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O REAL, O FALSO E A IDENTIDADE GAÚCHA:
Análise de conteúdo do jornal O Bairrista
Deborah Cattani Gerson1
RESUMO
Trabalho dedicado a análise de conteúdo do Bairrista e sua inserção no jornal Correio
do Povo (CP). O objetivo da pesquisa se focou em descobrir porque o veículo de falso
jornalismo encontra-se dentro de um tradicional e qual o possível efeito disso na
sociedade. Bem como comparar e relacionar as matérias de ambas publicações, uma vez
que O Bairrista se pauta pela mídia gaúcha e é impresso todas as sextas-feiras no CP. A
amostra concentra todos os jornais que possuem O Bairrista dos meses de abril e maio
do presente ano. O estudo conta com técnicas de questionário e entrevista. A questão da
identidade e da autenticidade do povo gaúcho também motivam essa investigação.
Através de categorias estruturadas previamente, e um referencial teórico específico,
voltado para os gêneros jornalísticos propostos por De Assis e Marques de Melo (2010),
o artigo se desenvolveu para responder todas essas e algumas outras questões.
Palavras-chave: O Bairrista. Correio do Povo. Identidade. Falso jornalismo.
ABSTRACT
This work aims to approach the newspaper O Bairrista and its relation with Correio do
Povo (CP), through content analysis. The objective of the research is to find why the
vehicle of fake journalism is inside a traditional one, and what are the possible effects of
this on society. It is also important to compare the issues of both publications, since the
narrowed O Bairrista, which is printed every Friday in CP, can deceive the
conventional media. The sample concentrates all the newspapers that have the fake
vehicle inner, from months of April and May of this year. The study relies on
questionnaire and interview techniques. The matter of identity and the authenticity of
1 Mestranda do programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS) em Comunicação Social. E-mail: [email protected] .
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the people from Rio Grande do Sul also motivate this research. Within structured
categories in advance and a specific theoretical framework, focused on the journalistic
genres proposed by De Assis and Marques de Melo (2010), the article will developed to
answer all these and some other concerns.
Keywords: O Bairrista. Correio do Povo. Identity. Fake journalism.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa versa sobre o jornal O Bairrista e sua relação com o
impresso Correio do Povo (CP). A escolha se deu por diversos fatores, entre eles a
conexão do falso jornalismo e com o tradicional, bem como o fato de que O Bairrista
passou por várias plataformas: surgiu online, passou para o impresso, virou livro e
recentemente foi comprado pela Rádio Gaúcha, do Grupo RBS2, em Porto Alegre.
O site do produtor de falsas notícias atinge cerca de 1 milhão de page views por
mês (MAICÁ JÚNIOR, 2012). Já na rede social Facebook, o jornal chega a 300 mil
menções no mesmo período. A ideia inicial do projeto era, segundo Maicá Júnior (2012),
brincar com o ufanismo gaúcho. Mas, aos poucos, conforme O Bairrista foi tomando
forma, ele passou a ser também um meio ideológico e de identidade da autenticidade
porto-alegrense.
O veículo nasceu em 2010, como um perfil no site Twitter3. Primeiramente eram
postadas apenas as manchetes, respeitando o limite de 140 caracteres imposto pelo
microblog (MAICÁ JÚNIOR, 2012). No final do mesmo ano, o falso perfil alcançou
mais de 15 mil seguidores. Então Maicá Júnior (2012) decidiu lançar um site próprio do
jornal.
Diferindo desta proposta, o CP foi criado por Francisco Antônio Vieira Caldas
Júnior, em 1895, com formato standard4. Na época, os jornais eram meios de difusão
opinativos e espaços de discussão político-social (RÜDIGER, 2003). É considerado, até
hoje, o jornal com mais longa duração de Porto Alegre, pois circulou ininterruptamente
2 Disponível em: <http://wp.clicrbs.com.br/bastidoresdagaucha/2012/05/26/radio-gaucha-agora-
tem-o-bairrista-no-grupo/>. Acesso em: 9 jun. 2012. 3 Disponível em: <http://twitter.com/#!/O_Bairrista>. Acesso em: 9 jun. 2012.
4 Aquele que tem cerca de 55cm de comprimento. Em inglês se chama broadsheet.
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por 89 anos, até 1984. Passou dois anos sem nenhuma publicação e ressurgiu em 1986.
Teve variados formatos e gêneros. Hoje é um tabloide em sua maior parte informativo.
Para essa investigação, foram analisados 8 exemplares do CP, que contém O
Bairrista, iniciando em 6 de abril e terminando em 25 de maio de 2012. O veículo de
falsas notícias costumava sair no caderno Mais Preza, todas as sextas-feiras. Desde o
início de junho, do presente ano, O Bairrista não foi mais divulgado no CP –
coincidindo com a aquisição do mesmo pelo Grupo RBS. Sendo assim, essa verificação
se dá nos últimos dois meses de veiculação do falso jornal.
A metodologia se fundamenta na hermenêutica de Thompson (1998) e na
técnica de análise de conteúdo de Bardin (2010). Também foram empregados métodos
como entrevista e questionário. Apesar dessa escolha, o trabalho será qualitativo e
empírico, priorizando a interpretação dos dados ao número de ocorrências. As
categorias de análise estão ligadas à identidade, bairrismo e algumas outras questões
que veremos mais adiante.
Para que possamos compreender melhor o contexto das falsas notícias, vamos
utilizar um referencial teórico bastante eclético: passando pelos circuitos culturais de
Johnson (1999) e alguns preceitos sobre a concepção e a recepção das notícias, além das
teorias de agenda-setting de McCombs (2009) e do enquadramento de Goffman (1977).
Vamos abordar também os gêneros jornalísticos de De Assis e Marques de Melo (2010),
uma das bases dessa pesquisa. Para compreender o ufanismo gaúcho, vamos nos apoiar
em Oliven (1992).
Como O Bairrista se inseria dentro do CP e como trabalha com o gauchismo
exacerbado? Como pode ser feita a interpretação de um veículo falso dentro de um
tradicional? Como O Bairrista trata o ser gaúcho e qual a diferença desse tratamento
pelo CP? Essas e outras questões abrangem a essência dessa pesquisa e impulsionam a
investigação de um importante campo da comunicação: a (in)formação através do
humor.
POR QUE FALSO JORNALISMO?
Entre 26 de abril e 7 de maio do ano vigente, por meio de pesquisa verificamos
que 79% das pessoas estão familiarizadas com o falso jornalismo e 21% afirmam
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desconhecer o mesmo; 58% confundem tradicional e falso jornalismo, enquanto 42%
dizem nunca ter confundido.
O questionário foi feito online, através de mecanismos do Google, e obteve 76
respostas, de pessoas entre 19 e 57 anos, dos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo,
Distrito Federal e Santa Catarina. Destas, 35% são jornalistas, 15% são estudantes, 5%
são professores e o restante se divide em diversas profissões. Às pessoas que se
disseram conhecedoras do falso jornalismo, foi indagado quais os veículos que as
mesmas seguiam. O resultado foi discriminado no gráfico abaixo.
Gráfico 1 – Porcentagem de público de cada veículo5
Fonte: Autora deste trabalho.
Embora seja uma prova pequena, já evidencia a importância do estudo do
fenômeno. Outras investigações6, realizadas anteriormente e por distintas instituições,
também reforçam a questão. Além disso, podemos classificar essa comunicação como
5 A soma foi feita por veículo, uma vez que 90% dos pesquisados segue mais de um.
6 Um exemplo é a notícia sobre a pesquisa do Pew Research Center for the People and the Press,
publicada no site do New York Times, em abril de 2007. Os resultados afirmam que as pessoas
mais bem informadas também acompanham falsas notícias. Disponível em:
<http://www.nytimes.com/2007/04/16/business/media/16pew.html>. Acesso em: 11 mai. 2012.
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pertencente ao gênero jornalístico diversional, proposto por De Assis e Marques de
Melo (2010). Conforme os autores, os quês jornalísticos do gênero são plus narrativos.
Contrariando Beltrão (1969 apud DE ASSIS; MARQUES DE MELO, 2010),
eles elucidam que há, sim, espaço para entretenimento e distração no campo da prática
da profissão. Os autores atribuem a isso o estilo de vida adotado no século XX, quando
a valorização do bem-estar ganhou prioridade. “Não é à toa, portanto, que algumas
reflexões teóricas sobre as funções da comunicação preveem que à indústria midiática
cabe o papel de divertir” (DE ASSIS; MARQUES DE MELO, 2010, p. 143).
Como exemplo, os autores relembram o início dos folhetins7 no Brasil, durante o
século XIX. Antes disso, na Europa, era comum a circulação de jornais manuscritos,
cujo objetivo era manifestar uma opinião, muitas vezes contrária à da maioria
(BARBOSA, 2007). Esses jornais tinham pouca circulação, porém se diferenciaram da
imprensa tradicional por seu design e estilo. Feitos à mão, eles possuíam muitas
ilustrações e representações visuais artísticas.
Durante a ditadura militar no Brasil, entre 1964 e 1984, surgiram múltiplos
formatos de jornalismo diversional (STRELOW, 2008). Podemos destacar entre esses o
Pasquim, o Casseta Popular e o jornal Pato Macho (Figura 1). O Pasquim8 foi criado
em 1969, sob comando de Sérgio Cabral, ambicionando denunciar o estado ditatorial
através do humor. Não muito diferente dessa proposta, o Casseta Popular germinou em
1978 das mentes de Beto Silva, Helio de la Peña e Marcelo Madureira. Paródia da
Gazeta Popular, o tabloide abusava do uso de palavrões (DAPIEVE, 2008).
7 Narrativas seriadas provenientes da França (feuilleton, folha de livro) que apresenta discurso
“ágil, profusão de eventos e ganchos emocionais estrategicamente planejados para prender a
atenção do leitor” (DE ASSIS; MARQUES DE MELO, 2010, p. 143). 8
Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/tv/materias/O-PASQUIM---A-SUBVERSAO-
DO-HUMOR/164411-O-PASQUIM---A-SUBVERSAO-DO-HUMOR.html>. Acesso em: 17
jun. 2012.
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Figura 1 – Capas: Pasquim, Casseta Popular e Pato Macho.
Fonte: Banco de imagens do Google.
O Pato Macho9 foi uma publicação alternativa, lançada em 1971, cujo alvo era
criticar o “provincianismo gaúcho” (STRELOW, 2008). Foi dirigido por Luís Fernando
Veríssimo e contou com a participação de Moacyr Scliar, Carlos Nobre, Coi Lopes de
Almeida, Ruy Carlos Ostermann, José Onofre e Cláudio Ferlauto, além de fotógrafos
como Assis Hoffmann, Leonid Streliaev e Luiz Carlos Felizardo.
Como vimos, o jornalismo alternativo teve inúmeros frutos de variados formatos.
Por isso, classificamos O Bairrista como um subgênero do diversional: um falso
jornalismo. Essa nomenclatura é apenas uma formalização e contextualização de um
conceito que foi pouco verificado até então. Nos estudos americanos de Amarasingam
(2010) e Cutbirth (2011), sobre o modelo na televisão, os autores nomeiam o mesmo de
fake news (falsas notícias, na tradução literal). Preferimos adotar aqui o termo
jornalismo porque notícias pode ser muito restritivo. Afinal, existem outros aspectos
que foram também adulterados, como notas, reportagens, fotografias e até mesmo textos
opinativos.
MÉTODOLOGIA E ANÁLISE
O estereótipo do gaúcho se consolidou tão forte que, ainda em 1870, José de
Alencar publicou a obra O Gaúcho. Ápice do romantismo, o livro nunca foi bem visto
pelo povo do sul, pois o autor idealizou e mitificou o “centauro dos pampas” sem nunca
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Disponível em: <http://eusoufamecos.uni5.net/nupecc/conteudo/acervodigital/patomacho/>.
Acesso em: 17 jun. 2012.
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ter pisado no Estado (OLIVEN, 2002). A explicação para a emergência desse
imaginário se dá porque
[...] fomos desde os tempos coloniais até o fim do século um território
cronicamente conflagrado. Em setenta e sete anos tivemos doze
conflitos armados, contadas as revoluções. Vivíamos
permanentemente em pé de guerra. Nossas mulheres raramente
despiam o luto. Pense nas duras atividades da vida campeira – alçar,
domar e marcar potros, conduzir tropas, sair da faina diária quebrando
a geada nas madrugadas de inverno – e você compreenderá por que a
virilidade passou a ser a qualidade mais exigida e apreciada do gaúcho
(VERÍSSIMO, 1969, p. 3-4 apud OLIVEN, 2002, p. 48-49).
Seguindo essa semântica que envolve imaginário, mitologia, ideologia e cultura,
vamos nos valer do circuito de comunicação proposto por Johnson (1999). Buscamos
esse método dos estudos culturais por ser mais flexível e mais amplo que outros. Vamos
utilizá-lo como guia da análise de conteúdo, para facilitar nossa visão geral sobre a
amostra escolhida.
Faremos essa panorâmica, pois Johnson (1999, p. 19) crê que o approach dos
objetos culturais é inter e transdisciplinar, não se tratando apenas “de agregar novos
elementos às abordagens existentes [...], mas de retomar os elementos das diferentes
abordagens em suas relações mútuas”.
Figura 2 – Circuito da comunicação e cultura
Fonte: Johnson (1999, p. 35 apud ESCOSTEGUY, 2007, p. 120)
Essa representação simboliza o processo e a organização das formas culturais
(ESCOSTEGUY, 2007). Ao observarmos atentamente, podemos traduzir o
procedimento como uma estruturação político-institucional. Há, aqui, uma preocupação
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equivalente com a forma-mercadoria e a “inferência dos usos sociais com base nas
condições de produção” (ESCOSTEGUY, 2007, p. 120). As culturas vividas, em
relação com o meio social, pautam a produção, que gera textos, que são formas
simbólicas.
Todo esse movimento depende das condições, ou seja, da conjuntura envolvida.
Podemos assim estudar a recepção como “um espaço de produção de sentido. No
entanto, o risco é assumir a autonomia da leitura em oposição à autoridade do texto,
suprimindo ainda o momento da produção do que está sendo consumido”
(ESCOSTEGUY, 2007, p. 121).
Para sustentar essa teoria, aplicaremos a técnica de análise de conteúdo sugerida
por Bardin (2010). Porque carecemos revelar aquilo que está além do latente, principiar
a desocultação de determinados elementos. Sobretudo por estarmos lidando com um
objeto que claramente possui um duplo sentido e, via humor, explora essa capacidade de
interpretação do seu público. Bardin (2010, p. 16) defende que esse método requer
interpretar mensagens obscuras, “cuja significação profunda [...] só pode surgir depois
de uma observação cuidada ou de uma intuição carismática”.
Desta maneira, concebeu-se um quadro investigatório das oito edições, criando-
se categorias para se observar e compreender o conteúdo das mesmas como um todo.
Quadro 1 – Método discriminado de análise de conteúdo dos jornais10
Número e tipos de ocorrências
Datas
Elementos
06/04/2012 13/04/2012 20/04/2012 27/04/2012 04/05/2012 11/05/2012 18/05/2012 25/05/2012
Matérias
relacionadas ao Rio Grande do Sul
(número)
82 76 106 88 90 103 84 127
Quantidade de matérias no
Bairrista
(número)
1 1 3 2 2 2 2 2
Manchetes do
Bairrista
“Notícias de Buenos Aires,
segunda
capital do Rio Grande do
Sul”
“Sexta-feira
13 na República
Rio-
Grandense”
“Água com gosto de terra
em Porto
Alegre é viral publicitário”,
“Filme Cisne
Branco em 4D supera
bilheteria de
“Gabriel O Pensador
explica
confusão: ‘Vou pagar
para ir ao
RS’” e “AC/DC
recusa
“Especialistas afirmam:
ainda é cedo
para usar cachecol” e
“Reforma do
Araújo Vianna é
antecipada e
“Pelo preço das
mensalidades,
sócios gremistas
poderão
escalar o time” e
“Reintegrado,
“EPTC cria área azul para
aviões em
Porto Alegre” e “Inter
contrata
Supernanny para
disciplinar
“Ciclovia de Porto Alegre
entra para o
Livro dos Recordes” e
“Nova lei
Rouanetchê deve injetar
R$ 10
10
Foram levadas em consideração matérias informativas de acordo com os gêneros propostos
por De Assis e Marques de Melo (2010). Entre elas destacam-se as reportagens, as matérias
menores e as notas. A página 2, que comporta o editorial, não foi contabilizada, bem como as
colunas, as agendas, os comerciais, os anúncios e os textos opinativos.
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Titanic 3D” e
“Mário Fernandes é
vendido para
o CSKA”
proposta e
Mano Lima deve fazer
show de
abertura da Arena
Gremista”
deve terminar
em 2031”
Jô quer dar
festa de arromba para
agradecer a
confiança da diretoria”
jogadores
baladeiros”
milhões em
cultura no RS”
Existe relação do
material do Barrista com o
resto do jornal
Não Sim Sim Não Não Não Não Não
Matéria principal de capa do CP
“Devastação – Onda de
tempestades
mata 16 na Argentina e
provoca
destruição em
várias áreas
do Rio
Grande do Sul”
“Supremo
libera aborto de feto sem
cérebro”
“Governo
pede que
clientes fiscalizem
juros
bancários”
“STF vota a
favor das
cotas raciais”
“Poupança
começa a mudar a partir
de hoje”
“Governo
prepara novo pacote para
economia”
“Concurso do
magistério reprova mais
de 90%”
“Enem/2012
mudar regra para corrigir a
redação”
Fonte: Autora deste trabalho.
A leitura focou em palavras-chave como gaúcho, gaudério, capital, Porto
Alegre, Rio Grande do Sul (RS), entre outras, para que fossem contabilizadas as
matérias relacionadas ao estado gaúcho. O resultado foi uma média de 94,5 matérias por
jornal. É um número incrivelmente alto, já que a publicação não é/se considera uma
cobertura exclusiva do RS – sendo divulgada até mesmo em outros estados brasileiros.
Verificamos que tais materiais aparecem em todas as editorias informativas, mesmo sob
a cartola internacional.
Isso pode influenciar a leitura e o uso que o público faz do jornal. Contudo,
também é uma consequência do meio, do contexto e da cultura vivida pelo impresso.
Por mais que o CP se diga um veículo jornalístico que cobre as principais notícias do
dia, ele se encontra em Porto Alegre (RS), ele é característico da região e já se fez
tradicional. Oliven (2002, p. 21) alega que “a evocação da tradição – entendida como
um conjunto de orientações valorativas consagradas pelo passado – se manifesta
freqüentemente em épocas de processos de mudança social [...]”.
De uma certa forma, estamos vivendo mudanças sociais e conflitos. Não
necessariamente estes têm de ser físicos. O século XXI foi um ambiente de
transformações, onde não se priorizou as certezas, mas sim as incertezas, em prol da
ambição e da fome da pesquisa. As tecnologias em transição possibilitaram muitas
inovações, inclusive a ampliação de acesso. Entretanto, elas também implantaram
barreiras, dividindo as gerações.
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Através da teoria da agenda, de McCombs (2009), fica mais clara essa transição
(Quadro 2). O agendamento defende que os consumidores das notícias consideram
proeminentes aqueles assuntos que são veiculados na mídia. Assim, os meios de
comunicação seriam responsáveis pelas conversas produzidas pelo público. McCombs
(2009, p. 18) sustenta que
os públicos usam estas saliências da mídia para organizar suas
próprias agendas e decidirem quais assuntos são os mais importantes.
Ao longo do tempo, os tópicos enfatizados nas notícias tornam-se os
assuntos considerados os mais importantes pelo público. A agenda da
mídia torna-se, em boa medida, a agenda do público. Em outras
palavras, os veículos jornalísticos estabelecem a agenda pública.
O Bairrista também agenda seus leitores, principalmente através do
enquadramento (enfoque) que dá a suas matérias (GOFFMAN, 1977). O processo não é
de todo persuasivo. Às vezes, ressalta mecanicamente assuntos relevantes sem se dar
conta. Porém seu objetivo é ser intencional.
Como ressalta McCombs (2009), não é uma injeção de conteúdo midiático no
público. No entanto, o agenda-setting atribui um grau de poder aos veículos, uma vez
que estes são responsáveis pela agenda pública. “Ou, parafraseando Lippmann, a
informação fornecida pelos veículos noticiosos joga um papel central na constituição de
nossas imagens da realidade. E, além disso, é o conjunto total da informação fornecida
pelos veículos noticiosos que influencia estas imagens.” (MCCOMBS, 2009, p. 24)
Quadro 2 – A definição da agenda pelos mass media – Agenda-setting
AGENDA DA MÍDIA
AGENDA DO PÚBLICO
Padrão da cobertura noticiosa
Preocupações do público
OS MAIS DESTACADOS
OS MAIS IMPORTANTES
Transferência da saliência do tópico
Fonte: MCCOMBS, 2009, p. 22
A inserção do Bairrista no CP pode ser encarada como uma forma de brincar
com a seriedade jornalística invertendo a realidade. O veículo afeta pessoas de inúmeros
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meios sociais, independente da raça, padrão de vida, gostos pessoais, etc. Isso acontece
porque há uma unificação, uma preocupação com o welfare de todos: a criação de um
ideologia. Conforme Oliven (2002, p. 21)
uma ideologia é bem sucedida na medida em que consegue dar a
impressão de unificar os interesses de diferentes grupos sociais. Para
isso, é necessário que um discurso ao interpelar sujeitos veicule uma
mensagem verossímil [...].
Verossímil até certo ponto, porquanto nem todos os textos do Bairrista são
concebíveis na nossa realidade vivida. Podemos observar na nossa amostra, que muitos
conteúdos se sustentam justamente por serem falsos. As implicações com os times de
futebol, o enfrentamento do poder público com a piada sobre a água, a comparação
entre o clássico passeio de Cisne Branco e o filme Titanic; são todos rudimentos
conhecidos do ideal porto-alegrense de que somente as pessoas dentro do grupo maior
podem fazer uma leitura funcional deste conteúdo. Há eco no imaginário dos sujeitos
porque
[...] a recepção das formas simbólicas – incluindo os produtos de
mídia – sempre implica um processo contextualizado e criativo de
interpretação, no qual os indivíduos se servem de recursos de que
dispõem para dar sentido às mensagens que recebem (THOMPSON,
1998).
Ainda que diferentes tribos, com distintas bagagens culturais e experiências de
vida possam conceber um mesmo significado do Bairrista – desde que pertençam ao
contexto do Rio Grande do Sul – o objeto exigirá um nível de perspicácia e boa
decodificação, por causa de sua concepção humorística.
Sobre essa questão do humor, Raskin (1984) assegura que o riso e a sua
predisposição são características humanas que nos diferem dos outros animais. Para o
autor, o humor (nesse sentido e não como temperamento) pode ser em parte nato e em
parte adquirido. Ou seja, depende de treino, bagagem cultural e até do grau/intensidade
do próprio humor. Quanto ao leitmov do riso Raskin (1984) busca a resposta em Hazlitt
(1903) que crê que
nós rimos do absurdo; rimos da deformidade. [...] Uma fonte rica do
ridículo é a angústia com que não podemos compartilhar de seu
absurdo ou insignificância. [...] Nós rimos do mal. Rimos do que não
acreditamos. Nós rimos para mostrar a nossa satisfação com nós
mesmos, ou nosso desprezo para aqueles ao nosso redor, ou para
ocultar nossa inveja ou nossa ignorância. Rimos dos tolos, e daqueles
que fingem ser sábios – da extrema simplicidade, constrangimento,
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hipocrisia e afetação. (HAZLITT, 1903, p. 8-9 apud RASKIN, 1984, p.
2, tradução nossa, grifo nosso)11
Assim, a paródia do jornalismo tem por função ir além do riso. Ele evidencia um
deboche da comunicação a qual pertence e de outras, como a Zero Hora (ZH), do Grupo
RBS. Esse ufanismo gaúcho pode ser considerado uma afronta ao jornal concorrente do
CP, a ZH, já que ele prioriza seriamente a notícia de âmbito hiperlocal.
No entanto, é complicado saber se o público entende e distingue que essa parte
do CP é entretenimento e não conteúdo jornalístico. Como vimos no quadro acima, são
poucas as vezes que o conteúdo do Bairrista teve alguma relação com o CP.
Thompson (1998) observa que, apesar de os receptores não fazerem parte da
fabricação da informação, eles orientam de certa forma o comportamento dos
produtores. Para o autor, a recepção e a produção estão entrelaçados, já que os
produtores também são receptores e vivem no mesmo meio que vimos em Johnson
(1999). Assim, um influencia o outro, fechando o ciclo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A identidade do gaúcho é a principal fonte de inspiração do Bairrista. É por
meio do imaginário de longa data existente no e sobre o Rio Grande do Sul (RS) que o
veículo se constrói e mantém. A utilização dessa ideologia já solidificada pelo tempo e
pela tradição dá veemência ao veículo. O tratamento do ser gaúcho é diferente do
mesmo executado pelo CP. O veículo tradicional exalta. Já o falso pauta o gaudério
como um ser além do imaginário, totalmente estereotipado.
Inventar fatos, matérias, pautas ou histórias não é papel do jornalista, uma vez
que o mesmo é, de certa forma, um historiador. A mídia pauta diariamente as vidas de
seus consumidores e essa ascensão do falso jornalismo pode ser perigosa. Lidar com
isso, dentro de um veículo tradicional é brincar com os limites do ilusório do público e
até mesmo se por em risco. Assim como a piada agrada, muitas vezes ela pode ser um
tiro no próprio pé do comediante.
11
We laugh at absurdity; we laugh at deformity. […] One rich source of the ludicrous is distress
with which we cannot sympathize from its absurdity or insignificance. […] We laugh at
mischief. We laugh at what we do not believe. We laugh to show our satisfaction with ourselves,
or our contempt for those about us, or to conceal our envy or our ignorance. We laugh at fools,
and at those who pretend to be wise – at extreme simplicity, awkwardness, hypocrisy, and
affectation. (HAZLITT, 1903, p. 8-9 apud RASKIN, 1984, p. 2)
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Por mais que sejam variados os tipos diversionais – e sua existência necessária
para o entretenimento e a formação de leitores – eles também devem ser ponderados. A
linha divisória entre o real e o falso é tênue e a exacerbação do uso de falsas matérias
pode poluir o mecanismo de discernimento das massas.
Os poucos esboços na área do falso jornalismo dificultam uma aproximação
mais rápida da amostra. Antes da análise, há um longo período de conceituação que
seria desnecessário, se já existissem pesquisas mais consolidadas. A comunidade
científica dos estudos de gêneros precisa acordar para a constante desse tipo jornalístico.
Verificar meios tradicionais é importante, tanto quanto buscar compreender os canais
alternativos.
Sabemos que O Bairrista já não faz mais parte do impresso Correio do Povo.
Porém, na Internet, ele segue com o mesmo formato, bem como na Rádio Gaúcha, do
Grupo RBS. Talvez no rádio seja ainda mais difícil compreender quando se está
tratando de um objeto sólido ou irreal, uma vez que não se tem acesso a muitos
elementos que, no impresso, realçavam as intenções do jornal.
REFERÊNCIAS
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the fake news. London: McFarland, 2010.
CUTBIRTH, Joe Hale. Satire as journalism: The Daily Show and american politics at the turn
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BARBOSA, Marialva. História cultural da imprensa: Brasil 1900-2000. Rio de Janeiro:
Mauad, 2007.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução: Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro.
Lisboa: Edições 70, 2010.
DAPIEVE, Arthur. Antologia Casseta Popular. Rio de Janeiro: Desiderata, 2008.
DE ALENCAR, José. O Gaúcho. São Paulo: Ática, 1978.
DE ASSIS, Francisco; MARQUES DE MELO, José (Orgs.). Gêneros jornalísticos no Brasil.
São Bernardo do Campo: UMESP, 2010.
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