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O QUE É A ECONOMIA DO ENTRETENIMENTO? # Fabio Sá Earp 1. Um primeiro olhar sobre o objeto O objetivo deste trabalho é mapear alguns traços de um ramo da economia ainda incipiente mas com grande capacidade de expansão. E mais, um ramo que não foi poluído pelo formalismo da moda, constituindo-se em um espaço intelectual aberto a novos estudos e com fronteiras mal definidas. O escopo da Economia do Entretenimento é tão amplo quanto os estudos encontrados nos congressos de Estudos de Lazer (Leisure Studies) – encontros multidisciplinares, onde a economia tem que lutar por seu lugar. Aí encontramos, misturados por vezes anarquicamente, uma miscelânea de temas que dificilmente será vista em outro agrupamento de pesquisadores. Um sintoma da amplitude do tema está na listagem dos artigos apresentados na conferência anual de 1999 da Leisure Studies Association. Aí encontramos trabalhos sobre questões como o impacto do turismo alternativo; o desenvolvimento da perspectiva ambientalista nas ciências do esporte e do lazer; individualismo versus coletivismo (consumo privado e movimentos ecológicos); a educação moral no futebol; as identidades e subculturas na abordagem dos esportes pelas revistas para adolescentes; o efeito dos recursos das loterias sobre os clubes esportivos; a análise cultural dos símbolos presentes na organização esportiva; a ética do lazer e os desviantes; o lazer e a construção dos estilos de vida das famílias; a análise do discurso nos estudos sobre o lazer; os exercícios e a construção da auto-identidade; as identidades embutidas nas práticas; os conhecimentos e a geografia ligados a lazer e turismo; a homofobia e o lazer de gays e lésbicas; a agressão verbal dos espectadores de esportes sobre os atletas; # Publicado em Fabio Sá Earp (org.), Pão e circo: limites e perspectivas da economia do entretenimento. Rio de Janeiro: Palavra e Imagem.
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O QUE É A ECONOMIA DO ENTRETENIMENTO? - ie.ufrj.br · No caso do turismo as possibilidades são praticamente ilimitadas em termos de duração e alcance da viagem, do tipo de hospedagem,

Nov 11, 2018

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O QUE É A ECONOMIA DO ENTRETENIMENTO?#

Fabio Sá Earp

1. Um primeiro olhar sobre o objeto

O objetivo deste trabalho é mapear alguns traços de um ramo da economia ainda

incipiente mas com grande capacidade de expansão. E mais, um ramo que não foi

poluído pelo formalismo da moda, constituindo-se em um espaço intelectual aberto a

novos estudos e com fronteiras mal definidas. O escopo da Economia do

Entretenimento é tão amplo quanto os estudos encontrados nos congressos de Estudos

de Lazer (Leisure Studies) – encontros multidisciplinares, onde a economia tem que

lutar por seu lugar. Aí encontramos, misturados por vezes anarquicamente, uma

miscelânea de temas que dificilmente será vista em outro agrupamento de

pesquisadores.

Um sintoma da amplitude do tema está na listagem dos artigos apresentados na

conferência anual de 1999 da Leisure Studies Association. Aí encontramos trabalhos

sobre questões como o impacto do turismo alternativo; o desenvolvimento da

perspectiva ambientalista nas ciências do esporte e do lazer; individualismo versus

coletivismo (consumo privado e movimentos ecológicos); a educação moral no futebol;

as identidades e subculturas na abordagem dos esportes pelas revistas para adolescentes;

o efeito dos recursos das loterias sobre os clubes esportivos; a análise cultural dos

símbolos presentes na organização esportiva; a ética do lazer e os desviantes; o lazer e a

construção dos estilos de vida das famílias; a análise do discurso nos estudos sobre o

lazer; os exercícios e a construção da auto-identidade; as identidades embutidas nas

práticas; os conhecimentos e a geografia ligados a lazer e turismo; a homofobia e o lazer

de gays e lésbicas; a agressão verbal dos espectadores de esportes sobre os atletas;

# Publicado em Fabio Sá Earp (org.), Pão e circo: limites e perspectivas da economia do entretenimento. Rio de Janeiro: Palavra e Imagem.

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esporte, lazer e educação moral; a responsabilidade dos treinadores; o desenvolvimento

de escalas de satisfação do consumidor; política de lazer e ação das autoridades a todos

os níveis de governo; a administração do lazer; a profissionalização dos voluntários dos

museus; restrições culturais e estruturais à igualdade de gêneros na administração do

lazer; o esporte para os fisicamente prejudicados; os treinadores e o abuso sexual sobre

os atletas; lazer e exclusão social, casas, jardins e os idosos; direitos humanos e provisão

de lazer; sexualidade e emoção como recursos nos empregos ligados ao turismo...

A listagem, embora incompleta, é tão fatigante quanto pouco esclarecedora; mas

é desta confusão que teremos que recortar nosso objeto. O que uma economia do

entretenimento precisa descobrir é, antes de mais nada, como as pessoas usam o tempo

em que não estão trabalhando para se divertirem; quando esta diversão é gratuita e

quando exige dispêndio de dinheiro; como algumas firmas ganham este dinheiro

vendendo todo o tipo de produto e de serviço; finalmente, como esta atividade das

firmas se transforma em encomendas, em renda e em empregos. Esta busca nos conduz

a um universo que comporta diversas abordagens, segundo o agente econômico que

escolhermos para acompanhar no início de nossa jornada, o consumidor ou a firma.

Se resolvermos centrar nosso olhar no consumidor teremos que partir da escolha

que nosso personagem fizer acerca do que fazer em suas horas livres. A opção mais

óbvia é começar pelo lazer passivo; antes de mais, o ficar sozinho, pensando na vida,

arrumando as próprias idéias, por vezes anotando alguma coisa, como nos diários de

antanho – o ócio em sua acepção plena, tal como era valorizado na Grécia clássica.

Outra possibilidade é colocar-se frente ao aparelho de televisão, a principal forma de

lazer em nossos tempos, que ocupa na média pelo menos duas horas por dia das

populações do mundo ocidental.

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Se nosso personagem busca diversões menos passivas, mas ainda dentro do

solitário recesso do lar, poderemos vê-lo lendo um livro ou periódico - diversão que

ocupava o lugar da TV nos séculos XVIII e XIX, depois que a indústria gráfica passou a

fornecer produtos baratos para um mercado de massa. Em paralelo à leitura nosso

consumidor pode escutar música num rádio ou um toca-discos e, se quiser algo mais

movimentado, pode encarar as diversas possibilidades de desfrute de um computador.

Se for pessoa de veleidades artísticas poderemos vê-la estudando música,

escrevendo um conto, pintando um quadro ou esculpindo em cerâmica. Ou ainda

dedicando-se às atividades criativas de artesanato doméstico – a culinária, a marcenaria,

a jardinagem e a decoração ocupando papel de destaque. Neste caso a habilidade e a

persistência do indivíduo são determinantes e a satisfação com o resultado é um

elemento importante para a continuidade da tarefa.

Caso queira comunicar-se com alguém a primeira opção é uma conversa

telefônica personalizada, seguida pela conexão anônima a um canal de chat na Internet.

Se quiser sair do recesso do lar pode-se escolher entre uma visita aos vizinhos e um

mergulho no espaço público gratuito da esquina, da praça, do calçadão ou da praia; e

tendo algum dinheiro disponível pode-se ir a um bar. Em todos estes casos a atração

maior são as pessoas com que se vai interagir. Caso a opção seja distrair-se sozinho,

eventualmente gastando alguma coisa, a escolha mais comum em nossos dias é a visita

a um shopping para ver vitrines, assistir ao desfile de outras pessoas e fazer compras de

supérfluos para decoração da casa e do corpo.1 Alternativa da mesma natureza, nos fins

de semana, são as feiras de artesanato, antigüidades e moda existentes nas metrópoles.2

1 A compra destes bens suntuários é opcional e portanto desempenha um papel completamente diferente das compras de alimentos e material de limpeza, destituídas de charme e por isto vistas como trabalho. Este é um tema tradicional que se discute, entre outros, em Miller (1998 e 1998a), Schor (1998), Butch (1990), Veblen (1983) e Packard (1962). 2 As mais conhecidas são a de Portobello em Londres, o Marché des Puces em Paris, o gigantesco Rastro em Madrid (a preferida deste autor), a feira de Santelmo em Buenos Aires. Em São Paulo temos a feira de

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Outra possibilidade de entretenimento solitário consiste em visitar um museu ou

galeria de arte assistir a um espetáculo de esporte, música, cinema ou teatro, que o

obrigará a comparecer a um prédio especializado para cada tipo de exibição. Neste caso

a companhia de outrem é dispensável, visto que a atração é o acervo ou o espetáculo. Se

nosso personagem for do tipo que se diverte fazendo esforço, ao menos algum a mais do

que o exigido no motel, podemos encontrá-lo, solitário ou acompanhado, fazendo uma

caminhada, pedalando uma bicicleta, malhando numa academia ou praticando qualquer

tipo de atividade esportiva. Aqui a atração é o tipo de exercício físico, individual ou de

grupo.

Neste último caso é importante encontrar pessoas com gostos semelhantes

dispostas a compartilhar da experiência, da mesma forma como acontece se a opção for

ir a um serviço religioso num templo, bem como a uma reunião sindical ou política.

Ainda se pode conectar um programa compreendendo a ida a um bar ou restaurante,

depois a uma boate, eventualmente terminado em um motel.

Finalmente existe a possibilidade de fazer uma viagem para visitar algum outro

lugar. No caso do turismo as possibilidades são praticamente ilimitadas em termos de

duração e alcance da viagem, do tipo de hospedagem, das atividades a serem

desenvolvidas no local visitado – por vezes as mesmas que no lugar de moradia. A

primeira divisão é entre as viagens de fim de semana e de férias. A viagem pode ser

feita isoladamente, com conhecidos ou no grupo formado ao acaso para uma excursão.

Igualmente as viagens a trabalho proporcionam interstícios para lazer que permitem a

realização de passeios.3

produtos orientais da Liberdade, a de antiguidades do MASP, etc. No Rio de Janeiro existem a feira de artesanato da General Osório (“Feira Hippie”), a de produtos nordestinos de São Cristóvão, as de antiguidades do Leblon, da Gávea e da Praça XV. Rio e São Paulo abrigam também feiras de moda artesanal como Babilonia Hype e Mundo Mix. 3 A importância das viagens de turismo na vida moderna é discutida, entre outros, em MacCannel (1999), Rojek e Urry (1997), Rybczynski (2000).

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As atrações que motivam o viajante são as mais variadas. Podem ser belezas

naturais, como cenários de praias e montanhas, ou simplesmente climas mais amenos –

eventualmente aprimorados pela construção de resorts, parques temáticos, zoológicos,

aquários, jardins botânicos). Ou pode ser um turismo urbano, temperado por atrações

culturais como música, dança, teatro, artes plásticas, artesanato, arquitetura, estilos de

vida tradicionais, locais históricos. Ou ainda uma aventura, como safari, trekking,

rafting, ciclismo, montanhismo, caça, pesca - agora sob o manto protetor da ecologia. E

a mais antiga das formas de turismo, o religioso, formado pelas romarias e

peregrinações a localidades santas, como Meca, Jerusalém, Varanasi, Compostela e até

Aparecida do Norte.

Estas são as principais possibilidades de turismo de massa hoje existentes, mas

existem também possibilidades de viagens mais personalizadas, em pequena escala, que

uma infinidade de publicações nos convida a experimentar. As visitas a aldeias remotas

nas montanhas ou pequenos portos de pesca (com possibilidade de passeios de barco)

permitem o contato com meios de vida peculiares em vias de extinção, com a

hospedagem em pousadas. O mesmo ocorre em castelos e fazendas especialmente

reformados para receberem turistas dispostos a gastar um pouco mais. Igualmente em

pequena escala são programas de turismo altruístico (construção de habitações e

abastecimento de água para populações de baixa renda, colheita de laranjas em Cuba,

etc.), turismo aquático (cruzeiros), residencial (ficar com uma família durante algum

tempo para aprender a língua e os costumes), para jovens (albergues e outras formas

baratas de hospedagem), étnico (visita à terra dos antepassados) e nostálgico (visita a

locais de acontecimentos dramáticos, como campos de batalha).

Ninguém precisa de muita imaginação para pensar inúmeras outras

possibilidades de divertimento, a partir da própria experiência vivida e da expressão do

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desejo insatisfeito. São formas pelas quais o indivíduo volta-se para si mesmo em busca

de formas de fugir do tédio e de respostas para questões existenciais como a própria

identidade e as maneiras de responder a desafios e frustrações. São igualmente formas

pelas quais pessoas voltam-se para as outras para atenuarem o peso da solidão e

sentirem-se pertencentes a algum tipo de coletivo.4

Todas estas atividades demandam tempo livre para serem exercidas. E muitas

delas exigem o dispêndio de dinheiro para que se lhes tenha acesso. Em seu conjunto

constituem-se na demanda por bens e serviços de entretenimento e deve constituir-se em

dos objetos desta nova disciplina, em paralelo a estudos sobre consumo – e talvez tão

pobres quanto estes. Mas o outro campo de estudo apresenta possibilidades muito

maiores, na medida em que se aproxima das áreas mais profícuas dos estudos

macroeconômicos e da organização industrial. Aqui estudaremos a estrutura da oferta

que acompanha todas atividades de nosso consumidor de lazer.

Podemos partir da televisão e de toda a seqüência de negócios que nela

desemboca. Pelo lado do equipamento existe uma cadeia produtiva que tem uma das

pontas nas grandes redes de lojas de varejo e nas pequenas oficinas de manutenção,

estendendo-se em enlaces com os atacadistas, destes com os fabricantes dos aparelhos,

daí para seus fornecedores, até o primeiro produtor do cobre com o qual se farão as

conexões elétricas. Já pelo lado da programação temos a ponta nas redes de televisão

abertas e fechadas (i.e., gratuitas e pagas), bifurcando-se de um lado para os programas

gerados internamente, de outro para os fornecedores de programas, ambos com seus

elencos de profissionais e de equipamentos.

No caso do consumidor preferir a leitura temos toda a cadeia editorial e gráfica.

Na parte física partimos do varejo – a livraria e o jornaleiro da esquina – ao distribuidor,

4 Uma vasta literatura aborda esta questão. Ver, por exemplo, De Grazia (1962), Dumazedier (1999 e 1994), Camargo (2000), Critcher, Brabham e Tomlison (1996).

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passando em seguida para as editoras, os fornecedores de papel, tinta e equipamentos

variados, até as madeireiras. E no lado da criação encontramos a partir das editoras o

ramo do livro, com os trabalhadores editoriais e os autores5, e o do jornalismo, com a

produção de notícias nas redações de jornais e revistas, as agências de notícias, etc.6

A música que nosso personagem escuta pode estar sendo tocada naquele instante

pelos vizinhos e, na versão mais simples, pode tratar-se de composições próprias ou de

improviso jazzístico. Neste caso podemos acompanhar a cadeia produtiva a partir dos

instrumentos musicais, de seus vendedores varejistas, daí para os atacadistas e os

fabricantes, os fornecedores de equipamentos, até os madeireiros e mineradores que

ofertam as matérias primas. Caso estejam tocando algo de autoria de terceiros podemos

seguir o caminho que vai desde a livraria onde se vende a pauta musical até a editora,

daí até o autor.

Mas em geral nosso herói escuta música no rádio. Aqui temos uma cadeia

produtiva do equipamento receptor que é idêntica à do televisor, já mencionada, e outra

que produz o programa de rádio, semelhante à geradora dos programas de TV. E esta

música tocada na rádio vem do disco, que se nos aparece como uma cadeia que vem dos

varejistas, passa pelas gravadoras, pelos produtores de aparelhos de som...7

O computador e o celular são os principais brinquedos difundidos neste fim de

século – com a vantagem de que não servem apenas para brincar.8 A indústria da

informática pode ser estudada pelo lado da cadeia produtiva do hardware, que vai do

importador brasileiro ao produtor de chip asiático, passando por diversos tipos de

montadoras (sem esquecer a montagem artesanal dos micreiros) à rede de

5 No caso de publicações técnicas e científicas os autores podem ser a ponta de outra cadeia que se origine em universidades e centros de pesquisa. 6 Para uma análise do caso brasileiro ver BNDES (1997d e 1999d). 7 Para uma análise da produção de aparelhos eletrônicos de consumo ver Gonçalves (1997). Uma análise da indústria do disco nos EUA está em Burnett (1996). 8 Este artigo está sendo escrito em sete máquinas diferentes, três das quais situadas na casa do autor.

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coercialização. A esta se devem acrescentar a cadeia do software (o legal e seu

desdobramento pirata) e o acesso à Internet, com seus provedores, portais e

fornecedores últimos de informação.9

Quanto às atividades criativas praticadas dentro de casa a culinária é a mais

difundida, visto que a fome resiste a todas as tentativas de emagrecer. A proliferação de

pessoas morando sozinhas e a redução das empregadas domésticas no último terço do

século XX fizeram com que muito mais pessoas tivessem que preparar suas refeições, o

que levou à difusão de fast food, de alimentos semi-prontos e dos freezers. Uma das

consequências foi que pela primeira vez na história o cozinhar deixasse de ser um

trabalho compulsório para uma quantidade muito grande de pessoas. Assim a culinária

transformou-se em um artesanato tão sofisticado que almeja transmutar-se em arte, e

seus consumidores a utilizam como uma forma de demarcação da identidade e símbolo

de status.10 E proliferam programas de TV que ensinam a cozinhar e os livros de seus

autores são best-sellers mundiais.11 Em paralelo se divulgam matérias primas

sofisticadas (os vinhos, o azeite extra virgem, o vinagre balsâmico, o parmeggiano

reggiano) e equipamentos de alto preço (todo o tipo de panelas e instrumentos de

cozinha em aço inoxidável de design inovador, eletrodomésticos como os processadores

de alimentos, etc.).

Falamos de jardinagem, consertos domésticos, decoração? Novamente livros em

profusão nos ensinam o faça-você-mesmo e programas de televisão12 mostram como é

fácil e rápido tudo aquilo que dentro de casa se chama bricolage e fora dela as diversas

formas de floricultura. O mercado para ferramentas domésticas cresceu aceleradamente

9 Mais de 80% das fontes utilizadas para a redação deste artigo foram obtidas através da Internet, seja mediante a compra de livros ou o download de artigos de acesso livre. 10 Os clubes de gourmets e sommeliers são a expressão maior desta cultura gastronômica; mesmo algumas charutarias seguem na mesma direção. A importância cultural da alimentação e seu papel para a configuração das identidades de diversos tipos de gourmets está em diversos artigos da coletânea organizada por Caplan (1997).

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após a II Guerra, quando se desenvolveram equipamentos leves para que mãos delicadas

pudessem empunhar o que antes exigia os músculos de um trabalhador rural.

Progressivamente as lojas de departamentos foram concedendo mais espaço para estes

produtos, até que apareceram as primeiras mega lojas especializadas.

E se falamos do lazer dentro do lar não podemos esquecer a criação de animais

domésticos – cães, gatos, pássaros, peixes, animais exóticos da moda como hamsters e

furões, etc. Aqui a cadeia produtiva vai das inúmeras pequenas lojas do varejo13 aos

inúmeros criadores de animais, dos pequenos fabricantes de aquários, estantes, gaiolas,

coleiras, casinholas e almofadas ao oligopólio internacional de fabricantes de rações. E

em paralelo temos os livros e revistas e os programas de TV em estações de segunda

linha.

Caso nosso ocioso queira sair de casa precisará arrumar-se, o que significa

vestir-se de acordo com a moda e, sobretudo se for do sexo feminino, passar por toda

uma preparação para estar apresentável, consumindo produtos e serviços de higiene e

beleza.14 Uma vez na rua precisará usar algum tipo de equipamento de uso coletivo, seja

de uso gratuito ou pago. Cidades como o Rio de Janeiro são privilegiadas porque sua

geografia oferece uma infinidade de atrações naturais que podem ser exploradas com

um mínimo de investimento público.15 A economia dos bares e restaurantes vai do

fornecedor do serviço final, passando pelos varejistas de secos e molhados, cadeias de

11 Dos quais a série O Frugal Gourmet, do pastor Jeff Smith, talvez seja o mais bem sucedido. 12 Como o Programa Martha Stewart, difundido a cabo por todo o mundo. 13 Só no município do Rio de Janeiro existem aproximadamente 280 pet shops fornecendo todo tipo de rações e equipamentos aos proprietários. 14 Para análises nada brilhantes da dinâmica da moda ver Dorfles 1988) e Lipovetsky (1989). Um estudo comparativo dos mercados brasileiro e norte-americano de bens e serviços para beleza está em Dweck (1999). 15 O litoral recortado próximo a montanhas se constitui em cenário que faz de uma simples caminhada uma aventura estética – nas diversas trilhas, nas Paineiras, no Caminho do Bem Te Vi, no Aterro do Flamengo,na Lagoa Rodrigo de Freitas, nas praias de Botafogo, Vermelha, Leme/Copacabana, Ipanema/Leblon, São Conrado , Barra/Recreio, Macumba, Prainha, Grumari, Guaratiba, etc., coroados por um mergulho e um eventual show gratuito. Compare-se com a oferta de possibilidades de diversão ao ar livre em São Paulo, onde reina o Ibirapuera em solitária mediocridade.

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supermercados, atacadistas e importadores, até o oligopólio de produtores de bebidas e a

multidão de produtores de alimentos. E ainda temos os campos desconhecidos da

economia das boates e motéis.

Nosso ocioso pode assistir a algum tipo de espetáculo gerado por cadeias

produtivas ligadas ao esporte, à música, ao teatro e ao cinema. No caso do esporte vai-se

subindo do estádio ou ginásio, passando pela liga ou federação organizadora da

competição, os clubes e seus patrocinadores, as estações de rádio e televisão, os

fornecedores de material esportivo, etc.16

Os demais espetáculos integram o campo da economia da cultura.17 Aqui se

incluem desde atividades tipicamente artesanais, como a culinária e os espetáculos ao

vivo, até a grande indústria do disco e do cinema. A economia do cinema é a mais bem

estudada.18 Na verdade faz mais sentido nos referirmos à indústria do audiovisual como

um todo, uma cadeia composta por cinco estágios do processo produtivo:

criação/conteúdo, produção, acondicionamento, distribuição e interface com o

consumo.19 No estágio de criação e conteúdo atuam os responsáveis pela pré-produção,

que reúne criadores e os detentores de direitos autorais (sobre roteiros, filmes, vídeos,

eventos esportivos e outros tipos de programas), empresas detentoras de estúdios e seus

equipamentos e as firmas agenciadoras de capital humano. Neste último caso se incluem

os técnicos diversos (de iluminação, eletricidade, etc.) e o star system, com seus

roteiristas, atores e diretores.

A etapa de produção compreende as atividades de confecção propriamente dita

do audiovisual, ficando a cargo de estúdios de cinema, cadeias de televisão (aberta e por

16 Estudos sobre o tema no Brasil são BNDES (1997a, 1997b, 1997c) e Barbosa e Zamboni (2000). Para o exterior ver Dunning (1997). Para uma tentativa mal sucedida de criar um manual de economia do esporte ver Cooke (1995). 17 Para um estudo global da economia da cultura na Espanha ver Grazia, Del Pozo e Pérez (1997). 18 Para uma síntese do caso norte-americano ver Stoper, 1995; para o caso brasileiro ver Barradas, (.....) 19 A referência sobre a cadeia produtiva do audiovisual é Galvão (1998).

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assinatura) e produtores independentes. O produto é um bem durável que pode ser

veiculado por distintas mídias, o que será feito na etapa de acondicionamento, onde

atuam as redes de televisão, as distribuidoras de cinema e filmes e alguns produtores

independentes. A distribuição, etapa seguinte, pode ser feita por meios físicos (para

filmes e vídeos) ou via transmissão de sinais pela rede de telecomunicações. Finalmente

a interface com o consumo é feita pelas salas de exibição, pelas locadoras e

revendedoras de vídeos e pelas redes de televisão aberta e a cabo.

A economia do turismo é um campo onde a quantidade de estudos quase

consegue compensar a pobreza da maioria.20 Pode-se decompor esta atividade em

estudos de demanda e de oferta; no primeiro caso trata-se da escolha de meios de

transporte, meios de hospedagem, aproveitamento das atrações e auto-produção ou

compra de um produto em agência. Os atores e os meios são os mais variados, indo do

mochileiro que viaja de carona e dorme em sua barraca ao milionário que vai para sua

ilha em seu helicóptero particular, até as multidões que lotam ônibus e vôos charter

para se acotovelarem frente a qualquer ícone da cultura de massas que ninguém pode

deixar de fotografar. Já os estudos sobre a oferta de turismo referem-se aos temas da

economia do produto turístico (a conjugação de atrações, acomodações e facilidades

diversas21), da infraestrutura de transporte e serviços urbanos e dos elementos

institucionais.22

Finalmente pode-se medir o impacto do conjunto destas atividades econômicas

sobre a renda, o emprego e o balanço de pagamentos de uma cidade, uma região ou um

país.

20 Os bons estudos brasileiros são do BNDES (1999a, 1999a, 1999b, 1999c, 2000a, 2000b). Um manual que não envergonha é o de Tribe (1996). 21 As facilidades compreendem os serviços prestados por agências de viagens, restaurantes, bancos/câmbio, assistência médica e comunicações.

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Parece, portanto, a primeira condição para trabalharmos no campo é colocar um

pouco de ordem no caos e definir suas fronteiras, englobando todos aqueles estudos

possíveis em torno de alguns poucos temas, que serão as regiões da economia do

entretenimento. O primeiro destes temas é o da economia do uso do tempo, consagrado

desde o final do século XIX pelo sucesso de obras como as de Veblen, Lafargue e

Russel, quando a luta pela redução da jornada de trabalho ocupava grande parte da

agenda política. Um outro tema óbvio é o turismo, o mais estudado de todos,

principalmente a partir do momento em que o volume de negócios levou à fundação de

associações nacionais e internacionais, com destaque para a WTO. Igualmente fácil de

recortar é a economia do esporte, que começa a ganhar espaço nos trabalhos

acadêmicos. Não tão simples de definir como os anteriores é a economia da cultura, que

abarca uma grande quantidade de atividades bastante distintas.

Tempo, turismo, esporte e cultura são, então, as quatro áreas principais da

economia do entretenimento. Veremos em seguida um estudo de caso sobre cada um

destes. O uso do tempo será exemplificado por um estudo feito sobre o uso da semana

nos EUA e outro sobre o ciclo de lazer feito no Reino Unido. A economia do esporte

será exemplificada pelo impacto destas atividades sobre a renda e o emprego no país,

bem como compará-la com algumas das principais atividades econômicas. O mesmo

será mostrado acerca da economia do turismo na Espanha. E a definição das fronteiras

da economia da cultura será complementada com um estudo sobre o peso da mesma na

economia espanhola.

22 Estes elementos incluem os organismos públicos e as associações privadas encarregados de organizar a atividade, os regulamentos e leis pertinentes, os programas de formação de recursos humanos e de

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2. Estudos de Caso

2.1. A economia do uso do tempo dos EUA e no Reino Unido

Uma pesquisa norte-americana23 nos mostra a situação naquele país em 1985.

Em média as pessoas entre 18 e 65 anos de idade dedicavam em cada semana 26,1 horas

para trabalho remunerado, 24 horas para trabalho doméstico não remunerado,24 75 horas

com cuidados pessoais25 e sobravam 39,6 horas como tempo livre.26

É claro que estas médias são abstrações que escondem tanto quanto mostram.

Assim, aquelas 26,1 horas de trabalho remunerado estão muito distantes dos

personagens mais concretos: os homens empregados trabalhavam 39,7 horas semanais,

enquanto os desempregados (inclusive aposentados) apenas 10,6. Já as mulheres

empregadas usavam para este fim 30,8 horas e as desempregadas apenas 3,8 horas.

Da mesma forma o tempo de trabalho doméstico não remunerado – ainda que

com resultados nada surpreendentes. As mulheres desempregadas passam quase toda a

jornada nesta atividade – assim ocupando 39 horas semanais. Suas colegas empregadas

gastam 25,6 horas (o que, somado às 30,8 horas de trabalho remunerado confirma a

existência de uma dupla jornada). Para a maioria dos agentes as compras ocupam a

metade do tempo gasto em cuidados com a casa e o dobro do tempo distendido com os

filhos.

No que se refere aos cuidados pessoais as diferenças são muito pequenas. O

tempo gasto com higiene e arrumação do corpo é aproximadamente o mesmo gasto com

alimentação e um sexto daquele despendido com o sono. As mulheres empregadas (10,5

financiamento, as estratégias de marketing, as facilidades diplomáticas, etc. 23 Robinson e Godbey (1997). 24 O que inclui compras e cuidados com a casa e com os filhos. 25 Sono, alimentação, higiene, etc. 26 Das 168 horas existentes na semana sobram ainda 3,3 horas semanais de atividades não determinadas. Observe-se que o tempo gasto com transporte está incluído nas demais categorias.

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horas) e desempregadas (11,5) gastam mais tempo cuidando da higiene e do corpo do

que os homens nas mesmas condições (9,2 e 10,4, respectivamente). Aqui é difícil

resistir à tentação de citar Danusa Leão:

“Só para começar a existir a mulher precisa de muito mais tempo do que o eles; vamos começar fazendo uma continha semanal básica. Para fazer as unhas, 40 minutos; duas escovas, uma segunda-feira e a outra na sexta, 30 minutos – isso se tiver cabelo curto; depilação, pelo menos 30; retocar a raiz dos cabelos e as mechas, 2 horas a cada 3 semanas; olhar uma revista de moda por semana, só uma, 30 minutos; dar ordens à empregada, 15 minutos por dia – isso se a televisão não tiver pifado e a máquina de gelo vazado; e tem que comprar meias – elas rasgam -, os cremes, as maquiagens, e aquele lápis de olho que na loja em que se vai sempre acabou, vai ter que procurar. E se quiser comprar um sapato novo – direito inquestionável de qualquer mulher -, vai precisar de um tempo impossível de se calculado. E isso, fora a ginástica.

“(...) obrigações semi-sociais aparecem: um coquetel numa empresa, uma cerimônia oficial à qual não pode deixar de ir, essas coisas. Homem vai no banheiro, passa uma água no rosto e vai direto; mulher, depois de um dia inteiro de trabalho, não pode ser vista nem pela própria mãe. Ela só se recupera depois de passar em casa e fazer uma maquiagem nova no seu próprio banheiro; não adianta ter todos os produtos no lugar onde trabalha, tem que ser em casa.”27

Mas deixemos nossas cariocas de lado e voltemos à pesquisa norte-americana. O

tempo gasto nas diversas atividades de transporte (que estão embutidos nas demais

categorias) varia bastante. As mulheres desempregadas são as que menos se deslocam

(7,9 horas). Os homens desempregados e as mulheres empregadas ocupam quase que o

mesmo tempo semanal nestes deslocamentos (respectivamente 11 e 10,9 horas). Os

homens empregados ficam em uma faixa intermediária: 9,5 horas.

E chegamos ao tempo livre, cuja média é de 39,6 horas semanais – ou pouco

mais de 5 horas e meia por dia. Quem mais o tem são os homens desempregados, com

55,6 horas, visto que pouco se ocupam com tarefas domésticas. Quem menos o tem,

claro, são as mulheres empregadas, que com sua dupla jornada ficam reduzidas a 34

horas – quase o mesmo que os homens empregados, que têm 36. As mulheres

desempregadas ficam numa faixa intermediária, com 46,4 horas.

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E como é gasto este tempo? Aqui não temos os dados desagregados, apenas as

médias nacionais. Nada surpreendentemente a principal atividade é assistir televisão –

15,1 horas. Em seguida vem as atividades de socialização – 5,7 horas gastas em bares,

festas, visitas pessoais, e as 4,4 horas de comunicação (conversar pessoalmente ou por

telefone, escrever, pensar, ouvir música, jogar no computador e navegar na Internet,

relaxar). A leitura e os hobbies (artesanato doméstico, prática de música, artes plásticas,

teatro, dança, coleções, etc.) recebem cada um 2,8 horas semanais. O estudo e a prática

de atividades esportivas e exercícios físicos consomem cada qual 2,2 horas; o tempo

destinado ao trabalho voluntário em associações sindicais, políticas e outras é de 1,2

horas e o comparecimento a espetáculos culturais/esportivos é de 0,9 horas semanais – o

mesmo dedicado a cerimônias religiosas. A atividade menos praticada é ouvir rádio ou

música – atenção, como atividade principal, pois estas são práticas de fundo, que

acompanham muitas outras, desde dirigir a trabalhar.

Mas isto não é tudo. O uso do tempo varia muito ao longo do ciclo de vida do

mesmo indivíduo – da mesma forma que sua renda. Assim, crianças têm muito tempo

livre mas pouco dinheiro para gastar, e a maior parte das decisões sobre seu lazer são

tomadas pela família. Adultos solteiros estão se iniciando em suas profissões e não têm

responsabilidades familiares – seu tempo livre e sua renda disponível são medianos.

Quando se casam o tempo permanece o mesmo até aparecerem os filhos e a renda

aumenta; jovens casais são grandes participantes de atividades de lazer, tal como os

casais maduros depois que os filhos saem de casa.28 Casais com crianças em geral já se

consolidaram profissionalmente e tiveram aumento da renda, mas os cuidados com a

prole deixaram poucos recursos para o lazer – e menos tempo ainda. Pior, qualquer

27 Leão(2001). 28 Uma diferença importante, porém, é que casais jovens procuram os divertimentos básicos de sua geração, em geral aqueles mais facilmente acessíveis, enquanto os casais maduros já conhecem este básico e preferem buscar locais exóticos.

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programa tem que ser pago para muitas pessoas, o que aumenta a predisposição para

ficar em casa. Finalmente, aposentados têm muito tempo livre, mas geralmente perdas

de renda, dependendo do sistema de aposentadorias a que estejam associados.

E assim caímos em pleno paradoxo do entretenimento. Sua demanda depende da

disponibilidade de duas variáveis que variam na razão inversa. A luta por mais dinheiro

geralmente elimina o tempo para gastá-lo prazerosamente, enquanto abrir mão de

trabalho remunerado pode levar o indivíduo a não ter como usar seus momentos livres.

Uma maneira de romper com este paradoxo é dispor de meios de se entreter sem pagar

por eles, seja produzindo a própria diversão (onde o bate-papo é o caso mais óbvio) ou

tendo acesso a facilidades gratuitas disponibilizadas através de mecanismos extra-

econômicos pelo governo, por benfeitores públicos ou simplesmente por amigos e

parentes. Cuidado, porém, caro leitor: estamos abandonando o terreno conhecido das

transações mercantis e penetrando no pântano das relações de redistribuição e de

dádiva, que tantos aborrecimentos causam a sociólogos e antropólogos. Prossigamos,

por enquanto, no terreno do conhecido

2.2. A Economia do Esporte no Canadá

A importância assumida pela economia do esporte no Canadá é em grande parte

o resultado de quatro décadas de ação estatal. De fato, nos anos 50 os resultados pífios

dos atletas canadenses nas competições internacionais geraram discussões no

Parlamento acerca da importância do esporte para o welfare state e da necessidade de se

traçar uma política de fomento, aos níveis federal, provincial e local. As primeira ações

tiveram início nos anos 60, quando foram criadas as agências responsáveis pelo esporte;

na década de 70 estas ações sofreram notável incremento, com os subsídios crescendo

de 6 para 39 milhões de dólares. Nos anos 80 a política conheceu seu apogeu e, na

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década seguinte, com a crise do welfare state os gastos públicos com esporte sofreram

uma redução de 25%. Nos últimos anos do milênio a reversão da onda neoliberal trouxe

a necessidade de rever a política para o esporte, o que levou à formação de um

Subcomitê especializado na Câmara dos Comuns, para reavaliar o que é feito e planejar

a retomada da expansão.29

As razões para incentivo ao esporte são de distintas naturezas. Ainda que os

argumentos econômicos sejam o objeto do debate atual, existem aspectos não

econômicos que são aceitos há décadas e que são igualmente importantes para os

parlamentares. É consensual que o esporte contribui para a saúde, o bem-estar e a

identidade dos canadenses, atuando sobre os indivíduos, as comunidades e a nação,

ajudando na construção do caráter, na escolha de estilos de vida sadios, no

desenvolvimento físico e moral, no aperfeiçoamento da auto-estima e no aumento da

alegria de viver. Aos indivíduos permite a expressão pessoal, combinando aspectos

físicos, mentais e emocionais; às comunidades contribui com a coesão social gerada

pela integração de atletas, treinadores, parentes e voluntários;30 para a nação

proporciona o orgulho coletivo de sustentar e se identificar com os atletas.

Noa anos 90 existiam 30 milhões de canadenses; destes, cerca de 10 milhões de

pessoas acima de 15 anos praticavam regularmente alguma atividade esportiva.

Aproximadamente 6 milhões dedicavam-se regularmente a caminhadas; natação,

ciclismo e exercícios em casa têm cada um cerca de dois milhões de praticantes;

jogging, corrida, boliche, baseball/softball, pesca e musculação contam com, grosso

modo, algo em torno de um milhão de adeptos cada um; e golfe, esqui, hóquei, skate,

aeróbica, tênis e volei contavam com algumas centenas de milhares de fiéis. Estes dados

29 Estes estudos realizados para a Câmara dos Comuns (Mills, 1998 e Harvey, Lavoie e Saint Germain, 1998) constituem-se na fonte para nossa abordagem do problema. 30 O trabalho voluntário é essencial para a realização dos eventos esportivos, permitindo uma redução substancialíssima dos custos.

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demonstram a pujança esportiva em um país onde durante metade do ano as condições

climáticas são desfavoráveis à maior parte das atividades ao ar livre.

Naturalmente o número de atletas registrados em ligas de esportes amadores é

muito menor; são cerca de 2.700.000, o que significa mais de 10% da população. Os

esportes mais populares são o hóquei e o futebol (na versão setentrional-troglodita),

ambos com mais de meio milhão de praticantes registrados e pagando taxas para

participar de competições. Os atletas profissionais são algumas centenas,

aproximadamente 300 jogadores de futebol e 220 de hóquei, basquete e basebol

somados. Existem ainda pouco mais de 1000 atletas amadores subsidiados pelo poder

público, que recebem estipêndios de acordo com uma tabela que avalia seu desempenho

nas principais competições (Jogos Olímpicos, Paraolímpicos e campeonatos nacionais).

Estes subsídios públicos surpreendem pela modéstia. Os atletas tipo A31 recebem

810 dólares mensais como ajuda de custo, e são 218 pessoas. Os 113 atletas tipo B32

recebem 685 dólares/mês, diminuindo progressivamente. A renda média anual deste

milhar de privilegiados mal chega a 20 mil dólares, sendo 5.754 pagos pelo governo,

3.322 de outras fontes ligadas ao esporte e 10.634 de outras rendas.

Aos atletas se somam mais de 188 mil treinadores registrados, liderando

novamente as categorias hóquei e futebol, com mais de 70 mil em cada caso. Os salários

dos treinadores compreendem um gasto público bem maior do que com os atletas, pois

acredita-se que esta é a maior contribuição que o governo pode dar para o bom

desempenho desportivo. Finalmente, estes profissionais são auxiliados por 1.800.000

31 Atletas tipo A são aqueles que ficam entre os 4 primeiros colocados em competições em que existe um representante por país; entre os 6 primeiros quando cada país tem 2 representantes, e entre os 8 primeiros quando cada país coloca na competição mais de 3 atletas. 32 Estes são os que ficaram, nas mesmas competições, respectivamente entre o 5º e o 8º lugar, entre o 7º e o 12º e entre o 9º e o 16º.

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voluntários, que oferecem um trabalho que, se pago, custaria anualmente cerca de 860

milhões de dólares.33

Em 1996 as famílias Canadenses dedicaram 16,3% de seu orçamento em

habitação, 9% em aquisição de alimentos, 2,6% em automóveis, 2,1% em saúde, 1,46%

em esportes, 1,1% em educação e 0.5% em material de leitura. O gastos com esportes se

distribuem segundo o quadro seguinte:

Despesas com Esportes no Canadá - 1996

Dispêndio Anual (US$ Milhões)

Dispêndio Médio Familiar

(US$)

% das Despesas

Familiares

Roupas e calçados esportivos 2.289 210 0,43

Equipamentos esportivos 2.071 190 0,39

Ingressos em espetáculos esportivos 403 37 0,08

Uso de facilidades recreativas 3.063 281 0,57

Total 7.827 718 1,46

Fonte: Mills (1998).

Existem dados sobre a cadeia produtiva de equipamentos esportivos. A indústria

tem cerca de 200 firmas, que empregam 10.500 pessoas e geram um valor adicionado de

220 milhões de dólares.34 Estes produtos são distribuídos por uma rede atacadista em

que as firmas mais importantes estão nas atividades de suprimentos para piscinas e

bilhares, embarcações e armas/munições, empregando 2.100 pessoas e gerando um

valor adicionado de 12 milhões de dólares. Finalmente o comércio varejista é o mais

importante tendo 36 mil empregados e um valor adicionado de 87 milhões de dólares.

33 A identificaação dos cidadãos com a atividade esportiva faz com que a grande maioria dos envolvidos aceitem trabalhar gratuitamente. De fato, o número de voluntários é sete vezes maior do que o dos profissionais. 34 Fabricam-se equipamentos para arco-e-flexa, badminton, basebal, basquete, ciclismo, bilhar, boliche, curling, pesca, futebol, golfe, ginástica, hóquei, caça, , skate, squash, caminhadas na neve, tênis de mesa, tobogã, etc.

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A balança comercial de equipamentos esportivos mostra um déficit - as

exportações eram em 1997 de 579 milhões de dólares, contra importações de 1.056

milhões. Os canadenses exportavam sobretudo equipamentos para piscinas e natação

(26%), para ginástica e exercícios (26%) e para hóquei e patins (25%) e seu principal

destino eram os Estados Unidos. As importações consistiam em produtos de dois tipos,

os de baixo custo procedentes da Ásia e os de alta qualidade vindos de países

desenvolvidos (metade delas procedia dos Estados Unidos); destacam-se os

equipamentos para ciclismo (19%), ginástica e exercícios (19%), golfe (18%) e hóquei

(11%).

Para que se tenha idéia da importância destes valores, o mercado internacional

de equipamentos esportivos em 1996 movimentava vendas de 90 bilhões de dólares, das

quais 33% destinavam-se a países da Comunidade Européia, 30% aos Estados Unidos,

22% ao Japão, 3% ao Canadá e 12% ao resto do mundo. Existe uma grande

concentração por país – produtores de 10 países respondiam por 80% das vendas

mundiais e por 75% do comércio internacional. Inversamente existe pequena

concentração por firma, visto que as 10 maiores firmas respondiam por menos de 20%

do mercado mundial.

Os serviços ligados ao esporte ocupavam pouco mais de 5.400 firmas, dos quais

cerca de 80% são clubes recreativos. Existem também clubes de golfe, clubes esportivos

profissionais, jóqueis clubes e assemelhados, marinas e centros de aluguel de barcos,

intalações para a prática do esqui e outros esportes de inverno, etc. A renda gerada por

estes clubes era de 5.114 milhões de dólares em 1988.

O Canadá também se destaca como sede de Grandes Jogos: o Pan Americano de

1967, as Olimpíadas de 1976, os Jogos Mundiais Estudantis de 1983, as Olimpíadas de

Inverno de 1988, os Jogos do Commonwealth de 1994, os Jogos Canadenses a cada dois

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anos e as corridas de automóveis anuais. O impacto econômico destes mega eventos se

dá principalmente sobre a indústrias da construção e a hotelaria, e sua medida costuma

ser objeto de polêmica.35 Os investimentos públicos em infra-estrutura esportiva nunca

se pagam com a receita direta do evento, vindo sua justificativa da consideração de que

(i) as mesmas instalações poderão ser usadas muitas outras vezes, incrementando a

prática esportiva no local; (ii) existem valores não-mercantis que são o principal retorno

obtido em tais eventos;36 (iii) a atração de um fluxo de turistas durante muitos anos após

o fim do evento, principalmente adeptos de atividades esportivas.

Mas o turismo praticado durante os jogos é de grande importância para o setor

privado; existem indicações de que o esporte seja o maior atrator de turistas para o país.

De fato, cerca de 38% de todos os estrangeiros que visitaram o Canadá em 1996 vieram

praticar atividades esportivas ou assistir algum dos 250 mil eventos do gênero que o

país abriga anualmente. Os norte-americanos vão caçar e pescar, e de todos os pontos do

mundo afluem adeptos de esportes, principalmente das modalidades de inverno – o

esqui à frente dos demais. O Grand Prix de Montreal de 1997 atraiu 104 mil

estrangeiros, foi transmitido para 130 países e televisionado para 300 milhões de

pessoas em todo o mundo. Os turistas deixam cerca de 4 bilhões de dólares anualmente,

os quais geram um impacto sobre o PNB de 29 bilhões de dólares (ou 3,4% do total) e

geram pouco mais de 500 mil empregos-ano.

O impacto dos gastos de canadenses e estrangeiros com esportes sobre o PNB é

de 8,9 bilhões de dólares e sobre o emprego de 262.325, ambos em 1994-95. Na geração

de renda como de emprego os principais responsáveis são os gastos com material

esportivo, clubes recreativos e pessoal especializado (atletas, árbitros e treinadores.

35 Para uma discussão sobre o impacto econômico de grandes eventos esportivos ver Gratton, Dobson e Shibi (2000). 36 Entre estes estão o incremento do orgulho cívico e da coesão social, o desennvolvimento esportivo e social da comunidade e o reconhecimento nacional e internacional do local.

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Impacto dos Esportes sobre a Economia do Canadá, 1994-95

Valor Adicionado

(US$ milhões)

Empregos

Atletas, árbitros e treinadores 1.552 58.919

Manufatura e vendas de material esportivo 2.975 59.122

Clubes esportivos profissionais 476 19.071

Clubes esportivo-recreativos 1.306 67.033

Espetáculos esportivos ao vivo 132 4.644

Uso de facilidades recreativas 820 28.897

Outros serviços relacionados a esportes 416 20.416

Organizações esportivas nacionais 53 331

Governo Federal 263 1.634

Governos Provinciais 161 950

Governos Municipais 704 1.307

TOTAL ESPORTE 8.858 262.325

TOTAL ECONOMIA 781.786 13.399.000

% DO ESPORTE 1,1% 2,0%

Fonte: Mills (1998)

Estes dados podem ser comparados com aqueles derivados de outras atividades

econômicas. O esporte é o quinto maior contribuinte para o PNB, ficando à frente de

atividades tradicionais como Papel e Derivados, Mineração, Gráfica e Publicidade e

Madeireira. Mas sua maior contribuição parece ser na geração de empregos, campo em

que é superado apenas pelas atividades agrícolas.

Participação de Outras Indústrias no Produto (1995) e no Emprego (1994) no Canadá

% do PIB % empregos

Agricultura e serviços relacionados 1,81 3,48

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Indústria alimentícia 2,02 1,36

Gráfica, publicidade e relacionadas 1,07 1,06

Veículos, componentes e acessórios 2,05 1,03

Indústria madeireira 0,82 0,82

Papel e derivados 1,01 0,75

Construção e silvicultura 0,68 0,49

Mineração 1,07 0,38

Pesca e caça 0,12 0,31

Petróleo e gás natural 2,45 0,27

Aeronáutica 0,39 0,27

Fonte: Mills (1998)

Todas estas atividades são coordenadas por entidades esportivas que obtém 70%

de seus recursos de fontes privadas – doações e patrocínios. Outros 20% são gastos

municipais e 10% gastos federais. Nem todas as entidades esportivas recebem recursos

públicos;37 o acesso é obtido para aquelas aprovadas pelos critérios do Sport Funding

and Accountability Framework (STAF). Tais critérios consistem em variáveis ligadas à

alta performance, ao desenvolvimento esportivo, à transparência contábil e à aceitação

de normas de conduta (acessibilidade por gênero, uso das duas línguas oficiais, combate

ao uso de drogas e não aceitação de propaganda de produtores de tabaco).

4.3. A Economia do Turismo na Espanha

Aqui temos os trabalhos realizados e coordenados pelo Instituto de Estudios

Turístico, que elabora estatísticas, define metodologias e estabelece planos para que se

37 São beneficiadas 38 entidades monoesportivas e 12 pluriesportivas.

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tenha indicadores estatísticos sobre o setor.38 Escolhemos os resultados da pesquisa

Familitur, sobre o comportamento turístico dos espanhóis em 1999.

Os 40 milhões de residentes no país realizaram 119 milhões de viagens de mais

de um dia, sendo duas vezes mais viagens à segunda residência a do que viagens

turísticas. O conceito de segunda residência refere-se às casas de campo e de praia

utilizadas pelos viajantes sem pagamento por hospedagem, i.e., casas próprias, alugadas

ou ainda oferecidas gratuitamente aos usuários por parentes e amigos; os residentes em

21% das moradias tinham acesso a esta facilidade. Tais viagens geralmente são

realizadas em fins de semana, sempre para os destinos lugares e em companhia das

mesmas pessoas, usando como meio de locomoção o automóvel. Os moradores de cerca

de 21% das residências têm acesso a segunda residência e o fazem de maneira quase

uniforme durante o ano.

Viagens turísticas são aquelas que utilizam qualquer outro meio de hospedagem,

e dois terços delas são de longa duração, i.e., duram mais de três dias. Para cada 10

turistas que ficam em um camping outros 44 focam em hotel e 86 em casas de parentes

e amigos. A principal razão apresentada para a viagem é quase sempre descanso/ócio

(70% dos casos), seguida de visitas (18%), diversos (8%) e negócios (4%). Mas estes

números não devem se levados muito a sério, visto que quase ninguém faz uma viagem

com uma só finalidade; descanso e visitas a parentes estão presentes no mesmo número

de vezes, seguidos de compras, visitas culturais e idas à praia.

38 O Frontur estuda anualmente os movimentos turísticos de fronteira, realizando entrevistas por amostragem com usuários de rodovias (75 mil entrantes no país e 19 mil saintes) e aeroportos (190 mil entrantes e 20 mil saintes). O Egatur estuda os gastos de 86.000 dos turistas entrevistados pelo Frontur (25.ooo residentes e 61.000 não residentes). O Familitur estuda os movimentos turísticos dos espanhóis, entrevistando a cada quatro meses 10.800 moradias para saber das características das viagens de qualquer tipo realizadas pelos moradores. O Sintur é o sistema mais completo e estuda questões tão variadas quanto o mercado para turistas segundo os principais países emissores, a previsão da entrada de visitantes por meio de acesso, o resultados da atividade dos principais estabelecimentos hoteleiros, o emprego e o custo do trabalho no turismo, os preços da hospedagem, a construção residencial associada ao turismo, a distribuição territorial da infra-estrutura turística e seu impacto regional, etc. As Contas Satélites do turismo organizam as informações segundo a metodologia das Contas Nacionais. Ver IET (2001).

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O grau de satisfação com estas viagens é elevadíssimo e mais de 90% dos

entrevistados declarou-se disposto a retornar ao local; e 78% deles estavam em algum

lugar que já tinham visitado anteriormente. Talvez por esta razão dois terços dos turistas

não faz qualquer tipo de reserva de hospedagem; 17% fazem reserva direta, 11% fazem

reserva por agência de turismo e apenas 5% compram pacotes completos. Em suma,

parece que o turista espanhol tem informações suficiente sobre este tipo de lazer dentro

do país, não precisando comprar serviços de assessoria em agências especializadas.

Metade destas viagens são realizadas durante o verão (de junho a setembro),

sendo que 25% do total são feitas em agosto; outros momentos importantes são os

feriados prolongados, o Natal/Ano Novo e a semana da Páscoa. O litoral do

Mediterrâneo é o destino escolhido em mais de metade dos casos. Em função da

proximidade o carro é o meio de transporte escolhido em 76% dos casos, vindo em

seguida o ônibus (11%), o avião (6% e quase exclusivamente para as ilhas), o trem (5%)

e o barco (1%).

Observe-se que não se pode diferenciar turistas de viajantes de segunda

residência, visto que 84% destes também fizeram viagens turísticas.39 O que se pode é

dividir a população em duas metades, uma das quais viaja bastante – 6 vezes por ano,

em média. Esta metade viajante, de maneira nada surpreendente, é constituída

majoritariamente por pessoas que têm educação superior,40 com idades entre 25 e 44

anos, e melhor situada na escala profissional. Efetivamente realizaram alguma viagem

mais de 70% de todos os dirigentes públicos e privados, dos profissionais liberais, dos

intelectuais e dos técnicos e profissionais de apoio. Complementarmente viajam pouco

39 Em contrapartida apenas metade das residências sem segunda moradia tinham pelo menos um morador que tivesse realizado viagens turísticas. 40 Apenas um terço dos residentes com educação básica realizaram alguma viagem em 1999, contra três quartos dos que cursaram universidade.

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(menos de 40% das pessoas) os trabalhadores da agricultura e da pesca, os artesãos, os

trabalhadores de ofícios e os não qualificados.

Portanto o poder aquisitivo é um indicador da propensão a viajar – o que permite

aos economistas afirmar que a elasticidade-renda da demanda é positiva, ou seja, que

tem renda maior viaja mais. Este comportamento é um dos indicadores de um estilo de

vida altamente valorizado em todo o mundo ocidental, para quem o sucesso na

capacidade de ganhar dinheiro tem como contrapartida a maior variedade possível de

gastos com entretenimento. Outro indicador deste fenômeno é encontrar-se algum tipo

do que os espanhóis chamam equipamento turístico em 70% das residências – esquis,

barracas, sacos de dormir, material de caça e pesca, barcos, pranchas de surf, material

para mergulho e bicicletas.

A esmagadora maioria destas viagens turísticas são realizadas no interior do

território espanhol – pouco mais de 90% delas. Já no caso das viagens ao exterior

aparecem diferenças importantes, a partir do menor domínio de informações sobre a

viagem. Enquanto no turismo interno a quase totalidade das viagens é um retorno a

locais conhecidos, no turismo externo quase dois terços dos deslocamentos são a sítios

desconhecidos. Além disso a hospedagem é feita majoritariamente em hotéis – 61% dos

casos, contra 21% em casas de parentes e amigos. Por estas razões 28 % dos viajantes

faz reserva por meio de alguma agência de viagens e outros 27% compra o pacote

completo. Outros 18% fazem reserva diretamente e apenas 27% se arriscam a viajar sem

qualquer tipo de reserva.

Estas viagens são geralmente de férias, o que explica sua duração média de 10

dias e o fato de que o motivo principal alegado em 70% dos casos é o descanso.41 A

principal atividade desenvolvida no exterior são as visitas culturais. A concentração é

41 Outros motivos que aparecem com igual frequência (10% cada) são visitas e negócios.

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nos meses de verão, aparecendo secundariamente os feriados do Natal e da Páscoa.

Chama a atenção o fato de que o avião é o meio de transporte escolhido em metade das

viagens, seguido pelo carro (34%) e pelo ônibus (11%). O trem, apesar da excelência de

sua rede e de sua popularidade entre visitantes brasileiros, é escolhido para os

deslocamentos internacionais de apenas 3% dos espanhóis, e é mais importante apenas

do que o barco.

Sendo estas as condições de transporte e hospedagem não deve causar supresa o

fato do dispêndio dos viajantes ser muito maior nas viagens ao esterior. De fato, o gasto

médio é de 17.600 pesetas por viagem, contra 6.440 gastos nos deslocamentos no

interior do país. Assim, embora o grau de satisfação seja muito elevado, existe uma

reclamação generalizada contra os preços mais altos do que aqueles encontrados no

torrão natal.

4.4. A Difícil Definição da Economia da Cultura e o Caso Espanhol

A dificuldade maior para trabalhar-se com a economia da cultura reside na

pobreza das fontes estatísticas, característica da juventude deste campo de pesquisa. E

não é casual que se fuja do tema; as dificuldades são muito maiores do que aquelas

aparecidas nos casos do uso do tempo, do esporte e do turismo. Antes de mais nada os

estudos sobre economia da cultura estão contaminados por discussões estéticas e

filosóficas acerca das origens e consequências do consumo de massas e da indústria

cultural, em um debate que opõe a escola de Frankfurt e seus críticos. Em segundo lugar

aparece a falta de consenso quanto ao que seja a própria indústria cultural, se referido à

maneira pela qual os produtos são gerados, à natureza do produto, a forma de

organização do trabalho e as estruturas produtivas.42

42 Para uma síntese da discussão ver Brito Henriques (2000).

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Para não fugirmos de nossos propósitos convém ficar tão longe quanto possível

desta discussão, buscando estudar as cadeias produtivas encontradas no amplo campo da

cultura. Brito Henriques selecionou sete agrupamentos:

“1. o cluster da música, que inclui desde os músicos e compositores ao comércio dos discos e de material áudio, passando pelo fabrico de instrumentos, de hardware para audição e pela indústria fonográfica (estúdios, reprodução, fabrico de suportes, ets.); 2. o cluster do livro/imprensa, que inclui desde escritores e jornalistas às livrarias, bem como as indústrias de impressão e edição; 3. as artes plásticas e antigüidades, que envolve desde a criação e comercialização de obras de arte ao restauro e venda de antigüidades, bem como o artesanato; 4. o cluster do cinema e da TV, que cobre toda a fileira, desde a produção à exibição e à venda/aluguel de vídeos, bem como o fabrico e o comércio de equipamento de cinema, TV e fotografia; 5. as artes performativas, incluindo desde os artistas e a produção de espetáculos à gestão dos espaços e às agências de comercialização;

6. a publicidade; 7. e, por fim, atividades que se poderão qualificar de técnico-criativas, como a arquitetura e o design.”43

Nestas cadeias podemos diferenciar por tipo de produto (bens e espetáculos) e

por forma de produção (artesanal e industrial). Todas as atividades culturais nascem da

criação humana, isolada ou em pequenos grupos. A diferença aparece no caso da

difusão. Alguns produtos são serviços gerados por uma atividade artesanal, que não

sobrevivem ao ato de consumo. Aí estão incluídos os espetáculos teatrais e musicais,

bem como as refeições. Outros geram bens não reprodutíveis como é o caso da pintura e

da escultura, ou de tiragem limitada, como a gravura. Finalmente, outros ainda entram

como insumos em cadeias industriais e transformam-se em bens de consumo de massas

– livros, jornais, filmes, vídeos, discos, design, fotografias.

O estudo da economia da cultura no caso espanhol adota uma definição que

inclui aquilo que anteriormente incluímos na economia do esporte: “Um conjunto de

ramos, segmentos e atividades auxiliares para a produção e distribuição de bens com

43 Brito Henriques (2000:12).

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conteúdos simbólicos, resultantes do trabalho criativo, organizados pelo capital que

aumenta seu valor e dirigido a mercados consumidores com a função de reprodução

ideológica e social.” Distinguem-se atividades diretas (estritamente relacionadas à

produção ou aos processos de criação de trabalhos artísticos ou literários, espetáculos

esportivos, etc.) e indiretas (que servem como meio ou suporte à disseminação de

produtos culturais e/ou de lazer e que podem ser de alguma maneira relacionados com

as atividades produtoras originais. Desta maneira podemos distinguir 3 grupos básicos

de atividades:

Primeiro, os subsetores que geram as atividades diretas, que representam a

economia cultural strito senso. Compreende tanto atividades sujeitas a direito autoral ou

propensas a gerá-lo, para geração de bens e serviços de caráter cultural quanto outras

atividades que produzem lazer e entretenimento.44 Em seguida entram os subsetores

associados indiretamente mas muito próximos aos anteriores.45 Em conjunto com o

anterior representa a economia da cultura no sentido amplo. Finalmente entram todos os

setores que produzem os instrumentos demandados pelos setores precedentes.46 Em

conjunto com os anteriores representa esta economia no sentido mais amplo. A este

conjunto se chama “economia da cultura e do lazer”.

44 Compreende artes gráficas; editorial; radio e TV – produção e transmissão; publicidade, relações públicas, etc.; atividades relacionadas ao cinema e vídeo entretenimento público (exceto cinema e esporte); livrarias, arquivos, museus, jardins botânicos e zôos; espetáculos esportivos; outras atividades recreacionais; jardins, parques de recreação, feiras, parques aquáticos, rinques para skate; agências de emprego para artistas; outras atividades de entretenimento público e de turismo; organização de congressos e feiras; profissionais de publicidade, relações públicas e similares; representantes técnicos do entretenimento público; agentes de emprego de artistas; pintores, escultres, ceramistas, artesãos, gravadores e artistas similares; restauradores de obras de arte; diretores de cinema e teatro; assistentes de direção; atores de cinema e teatro; extras, doublés e trainees não remunerados; operadores de câmera em cinema, TV e vídeo; humoristas, impressionistas, cômicos, etc.; promotores e empresários de espetáculos; artistas de circo; outras atividades relacionadas a cinema, teatro e circo; coreógrafos; bailarinos; maestros; instrumentistas; cantores. 45 Atividades associadas às artes gráficas; laboratórios de cinema e TV; outros serviços de telecomunicações; serviços fotográficos e de fotocópia; distribuição de cinema e vídeo; exibição de cinema e vídeo; facilidades esportivas, escolas especializadas e serviços para esportes; tômbolas, espetáculos em feiras e festivais, loterias esportivas, etc. 46 Manufatura de instrumentos óticos, fotográficos e cinematográficos; manufatura de equipamento de telecomunicações; manufatura de receptores de som e imagem, gravadores e reprodutores; manufatura de

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Participação no Valor Adicionado (%)

Sistema financeiro 10,71

Energia 6,95

Construção civil e obras públicas 5,63

Economia da cultura e do lazer 3,40

Industria automobilística 2,79

Transporte Terrestre 2,15

Produtos têxteis 2,00

Tabaco e bebidas 1,77

Indústria farmacêutica 1,43

Transporte aéreo, marítimo e fluvial 1,42

Hotéis e acomodações 1,41

Fonte: Grazia, Del Pozo e Perez (1997).

Como se verifica, a economia da cultura e do lazer é o quarto mais importante

segmento na geração da renda nacional, á frente de atividades muito mais valorizadas

pelos economistas, como as atividades de transportes e as indústrias automobilística,

têxtil, farmacêutica e de tabaco.

Se agregarmos os valores adicionados pela indústria cultural e do lazer aos de

hotéis e acomodações (próxi para a economia do turismo) chegaremos a um percentual

de 4,81% do PIB, que é uma avaliação grosseira do peso do conjunto as atividades

englobadas pela economia do entretenimento na Espanha.

celulose; manufatura de papel e papelão; transformação de papel e papelão; manufatura de jogos, brinquedos e artigos para esportes; manufatura de instrumentos musicais.