1 UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL ROBERTA JORDANA DA SILVA O PAPEL DA ACUSAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL CAXIAS DO SUL, JUNHO DE 2011
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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
ROBERTA JORDANA DA SILVA
O PAPEL DA ACUSAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL
CAXIAS DO SUL, JUNHO DE 2011
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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO
ROBERTA JORDANA DA SILVA
O PAPEL DA ACUSAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
APRESENTADO NO CURSO DE DIREITO
DA UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL,
COMO REQUISITO PARCIAL À
OBTENÇÃO DO TÍTULO DE BACHAREL
EM DIREITO.
ORIENTADOR: PROF. MS. PAULO
NATALÍCIO WESCHENFELDER
CAXIAS DO SUL, JUNHO DE 2011
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ROBERTA JORDANA DA SILVA
O PAPEL DA ACUSAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
APRESENTADO NO CURSO DE DIREITO DA
UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL,
COMO REQUISITO PARCIAL À OBTENÇÃO
DO TÍTULO DE BACHAREL EM DIREITO.
ORIENTADOR: PROF. MS. PAULO
NATALÍCIO WESCHENFELDER
Aprovada em ____/_____/_______
Banca Examinadora
_________________________________________________
Prof. Ms. Paulo Natalício Weschenfelder
Universidade de Caxias do Sul - UCS
_________________________________________________
Profa. Ms. Eunice Terezinha Ribeiro Chalela
Universidade de Caxias do Sul - UCS
_________________________________________________
Prof. Ms. Edson Dinon Marques
Universidade de Caxias do Sul – UCS
4
Dedico este trabalho à minha Maria, que me
ensinou até 2006 e hoje permanece no meu
coração e em minhas lembranças.
5
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos em primeiro lugar para os amigos de longa data, Família
Mosmann e Família Schirmer dos Santos, pelo apoio, incentivo e por me permitirem ser quem
eu sou. E em seguida para pessoas que chegaram faz pouco na minha estrada, mas que estão
fazendo toda a diferença neste solitário caminho: Pablo Antunes, Letícia Ampessan, Dra.
Lídia Menegotto, Dra. Marcela Fernandez Gonçalves, funcionários e colegas da UCS, colegas
e orientadores de estágio da 5ª Defensoria Pública Regional de Caxias do Sul, do Ministério
Público da Comarca de Parobé e da 2ª Procuradoria Regional de Comarca de Caxias do Sul.
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RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso visa buscar uma simples contribuição à elucidação
entre a função dupla e divergente (titular da ação penal e fiscal da LEP) em que atua o
Ministério Público do Rio Grande do Sul, instituição que exerce o papel de tutora do interesse
da sociedade.
O Estado do Rio Grande do Sul é representado junto aos cidadãos pelo Ministério Público
Estadual, o art. 127 da CF/88, esclarece que o Ministério Público Estadual é essencial à
função jurisdicional do Estado, cuidando da defesa da ordem jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais homogêneos e individuais disponíveis, num país que, na prática, até
muito recentemente, só conheceu regimes de exceção.
Seguindo por caminhos que parecem claros, a abordagem do tema desse trabalho de
conclusão de curso servirá para que possamos entender o papel do Ministério Público
Estadual como titular da ação penal, e o Ministério Público Estadual exercendo o papel de
custos legis, que representa o Estado do Rio Grande do Sul na fiscalização da aplicação da
Lei de Execuções Penais, visando a aplicação das regras da LEP.
8
RESUMEN
Esta conclusión del trabajo de curso tiene como objetivo la búsqueda de una sencilla
contribución al esclarecimiento de la función de doble y divergente (titular de la fiscalía y la
LEP fiscal), que opera en el Ministerio Público de Río Grande do Sul, una institución que
desempeña el papel del tutor interés de la sociedad.
El estado de Rio Grande do Sul está representado junto con los ciudadanos en el Ministerio
Público, art. CF/88 de 127, aclara que la Fiscalía General del Estado es esencial para la
función jurisdiccional del Estado, el cuidado de la defensa legal del régimen democrático y
los intereses sociales e individuales homogéneos están disponibles en un país que, en la
práctica, hasta hace muy poco, sólo se reunieron los regímenes.
Siguiendo un camino que parece claro, abordar el tema de este trabajo se completa el curso
con el fin de entender el papel de la Fiscalía General del Estado como titular de la fiscalía y el
Ministerio Público en el papel de los costos legales, lo que representa el estado de Rio Grande
do Sul en el seguimiento de la aplicación del Derecho Penal, dirigido a la aplicación de las
reglas de la LEP.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10
1 CONTEÚDO DO PROCESSO PENAL .......................................................................... 15
1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A AÇÃO PENAL ….......................................................... 15
1.2 CONCEITO DO DIREITO DE AÇÃO …........................................................................ 31
1.3 FUNDAMENTO DO DIREITO DE AÇÃO …................................................................ 44
2 JURISDICIONALIZAÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO CRIMINAL ........... 46
2.1 OBJETO …....................................................................................................................... 63
2.2 GARANTIAS …................................................................................................................68
3 O PROCESSO DE EXECUÇÃO CRIMINAL E AS PARTES …................................. 72
3.1 O PROCESSO DE EXECUÇÃO CRIMINAL …............................................................ 80
3.2 O PAPEL DO JUIZ …....................................................................................................... 84
3.3 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
COMO ACUSADOR E COMO FICAL DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS …................. 86
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS …...................................................................................... 100
5 REFERÊNCIAS …........................................................................................................... 102
10
1 Introdução
Explica Greco Filho1 que “simultaneamente ao nascimento do Direito, que tem por
fim a solução justa dos conflitos ou convergência de interesses surge os mecanismos,
previstos pelo próprio direito, de efetivação das soluções por ele dispostas”.
Nessa seara, em que buscaremos elucidações quanto ao papel da acusação na
execução penal lembremos as lições de Beling, citadas por Tourinho Filho2: “Direito
Processual Penal, é a aquela parte do Direito que regula a atividade tutelar do Direito Penal”.
Abrange também a Organização Judiciária Penal, que Camara Leal3 divide da
seguinte forma: “a) Organização Judiciária Penal, que trata da criação, sistematização,
localização, nomenclatura e atribuições dos diversos órgãos diretos e auxiliares do aparelho
judiciário destinado à administração da justiça penal; b) Processo Penal, que é o meio pelo
qual se compõem as lides de natureza penal”.
Frederico Marques4 nos coloca que o Direito Processual Penal “constitui ciência
autônoma no campo da dogmática jurídica, uma vez que tem objeto e princípios que lhe são
próprios”.
Para Tourinho Filho5 existe uma finalidade mediata, que se confunde com a própria
finalidade do Direito Penal – paz social -, e uma finalidade imediata, que outra não é senão
a de conseguir a “realizabilidade da pretensão punitiva derivada de um delito, através da
utilização da garantia jurisdicional”.
Resumindo, a finalidade do Direito Processual Penal é tornar realidade o Direito
Penal.
1 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 13.
2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal I. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 47.
3 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal I. Op. cit., p. 47.
4 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 50.
5 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 50.
11
O Processo Penal é regido por uma série de princípios e regras que outra coisa não
representa senão premissas fundamentais da política processual penal de um Estado.
“Quanto mais democrático for o regime, o processo penal mais se apresenta como
um notável instrumento a serviço da liberdade individual.
Os princípios do Processo Penal oscilam na medida em que os regimes políticos se
alteram.
Dentre os princípios que regem o nosso Processo Penal destacam-se o da verdade
real, o da imparcialidade do Juiz, o da igualdade das partes, o do livre convencimento, o da
publicidade, o do contraditório, o da iniciativa das partes, o ne eat judex ultra petita partium
entre outros.
Afirma Greco Filho6 que o processo é garantia ativa porque, diante de alguma
ilegalidade, pode a parte dele utilizar-se para a reparação dessa ilegalidade.
Sendo o processo uma garantia passiva porque impede a justiça pelas próprias mãos,
dando aos acusados a possibilidade de ampla defesa contra a pretensão punitiva do Estado, o
qual não pode impor restrições da liberdade sem o competente e devido processo legal.
Dessa forma nos remeteremos a figura do Promotor de Justiça, que exerce papel
duplo, dentro do processo penal, o de acusador e de fiscal da execução penal.
Tal dualidade de papéis exercida pelo Ministério Público na pessoa do Promotor de
Justiça, já vem disciplinadas por deliberação do Supremo Tribunal Federal, bem como,
afirmação feita no Código de Processo Penal pátrio:
“Para garantia do acusado, o exercício das diversas atividades ligadas à
persecução penal deve ser realizado por pessoas diferentes em cada uma de suas
etapas ou momentos, para que a diversidade de pessoas e autoridades contribua
para a imparcialidade e justiça da decisão final.”
6 GRECO FILHO, Vicente. op. cit., p. 33.
12
E não somente no que concerne à sucessão ou concentração de funções, mas também
no que se refere a um dos participantes querer desviar-se de sua função dialética para exercer
a de outro ou que seja saltada ou omitida uma delas.7
São dois os princípios institucionais que regem a atuação do Ministério Público: o da
unidade e indivisibilidade e o da autonomia funcional.
Para Greco Filho:
“A unidade e a indivisibilidade significam que o órgão do Ministério Público, ao
atuar, atua enquanto instituição e esgota a atividade dela naquele momento. Por
outro lado, concentra-se no Procurador-Geral todo o conjunto de atribuições do
Ministério Público, de modo que pode ele praticar qualquer dos atos de cada um
dos órgãos da instituição em particular.”
A autonomia funcional significa que a cada membro do Ministério Público cabe a
deliberação do conteúdo do ato que deve praticar, não se vinculando a atuação anterior, sua
própria ou de outro membro do Parquet.
Ainda, falando da atividade do Ministério Público, nos reportemos ao artigo 68, do
Código de Processo Penal:
“Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1º e 2º), a
execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será
promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público”.
Tourinho Filho8 nos apresenta os dizeres de Otto Mauer (Derecho administrativo
alemán, trad. Esp. Buenos Aires, 1949) que preleciona que, embora o Ministério Público
desempenhe o papel de parte, ele próprio não é parte, pois a justiça criminal é uma justiça de
7 GRECO FILHO, Vicente. op. cit., p. 97.
8 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 414.
13
parte única: o acusado.
Igualmente, na obra de Tourinho Filho9 encontramos o questionamento feito por
Alcalá-Zamora, que feriu tão de perto a questão quanto ao papel do Ministério Público no
Direito Processual Penal. Para o ilustre ex-Professor da Universidade de Valencia, o
Ministério Público pode ser considerado uma magistratura lato sensu, sempre que não se
identifique este termo como órgão Jurisdicional.
Lembra, ainda, Alcalá-Zamora10
, que o Ministério Público é o representante da lei. É
a encarnação do espírito da lei. E por que se diz isso? Responde Alcalá-Zamora: “Lo que
com ello se quiere significar más bien, Es La objetividad e imparcialidade com que El
Ministerio Público deve actuar”.
Tourinho Filho11
nos coloca que:
“Desarrozoada é, pois, a opinião daqueles que entendem que a função do
Ministério Público é acusar sempre, embora não convencido da responsabilidade
do réu. “Su misión no ES hallar uma cabeza culpable, sino que La ley sea aplicada
moderada y restamente”.” (Riquelme, Instituciones, cit., p. 261)
Em meio às leituras até aqui realizadas, lembramos que além de papel acusador, o
Ministério Público, fiscal da lei, exerce sua função também no processo de execução penal.
A Promotora de Justiça do MPDFT, Vívian Barbosa Caldas, em seu artigo nos
explica:
“As principais atribuições do promotor de Justiça na execução penal são as
seguintes: zelar pelo correto cumprimento da pena, pela integridade física e moral
dos presos, pela individualização do cumprimento da pena, de acordo com a idade,
o sexo e a natureza do delito; inspecionar mensalmente os estabelecimentos penais;
fiscalizar a regularidade formal das guias de recolhimento e internação; bem como
9 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 415.
10 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 415.
11 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 415/416.
14
promover a defesa e a garantia dos direitos humanos dos presos.
O Ministério Público tem uma responsabilidade particularmente importante na
prevenção de abuso de autoridades, tortura e outras formas de maus-tratos que
possam ocorrer dentro dos estabelecimentos prisionais, devendo investigar tais atos
e buscar a punição dos responsáveis. A pessoa sujeita a qualquer forma de
detenção ou prisão deve ser tratada com humanidade e com respeito inerente ao ser
humano.
Relativamente à inspeção nos presídios, cumpre, ademais, ao promotor coletar
informações gerais acerca da população carcerária, como total de presos,
capacidade do estabelecimento, quantidade de presos doentes e/ou internados em
hospital público, bem como averiguar as condições gerais das instalações, da
alimentação, a existência de atendimento médico/odontológico, a existência de
assistência jurídica, etc.
Observa-se que a visita regular e não anunciada aos estabelecimentos prisionais,
acompanhada de relatórios e recomendações para as autoridades competentes, é
elemento essencial em qualquer Estado preocupado em assegurar o respeito aos
direitos humanos.
Cabe-lhe, também, intervir nos incidentes da execução penal, como, por exemplo,
nos procedimentos de progressão e regressão de regime de cumprimento de pena,
de livramento condicional, de soma ou unificação de penas, nos pedidos de saída
temporária, nos pedidos de extinção de punibilidade, nos pedidos de detração e
remição de pena, no pedido de cumprimento de pena em outra comarca, entre
outros”.
Finalmente, lembro que a ambiguidade de funções do Ministério Público, como
acusador e como fiscal da execução penal não é tratado por nenhuma doutrina ou
jurisprudência. Porém, a partir de indagações realizadas por reconhecidos doutrinadores,
buscar-se-á aproximar-se ao máximo da elucidação quanto ao papel da acusação na execução
penal.
15
1 Conteúdo do Processo Penal
1.1 Considerações sobre a Ação Penal
Iniciaremos o estudo do papel da acusação na execução penal, analisando o
processo penal, do ponto de vista de diversos doutrinadores.
Através da explicação que cada um desses doutrinadores nos passa em suas obras,
enquanto explanamos sobre a composição do processo penal vamos delineando o assunto
pesquisado.
Mougenout12
, nos expõe que “se o processo é o meio pelo qual o Estado exerce o
poder jurisdicional, o direito processual é o conjunto de regras e princípios que informam e
compõem esse processo”.
Para fazer valer seu jus puniendi, no entanto, deve o Estado utilizar-se de um
instrumento capaz de punir os culpados, de forma que permita o desenvolvimento necessário
de uma atividade voltada para o descobrimento da verdade acerca dos fatos e, ao mesmo
tempo, garanta aos acusados os meios de defesa que necessitam para opor-se a essa pretensão
Estatal. Esse instrumento é o processo penal13
.
Ainda buscando a elucidação sobre a ação penal, Aury Lopes Jr.14
explica que
pensamos o processo penal a partir do “princípio da necessidade”, que, considera que o
processo penal é um caminho necessário para alcançar-se a pena e, principalmente, um
caminho que condiciona o exercício do poder de penar (essência do poder punitivo) à estrita
observância de uma série de regras que compõe o devido processo penal, definido por
Calamandrei15
como regras do jogo.
12 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal: rev. E atual. De acorso com as Leis n. 11.900,
12.016 e 12.037, de 2009 / Ed. Edilson Mougenot Bonfim. - 5. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010, p. 37.
13 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 38.
14 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, volume I / Aury
Lopes Junior. - 5.ed. Rev. E atual. . - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1.
15 CALAMANDREI, Piero. “Il processo come giuoco”. In: Rivista di Diritto Processuale, v. 5 – parte I,
Padova, 1950.
16
Notemos que falar sobre a ação penal, nos força a traçar um esboço sobre a
história das penas, que surge, em um primeiro momento da história, como horrendo e infame
para a humanidade, a tal modo que podemos considerar mais repugnante que a história dos
delitos.
Nos coloca Aury Lopes Jr.16
que o delito constitui-se, em regra, numa violência
ocasional e impulsiva, enquanto a pena não: trata-se de um ato violento, premeditado e
meticulosamente preparado. Enfatiza o doutrinador que a pena “é a violência organizada por
muitos contra um”.
Aury Lopes Jr.17
, nos coloca que a privação da liberdade como sanção penal era
desconhecida na antiguidade, o encarceramento existe desde muito tempo, mas não com a
natureza de “pena”, senão para outros fins. A prisão servia somente com a finalidade de
custódia, contenção do acusado até a sentença e execução da pena, afinal, nesse período, não
existia uma verdadeira pena, pois as sanções se esgotavam com a morte e as penas corporais e
infames. A prisão tinha função de lugar de custódia e tortura.
Lembra o doutrinador que o Direito Penal nasce não como evolução, senão como
negação da vingança, daí por que Lopes Jr.18
afirma que não há que se falar em “evolução
histórica” da pena de prisão. Não se trata de continuidade, senão de descontinuidade. A pena
não está justificada pelo fim de vingança, senão pelo de impedir por completo a vingança.
Lopes Jr.19
usa da palavras de Aragoneses Alonso, para resumir a evolução da
pena quando cita que inicialmente a reação era iminentemente coletiva e orientada contra o
membro que havia transgredido a convivência social. A reação social é, na sua origem,
basicamente religiosa, e só de modo paulatino se transforma em civil. O principal é que nessa
época existia uma vingança coletiva, que não pode ser considerada como pena, pois vingança
e pena são dois fenômenos distintos. Lopes Jr.20
nos explica que “a vingança implica
16 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, volume I / Aury
Lopes Junior. - 5.ed. Rev. E atual. . - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1.
17 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 1.
18 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 1.
19 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 1.
20 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 1.
17
liberdade, força e disposições individuais; a pena, a existência de um poder organizado”.
De acordo com a linha doutrinária de Aury Lopes Jr.21
, com a evolução da
estrutura e da organização da coletividade, surge o sistema de composição, que sucede a
vingança, e consiste no pagamento de um determinado valor à comunidade. Inicialmente,
eram os parentes da vítima que tinham o direito de aplicar essas sanções e aceitar os
pagamentos. Depois, o Estado assume essa tarefa.
Para Lopes Jr.22
, é a partir desse momento que começa a interessar para o Estado
o processo penal, pois ao assumir o Estado, sai fortalecido seu poder, desligando
progressivamente a vítima do manejo da pena, para transferir essa atividade ao juiz imparcial.
Dessa forma surge a graduação das penas impostas pelo Estado, que, com a ideia eclesiástica-
religiosa do Talião, dá ao instinto de vingança uma medida e um objeto.
Nas palavras do doutrinador:
A titularidade do direito de penar por parte do Estado surge no
momento em que se suprime a vingança privada e se implantam os
critérios de justiça.” (Lopes Junior, Aury. Direito processual penal e
sua conformidade constitucional, volume I / Aury Lopes Junior. - 5.ed.
Rev. E atual. . - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 4.)
Em conforme com as explicações de Lopes Jr., a relação entre o processo e a pena
corresponde às categorias de meio e de fim. Assim, dessa forma nasce o processo penal.
E Mougenout23
, explica as peculiaridades do processo penal:
a) um instrumento que determina como será exercido o poder do
Estado de averiguar a verdade e impor uma sanção e;
b) uma garantia para o réu – e para a sociedade em geral – de que
apenas haverá punição caso, após concedida oportunidade plena de
defesa, reste demonstrada a sua culpa.
21 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. p. 3.
22 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. p. 3.
23 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal: rev. E atual. De acorso com as Leis n. 11.900,
12.016 e 12.037, de 2009 / Ed. Edilson Mougenot Bonfim. - 5. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010, p. 38.
18
Mougenot24
, nos coloca que em síntese, ao “direito de punir” (rectius: poder-
dever de punir) estatal opõe-se inexoravelmente o “o direito de liberdade” ao acusado. Eis o
binômio que conforma o processo.
Para Tourinho Filho25
se o Estado detém o monopólio da administração da justiça,
é lógico que ele tem o direito de garanti-la. E tal direito à garantia da justiça, que outro não é
senão o de invocar a tutela do Estado-Juiz, se considera, em relação aos particulares, uma
emanação do “pai da família”.
Processo Penal, para Tourinho Filho, é o direito de invocar a prestação
jurisdicional. O doutrinador define a ação penal como o direito de pedir ao Estado
(representado pelos seus Juízes) a aplicação do Direito Penal objetivo. Ou o direito de pedir
ao Estado-Juiz uma decisão sobre um fato penalmente relevante, visão muito semelhante ao
do doutrinador Mougenot.
Explica Lopes Jr. com as palavras de Aragones Alonso26
, que se olharmos o
processo penal como instituição estatal, perceberemos que na realidade essa é a única
estrutura que se reconhece como legítima para a satisfação da pretensão acusatória e a
imposição da pena.
Aury Lopes Jr.27
afirma que com o delito, surge o conflito social, e a pena pública
como resposta estatal (em nome da coletividade) ao autor da conduta. Ou seja, um poder de
punir condicionado.
A evolução do processo penal está intimamente relacionada com a própria
evolução da pena, refletindo a estrutura do Estado em um determinado período.
Ainda nesse liame entre ação e pena, Lopes Jr. citando J. Goldschmidt28
:
24 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 38.
25 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal / Fernando da Costa Tourinho
Filho. - 13. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010, p. 157.
26 ALONSO, Aragones. No “Prefácio” da sua obra Instituciones de Derecho Procesal Penal.
27 ALONSO, Aragones. op. cit., p. 4.
28 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 4.
19
[…] los princípios de la política procesal de una nación no son outra
cosa que segmentos de su politica estatal em general. Se puede decir
que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el
termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su
Constitución. Partiendo de esta experiencia, la ciencia procesal há
desarrollado un número de principios opuestos constitutivos del
proceso.29
Lopes Jr. lembra das explicações de Aragoneses Alonso30
:
O processo evolui em linhas coerentes com a pena. Inicia com a
autotutela ou defesa privada, em que por meio da coação particular o
sujeito agredido resolve (ou tenta resolver) de forma direta o conflito,
impondo a sua vontade. Nessa modalidade de autotutela simples,
prevalece a força das partes e não existe um juiz distinto. São
exemplos que ainda perduram no Direito Penal, como no caso da
legítima defesa e o estado de necessidade.
Após, passa-se à autotutela processualizada, momento em que já
existe uma estrutura formal, semelhante à instituição do processo.
Trata-se de uma figura pseudoprocessual, que encobre, no fundo, um
reparto unilateral e coativo. O processo penal inquisitório é, em certo
sentido, uma autotutela processualizada, através da qual o juiz atua
como parte. Outros exemplos de conflitos estatais resolvidos assim
são aqueles em que a administração da Justiça Penal se dá por meio
de Tribunais de Adversários, como ocorreu em Nuremberg.
A autocomposição surge dentro da evolução dos meios de solução de
conflitos, como uma forma mais civilizada. Ambas as partes, mediante
acordo mútuo (ou pela resignação de uma delas), decidem colocar fim
ao conflito. A repartição de justiça se faz por exclusiva atividade das
partes, pois, ainda que possa existir a intervenção de um terceiro,
prevalece a vontade das partes. Nesse caso, é um sistema de
distribuição de justiça de forma autônoma, pois o terceiro atua
interpartes e não suprapartes. Diferencia-se da autotutela porque o
conflito se resolve pelo convencimento e acordo, e não pela força das
partes.”31
(grifo do autor)
29 ALONSO, Pedro Aragones. Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal, p. 67.
30 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 67
31 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 5.
20
Reparto heterônomo32
, que nas palavras de Aragones Alonso “pode ser obtido
mediante a atuação de um terceiro parcial ou imparcial. Consiste na atuação de um terceiro a
favor de uma das partes intervenientes.”33
(grifo do autor)
Com as palavras de Aury Lopes Jr.34
expliquemos a distinção entre
autocomposição e autotutela:
[…] da autocomposição porque a distribuição de justiça não se
realiza pela vontade consensual das partes interessadas; e também da
autotutela, porque o terceiro não está interessado na repartição da
justiça, senão que atua no interesse de outro. A principal figura é a
arbitragem, pois a atuação de um terceiro imparcial retira a
autonomia das partes e com isso é a arbitragem, pois a atuação de
um terceiro imparcial retira a autonomia das partes e com isso
impede o uso da força. No processo penal não existe a possibilidade
de arbitragem, pois a natureza pública da pena conduziu o Estado a
avocar o poder punitivo.”
A palavra 'processo' vem do verbo procedere, que significa avançar, caminhar em
direção a um fim e por isso envolve a ideia de temporalidade, de um desenvolvimento
temporal desde um ponto inicial até alcançar-se o ponto desejado.
Usando das palavras de CARNELUTTI35
, Lopes Jr.36
refere que o processo no
significado originário não quer dizer outra coisa que desenvolvimento, algo que se opera no
tempo.
Destarte, no processo penal, a parte acusadora, que é titular da pretensão
acusatória, invoca por meio da acusação (ação penal) que o juiz exerça a jurisdição e, ao final,
se comprovada a tese acusatória, exerça o poder de punir do Estado. No momento em que o
32 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 5. - Eis aqui um problema linguístico. Em espanhol, é de uso
corrente a expressão reparto 'heterónomo', sendo esse último vocábulo empregado no sentido de algo que
“depende de algum poder alheio, estranho, que impede seu desenvolvimento normal”. Etimologicamente, hetero
vem de “outro” e, do grego, nómos significa lei, costume (segundo o Clave – Diccionário de uso del español
actual, Madrid, 1997). Assim, a expressão 'heterônomo' será empregada para definir um sistema de
administração de justiça em que exige (por lei) a intervenção de um terceiro imparcial.
33 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 93. 34 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. p. 6.
35 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 12.
36 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. p. 6.
21
Estado substitui as partes e impede a autotutela, nasce também um dever correlato, de atuar
quando a intervenção seja solicitada. O instrumento por meio do qual se concretiza e se pode
exercer o poder-dever punitivo é o processo penal, explica Lopes Jr..37
Tourinho Filho38
, usando das ponderações de Frederico Marques, acredita que as
regras contidas nos arts. 100 a 106 do Código Penal, melhor ficariam no CPP. Na legislação
penal deveriam permanecer, tão somente, os preceitos da parte especial que discriminam, nos
delitos em espécie, os casos de ação privada (cf. Curso de direito penal, São Paulo: Saraiva,
1956, p. 330).
A fim de elucidar quanto ao caráter processual penal da norma, Tourinho Filho39
diz que G. Leone40
define que infere-se não da sua localização – que constitui um dado de
identificação importante, porém, certamente, não vinculante – mas, sim, do objeto, do seu
conteúdo, da sua finalidade.
Por exemplo, realmente, há normas no processo Penal que não têm,
evidentemente, caráter processual penal. Vejam-se, a propósito, aquelas pertinentes à prisão
administrativa (CPP, arts. 319 e 320).
Verifica-se na obra de Tourinho Filho41
que há interesse em distinguir uma da
outra. A determinação do caráter material ou processual da norma é de grande importância,
especialmente aos fins da disciplina da sucessão das normas no tempo. As normas penais,
quando benéficas, retroagem. As processuais têm incidência imediata.
Para Tourinho Filho42
, há dois critérios para classificar a ação penal: um
tradicional, em que se leva em conta o elemento subjetivo, isto é, em que se considera o
sujeito que a promove, sua titularidade enfim. É chamada classificação subjetiva. Assim,
temos a ação penal pública, promovida pelo Ministério Público; a ação penal privada,
37 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. p. 6. 38 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 161.
39 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 161.
40 LEONE, G. Trattato di diritto processuale penale, Napoli: Jovene, 1961, p.40.
41 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 162.
42 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 162.
22
exercida pela vítima; a ação penal popular, cujo exercício fica a cargo de qualquer pessoa.
Tourinho Filho43
cita as palavras de Frederico Marques44
, onde ele observa que
desde que se invoque o Direito Penal objetivo e desde que a sentença se baseie em normas de
Direito Penal, não cabe dúvida que se trata de ação penal, e, como exemplo de ação
declaratória negativa, cita o habeas corpus com fundamento no art. 648, VII, do CPP.
Dispõe o art. 100, caput, do CP: “A ação penal é pública, salvo quando a lei
expressamente a declara privativa do ofendido”.
Por sua vez, o § 1º do art. 100 reza: “A ação pública é promovida pelo Ministério
Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do
Ministério da Justiça”.
O direito de punir pertence ao Estado, só o Estado detém o direito de punir.
Quando ocorre uma infração penal, o Estado, para tutelar os interesses sociais e assegurar a
manutenção da ordem jurídica, desenvolve, como detentor do poder de punir e como titular
da ação penal, uma atividade no sentido de promover e realizar a atuação do Direito Penal
objetivo.45
Portanto, quando é o órgão do Ministério Público que promove a ação penal, diz-
se que ela é pública.
Um simples exame do texto legal mostra, à evidência, que há duas espécies de
ação penal pública: a) ação penal pública plena, também chamada de incondicionada; b) ação
penal pública condicionada, ou semipública.
A primeira, a ação penal pública plena, é aquela promovida pelo Ministério
Público sem a interferência de quem quer seja.
43 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 163.
44 MARQUES, Frederico. Elementos de direito processual penal, Rio de Janeiro: Forense, 1961, v. 4, p. 5 e s.
45 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 163/164.
23
Assim, Tourinho Filho46
, por exemplo, nos diz que nos crimes de furto de coisa
comum (art. 156 do CP) ou de crime contra a honra do Presidente da República ou de Chefe
de governo estrangeiro (art. 141, I, do CP), a ação penal, embora promovida pelo Ministério
Público, depende da manifestação de vontade do ofendido ou de quem legalmente o
represente, ou, no segundo exemplo, de requisição do Ministro da Justiça. Fala-se, então, em
ação penal pública condicionada.
Tourinho Filho47
faz suas definições sobre alguns princípios que norteiam o
processo penal.
Princípio da oficialidade:
O Estado é o titular do direito concreto de punir.
A ação penal pertence ao Estado. Como este não pode estar em juízo,
dada a sua qualidade de pessoa jurídica, instituiu órgãos com essa
finalidade: são os órgãos do Ministério Público.
Dizer-se que o Ministério Público tem o exercício da ação penal, mas
esta não lhe pertence, e sim ao Estado. Aí está, pois, o princípio da
oficialidade. Quem propõe a ação penal pública incondicionada é um
órgão do Estado, o Ministério Público. Órgão “oficial”, órgão do
Estado, portanto.
Princípio da indisponibilidade:
Pertencendo a ação penal ao Estado (salvo exceções), segue-se que
aquele a quem se atribui seu exercício, o Ministério Público, não
pode dela dispor.
E, por não lhes pertencer, não podem os órgãos do Ministério Público
dela desistir, transigindo ou acordando, pouco importando seja ela
incondicionada ou condicionada. Entre nós, o art. 42, do CPP, às
expressas, veda a desistência da ação penal pública: “O Ministério
Público não poderá desistir da ação penal”.
Nada impede que, no direito a ser constituído, seja tal princípio
amenizado, permitindo-se ao Ministério Público, em determinadas
situações, desistir da ação penal, ensejando, assim, a extinção do
processo sem julgamento do mérito, como na hipótese de ser
inafastável a prescrição pela pena a ser concretizada na sentença, ou
se de todo a prova acusatória for imprestável.
Princípio da legalidade ou da obrigatoriedade:
O princípio da obrigatoriedade embasa-se no apotegma nec delicta
maneant impunita (os delitos não podem ficar impunes).
46 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 165.
47 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 165/167.
24
Na Alemanha, em certas infrações leves, ou quando as consequências
forem insignificantes, o Órgão do Ministério Público pode abster-se,
nos termos do §153a da StPO.
Na França, consoante dispõe o art. 40 do Code de Procédure Pénale:
“Le procureur de la République reçoit les plaintes et les
dénonciations et apprécie la suíte a la donner...”. O Ministério
Público recebe as representações e as denúncias e lhes dá o
destinamento que quiser. E quando se abstém de levar o fato ao
conhecimento do Juiz, fala-se em classement sans suíte.
Hoje, esse princípio da legalidade, entre nós, foi amenizado com o
instituto da transação de que ao definir determinadas condutas como
delituais penais não desce, muitas vezes, a minudências, cabendo
então ao Juiz, considerando, em cada caso concreto, a pouquidade da
lesão, deixar o fato sem qualquer punição.
O Direito Penal “sólo deve proteger el mínimo de esse mínimo”, na
exata observação de Luzón Cuesta (José Maria Luzón Cuesta,
Compendio de derecho penal, Madrid: Dykinson, 1995, p. 45).
O doutrinador, Tourinho Filho, nos explica que se for vencida a falta de senso, a
solução é o decreto absolutório, mesmo porque “nada favorece tanto la criminalidad como la
penalización de cualquier injusto consistente em una nimiedad” (nada favorece mais a
criminalidade que a penalização de qualquer conduta insignificante).
Na obra de Tourinho Filho48
podemos encontrar sinteticamente, que em outros
países como na Alemanha, o §380 da StPO dispõe que nos crimes de ação penal privada
(violação de domicílio, injúrias, calúnias, violação de correspondência, lesões simples,
culposas ou dolosas), a reconciliação entre as partes constitui obstáculo à ação privada (Karl
Heinz Gössel, El derecho procesal penal em el estado de derecho, Buenos Aires: Rubinzal-
Culzoni, 2007, t. I, p. 280), num genuíno processo penal de partes. O art. 2º do Código de
Processo Penal peruano confere ao Ministério Público o poder de abster-se de promover a
ação penal nas infrações cuja pena máxima não supere 2 anos, e desde que não seja afetado
gravemente o interesse público, se houver acordo entre autor do fato e ofendido.
Tourinho Filho49
, nos apresenta também em sua doutrina o Princípio da
indivisibilidade, onde
48 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 168.
49 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 169.
25
[…] A ação penal, seja pública, seja privada, é indivisível, no sentido
de que abrange todos aqueles que cometeram a infração. Quanto à
ação penal pública, não. E isso por ser uma razão muito simples: se a
propositura da ação penal constitui um dever, é claro que o órgão do
Ministério Público não pode escolher em relação a quem deva ela ser
proposta. E José Cirilo de Vargas, arremata: “esse entendimento põe
em risco a segurança pública, a partir do momento em que o Estado
pode, na prática, escolher o réu...” (Direitos e garantias individuais,
Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 100).
O Princípio da Indivisibilidade deve ser proposto em relação a todos aqueles que
cometeram a infração (nec delicta maneant impunita). Analisando o art. 77, II, combinado
com o art. 79 do CPP, infere-se que a ação penal é indivisível.
Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:
I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;
II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51,
§ 1o, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal.
Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e
julgamento, salvo:
I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar;
II - no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.
§ 1o Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em
relação a algum co-réu, sobrevier o caso previsto no art. 152.
§ 2o A unidade do processo não importará a do julgamento, se
houver co-réu foragido que não possa ser julgado à revelia, ou
ocorrer a hipótese do art. 461.
O fato de o órgão do Ministério Público poder ofertar denúncia em relação a
outros implicados que não haviam sido até então identificados não traduz uma divisibilidade
da ação penal, doutrina Tourinho Filho50
. Quando se diz que a ação penal pública é indivisível
quer-se dizer que, havendo dois ou mais autores, o membro do Ministério Público não pode
escolher em relação a qual deles deve a denúncia ser ofertada, mesmo porque a ação pública é
regida pelo princípio da legalidade ou obrigatoriedade.
Tratando-se de ação penal pública, o órgão do Ministério Público é obrigado a
ofertar denúncia em relação a todos aqueles que cometeram a infração penal. A diferença está
apenas na circunstância de que na ação pública vigora o princípio da obrigatoriedade e na
50 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 169/170.
26
ação privada, o da conveniência. Tourinho Filho51
explica isso com a afirmação de Franco
Sodi: “La indivisbilidad de la acción penal consiste, pues, em que com ella, se persigue
siempre a todos los que participan em la comisión de un hecho” (apud Victor B. Riquelme,
Instituciones de derecho procesal penal, Asunción: s. n., s. d., p. 50).
Usando das palavras de Tornaghi52
, Tourinho Filho explica que depois de
esclarecer a razão de o legislador, nos arts. 4853
e 4954
do CPP, haver tratado da
indivisibilidade da ação penal privada, observou: “Quanto à pública, não havia necessidade
de preceito expresso, já que o Ministério Público não pode renunciar ao direito de ação [...]”.
Outro princípio tratado por Tourinho Filho55
, em sua obra é o da
intranscendência, onde
[…] A ação penal é proposta apenas em relação à pessoa ou às
pessoas a quem se imputa a prática da infração. A ação penal é
sempre promovida em relação às pessoas a quem se imputa a prática
de uma infração.
No que diz respeito a classificação quanto à pretensão, Tourinho Filho56
explica
que não pode haver no Processo Penal a classificação da ação penal segundo a pretensão. No
penal, não se pode falar em ação de furto, de roubo e assim por diante, embora haja autores
estrangeiros sustentando que a cada figura delituosa corresponde uma modalidade de ação. À
evidencia, trata-se de um absurdo, pois o fim da ação penal é sempre o mesmo, inflição de
pena, desde que se torne a expressão “ação penal” no sentido do comumente empregado, isto
é, o instrumento de que se vale o Estado, ou o particular, para tornar realidade o direito de
punir.
51 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 170.
52 TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal (São Paulo: Saraiva, 1977, v. 2, p. 357)
53 Art. 48. A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério
Público velará pela sua indivisibilidade.
54 Art. 49. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se
estenderá.
55 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 171.
56 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 171.
27
Explica Greco Filho57
, que poder-se-ia estudar cada civilização do ponto de vista
normativo, compreendendo suas características pelo conjunto de regras dentro do qual se
desenvolveu a ação humana. Daí já se ter dito que a própria história se apresenta com um
complexo de ordenamentos normativos que se sucedem, contrapõem-se e se integram58
.
Na sociedade, as normas se adaptam, se modificam, crescem ou diminuem em
número aparente, mas jamais desaparecem. Greco Filho59
nos diz que é outra verdade
histórica a de que as regras de conduta, escritas ou costumeiras, jamais são tão numerosas a
ponto de preverem todas as hipóteses de comportamento humano; mas o direito, como
solução normativa, mesmo diante de fatos novos, apresenta definição para essas hipóteses,
porque tem como características a unidade e a totalidade. O direito, pois, é não apenas direito
escrito ou conduta humana, e, por isso mesmo, ontologicamente indivisível. Pode
didaticamente dividir-se em ramos ou espécies, mas na essência é uno.
Informa Greco Filho que, Francisco Carnelutti60
, nos explica: que, se interesse é
uma situação favorável à satisfação de uma necessidade; se as necessidades são ilimitadas; se
são, todavia, limitados os bens, isto é, a porção do mundo exterior apta a satisfazer tais
necessidades, correlata à noção de interesse e de bens é a noção de conflito de interesses. Há
conflito entre dois interesses quando a situação favorável para a satisfação de uma
necessidade exclui a situação favorável para a satisfação de uma necessidade diversa.
Carnelutti vê, na base da ordem jurídica, o conflito de interesses a exigir a
regulamentação das diversas expectativas humanas sobre um mesmo bem.
O direito, portanto, não existe somente para resolver os conflitos de pessoas ou
entre pessoas, mas também para evitar que ocorram, prevenindo-os. E, por conseguinte, não
depende do conflito entre pessoas, mas exatamente existe para evitá-los, atribuindo a cada um
a sua parcela de participação nos bens naturais e sociais.
57 GRECO FILHO, Vicente, 1943 – Manual de processo penal/Vicente Greco Filho. - 8. ed. Rev., atual.
Com a colaboração de João Daniel Rassi. - São Paulo: Saraiva, 2010, p. 7.
58 BOBBIO, Norberto. Teoria della norma giuridica, Torino: Giappichelli, 1958, p. 5.
59 GRECO FILHO, Vicente . Op. cit. p. 7.
60 CARNELUTTI, Francisco. Sistema del diritto processuale civiale, Padova, 1936, v. 7, p. 3.
28
O direito convergente sobre os bens, portanto, pode ser: individual, coletivo ou
público.
O direito disciplina todos esses interesses que se contrapõem, às vezes se
superpõem, contradizem-se, interdizem-se, interferem-se, influenciam-se. O vórtice de
interesses, ademais, incrementa-se em virtude de conflitos entre suas diversas categorias.
Cabe ao direito, portanto, sua disciplina, determinando, em cada caso, qual deve prevalecer,
qual deve ser satisfeito.
O critério de escolha decorre do valor que pretende o direito ver prevalecer, diz
Greco Filho.
Ainda, Greco Filho61
, salienta que é impossível compreender-se o direito com
abstração de seus valores constitutivos, como afirma Miguel Reale, devendo, porém,
evitarem-se dois extremos: de um lado, o dos que pretendem, a todo transe, atingir um
conceito de direito livre de qualquer nota axiológica, projetando a ideia de justiça fora do
processo da juridicidade positiva (Stammler e Del Vecchio); e, de outro lado, o dos que
identificam positividade jurídica e justiça, indivíduo e sociedade (Hegel, Gentile, Binding).
Greco Filho62
explica que todas as consagrações constitucionais de direitos
supõem a existência de alguns direitos básicos da pessoa humana, os quais pairam, inclusive,
acima do Estado, porquanto este tem como um de seus fins principais a garantia desses
direitos.
O direito talvez cronologicamente coincida com o homem e a sociedade, mas não
pode ser entendido senão em função da realização de valores, no centro dos quais se encontra
o valor da pessoa humana. Para Greco Filho63
toda ordem jurídica não teria sentido se não
tivesse por fim ou conteúdo a realização desses valores. Logicamente, portanto, o valor da
pessoa humana antecede o próprio direito positivo, condiciona-o e dá-lhe razão de existir.
61 GRECO FILHO, Vicente, 1943 – Manual de processo penal/Vicente Greco Filho. - 8. ed. Rev., atual.
Com a colaboração de João Daniel Rassi. - São Paulo: Saraiva, 2010. p. 9/10.
62 GRECO FILHO, Vicente . op. cit. p. 10.
63 GRECO FILHO, Vicente . op. cit. p. 11.
29
Simultaneamente ao nascimento do direito, que tem por fim a solução justa dos
conflitos ou convergências de interesses, surgem os mecanismos, previstos pelo próprio
direito, de efetivação das soluções por ele dispostas.
Greco Filho64
afirma que costuma-se dividir o sistema de efetivação de direitos
em três fases distintas: a autotutela, a autocomposição e a jurisdição.
Um Poder Judiciário autônomo e eficiente é indispensável à vivência
democrática.
O processo é algo mais profundo, uma verdadeira relação entre os sujeitos.
A vinculação das partes não é voluntária, mas cogente, e a natureza do vínculo é
pública, e não privada.
Greco Filho coloca que a teoria da relação jurídica processual foi contestada
apenas pela teoria do processo como situação jurídica, de Goldschmidt65
, mas ainda não foi
superada, porque é a que melhor explica o fenômeno processual, daí ser quase universalmente
aceita.
Em um processo, aos sujeitos que dele participam são atribuídos poderes,
faculdades, deveres, sujeição e ônus, numa forma dinâmica, isto é, num suceder de atos que
tendem para o ato-fim, a sentença, na qual o juiz aplica o direito.
Como se sabe, três são os poderes da República: Legislativo, Executivo e
Judiciário.
No relacionamento entre os Poderes Executivos e Judiciário, há dois sistemas
fundamentais.
64 GRECO FILHO, Vicente. op. cit. p. 13.
65 GRECO FILHO, Vicente. op. cit. p. 30.
30
No primeiro, chamado francês ou do “contencioso administrativo”, decorrente da
ideia de separação absoluta de poderes.
No Brasil, adotou-se o sistema chamado anglo-saxão ou da jurisdição única, no
qual o Poder Judiciário pode examinar os atos administrativos quanto à sua legalidade.
O processo é a garantia ativa porque, diante de alguma ilegalidade, pode a parte
dele utilizar-se para reparação dessa ilegalidade (artigo 5º, XXXV, CF/8866
).
Greco Filho67
nos explica que o processo diz-se uma garantia passiva porque
impede a justiça pelas próprias mãos, dando ao acusado a possibilidade de ampla defesa
contra a pretensão punitiva do estado, o qual não pode impor restrições da liberdade sem o
competente e devido processo legal. Ainda, é o processo garantia passiva quando impede a
justiça privada, isto é, garante a submissão ao direito de outrem não se fará por atividade
deste, mas por atividade solicitada ao Judiciário, que examinará o cabimento e a legitimidade
de tal pretensão.
Para Aury Lopes Jr.68
Não há que comparar Processo Civil e Processo Penal, não
há a possibilidade de amoldar um ao outro, buscando o melhoramento da aplicação da norma.
Cada um tem seus elementos específicos. Bem lembra Aury Lopes Jr., que todo erro de
pensar, que podem ser transmitidas e aplicadas no processo penal as categorias do processo
civil, como se fossem as roupas da irmã mais velha, cujas mangas se dobram, para caber na
irmã preterida. É a velha falta de respeito a que se referia GOLDSCHMIDT, às categorias
jurídicas próprias do processo penal.
Nos lembra o autor que em processo penal estamos lidando com a liberdade, e
não com o “ter” ou “não ter” do processo civil. No lugar da coisa, pensa- se na liberdade, de
66 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
67 GRECO FILHO, Vicente. op. cit. p. 33.
68 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 35.
31
quem, tendo, está na iminência de perder, ou que já não tendo pode recuperá-la ou perdê-la
ainda mais.
Nos lembra, Greco Filho69
que, na defesa do interesse público e na manutenção
do equilíbrio jurídico da sociedade, exerce função de grande relevância o Ministério Público.
Nascido na qualidade de encarregado da defesa judicial dos interesses do soberano, referido
numa Ordonnance francesa do início do século XIV, transformou-se modernamente numa
instituição destinada a defender judicialmente os interesses considerados indisponíveis pela
sociedade.
Paulatinamente, foi o Ministério Público libertando-se da representação do
soberano para representar a sociedade e seus valores dominantes. Daí afirmar-se que o
Ministério Público é um órgão do Estado, e não do Poder Executivo, e que exerce a função de
agente do equilíbrio social, como prevê o artigo 129, I da Constituição Federal de 1988.
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I – promover; privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
[...]
No processo penal, o Ministério Público, representado pelos Promotores de
Justiça, é o órgão do Estado que formula a acusação nos crimes de ação pública e acompanha
toda a ação penal, fiscalizando a reta aplicação da lei, e, inclusive, as garantias do acusado.
(grifamos)
Exerce ele, portanto, relevante função como órgão fiscal da legalidade e da
proteção dos valores da ordem jurídica e, consequentemente, dos direitos individuais.
1.2 Conceito do direito de ação
Após entendermos através das sábias palavras dos doutros doutrinadores sobre os
princípios e as funcionalidades da ação penal, iniciamos com os ensinamentos de
69 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. p. 35.
32
Mougenot70
, que passa a nos esclarecer quanto ao direito de ação, que constitui o direito (ou
poder) que tem o acusador de, dirigindo um pedido ao Poder Judiciário, provocar sua
manifestação sobre esse pedido.
Para Mougenot71
, o direito de ação em si não é condicionado.Ensina o
doutrinador que qualquer pessoa do povo, bem como só órgãos do Ministério Público, podem
livremente ajuizar ações perante o Poder Judiciário. Explica o doutrinador que não é o
exercício do direito de ação que é condicionado, mas sim o direito de que o movimento
desencadeado pelo ajuizamento da ação se desenvolva, por meio do processo, em direção a
um julgamento de mérito.
Além dos princípios já citados por Tourinho Filho, Mougenot inclui em seus
apontamentos sobre os princípios o princípio da boa-fé processual, princípio esse, geral de
direito, que decorre do princípio do devido processo legal e da paridade de armas, implicando
a busca de um fair play72
, um processo justo. Embora esse princípio seja desprezado pela
doutrina conservadora, vem recebendo paulatino reconhecimento também na jurisprudência.
É forte e expressivo o entendimento de que o princípio da boa-fé não existiria no processo
penal, Mougenot explica que com a evolução doutrinária, há apontamentos de um caminho
diverso , tendo notório reconhecimento no direito comparado, mister em importantes cortes
de Justiça europeias, como nas decisões do Supremo Tribunal da Espanha a partir de 2001:
STS n. 36.736, de 23.10.2001, e STS n. 3562, de 21.3.2001, que, entre outras, acolheram-no,
impondo sua aceitação.73
Mougenot74
classifica a ação penal em quatro características:
a) Caráter público: do ponto de vista objetivo é exercido em face do
Poder Público (Estado);
b) Constitui direito objetivo: o direito de ação e o direito de agir;
c) É direito autônomo: sua existência e a possibilidade de que seja
exercido independem de qualquer relação jurídica material e;
70 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 38.
71 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 38.
72 Fair play, tradução para português: jogo limpo.
73 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 99.
74 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 99.
33
d) É direito abstrato: decorre da autonomia do direito de ação em
relação ao direito material. É, pois, direito abstrato porque independe
do provimento jurisdicional, seja ele favorável ou desfavorável, justo
ou injusto.
Explica Lopes Jr.75
que ao questionarmos: Processo Penal, para quê(m)?, nossa
opção de resposta é na Constituição e, dessa perspectiva, visualizamos o processo penal como
instrumento de efetivação das garantias constitucionais.
Cita, ainda, J. GOLDSCHMIDT76
, a seu tempo77
, quando questionou: Por que
supõe a imposição da pena a existência de um processo? Se o “ius puniendi” corresponde ao
Estado, que tem o poder soberano sobre seus súditos, que acusa e também julga por meio de
distintos órgãos, pergunta-se: porque necessita que prove seu direto em um processo?
Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente
constituir (logo, consciência de que ela constitui-a-ação), é que se pode compreender que o
fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá através da sua
instrumentalidade constitucional. Significa dizer que o processo penal contemporâneo
somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da
Constituição.
Aury Lopes Jr.78
, acredita que o constitucionalismo, exsurgente do Estado
Democrático de Direito, pelo seu perfil compromissário, dirigente e vinculativo, constitui-a-
ação do Estado!79
Com a precisão que conceitual que lhe caracteriza, JUAREZ TAVARES80
ensina
que nessa questão entre liberdade individual e poder de intervenção do Estado não se pode
75 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 9.
76 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 7.
77 Logo, considerando que todo saber é datado, interessa-nos mais a pergunta do que a resposta dada pelo
autor naquele momento.
78 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 9.
79 STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, p. 9.
80 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3ª edição. Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 162.
34
esquecer que a “garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer
legitimação, em face de sua evidência.” (grifo do autor)
Lopes Jr.81
, chama nossa atenção ao dizer que aprofundam-se a discussão e os
questionamentos sobre a legitimidade da própria liberdade individual, principalmente no
âmbito processual penal, subvertendo a lógica do sistema jurídico-constitucional.
Para Lopes Jr., TAVARES82
circunscrita muito bem sobre o assunto: “o que
necessita de legitimação é o poder de punir do Estado, e esta legitimação não pode resultar de
que ao Estado se lhe reserve o direito de intervenção.”
Ainda no quesito legitimidade, Lopes Jr. nos coloca que “questionar a legitimidade
do poder de intervenção, por conceber a liberdade como valor primevo do processo penal”, é
uma premissa básica ao estudo do processo penal.
Explica Lopes Jr. que nem mesmo o conceito de bem jurídico pode continuar
sendo tratado como se estivesse imune aos valores do Estado Democrático. Ainda, Lopes Jr.83
cita TAVARES, a fim de explicar esse posicionamento: “a questão da criminalização de
condutas não pode ser confundida como uma condição de Estado democrático, baseado no
respeito dos direitos fundamentais e na proteção da pessoa humana.” E continua utilizando as
palavras do autor, explicando que, em um Estado Democrático,
[…] o bem jurídico deve constituir um limite ao exercício da política
de segurança pública, reforçado pela atuação do judiciário, como
órgão fiscalizador e controlador e não como agência seletiva de
agentes merecedores de pena, em face da respectiva atuação do
Legislativo ou do Executivo.
81 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 9.
82 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 162.
83 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 9.
35
A fim de explicar a crise da teoria das fontes, Lopes Jr. usa a frase de EINSTEIN:
Que época triste essa nossa, em que é mais fácil quebrar um
preconceito do que um átomo. Uma lei ordinária acaba valendo mais
do que a própria Constituição, não sendo raro aqueles que negam a
Constituição como fonte, recusando sua eficácia imediata e
executividade. Para Lopes Jr., é essa recusa que deve ser combatida.
Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde
com impunidade.84
(grifo do autor)
Aury Lopes Jr. Fala em sua obra sobre o princípio da necessidade do processo
penal em relação à pena. Explica o doutrinador que a titularidade exclusiva por parte do
Estado do poder de punir (ou penar, se considerarmos a pena como essência do poder
punitivo)surge no momento em que é suprimida a vingança privada e são implantados os
critérios de justiça. O Estado, como ente jurídico e político, avoca para si o direito (e o dever)
de proteger a comunidade e também o próprio réu, como meio de cumprir sua função de
procurar o bem comum, que veria afetado pela transgressão da ordem jurídico-penal, por
causa de uma conduta delitiva85
.
Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito, pena e processo, de modo
que são complementares. Não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem
processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena.86
(grifo do autor)
Dessa forma, Aury Lopes Jr. estabelece o caráter instrumental do processo penal
com relação ao Direito Penal e à pena, pois o processo penal é o caminho necessário para a
pena.87
(grifo do autor)
84 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 9.
85 ALONSO, Pedro Aragones. Instituciones de Derecho Procesal Penal, p. 7.
86 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 24/25.
87 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 24/25.
36
GÓMEZ ORBANEJA88
denomina principio de la necessidaded del proceso
penal, amparado no art. 1º da LECrim,89
pois não existe delito sem pena, nem pena sem
delito e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena. O
princípio apontado pelo autor resulta da efetiva aplicação no campo penal do adágio latino
nulla poena et nulla culpa sine iudicio, expressando o monopólio da jurisdição penal por
parte do Estado e também a instrumentalidade do processo penal.
Para Lopes Jr.90
são três os monopólios estatais:
a) Exclusividade do Direito Penal;
b) Exclusividade pelos Tribunais;
c) Exclusividade Processual.
Aury Lopes Jr. se reporta ao artigo de CARNELUTTI, Cenerantola91
(La
Cenicienta, na tradução em espanhol) para explicar que a autonomia obtida pelo Direito Penal
é suficiente, até porque, delito e pena são como cara e coroa da mesma moeda. Como o são
Direito Penal e Processo Penal. Recordando aqui do princípio de necessidade.
Lembra CARNELUTTI, “é com a liberdade o que verdadeiramente se joga no
processo penal”. “Al juez penal se le pide, como al juez civil, algo que nos falta y de lo cual
no podemos precindir; y es mucho más grave el defecto de liberdad que el defecto de
propiedad”.92
Muito lembrado por Lopes Jr.: “No direito penal e processo penal é a própria vida
que está em jogo.” (grifamos)
88 ORBANEJA, Gómes. Comentarios a la ley de Enjuiciamiento Criminal, tomo I, p. 27.
89 Norma processual penal espanhola – Ley de Enjuiciamiento Criminal.
90 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 24/25.
91 Originariamente publicado na Rivista di Diritto Processuale, v. 1, parte 1, pp. 73-78. Em espanhol, foi
publicado com o título “La Cenicienta”, obra Cuestiones sobre el Proceso Penal, pp. 15-21.
92 CARNELUTTI, Francisco. op. cit. p. 36.
37
Ainda lembrando o artigo de CARNELUTTI, Cinderela é uma boa irmã, adverte
o mestre italiano, e não aspira uma superioridade em relação às outras, senão unicamente uma
afirmação de paridade. O processo civil, ao contrário do que sempre se fez, não serve para
compreender o que é o processo penal: serve para compreender o que não é.
Aury Lopes Jr., ao falar sobre a ação processual penal, cita, honrosamente as
palavras de ALCALÁ-ZAMORA93
, que nos explica:
possivelmente a verdadeira índole da ação houvesse sido dilucidada,
já há bastantes anos, se os processualistas tivessem se preocupado um
pouco menos com o direito romano, para ocupar-se um pouco mais da
realidade processual. Por quê? Simplesmente porque a ação não é
mais uma figura pertencente a arqueologia jurídica, para cujo
conhecimento deva-se remontar a sistemas pretéritos, nem tampouco
uma instituição que atualmente surja em raríssimas ocasiões, senão
que é um fenômeno diário, que se oferece em todos os países com um
mínimo de organização de justiça, não em milhares, mas sim em
milhões de processos dos mais variados gêneros e espécies. Então, ao
não faltar material vivo, por assim dizer, para a observação direta,
deveriam os processualistas prestar uma atenção muito maior do que
aquela dedicada. Isso é, se não houvessem se involucrado no estudo
histórico do que a ação foi, mais sim com o estudo do que a ação é,
ou em outros termos, se a primeira indagação houvesse sido
reservada a romanistas e historiadores do direito e sobre a segunda
tivessem consagrado suas energias os processualistas, provavelmente
o avanço teria sido mais profundo e firme em ambas as direções, não
só por razões de especialização (ainda que sendo excelentes
romanistas muitos dos processualistas que sobre a ação trabalharam),
senão pelas incertezas que em torno de cerros textos do direito
romano suscitam suas lacunas ou a crítica interpolacionista e,
sobretudo, porque como antes dissemos a propósitos das
interpretações privativas acerca da natureza do processo, a marcha
do processo romano clássico era distinta do tipo normal de processo
de nossos dias. A gravitação romanistas em relação à ação deve ser
advertida, ademais, em outros sentidos: por exemplo, na persistência
com que se segue falando de ação, em hipóteses onde o termo correto
a empregar seria o de pretensão, ou, ainda, na quase incomovível
fidelidade com que legisladores e práticos – e até alguns docentes -,
seguem estimando como classificação processual das ações aquela
que as divide em pessoais, reais e mistas ou em mobiliárias e
93 ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILHO, Niceto. Estudios de Teoria General e História del Processo –
1945/1972, v. 1, pp. 324-325.
38
imobiliárias.” (grifo e tradução de Aury Lopes Jr.)
A multiplicidade de acepções do vocábulo 'ação' também foi um fator relevante na
infindável discussão existente em torno do seu conceito. Chamando a atenção para tal
fenômeno, Lopes Jr. cita ALCALÁ-ZAMORA94
onde aponta que, a rigor, no processo penal
devemos falar em “ação processual penal”, para não confundir com a ação punível ou
delitiva, objeto do Direito Penal e não do processo penal.
Aury Lopes Jr., relaciona os conceitos95
de ação, pretensão e acusação (demanda):
AÇÃO: direito potestativo (ou poder, se preferirem) concedido pelo
Estado (ao particular ou a um determinado órgão do Estado –
Ministério Público) de acudir ao tribunais para formular a pretensão
acusatória. É um direito (potestativo) constitucionalmente assegurado
de invocar e postular a satisfação de pretensões. Vedada a autodefesa
(estatal ou privada), o direito de ação encontra abrigo na nossa atual
Constituição, onde o art. 5º, XXXV, assegura que “ a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Mais
específico, o art. 129, I, da Constituição assegura a poder exclusivo
do Ministério Público de exercer a ação penal (melhor, a acusação
pública). É uma garantia constitucional que assegura o acesso ao
Poder Judiciário. ALCALÁ-ZAMO DEFINE COMO “el poder
jurídico de promover la actuación jurisdiconal a fin de que el
juzgador pronuncie acerca de la punibilidad de hechos que el titular
de aquélla reputa constitutivos de delito.. medio de provocar el
ejercicio del derecho de penal.
PRETENSÃO ACUSATÓRIA: é uma declaração petitória de que
existe o direito potestativo de acusar e que procede a aplicação do
poder punitivo estatal. Trata-se de um direito potestativo, por meio do
qual se narra um fato com aparência de delito (fumus commissi
delicti) e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma
pessoa determinada. É composta por elementos subjetivo, objetivo
(fato) e de atividade (declaração petitória).
94 Como explica NICETO ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILHO, na sua obra Estudios de Teoria General e
História del Processo – 1945/1972, v. 1, p. 325-326.
95 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 243/244.
39
ACUSAÇÃO (DECLARAÇÃO PETITÓRIA): é o ato típico e ordinário
de iniciação processual, que assume a forma de uma petição, através
da qual a parte faz uma declaração petitória, solicitando que se dê
vida a um processo e que comece sua tramitação96
. No processo penal
brasileiro, corresponde aos instrumentos “denúncia” (nos crimes de
ação penal de iniciativa pública) e “queixa” (delitos de iniciativa
privada). É, na verdade, o veículo que transportará a pretensão sem
deixar de ser um dos elementos.”
CUTURE97
conceitua ação como “o poder jurídico que tem todo sujeito de direito
de acudir aos órgãos jurisdicionais para reclamar-lhes a satisfação de uma pretensão.” É um
poder jurídico que compete ao indivíduo. É um atributo de sua personalidade. Esse é um
conceito rigorosamente privado, que não pode ser aplicado ao processo penal de forma
automática, mas que coloca em relevo a ação como poder jurídico, e como tal, perfeitamente
compatível com o conceito de GOLDSCHMIDT de pretensão acusatória – ius procedatur – .
(grifo do autor)
ALACLÁ-ZAMORA e LEVEN98
explicam que quando se aponta o caráter
público da ação penal se quer dizer que ela serve para a realização de um direito público, qual
seja, o de provocar a atuação do poder punitivo do Estado. Os autores, advirta-se, perfilam-se
entre aqueles que, como GOLDSCHMIDT, negam a pretensão punitiva e atribuem ao
acusador o poder de proceder contra alguém, poder diverso daquele de punir, que corresponde
ao Estado-juiz.
Para Leone99
, a ação penal investe o órgão da jurisdição, o qual, por efeito dessa
investidura, está obrigado a emitir uma decisão. Ao direito de ação corresponde a obrigação
da prestação da tutela jurisdicionai. Trata-se de um evidente caráter público da ação.
96 GUASP, Jaime. Derecho Procesal Civil, v. 1, p. 281.
97 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil, pp. 57 e ss.
98 LEONE, G. op. cit., p. 67.
99 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 132.
40
Por tudo isso, explica Lopes Jr.100
que, a rigor, constitui uma improbidade falar
em ação penal pública e privada, eis que toda ação penal é pública, posto que é uma
declaração petitória, que provoca a atuação da função jurisdicional para instrumentalizar o
Direito Penal e permitir a atuação da função punitiva estatal. Seu conteúdo é sempre de
interesse geral. (grifo do autor)
No Brasil está consagrada a terminologia delitos de ação penal pública e delitos
de ação penal privada. A justificativa está na adoção do critério de legitimidade de agir: será
pública quando promovida pelo Ministério Público (através da denúncia) e privada quando
couber à vítima exercê-la através de queixa.
Capez101
aponta como características da ação penal ser: um direito autônomo,
abstrato, subjetivo e público. Mas a problemática é bem mais complexa.
Diz Aury Lopes Jr.102
, que quanto ao direito subjetivo a que alude o autor, o erro
está no fato de ele defender a existência de lide penal e de pretensão punitiva. Um duplo e
grave equívoco conceitual, que já foi desvelado quando tratamos do objeto do processo penal.
Quanto ao caráter público, é inegável, senão elementar. O problema é a autonomia e a
abstração. Aqui há muito o que refletir, e o autor citado passa completamente à margem dessa
complexidade.
A discussão entre as concepções de WINDSCHEID e de MUTHER103
,
estabelecida nos anos de 1856 e 1856, sobre a actio romana contribuiu definitivamente para a
separação do direito processual do direito material e, por consequencia, conferiu à ação um
caráter autônomo em relação ao direito material (e a pretensão de direito material [que não se
confunde com o conceito de pretensão processual acusatória desenvolvido anteriormente]).
100 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 345.
101 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 111.
102 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 347.
103 Que pode ser conhecida através da compilação feita na obra Polémica sobre la actio, de Bernard
WINDSCHEID e de Theodor MUTHER, cuja versão espanhola foi publicada em Buenos Aires, pela Editora
EJEA em 1974.
41
(grifo do autor)
Assim, em relação à autonomia da ação processual penal, atualmente nenhuma
dúvida paira.
Aury Lopes Jr.104
defendendo o caráter autônomo e abstrato da ação, cita
DEGENKOLB e depois PLÓSZ que foram os marcos teóricos dos quais se estruturam outros
estudos. Para os defensores dessa posição, a ação é autônoma e abstrata no sentido de que é
independente do direito material em discussão, de modo que a ação poderá ser exercida e o
processo nascer e se desenvolver, ainda que o autor não tenha razão. (grifo do autor)
Ou seja, mesmo que a sentença negue o postulado, a ação terá sido exercida, pois
a existência dela não está vinculada a uma sentença favorável de mérito. Explica Lopes Jr.105
que para essa corrente, a ação como direito abstrato tem sua existência prévia ao nascimento
do processo. É um direito que existe e pode ser exercido ainda que sem direito válido a
tutelar.
Explica COUTURE106
– com deliberado exagero, como ele mesmo esclarece –
que a ação é um direito dos que têm razão e ainda dos que não têm razão. Trata-se de um
direito inerente à própria personalidade das pessoas. Posteriormente, WACH, aperfeiçoando
a concepção do processo como relação jurídica de BÜLOW, defende a tese de que a ação é
um direito autônomo (até porque a relação jurídica de direito processual independe da
relação jurídica de direito material), mas concreto, pois somente haverá ação quando o autor
obtiver uma sentença favorável (daí porque, é o direito a uma sentença favorável, na acepção
do autor). Em oposição à abstração, a teoria do direito concreto sustenta – em suma – que a
ação somente compete aos que têm razão. Na síntese de COUTURE107
, a ação não é o
direito; mas não há ação sem direito.
104 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 347.
105 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 347.
106 COUTURE, Eduardo J. op. cit., p. 64.
107 COUTURE, Eduardo J. op. cit., p. 64.
42
Porém, nos informa Lopes Jr.108
que a concepção de ação como direito concreto
acabou não vingando, especialmente porque era incapaz de justificar toda a situação criada e
a jurisdição movimentada, quando a sentença fosse improcedente (absolutória), a ação não
teria existido e o processo tampouco (como deveria haver processo sem ação?). Então como
aplicar toda a atividade desenvolvida até então? Inclusive com manifestação e exercício da
juridição?
Expõe, Tourinho Filho109
, que o fundamento do direito de ação repousa, pois, na
proibição da autodefesa, e seu fundamento jurídico está no próprio capítulo dos direitos e
garantias individuais: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito” (art. 5º, XXXV, da CF/88). Havendo violação de qualquer direito individual, cabe ao
Poder Judiciário apreciá-la. E nem mesmo a lei pode impedir que o cidadão se dirija ao Poder
Judiciário apreciá-la. E nem mesmo a lei pode impedir que o cidadão se dirija ao Poder
Judiciário, explica Tourinho Filho.110
Se o Estado não pode autoexecutar o seu direito de punir, deverá, se pretender
fazê-lo, dirigir-se ao Juiz, invocando-lhe a aplicação da sanctio juris. E esse direito de pedir a
tutela jurisdicional, que também se assegura ao Estado-Administração para pedir a atuação do
Direito Penal objetivo, outra coisa não é senão o direito de ação.
Por isso, conforme explica Frederico Marques111
, da mesma forma que a
proibição da autodefesa criou o direito de ação para os particulares, a limitação da
autoexecutoriedade do direito de punir fez nascer para o Estado o direito de agir (cf. Curso de
direito penal, São Paulo: Saraiva, 1956, v. 3, p. 332). Pois bem: nessa autodelimitação do jus
puniendi, realçada nos incs. XXXV, LIII, LIV e LV do art. 5º da Lei Maior, reside e descansa
o fundamento constitucional da ação penal, como direito do Estado-Administração de pedir
108 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 348.
109 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 157.
110 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 159.
111 MARQUES, Frederico. op. cit., p. 5 e s.
43
ao Estado-Juiz a aplicação da lei penal objetiva.
Tourinho Filho explica112
que a ação é um direito contra o Estado. Se o Estado
aboliu a vingança privada como forma compositiva de litígios e autolimitou o seu poder de
punir avocando o monopólio da administração da justiça, obviamente surgiu para o cidadão o
direito de se dirigir a ele exigindo-lhe a garantia jurisdicional.
O direito de ação é o direito de exigir a prestação jurisdicional, de pedir ao
Estado, representado pelos seus Juízes, a aplicação do direito objetivo a um caso concreto.
Tourinho Filho113
, nos coloca que no plano constitucional é um direito subjetivo,
uma vez que o seu titular pode exigir do Estado, representado pelos seus Juízes, a prestação
jurisdicional; tendo assumido essa obrigação – a prestação consistente em aplicar a lei -, a
pessoa lesada nos seus direitos pode exigir que ele cumpra o prometido, cumpra a sua
prestação de dizer o direito, e “ quem pode exigir alguma coisa de outrem, se o quiser, tem,
sem mais nada, direito subjetivo”; é um direito público, porque serve para “la realización de
un derecho público”, qual o de provocar a atuação jurisdicional – Alcalá-Zamora, Derecho
procesal penal, Buenos Aires: Ed. Guilhermo Kraft, 1945, v.2, p. 67; abtrado, porque pré-
processual; indeterminado, porque não pressupõe concretamente nenhum estado de fato
contrário ao direito; genérico, visto que sem conteúdo. (grifamos)
No plano estritamente processual, o direito de ação é um direito subjetivo,
público, determinado, porque instrumentalmente conexo a um caso concreto.
Como bem diz Luigi Sansò114
, é aquele quid em relação ao qual se exercita a ação.
De fato, ninguém ingressa em juízo sem saber o que pretende.
112 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 159.
113 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 159.
114 SANSÒ, Luigi. La correlazione tra imputazione contestata e sentenza, Milano: Giuffrè, 1971, p. 37
44
Trata-se de um direito autônomo, porque distinto do direito ou interesse que ele
tende a tornar efetivo em juízo.
Seguindo a linha explicativa de Tourinho Filho115
, observemos que quando ocorre
um crime, o Estado tem interesse em impor a sanção penal, mas, para fazê-lo, precisa
ingressar em juízo com a ação, e por meio desta se pede a satisfação daquele interesse; logo, o
direito de ação é distinto daquele por meio do qual se tende a torná-lo efetivo em juízo. Nesse
caso, houve o exercício da ação penal e inexistiu o direito que ela objetivava tornar efetivo.
Portanto, o direito de ação é autônomo, isto é, para que o exerça não é necessariamente
imprescindível tenha sido violado um direito material.
1.3 Fundamento do Direito da Ação
Para Mogenout116
, a ação penal é em parte disciplinada pelo Código Penal.
Já Aury Lopes Jr.117
nos ensina que os princípios gozam de plena eficácia
normativa, pois são verdadeiras “normas”. Os princípios (especialmente os
constitucionais) são normas fundamentais ou gerais do sistema. São fruto de uma
generalização sucessiva e constituem a própria essência do sistema jurídico, com inegável
caráter de “norma”.
E ainda nos diz Lopes Jr.118
:
JURISDICIONALIDADE – Nulla poena, nulla culpa sine iudicio. A a
garantia da jurisdição significa muito mais do que apenas “ter um
juiz”, exige ter um juiz imparcial, natural e comprometido com a
máxima eficácia da própria Constituição.
115 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 160.
116 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 144.
117 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 177.
118 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 177.
45
Ainda que o princípio da jurisdicionalidade tenha um importante matiz interno
(exclusividade dos tribunais para impor a pena e o processo como caminho necessário), ela
não fica reclusa a esses limites. FERRAJOLI119
vai se debruçar nos diversos princípios
garantistas que configuram um verdadeiro esquema epistemológico, de modo que a categoria
de garantia sai da tradicional concepção de confinamento para colocar-se no espaço central do
sistema penal.
O juiz assume uma nova posição120
no Estado Democrático de Direito, e a
legitimidade de sua atuação não é política, mas constitucional, consubstanciada na função de
proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um, ainda que para isso tenha que
adotar uma posição contrária à opinião da maioria. Deve tutelar o indivíduo e reparar as
injustiças cometidas e absolver quando não existirem provas plenas e legais (abandono
completo do mito da verdade real).
Diz Tourinho Filho: “Todavia “autodefesa” e “autocomposição” são excepcionais
formas de resolução do litígio”.
Para Tourinho Filho121
, o dever do Estado de administrar justiça aparece em
relação aos particulares como o dever dos órgãos da administração da justiça (instituídos pelo
Estado) de desenvolver uma atividade, na forma regulada em lei, visando ao cumprimento
daquele dever de garantir justiça (cf. Eberhard Schmidt, Los fundamentos teóricos y
constitucionales del derecho procesal penal, trad. J. M. Nuñez, Buenos Aires: Ed.
Bibliográfica Argentina, 1957, p. 19).
Cita Tourinho que por isso Goldscmidt falava de “direito à garantia da justiça”.
119 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 177/178.
120 SILVA FRANCO, Alberto. “O Juiz e o Modelo Garantista”. In: Doutrina do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais, disponível no site do Instituto (www.ibccrim.com.br) em março de 1998.
121 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 157.
46
Para Tourinho Filho, uma vez que o Estado proibiu aos particulares fazerem
justiça com as próprias mãos, surgiu para eles o direito de se dirigirem ao Estado para
reclamar a aplicação da sanção em relação àquele que, por acaso, lhes violou o direito. Se é o
Estado que distribui justiça e, para tanto, instituiu órgãos adequados, é claro que aqueles que
dela necessitam têm o direito subjetivo de levar-lhe ao conhecimento um litígio, invocando-
lhe a aplicação da norma agendi. Aí está, pois, o direito de ação. Direito subjetivo, público,
abstrato, genérico, indeterminado. O direito de pedir ao juiz a aplicação da lei penal ao
infrator.
Neste parágrafo122
, Lopes Jr. nos explica que:
No processo penal, igualmente afirma-se a autonomia da ação processual
penal, até porque, como explicarmos ao abordar o objeto, o direito potestativo de acusar não
se confunde com o poder de punir (direito material). Ou seja, o acusador não exerce
nenhuma pretensão (material) punitiva, senão uma pretensão processual acusatória.
(grifamos).
Assim, acertadamente, Lopes Jr. nos linca ao próximo capítulo deste trabalho de
conclusão de curso, que tratará da jurisdicionalização no processo de execução penal.
2 Jurisdicionalização do PEC
Neste capítulo, com o fim de explicar a jurisdicionalização do processo de
execução penal, iniciaremos com os ensinamentos de Tourinho Filho123
, a respeito da
jurisdição, o qual explica que “etimologicamente, a palavra 'jurisdição' vem de jurisdictio,
formada de jus, juris (direito) e de dictio (ação de dizer, pronúncia, expressão), traduzindo
assim, a ideia de ação de dizer o direito.
122 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 348.
123 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal / Fernando da Costa Tourinho
Filho. - 13. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010. p. 273.
47
NUCCI124
, que em suas palavras para explicar a jurisdição, muito se assemelha as
palavras de Tourinho Filho, descreve jurisdição na doutrina de Rogério Lauria Tucci, onde
jurisdição “é uma função estatal inerente ao poder-dever de realização de justiça, mediante
atividade substitutiva de agentes do Poder Judiciário – juízes e tribunais -, concretizada na
aplicação do direito objetivo a uma relação jurídica, com a respectiva declaração, e o
consequente reconhecimento, satisfação ou assecuração do direito subjetivo material de um
dos titulares das situações (ativa e passiva) que a compõem”.
Tourinho Filho125
nos lembra que a jurisdição nasceu como uma necessidade, a
fim de impedir uma autodefesa, descomedida e imoderada, que levasse a sociedade ao caos, e
ainda, servindo como freio aos excessos do autoritarismo.
E questiona Tourinho Filho126
, se a função de julgar é exclusiva do judiciário e
nos coloca que mesmo sendo a função jurisdicional do Poder Judiciário, ela não está
totalmente concentrada nesse Poder, assim como NUCCI127
. As Constituições Federal e
Estadual permitem que outros órgãos que não o poder judiciário possam julgar. Nesse sentido
Tourinho Filho nos lembra do Senado, da Assembleia Legislativa ou órgão misto formado por
deputados e desembargadores.
Ainda, o doutrinador Tourinho Filho128
, nos coloca que os caracteres da jurisdição
pressupõe situação litigiosa concreta, é inerte, uma vez que só se movimenta se provocada, e,
além do mais, é uma função substitutiva, sendo que “o juiz se põe de permeio entre os
contentores para dizer qual dos dois tem razão”.
Tourinho Filho129
classifica os elementos referentes a jurisdição, que são eles:
Notio ou cognitio – é o poder de conhecer dos litígios.
Judicium – é a função conclusiva, a função característica, a mais
124 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal / Guilherme de Souza
Nucci. - 7. ed. rev., atual. E ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 249.
125 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 273.
126 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 274.
127 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 249.
128 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 274.
129 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 275-276.
48
eminente e essencial à jurisdição, consistindo no poder de compor a
lide, isto é, de aplicar o Direito em relação a uma pretensão.
Vocatio – consiste na faculdade de fazer comparecer em juízo todos
aqueles cuja presença seja necessária ao regular andamento do
processo.
Coertio ou coercitio – abrange todas as medidas coercitivas, desde o
poder de fazer comparecer em juízo testemunhas, vítimas, peritos e
intérpretes, até o de privar preventivamente o imputado da sua
liberdade.
Executi – o poder de tornar obrigatória sua decisão. O 'direito de, em
nome do poder soberano, tornar obrigatória ou cumprida a decisão
ou sentença. (grifamos)
Devemos, nessa sequencia, nos utilizarmos das palavras de Tourinho Filho130
,
para exemplificarmos sobre os princípios da jurisdição, dentre os quais se destacam:
“Ne procedat judex ex officio” – Não pode haver jurisdição sem ação.
O órgão investido da função jurisdicional não pode, sem provocação
da parte interessada, dar início ao processo.
Investidura – Para que uma pessoa possa exercer a função
jurisdicional é preciso seja investida em tais funções, de acordo com o
que prescreve a lei.
Indeclinabilidade da jurisdição – Não pode o juiz, de modo geral,
subtrair-se ao exercício do seu ministério jurisdicional. A função
proeminente do juiz é julgar, dizer o direito, isto é, aplicar o direito
objetivo aos casos concretos, sempre que provocado. Segundo o inciso
XXXV do artigo 5º da Constituição da República, “a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
Trata-se de direito à ação. Não pode, pois, o Juiz recusar-se a proferir
a decisão. Proíbe-se o non liquet (abstenho-me). A função
jurisdicional é indeclinável, salvo, evidentemente, aquelas hipóteses
em que o Magistrado é incompetente, está impedido (art. 252 do
CPP) ou se houver alguma circunstância que possa gerar-lhe a
suspeição (art. 254).
Indelegabilidade da jurisdição – Em decorrência do princípio da
130 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 276-281.
49
indeclinabilidade, isto é, exercendo o poder-dever de julgar, que lhe
foi atribuído pela Nação representada, é induvidoso deva o Juiz
exercer sua função pessoalmente, salvo se judex suspectus, ou judex
inhabilis. Do contrário haveria ofensa à regra de que delegatus judex
non potest subdelegare. Nas hipóteses previstas nos artigos 222, 353,
174, IV, 177 e 230, todos do CPP, não há delegação de poder. O juiz a
quem se pediu a prática do ato processual, ao cumprir a diligência
que se referem as disposições supra, apenas está exercendo sua
própria competência, de acordo com a lei.
O princípio da indelegabilidade, entretanto, não é absoluto. Uma vez
que o STF e o STJ exercem o seu poder jurisdicional em todo o
território nacional, podem eles requisitar dos órgãos inferiores, de
qualquer parte do País, a prática de ato processual.
Já o mesmo não pode acontecer com o juiz de uma comarca a quem
se pediu a ouvida de testemunha residente em outra. É que nesta
outra comarca outro é o juiz que exerce o poder jurisdicional. O
poder de jurisdição daquele se circunscreve exclusivamente ao espaço
territorial estabelecido em lei.
Improrrogabilidade da jurisdição, ou “princípio da aderência” - O
juiz somente pode exercer a função jurisdicional dentro nos limites
que lhe são traçados por lei.
Juiz natural – O princípio do juiz natural, ou juiz competente, como o
chamam os espanhóis, ou juiz legal, como o denominam os alemães,
constitui a expressão mais alta dos princípios fundamentais da
administração da justiça. Juiz natural é aquele cuja competência
resulta, no momento do fato, das normas legais abstratas. É preciso,
que ele atue dentro do círculo de atribuições que lhe fixou a lei,
segundo as prescrições constitucionais. E, como diz Figueiredo Dias,
“só a lei pode instituir o juiz e fixar-lhe a competência; a fixação do
juiz e da sua competência tem de ser feita por uma lei vigente ao
tempo em que foi praticado o fato criminoso que será objeto do
processo e, por último, o princípio é vinculado a uma ordem taxativa
50
de competência que exclua qualquer alternativa a decidir arbitrária
ou mesmo discricionariamente” (Direito processual penal, Coimbra:
Coimbra Ed., 1974, v. 1, p. 322).
Unidade da jurisdição – Como função soberana, consubstanciada no
Poder Judiciário, a jurisdição é única em si e nos seus fins. A divisão
que se estabelece entre a “jurisdição penal” e a “jurisdição civil”
assenta, única e exclusivamente, na natureza do conflito intersubjetivo
e, assim mesmo, pelas vantagens que a divisão do trabalho
proporciona. É, pois, a natureza da lide por dirimir, e não a
diversidade funcional, que se leva em conta para distinguir essa
variedade de Justiças. A atividade jurisdicional é provocada pela
parte, a parte contrária é ouvida, haverá ampla defesa, instrução,
contraditório, sentença, recursos. Não existirá, como não existe, uma
diferença ontológica entre elas. Em todas elas procura-se a solução
da lide. Há, pois, uma identidade de fim, uma forma idêntica de se
iniciar o processo, sem olvidar do seu aspecto sempre dialético. Os
caminhos a percorrer, às vezes, podem ser um pouco distintos, mas em
todas as justiças os órgãos incumbidos de dizer o direito integram o
Poder Judiciário, isto é, todos eles exercem a função de dizer o
direito. Essa variedade de jurisdições ou justiças não desnatura a
unidade da jurisdição como função soberana, função básica do
Estado. Enfim: ela não perde a sua unidade.
“Nulla poena sine judicio” - É exclusivo da jurisdição penal, na
impossibilidade absoluta de se aplicar qualquer sanção penal sem a
intervenção do juiz, vale dizer, sem processo. De sorte que o Estado,
para poder infligir sanção por um fato que constitua infração penal,
precisa, inexoravelmente, valer-se da via jurisdicional. Nesse
particular não há exceção. Nem se invoque a Lei n.º 9.099/95.
Embora seja possível, sem a instauração de um processo nos moldes
tradicionais, em se tratando de infrações de menor potencial ofensivo,
a inflição de multa ou pena alternativa, esta ou aquela somente se
concretizarão com a homologação feita pelo juiz.” (grifamos)
51
Com Norberto Avena complementamos os ensinamentos de Tourinho Filho sobre
jurisdição. Assim, nos explica Norberto Avena131
, que “por jurisdição compreende-se o poder
atribuído com exclusividade ao judiciário (em razão da sua independência e da
imparcialidade de seus membros) para decidir um determinado litígio segundo as regras
legais existentes.”
Para Avena132
, Jurisdição e competência não se confundem, o Estado instituiu a
jurisdição com a finalidade de assegurar que as normas de direito substancial inseridas ao
ordenamento jurídico, ou seja, direito objetivo, aplicação correta e solução da lide.
Norberto Avena133
alista nove princípios para regerem a juridição, são eles:
Juiz Natural: Devidamente regido pelo art. 5, LIII, XXXVII e XXXVIII
da CF/88. Ainda lembra os arts. 108, I e art. 102, I, b.
Investidura: somente quele que estiver legalmente investido como juiz
de direito e estiver no exercício de suas funções pode cumprir a
jurisdição. O juiz de direito é assim intitulado quando da aprovação
em concurso público ou por nomeação através do 5º constitucional,
previsto no art. 94, da Carta Republicana.
Inércia: o magistrado depende da iniciativa das partes, não podendo
iniciar, ex officio, uma ação judicial. Com exceção do CPC, onde no
art. 989, o juiz pode iniciar o processo de inventário quando nenhum
dos legitimados o requererem no prazo legal.
Indeclinabilidade: o art. 5, XXXV da CF/88 estabelece que nenhum
juiz pode subtrair-se do exercício da jurisdição.
Improrrogabilidade: um juiz não pode invadir a competência do
outro, salvo em situação excepcionais expressamente previstas.
Indelegabilidade: impede que um juiz delegue sua jurisdição a outro
órgão distinto.
Irrecusabilidade (ou inevitabilidade): as partes não podem recusar a
atuação de um juiz, salvo se houver caso de impedimento ou
suspeição.
Unidade: exercida com a finalidade de aplicação do direito objetivo
ao caso concreto, ou seja, a juridição é uma só.
Correlação (ou relatividade): o art. 384 do CPP, com nova redação
dada pela Lei n.º 11.719/08, fortaleceu o princípio da correlação, pois
131 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado / Norberto Avena. - 3ª ed. - Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011. p. 657.
132 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. op. cit., p. 658.
133 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. op. cit., p. 659-650.
52
agora há a necessidade de aditamento da inicial pelo Ministério
Público como pressuposto necessário para qualquer hipótese da
mutatio libelli. (grifo nosso)
Ainda, Norberto Avena134
, nos relaciona três características quanto à jurisdição,
que são:
Órgão adequado: “a juridição deve ser exercida pelo juiz (juiz de
direito, desembargador ou ministro), vale dizer, autoridade integrante
do Poder Judiciário, distinta dos órgãos que exercem as funções
estatais de legislar e administrar; de modo absolutamente imparcial
em face dos interesses das partes.”
Contraditório: “seu exercício deve implicar permissão às partes em
propugnar seus interesses em igualdade de condições. Trata-se, aqui,
de facultar a cada um dos litigantes contrapor-se aos argumentos da
parte ex adversa, observado o direito a paridade de armas.”
Procedimento: “necessária a estrita observância ao modelo legal
previsto em lei, o que corresponde à sequencia de atos previamente
determinada para a prática dos atos que conduzirão o processo à fase
de sentença.” (pag. 660)
Por fim, as explicações feitas por Norberto Avena135
, quanto a classificação da
jurisdição, nestes termos:
Notio ou cognitio: “trata-se da atividade de conhecimento,
abrangendo o poder atribuído aos órgãos jurisdicionais de conhecer
dos litígios; de investigar a presença dos pressupostos de existência e
de validade da relação processual, das condições de procedibilidade,
das condições da ação; de adotar as providências cabíveis à
tramitação regular do processo; e de instruir o feito, colhendo a
prova necessária à formação de seu convencimento.”
Vocatio: “trata-se da atividade de chamamento, correspondendo à
faculdade inerente aos juízes de fazer comparecer a juízo toda pessoa
cuja presença seja necessária ao desenvolvimento regular do
processo. Neste aspecto, abrange-se também a coertio, consistente na
possibilidade de o magistrado aplicar medidas de coação processual
para garantir a efetividade da vocatio, determinando, por exemplo, a
condução coercitiva da testemunha que, regularmente notificada,
tenha se mantido inerte.”
Judicium: “trata-se de atividade de julgamento, compreendendo-se,
aqui, a fase conclusiva da jurisdição, na qual o juiz deverá
134 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. op. cit., p. 660. 135 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. op. cit., p. 660-661.
53
pronunciar sentença, compondo a lide e aplicando o direito objetivo.”
Executivo: “trata-se da atividade de execução, abarcando a prática
dos atos necessários ao cumprimento da decisão judicial”. (grifamos)
René Ariel Dotti136
faz, o liame entre os estudos básicos e necessários, sobre a
jurisdição e a jurisdicionalização:
A Lei de Execução Penal, reagindo contra o vórtice de insegurança e
descrença, instituiu a judicialização do procedimento executório. Este
foi o ponto de partida para definir o caráter complexo da execução
que ao longo de séculos foi considerada como de natureza meramente
administrativa.
Pode-se afirmar com segurança que os graves inconvenientes da
execução das penas de prisão resultam, e larga medida, da opinião
antiga e generalizada de que a matéria de execução penal é de
natureza administrativa.
A doutrina de Saleilles e a teoria de Montesquieu sobre a divisão dos
poderes serviram ao longo da história do chamado direito
penitenciário para fundamentar o critério linearmente exposto por
Garraud: “A lei determina a pena. O juiz pronuncia-a. A
administração fá-la executar”.
Iniciado com Dotti, adentremos a partir de agora em um assunto que já fora
assiduamente debatido e estudado pelos doutrinadores e que, infelizmente, perdeu espaço nas
atuais inquietações da doutrinárias citadas anteriormente. Antonio Scarance Fernandes137
afirma que tal paralisação sobre o assunto se deu sem dúvida, pela mudança de postura:
não constitui mais cogitação primordial dos processualistas a fixação
de conceitos, a sistematização científica do direito processual e de seu
aprimoramento como ramo do saber jurídico, domina agora entre os
estudiosos a preocupação em descobrir instrumentos e mecanismos
para tornar efetiva a contribuição advinda de suas construções
teóricas para a melhor atuação concreta do direito.
Antonio Scarence138
, nas palavras de Dinamarco, explica que o empenho para
136 DOTTI, René Ariel. A crise da execução penal e o papel do Ministério Público. Revista Justitia. - ed.
abr./jun., 1985. p. 47.
137 FERNANDES, Antônio Scarance. Reflexos relevantes de um processo de execução penal
jurisdicionalizado. Retirado do site
http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/22825/reflexos_relevantes_processo_execucao.pdf?sequence
=1. Em 28/05/2011. p. 32-33.
138 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit. p. 33.
54
diferenciar a atividade jurisdicional da administrativa era reflexo da interpretação declarada
verdadeira da teoria clássica da tripartição dos poderes do Estado, porém, temos nesse
momento que o poder é um só. “Uma inerência do Estado”, colocando a jurisdição como
“uma das expressões” desse poder.
Antonio Scarance139
entende ser de grande relevância a discussão acerca do tema,
em razão de querer clarear o que representa a execução penal e jurisdicional, aceitando um
processo de execução cercado de garantias constitucionais, “marcado pela presença de três
sujeitos principais dotados de poderes, deveres, direitos, obrigações e, por conseguinte,
implica aceitar que o condenado é titular de direitos”.
Antonio Scarance140
defende que os estudos dos resultados decorrentes pelo fato
de ser a execução penal atividade jurisdicionalizada, entre os resultados, “a garantia de um
devido processo legal, no qual se assegura o contraditório entre as partes e a imparcialidade
do órgão judiciário”, é mais importante que afirmar a jurisdicionalidade da execução penal.
Numa autocontradição, Antônio Scarance141
, para contraditar depois, cita as
palavras de Marrone142
em artigo sobre o tema:
- o Juiz, exceto nos incidentes, durante toda execução, exerce apenas
atividade de vigilância, de controle sobre os atos da autoridade
administrativa, ou toma medidas tendes a permitir a ressocialização
do condenado, atuando enfim o comando emergente, mas não decide,
não resolve questões;
- a execução penal é de exclusiva competência do Ministério Público,
que, nessa função, age como órgão do Poder Executivo;
- o sentenciado é submetido à execução forçada, sendo obrigado a
cumprir a pena independentemente de sua vontade, não lhe sendo em
decorrência outorgados direitos subjetivos na execução, e, mesmo que
se admitissem alguns direitos, quando devessem ser reconhecidos, ou
quando houvesse de ser resolvida controvérsia a respeito deles, isso
aconteceria em um incidente, onde se admite atividade
139 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit. p. 33.
140 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit. p. 33.
141 FERNANDES, Antônio Scarance. Reflexos relevantes de um processo de execução penal
jurisdicionalizado. Retirado do site
http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/22825/reflexos_relevantes_processo_execucao.pdf?sequence
=1. Em 28/05/2011. p. 34.
142 MARRONE, José Marcos. Há jurisdição na execução penal. p. 82-86.
55
jurisprudencial.
- a execução penal difere da civil, porque nesta a vontade do obrigado
tem importância, enquanto naquela tudo sucede sem concurso da
vontade do condenado ou do interessado.
Scarance143
não se convenceu com tais argumentos. Para Scarance, “o fato de ser
a execução penal forçada não é razão para considerá-la não jurisdicional”. E nessa seara bem
explica com as palavras de Dinamarco144
que “era natural que a jurisdição não poderia
abranger as atividades executivas, para juristas ligados a sistemas que considerassem a função
jurisdicional como dirigida à justa composição da lide, à aplicação de sanções, à emissão de
juízos, à produção de comandos concretos, ao acertamento de relações jurídicas, à resolução
de controvérsias, à descoberta da verdade (escopos esses que, pelos próprios enunciados,
seriam atingidos com o simples processo de conhecimento)”.
Outro outra posição nos relata Scarance145
, é de que a atividade jurisdicional é
admitida não apenas como aquela que consiste em declarar e atuar a vontade da lei no caso
concreto, mas que leve o juiz a perfilhar, de ofício ou pedido da parte vitoriosa, providências
para que as funções da sentença se tornem realidade, efetiva.
Scarance146
completa dizendo que seria inexpressiva a função jurisdicional do
Estado, se após ser julgada procedente a ação, não pudesse ser objeto de execução, quando
não cumprida espontaneamente. Assim, “o fato de ser o condenado submetido ao
cumprimento da pena contra a sua vontade não é motivo para se afastar da execução penal o
seu caráter jurisdicional, pois também aqui aparece como atividade tendente a satisfazer o
comando emergente do processo condenatório”.
Chama a atenção a explicação de Scarance147
quando diz que o fato de o juiz da
execução penal exercer jurisdição sobre os órgãos administrativos e particulares encarregados
de controlar o cumprimento de penas aplicadas, “não significa que não exerça atividade
jurisdicional”.
143 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34.
144 DINAMARCO, Execução civil. op. cit., p. 58.
145 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34.
146 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34.
147 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34.
56
Entende Sacarance148
que decidindo, resolvendo questões, o juiz já está operando
para que se concretize o comando condenatório nos limites da lei e da sentença.
Sacarance149
defende tais argumentações dizendo que então “estará enfim
procedendo em total consonância com o disposto no artigo 1º da Lei de Execuções Penais:
A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença
ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e do internado.
Defende Scarance150
que “mesmo que não se visualizasse na atividade
fiscalizatória do juiz caráter jurisdicional, seria ela atuação excepcional, pois a regra é o juiz
da execução proferir decisões tendentes a garantir os direitos do preso e a evitar desvios no
cumprimento da pena”.
Relembremos aqui, antes de expor doutrina contrária ao que nos expõe Scarance,
dos ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover - cujas palavras também são utilizadas por
Sacarance –, citadas no comentário de Renato Marcão151
ao artigo 1º da LEP, para explicar a
complexidade da ação penal:
Na verdade, não se nega que a execução penal é atividade complexa,
que se desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicional e
administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam
dois Poderes estatais: o Judiciário e o Executivo, por intermédio,
respectivamente, dos órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos
penais.
Renato Marcão152
cita Paulo Lúcio Nogueira153
, que em poucas afirma e explica a
natureza da execução penal:
148 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34.
149 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34.
150 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34-35.
151 MARCÃO, Renato. Lei de execução penal, anotada e interpretada. Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro.
2009. p. 20.
152 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 20.
153 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal. São Paulo. Saraiva. 1996. p. 5-6.
57
[…] a execução penal é de natureza mista, complexa e eclética, no
sentido de que certas normas da execução pertencem ao direito
processual, como a solução de incidentes, enquanto outras que
regulam a execução propriamente dita pertencem ao direito
administrativo [...]
Salo de Carvalho154
, esclarece que "o entendimento puramente administrativista
acabava por se chocar com a imperiosa necessidade de intervenção judicial nos chamados
incidentes da execução (basicamente no livramento condicional)", o que teria gerado
"dogmaticamente uma concepção híbrida, qual seja, de que a natureza da execução penal
seria tanto administrativa como jurisdicional”.
Segundo a posição, hoje solitária, Adhemar Raymundo da Silva155
, "cessada a
atividade do Estado-jurisdição com a sentença final, começa a do Estado-administração com a
execução penal".
Anabela Miranda Rodrigues156
explica que, em Portugal, o fato de os passos já
ensaiados no sentido da jurisdicionalização serem tímidos é reflexo da tensão que
inevitavelmente se suscita quando se trata, como é o caso, de estabelecer uma linha divisória
entre competências do juiz de execução das penas e da administração penitenciária. Se cabe a
esta a organização e a inspeção das instituições penitenciárias, o objectivo de assegurar a
defesa dos direitos dos reclusos cometido ao juiz poderá, em muitos casos, contender com
aquelas tarefas.
Outra visão acerca da feição jurisdicional da execução penal é exposta por Maria
Juliana Moraes de Araújo157
, para quem, a execução penal é a "longa manus da atividade
jurisdicional, ou seja, ela acontece nos moldes da sentença que pôs fim ao litígio criminal".
154 CARVALHO, Salo. Pena e Garantias, 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p.166.
155 SILVA, Adhemar Raimundo da. apud CARVALHO. Op. Cit. p. 166.
156 RODRIGUES, Anabela Miranda. Novo Olhar sobre a Questão Penitenciária: estatuto jurídico do
recluso e socialização, jurisdicionalização, consensualismo e prisão. "Fac-Símile da edição portuguesa, de
Coimbra Editora, de junho de 2000". São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 137.
157 ARAÚJO, Maria Juliana Moraes de. A execução penal como extensão da atividade jurisdicional. In:
ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de (coord.). Privatização das Prisões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995,
p. 48
58
Perceber a vinculação dos atos de execução aos comandos da sentença é fundamental, na
concepção de Araújo, para a sua adequada caracterização. Tal ponto deslegitima, inclusive, o
antigo entendimento de que os tribunais outorgavam aos estabelecimentos prisionais a
execução de "penas em branco", em que se fundamentava largamente a concepção de que a
execução penal seria atividade administrativa.
Lembramos com Scarance158
, que o condenado tem direitos, que pode manifestar
sua vontade e não deve estar submetido passivamente à execução da pena. O acusado é
forçado ao cumprimento da execução, mas isso não significa que precise se sujeitar aos
abusos e ordens descabidas dos órgãos encarregados pela execução da pena.
Anabela Miranda Rodrigues que Scarance159
afirma seu posicionamento negativo
quanto a ficar o sentenciado aos cuidados da administração, lembrando que o mesmo ocorreu
em outros países como na Alemanha com Wurterbnerger e H. Muller-Dietz, por Bettiol
quanto à Itália e, pelo escrito “Méthodes Modernes de Traitement Pènitentiaire”, na França.
Sacarance160
quando trata da humanização da execução penal, citando as
explanações de Anabela, afirma:
“Se bem que o reconhecimento de tal garantia na generalidade dos
países seja recente, marca esta tendência um momento de viragem na
compreensão da posição jurídica do recluso, ao mesmo que lhe
restitui a sua autêntica dimensão de ser humano: o indivíduo recluso
torna-se verdadeiro sujeito de direito que lhe demarcam a fronteira da
humanidade”, sendo que a “humanização de que hoje se fala em
direito penitenciário tem a ver, não com o adoçar de costumes e,
consequentemente, das condições de detenção, outrossim com a
afirmação do recluso como sujeito de direitos ou, se preferirmos,
como sujeito de execução”.
Para Scarence161
estão declinando “os sistemas que não preveem um juiz ou
tribunal de execução penal, e por isso, o argumento de que a execução cabe exclusivamente
158 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 35.
159 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 35.
160 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 35.
161 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 35.
59
ao Ministério Público, se podia antes ter algum significado, agora perdeu inteiramente sua
razão de ser”.
NUCCI162
, nos explica que “incidentes processuais são as questões e os
procedimentos secundários, que incidem sobre o procedimento principal, merecendo solução
antes da decisão da causa ser proferida”.
Assim, Scacance163
distingue entre três figuras jurídicas: “incidente processual, a
questão incidental e o procedimento incidental”. Explica que a ideia central é a de questão
incidental, “tendo havido grande confusão a respeito deles” e a “base para a fixação dos
outros dois conceitos”.
Scarance164
trata por incidente as mudanças que o processo passa em seu trajeto,
fatos novos, diversos de sua tramitação. Explica que a “alteração no processo constituirá ou o
'incidente' ou o 'procedimento incidental'”. “A questão incidental pode levar, portanto, ao
surgimento de 'um momento novo' no processo para sua solução, sem necessidade de
instauração de um procedimento colateral. Por outro lado, pode ocorrer que, para a solução da
questão incidental, haja necessidade de procedimento outro, constituído de nova série de atos
ou fases, e que se forma ao lado do procedimento principal”.
Com o esclarecimento de Sacarance, a respeito dos conceitos de incidente,
questão incidental e procedimento incidental, podemos verificar se está correto afirmar que só
existe jurisdição nos incidentes, ou seja, nos procedimentos incidentais. Mas Sacarance nos
afirma que não é verdadeira essa conclusão com seu exemplo:
Tome-se apenas um exemplo referente à execução da pena de multa,
prevista nos artigos 164 a 170 da Lei de Execução Penal. Quando o
juiz, após o condenado ter sido citado para, no prazo de dez dias,
pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora (art. 164), tem
diante de si requerimento do condenado, feito com base no artigo 169,
para pagamento em prestações mensais e sucessivas, ele proferirá a
162 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal / Guilherme de Souza
Nucci. - 7. ed. rev., atual. E ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 249.
163 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 36.
164 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 36.
60
decisão no procedimento princial, sem necessidade de instauração de
procedimento incidental. Cuida-se de decisão prevista pela lei dentro
do regular desenvolvimento da relação jurídica processual. Quando
muito poderá ocorrer mero desvio do procedimento principal para a
realização das diligências previstas no §1º do artigo 169. Assim, a
decisão sobre o pagamento parcelado da multa não é proferida em
procedimento incidental, ou, como diz a doutrina correntemente, em
incidente de execução penal.
Scarance165
discute muito sobre a caracterização da atividade jurisdicional, que,
para entendermos seus apontamentos precisamos lembrar dos ensinamentos do Doutrinador
Ovídio Aarújo Baptista da Silva166
, nos explicando que a ideia de direito, no Estado moderno,
suscita, desde logo, a ideia de jurisdição. Bem lembra Ovídio Baptista que “o pensamento
jurista contemporâneo tende, irresistivelmente, a equiparar o direito à norma jurídica editada
pelo Estado, cuja inobservância dá lugar a uma sanção”.
Ovídio Baptista167
explica as palavras De Martino em relação ao direito
romano primitivo, que não pode ser equiparada à função nitidamente jurisdicional. Nas
palavras de Ovídio:
A verdadeira e autêntica jurisdição apenas surgiu a partir do
momento em que o Estado assumiu uma posição de maior
independência, desvinculando-se dos valores estritamente religiosos e
passando a exercer um poder mais acentuado de controle social.
Para Ovídio Baptista é o caráter substitutivo da jurisdição que a identifica e a
diferencia da atividade administrativa. Ainda segundo Ovídio, o Estado substitui por uma
atividade sua a atividade das partes.
Chiovenda168
defende que a inexistência de jurisdição na execução penal é de
caráter substitutivo da jurisdição que a identifica e a diferencia da atividade administrativa.
165 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 36.
166 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, 1929-2009. Teoria geral do processo civil / Ovídio Araújo Baptista
da Silva, Fábio Luiz Gomes; Jaqueline Mielke Silva, Luiz Fernando Baptista, atualizadores de Ovídio A.
Baptista da Silva. - 6. ed. Rev. E atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 57.
167 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, 1929-2009. Teoria geral do processo civil / Ovídio Araújo Baptista
da Silva, Fábio Luiz Gomes; Jaqueline Mielke Silva, Luiz Fernando Baptista, atualizadores de Ovídio A.
Baptista da Silva. - 6. ed. Rev. E atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 57.
168 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de J. Guimarães
Menegale. São Paulo, Saraiva, 1965. p. 11.
61
Ensina Chiovenda: “E quanto à atuação definitiva da vontade verificada, se se trata de uma
vontade só exequível pelos órgãos públicos, tal execução em si não é jurisdição: assim, não é
jurisdição a execução da sentença penal”.
Segundo Chiovenda169
, na execução penal não haveria que se falar em jurisdição.
A identificação de jurisdição pela substitutividade e a forma como é apresentada constituíram
objeto de profundas críticas.
Dinamarco170
ressalta que “a sobrevivência da crença na jurisdição como
atividade secundária representa resíduo de posições privativistas dentro do direito processual,
pois isso só tem sentido quando se cuida de relações jurídicas regidas pela disponibilidade”.
Ovídio Baptista171
, em concordância com os doutrinadores Zanzucchi e Calmon
de Passos, entende que a teoria de Chiovenda se revelaria no fato de manter-se o juiz como
terceiro imparcial em relação ao objeto do processo. Deve o juiz agir com imparcialidade,
buscando que nos limites da condenação se faça a execução, concretizando os objetivos da
lei. Scarance172
nos mostra aqui, a substitutividade, uma vez que ao proferir decisões, o juiz
estará impondo a vontade da lei, resolvendo o interesse das partes.
E que Scarance173
, assim como Ovídio Baptista, admite: “a verdade é que a
doutrina não conseguiu se pacificar e identificar um elemento que, por si só, pudesse
satisfatoriamente distinguir sempre a atividade jurisdicional da administrativa”.
Nessa mesma linha, podemos nos reportar às palavras de Gaiato174
, que examinou
a execução das penas privativas e das medidas de segurança em face das normas de 96 e 98
da Lei Delegada de 1987, que auxiliaram a confecção do CPP Italiano de 1988. Gaiato
enunciou características que são essenciais para afirmar que a jurisdicionalidade é um
modelo legal, desde que seja “caracterizada pela autonomia do juiz, pela amplitude do
169 CHIOVENDA, Giuseppe. op. cit., p. 11.
170 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987. p.58.
171 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. op. cit., p. 68.
172 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 38.
173 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 38.
174 GAIATO, Alfredo. Esecuzione e giurisdizione. In: Um “Codice Tipo di Procedura Penale per
L'America Latina”. Congresso Internacional. Roma, 1991. v. 3. p. 457-494.
62
contraditório e pelo papel de parte do Ministério Público”, além, é claro, da presença do “juiz
verdadeiramente imparcial”.
Scarance175
define dizendo que:
[…] a atividade ai desenvolvida pelo juiz, marcada pela
imparcialidade, visa tornar realidade a vontade da lei consignada na
sentença condenatória, cumprindo-se assim comando que dela
emergiu. É substitutiva, na medida em que sobrepõe a vontade da
norma às vontades das partes ou interessados. Funcionalmente, o juiz
age, dentro dos limites da sentença condenatória, para serem
atingidos os escopos próprios da execução penal, principalmente o
escopo de que o cumprimento da pena seja feito num itinerário
crescente de individualização em consonância com os progressos de
ressocialização apresentados pelo preso.
Em se tratando de sentença condenatória, buscamos explicações nas palavras da
professora Ada Pellegrini Grinover176
, a principal representante brasileira da corrente mista,
ou híbrida quando escreve que:
[…] a sentença condenatória guarda natureza de sentença
determinativa: sentença essa que, contendo implícita a cláusula rebus
sic stantibus, autoriza o juiz a agir por equidade, operando a
modificação objetiva do julgado sempre que haja mutação nas
circunstâncias fáticas.
Assim, poderá dizer-se que a sentença condenatória, mesmo com restrições, pode
ser alterada durante a execução penal. Resultando em limites à atuação jurisdicional do juiz
da execução penal. Scarance177
nos explica que “o juiz pode, como regra, proferir decisões
que representem exigências decorrentes do cumprimento da pena, e, excepcionalmente,
resoluções que alterem a própria pena imposta. No mais, estará limitado pela coisa julgada”.
Por último devemos lembrar a distinção que o Professor Doutor Salo de Carvalho,
com grande habilidade, resume os sistemas de execução penal como administrativos ou
jurisdicionais, para os quais corresponde uma posição jurídica particular para o recluso. Nos
175 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 39.
176 GRINOVER, Ada Pellegrini. Eficácia e autoridade da sentença penal, p. 7.
177 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 42.
63
sistemas administrativos, o preso é objeto da execução e as eventuais atenuações da
quantidade ou qualidade da pena são entendidas como benefícios – liberalidades do Estado no
exercício do jus puniendi. Nos jurisdicionais, o preso é sujeito de uma relação jurídica em
face do Estado, sendo, portanto, titular de direitos e obrigações.
Apesar de a doutrina se dividir quanto à natureza da execução penal,
considerando-a administrativa (Adhemar Raymundo da Silva), jurisdicional (Frederico
Marques, Salo de Carvalho, José Eduardo Goulart, Maria Juliana Moraes de Araújo) ou
„mista‟ (Ada Pellegrini Grinover, Haroldo Caetano da Silva), todos concordam num ponto: há
uma tendência no sentido da jurisdicionalização.
Assim, podemos verificar através das explicações dos doutos doutrinadores, supra
citados, que a jurisdição é vista na doutrina contemporânea como atividade exercida
unicamente pela figura do juiz, que quando tem diante de si situações que são levadas à sua
apreciação, dentro da legislação vigente, busca a aplicação de normas que venham a pacificar
tal litígio.
2.1 Objeto
Sobre o objeto deste capítulo a jurisdicionalização do PEC, Renato Marcão178
,
explica o objeto da execução penal, o qual “visa-se pela execução fazer cumprir o comando
emergente da sentença penal condenatória ou absolutória imprópria”.
Para Marcão, há a dualidade de objetivos da LEP, por ter adotado as teorias mista
ou eclética, onde a natureza retributiva da pena busca a humanização, a prevenção da pena,
ou seja, “punir e humanizar são os objetivos da execução”.
Marcão179
, faz em sua obra, três distinções, sobre direito de execução da pena,
direito penitenciário e penologia, os quais tem relevância em serem aqui informados:
178 MARCÃO, Renato. Lei de execução penal. Ed. Lumen Juris. 3. ed. rev. atual. e ampliada. 2009. p. 20.
179 MARCÃO, Renato. Lei de execução penal. op. cit., p. 22.
64
Direito da Execução das Penas: é o conjunto das normas jurídicas
referente à execução de todas as penas.
Direito Penitenciário: Preocupa-se unicamente com o tratamento dos
presos, buscando o aperfeiçoamento das leis que ordenam a
convivência na prisão, para melhorar a vida interna dos reclusos.
Penologia: Compreende o estudo das penas, em espécie, das medidas
de segurança e do patrono pós-carcerário. Visa ao ordenamento
jurídico no que se relaciona à execução de todas as penas e,
especialmente, aos Princípios Gerais emanados do Sistema
Constitucional a respeito de seu objeto como, também, aos direitos,
deveres e garantias do condenado.
Ana Lúcia Menezes Vieira180
pondera, quando pincelando quanto a
responsabilidade pelo futuro de um um homem que infringiu a lei, começando por lembrar da
necessidade de garantia de um processo de execução devido e justo, no qual a
jurisdicionalidade será apenas um dos meios que o conduzirão à humanidade, pela legalidade.
Dessa forma, se a pena de prisão é a forma ainda vista como única, para crimes
graves, necessário se faz lembrarmos das palavras de Roberto Lyra, que nos coloca em
situação de reflexão seu pensamento:
E que importância humana e social tem a indagação sobre a sentença
se a sentença condenatória criminal constitui, declara, determina,
dispõe ou especifica? A essência das ideias e dos fatos dilui-se por
entre nugas. […] O principal num Código das Execuções Penais,
finalístico e transcendente, mais político do que jurídico, não é a
prestação de contas do condenado à Justiça, mas a responsabilidade
desta pelo futuro de um homem 'à sua disposição'.
O recluso, como enfoque jurisdicional da execução da pena, é reconhecido como
titular de direito públicos subjetivos em relação ao Estado, nos relata Ana Lúcia Menezes
Vieira181
, com explicações de Anabela Maria.
Ana Lúcia Menezes Vieira182
, explicando as palavras de Ada Pellegrini Grinover,
180 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. A execução penal à luz dos princípios processuais constitucionais.
Revista Justitia, ed. jan/jun. - 2008. p. 13.
181 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 13.
182 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 16.
65
nos coloca que do contrário, dar à execução da reprimenda uma natureza administrativa é
transformar o réu em mero objeto do procedimento. É transformar o réu, em simples detentor
de obrigações deveres e ônus, quando na verdade, ele deve ser visto como titular de situações
processuais de vantagem.
Para Ana Lúcia Menezes Vieira183
, precisamos entender que visando alcançar o
objetivo da execução penal, é importante que a execução da pena seja processual, com
relação jurídica entre juiz, Ministério Público e sentenciado, este na pessoa do seu defensor.
Isso, pelo conflito de interesses entre o Estado e o condenado.
Na exata descrição de Ana Lúcia Menezes Vieira184
, “incumbe ao órgão
jurisdicional gerenciar o mencionado conflito, dando-lhe uma solução legal e justa através do
devido processo legal”.
Instrumentalizado, o processo de execução da pena, realiza a justiça do
cumprimento da sanção e em contrapartida concretiza os direitos fundamentais
constitucionais do preso. Como Cintra, citado por Ana Lúcia Menezes Vieira185
, para que
“estes deixem se ser meros ornamentos de uma ordem apenas formalmente democrática e
adquiram uma dimensão promocional”.
Um dos objetivos da pena: evitar a reincidência. E isso inicia-se por uma correta
aplicação da execução, onde o controle judicial deste cumprimento é uma das vertentes.
Pois, “depois de se ter considerado o recluso como um sujeito de direitos, é
preciso tratá-lo como tal”, nos explica Rodrigues186
.
Como já estudamos na sessão anterior, a execução da sanção penal, ocorre,
paralelamente, entre os planos jurídico e administrativo, tornando-a uma atividade complexa.
Mas enquanto o cumprimento da pena é objeto da ciência penitenciária, a realização do
183 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 16.
184 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 16.
185 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 16.
186 RODRIGUES, Anabela Miranda. Novo olhar sobre a questão penitenciária. São paulo: RT, 2000.
66
comando nascido da sentença condenatória, assim como os direitos subjetivos do
penitenciado, que dela decorrem são objeto de um direito processual de execução, explica a
Ana Lúcia Menezes Vieira187
, induzida pelos pensamentos de Grinover188
.
Bem nos lembra, histórica e juridicamente, Ana Lúcia Menezes Vieira189
,
guarnecida pelas palavras de Miotto190
, sobre a jurisdicionalização e o apenado, no que diz
respeito a fiscalização nas penitenciárias:
É importante salientar que em tempos remotos algumas legislações
atribuíram ao juiz a tarefa de fiscalizar as prisões por meio de visitas
e, se o caso, tomar providências eventualmente cabíveis. Essa
intervenção tinha caráter eminentemente administrativo e visava à
verificação da existência de problemas relacionados à saúde,
alimentação, higiene dos locais destinados às prisões cautelares ou
derivadas das definitivas. Não eram considerados “direitos dos
detentos”, propriamente ditos, mas “realidades humanas e problemas
a elas atinentes”.
Com a evolução do estudo da ciência do direito penitenciário,
começam a surgir “problemas jurídicos” decorrentes da
individualização da pena, cujos limites científicos precisavam ser
contidos. Não só, mas o surgimento dos conhecidos “incidentes da
execução” determinava a intervenção do juiz para soluções jurídicas.
Ana Lúcia Menezes Vieira, explica que as intervenções colocadas como jurídicas
“não passavam de atos administrativos emanados por juízes”. Naquela época sequer se
cuidava de direitos ou deveres dos condenados, afirma, ainda, de que a administração
penitenciária quem criou as situações de “privilégios, restrições e punições dos encarcerados
de maneira não justa e despótica.
Recorda-nos Ana Lúcia Menezes Vieira191
quanto a legislação nacional que
normatizava a jurisdicionalização há tempos atrás, leis essas, autônomas que normatizavam o
sistema penitenciário – as Constituições de 1946, 1967 e 1969 (Emenda Constitucional) que
determinavam a competência da União, sem exclusão à dos estados para legislar
187 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 16.
188 GRINOVER, Ada Pellegrini. Eficácia e autoridade da sentença penal, p. 7.
189 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 17.
190 MIOTTO, Arminda Bergamini. Curso de direito penitenciário. São Paulo: Saraiva, 1975.
191 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 17.
67
supletivamente sobre normas gerais de regime penitenciário – (Lei 3.274/57, que “Dispõe
sobre Normas Gerais do Regime Penitenciário”), e há uma Lei de Execução Penal (Lei
7.210/84), em cujo artigo, caput, consagrou-se a necessidade de judicialização da execução
da pena e através de um processo : “A jurisdição penal dos juízes ou tribunais da justiça
ordinária, em todo território nacional, será exercida no processo de execução, na
conformidade desta lei e do Código de Processo Penal”.
Expor sobre o objeto do processo de execução penal e da jurisdicionalização sem
falar em Carta Magna, é impossível. Uma vez que aqui, tratamos de um objeto extremamente
delicado e tão complexo quanto o entendimento da jurisdicionalização, porque falamos de
uma vida, de um ser humano, dotado de deveres e direitos como todos os demais cidadãos,
como bem prevê o caput do artigo 5º da nossa Constituição Federal/88, “Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade [...]”.
Podemos aqui tratar dos princípios e regras orientadoras do processo de execução
penal, e Ana Lúcia Menezes Vieira192
nos explica que há dois princípios estruturais que são as
bases constitucionais do PEC, que derivam a indispensabilidade dos demais: a
individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF/88) e a legalidade dos delitos e das penas (art.
5º, XXXIX).
Fazem, esses princípios, parte do sistema normativo através de dois importantes
tratados internacionais direcionados à proteção dos direitos humanos, os quais foram
subscritos pelo Brasil e ratificados pelo Poder Legislativo. Ana Lúcia Menezes Vieira elenca
primeiramente o Pacto Internacional de sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque, de
1966, promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto n.º 592/92, e a
Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da
Costa Rica, de 1969, também promulgado através de Decreto n.º 678/92.
192 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 17.
68
E por fim, Ana Lúcia Menezes Vieira193
nos elenca os artigos 1º e 5º da Carta
Magna que, além de seus inúmeros direitos fundamentais, no §2º do artigo 5º estatui: “Os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa
do Brasil seja parte”. Proclama e assegura ao condenado todos os direitos não restringidos
pela condenação ou pela lei e impõe a todas as autoridades o respeito à dignidade do preso.
Quanto a individualização da pena, Ana Lúcia Menezes Vieira194
em linhas gerais,
nos explica que “significa que cada preso deve corresponder a sua sanção, não mais, na
medida de sua culpabilidade, pois já avaliado pelo juiz da cognição processual penal, mas sob
o aspecto da evolução do cumprimento da pena pelo condenado”. Assim, mesclando suas
explicações com a de Mirabete, nos explica, Ana Lúcia195
:
É possível, aqui, falar-se em princípio da igualdade de todos os
presos perante o processo de execução, cujo tratamento há de ser
desigual, na medida em que eles são desiguais. Ora, nem todos os
condenados são iguais, e essa a razão pela qual deve existir uma
adequação do programa de execução, conforme a resposta dada pelo
detento durante a expiação da reprimenda. Esse é o cerne da
individualização que “deve aflorar técnica e científica, nunca
improvisada, iniciando-se com a indispensável classificação dos
condenados a fim de serem destinados aos programas de execução
mais adequados, conforme as condições de cada um”.
Faz-se, ainda, necessário, um esforço contínuo para a realização da
individualização da pena. Assim, é deveras importante nos reportarmos aos ensinamentos da
Ana Lúcia Menezes Vieira quanto ao princípio da legalidade, nos ensinando que “é aquele
que delimita a atuação do juiz, do promotor das execuções, da defesa e do administrador
penitenciário, na condução da execução penal. É garantia que assegura ao condenado a
manutenção de sua dignidade pessoal, que não foi perdida com a liberdade através da
sentença condenatória (art. 3º da Lei 7.210/84)”.
E é aqui que fazemos o liame entre o objeto e as garantias na jurisdicionalização
193 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 17.
194 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 18.
195 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 18.
69
do PEC, partindo para o último item deste capítulo.
2.2 Garantias
Concluindo as explanações deste segundo capítulo, a doutrina nos explica quanto
as garantias da jurisdicionalização do PEC, e com o intuito de esclarecermos aqui os pontos
mais importantes das garantias mínimas para a estruturação do PEC, nos ensina Ana Lúcia
Menezes Vieira196
, que para tanto faz-se necessário entendermos “a fórmula 'garantias do
devido processo legal', como 'o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado,
asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são
indispensáveis ao correto exercício da jurisdição”, palavras também firmadas pelos
doutrinadores Cintra, Grinover e Dinamarco.
Desse conjunto, explicado acima, surgem as garantias do contraditório, da ampla
defesa, do juiz natural, da motivação dos atos judiciais e da publicidade, além de outras tantas
que decorrem delas. Ana Lúcia Menezes Vieira197
coloca, em seu artigo, “que são garantias
sempre estudadas nos processos civil, penal e administrativo, que não podem ser esquecidas
no processo de execução das penas”.
Ana Lúcia Menezes Vieira198
, nos detém neste item as garantias do contraditório e
da ampla defesa como meios de assegurar a dignidade do preso e possibilitar a segurança
social.
Ana Lúcia199
nos faz alguns questionamentos, pertinentes, quanto ao contraditório
e a ampla defesa. Explica-nos que o contraditório supõe “a real participação das partes na
relação jurídico processual”. Dessa forma, no PEC, a inclusão do contraditório se faz com a
defesa e o Ministério Público200
.
196 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 21.
197 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 21.
198 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 21.
199 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 21.
200 Dispõe o art. 67 da LEP: “O Ministério Público fiscalizará a execução da pena e da medida de
segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes de execução”. Portanto, a intervenção do Ministério
Público na execução penal, além de ser uma garantia constitucional, é imperativo legal, sob pena de nulidade da
decisão (RT 657/346; RT 608/315)
70
“As partes devem ser cientificadas de todos os atos do processo de execução para
que possam exercer a real oportunidade de defesa (do sentenciado) de fiscalização da lei ou o
direito de execução da pena (Ministério Público)”, explica Ana Lúcia201
. Tudo isso deve
acontecer dentro de um prazo justo, a fim de que todas as partes tenham possam ter o direito
de contrariá-los.
Para Ana Lúcia202
, o direito de conhecimento dos atos processuais, não
constituem apenas medida jurídica, com o fim de garantir o direito constitucional às partes de
serem ouvidas, mas um grande “papel de política criminal”.
Da leitura dos escritos da Promotora de Justiça, cabe entendermos que manter o
preso informado da situação de seu processo de execução penal, traz inúmeros benefícios ao
processo e a administração da penitenciária, uma vez que o preso sabe da quantidade de pena
a cumprir e quais seus direitos a fim de buscar a redução da pena, há um interesse maior do
preso em ter uma boa conduta dentro da prisão e muitas vezes fora dela, proliferando, assim,
a paz social.
O direito de que “ninguém será condenado sem ser ouvido”, garantia mínima para
o devido processo, decorre da Convenção Americana dos Direitos Humanos – Pacto de São
José da Costa Rica (art. 8º, 2, b: comunicação précia e pormenorizada do acusado da
imputação formulada”) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (1950, art. 6, 3, a:
ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza
e da causa da imputação contra ele formulada”).
E, ainda, obedecendo ao artigo 66, X da LEP: “compete ao juiz da execução: […]
X. Emitir anualmente atestado de pena a cumprir”, outrossim, o CNJ editou a Resolução n.º
29/27.02.2007, que “Dispõe sobre a regulamentação da expedição anual de atestado de pena a
cumprir e dá outras providências”.
201 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 21.
202 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 22.
71
Ana Lúcia203
, a partir da doutrina de Gomes Filho204
, nos explica que “a partir do
momento em que o preso é informado sobre sua pena, tem a possibilidade de exercer, na sua
inteireza, seu direito de defesa, que na execução penal não é, tão somente, a eventual
oposição às pretensões dos órgãos estatais incumbidos de promover o cumprimento das penas
impostas, mas se carateriza, antes de tudo, como um conjunto de garantias, através das quais
o sentenciado tem a possibilidade de influir positivamente no convencimento do juiz da
execução, sempre que apresente uma oportunidade de alteração da quantidade ou da forma da
sanção punitiva”.
Quando se vislumbrar, no processo, a possibilidade de alteração da sentença
condenatória, é necessária – em todos as fases do PEC – a intervenção da defesa técnica.
Muito embora, a LEP não se refira, de forma expressa, quanto a necessidade da atuação da
defesa técnica, que decorre do art. 2º, determinando a jurisdicionalização da execução e das
normas constitucionais processuais, alvitra Ana Lúcia205
.
Muito bem nos coloca a Promotora de Justiça, Ana Lúcia206
, explicando que “o
Ministério Público, em favor do preso, tem o poder de impulso para os incidentes de
execução, mas a paridade de armas pressupõe um equacionamento entre as razões do preso
em um pedido que possa ser diverso daquele proposto pelo Parquet. Nem tampouco o juiz
pode decidir sem que haja a manifestação das partes, ainda que seja para favorecer o
condenado”.
Dessa forma, esclarece Ana Lúcia207
que “a defesa técnica não pode ser afastada
dos procedimentos administrativos, sindicâncias que apuram a prática de faltas disciplinares
do condenado no estabelecimento penal”. É de atribuição exclusiva do diretor do presídio,
sem a intervenção judicial, o procedimento que resultará em uma sanção administrativa,
aplicada ao apenado. Porém, não dispensa a defessa técnica, afinal “[…] processo
administrativo sem oportunidade de defesa ou com defesa cerceada é nulo, conforme têm
203 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 22.
204 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Processo e garantias: a motivação das decisões penais. Tese
concurso de professor titular). Departamento de Direito Processual penal, Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, 2000.
205 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 22.
206 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 22.
207 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 22-23.
72
decidido reiteradamente nosso Tribunais judiciais, confirmando a aplicabilidade do princípio
constitucional do devido processo legal, ou, mais especificamente, da garantia da defesa”,
evidencia Meirelles208
.
Assim, em nosso direito pátrio, podemos afirmar que existe a jurisdicionalização
do processo de execução, o que, com certeza, trata-se da humanização da pena, “pois os
direitos do homem relativamente ao recluso devem ser subordinados à lei num Estado de
Direito. E a Constituição Federal de 88 erigiu à categoria de direitos fundamentais não
somente os direitos materiais do preso, mas também as normas processuais que devem se
aplicadas no processo de execução”209
.
Mantém, o apenado, os direitos fundamentais do homem, assegurar tais direitos,
não é somente uma obrigação, mas principalmente um interesse do Estado, como política
criminal a fim de acautelar-se quanto a reincidência e as exigências da ordem de segurança,
igualmente princípios constitucionais. Princípios esses explanados na Exposição de Motivos
da LEP, pois a PEC humanizada, não apenas tira do perigo, mas também impede a
insegurança e a desordem estatal, uma vez que o contrário vai de encontro, especificamente, a
segurança estatal.
3 O Processo de Execução Criminal e as partes
Nucci210
nos explica que o órgão da execução penal têm, cada um, uma função
específica, com o fim de alcançar a efetividade da pretensão executória do Estado, “fazendo
cumprir” a ordem que surge da sentença condenatória, transitada em julgado, sempre
observando a punição individualizada do apenado.
208 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.
690-691.
209 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 23.
210 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal / Guilherme de Souza
Nucci. - 7. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 1019.
73
Renato Marcão211
, de forma simples bem conceitua os órgãos da execução, de
acordo com o artigo 61, da Lei de Execuções Penais (LEP) e seus incisos, onde “I - o
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; II – o Juízo da Execução; III – o
Ministério Público; IV – o Conselho Penitenciário; V – os Departamentos Penitenciários; VI
– o Patrono e VII – o Conselho da Comunidade”.
É de Renato Marcão212
a explicação de que o Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, é um órgão subordinado ao Ministério da Justiça, onde um seleto
grupo de professores e profissionais da área do direito penal, processual penal, penitenciário,
criminologia e ciências correlatas, incluindo, ainda, “representantes da comunidade e dos
Ministérios da área social”, que a partir do artigo 64 da LEP, têm as seguintes incumbências:
Ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, no
exercício de suas atividades, em âmbito federal ou estadual, incumbe:
I - propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito,
administração da Justiça Criminal e execução das penas e das
medidas de segurança;
II - contribuir na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento,
sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária;
III - promover a avaliação periódica do sistema criminal para a sua
adequação às necessidades do País;
IV - estimular e promover a pesquisa criminológica;
V - elaborar programa nacional penitenciário de formação e
aperfeiçoamento do servidor;
VI - estabelecer regras sobre a arquitetura e construção de
estabelecimentos penais e casas de albergados;
VII - estabelecer os critérios para a elaboração da estatística
criminal;
VIII - inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim
informar-se, mediante relatórios do Conselho Penitenciário,
requisições, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da
execução penal nos Estados, Territórios e Distrito Federal, propondo
às autoridades dela incumbida as medidas necessárias ao seu
aprimoramento;
IX - representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa
para instauração de sindicância ou procedimento administrativo, em
caso de violação das normas referentes à execução penal;
X - representar à autoridade competente para a interdição, no todo ou
211 MARCÃO, Renato. Curso de execução penal / Renato Marcão. - 9. ed. rev., ampl. e atual. de acordo
com as Leis n. 12.258/2010 (monitoramento eletrônico) e 12.313/2010 (inclui a Defensoria Pública como órgão
da execução penal) – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 90.
212 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 90.
74
em parte, de estabelecimento penal.
Para explicar sobre o juízo da execução, Renato Marcão213
usa das palavras de
Sidnei Agostinho Beneti para concluir que, “no sistema jurisdicional de execução da pena
adotado pela Lei de Execução Penal vigente, o Juízo da Execução caracteriza-se,
expressamente, como órgão da execução penal (artigo 61, II), o que é de extrema importância,
na lógica do sistema e nas consequências dele advindas”.
Nucci214
, em uma explicação mais detalhada, indica, ainda, o artigo 66 da LEP,
que prevê inúmeras atribuições do magistrado, umas de origem jurisdicional e outras, de
natureza administrativa. As quais vem mais detalhadas no item 3.2 do presente trabalho de
conclusão de curso.
Ainda, transcorre Renato Marcão215
sobre a jurisdição, mencionando Frederico
Marques quanto a função do juiz, onde “a função específica do Poder Judiciário, no
mecanismo estatal, é o exercício da jurisdição. A atividade jurisdicional é a mais importante
de todas as atribuições judiciárias e a própria ratio essendi da magistratura”, acrescentando
que “o juiz existe, como órgão do Estado, para julgar”.
No que diz respeito ao juiz competente, Renato Marcão216
nos coloca os
ensinamentos de Scarance Fernandes segundo os quais “entre nós a denominação mais
utilizada é a de juiz natural”, e ainda a precisa visão de Tourinho Filho217
, que nos diz que “é
aquele cuja competência resulta, no momento do fato, das normas legais abstratas. É, enfim, o
órgão previsto explícita ou implicitamente no texto da Carta Magna e investido do poder
julgar. Não basta, assim, que o órgão tenha o seu poder de julgar assentado em fonte
constitucional para que se alce a juiz natural. É preciso, também, que ele atue dentro do
círculo de atribuições que lhe fixou a lei, segundo prescrições constitucionais”.
213 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 91.
214 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 1023.
215 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 92.
216 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 92-93.
217 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal/Fernando da Costa Tourinho
Filho – 13. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010.
75
Renato Marcão218
se refere ao artigo 61, III, da LEP, que traz o Ministério Público
como sendo um dos órgãos da execução penal. Lembrando, o doutrinador que “o Ministério
Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe
a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis” (artigo 127, caput, CF/88).
Conforme estabelece o artigo 67, da LEP, o Ministério Público fiscalizará a
execução da pena, assim como as medidas de segurança, oficiando nos processos executivos e
nos incidentes da execução.
É obrigatória a presença do Ministério Público em toda a fase da execução penal,
tendo o Promotor de Justiça de cumprir seu papel de custos legis na execução penal,
pronunciando-se em todos os atos e pedidos formulados.
Marcão219
afirma citando o Desembargador Fortes Barbosa, do TJ-SP, na AE
416.239, “tendo a Lei 7,210/84 adotado a tese da contenciosidade do processo de execução
penal, expressa na Exposição de Motivos em mais de uma oportunidade, o Ministério
Público não é só fiscal da lei como parte”.
O artigo 68, da LEP e seus incisos relacionam outras incumbências ao Ministério
Público dentro da execução penal, incumbências essas que serão tratadas minuciosamente na
sessão 3.3 deste trabalho.
Renato Marcão220
finaliza sobre o Ministério Público como órgão da execução
penal dizendo que “sua oitiva é imperiosa, sob pena de nulidade, embora existam julgados em
sentido contrário, como se tem decidido algumas vezes na hipótese de extinção da pena
verificada sem sua manifestação prévia”.
Quanto ao Conselho Penitenciário, nos explica Renato Marcão221
que “ nos
218 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 120.
219 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 121.
220 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 121.
221 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 122.
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termos dos artigos 69 e 70 da LEP, o Conselho Penitenciário é órgão consultivo e fiscalizador
da execução da pena. E com as palavras de Maurício Kuhne, Marcão lembra que “relevantes
são as atribuições dos Conselhos Penitenciários ao longo de sua trajetória, criados que foram
em 1924, exatamente com a Lei instituidora do livramento condicional”. O artigo 64, da LEP
e seus incisos nos impõe as atribuições do Conselho Penitenciário:
Art. 64. Ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária,
no exercício de suas atividades, em âmbito federal ou estadual,
incumbe:
I - propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito,
administração da Justiça Criminal e execução das penas e das
medidas de segurança;
II - contribuir na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento,
sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária;
III - promover a avaliação periódica do sistema criminal para a sua
adequação às necessidades do País;
IV - estimular e promover a pesquisa criminológica;
V - elaborar programa nacional penitenciário de formação e
aperfeiçoamento do servidor;
VI - estabelecer regras sobre a arquitetura e construção de
estabelecimentos penais e casas de albergados;
VII - estabelecer os critérios para a elaboração da estatística
criminal;
VIII - inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim
informar-se, mediante relatórios do Conselho Penitenciário,
requisições, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da
execução penal nos Estados, Territórios e Distrito Federal, propondo
às autoridades dela incumbida as medidas necessárias ao seu
aprimoramento;
IX - representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa
para instauração de sindicância ou procedimento administrativo, em
caso de violação das normas referentes à execução penal;
X - representar à autoridade competente para a interdição, no todo ou
em parte, de estabelecimento penal.
Marcão222
nos lembra que o artigo 70, I, da LEP, teve nova redação, onde nessa
foi retirada a competência do Conselho Penitenciário para emitir parecer nos pedidos de
livramento condicional, mesmo que o artigo 131, do mesmo dispositivo legal ainda exija tal
procedimento.
222 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 122.
77
O procedimento enseja constrangimento ilegal aos condenados, uma vez que após
instruído no juízo de origem, e em condições de ser apreciado, claro que não sem antes obter
as manifestação do Ministério Público e da Defesa, o expediente vai ao Conselho
Penitenciário, onde fica por tempo desnecessário aguardando parecer. Esse procedimento traz
ao executado a obrigação de aguardar a emissão deste, que é realizado a distância,
dificultando o andamento célere do qual precisa se deter o juiz da execução em relação aos
condenados que estiverem sob dua jurisdição, no ensina Marcão223
.
Assim, Renato Marcão224
pondera que “de outro vértice e a nosso entender
acertadamente, tem crescido junto aos tribunais o entendimento de que é possível a decisão
judicial sem o parecer prévio onde a lei ainda o exige, é claro”. Nesse sentido já se decidiu:
[…] a não apresentação de parecer pelo Conselho Penitenciário,
opinando sobre a concessão de indulto, após abertura de prazo
razoável pelo juízo da execução, não tem o condão de obstar a
atuação do juiz na prestação jurisdicional, concedendo o benefício a
sentenciado que preencha os requisitos objetivos e subjetivos para a
obtenção do favor legal, pois a jurisdição criminal, além de não estar
adstrita ao conteúdo de tal parecer, não pode, também, render ensejo
à eternização de processos, máxime em sede de execução penal,
aguardando, indefinidamente, a manifestação do citado Conselho.
No que diz respeito a figura do Patrono, na LEP, Renato Marcão225
explica que
ele se destina “a prestar assistência aos albergados e aos egressos (artigo 78, da LEP), com
orientação e apoio para reintegrá-los à vida em liberdade; na concessão, se necessário, de
alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de dois meses, que
poderá ser prorrogado uma única vez, comprovado, por declaração do assistente social, o
empenho na obtenção de emprego (artigo 25 da LEP); orientar os condenados à pena
restritiva de direitos; fiscalizar o cumprimento das penas de prestação de servições à
comunidade e de limitação de fim de semana; colaborar na fiscalização do cumprimento das
condições da suspensão e do livramento condicional (artigo 79 da LEP)”.
223 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 123.
224 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 123.
225 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 125.
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Ao Conselho da Comunidade, podemos nos reportar a exposição de motivos da
LEP, onde:
Nenhum programa destinado a enfrentar os problemas referentes ao
delito, ao delinquente e à pena se completaria sem o indispensável e
contínuo apoio comunitário. Muito além da passividade ou da
ausência de reação quanto às vítimas mortas ou traumatizadas, a
comunidade participa ativamente do procedimento da execução, quer
através de um Conselho, quer através das pessoas jurídicas ou
naturais que assistem ou fiscalizam não somente as reações penais em
meios fechados (penas privativas da liberdade e medida de segurança
detentiva) como também em meio livre (pena de multa e penas
restritivas de direitos).
Renato Marcão226
nos explica que:
Haverá, em cada comarca, um Conselho da Comunidade composto,
no mínimo, por um representante de associação comercial ou
industrial, um advogado indicado pela Seção da Ordem dos
Advogados do Brasil, um Defensor Público indicado pelo Defensor
Público Geral e um assistente social escolhido pela Delegacia
Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais. Na falta da
representação prevista neste artigo, ficará a critério do Juiz da
execução a escolha dos integrantes do Conselho.
Elencadas como tarefas a serem cumpridas pelo Conselho da Comunidade,
“incumbe visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na
comarca, entrevistar presos, apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho
Penitenciário, diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência
ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento”227
.
Renato Marcão228
lista em sua obra alguns nomes de forças comunitárias que
podem envidar esforços buscando a melhoria da execução das penas, pela via do Conselho da
Comunidade, são elas:
Rotary, Lions, clubes de serviços em geral, lojas maçônicas, igrejas
226 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 125.
227 Art. 80 e § único da LEP, com redação da Lei n. 12.313, de 19 de agosto de 2010.
228 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 126.
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católicas (pastoral do preso), evangélica, entre outras, federações
espíritas, associações comerciais, de pais, de moradores, de bairro e
APAC (Associação de Proteção e Assistência Carcerária).
Renato Marcão229
citando Miguel Reale, nos explica que:
A maneira de a sociedade se defender da reincidência é acolher o
condenado, não mais como autor de um delito, mas na sua condição
inafastável de pessoa humana. É impossível promover o bem sem uma
pequena parcela que seja de doação e compreensão, apenas válida se
espontânea. A espontaneidade tão só está presente na ação da
comunidade. A compreensão e a doação feitas pelo Estado serão
sempre programas. Sem dúvida, também, positivas, mas menos
eficientes.
O Professor Renê Ariel Dotti, citado na obra de Mirabete e lembrado por
Marcão230
, nos esclarece que:
A abertura do cárcere para a sociedade através do Conselho da
Comunidade, instituído como órgão da execução para colaborar com
o juiz e a Administração, visa a neutralizar os efeitos danosos da
marginalização. Não somente os estabelecimentos fechados mas
também as unidades semiabertas e abertas devem receber a
contribuição direta e indispensável da sociedade (colônias, casa do
albergado).
Muito bem lembrado aqui, por Renato Marcão231
, os itens 24 e 25 da Exposição
de Motivos da LEP, e nessa mesma linha de pensamento, o doutrinador nos reporta ao
Princípio n. 10 dos Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos, ditados pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, mirando a humanização da justiça penal e a proteção
dos direito do homem, nos informando que:
Com a participação e ajuda da comunidade e das instituições sociais,
e com o devido respeito pelos interesses das vítimas, devem ser
criadas condições favoráveis à reinserção do antigo recluso na
sociedade, nas melhores condições possíveis.
229 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 126.
230 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 126-127.
231 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 127.
80
A lição de Paulo Lúcio Nogueira, nesse sentido, citada por Renato Marcão232
, de
que:
A própria LEP prevê essa participação comunitária em diversas
passagens, sendo o Conselho da Comunidade um dos órgãos da
execução penal (LEP, art. 61, VII) que devem existir em cada
comarca, com incumbências específicas (LEP, arts. 80 e 81), mas que
os juízes criminais não têm conseguido formar em razão do
desinteresse dos clubes de servir e entidades de suas Comarcas”.
Acrescenta, ainda, que “não se pode prescindir da cooperação da
comunidade no cumprimento e fiscalização das condições impostas
no sursis, assim como nas penas restritivas de direitos, mormente
prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana
(CP, art. 43, I, II).
E por fim, completando o rol de partes no PEC, temos a Defensoria Pública, que
é definida nos termos do artigo 1º da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1984:
A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e
instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação
jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os
graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de
forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na
forma do inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal”233
.
O artigo 81-A, da LEP, dispõe que a Defensoria Pública velará pela regular
execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos
incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de
forma individual e coletiva234
.
Logo, o artigo 81-B, da LEP, apresenta rol de atividades que poderão/deverão ser
desenvolvidas pela Defensoria Pública no curso do processo execucional, mas tal previsão,
que não é exaustiva, nem precisava ter sido feita, dada a abrangência e alcance, mas tal
previsão, afirma Renato Marcão235
, “que não é exaustiva, nem precisava ter sido feita, dada a
232 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 127.
233 Artigo 1º da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1984.
234 Artigo 81-A, da LEP, de 11 de julho de 1984.
235 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 128.
81
abrangência do artigo 81-A do mesmo diploma legal”.
Renato Marcão236
, quando relata as atribuições da Defensoria Pública, dispostas
no artigo 81-A, da LEP, informando que “reconhecendo mas não se importando com a
amplitude que se extrai” do referido artigo, da mesma forma que incumbe ao representante do
Ministério Público e ao juiz da execução, o órgão da Defensoria Pública deverá visitar
periodicamente os estabelecimentos penais, registrando sua presença em livro próprio,
conforme determina o § único do artigo 81-B, da LEP.
3.1 O Processo de Execução Criminal
Para Nucci237
, o PEC “trata-se da fase processo penal, em que se faz valer o
comando contido na sentença condenatória penal, impondo-se, efetivamente, a pena privativa
de liberdade, a pena restritiva de direitos ou a pecuniária”.
Renato Marcão238
cita as ideias de Nucci, dizendo que:
Se visa pela execução fazer cumprir o comando emergente da
sentença penal condenatória ou absolutória imprópria, estando
sujeitas à execução, também, as decisões que homologam transação
penal em sede de juizado especial criminal.
Renato Marcão239
afirma que a execução penal deve ter como objetivo a inserção
do apenado, uma vez que tem como teoria a mista e a eclética, onde a natureza de retribuição
da pena busca a prevenção e a humanização. São objetivos da execução punir e humanizar.
Com o escopo de evitarmos no presente trabalho de conclusão, tautologia, em
poucas palavras, se faz necessário citar os doutos juristas quanto a natureza do PEC:
Ada Pellegrini Grinover: Na verdade, não se nega que a execução
penal é atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos
236 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 129.
237 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 996.
238 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 31.
239 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 32.
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planos jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa
atividade participam dois Poderes estaduais: o Judiciário e o
Executivo, por intermédio, respectivamente, dos órgãos jurisdicionais
e dos estabelecimentos penais.
Paulo Lúcio Nogueira: A execução penal é de natureza mista,
complexa e eclética, no sentido de que certas normas da execução
pertencem ao direito processual, como a solução de incidentes,
enquanto outras que regulam a execução propriamente dita
pertencem ao direito administrativo.
Julio Fabrini Mirabete: […] afirma-se na exposição de motivos do
projeto que se transformou na Lei de Execução Penal: 'Vencida a
crença histórica de que o direito regulador da execução é de índole
predominantemente administrativa, deve-se reconhecer, em nome de
sua própria autonomia, a impossibilidade de sua inteira submissão
aos domínios do Direito Penal e do Direito Processual Penal.
Assim, a partir das afirmações dos doutrinadores supra citados, temos que a
execução penal é de natureza jurisdicional, contudo, é abrangida pela atividade
administrativa.
Renato Marcão240
nos coloca que “também na execução penal, devem ser
observados, entre outros, os princípios do contraditório, da ampla defesa, da legalidade, da
imparcialidade do juiz, da proporcionalidade, da razoabilidade e do devido processo legal.
Nesse sentido implica citarmos as seguintes súmulas do STF:
Súmula n. 39. A execução penal é atividade complexa que se
desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicional e
administrativo.
Súmula n. 40. Guarda natureza administrativa a expiação da pena. É
objeto do processo de execução, guardando natureza jurisdicional, a
tutela tendente à efetivação da sanção penal, inclusive com as
modificações desta, decorrentes da cláusula rebus sic stantibus, ínsita
na sentença condenatória.
Súmula n. 41. Em toda e qualquer execução penal, há pelo menos dois
momentos jurisdicionais: seu início e seu encerramento.
240 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 32-33.
83
Súmula n. 42. No curso de toda e qualquer execução penal, podem, a
qualquer momento, ocorrer fenômenos processuais, sempre que o juiz
for chamado a julgar, exercendo então a função jurisdicional em toda
a sua plenitude.
Súmula n. 43. Esses fenômenos processuais não se restringem aos
denominados 'incidentes de execução' (sursis e livramento
condicional), mas se estendem a todos os outros, como o excesso ou
desvio de execução, as modificações da pena privativa de liberdade, a
unificação de penas, a reabilitação, a cessação antecipada das
medidas de segurança, a conversão da pena pecuniária em pena
privativa de liberdade, a revogação do sursis ou do livramento
condicional etc.
Súmula n. 44. Como em todo processo, entendido como relação
jurídico-processual tríplice, o processo de execução penal é o
processo de partes, que assegura diretamente da Constituição, mesmo
no silêncio dos Códigos.
No que diz respeito às garantias constitucionais do PEC, Renato Marcão241
se
reporta as palavras de Paulo Lúcio Nogueira, onde uma vez:
Estabelecida a aplicabilidade das regras previstas no Código de
Processo Penal, é indispensável a existência de um processo, como
instrumento viabilizador da própria execução, onde devem ser
observados os princípios e as garantias constitucionais a saber:
legalidade, jurisdicionalidade, devido processo legal, verdade real,
imparcialidade do juiz, igualdade das partes, persuasão racional ou
livre convencimento, contraditório e ampla defesa, iniciativa entre as
partes, publicidade, oficialidade e duplo grau de jurisdição, entre
outros.
Renato Marcão242
, ainda citando Nogueira, que destaca, em espacial, o princípio
da humanização da pena, onde se entende que o condenado é um sujeito de direitos e deveres,
os quais precisam ser respeitados, de forma que não aconteça de terem regalias extras, para
que não distorça a finalidade da punição. Da mesma forma é de total relevância citarmos os
princípios da personalidade e/ou da intranscendência, onde a medida de segurança e tão
pouco o processo penal podem ir além da pessoa do autor da infração (artigo 5º, XLV, da
CF/88).
241 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 34.
242 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 34-35.
84
Vejamos, ainda nesse item, que entre tantas peças que formam esse quebra-cabeça
que é o PEC, temos o exequente, bem definido nas palavras de Renato Marcão243
, que nos
explica, que:
No caso das ações penais privadas o legitimado tem o direito de
dispor da relação jurídico-penal, enquanto não se verificar o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória, a teor do disposto no
artigo 106, § 2º, do Código Penal. Decorrendo de sentença ou
decisão criminal de ação penal pública, condicionada ou
incondicionada, ou mesmo de ação penal privada, em qualquer de
suas modalidades, a execução será sempre de natureza pública.
Exequente será sempre o Estado, procedendo o juiz ex officio, após a
formação do título, determinando a expedição da guia para o
cumprimento da pena ou da medida de segurança, nos termos em que
está expresso nos artigos 105 e 171 da LEP.
De outro lado é necessário comentar sobre exequente no PEC, precisamos
transcrever algumas explicações quanto ao executado no PEC. A Carta Magna de 1988, no
seu artigo 5º, XLV, impõe que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado […].”
Além disso, Renato Marcão244
explica que o princípio da personalidade ou
intranscendência:
Será sempre em desfavor de quem se proferiu sentença condenatória
ou de absolvição imprópria. Executado poderá ser tanto o preso
definitivo quanto o provisório, em se tratando de pena privativa de
liberdade; o internado ou o submetido a tratamento ambulatorial, nas
hipóteses de medida de segurança. Outrossim, poderá ser executado o
autor do fato que deixar de cumprir transação penal levada a efeito e
homologada em juízo (Leis n. 9.099/95 e 10.259/01).
Por fim, e complementando as explicações sobre o PEC, um importante dado,
trazido por Nucci245
, se faz mister neste item, “excesso ou desvio de execução”, onde “sempre
que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou
regulamentares, ocorrerá excesso ou desvio de execução (art. 185, LEP)
243 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 35-36.
244 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 36.
245 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 1049.
85
Nucci246
exemplifica muito bem: “haveria excesso de execução se o condenado,
sancionado administrativamente, pela direção do presídio, ficasse mais de trinta dias em
isolamento. Haveria desvio de excesso se o sentenciado fosse inserido em regime disciplinar
diferenciado sem autorização”.
3.2 O papel do Juiz
Em poucas palavras Nucci explica que das inúmeras atribuições do magistrado,
algumas são de natureza jurisdicional e outras, de natureza administrativa.
Elencadas no artigo 66, da LEP247
, estão os atos de natureza jurisdicional:
I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo
favorecer o condenado; II - declarar extinta a punibilidade; III -
decidir sobre: a) soma ou unificação de penas; b) progressão ou
regressão nos regimes; c) detração e remição da pena; d) suspensão
condicional da pena, e) livramento condicional, f) incidentes da
execução; IV - autorizar saídas temporárias e V – determinar: a) a
forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua
execução; b) a conversão da pena restritiva de direitos e de multa em
privativa de liberdade; c) a conversão da pena privativa de liberdade
em restritiva de direitos; d) a aplicação da medida de segurança, bem
como a substituição da pena por medida de segurança; e) a
revogação da medida de segurança; f) a desinternação e o
restabelecimento da situação anterior.
E os atos de natureza administrativa:
V - determinar: g) o cumprimento de pena ou medida de segurança
em outra comarca; h) a remoção do condenado na hipótese prevista
no § 1º, do artigo 86, desta Lei, i) (VETADO), (Incluído pela Lei nº
12.258, de 2010); VI - zelar pelo correto cumprimento da pena e da
medida de segurança; VII - inspecionar, mensalmente, os
estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado
funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de
responsabilidade; VIII - interditar, no todo ou em parte,
246 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 1049.
247 Artigo 66, da LEP, de 11 de julho de 1984.
86
estabelecimento penal que estiver funcionando em condições
inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei; IX -
compor e instalar o Conselho da Comunidade e X – emitir
anualmente atestado de pena a cumprir. (Incluído pela Lei nº 10.713,
de 13.8.2003)”248
.
Cuidando-se de outra das questões que o juiz da execução criminal deve decidir,
alterando, em substância, a sentença penal condenatória, não obstante, não está descrita na
LEP como incidente de execução (Título VII, arts. 180 a 193).
Como explica Ada Pellegrini Grinover, citada na obra de Nucci249
:
Os incidentes da execução não constituem um numerus clausus. Sua
não taxatividade, no ordenamento brasileiro, é demonstrada pela
existência de institutos como a unificação de penas, a reabilitação, a
comutação. E a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem
considerado incidente da execução o destinado à adaptação das
sentenças condenatórias passadas em julgado à lei penal mais
benigna.
Finalizando este capítulo importa ser colocado, a partir das explicações
doutrinárias expostas durante o trajeto de pesquisa percorrido até aqui, no presente trabalho
de conclusão de curso, que o juiz possui papel dúbio dentro do processo de execução penal.
Uma vez avaliando e aplicando a pena sobre o delito cometido pelo acusado e em outro
momento avaliando e buscando soluções para que o mesmo sujeito a quem o juiz pena lhe
sentenciou tenha suas prerrogativas mínimas garantidas pela Constituição Federal
asseguradas, com o escopo de que a punição aplicada aquele sujeito surta seus objetivos de
correção na conduta criminosa cometida pelo acusado.
Ainda, lembrado por muitos juristas da corrente garantista, a aplicação da pena de
reclusão e todo o trâmite do processo de execução penal por muitas vezes não consegue
alcançar seu objetivo maior, que é a punição com o fim de reprimir atos criminosos.
Impossível falar de processo de execução penal e não falar da cruel realidade que
248 Artigo 66, da LEP, de 11 de julho de 1984.
249 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 1023.
87
encontramos em nossas penitenciárias, onde a mão do ser humano tenta de um lado consertar
e tornar justa e de outro lado piora e auxilia para que outros meios de distorção do sistema
sejam implantados. Nesta seara, cabe, obviamente, as palavras de Michel Foucault:
É indecoroso ser passível de punição, mas pouco glorioso punir. Daí
esse duplo sistema de proteção que a justiça estabeleceu entre ela e o
castigo que ela impõe. A execução da pena vai-se tornando um setor
autônomo, em que um mecanismo administrativo desonera a justiça,
que se livra desse secreto mal-estar por um enterramento burocrático
da pena.
Notável que falar em aplicação da pena, processo de execução penal e direito
penal necessário se faz nos reportarmos a filosofia, antropologia, história, sociologia e
psicologia. Porque aqui estamos tratando não apenas de trâmites processuais e atividades
burocráticas, mas principalmente de vida, paixões, instintos, doenças, experiências, efeitos de
meio e de hereditariedade.
3.3 O papel do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul como
acusador e como fiscal da LEP.
Aqui passamos a tratar do assunto o qual é objeto das pesquisas realizadas até
aqui. Estudar o processo de execução penal sem se reportar ao Ministério Público é o mesmo
que não falar em processo de execução penal.
O Ministério Público, custos legis atua em todas as esferas penais, como presença
do Estado, na figura do Promotor de Justiça, que é visto como o guardião da cidadania, da
Constituição, das leis e do regime democrático de direito, não tendo sua atuação cerceada de
forma arbitrária e nem assim agindo.
Muito bem nos coloca, Tourinho Filho250
, conceituando o Ministério Público a
partir do artigo 127 da nossa Carta Magna, dando conta de que o Ministério Público está
incumbido da defesa e da ordem jurídica, bem como do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.
250 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 388.
88
Tourinho Filho251
, ainda conceituando o Ministério Público, nos lembra Hugo
Nigro Mazzilli, que com propriedade, diz que os legisladores constituintes ao usarem da
expressão “instituição permanente essencial à função jurisdicional”, não se reportaram às
inúmeras atividades exercidas pelo Ministério Público, que independentemente da prestação
jurisdicional, e, paradoxalmente, não disseram tudo o que deveriam dizer quanto as atividades
do Ministério Público.
A palavra Ministério vem do latim ministerium, i, que significa o ofício do mister;
ri (servidor), ou seja, o ofício do servidor. Para Tourinho Filho252
“Ministério Público traz a
ideia de um órgão incumbido de defender os interesses da sociedade, seja na área penal, em
que é sua intensa sua atividade, seja no campo extrapenal, em que não menos incansável é sua
tarefa, na defesa dos interesses sociais ou individuais indisponíveis”.
No que diz respeito ao surgimento da Instituição, não uma precisão, como bem
nos coloca Tourinho Filho253
, alguns doutrinadores apontam Magiaí, do Egito, que eram
encarregados pelas acusações de criminosos; outros, se reportam aos gregos, os Thesmotetis,
que tinham função parecida com a dos egípcios. Ainda temos os Éforos de Esparta, os
Gastaldi, da Lombardia, ou Gemeiner Anklager, do direito Germânico, que tinham como
função acusar, caso o particular não o fizesse.
E é a partir das fontes supra citadas que origina o nome “acusador comum”, a
maioria dos autores afirmam como sendo a origem do Ministério Público a francesa, sem
embargo por ter-se apresentado na França com caráter de continuidade.
Procureurs, o procurador do rei, como nos coloca Victor Souza254
, seria
regulamentada, também, em outras ordonnances que se seguiriam à famosa Ordonnance de
1302, ainda na fase da Monarquia Absoluta, como as de Felipe IV de Valois (28-12-1335), de
Carlos VIII (1493) e a de Luís XII (1498). Mas foi na Ordonnance Criminelle, editada em 10
251 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 388.
252 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 388.
253 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 388.
254 SOUZA, Victor Roberto Corrêa de. Ministério Público: aspectos históricos. Jus Navigandi, Teresina,
ano 9, n. 229, 22 fev. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4867>. Acesso em: 26 jun. 2011.
89
de agosto de 1670, pelo rei Luís XIV, considerada a grande codificação do processo penal da
monarquia francesa, que apresentou-se ampliado o rol de atuação do Ministério Público como
acusador. Abriu ela as portas para delinear os contornos independentes e autônomos, que
seriam definitivamente verificados com a legislação posterior à Revolução Francesa.
Victor Souza255
, nos explica que no século XV, o Ministério Público abarcava
todas as jurisdições senhoriais ou reais, ainda que eventualmente coubesse ao particular
avocar, iniciar ou dirigir a acusação. Desta forma, o Ministério Público (Procurador do Rei) e
seus órgãos limitavam-se a controlar o processo e a requerer a pena, quando não impedidos
pelo próprio interessado. Neste diapasão, a Ordenança de 1670 vem ampliar o campo de
trabalho do Ministério Público, lançando as bases do processo público, acusatório, iniciando a
grande virada na evolução do Ministério Público, para um incremento gradativo de sua
autonomia institucional, na busca da dignidade e importância que atualmente lhe são
reservadas pelas organizações judiciárias de todo o mundo, especialmente em terras
brasileiras.
Complementando as informações prestadas pelo jurista Victor Souza, Tourinho
Filho256
nos lembra de que é habitual utilizarmos a expressão parquet para se reportar ao
Ministério Público. Explica que na França antiga os Procuradores e Advogados do Rei não se
sentavam sobre o mesmo estrado onde ficam os ju[izes, mas sobre o soalho (parquet) da sala
das audiências, como as partes e seus representantes.
A mesma explicação tem o doutrinador Antônio A. Machado257
, que ainda, muito
bem nos coloca as palavras de Roberto Lyra, que classifica audaciosamente, o Ministério
Público como o “quarto poder”, e assim o cita: “se Montesquieu tivesse escrito hoje o
Espírito das Leis, por certo não seria tríplice, mas quádrupla, a Divisão dos Poderes”.
Antônio Machado258
, nos coloca o Princípio do Promotor Natural, que para
muitos está consagrado no artigo 5º, LIII, da CF/88, quando “ninguém será processado nem
255 SOUZA, Victor Roberto Corrêa de. op. cit.
256 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 389.
257 MACHADO, Antônio Alberto. Curso de processo penal/Antônio Alberto Machado. - 3. ed. - São
Paulo: Atlas, 2010. p.143-144.
258 MACHADO, Antônio Alberto. op. cit., p.146-147.
90
sentenciado senão pela autoridade competente”. Ou seja, nenhuma pessoa será
processada/acusada, senão pelo promotor legal, que é o sujeito que tem a atribuição para
promover a acusação em um caso concreto.
Para investidura no cargo de Promotor de Justiça, se faz necessário prestar
concurso público, como bem prevê a Carta Maior de 1988259
, em seu §3º, artigo 129: “São
funções institucionais do Ministério Público: § 3º O ingresso na carreira do Ministério
Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no
mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de
classificação.” Liame necessário se faz com os artigos, brevemente explicados por Antônio
Alberto Machado260
:
[…] a exclusividade do exercício das funções institucionais pelos
órgãos do Parquet: Art. 129. São funções institucionais do Ministério
Público: § 2º As funções do Ministério Público só podem ser
exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca
da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição.
[…] e, por fim, o princípio da inamovibilidade do promotor de
justiça: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: §
5º A distribuição de processos no Ministério Público será imediata.
Assim, como nos explica Antônio Alberto Machado261
, fica consagrado com a
nova ordem constitucional, o princípio do promotor natural dentro do ordenamento jurídico
nacional. Dessa forma, não é admitido que algum órgão do Ministério Público seja afastado
de suas funções no processo, exceto em casos previstos em lei, “como nas hipóteses de
substituição automática, impedimento, suspeição, férias, licença, aposentadoria, etc.”
Ainda, Antônio Alberto262
nos lembra que o STJ, nos traz posicionamento
259 Art. 129, §3º. Constituição Federal, 1988.
260 MACHADO, Antônio Alberto. op. cit., p. 147.
261 MACHADO, Antônio Alberto. op. cit., p. 147.
262 MACHADO, Antônio Alberto. op. cit., p. 147.
91
contrário, quando ao sancionar no seu artigo 127, §1º263
, os princípios da unidade e da
indivisibilidade do Ministério Público, para o doutrinador a Constituição Federal de 1988
afastou o princípio de promotor natural, assim, fica permitido chamar para si os processos e a
substituição dos órgãos do Parquet por ato do chefe da instituição. Assim264
:
Deve-se considerar, no entanto, que a unidade e a indivisibilidade do
Ministério Público têm duas razões bem definidas: (a) de um lado,
significam que a atuação ministerial, como toda atividade da
Administração Pública, está regida pelo princípio da continuidade
dos serviços públicos; (b) de ouro, significam também que os
objetivos institucionais da instituição devem ser buscados pelo
conjunto dos seus integrantes, de modo que a atuação individual de
cada um deles esteja orientada por um sentido coletivo, ou por um
plano geral de atuação, uno e indivisível, capaz de assegurar a
realização de todas as funções e finalidades constitucionais do
Ministério Público. Isto é, a unidade e a indivisibilidade do Parquet
quer dizer que os seus órgãos, embora independentes e atuando com
liberdade de convicção, devem atuar de forma contínua, buscando
sempre os mesmo objetivos, ou seja, os objetivos institucionais, tal
como propostos pela CF e pelas respectivas leis orgânicas.
A Súmula 210 do STF que dispõe: “o assistente do Ministério Público pode
recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos artigos 584, §1º e 589 do
CPP” e, ainda, a Súmula 488 determina que “o prazo para o assistente recorrer
supletivamente começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério
Público”, sendo de cinco dias para o assistente habilitado e de 15 dias para aquele que não se
habilitou formalmente.
Na mesma linha das explicações de Antônio Alberto Machado, Tourinho Filho
explica os conceitos e funções do Ministério Público na Constituição Federal.
Complementando com os princípios que regem a instituição, nos explica Tourinho Filho:
263 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência
funcional.
264 MACHADO, Antônio Alberto. op. cit., p. 147.
92
Unidade e indivisibilidade: “Le Ministère Public est un et
indivisible”, diz a doutrina francesa, e a nossa Constituição repete. A
unidade manifesta-se porque os órgãos do Ministério Público atuam
como parte de um todo indivisível, e não como órgãos isolados. É
impessoal, constitui um corpo uno. Segundo a comunis opinio, a
indivisibilidade evidencia-se na circunstância de poderem os membros
da Instituição substituir-se uns aos outros em um mesmo processo. É
que eles falam pela Instituição. Essa a razão pela qual, em um mesmo
feito, podem funcionar, sucessivamente, vários Promotores de Justiça.
Os membros do Ministério Público são considerados juridicamente
uma só pessoa. A função, diz-se, absorve a personalidade de cada um
de seus membros. Aquele que age ou fala não o faz sem eu nome, mas
em nome de toda a Instituição. Assim, os membros do Ministério
Público podem sempre substituir-se mutuamente (Gaston Stefani et
al., Procèdure pènale, Paris: Dalloz, 1996, p.111). E André Vitu
acentua: “Les membres d'un même Parquet forment un ensemble
indivisible: l'acte fait par l'un des membres l'est au nom du Parquet
entier; em conséquence, les membres du Parquet peuvent, au cours
d'une même affaire, se remplacer l'un l'autre sans difficulté...” - Os
membros de um mesmo Ministério Público podem, no curso de um
mesmo processo, substituir-se um pelo outro sem dificuldade
(Procédure pénale, Paris: PUF, 1957, p. 51).(grifamos)
Tourinho Filho265
, explicando com mais afinco sobre o Ministério Público ser
uno, nos questiona se “será que entre nós o Ministério Público é uno?”. E nessa prerrogativa,
Tourinho Filho segue seus pensamentos nos colocando que não somos um Estado unitário
como a França, mas sim, uma República Federativa que, ao lado dos 27 Estados-membros, há
também o Distrito Federal, e em cada uma dessas unidades existe um Ministério Público, que
em acordo com a Constituição Federal, temos um Ministério Público em cada uma dessas
unidades, assim como temos diversos ramos do Ministério Público da União, como o Federal,
o Militar, o Eleitoral e o do Trabalho. São mais de 30 Ministérios Públicos, que formam uma
unidade cada um, assim, sendo, cada um, uno, “formando um só corpo subordinado a um
único Chefe: o Procurador-Geral”.
Importante dado retirado da obra de Tourinho Filho266
, que vai nos levando ao
assunto objeto desse trabalho de conclusão de curso, ainda tratando da indivisibilidade do
Ministério Público:
265 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 393-394.
266 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 394.
93
Portanto, entre nós, cada Ministério Público tem seu próprio corpo e
seu próprio Chefe, embora a função de todos seja a mesma. A nosso
aviso, é bem provável que falando a Constituição de unidade do
Ministério Público queira referir-se a uma Instituição incumbida de
defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses
sociais e individuais indisponíveis, pouco importando se é constituída
de um só corpo ou de vários corpos, conquanto a sua finalidade seja
aquela mesma.
No que diz respeito a indivisibilidade, temos que cada um desses Ministérios
Públicos, seus membros podem ser substituídos uns pelos outros, relata Tourinho Filho267
. Tal
substituição não se dá pelo bel-prazer do Procurador-Geral, é regida pela Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público, do Estatuto do Ministério Público da União e das Leis
Orgânicas dos Ministérios Públicos de cada Estado.
Nos aclara Tourinho Filho268
, que:
[…] A indivisibilidade está contida na unidade, já que as
substituições, nos casos previstos em lei, só podem ocorrer em cada
um dos Ministérios Públicos. Assim, impossível um membro do
Parquet paulista substituir outro de qualquer Estado, da mesma forma
que um membro do Ministério Público da União não pode substituir
outro estadual. Cada Ministério Público é um só corpo com o
respectivo Chefe. Indivisível. Quando um dos seus membros fala, fala
pela Instituição a que está vinculado. É nesse sentido, parece-nos, que
a Magna Carta emprega a expressão “indivisibilidade”. […]
[…] Se não pode, não há excogitar-se de “indivisibilidade” segundo a
forma rançosa como a Instituição se arrastou, entre nós, por várias
décadas, culminando com aquela regra inserta no art. 7º, V, da Lei
Complementar n.º 40/81, que conferia ao Chefe da Instituição o poder
de “mesmo no curso do processo, designar outro membro do
Ministério Público para prosseguir na ação penal, dando-lhe a
orientação que for cabível no caso concreto”. Note-se que a Carta
Magna alinha, ainda, entre os princípios que regem o Ministério
Público, a independência funcional, demonstrando, assim, que os
membros da Instituição não estão subordinados hierarquicamente, no
que tange à função, a quem que que seja, a não ser à lei e à sua
consciência. Não pode o Chefe da Instituição exercer uma hierarquia
funcional, sob pena de ser postergado o princípio da independência
267 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 394.
268 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 394-395.
94
de que trata o art. 127, §1º, da CF. Hierarquia administrativa, sim;
mas conceber o Procurador-Geral substituindo, a seu talante, um
Promotor por outro, não. [...]
Tourinho Filho269
, com as palavras do Ministro Anselmo Santiago, acrescenta: “o
princípio do Promotor Natural deve ter o devido tempero, apenas para evitar o acusador de
exceção, aquele designado com critérios políticos e pouco recomendáveis”.
Constitucionalmente, explica Tourinho Filho, não há nada que impeça que o Procurador-
Geral, respeitando o interesse público, indique um Promotor “para atuar neste ou naquele
processo”. Senão não teríamos como falar em indivisibilidade.
Explica-nos Tourinho Filho270
:
[…] 2) O Ministério Público tem o exercício da ação penal, mas dela
não poderá dispor: “les magistrats du ministère public ont l'exercice,
mais non la disposition de l'action publique, ele ne leur appartient
pas...” (os membros do Ministério Público têm o exercício da ação
penal, mas dela não podem dispor, visto não lhes pertencer).
3) Independência. O órgão d Ministério Público, no exercício de suas
funções, é independente. Não fica sujeito a ordens de quem quer que
seja. Presta conta de seus atos à lei e à sua consciência. Tal
independência, contudo, “no excluye una organización jerárquica
para servicios...” Realmente, com a expressão “independência” não
se quer dizer que os membros do Ministério Público não estejam
sujeitos a poderes de disciplina, direção e fiscalização.
Os órgãos do Ministério Público estão sujeitos a inspeção
permanente, a correições ordinárias e extraordinárias e, inclusive, a
penas disciplinares que se estendem da simples advertência e censura
até a demissão a bem do serviço público... [...]
Ou seja, Tourinho Filho271
nos explica que a expressão “independência” não se
quer dizer que os membros do Ministério Público não estejam subordinados “a poderes e
disciplina, direção e fiscalização”.
Os órgãos do Ministério Público estão sujeitos a inspeção
permanente, a correições ordinárias e extraordinárias e, inclusive, a
penas disciplinares que se entendem da simples advertência e censura
269 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 395.
270 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 395-396.
271 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 396.
95
até a demissão a bem do serviço público...
Ainda quanto a “independência”, Tourinho Filho272
nos coloca que em face aos
juízes, não há dúvida de que a palavra seja exercida na sua literalidade. Assim também
acontece com o Executivo, que por óbvio, pelas conquistas obtidas, o Ministério Público não
é delegado nem subordinado ao Executivo, nos explica Tourinho Filho273
.
Diante da relevância das funções que o Ministério Público
desempenha no Estado, o Poder Constituinte, após uma luta árdua e
penosa, reconheceu-lhe e assegurou-lhe “autonomia funcional e
administrativa”, podendo, inclusive, propor ao Poder Legislativo a
criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os
por concurso público de provas e de provas e títulos. Até mesmo no
que concerne ao orçamento da Instituição, a elaboração da proposta
orçamentária lhe cabe por inteiro.
No que diz respeito às suas prerrogativas, deveres e penalidades, Tourinho
Filho274
aponta a Lei Orgânica do Ministério Público Nacional e a Lei Complementar n.
75/93 (Estatuto do Ministério Público da União).
Não há dúvidas de que o Ministério Público tem bem especificado, amparado pela
Ordenação Federal e também por Leis próprias a atividade de acusador em um processo penal
e ainda de custos legis no processo de execuções penais, como bem nos explicou Tourinho
Filho275
. A prerrogativa do Ministério Público para desempenhar as duas formas diferentes de
atividade não escapam de respaldo legal, porém, há juristas que garantem que os membros do
Ministério Público não seriam competentes para desempenhar as duas atividades, uma vez
que a aplicação de cada uma tem o mesmo objeto, o acusado, porém, finalidades diferentes.
René Ariel Dotti276
, nos expõe o início de uma problemática que leva a
questionamentos, por alguns juristas, quanto a ação do Ministério Público como acusador e
272 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 396.
273 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 396.
274 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 396.
275 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal/Fernando da Costa Tourinho
Filho – 13. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010.
276 DOTTI, René Ariel. A crise da execução penal e o papel do Ministério Público. Revista Justitia, São
Paulo. abr./jun. 1985. p. 34 e 36.
96
como custos legis na garantia dos direitos dos presos:
A restauração da dignidade política da cidadania, a recuperação da
faculdade social de crítica dos assuntos comunitários, o retorno da
liberdade de imprensa, a devolução das prerrogativas do Parlamento,
a revisão dos princípios de independência e harmonia entre os
poderes do Estado, são, entre outras, as generosas perspectivas para
a Nação e o povo brasileiro dos dias presentes.
Um dos assuntos da atualidade que estimula tosa essa problemática
em torno das expressões polares do Estado e do Indivíduo, é o assunto
do crime.
As variadas formas de expressão da violência e as diversas
modalidades do crime devem merecer providências de combate tanto
por parte do Estado através das instâncias formais (política,
tribunais, estabelecimentos penais) como também da sociedade
através das instâncias informais (família, escola, associações).
Há, atualmente, uma manifestação crítica aos órgãos responsáveis por preservar
valores e interesses individuais e coletivos. Rene Ariel Dotti277
, usando das palavras de
Heleno Fragoso, admite que o Direito Penal, hoje, mostra um descompasso entre a ciência e a
experiência: “Elaboramos um belo sistema de Direito Penal e, afinal, ele serve para que?
Como funciona efetivamente? A análise crítica do próprio sistema e as incongruências entre a
elaboração teórica e a prática vieram levar os juristas a uma visão mais humilde de sua
atividade e as graves dúvidas sobre as virtudes do magistério punitivo”.
Salo de Carvalho278
, quanto ao sistema penitenciário, entende que “é direcionado
fundamentalmente para a determinação de regras disciplinares capazes de ordenar a vida do
apenado durante o cumprimento da pena.”
Explica-nos, Salo de Carvalho279
que:
No entanto, a ampla discricionariedade no trato das questões
internas à ordem penitenciária gerou um subproduto trágico
característico das instituições totais, qual seja, a disfunção da
atividade pelo arbítrio e pela lesão constante dos direitos dos presos,
277 DOTTI, René Ariel. op. cit., p. 40.
278 CARVALHO Salo de. Pena e garantias. 3ª ed. rev. e atual. - Ed. Lumen Juris. - Rio de Janeiro – 2008.
p. 166.
279 CARVALHO Salo de. op. cit., p. 166.
97
estabelecendo o que se conhece como 'crise da execução da pena'.
Tomando conhecimento dos posicionamentos de Salo de Carvalho, começamos o
enredo de suspeitas que circunda as prerrogativas do Ministério Público quanto a fiscalização
do sistema penitenciário.
Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo280
, nos coloca:
Ocorre a despersonalização do poder do Estado, que passa a fundar
sua legitimidade não mais no carisma ou na tradição, mas em uma
racionalidade legal, isto é, na crença na legalidade de ordenações
estatuídas e dos direitos de mando dos chamados por essas
ordenações a exercerem a autoridade.
Foi por volta de 1963, o início de movimentos almejando por reformas no
ordenamento positivo do quadro do sistema criminal em nosso país, nos coloca Rene Dotti281
.
E é justamente a crise do sistema penitenciário, o alto índice de criminalidade na
sociedade que coloca em questão a atuação do Ministério Público, que é mais visto pela
sociedade como órgão acusador. Quando em suma, o Ministério Público é sim, o guardião das
garantias constitucionais da sociedade, representando o Estado em inúmeras situações e não
apenas um órgão que acusa.
Em julho de 2008, tempo não remoto, tivemos a CPI do Sistema Carcerário, que
durante oito meses, em dezoito estados da federação, se realizou um levantamento quanto a
precariedade do sistema penitenciário, mostrando as inúmeras irregularidades e descasos que
ocorrem em nosso sistema penal e por consequência em nosso sistema prisional.
O deputado Domingues Dutra, relator da CPI, elencou como um dos motivos da
CPI a falta de assistência jurídica e o descumprimento da Lei de Execução Penal. Os
objetivos que sucederam a CPI foram muitos, investigar, aprofundar, verificar, apurar e
280 CARVALHO, Salo de. WUNDERLICH, Alexandre. Diálogos sobre a justiça dialogal. Teses e
antíteses sobre os processos de informalização e privatização da justiça penal. Lumen Juris – Rio de Janeiro –
2002. p.55.
281 DOTTI, René Ariel. op. cit., p. 42.
98
apontar os problemas carcerários.
E dentre os responsáveis apontados está o Promotor de Justiça Gilmar Bortolotto,
promotor titular da Promotoria de Execuções Penais de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
O Relatório da CPI do Sistema Carcerário, aponta para os inúmeros problemas
que os Promotores de Justiça, na busca pela aplicação das garantias constitucionais dos
presos, precisam enfrentar. O Promotor de Justiça, não apenas precisa se empenhar para
garantir um sistema processual justo, onde acusa mas também pede a absolvição, precisa se
empenhar para lidar com as particularidades que um sistema penitenciário, recheado de
crimes, lhe oferece.
Rene Ariel Dotti282
, bem explana:
Durante o estágio de investigação, na fase em que deduz formalmente
a acusação, na etapa da instrução ao tempo do julgamento e depois,
no itinerário da execução, o Ministério Público é o ator que
representa vários papéis. Com muita propriedade, já se falou no seu
caráter acentuadamente idiossincrásico significando com tal
referência a disposição de temperamento da Instituição que sofre de
modo peculiar a influência de vários agentes.(grifamos)
Durante todas as acusações e apontamentos realizados no Relatório da CPI do
Sistema Carcerário o Ministério Público, se mostrou ciente de todos os acontecimentos que
estavam ocorrendo no Presídio Central de Porto Alegre. O Ministério Público do Estado do
Rio Grande do Sul, na pessoa de seu membro o Promotor de Justiça Gilmar Bortolotto,
afirmou durante a CPI a atuação do Ministério Público, na busca pelas garantias dos
apenados.
O problema carcerário no Rio Grande do Sul, vai muito além da pessoa do
Promotor de Justiça, vai além do Ministério Público, cuja função é fiscalizar e requisitar as
garantias constitucionais dos apenados. Há nesse enredo, algo muito mais delicado a ser
tratado, pois quando se trata de sistema penitenciário estamos nos reportando a um magote de
282 DOTTI, René Ariel. op. cit., p. 49.
99
personagens que trabalham para que as engrenagens do sistema penitenciário funcione.
Salo de Carvalho283
, usando das palavras de Roberto Lyra, nos coloca:
Um dos arautos no processo de ampliação da tutela jurisdicional foi
Roberto Lyra. O autor advogava: “vai perdendo todo o prestígio a
tese que apresenta a execução penal como matéria indiferente ao
direito. A própria lei substantiva opõe limites e freios aos abusos
administrativos, através de garantias e da discriminação das
características essenciais da pena... Passou a época do
discricionarismo da direção carcerária”.
Sustenta Roberto Lyra que seria preciso impedir o cumprimento da
pena ao arrepio dos códigos, pois o princípio da legalidade abrange,
também, a execução penal, sendo que a própria margem, deixada à
discrição da autoridade administrativa, há de conter-se nos limites
dos regulamentos e das instruções. Não se compreende que, na fase
mais grave e mais importante da atuação da justiça, esta abandone os
homens que mandou ao cárcere e degrade a função pública da pena.
“E no iteninerário das jurisdições de instrução e de julgamento da causa, o
Ministério Público cumpre uma função substancial na defesa dos interesses coletivos”, nos
diz René Ariel Dotti284
.
Uma situação importante a ser colocada no presente trabalho de conclusão de
curso, é quanto a atuação do Promotor de Justiça, que por muitas vezes ultrapassa as paredes
de seu gabinete. O Promotor de Justiça, representando o Ministério Público, não se limita a
fazer seu trabalho apenas dentro da sede do Ministério Público. Para que sua função de custos
legis seja exercida o Promotor vai até o fronte, buscando a verdade dos fatos, a realidade da
situação que precisa da atuação do Estado.
E assim, outra vez René Ariel Dotti285
, nos coloca:
O Ministério Público como instância formal de controle de
criminalidade necessita também viver um Estado de Direito
democrático, num regime de liberdade e garantias sob pena de
283 CARVALHO Salo de. Pena e garantias. 3ª ed. rev. e atual. - Ed. Lumen Juris. - Rio de Janeiro – 2008.
p. 167.
284 DOTTI, René Ariel. op. cit., p. 50.
285 DOTTI, René Ariel. op. cit., p. 50.
100
estiolar-se nos gabinetes, nos corredores de prevenção e combate da
criminalidade e da violência. Um ator secundário cuja ausência não
impedia nem retardava o espetáculo quando era possível, até há bem
pouco tempo, a sua substituição por um estranho ao quadro sem que
a lei garantisse a indelegabilidade e a exclusividade das funções.
O jurista, Salo de Carvalho286
, a partir dos ensinamentos de Grinover, nos diz que
“a dificuldade reside em poder extremar estas duas atividades: administrativa e jurisdicional”.
Salo de Carvalho287
nos explica que é na complexidade e autonomia da Lei de
Execuções Penais que estão “tencionadas jurisdição e administração”.
Ainda, Salo de Carvalho nos coloca:
Ela Wiecko Volkmer de Castilhos, ao versar sobre o problema,
percebe que na visão administrativista restaria implícito um vazio,
uma esfera de irrelevância jurídica, visto estar o condenado
submetido à administração. Advertem Catão e Sussekind que o
pensamento doutrinário cujo pressuposto baseava-se na não-
interferência do Judiciário na Administração é que marcou a situação
de abandono dos presos, e o sistema penitenciário ficou sendo a fase
mais negligenciada da administração da justiça e, consequentemente,
a mais implacável.
E a partir das palavras de Salo de Carvalho, finalizamos o presente trabalho de
conclusão de curso, lembrando que o preso não está abandonado e nem o sistema
penitenciário negligenciado, uma vez, que o Ministério Público, por intermédio de seus
membros, tem a premissa de fiscalizar o sistema penitenciário com o escopo de requerer junto
ao apenado, que seus direitos e garantias constitucionais sejam preservados e colocados em
prática.
O Promotor de Justiça, com suas funções muito bem delineadas pela Carta Maior,
tem condições de manter seu papel em várias cenas dessa peça chamada sociedade, onde sua
presença para mostrar a atuação do Estado é requisitada.
286 CARVALHO Salo de. op. cit., p. 168.
287 CARVALHO Salo de. op. cit., p. 168.
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente encontramos um Ministério Público gaúcho atuante nas duas funções
(titular da ação penal e fiscal da LEP), tais atribuições estão bem especificadas na Carta
Magna de 1988, no artigo 129, I: São funções institucionais do Ministério Público: I -
promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; e na Lei n.º 7.210/84 - Lei
de Execuções Penais, no Capítulo IV, artigo 67 e seguintes: art. 67 O Ministério Público
fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e
nos incidentes da execução.
O Ministério Público do Estado do Rio grande do Sul tem suas ações exercidas
por seus membros, os Promotores de Justiça que ocupam o cargo através de concurso público.
O que se busca nesse trabalho de conclusão de curso é entender a fina linha entre
o Ministério Público Estadual titular da ação penal e o mesmo Ministério Público Estadual
fiscal da LEP.
Buscou-se neste trabalho de conclusão de curso o entendimento Ministerial
quanto a essa atuação que se dá de forma e em situações diferentes, colocando em crise as
instituições responsáveis pelas aplicações dessas funções Ministeriais, através da investigação
profunda de seu funcionamento, em particular, na função da acusação no momento da
execução penal.
O artigo 127 da nossa Carta Magna, nos dá conta de que o Ministério Público está
incumbido da defesa e da ordem jurídica, bem como do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.
Roberto Lyra, que classifica audaciosamente, o Ministério Público como o
“quarto poder”, e assim cita: “se Montesquieu tivesse escrito hoje o Espírito das Leis, por
102
certo não seria tríplice, mas quádrupla, a Divisão dos Poderes”.
No transcorrer deste trabalho de conclusão de curso, não nos resta dúvidas de que
o Ministério Público tem bem especificado, amparado pela Ordenação Federal e também por
Leis próprias a atividade de acusador em um processo penal e ainda de custos legis no
processo de execuções penais. A prerrogativa do Ministério Público para desempenhar as
duas formas diferentes de atividade não escapam de respaldo legal, mesmo com a existência
de juristas que garantem que os membros do Ministério Público não seriam competentes para
desempenhar as duas atividades, uma vez que a aplicação de cada uma tem o mesmo objeto, o
acusado, porém, finalidades diferentes.
Conclui-se neste trabalho, com base em tudo que já fora estudado até aqui, que o
Ministério Público tem prerrogativas para atuar com claridade em todas as atividades onde a
presença do Estado se faz importante, como é o caso do processo penal, no personagem do
acusador e na fiscalização da LEP, a fim de garantir os direitos dos apenados e aplicar a pena
de forma que surta seus objetivos punitivos.
Não se nega nessa seara a dificuldade em tratar de um tema delicado e necessário
para o estudo da criminalidade como o da atuação do Ministério Público. E de maior
dificuldade foi não adentrar em outro tema, polêmico, como a problemática do sistema
carcerário.
O presente estudo nos leva além da legislação federal, ultrapassa a pessoa do
Promotor de Justiça, que quando da posse como membro do Ministério Público traz consigo,
uma história, uma educação, uma linha de pensamento, uma vida que não raras vezes
interfere e delineia a atuação do Promotor que tem autonomia no exercício de suas funções.
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