/36/UE, Jornal Oficial da União Europeia de 15 abril 2011
- III plano nacional contra o tráfico de seres humanos, Diário da república, 1ª
serie, Dezembro 2013
- Lei nº 23/2007
- Manual das Nações Unidas contra o tráfico de Pessoas;
- Protocolo contra o tráfico de pessoas;
- Protocolo contra o tráfico de migrantes;
- Relatório anual do III plano nacional de prevenção e combate ao tráfico de
seres humanos, Comissão para a cidadania e igualdade de género, 2014,
- Tratado de Amesterdão;
Sites da internet
- https://www.cepol.europa.eu/
- http://www.dgai.mai.gov.pt/
- http://eur-lex.europa.eu/
- http://europa.eu/rapid/press-release_IP-13-322_pt.htm
http://eeas.europa.eu/delegations/cape_verde/press_corner/all_news/news/2
014/trafico_pt.htm
- http://www.europarl.europa.eu/
- http://www.otsh.mai.gov.pt
Page 24
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 37 | agosto de 2016
24
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
AGOSTO
2016
Nº 37
-https://www.unodc.org/documents/human-
trafficking/2009_UNODC_TIP_Manual_PT_-_wide_use.pdf
- http://www.sef.pt
- http://www.sg.mai.gov.pt/