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Lingustica Aplicada das Profisses
VOLUME 16 n 1 - 2012
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O trabalho com a oralidade/variedades lingusticas no ensino de
Lngua Portuguesa
Lucia Furtado de Mendona Cyranka1
Tnia Guedes Magalhes2
RESUMO: O objetivo deste artigo apresentar reflexes sobre o
trabalho escolar com a lngua materna, mais
especificamente sobre dois tpicos centrais: a modalidade oral
(MARCUSCHI, 2001; SCHNEUWLY E DOLZ,
2004), e a variao lingustica (BORTONI-RICARDO, 2004).
Primeiramente, apresentamos as questes tericas
referentes aos temas, para, em seguida, apresentar resultados de
pesquisa desenvolvidas no mbito do GRUPO
FALE/UFJF, que tem priorizado a metodologia de pesquisa-ao. Os
resultados mostram que possvel realizar
um trabalho de desenvolvimento de competncias para o uso da
lngua portuguesa. Verificou-se tambm a
importncia de se integrar, na pesquisa, a formao continuada dos
professores com intervenes numa
perspectiva interacionista de linguagem.
Palavras-chave: ensino de lngua portuguesa; oralidade; variao
lingustica.
Introduo
A gramtica normativa direcionou, ao longo de muitos anos, as
aulas de Lngua
Portuguesa (LP) no Ensino Fundamental e Mdio. No decorrer de
mais de trs dcadas,
discutimos e questionamos a validade desse ensino exclusivamente
metalingustico. Contudo,
1 Dra. em Letras pela UFF, professora da Faculdade de Educao
(UFJF). [email protected]
2 Dra. Em Letras pela UFF, professora da Faculdade de Educao
(UFJF). [email protected]
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ainda hoje, aps tantos anos de debate e da formulao de
diretrizes, precisamos abordar, mais
uma vez, o Ensino de LP. Percebemos, durante a realizao de
atividades de pesquisa e
extenso em escolas pblicas diversas, que o tema ainda de extrema
relevncia. Ademais,
duas dimenses pouco trabalhadas na escola so as prticas de
oralidade e a
educao sociolingustica, das quais trataremos no presente
artigo.
Definimos, preliminarmente, como sujeito alvo de nossa reflexo,
o aluno falante da
LP. Nesse caso, ensinar a lngua pressupe um trabalho de
desenvolvimento de competncias. O ponto de partida , portanto, a
conscincia de que esse aluno domina
suficientemente a gramtica implcita da lngua, isto , conhece e
utiliza, competentemente, as
estruturas fontico/fonolgicas, morfossintticas e
semntico/pragmticas que o tornam capaz
de produzir sequncias lingusticas reconhecidas como sendo da LP.
E, mais que isso, revela o
domnio de recursos discursivos indispensveis para propor e
manter relaes nas redes
sociais de que participa, de acordo com suas vivncias, sua idade
cronolgica, suas
experincias, enfim. Nesse caso, a tarefa da escola comea muito
alm do que normalmente se
considera. A ela cabe promover aes que levem o aluno a ampliar
capacidades para sua
participao eficiente nas prticas de letramento requeridas pela
sociedade.
Comecemos nossas reflexes, pela questo do tratamento da
oralidade na escola.
1. Oralidade e ensino de Lngua Portuguesa
Aps alguns anos de reflexo sobre metodologias para o Ensino de
Lnguas, em que se
pretendeu desestabilizar a predominncia da metalinguagem com um
fim em si mesma, os
professores tm nos questionado sobre o que trabalhar, ento. Para
responder a essa pergunta, assumimos uma concepo de lngua como
interao (BAKHTIN, 2006;
TRAVAGLIA, 2000), concepo essa que permite mostrar sociedade a
existncia de uma
pluralidade de discursos e, desse modo, trazer o texto, oral ou
escrito, para o centro de todo o
processo de ensino de LP. Assim, defendemos que um ensino de
base normativa, com a
norma culta como nica variedade permitida, deveria ser
substitudo por um ensino de base discursiva, cujo foco ser a
reflexo sobre o uso da lngua.
Uma das dificuldades da escola atual, na formao de um cidado que
interage por
meio da linguagem, est na seleo de contedos e na sistematizao do
conhecimento
adotando-se essa concepo, uma vez que essa escolha implica
seleo, hierarquizao e
primazia de temas, alm de requerer conhecimento. Contudo, a
polmica no pode impedir
que faamos anlises, tomemos decises e escolhamos efetivamente o
que consideramos
fundamental para os alunos: contedos mninos pensados em termos
de desenvolvimento de
capacidades, habilidades e aes voltadas linguagem. A partir da
perspectiva interacionista,
reforamos os pressupostos que defendem um ensino de LP voltado a
pensar levando em conta uma sociedade cheia de contradies na relao
entre os sujeitos, na ao dos sujeitos, na participao dos
sujeitos.
Em decorrncia disso, tornou-se comum o pressuposto de que se
deve adotar a
oralidade como objeto de ensino, embora haja dvidas sobre como
abord-la. Em virtude das
exigncias de uso da modalidade oral no s do contexto escolar,
como tambm das diversas
instncias sociais, considera-se necessrio expandir, ou talvez
implantar, atividades que
contribuam para a ampliao da proficincia oral do aluno. As
prticas de oralidade na escola
so, contudo, quase inexistentes (MARCUSCHI, 2003; MAGALHES,
2005/2006). O que
vemos so atividades que apenas usam a modalidade falada, como
conversas com colegas,
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discusses em grupo e correo de exerccios feita oralmente para
outros focos que no o estudo e a sistematizao de conhecimento sobre
os gneros orais e o continuum oralidade-
letramento.
Conceber oralidade como prtica social na modalidade falada da
lngua significa, para
o ensino, usar os gneros textuais orais, selecionados a partir
das reflexes do corpo docente,
contemplando, de fato, uma proposta de prtica social e
discursiva. Em se tratando de
propostas pedaggicas, o ensino sistematizado da oralidade
envolve a interao com textos
por meio de escuta, produo oral e anlise lingustica (ou reflexo
lingustica). Com base
nelas, so construdos conhecimentos e conceitos sobre a
linguagem, sobre os papis sociais
envolvidos na interao, sobre as relaes entre fala e escrita, bem
como a insero do aluno
em atividades de oralidade letrada3. A lngua falada est em foco,
tanto no uso quanto na
reflexo e no apenas sendo usada para outros fins.
Produzir textos na modalidade falada significa que os alunos
devem ser orientados
tanto para a preparao prvia quanto para o uso (BRASIL/MEC,
1998). Essa preparao
prvia abarca uma excelente oportunidade de reflexo sobre a
situao de comunicao, o
pblico-alvo, a estrutura de participao dos interagentes e as
especificidades do gnero,
incluindo elaborao de quaisquer suportes (cartazes, esquemas,
slides, etc). O uso privilegia
situaes reais de interlocuo (gneros por natureza orais)
adequados aos projetos escolares.
Desse modo, os alunos precisam ler/ouvir textos de referncia,
por meio de atividades que
proporcionem um conhecimento da situao de comunicao, o que pode
ser feito com
atividades de escuta, que descreveremos abaixo. Na produo de
textos orais, o aluno aprende
a considerar os papis assumidos pelos participantes, o que leva
escolha de uma variedade
lingustica adequada situao. Alm disso, devem ser evidenciadas as
atividades de
monitoramento do prprio texto oral, considerando possveis
efeitos de sentido produzidos
pela utilizao de elementos no verbais, dos suportes e
considerando as possibilidades de
modificaes e recondues no decorrer da fala.
Para a compreenso de textos na modalidade escrita, propomos a
leitura; numa
perspectiva do continuum oralidade/letramento, na oralidade,
propomos a recepo ou a
escuta de textos4. A escuta proporciona aos alunos presenciar
(ou assistir a vdeos de)
situaes reais de interlocuo. Atravs dela, o aluno, ouvindo ou
participando ativamente
com interferncias, previamente orientado pelo professor, faz
anotaes para apreenso do
tema e toma conhecimento da estrutura de participao dos eventos
lingusticos em questo.
A escuta, ao vivo ou gravada, de autoria dos alunos ou no,
relevante para o processo de
aprendizagem, pois as gravaes conferem anlise um verdadeiro
entendimento da relao
fala-escrita, uma vez que se pode transcrever os dados, voltar a
trechos que no tenham sido
bem compreendidos, dar nfase a trechos que mostrem
caractersticas tpicas da fala, entre
outros. Defendemos, na linha dos autores citados e dos PCN, que
haja momentos exclusivos
para o tratamento da escuta na escola, em que a oralidade, no
seu aspecto social, o foco do
aprendizado. Na escuta, apresentamos aos alunos um gnero textual
oral (como o seminrio, a
3 Kato (1986) afirma que a lngua falada culta consequncia do
letramento, motivo pelo qual, indiretamente,
funo da escola desenvolver no aluno o domnio da linguagem falada
institucionalmente aceita; assim,
oralidade letrada refere-se s situaes orais pblicas de uso
socialmente requerido em espaos pblicos e
formais de comunicao. 4 No queremos, com esse termo, significar
passividade. Pelo contrrio, estamos de acordo com os
pressupostos
de leitura como interao autor/leitor/texto para a plena
compreenso, conforme Kleiman (2000) e Koch (2006);
sendo assim, entendemos a escuta, termo proposto pelos PCN de LP
(1998), como atividade de compreenso e
reflexo a partir do contato direto com textos da modalidade
falada, permitida quando o aluno assiste a vdeos de
notcias, reportagens, debates, ou est presente em seminrios,
palestras e mesas-redondas.
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palestra, a entrevista, o debate, a mesa-redonda entre outros)
como um modelo a ser apreendido, j que eles produziro o seu prprio
em seguida, fazendo-se as adaptaes
necessrias ao projeto escolar. Logo depois, assim como fazemos
na escrita, podemos avaliar,
aps uma produo, se o gnero oral realizado realmente contemplou
os aspectos discursivos
esperados.
As atividades de anlise lingustica5 (AL) esto intimamente
relacionadas s de escuta.
A reflexo sobre a linguagem permite que faamos consideraes sobre
contextos de
produo, relacionando-os s variedades e a outros conceitos
lingusticos to necessrios
competncia discursiva dos alunos. Diversos autores (BRASIL/MEC,
1998; RAMOS, 1999;
MARCUSCHI, 2001; FVERO et al, 2005) afirmam que a abertura da
escola para a
modalidade oral possibilita colocar fala e escrita no mesmo
status de importncia, fato que
contribui para que se minimize o ponto de vista de que a escrita
superior fala. Em relao
s variedades, analisar produes orais de variedades no
prestigiadas socialmente constitui o
momento propcio para comear a diminuir a ideia de que a fala
correta a que se aproxima da escrita. O ensino centralizado em erro
e acerto, dessa forma, perde sentido, ganhando espao a noo de
adequao. Ademais, a reflexo abrange uma conscientizao para o
respeito s variedades menos prestigiadas em nossa sociedade,
como veremos na seo 3
deste artigo.
A anlise lingustica do texto oral comporta reflexo sobre a
linguagem pelo caminho
inverso do realizado h tantos anos no ensino: que tratemos do
discurso/texto para alcanar os
outros nveis de anlise lingustica (semntico, sinttico,
morfolgico e fontico/fonolgico).
Isso permite explicar os efeitos de sentido produzidos em funo
da interlocuo, avaliar a
adequao das produes ao contexto e reconhecer as intenes dos
interlocutores. Como fala
e escrita no dia a dia seguem padres diferentes, precisamos
refletir sobre a escolha lexical,
sobre a organizao sinttica do discurso oral, sobre coeso e
coerncia, que proporcionam
consolidar conhecimentos sobre a dinmica e a heterogeneidade da
linguagem. No podemos
esquecer de analisar, na oralidade, a significao produzida por
elementos prosdicos (como o
ritmo, a entonao, as pausas, as hesitaes, as repeties, os
alongamentos) e por elementos
no-verbais6 (como os gestos, as expresses faciais, o riso, o
olhar, os movimentos corporais
que acompanham a fala), que tm papel fundamental na interao face
a face.
Alinhados a esse embasamento, propusemos a pesquisa Gneros orais
no ensino fundamental e mdio: teoria e prtica
7 que buscou investigar que conceitos esto envolvidos no
trabalho com a oralidade necessrios formao do professor e que
procedimentos podem
ser realizados na escola, de forma a contribuir com o
desenvolvimento da oralidade dos
alunos de Ensino Fundamental e Mdio. Na seo seguinte, trataremos
de relatar parte dessa
experincia.
1.1. Na escola, a oralidade como objeto de ensino
5 Na anlise lingustica, sugerimos, conforme Marcuschi (2001), as
atividades de retextualizao, que permitem,
na passagem do oral ao escrito e vice-versa, apreender
conhecimentos sobre o continuum oralidade-escrita a
partir das transformaes realizadas. No trataremos, contudo,
neste artigo, desse tema. 6 ou paralingusticos (cf. MARCUSCHI,
1986).
7 Pesquisa-ao desenvolvida em 2007/2008 no Colgio de Aplicao Joo
XXIII (UFJF), quando uma das
autoras, Profa. Tnia G. Magalhes, era professora do Colgio em
questo.
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A pesquisa citada pretendeu buscar novas metodologias para o
desenvolvimento da
oralidade letrada dos alunos, elencando os gneros orais
adequados aos segmentos em questo
por meio de sequncias didticas8 e atividades diversas com gneros
orais em sala de aula,
que proporcionaram o contato, a produo, a anlise e a apreenso de
conceitos e prticas
discursivas na modalidade oral. Relataremos, neste artigo,
apenas as atividades destinadas ao
Ensino Mdio.
Utilizamos como metodologia, numa perspectiva qualitativa, a
pesquisa-ao
(KEMMIS & MC. TAGGART, 1988). Ela se caracteriza por a) ser
desenvolvida pelo prprio
professor/pesquisador e no por um pesquisador externo, que
apenas observa, descreve e
compreende o fenmeno; b) ser colaborativa, pois o
professor/pesquisador est inserido no
contexto a ser pesquisado; c) ter objetivos de mudanas, pois h
uma interveno na realidade.
Utilizamos, como instrumento de coleta de dados, observao,
gravao em vdeo e udio e
notas de campo. Para esses autores, a motivao inicial para
desenvolver esse tipo de pesquisa
mudar o sistema, facilitado pela participao do professor em todo
o processo, refletindo
criticamente sobre sua ao e aprimorando sua prtica.
A partir da constatao de que pouco se desenvolvem prticas de
oralidade em sala de
aula, tanto porque o livro didtico pouco estimula esse trabalho,
quanto porque os professores
no a enfatizam, percebemos que, no Colgio de Aplicao, a situao
no era diferente: um
claro privilgio de atividades de escrita. Nas sries iniciais,
isso se d porque o perodo em
que se consolida o processo de aquisio do cdigo escrito, e no
Ensino Mdio, porque a
escola se volta aos programas de vestibular.
Para inserir o trabalho com a oralidade no currculo, propusemos
um Mdulo9
denominado Falar e ouvir: ampliando suas potencialidades
comunicativas. O Mdulo tinha a carga horria de 50 minutos semanais
(uma aula por semana) durante um trimestre
10
(aproximadamente 14 aulas de 50 minutos). Nessas aulas, fizemos
realmente um ensino de
oralidade, desenvolvendo as atividades que enfocavam a preparao
prvia, a produo oral, a
escuta e a avaliao da produo, bem como a anlise lingustica da
modalidade falada. Vale
destacar que os estudantes escolhiam os Mdulos que queriam
cursar (a partir de uma grande
oferta de temas nas mais diversas reas do conhecimento), j que
eles faziam parte da carga
horria curricular. Alm disso, os Mdulos envolviam alunos do 1 ao
3 anos do EM, uma
vez que eles no eram definidos por srie e, sim, por
interesse.
Para facilitar a anlise de nossos dados, elencamos, abaixo,
algumas categorias.
a) Observao na escola e levantamento (por questionrio) dos
gneros mais recorrentes
Nessa etapa, observamos raras abordagens com a oralidade em todo
o corpo docente.
O gnero textual mais desenvolvido na escola o seminrio. Dos 18
professores que
responderam ao questionrio, 100% trabalham com apresentao de
trabalho ou seminrio,
sem, contudo, dar orientaes para isso (em geral, os docentes
dividem os temas entre os
alunos e marcam a data para apresentao; em seguida, afirmam que
o seminrio deve ser
8 Cf. Schneuwly e Dolz (2004).
9 Os Mdulos de Desenvolvimento de Competncias (MDC) fizeram
parte de um Projeto de Reforma Curricular
do Ensino Mdio do Colgio de Aplicao Joo XXIII (UFJF). Tal
reforma comeou a ser discutida em 1999 e
foi implantada em 2003. Tinha a proposta de flexibilizao da
antiga grade curricular, de modo que pudessem
ser construdos espaos de prticas sustentadas numa abordagem mais
integrada dos contedos, prticas mais
participativas, um novo modelo de avaliao e o envolvimento mais
estreito com a atividade de pesquisa e
reflexo. 10
O Colgio de Aplicao Joo XXIII, diferentemente de muitas escolas,
distribui sua carga horria anual em
trs trimestre letivos.
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formal, utilizar linguagem culta e se for necessrio, usar
suportes; na avaliao, analisam se os
alunos usaram linguagem adequada e se o contedo foi bem
transmitido).
Alm disso, identificamos dois trabalhos realizados com a
oralidade nas sries iniciais:
a leitura dramatizada11
e a contao de histrias, que privilegiam produes orais menos
comuns.
Nos questionrios, como j era esperado, os professores relatam
como atividades de
oralidade a leitura de textos, a correo de exerccios oralmente o
que, para ns, no se configura como prtica de oralidade, conforme
defende Marcuschi (1997), e as discusses em grupo ou conversar com
colegas, que so atividades na modalidade oral, mas no a enfocam
como objeto de ensino.
b) Aplicao de questionrio aos alunos do Mdulo
Inicialmente, investigamos as crenas dos alunos sobre a fala e
os consultamos sobre
quais gneros gostariam de aprender, adequados formao escolar.
Nessa etapa, percebemos
o quanto de lacuna a escola apresenta na formao lingustica dos
alunos, pois est centrada
na perspectiva da dicotomia, considerando fala e escrita como
duas lnguas diferentes, na superioridade da escrita e na falta de
significado da aprendizagem da oralidade.
c) Desenvolvimento de atividades de oralidade
Cientes das crenas e desejos dos alunos e aliados aos
pressupostos tericos que
elencamos durante a realizao da pesquisa, desenvolvemos diversas
atividades que
enfocavam o ensino de oralidade. Inicialmente, procedemos a uma
apresentao individual:
nesta atividade, os alunos, sem preparao alguma, apresentam-se
para os colegas, falando
sobre si mesmos, sua famlia e seu convvio social; falam sobre a
vida escolar e profissional; a
apresentao filmada. Em seguida, assistimos tais apresentaes para
ressaltar
caractersticas da oralidade: tom de voz, entonao, velocidade da
fala, ausncia de
planejamento e ausncia de uso de suportes criando dificuldades
na fala improvisada,
expresso corporal e facial como construtoras de significados na
interao. Alm disso,
tratamos, com os adolescentes, da aceitao da prpria imagem, uma
vez que, na fala pblica,
ela fica em evidncia, o que conflita com a timidez de muitos e a
crtica tpica dessa faixa
etria.
Durante as aulas seguintes, fizemos exerccios relativos oratria,
em que eram
dados exerccios de respirao, dico, postura, de velocidade da
fala e de entonao, bem
como de expresso corporal e facial como constitutivas da
significao. Fizemos tambm
atividades de leitura oral para apresentao ao pblico, de forma
que os alunos ficassem
conscientes da necessidade de uma boa entonao, das nfases, da
pontuao adequada para a
plena compreenso da leitura por uma plateia. Nesses exerccios,
em que enfocamos as
atividades prosdicas, os alunos puderam aliar seus conhecimentos
gramaticais (como o uso
de vrgulas e pontuao na escrita) aos de oralidade, percebendo
como uma leitura oral feita
de forma adequada, com as necessrias pausas e entonao, produz
sentido para o ouvinte.
Os alunos escolheram conhecer e aperfeioar os gneros textuais
orais seminrio,
mesa-redonda, debate e palestra. Para tanto, realizamos
atividades de preparao prvia,
produo do texto, escuta e anlise da lngua.
11
Um relato sobre as atividades prosdicas como a leitura
dramatizada encontra-se em
http://www.editoraufjf.com.br/revista/index.php/revistainstrumento/article/viewFile/1186/964
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Propusemos, para a escuta, uma palestra sobre Variao Lingustica
em que os alunos
tiveram a oportunidade de receber um renomado professor da
UFJF12
. Antes da palestra, eles
pesquisaram sobre o tema em questo, leram uma pequena biografia
do professor e
elaboraram possveis perguntas, sob orientao da professora do
Mdulo, para serem
propostas no momento da palestra. Tratamos da importncia de
conhecer o tema, do
comportamento adequado, da formalidade do gnero e da interveno
dos alunos nesse evento
que, em geral, feita ao final. No momento de escuta da palestra,
os alunos portaram-se como combinado, fazendo suas perguntas ao
final, usando, para isso, a variedade adequada. A
recepo dos alunos ao professor e ao tema tratado foi
extremamente proveitosa.
Na mesa-redonda, que tratou de temas relativos s profisses
universitrias (j que os
alunos estavam no EM e, em breve, fariam vestibular) procedemos
da mesma forma:
preparao com pesquisa aos temas escolhidos (no caso, profisses),
seleo de convidados,
elaborao de perguntas. Durante a escuta da mesa-redonda, os
alunos fizeram perguntas aos
convidados, utilizaram variedades adequadas e entenderam a
estrutura de participao do
evento. Nas aulas seguintes, procedemos a uma avaliao dessa
atividade, examinando se os
alunos portaram-se de forma adequada e se fizeram intervenes e
colaboraes apropriadas.
Nesse sentido, entenderam que ouvir uma palestra ou uma
mesa-redonda requer certa preparao, ao contrrio do que feito, em
geral, nas escolas.
No seminrio e no debate, em que os alunos participaram
ativamente como
produtores do texto oral, procedemos preparao prvia como coleta
de material, diviso de
grupos, estudo dos temas escolhidos, treinamento da fala
(voltando aos exerccios de leitura
oral, de entonao da voz, exerccios de dico, questes de postura e
manuseio de suportes
diversos). No caso do debate, assistimos a um da rede MTV (sobre
aborto), em que Lobo, o
mediador, no realiza seu papel e, por isso, o debate ocorre de
forma to desorganizada que os
participantes no se entendem, ou seja, o debate perde seu
objetivo. Nessa atividade, fizemos
um longo exerccio de anlise das vrias partes do debate, da
participao dos convidados, das
caractersticas da fala e da argumentao. Em seguida, os alunos
realizaram um seminrio e
participaram de um debate em que foram filmados, para, nas aulas
seguintes, haver escuta dos
eventos e se proceder s devidas anlises (se as questes de
prosdia foram adequadas, se os
suportes usados contriburam com a apresentao, se a participao
dos alunos foi bem
distribuda em termos de tempo planejado para cada fala, se
cumpriram o objetivo
comunicativo dos gneros seminrio e debate, etc). Na avaliao, a
professora comenta
pequenos deslizes que foram cometidos nas apresentaes, para que,
nas outras produes
orais, no sejam cometidos novamente.
d) Avaliao dos resultados com os professores do Colgio: na
avaliao que fizemos da
pesquisa, solicitamos aos professores de diversas disciplinas
dos alunos matriculados no
Mdulo Falar e ouvir: ampliando suas potencialidades
comunicativas que avaliassem os alunos em seus seminrios (em
disciplinas como Biologia, Histria, Geografia e Literatura).
Os professores perceberam um desempenho melhor dos alunos que
cursaram o Mdulo, em
comparao com outros alunos da sala, avaliando os seguintes
critrios: uso de recursos
audiovisuais pertinentes e bem elaborados, entrega de roteiro
impresso para os ouvintes,
diviso adequada do tempo entre os integrantes do seminrio e,
principalmente, adequao ao
gnero seminrio, em que o aluno domina um tema, torna-se
especialista nele e o expe a
12
Contamos, no Colgio Joo XXIII, com a presena do saudoso Prof.
Dr. Mario Roberto L. Zgari, falecido em
15/05/10 , professor e pesquisador da UFJF desde 1965. O
professor contribuiu com a formao de vrias
geraes da atual Faculdade de Letras da UFJF.
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uma plateia. Alm disso, houve uso de linguagem apropriada ao
gnero, domnio da oratria
com adequada entonao, utilizao do espao da sala e expresso
corporal e facial adequada.
Alunos que no participaram desse Mdulo, em contrapartida,
fizeram leitura em voz alta de
trechos recortados, divididos entre colegas, o que configuraria
como uma oralizao da
escrita, como geralmente se v na apresentao de seminrios.
e) Avaliao dos resultados com os alunos do mdulo: notamos, de
forma geral, uma
excelente aceitao de todas as atividades do Mdulo e satisfatrios
resultados obtidos com as
atividades propostas. A totalidade dos alunos colocou em prtica
os recursos prosdicos
ensinados, monitorando a prpria fala, adequando a linguagem a
uma situao mais formal de
uso, pouco comum na fase em que se encontram. Alm disso,
demonstraram, no seminrio e
no debate, bastante domnio dos temas, uma vez que houve, na
preparao prvia, pesquisa de
material, seleo de trechos e treinamento para a produo. Mesmo os
que leram trechos,
tomaram o cuidado de distribuir o olhar para a plateia e fazer
as devidas nfases e entonaes,
a fim de que houvesse compreenso. Todos utilizaram recursos
audiovisuais adequados, o que
deixou as apresentaes mais interessantes e claras. Quanto aos
alunos ouvintes, mostraram
respeito e interesse pelas produes orais. Foi perceptvel a
timidez de alguns, mas nada que
atrapalhasse o andamento de qualquer atividade.
Nessa pesquisa, pudemos entender, assim, que o ensino da
oralidade se reflete em
todas as esferas de saber do aluno, contribuindo para a ampliao
de sua competncia
discursiva. Desse modo, reforamos a defesa de uma abertura da
escola para o ensino da
oralidade, adotando a perspectiva de lngua como um feixe de
variedades, que promover
melhor compreenso e aceitao das diferenas dialetais, que
passamos a abordar.
2. Educao sociolingustica
Do ponto de vista da educao sociolingustica, a questo crucial
consiste em se
introduzir, no trabalho escolar com lngua portuguesa, o princpio
da heterogeneidade
lingustica e suas consequncias. Nesse caso, a variao passa a ser
vista como fenmeno
natural e legtimo, o que determina a construo de crenas
positivas, no aluno e no professor,
relativamente competncia dos falantes nativos. Correo e erro
adquirem significado
diferente do tradicionalmente praticado na escola. O
investimento do professor se dar a partir
do que o aluno j sabe, isto , orientar seu trabalho na formao do
leitor maduro e
competente nas prticas de letramento ampliadas na direo das
multimodalidades utilizadas
na sociedade moderna. Nesse sentido, assim se expressa Rojo
(2009, p. 107): Um dos objetivos principais da escola justamente
possibilitar que seus alunos possam participar das
vrias prticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita
(letramentos) na vida da cidade,
de maneira tica, crtica e democrtica. Infelizmente, porm,
podemos dizer que tal objetivo permanece, frequentemente ainda
inalcanado na escola brasileira. Isso porque h que se
desconstruir, preliminarmente, uma
srie de preconceitos fundados numa concepo equivocada de lngua
como fenmeno
estvel; de lngua padro como modelo fundado na ideologia do
melhor, do socialmente
reconhecido como legtimo, cristalizado no exemplo modelar a ser
seguido, ainda que esse
modelo tenha se constitudo noutros contextos scio-histricos,
cuja prevalncia na contemporaneidade no faz mais sentido.
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O ponto de partida parece ser o reconhecimento de que, como
adverte Bakhtin (2006),
conforme j foi discutido no item 2 deste artigo, a linguagem um
produto da atividade
humana coletiva e que, portanto, no se desvincula do contedo
ideolgico dos grupos sociais
que a utilizam. Desse modo, fica ela sujeita s alteraes
determinadas pelos falantes que a
utilizam, todos eles, como lembrado acima, sujeitos s
determinaes da scio-histria.
A Sociolingustica aponta nessa direo evidenciando as relaes
entre lngua e
sociedade. Nesse caso, todas as estruturas lingusticas
utilizadas por falantes, sejam elas quais
forem, sejam eles quem forem, so legtimas e como tal devem ser
reconhecidas. Perini (2010,
p. 21), discutindo essa questo assegura ser legtima toda e
qualquer ocorrncia lingustica em
uso: Para ns, certo aquilo que ocorre na lngua. Labov (2008), em
suas pesquisas sobre o tratamento dado ao [r] em posio ps-
voclica pelos vendedores das lojas de Nova York, concluiu haver
estreita relao entre o
padro scio-econmico do falante e suas escolhas lingusticas. No
Brasil, dentre inmeras outras estruturas, a ausncia sistemtica de
concordncia de nmero nos sintagmas nominais
constitui um esteretipo que se correlaciona com o nvel
scio-econmico do falante.13
A variao e a mudana so, portanto, dois fenmenos que devem
subsidiar o trabalho
com a linguagem na escola. As atividades didticas que, pelo
menos, no inclurem esse
pressuposto so, no mnimo, ingnuas e improdutivas quanto ao
desenvolvimento de
competncias de uso da lngua.
Temos que reconhecer, no entanto, que esta no uma tradio, tanto
na escola
brasileira, quanto na de outros pases, justamente porque a
reflexo sociolingustica e todas as
consequncias derivadas da lingustica da enunciao, olhadas na
dimenso da histria da
Lingustica e sua influncia no trabalho escolar com a lngua, so
relativamente recentes. Da
a necessidade de se investir nessa rea, construindo, num
trabalho conjunto com os
professores que atuam no Ensino Fundamental, principalmente, mas
tambm no Ensino
Mdio, uma reflexo fundamentada nesses princpios, de modo que
favorea a construo de
metodologia eficaz para se promover uma educao lingustica capaz
de realizar a importante
tarefa de formar alunos que conquistem sua autonomia nas prticas
de letramento da
sociedade moderna.
Nesse caso, as atividades escolares devem estar centradas,
prioritariamente, na
formao do leitor e do escritor maduros, que sabem recorrer
teoria gramatical como apoio
seleo de estruturas e recursos discursivos para tornar sua
expresso lingustica mais
eficiente e produtiva na sua interao com o leitor ou
interlocutor. Ou ainda, para ser capaz de
interagir com o texto, buscando reconhecer os efeitos de sentido
que por ali transitam. Nesse
sentido, afirma Possenti (200l, p. 9): O verdadeiro problema da
escola no acertar a forma gramatical. O verdadeiro problema que de
cidadania, de insero de circulao pelos discursos. O que se poderia
dizer que esse um problema de leitura e de escrita.
Ensinar a ler e a escrever deve ser um processo integrado a um
saber lingustico
anterior, isto , um processo que no pode desconhecer a
competncia lingustica que o aluno
j adquiriu ao longo de sua vida, centrado nas experincias
vividas na sua rede social. Nela
veicula, obrigatoriamente, uma ideologia, um certo conjunto de
ideias e de crenas que do
unidade quele determinado grupo. A lngua est impregnada dessa
cultura e, desse modo,
carrega e revela essas experincias ao longo do processo histrico
em que ela se constitui,
alterando-se, enriquecendo-se, peculiarizando-se, segundo as
dimenses sociais em que
utilizada.
13
Sobre indicadores, marcadores e esteretipos, v. Labov, 1972.
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As variedades lingusticas, ou diferenas dialetais, so o
resultado dessa complexa e
diferenciada constituio e vo sendo marcadas e reconhecidas a
partir de determinado
critrio de valorizao/desvalorizao dos grupos sociais que as
utilizam. Nas sociedades em
que as diferenas econmicas esto na base da constituio desses
grupos, como o caso do
Brasil, o valor positivo atribudo s variedades lingusticas
diretamente proporcional a essas
diferenas. Bortoni-Ricardo (2005, p. 131) esclarece:
No Brasil, a variao est ligada estratificao social e dicotomia
rural-
urbano. Pode-se dizer que o principal fator de variao lingustica
no Brasil
a secular m distribuio de bens materiais e o consequente acesso
restrito da
populao pobre aos bens da cultura dominante. Diferentemente de
outros
pases, como os Estados Unidos, por exemplo, a variao lingustica
no
um ndice sociossimblico de etnicidade, exceto nas comunidades
bilingues,
sejam as de colonizao europeia ou asitica, sejam as das naes
indgenas.
Na escola pblica brasileira, principalmente, cujos alunos, em
geral, pertencem a
comunidades de falantes de variedades lingusticas menos
valorizadas, porque seu grupo
social tambm o , esse deve ser um importante pressuposto do
planejamento dos professores.
Isso para que no ocorra que suas aulas no incluam aqueles para
quem foram planejadas, do
que pode resultar um trabalho no vazio, que no promova o
desenvolvimento de competncias
de uso das outras variedades ainda desconhecidas de seus
alunos.
2.1. Os desafios da sala de aula
Isso posto, passemos a refletir sobre o que possvel fazer para
se superar a tradio
paralisante do trabalho com a linguagem na escola, do ponto de
vista da ausncia de uma
pedagogia da variao lingustica para o desenvolvimento de
competncias.
Em importante obra elaborada sobre as relaes entre lngua,
cultura e sociedade,
Hanks (2008, p. 36) utiliza dois conceitos de Bourdieu (1985),
que retomaremos aqui. O
primeiro deles o de habitus, assim explicitado:
Em princpio, o habitus diz respeito reproduo, na medida em que
ele
explica as regularidades imanentes prtica. O habitus explica
a
regularidade tendo como parmetro a incorporao (embedding) do
agente ao mundo social e o fato de os atores serem
socialmente
constitudos por orientaes e formas de ao relativamente estveis.
[...]
Atravs do habitus, o social fica impresso no individual, no
apenas nos
usos mentais, mas, sobretudo, nos usos corporais.
A constituio do habitus est ligada, explica o autor,
cotidianeidade do falante nas
suas prticas sociais, o que acaba influenciando sua linguagem,
seu modo de falar, os gestos
que acompanham sua expresso lingustica e seu empenho na
comunicao. Pode-se deduzir
que o habitus se corporifica de maneira automtica, sem apoio em
regras ou explicitaes,
mas vai se automatizando, como esquemas incorporados.
O outro conceito bourdesiano (1985) atualizado por Hanks (p.
43-44) o de campo,
assim explicado:
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Tal como definido na teoria da prtica, um campo uma forma de
organizao social que apresenta dois aspectos centrais: a) uma
configurao
de papis sociais, de posies dos agentes e de estruturas s quais
essas
posies se ajustam; b) o processo histrico no interior do qual
estas posies
so efetivamente assumidas, ocupadas pelos agentes (individuais
ou
coletivos).
Nos campos, circulam valores como prestgio, reconhecimento e
autoridade, mas
tambm riqueza material e capital. Ao produzirem seu discurso, os
falantes vo marcando sua
posio nos diferentes campos sociais. Quando acima dissemos que a
constituio e expresso
do habitus automtica, sem obedincia a regras, ficou implcita,
portanto, sua relao com
essa noo de campo. Isso significa que, na verdade, como
esclarece Hanks (p. 44), [...] os falantes so constitudos pelo
campo.
Podemos esclarecer melhor essa questo, retomando Bakhtin (2006,
p. 96), ao
explicitar a noo de signo correlacionada de sinal. S existe
signo relacionado ao contexto
de produo: [...] para o locutor, a forma lingustica no tem
importncia enquanto sinal estvel e sempre igual a si mesmo, mas
somente enquanto signo sempre varivel e flexvel.
Este o ponto de vista do locutor. O campo de que nos fala
Bourdieu corresponde, pois, organizao social, requerida por
Bakhtin, necessria para que o signo se constitua como tal.
Por isso mesmo afirma esse ltimo autor que todo signo ideolgico
e que sem signo no
existe ideologia.
Os conceitos de habitus, campo e signo ideolgico, como se pode
deduzir, so muito
produtivos na reflexo sobre o trabalho com a linguagem na
escola. Em primeiro lugar,
porque tornam evidente o que no tem sido levado em considerao
nesse trabalho: o fato de
que a linguagem produto cultural e reflete, portanto, a
realidade do falante, seu lugar social,
suas experincias como membro de determinado grupo, seja de que
categoria for. Em segundo
lugar, e como consequncia do primeiro, o fato de que a lngua
deve ser tratada na escola
como sujeita a variao, de tal modo que o ensino, partindo desse
pressuposto, estabelea,
como valor a ser alcanado pelo aluno, a competncia de transitar
pelas diferentes variedades.
Como resultado ainda desses conceitos, conforme lembrado acima,
a reconstruo do sentido
de certo e errado em linguagem, substituindo a noo tradicional -
que reconhece como certas
apenas as estruturas utilizadas pelo chamado falante culto -
pela de adequao ao contexto de
produo. Desse modo, considerada a noo de campo explicitada por
Bourdieu, no h como
negar ser a expresso lingustica um produto cultural e, portanto,
material criativo que produz
histria.
Essas consideraes fortalecem a discusso que se tem construdo,
nas universidades
brasileiras, sobre a urgente necessidade de se corrigirem as
distores que vm sendo
sustentadas pela tradio escolar. Sem dvida, a formao do
professor em Sociolingustica
Educacional uma das condies sine qua non para se chegar a bons
resultados. Ele deve ser
capaz de construir uma pedagogia da variao lingustica (v.
FARACO, 2008) que d conta
dessa inovao.
Pesquisa-ao/UFJF/FAPEMIG, realizada em salas de aula de uma
escola pblica
municipal de Juiz de Fora, durante os anos de 2009 e 2010, no
mbito do grupo de pesquisa
FALE (Formao de Professor, Alfabetizao, Linguagem e Ensino), do
NEEL (Ncleo de
Estudos de Educao e Linguagens) da Faculdade de Educao da UFJF,
possibilitou
chegarmos a constataes sobre a exequibilidade dessa
metodologia.
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O trabalho, envolvendo professores de portugus de 5, 6 e 7 anos,
partiu do
reconhecimento dos recursos lingusticos dos alunos como expresso
de sua realidade, de sua
rede social, de seu cotidiano, de suas prticas sociais, de seu
habitus. O trabalho com esse
material lingustico adotado como legtimo levou-nos ampliao desse
repertrio.
Os recursos discursivos para expresso de polidez, por exemplo,
constituram uma das
questes trabalhadas. Os prprios alunos foram convidados a
pesquisar, no seu grupo social,
se se usavam essas expresses; em caso positivo, quais eram elas,
quais falantes a utilizavam
e em que situaes. Em seguida, eram analisados os efeitos de
sentido obtidos com a
utilizao de tais recursos.
A concordncia nominal e a concordncia verbal foram tambm tema de
reflexo,
atravs de anlises contrastivas de estruturas com presena ou
ausncia desse processo. As
anlises eram sempre acompanhadas do reconhecimento dos efeitos
de sentido determinados
por essas escolhas, tendo ficado evidenciada a capacidade de os
alunos reconhecerem os
papis sociais dos falantes usurios de uma ou de outra estrutura.
A noo de prestgio ligada
a esse tipo de variante foi se evidenciando medida que tais
atividades escolares com a lngua
iam sendo realizadas, com a mediao do professor consciente,
sensvel a essa pedagogia da
variao lingustica. Os alunos manifestavam seu reconhecimento da
existncia/inexistncia,
em seus grupos sociais, de certas estruturas morfossintticas que
as prticas escolares de
letramento iam apontando como sendo caractersticas das esferas
scio-culturais das quais
eles no participavam, mas que gozam de prestgio entre os
falantes do portugus brasileiro.
Tambm as variantes fonolgicas iam sendo facilmente reconhecidas
como
estigmatizantes ou no. Tal o caso da vocalizao da palatal
lateral [], marca da variedade rural, rejeitada na chamada fala
urbana comum (PRETI, 1997).
Outros itens, tanto no mbito da morfossintaxe, quanto da
fontica/fonologia e do
domnio lexical puderam ser tratados a partir de anlises
contrastivas, sempre com remisso
aos efeitos de sentido e identificao com os papis sociais dos
falantes, em consonncia
com a proposio de Bourdieu sobre a noo de campo, conforme vimos
acima.
Todo o trabalho esteve associado prtica de leitura e escrita de
gneros textuais orais
ou escritos, como o debate regrado, o jornal falado, a
entrevista, a leitura e
construo/recitao de trovas, de narrativas, etc. Acreditamos que
a familiarizao dos
alunos com gneros pouco conhecidos no seu ambiente familiar e no
seu grupo social, amplia
e altera no apenas sua expresso lingustica mas tambm, como acima
visto na referncia de
Bourdieu, seu modo de falar, os gestos que acompanham sua
expresso lingustica e seu empenho na comunicaoe, impressionante, at
mesmo seus gestos e movimentos corporais! ! Remetemos, por exemplo,
ao que est relatado no item 2.1 deste artigo,
relativamente s prticas de oralidade desenvolvidas por aqueles
alunos. As novas atividades
de linguagem proporcionadas pela escola, se passarem a fazer
parte da cotidianeidade dos
alunos e das suas vivncias sociais, podem provocar mudanas no
seu cotidiano, no seu
habitus, possibilitando o reconhecimento de sua participao, em
outras prticas sociais de
letramento.
Portanto, quando a expresso lingustica se amplia e o falante
reconhece a utilidade de
aumentar seus recursos expressivos para, caso lhe interesse,
desempenhar papis sociais, antes
inacessveis, essa mudana passa pela aquisio de novos habitus.
Lembramos aqui a
expresso de Gnerre (1994, p. 6) que j se tornou lapidar: [...]
uma variedade lingustica vale o que valem na sociedade os seus
falantes, isto , vale como reflexo do poder e da autoridade que
eles tm nas relaes econmicas e sociais.
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Nesse ponto, necessrio fazer uma observao sobre a dificuldade
exponencialmente
maior dos alunos de escolas pblicas, em geral, provenientes de
redes sociais cuja variedade
lingustica se distancia muito mais da variedade culta, do que
aquela falada pelos alunos de
escolas particulares em geral. Estes ltimos, em sua grande
maioria so usurios da variedade,
identificada pelo projeto NURC (PRETI, 1997), como urbana comum,
de modo que sofrem,
por isso mesmo, presses muito menores na escola.
A desconsiderao dessa realidade , sem dvida, um dos fatores do
fracasso escolar,
ou na melhor das hipteses, dos resultados insuficientes no
processo de ampliao de
competncias desses falantes. O jornal Folha de So Paulo, de
28/08/2011 trouxe resultados
de pesquisa realizada pelo movimento Todos pela Educao. A
avaliao, denominada Prova
ABC, foi aplicada em 6.000 alunos que concluram o 3 ano do
Ensino Fundamental em todas
as capitais do Pas. A reportagem informa: Mais do que as
deficincias substantivas constatadas na pesquisa, o abismo entre os
alunos de escolas pblicas e os das particulares o
que chama a ateno. E acrescenta:
Nas escolas pagas, das crianas atingiram os resultados esperados
em
matemtica; a porcentagem reduziu-se a 43% entre os alunos da
rede pblica.
Disparidades gritantes tambm se manifestaram nos testes de
leitura (79%
contra 49%) e de escrita (82% contra 53%).
Se considerarmos que a linguagem perpassa todas as reas de
conhecimento
trabalhadas na escola, fica a grave suspeita de que a ausncia do
tratamento adequado da
dimenso sociolingustica pode ter sido um dos fatores
determinantes desses resultados. A
grande questo consiste na ampliao de competncias, e no na
restrio do uso de variantes
lingusticas. A escola precisa reconhecer, conforme lembramos
acima, a legitimidade de
quaisquer variantes, sendo esse reconhecimento fundamental para
a construo de crenas
positivas dos alunos na sua competncia como falantes. Essas
crenas so decisivas na
construo de atitudes lingusticas propiciadoras da aprendizagem
de novos recursos de
expresso.
Tornando-se falantes competentes de qualquer variedade
lingustica, prestigiada
socialmente ou no, os alunos tero acesso a todos os campos
sociais, segundo a denominao bourdesiana, e a escola estar
cumprindo seu papel de promover a formao da
cidadania participativa na construo da sociedade moderna. O
trabalho escolar com a lngua
portuguesa estar, desse modo, sendo exercido na dimenso
responsiva do dilogo
compreendido na sua acepo plena, conforme ensina Bakhtin.
Consideraes finais
Acreditamos no ensino que prope objetivos claros para a
aprendizagem da lngua
portuguesa, assumindo programas dinmicos e sistematizando
conhecimento em termos de
habilidades e aes voltadas ao uso e reflexo. Para que tenhamos
uma escola que se
constitua como espao de saber, de cultura e de cincia,
promovendo o aprendizado,
precisamos repensar as prticas pedaggicas, adotando uma
perspectiva de lngua heterognea.
Nesse sentido, as atividades aqui apresentadas podem conferir ao
aluno um
aprendizado bastante consistente no que tange Educao Lingustica.
De fato, o
desenvolvimento de atividades de reflexo resulta em um melhor
desempenho em diversas
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prticas sociais, inclusive na modalidade escrita, bem como nas
regras sociais que regulam as
cenas comunicativas orais.
Como consequncia, desejamos que sejam revistos currculos e
materiais didticos,
principalmente os livros didticos que, por diversos fatores,
abarcam poucas atividades de
oralidade. O que agrava esse fato que, em geral, d-se mais nfase
s atividades de escrita
no Ensino Mdio, em funo do vestibular, foco do trabalho nesse
segmento, em detrimento
daquilo que consideramos essencial, como a ampliao progressiva
de habilidades de uso e
reflexo, adquiridas ao longo da vida escolar.
Nesse sentido, reforamos a idia de que a Escola um lugar que
promove o ser
humano, fazendo-o refletir e agir sobre sua realidade, em vez de
apenas aceit-la ou adaptar-
se a ela.
ABSTRACT: This paper is aimed at presenting some reflections on
the process of mother tongue teaching in the
school context, by especially focusing on two key aspects: the
oral variety (MARCUSCHI, 2001;
SCHNEUWLY E DOLZ, 2004) and the language variation
(BORTONI-RICARDO, 2004). First, the theoretical
questions regarding these topics are presented and then the
results of the research carried out within the group
entitled GRUPO FALE/UFJF are shown, with a focus on the action
research approach. The results show that implementing a set of
competences in using the Portuguese Language is possible. The
importance of integrating
research, continued teacher formation and thorough interventions
within an interactional framework is also
pointed out.
Keywords: portuguese language teaching; oral skills; language
variation.
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