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1 UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL ROBERTA JORDANA DA SILVA O PAPEL DA ACUSAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL CAXIAS DO SUL, JUNHO DE 2011
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O papel da acusação na execução penal

Feb 04, 2023

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Page 1: O papel da acusação na execução penal

1

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

ROBERTA JORDANA DA SILVA

O PAPEL DA ACUSAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL

CAXIAS DO SUL, JUNHO DE 2011

Page 2: O papel da acusação na execução penal

2

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

CURSO DE DIREITO

ROBERTA JORDANA DA SILVA

O PAPEL DA ACUSAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

APRESENTADO NO CURSO DE DIREITO

DA UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL,

COMO REQUISITO PARCIAL À

OBTENÇÃO DO TÍTULO DE BACHAREL

EM DIREITO.

ORIENTADOR: PROF. MS. PAULO

NATALÍCIO WESCHENFELDER

CAXIAS DO SUL, JUNHO DE 2011

Page 3: O papel da acusação na execução penal

3

ROBERTA JORDANA DA SILVA

O PAPEL DA ACUSAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

APRESENTADO NO CURSO DE DIREITO DA

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL,

COMO REQUISITO PARCIAL À OBTENÇÃO

DO TÍTULO DE BACHAREL EM DIREITO.

ORIENTADOR: PROF. MS. PAULO

NATALÍCIO WESCHENFELDER

Aprovada em ____/_____/_______

Banca Examinadora

_________________________________________________

Prof. Ms. Paulo Natalício Weschenfelder

Universidade de Caxias do Sul - UCS

_________________________________________________

Profa. Ms. Eunice Terezinha Ribeiro Chalela

Universidade de Caxias do Sul - UCS

_________________________________________________

Prof. Ms. Edson Dinon Marques

Universidade de Caxias do Sul – UCS

Page 4: O papel da acusação na execução penal

4

Dedico este trabalho à minha Maria, que me

ensinou até 2006 e hoje permanece no meu

coração e em minhas lembranças.

Page 5: O papel da acusação na execução penal

5

AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos em primeiro lugar para os amigos de longa data, Família

Mosmann e Família Schirmer dos Santos, pelo apoio, incentivo e por me permitirem ser quem

eu sou. E em seguida para pessoas que chegaram faz pouco na minha estrada, mas que estão

fazendo toda a diferença neste solitário caminho: Pablo Antunes, Letícia Ampessan, Dra.

Lídia Menegotto, Dra. Marcela Fernandez Gonçalves, funcionários e colegas da UCS, colegas

e orientadores de estágio da 5ª Defensoria Pública Regional de Caxias do Sul, do Ministério

Público da Comarca de Parobé e da 2ª Procuradoria Regional de Comarca de Caxias do Sul.

Page 6: O papel da acusação na execução penal

6

“O Estado deve fazer o que é útil. O indivíduo deve

fazer o que é belo.”

Oscar Wilde

Page 7: O papel da acusação na execução penal

7

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso visa buscar uma simples contribuição à elucidação

entre a função dupla e divergente (titular da ação penal e fiscal da LEP) em que atua o

Ministério Público do Rio Grande do Sul, instituição que exerce o papel de tutora do interesse

da sociedade.

O Estado do Rio Grande do Sul é representado junto aos cidadãos pelo Ministério Público

Estadual, o art. 127 da CF/88, esclarece que o Ministério Público Estadual é essencial à

função jurisdicional do Estado, cuidando da defesa da ordem jurídica, do regime democrático

e dos interesses sociais homogêneos e individuais disponíveis, num país que, na prática, até

muito recentemente, só conheceu regimes de exceção.

Seguindo por caminhos que parecem claros, a abordagem do tema desse trabalho de

conclusão de curso servirá para que possamos entender o papel do Ministério Público

Estadual como titular da ação penal, e o Ministério Público Estadual exercendo o papel de

custos legis, que representa o Estado do Rio Grande do Sul na fiscalização da aplicação da

Lei de Execuções Penais, visando a aplicação das regras da LEP.

Page 8: O papel da acusação na execução penal

8

RESUMEN

Esta conclusión del trabajo de curso tiene como objetivo la búsqueda de una sencilla

contribución al esclarecimiento de la función de doble y divergente (titular de la fiscalía y la

LEP fiscal), que opera en el Ministerio Público de Río Grande do Sul, una institución que

desempeña el papel del tutor interés de la sociedad.

El estado de Rio Grande do Sul está representado junto con los ciudadanos en el Ministerio

Público, art. CF/88 de 127, aclara que la Fiscalía General del Estado es esencial para la

función jurisdiccional del Estado, el cuidado de la defensa legal del régimen democrático y

los intereses sociales e individuales homogéneos están disponibles en un país que, en la

práctica, hasta hace muy poco, sólo se reunieron los regímenes.

Siguiendo un camino que parece claro, abordar el tema de este trabajo se completa el curso

con el fin de entender el papel de la Fiscalía General del Estado como titular de la fiscalía y el

Ministerio Público en el papel de los costos legales, lo que representa el estado de Rio Grande

do Sul en el seguimiento de la aplicación del Derecho Penal, dirigido a la aplicación de las

reglas de la LEP.

Page 9: O papel da acusação na execução penal

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10

1 CONTEÚDO DO PROCESSO PENAL .......................................................................... 15

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A AÇÃO PENAL ….......................................................... 15

1.2 CONCEITO DO DIREITO DE AÇÃO …........................................................................ 31

1.3 FUNDAMENTO DO DIREITO DE AÇÃO …................................................................ 44

2 JURISDICIONALIZAÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO CRIMINAL ........... 46

2.1 OBJETO …....................................................................................................................... 63

2.2 GARANTIAS …................................................................................................................68

3 O PROCESSO DE EXECUÇÃO CRIMINAL E AS PARTES …................................. 72

3.1 O PROCESSO DE EXECUÇÃO CRIMINAL …............................................................ 80

3.2 O PAPEL DO JUIZ …....................................................................................................... 84

3.3 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

COMO ACUSADOR E COMO FICAL DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS …................. 86

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS …...................................................................................... 100

5 REFERÊNCIAS …........................................................................................................... 102

Page 10: O papel da acusação na execução penal

10

1 Introdução

Explica Greco Filho1 que “simultaneamente ao nascimento do Direito, que tem por

fim a solução justa dos conflitos ou convergência de interesses surge os mecanismos,

previstos pelo próprio direito, de efetivação das soluções por ele dispostas”.

Nessa seara, em que buscaremos elucidações quanto ao papel da acusação na

execução penal lembremos as lições de Beling, citadas por Tourinho Filho2: “Direito

Processual Penal, é a aquela parte do Direito que regula a atividade tutelar do Direito Penal”.

Abrange também a Organização Judiciária Penal, que Camara Leal3 divide da

seguinte forma: “a) Organização Judiciária Penal, que trata da criação, sistematização,

localização, nomenclatura e atribuições dos diversos órgãos diretos e auxiliares do aparelho

judiciário destinado à administração da justiça penal; b) Processo Penal, que é o meio pelo

qual se compõem as lides de natureza penal”.

Frederico Marques4 nos coloca que o Direito Processual Penal “constitui ciência

autônoma no campo da dogmática jurídica, uma vez que tem objeto e princípios que lhe são

próprios”.

Para Tourinho Filho5 existe uma finalidade mediata, que se confunde com a própria

finalidade do Direito Penal – paz social -, e uma finalidade imediata, que outra não é senão

a de conseguir a “realizabilidade da pretensão punitiva derivada de um delito, através da

utilização da garantia jurisdicional”.

Resumindo, a finalidade do Direito Processual Penal é tornar realidade o Direito

Penal.

1 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 13.

2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal I. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 47.

3 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal I. Op. cit., p. 47.

4 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 50.

5 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 50.

Page 11: O papel da acusação na execução penal

11

O Processo Penal é regido por uma série de princípios e regras que outra coisa não

representa senão premissas fundamentais da política processual penal de um Estado.

“Quanto mais democrático for o regime, o processo penal mais se apresenta como

um notável instrumento a serviço da liberdade individual.

Os princípios do Processo Penal oscilam na medida em que os regimes políticos se

alteram.

Dentre os princípios que regem o nosso Processo Penal destacam-se o da verdade

real, o da imparcialidade do Juiz, o da igualdade das partes, o do livre convencimento, o da

publicidade, o do contraditório, o da iniciativa das partes, o ne eat judex ultra petita partium

entre outros.

Afirma Greco Filho6 que o processo é garantia ativa porque, diante de alguma

ilegalidade, pode a parte dele utilizar-se para a reparação dessa ilegalidade.

Sendo o processo uma garantia passiva porque impede a justiça pelas próprias mãos,

dando aos acusados a possibilidade de ampla defesa contra a pretensão punitiva do Estado, o

qual não pode impor restrições da liberdade sem o competente e devido processo legal.

Dessa forma nos remeteremos a figura do Promotor de Justiça, que exerce papel

duplo, dentro do processo penal, o de acusador e de fiscal da execução penal.

Tal dualidade de papéis exercida pelo Ministério Público na pessoa do Promotor de

Justiça, já vem disciplinadas por deliberação do Supremo Tribunal Federal, bem como,

afirmação feita no Código de Processo Penal pátrio:

“Para garantia do acusado, o exercício das diversas atividades ligadas à

persecução penal deve ser realizado por pessoas diferentes em cada uma de suas

etapas ou momentos, para que a diversidade de pessoas e autoridades contribua

para a imparcialidade e justiça da decisão final.”

6 GRECO FILHO, Vicente. op. cit., p. 33.

Page 12: O papel da acusação na execução penal

12

E não somente no que concerne à sucessão ou concentração de funções, mas também

no que se refere a um dos participantes querer desviar-se de sua função dialética para exercer

a de outro ou que seja saltada ou omitida uma delas.7

São dois os princípios institucionais que regem a atuação do Ministério Público: o da

unidade e indivisibilidade e o da autonomia funcional.

Para Greco Filho:

“A unidade e a indivisibilidade significam que o órgão do Ministério Público, ao

atuar, atua enquanto instituição e esgota a atividade dela naquele momento. Por

outro lado, concentra-se no Procurador-Geral todo o conjunto de atribuições do

Ministério Público, de modo que pode ele praticar qualquer dos atos de cada um

dos órgãos da instituição em particular.”

A autonomia funcional significa que a cada membro do Ministério Público cabe a

deliberação do conteúdo do ato que deve praticar, não se vinculando a atuação anterior, sua

própria ou de outro membro do Parquet.

Ainda, falando da atividade do Ministério Público, nos reportemos ao artigo 68, do

Código de Processo Penal:

“Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1º e 2º), a

execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será

promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público”.

Tourinho Filho8 nos apresenta os dizeres de Otto Mauer (Derecho administrativo

alemán, trad. Esp. Buenos Aires, 1949) que preleciona que, embora o Ministério Público

desempenhe o papel de parte, ele próprio não é parte, pois a justiça criminal é uma justiça de

7 GRECO FILHO, Vicente. op. cit., p. 97.

8 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 414.

Page 13: O papel da acusação na execução penal

13

parte única: o acusado.

Igualmente, na obra de Tourinho Filho9 encontramos o questionamento feito por

Alcalá-Zamora, que feriu tão de perto a questão quanto ao papel do Ministério Público no

Direito Processual Penal. Para o ilustre ex-Professor da Universidade de Valencia, o

Ministério Público pode ser considerado uma magistratura lato sensu, sempre que não se

identifique este termo como órgão Jurisdicional.

Lembra, ainda, Alcalá-Zamora10

, que o Ministério Público é o representante da lei. É

a encarnação do espírito da lei. E por que se diz isso? Responde Alcalá-Zamora: “Lo que

com ello se quiere significar más bien, Es La objetividad e imparcialidade com que El

Ministerio Público deve actuar”.

Tourinho Filho11

nos coloca que:

“Desarrozoada é, pois, a opinião daqueles que entendem que a função do

Ministério Público é acusar sempre, embora não convencido da responsabilidade

do réu. “Su misión no ES hallar uma cabeza culpable, sino que La ley sea aplicada

moderada y restamente”.” (Riquelme, Instituciones, cit., p. 261)

Em meio às leituras até aqui realizadas, lembramos que além de papel acusador, o

Ministério Público, fiscal da lei, exerce sua função também no processo de execução penal.

A Promotora de Justiça do MPDFT, Vívian Barbosa Caldas, em seu artigo nos

explica:

“As principais atribuições do promotor de Justiça na execução penal são as

seguintes: zelar pelo correto cumprimento da pena, pela integridade física e moral

dos presos, pela individualização do cumprimento da pena, de acordo com a idade,

o sexo e a natureza do delito; inspecionar mensalmente os estabelecimentos penais;

fiscalizar a regularidade formal das guias de recolhimento e internação; bem como

9 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 415.

10 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 415.

11 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 415/416.

Page 14: O papel da acusação na execução penal

14

promover a defesa e a garantia dos direitos humanos dos presos.

O Ministério Público tem uma responsabilidade particularmente importante na

prevenção de abuso de autoridades, tortura e outras formas de maus-tratos que

possam ocorrer dentro dos estabelecimentos prisionais, devendo investigar tais atos

e buscar a punição dos responsáveis. A pessoa sujeita a qualquer forma de

detenção ou prisão deve ser tratada com humanidade e com respeito inerente ao ser

humano.

Relativamente à inspeção nos presídios, cumpre, ademais, ao promotor coletar

informações gerais acerca da população carcerária, como total de presos,

capacidade do estabelecimento, quantidade de presos doentes e/ou internados em

hospital público, bem como averiguar as condições gerais das instalações, da

alimentação, a existência de atendimento médico/odontológico, a existência de

assistência jurídica, etc.

Observa-se que a visita regular e não anunciada aos estabelecimentos prisionais,

acompanhada de relatórios e recomendações para as autoridades competentes, é

elemento essencial em qualquer Estado preocupado em assegurar o respeito aos

direitos humanos.

Cabe-lhe, também, intervir nos incidentes da execução penal, como, por exemplo,

nos procedimentos de progressão e regressão de regime de cumprimento de pena,

de livramento condicional, de soma ou unificação de penas, nos pedidos de saída

temporária, nos pedidos de extinção de punibilidade, nos pedidos de detração e

remição de pena, no pedido de cumprimento de pena em outra comarca, entre

outros”.

Finalmente, lembro que a ambiguidade de funções do Ministério Público, como

acusador e como fiscal da execução penal não é tratado por nenhuma doutrina ou

jurisprudência. Porém, a partir de indagações realizadas por reconhecidos doutrinadores,

buscar-se-á aproximar-se ao máximo da elucidação quanto ao papel da acusação na execução

penal.

Page 15: O papel da acusação na execução penal

15

1 Conteúdo do Processo Penal

1.1 Considerações sobre a Ação Penal

Iniciaremos o estudo do papel da acusação na execução penal, analisando o

processo penal, do ponto de vista de diversos doutrinadores.

Através da explicação que cada um desses doutrinadores nos passa em suas obras,

enquanto explanamos sobre a composição do processo penal vamos delineando o assunto

pesquisado.

Mougenout12

, nos expõe que “se o processo é o meio pelo qual o Estado exerce o

poder jurisdicional, o direito processual é o conjunto de regras e princípios que informam e

compõem esse processo”.

Para fazer valer seu jus puniendi, no entanto, deve o Estado utilizar-se de um

instrumento capaz de punir os culpados, de forma que permita o desenvolvimento necessário

de uma atividade voltada para o descobrimento da verdade acerca dos fatos e, ao mesmo

tempo, garanta aos acusados os meios de defesa que necessitam para opor-se a essa pretensão

Estatal. Esse instrumento é o processo penal13

.

Ainda buscando a elucidação sobre a ação penal, Aury Lopes Jr.14

explica que

pensamos o processo penal a partir do “princípio da necessidade”, que, considera que o

processo penal é um caminho necessário para alcançar-se a pena e, principalmente, um

caminho que condiciona o exercício do poder de penar (essência do poder punitivo) à estrita

observância de uma série de regras que compõe o devido processo penal, definido por

Calamandrei15

como regras do jogo.

12 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal: rev. E atual. De acorso com as Leis n. 11.900,

12.016 e 12.037, de 2009 / Ed. Edilson Mougenot Bonfim. - 5. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010, p. 37.

13 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 38.

14 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, volume I / Aury

Lopes Junior. - 5.ed. Rev. E atual. . - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1.

15 CALAMANDREI, Piero. “Il processo come giuoco”. In: Rivista di Diritto Processuale, v. 5 – parte I,

Padova, 1950.

Page 16: O papel da acusação na execução penal

16

Notemos que falar sobre a ação penal, nos força a traçar um esboço sobre a

história das penas, que surge, em um primeiro momento da história, como horrendo e infame

para a humanidade, a tal modo que podemos considerar mais repugnante que a história dos

delitos.

Nos coloca Aury Lopes Jr.16

que o delito constitui-se, em regra, numa violência

ocasional e impulsiva, enquanto a pena não: trata-se de um ato violento, premeditado e

meticulosamente preparado. Enfatiza o doutrinador que a pena “é a violência organizada por

muitos contra um”.

Aury Lopes Jr.17

, nos coloca que a privação da liberdade como sanção penal era

desconhecida na antiguidade, o encarceramento existe desde muito tempo, mas não com a

natureza de “pena”, senão para outros fins. A prisão servia somente com a finalidade de

custódia, contenção do acusado até a sentença e execução da pena, afinal, nesse período, não

existia uma verdadeira pena, pois as sanções se esgotavam com a morte e as penas corporais e

infames. A prisão tinha função de lugar de custódia e tortura.

Lembra o doutrinador que o Direito Penal nasce não como evolução, senão como

negação da vingança, daí por que Lopes Jr.18

afirma que não há que se falar em “evolução

histórica” da pena de prisão. Não se trata de continuidade, senão de descontinuidade. A pena

não está justificada pelo fim de vingança, senão pelo de impedir por completo a vingança.

Lopes Jr.19

usa da palavras de Aragoneses Alonso, para resumir a evolução da

pena quando cita que inicialmente a reação era iminentemente coletiva e orientada contra o

membro que havia transgredido a convivência social. A reação social é, na sua origem,

basicamente religiosa, e só de modo paulatino se transforma em civil. O principal é que nessa

época existia uma vingança coletiva, que não pode ser considerada como pena, pois vingança

e pena são dois fenômenos distintos. Lopes Jr.20

nos explica que “a vingança implica

16 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, volume I / Aury

Lopes Junior. - 5.ed. Rev. E atual. . - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1.

17 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 1.

18 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 1.

19 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 1.

20 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 1.

Page 17: O papel da acusação na execução penal

17

liberdade, força e disposições individuais; a pena, a existência de um poder organizado”.

De acordo com a linha doutrinária de Aury Lopes Jr.21

, com a evolução da

estrutura e da organização da coletividade, surge o sistema de composição, que sucede a

vingança, e consiste no pagamento de um determinado valor à comunidade. Inicialmente,

eram os parentes da vítima que tinham o direito de aplicar essas sanções e aceitar os

pagamentos. Depois, o Estado assume essa tarefa.

Para Lopes Jr.22

, é a partir desse momento que começa a interessar para o Estado

o processo penal, pois ao assumir o Estado, sai fortalecido seu poder, desligando

progressivamente a vítima do manejo da pena, para transferir essa atividade ao juiz imparcial.

Dessa forma surge a graduação das penas impostas pelo Estado, que, com a ideia eclesiástica-

religiosa do Talião, dá ao instinto de vingança uma medida e um objeto.

Nas palavras do doutrinador:

A titularidade do direito de penar por parte do Estado surge no

momento em que se suprime a vingança privada e se implantam os

critérios de justiça.” (Lopes Junior, Aury. Direito processual penal e

sua conformidade constitucional, volume I / Aury Lopes Junior. - 5.ed.

Rev. E atual. . - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 4.)

Em conforme com as explicações de Lopes Jr., a relação entre o processo e a pena

corresponde às categorias de meio e de fim. Assim, dessa forma nasce o processo penal.

E Mougenout23

, explica as peculiaridades do processo penal:

a) um instrumento que determina como será exercido o poder do

Estado de averiguar a verdade e impor uma sanção e;

b) uma garantia para o réu – e para a sociedade em geral – de que

apenas haverá punição caso, após concedida oportunidade plena de

defesa, reste demonstrada a sua culpa.

21 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. p. 3.

22 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. p. 3.

23 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal: rev. E atual. De acorso com as Leis n. 11.900,

12.016 e 12.037, de 2009 / Ed. Edilson Mougenot Bonfim. - 5. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010, p. 38.

Page 18: O papel da acusação na execução penal

18

Mougenot24

, nos coloca que em síntese, ao “direito de punir” (rectius: poder-

dever de punir) estatal opõe-se inexoravelmente o “o direito de liberdade” ao acusado. Eis o

binômio que conforma o processo.

Para Tourinho Filho25

se o Estado detém o monopólio da administração da justiça,

é lógico que ele tem o direito de garanti-la. E tal direito à garantia da justiça, que outro não é

senão o de invocar a tutela do Estado-Juiz, se considera, em relação aos particulares, uma

emanação do “pai da família”.

Processo Penal, para Tourinho Filho, é o direito de invocar a prestação

jurisdicional. O doutrinador define a ação penal como o direito de pedir ao Estado

(representado pelos seus Juízes) a aplicação do Direito Penal objetivo. Ou o direito de pedir

ao Estado-Juiz uma decisão sobre um fato penalmente relevante, visão muito semelhante ao

do doutrinador Mougenot.

Explica Lopes Jr. com as palavras de Aragones Alonso26

, que se olharmos o

processo penal como instituição estatal, perceberemos que na realidade essa é a única

estrutura que se reconhece como legítima para a satisfação da pretensão acusatória e a

imposição da pena.

Aury Lopes Jr.27

afirma que com o delito, surge o conflito social, e a pena pública

como resposta estatal (em nome da coletividade) ao autor da conduta. Ou seja, um poder de

punir condicionado.

A evolução do processo penal está intimamente relacionada com a própria

evolução da pena, refletindo a estrutura do Estado em um determinado período.

Ainda nesse liame entre ação e pena, Lopes Jr. citando J. Goldschmidt28

:

24 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 38.

25 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal / Fernando da Costa Tourinho

Filho. - 13. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010, p. 157.

26 ALONSO, Aragones. No “Prefácio” da sua obra Instituciones de Derecho Procesal Penal.

27 ALONSO, Aragones. op. cit., p. 4.

28 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 4.

Page 19: O papel da acusação na execução penal

19

[…] los princípios de la política procesal de una nación no son outra

cosa que segmentos de su politica estatal em general. Se puede decir

que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el

termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su

Constitución. Partiendo de esta experiencia, la ciencia procesal há

desarrollado un número de principios opuestos constitutivos del

proceso.29

Lopes Jr. lembra das explicações de Aragoneses Alonso30

:

O processo evolui em linhas coerentes com a pena. Inicia com a

autotutela ou defesa privada, em que por meio da coação particular o

sujeito agredido resolve (ou tenta resolver) de forma direta o conflito,

impondo a sua vontade. Nessa modalidade de autotutela simples,

prevalece a força das partes e não existe um juiz distinto. São

exemplos que ainda perduram no Direito Penal, como no caso da

legítima defesa e o estado de necessidade.

Após, passa-se à autotutela processualizada, momento em que já

existe uma estrutura formal, semelhante à instituição do processo.

Trata-se de uma figura pseudoprocessual, que encobre, no fundo, um

reparto unilateral e coativo. O processo penal inquisitório é, em certo

sentido, uma autotutela processualizada, através da qual o juiz atua

como parte. Outros exemplos de conflitos estatais resolvidos assim

são aqueles em que a administração da Justiça Penal se dá por meio

de Tribunais de Adversários, como ocorreu em Nuremberg.

A autocomposição surge dentro da evolução dos meios de solução de

conflitos, como uma forma mais civilizada. Ambas as partes, mediante

acordo mútuo (ou pela resignação de uma delas), decidem colocar fim

ao conflito. A repartição de justiça se faz por exclusiva atividade das

partes, pois, ainda que possa existir a intervenção de um terceiro,

prevalece a vontade das partes. Nesse caso, é um sistema de

distribuição de justiça de forma autônoma, pois o terceiro atua

interpartes e não suprapartes. Diferencia-se da autotutela porque o

conflito se resolve pelo convencimento e acordo, e não pela força das

partes.”31

(grifo do autor)

29 ALONSO, Pedro Aragones. Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal, p. 67.

30 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 67

31 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 5.

Page 20: O papel da acusação na execução penal

20

Reparto heterônomo32

, que nas palavras de Aragones Alonso “pode ser obtido

mediante a atuação de um terceiro parcial ou imparcial. Consiste na atuação de um terceiro a

favor de uma das partes intervenientes.”33

(grifo do autor)

Com as palavras de Aury Lopes Jr.34

expliquemos a distinção entre

autocomposição e autotutela:

[…] da autocomposição porque a distribuição de justiça não se

realiza pela vontade consensual das partes interessadas; e também da

autotutela, porque o terceiro não está interessado na repartição da

justiça, senão que atua no interesse de outro. A principal figura é a

arbitragem, pois a atuação de um terceiro imparcial retira a

autonomia das partes e com isso é a arbitragem, pois a atuação de

um terceiro imparcial retira a autonomia das partes e com isso

impede o uso da força. No processo penal não existe a possibilidade

de arbitragem, pois a natureza pública da pena conduziu o Estado a

avocar o poder punitivo.”

A palavra 'processo' vem do verbo procedere, que significa avançar, caminhar em

direção a um fim e por isso envolve a ideia de temporalidade, de um desenvolvimento

temporal desde um ponto inicial até alcançar-se o ponto desejado.

Usando das palavras de CARNELUTTI35

, Lopes Jr.36

refere que o processo no

significado originário não quer dizer outra coisa que desenvolvimento, algo que se opera no

tempo.

Destarte, no processo penal, a parte acusadora, que é titular da pretensão

acusatória, invoca por meio da acusação (ação penal) que o juiz exerça a jurisdição e, ao final,

se comprovada a tese acusatória, exerça o poder de punir do Estado. No momento em que o

32 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 5. - Eis aqui um problema linguístico. Em espanhol, é de uso

corrente a expressão reparto 'heterónomo', sendo esse último vocábulo empregado no sentido de algo que

“depende de algum poder alheio, estranho, que impede seu desenvolvimento normal”. Etimologicamente, hetero

vem de “outro” e, do grego, nómos significa lei, costume (segundo o Clave – Diccionário de uso del español

actual, Madrid, 1997). Assim, a expressão 'heterônomo' será empregada para definir um sistema de

administração de justiça em que exige (por lei) a intervenção de um terceiro imparcial.

33 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 93. 34 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. p. 6.

35 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 12.

36 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. p. 6.

Page 21: O papel da acusação na execução penal

21

Estado substitui as partes e impede a autotutela, nasce também um dever correlato, de atuar

quando a intervenção seja solicitada. O instrumento por meio do qual se concretiza e se pode

exercer o poder-dever punitivo é o processo penal, explica Lopes Jr..37

Tourinho Filho38

, usando das ponderações de Frederico Marques, acredita que as

regras contidas nos arts. 100 a 106 do Código Penal, melhor ficariam no CPP. Na legislação

penal deveriam permanecer, tão somente, os preceitos da parte especial que discriminam, nos

delitos em espécie, os casos de ação privada (cf. Curso de direito penal, São Paulo: Saraiva,

1956, p. 330).

A fim de elucidar quanto ao caráter processual penal da norma, Tourinho Filho39

diz que G. Leone40

define que infere-se não da sua localização – que constitui um dado de

identificação importante, porém, certamente, não vinculante – mas, sim, do objeto, do seu

conteúdo, da sua finalidade.

Por exemplo, realmente, há normas no processo Penal que não têm,

evidentemente, caráter processual penal. Vejam-se, a propósito, aquelas pertinentes à prisão

administrativa (CPP, arts. 319 e 320).

Verifica-se na obra de Tourinho Filho41

que há interesse em distinguir uma da

outra. A determinação do caráter material ou processual da norma é de grande importância,

especialmente aos fins da disciplina da sucessão das normas no tempo. As normas penais,

quando benéficas, retroagem. As processuais têm incidência imediata.

Para Tourinho Filho42

, há dois critérios para classificar a ação penal: um

tradicional, em que se leva em conta o elemento subjetivo, isto é, em que se considera o

sujeito que a promove, sua titularidade enfim. É chamada classificação subjetiva. Assim,

temos a ação penal pública, promovida pelo Ministério Público; a ação penal privada,

37 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. p. 6. 38 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 161.

39 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 161.

40 LEONE, G. Trattato di diritto processuale penale, Napoli: Jovene, 1961, p.40.

41 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 162.

42 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 162.

Page 22: O papel da acusação na execução penal

22

exercida pela vítima; a ação penal popular, cujo exercício fica a cargo de qualquer pessoa.

Tourinho Filho43

cita as palavras de Frederico Marques44

, onde ele observa que

desde que se invoque o Direito Penal objetivo e desde que a sentença se baseie em normas de

Direito Penal, não cabe dúvida que se trata de ação penal, e, como exemplo de ação

declaratória negativa, cita o habeas corpus com fundamento no art. 648, VII, do CPP.

Dispõe o art. 100, caput, do CP: “A ação penal é pública, salvo quando a lei

expressamente a declara privativa do ofendido”.

Por sua vez, o § 1º do art. 100 reza: “A ação pública é promovida pelo Ministério

Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do

Ministério da Justiça”.

O direito de punir pertence ao Estado, só o Estado detém o direito de punir.

Quando ocorre uma infração penal, o Estado, para tutelar os interesses sociais e assegurar a

manutenção da ordem jurídica, desenvolve, como detentor do poder de punir e como titular

da ação penal, uma atividade no sentido de promover e realizar a atuação do Direito Penal

objetivo.45

Portanto, quando é o órgão do Ministério Público que promove a ação penal, diz-

se que ela é pública.

Um simples exame do texto legal mostra, à evidência, que há duas espécies de

ação penal pública: a) ação penal pública plena, também chamada de incondicionada; b) ação

penal pública condicionada, ou semipública.

A primeira, a ação penal pública plena, é aquela promovida pelo Ministério

Público sem a interferência de quem quer seja.

43 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 163.

44 MARQUES, Frederico. Elementos de direito processual penal, Rio de Janeiro: Forense, 1961, v. 4, p. 5 e s.

45 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 163/164.

Page 23: O papel da acusação na execução penal

23

Assim, Tourinho Filho46

, por exemplo, nos diz que nos crimes de furto de coisa

comum (art. 156 do CP) ou de crime contra a honra do Presidente da República ou de Chefe

de governo estrangeiro (art. 141, I, do CP), a ação penal, embora promovida pelo Ministério

Público, depende da manifestação de vontade do ofendido ou de quem legalmente o

represente, ou, no segundo exemplo, de requisição do Ministro da Justiça. Fala-se, então, em

ação penal pública condicionada.

Tourinho Filho47

faz suas definições sobre alguns princípios que norteiam o

processo penal.

Princípio da oficialidade:

O Estado é o titular do direito concreto de punir.

A ação penal pertence ao Estado. Como este não pode estar em juízo,

dada a sua qualidade de pessoa jurídica, instituiu órgãos com essa

finalidade: são os órgãos do Ministério Público.

Dizer-se que o Ministério Público tem o exercício da ação penal, mas

esta não lhe pertence, e sim ao Estado. Aí está, pois, o princípio da

oficialidade. Quem propõe a ação penal pública incondicionada é um

órgão do Estado, o Ministério Público. Órgão “oficial”, órgão do

Estado, portanto.

Princípio da indisponibilidade:

Pertencendo a ação penal ao Estado (salvo exceções), segue-se que

aquele a quem se atribui seu exercício, o Ministério Público, não

pode dela dispor.

E, por não lhes pertencer, não podem os órgãos do Ministério Público

dela desistir, transigindo ou acordando, pouco importando seja ela

incondicionada ou condicionada. Entre nós, o art. 42, do CPP, às

expressas, veda a desistência da ação penal pública: “O Ministério

Público não poderá desistir da ação penal”.

Nada impede que, no direito a ser constituído, seja tal princípio

amenizado, permitindo-se ao Ministério Público, em determinadas

situações, desistir da ação penal, ensejando, assim, a extinção do

processo sem julgamento do mérito, como na hipótese de ser

inafastável a prescrição pela pena a ser concretizada na sentença, ou

se de todo a prova acusatória for imprestável.

Princípio da legalidade ou da obrigatoriedade:

O princípio da obrigatoriedade embasa-se no apotegma nec delicta

maneant impunita (os delitos não podem ficar impunes).

46 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 165.

47 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 165/167.

Page 24: O papel da acusação na execução penal

24

Na Alemanha, em certas infrações leves, ou quando as consequências

forem insignificantes, o Órgão do Ministério Público pode abster-se,

nos termos do §153a da StPO.

Na França, consoante dispõe o art. 40 do Code de Procédure Pénale:

“Le procureur de la République reçoit les plaintes et les

dénonciations et apprécie la suíte a la donner...”. O Ministério

Público recebe as representações e as denúncias e lhes dá o

destinamento que quiser. E quando se abstém de levar o fato ao

conhecimento do Juiz, fala-se em classement sans suíte.

Hoje, esse princípio da legalidade, entre nós, foi amenizado com o

instituto da transação de que ao definir determinadas condutas como

delituais penais não desce, muitas vezes, a minudências, cabendo

então ao Juiz, considerando, em cada caso concreto, a pouquidade da

lesão, deixar o fato sem qualquer punição.

O Direito Penal “sólo deve proteger el mínimo de esse mínimo”, na

exata observação de Luzón Cuesta (José Maria Luzón Cuesta,

Compendio de derecho penal, Madrid: Dykinson, 1995, p. 45).

O doutrinador, Tourinho Filho, nos explica que se for vencida a falta de senso, a

solução é o decreto absolutório, mesmo porque “nada favorece tanto la criminalidad como la

penalización de cualquier injusto consistente em una nimiedad” (nada favorece mais a

criminalidade que a penalização de qualquer conduta insignificante).

Na obra de Tourinho Filho48

podemos encontrar sinteticamente, que em outros

países como na Alemanha, o §380 da StPO dispõe que nos crimes de ação penal privada

(violação de domicílio, injúrias, calúnias, violação de correspondência, lesões simples,

culposas ou dolosas), a reconciliação entre as partes constitui obstáculo à ação privada (Karl

Heinz Gössel, El derecho procesal penal em el estado de derecho, Buenos Aires: Rubinzal-

Culzoni, 2007, t. I, p. 280), num genuíno processo penal de partes. O art. 2º do Código de

Processo Penal peruano confere ao Ministério Público o poder de abster-se de promover a

ação penal nas infrações cuja pena máxima não supere 2 anos, e desde que não seja afetado

gravemente o interesse público, se houver acordo entre autor do fato e ofendido.

Tourinho Filho49

, nos apresenta também em sua doutrina o Princípio da

indivisibilidade, onde

48 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 168.

49 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 169.

Page 25: O papel da acusação na execução penal

25

[…] A ação penal, seja pública, seja privada, é indivisível, no sentido

de que abrange todos aqueles que cometeram a infração. Quanto à

ação penal pública, não. E isso por ser uma razão muito simples: se a

propositura da ação penal constitui um dever, é claro que o órgão do

Ministério Público não pode escolher em relação a quem deva ela ser

proposta. E José Cirilo de Vargas, arremata: “esse entendimento põe

em risco a segurança pública, a partir do momento em que o Estado

pode, na prática, escolher o réu...” (Direitos e garantias individuais,

Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 100).

O Princípio da Indivisibilidade deve ser proposto em relação a todos aqueles que

cometeram a infração (nec delicta maneant impunita). Analisando o art. 77, II, combinado

com o art. 79 do CPP, infere-se que a ação penal é indivisível.

Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:

I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;

II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51,

§ 1o, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal.

Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e

julgamento, salvo:

I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar;

II - no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.

§ 1o Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em

relação a algum co-réu, sobrevier o caso previsto no art. 152.

§ 2o A unidade do processo não importará a do julgamento, se

houver co-réu foragido que não possa ser julgado à revelia, ou

ocorrer a hipótese do art. 461.

O fato de o órgão do Ministério Público poder ofertar denúncia em relação a

outros implicados que não haviam sido até então identificados não traduz uma divisibilidade

da ação penal, doutrina Tourinho Filho50

. Quando se diz que a ação penal pública é indivisível

quer-se dizer que, havendo dois ou mais autores, o membro do Ministério Público não pode

escolher em relação a qual deles deve a denúncia ser ofertada, mesmo porque a ação pública é

regida pelo princípio da legalidade ou obrigatoriedade.

Tratando-se de ação penal pública, o órgão do Ministério Público é obrigado a

ofertar denúncia em relação a todos aqueles que cometeram a infração penal. A diferença está

apenas na circunstância de que na ação pública vigora o princípio da obrigatoriedade e na

50 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 169/170.

Page 26: O papel da acusação na execução penal

26

ação privada, o da conveniência. Tourinho Filho51

explica isso com a afirmação de Franco

Sodi: “La indivisbilidad de la acción penal consiste, pues, em que com ella, se persigue

siempre a todos los que participan em la comisión de un hecho” (apud Victor B. Riquelme,

Instituciones de derecho procesal penal, Asunción: s. n., s. d., p. 50).

Usando das palavras de Tornaghi52

, Tourinho Filho explica que depois de

esclarecer a razão de o legislador, nos arts. 4853

e 4954

do CPP, haver tratado da

indivisibilidade da ação penal privada, observou: “Quanto à pública, não havia necessidade

de preceito expresso, já que o Ministério Público não pode renunciar ao direito de ação [...]”.

Outro princípio tratado por Tourinho Filho55

, em sua obra é o da

intranscendência, onde

[…] A ação penal é proposta apenas em relação à pessoa ou às

pessoas a quem se imputa a prática da infração. A ação penal é

sempre promovida em relação às pessoas a quem se imputa a prática

de uma infração.

No que diz respeito a classificação quanto à pretensão, Tourinho Filho56

explica

que não pode haver no Processo Penal a classificação da ação penal segundo a pretensão. No

penal, não se pode falar em ação de furto, de roubo e assim por diante, embora haja autores

estrangeiros sustentando que a cada figura delituosa corresponde uma modalidade de ação. À

evidencia, trata-se de um absurdo, pois o fim da ação penal é sempre o mesmo, inflição de

pena, desde que se torne a expressão “ação penal” no sentido do comumente empregado, isto

é, o instrumento de que se vale o Estado, ou o particular, para tornar realidade o direito de

punir.

51 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 170.

52 TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal (São Paulo: Saraiva, 1977, v. 2, p. 357)

53 Art. 48. A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério

Público velará pela sua indivisibilidade.

54 Art. 49. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se

estenderá.

55 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 171.

56 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 171.

Page 27: O papel da acusação na execução penal

27

Explica Greco Filho57

, que poder-se-ia estudar cada civilização do ponto de vista

normativo, compreendendo suas características pelo conjunto de regras dentro do qual se

desenvolveu a ação humana. Daí já se ter dito que a própria história se apresenta com um

complexo de ordenamentos normativos que se sucedem, contrapõem-se e se integram58

.

Na sociedade, as normas se adaptam, se modificam, crescem ou diminuem em

número aparente, mas jamais desaparecem. Greco Filho59

nos diz que é outra verdade

histórica a de que as regras de conduta, escritas ou costumeiras, jamais são tão numerosas a

ponto de preverem todas as hipóteses de comportamento humano; mas o direito, como

solução normativa, mesmo diante de fatos novos, apresenta definição para essas hipóteses,

porque tem como características a unidade e a totalidade. O direito, pois, é não apenas direito

escrito ou conduta humana, e, por isso mesmo, ontologicamente indivisível. Pode

didaticamente dividir-se em ramos ou espécies, mas na essência é uno.

Informa Greco Filho que, Francisco Carnelutti60

, nos explica: que, se interesse é

uma situação favorável à satisfação de uma necessidade; se as necessidades são ilimitadas; se

são, todavia, limitados os bens, isto é, a porção do mundo exterior apta a satisfazer tais

necessidades, correlata à noção de interesse e de bens é a noção de conflito de interesses. Há

conflito entre dois interesses quando a situação favorável para a satisfação de uma

necessidade exclui a situação favorável para a satisfação de uma necessidade diversa.

Carnelutti vê, na base da ordem jurídica, o conflito de interesses a exigir a

regulamentação das diversas expectativas humanas sobre um mesmo bem.

O direito, portanto, não existe somente para resolver os conflitos de pessoas ou

entre pessoas, mas também para evitar que ocorram, prevenindo-os. E, por conseguinte, não

depende do conflito entre pessoas, mas exatamente existe para evitá-los, atribuindo a cada um

a sua parcela de participação nos bens naturais e sociais.

57 GRECO FILHO, Vicente, 1943 – Manual de processo penal/Vicente Greco Filho. - 8. ed. Rev., atual.

Com a colaboração de João Daniel Rassi. - São Paulo: Saraiva, 2010, p. 7.

58 BOBBIO, Norberto. Teoria della norma giuridica, Torino: Giappichelli, 1958, p. 5.

59 GRECO FILHO, Vicente . Op. cit. p. 7.

60 CARNELUTTI, Francisco. Sistema del diritto processuale civiale, Padova, 1936, v. 7, p. 3.

Page 28: O papel da acusação na execução penal

28

O direito convergente sobre os bens, portanto, pode ser: individual, coletivo ou

público.

O direito disciplina todos esses interesses que se contrapõem, às vezes se

superpõem, contradizem-se, interdizem-se, interferem-se, influenciam-se. O vórtice de

interesses, ademais, incrementa-se em virtude de conflitos entre suas diversas categorias.

Cabe ao direito, portanto, sua disciplina, determinando, em cada caso, qual deve prevalecer,

qual deve ser satisfeito.

O critério de escolha decorre do valor que pretende o direito ver prevalecer, diz

Greco Filho.

Ainda, Greco Filho61

, salienta que é impossível compreender-se o direito com

abstração de seus valores constitutivos, como afirma Miguel Reale, devendo, porém,

evitarem-se dois extremos: de um lado, o dos que pretendem, a todo transe, atingir um

conceito de direito livre de qualquer nota axiológica, projetando a ideia de justiça fora do

processo da juridicidade positiva (Stammler e Del Vecchio); e, de outro lado, o dos que

identificam positividade jurídica e justiça, indivíduo e sociedade (Hegel, Gentile, Binding).

Greco Filho62

explica que todas as consagrações constitucionais de direitos

supõem a existência de alguns direitos básicos da pessoa humana, os quais pairam, inclusive,

acima do Estado, porquanto este tem como um de seus fins principais a garantia desses

direitos.

O direito talvez cronologicamente coincida com o homem e a sociedade, mas não

pode ser entendido senão em função da realização de valores, no centro dos quais se encontra

o valor da pessoa humana. Para Greco Filho63

toda ordem jurídica não teria sentido se não

tivesse por fim ou conteúdo a realização desses valores. Logicamente, portanto, o valor da

pessoa humana antecede o próprio direito positivo, condiciona-o e dá-lhe razão de existir.

61 GRECO FILHO, Vicente, 1943 – Manual de processo penal/Vicente Greco Filho. - 8. ed. Rev., atual.

Com a colaboração de João Daniel Rassi. - São Paulo: Saraiva, 2010. p. 9/10.

62 GRECO FILHO, Vicente . op. cit. p. 10.

63 GRECO FILHO, Vicente . op. cit. p. 11.

Page 29: O papel da acusação na execução penal

29

Simultaneamente ao nascimento do direito, que tem por fim a solução justa dos

conflitos ou convergências de interesses, surgem os mecanismos, previstos pelo próprio

direito, de efetivação das soluções por ele dispostas.

Greco Filho64

afirma que costuma-se dividir o sistema de efetivação de direitos

em três fases distintas: a autotutela, a autocomposição e a jurisdição.

Um Poder Judiciário autônomo e eficiente é indispensável à vivência

democrática.

O processo é algo mais profundo, uma verdadeira relação entre os sujeitos.

A vinculação das partes não é voluntária, mas cogente, e a natureza do vínculo é

pública, e não privada.

Greco Filho coloca que a teoria da relação jurídica processual foi contestada

apenas pela teoria do processo como situação jurídica, de Goldschmidt65

, mas ainda não foi

superada, porque é a que melhor explica o fenômeno processual, daí ser quase universalmente

aceita.

Em um processo, aos sujeitos que dele participam são atribuídos poderes,

faculdades, deveres, sujeição e ônus, numa forma dinâmica, isto é, num suceder de atos que

tendem para o ato-fim, a sentença, na qual o juiz aplica o direito.

Como se sabe, três são os poderes da República: Legislativo, Executivo e

Judiciário.

No relacionamento entre os Poderes Executivos e Judiciário, há dois sistemas

fundamentais.

64 GRECO FILHO, Vicente. op. cit. p. 13.

65 GRECO FILHO, Vicente. op. cit. p. 30.

Page 30: O papel da acusação na execução penal

30

No primeiro, chamado francês ou do “contencioso administrativo”, decorrente da

ideia de separação absoluta de poderes.

No Brasil, adotou-se o sistema chamado anglo-saxão ou da jurisdição única, no

qual o Poder Judiciário pode examinar os atos administrativos quanto à sua legalidade.

O processo é a garantia ativa porque, diante de alguma ilegalidade, pode a parte

dele utilizar-se para reparação dessa ilegalidade (artigo 5º, XXXV, CF/8866

).

Greco Filho67

nos explica que o processo diz-se uma garantia passiva porque

impede a justiça pelas próprias mãos, dando ao acusado a possibilidade de ampla defesa

contra a pretensão punitiva do estado, o qual não pode impor restrições da liberdade sem o

competente e devido processo legal. Ainda, é o processo garantia passiva quando impede a

justiça privada, isto é, garante a submissão ao direito de outrem não se fará por atividade

deste, mas por atividade solicitada ao Judiciário, que examinará o cabimento e a legitimidade

de tal pretensão.

Para Aury Lopes Jr.68

Não há que comparar Processo Civil e Processo Penal, não

há a possibilidade de amoldar um ao outro, buscando o melhoramento da aplicação da norma.

Cada um tem seus elementos específicos. Bem lembra Aury Lopes Jr., que todo erro de

pensar, que podem ser transmitidas e aplicadas no processo penal as categorias do processo

civil, como se fossem as roupas da irmã mais velha, cujas mangas se dobram, para caber na

irmã preterida. É a velha falta de respeito a que se referia GOLDSCHMIDT, às categorias

jurídicas próprias do processo penal.

Nos lembra o autor que em processo penal estamos lidando com a liberdade, e

não com o “ter” ou “não ter” do processo civil. No lugar da coisa, pensa- se na liberdade, de

66 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros

e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

67 GRECO FILHO, Vicente. op. cit. p. 33.

68 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 35.

Page 31: O papel da acusação na execução penal

31

quem, tendo, está na iminência de perder, ou que já não tendo pode recuperá-la ou perdê-la

ainda mais.

Nos lembra, Greco Filho69

que, na defesa do interesse público e na manutenção

do equilíbrio jurídico da sociedade, exerce função de grande relevância o Ministério Público.

Nascido na qualidade de encarregado da defesa judicial dos interesses do soberano, referido

numa Ordonnance francesa do início do século XIV, transformou-se modernamente numa

instituição destinada a defender judicialmente os interesses considerados indisponíveis pela

sociedade.

Paulatinamente, foi o Ministério Público libertando-se da representação do

soberano para representar a sociedade e seus valores dominantes. Daí afirmar-se que o

Ministério Público é um órgão do Estado, e não do Poder Executivo, e que exerce a função de

agente do equilíbrio social, como prevê o artigo 129, I da Constituição Federal de 1988.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover; privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

[...]

No processo penal, o Ministério Público, representado pelos Promotores de

Justiça, é o órgão do Estado que formula a acusação nos crimes de ação pública e acompanha

toda a ação penal, fiscalizando a reta aplicação da lei, e, inclusive, as garantias do acusado.

(grifamos)

Exerce ele, portanto, relevante função como órgão fiscal da legalidade e da

proteção dos valores da ordem jurídica e, consequentemente, dos direitos individuais.

1.2 Conceito do direito de ação

Após entendermos através das sábias palavras dos doutros doutrinadores sobre os

princípios e as funcionalidades da ação penal, iniciamos com os ensinamentos de

69 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit. p. 35.

Page 32: O papel da acusação na execução penal

32

Mougenot70

, que passa a nos esclarecer quanto ao direito de ação, que constitui o direito (ou

poder) que tem o acusador de, dirigindo um pedido ao Poder Judiciário, provocar sua

manifestação sobre esse pedido.

Para Mougenot71

, o direito de ação em si não é condicionado.Ensina o

doutrinador que qualquer pessoa do povo, bem como só órgãos do Ministério Público, podem

livremente ajuizar ações perante o Poder Judiciário. Explica o doutrinador que não é o

exercício do direito de ação que é condicionado, mas sim o direito de que o movimento

desencadeado pelo ajuizamento da ação se desenvolva, por meio do processo, em direção a

um julgamento de mérito.

Além dos princípios já citados por Tourinho Filho, Mougenot inclui em seus

apontamentos sobre os princípios o princípio da boa-fé processual, princípio esse, geral de

direito, que decorre do princípio do devido processo legal e da paridade de armas, implicando

a busca de um fair play72

, um processo justo. Embora esse princípio seja desprezado pela

doutrina conservadora, vem recebendo paulatino reconhecimento também na jurisprudência.

É forte e expressivo o entendimento de que o princípio da boa-fé não existiria no processo

penal, Mougenot explica que com a evolução doutrinária, há apontamentos de um caminho

diverso , tendo notório reconhecimento no direito comparado, mister em importantes cortes

de Justiça europeias, como nas decisões do Supremo Tribunal da Espanha a partir de 2001:

STS n. 36.736, de 23.10.2001, e STS n. 3562, de 21.3.2001, que, entre outras, acolheram-no,

impondo sua aceitação.73

Mougenot74

classifica a ação penal em quatro características:

a) Caráter público: do ponto de vista objetivo é exercido em face do

Poder Público (Estado);

b) Constitui direito objetivo: o direito de ação e o direito de agir;

c) É direito autônomo: sua existência e a possibilidade de que seja

exercido independem de qualquer relação jurídica material e;

70 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 38.

71 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 38.

72 Fair play, tradução para português: jogo limpo.

73 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 99.

74 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 99.

Page 33: O papel da acusação na execução penal

33

d) É direito abstrato: decorre da autonomia do direito de ação em

relação ao direito material. É, pois, direito abstrato porque independe

do provimento jurisdicional, seja ele favorável ou desfavorável, justo

ou injusto.

Explica Lopes Jr.75

que ao questionarmos: Processo Penal, para quê(m)?, nossa

opção de resposta é na Constituição e, dessa perspectiva, visualizamos o processo penal como

instrumento de efetivação das garantias constitucionais.

Cita, ainda, J. GOLDSCHMIDT76

, a seu tempo77

, quando questionou: Por que

supõe a imposição da pena a existência de um processo? Se o “ius puniendi” corresponde ao

Estado, que tem o poder soberano sobre seus súditos, que acusa e também julga por meio de

distintos órgãos, pergunta-se: porque necessita que prove seu direto em um processo?

Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente

constituir (logo, consciência de que ela constitui-a-ação), é que se pode compreender que o

fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá através da sua

instrumentalidade constitucional. Significa dizer que o processo penal contemporâneo

somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da

Constituição.

Aury Lopes Jr.78

, acredita que o constitucionalismo, exsurgente do Estado

Democrático de Direito, pelo seu perfil compromissário, dirigente e vinculativo, constitui-a-

ação do Estado!79

Com a precisão que conceitual que lhe caracteriza, JUAREZ TAVARES80

ensina

que nessa questão entre liberdade individual e poder de intervenção do Estado não se pode

75 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 9.

76 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 7.

77 Logo, considerando que todo saber é datado, interessa-nos mais a pergunta do que a resposta dada pelo

autor naquele momento.

78 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 9.

79 STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, p. 9.

80 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3ª edição. Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 162.

Page 34: O papel da acusação na execução penal

34

esquecer que a “garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer

legitimação, em face de sua evidência.” (grifo do autor)

Lopes Jr.81

, chama nossa atenção ao dizer que aprofundam-se a discussão e os

questionamentos sobre a legitimidade da própria liberdade individual, principalmente no

âmbito processual penal, subvertendo a lógica do sistema jurídico-constitucional.

Para Lopes Jr., TAVARES82

circunscrita muito bem sobre o assunto: “o que

necessita de legitimação é o poder de punir do Estado, e esta legitimação não pode resultar de

que ao Estado se lhe reserve o direito de intervenção.”

Ainda no quesito legitimidade, Lopes Jr. nos coloca que “questionar a legitimidade

do poder de intervenção, por conceber a liberdade como valor primevo do processo penal”, é

uma premissa básica ao estudo do processo penal.

Explica Lopes Jr. que nem mesmo o conceito de bem jurídico pode continuar

sendo tratado como se estivesse imune aos valores do Estado Democrático. Ainda, Lopes Jr.83

cita TAVARES, a fim de explicar esse posicionamento: “a questão da criminalização de

condutas não pode ser confundida como uma condição de Estado democrático, baseado no

respeito dos direitos fundamentais e na proteção da pessoa humana.” E continua utilizando as

palavras do autor, explicando que, em um Estado Democrático,

[…] o bem jurídico deve constituir um limite ao exercício da política

de segurança pública, reforçado pela atuação do judiciário, como

órgão fiscalizador e controlador e não como agência seletiva de

agentes merecedores de pena, em face da respectiva atuação do

Legislativo ou do Executivo.

81 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 9.

82 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 162.

83 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 9.

Page 35: O papel da acusação na execução penal

35

A fim de explicar a crise da teoria das fontes, Lopes Jr. usa a frase de EINSTEIN:

Que época triste essa nossa, em que é mais fácil quebrar um

preconceito do que um átomo. Uma lei ordinária acaba valendo mais

do que a própria Constituição, não sendo raro aqueles que negam a

Constituição como fonte, recusando sua eficácia imediata e

executividade. Para Lopes Jr., é essa recusa que deve ser combatida.

Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde

com impunidade.84

(grifo do autor)

Aury Lopes Jr. Fala em sua obra sobre o princípio da necessidade do processo

penal em relação à pena. Explica o doutrinador que a titularidade exclusiva por parte do

Estado do poder de punir (ou penar, se considerarmos a pena como essência do poder

punitivo)surge no momento em que é suprimida a vingança privada e são implantados os

critérios de justiça. O Estado, como ente jurídico e político, avoca para si o direito (e o dever)

de proteger a comunidade e também o próprio réu, como meio de cumprir sua função de

procurar o bem comum, que veria afetado pela transgressão da ordem jurídico-penal, por

causa de uma conduta delitiva85

.

Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito, pena e processo, de modo

que são complementares. Não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem

processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena.86

(grifo do autor)

Dessa forma, Aury Lopes Jr. estabelece o caráter instrumental do processo penal

com relação ao Direito Penal e à pena, pois o processo penal é o caminho necessário para a

pena.87

(grifo do autor)

84 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 9.

85 ALONSO, Pedro Aragones. Instituciones de Derecho Procesal Penal, p. 7.

86 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 24/25.

87 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 24/25.

Page 36: O papel da acusação na execução penal

36

GÓMEZ ORBANEJA88

denomina principio de la necessidaded del proceso

penal, amparado no art. 1º da LECrim,89

pois não existe delito sem pena, nem pena sem

delito e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena. O

princípio apontado pelo autor resulta da efetiva aplicação no campo penal do adágio latino

nulla poena et nulla culpa sine iudicio, expressando o monopólio da jurisdição penal por

parte do Estado e também a instrumentalidade do processo penal.

Para Lopes Jr.90

são três os monopólios estatais:

a) Exclusividade do Direito Penal;

b) Exclusividade pelos Tribunais;

c) Exclusividade Processual.

Aury Lopes Jr. se reporta ao artigo de CARNELUTTI, Cenerantola91

(La

Cenicienta, na tradução em espanhol) para explicar que a autonomia obtida pelo Direito Penal

é suficiente, até porque, delito e pena são como cara e coroa da mesma moeda. Como o são

Direito Penal e Processo Penal. Recordando aqui do princípio de necessidade.

Lembra CARNELUTTI, “é com a liberdade o que verdadeiramente se joga no

processo penal”. “Al juez penal se le pide, como al juez civil, algo que nos falta y de lo cual

no podemos precindir; y es mucho más grave el defecto de liberdad que el defecto de

propiedad”.92

Muito lembrado por Lopes Jr.: “No direito penal e processo penal é a própria vida

que está em jogo.” (grifamos)

88 ORBANEJA, Gómes. Comentarios a la ley de Enjuiciamiento Criminal, tomo I, p. 27.

89 Norma processual penal espanhola – Ley de Enjuiciamiento Criminal.

90 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 24/25.

91 Originariamente publicado na Rivista di Diritto Processuale, v. 1, parte 1, pp. 73-78. Em espanhol, foi

publicado com o título “La Cenicienta”, obra Cuestiones sobre el Proceso Penal, pp. 15-21.

92 CARNELUTTI, Francisco. op. cit. p. 36.

Page 37: O papel da acusação na execução penal

37

Ainda lembrando o artigo de CARNELUTTI, Cinderela é uma boa irmã, adverte

o mestre italiano, e não aspira uma superioridade em relação às outras, senão unicamente uma

afirmação de paridade. O processo civil, ao contrário do que sempre se fez, não serve para

compreender o que é o processo penal: serve para compreender o que não é.

Aury Lopes Jr., ao falar sobre a ação processual penal, cita, honrosamente as

palavras de ALCALÁ-ZAMORA93

, que nos explica:

possivelmente a verdadeira índole da ação houvesse sido dilucidada,

já há bastantes anos, se os processualistas tivessem se preocupado um

pouco menos com o direito romano, para ocupar-se um pouco mais da

realidade processual. Por quê? Simplesmente porque a ação não é

mais uma figura pertencente a arqueologia jurídica, para cujo

conhecimento deva-se remontar a sistemas pretéritos, nem tampouco

uma instituição que atualmente surja em raríssimas ocasiões, senão

que é um fenômeno diário, que se oferece em todos os países com um

mínimo de organização de justiça, não em milhares, mas sim em

milhões de processos dos mais variados gêneros e espécies. Então, ao

não faltar material vivo, por assim dizer, para a observação direta,

deveriam os processualistas prestar uma atenção muito maior do que

aquela dedicada. Isso é, se não houvessem se involucrado no estudo

histórico do que a ação foi, mais sim com o estudo do que a ação é,

ou em outros termos, se a primeira indagação houvesse sido

reservada a romanistas e historiadores do direito e sobre a segunda

tivessem consagrado suas energias os processualistas, provavelmente

o avanço teria sido mais profundo e firme em ambas as direções, não

só por razões de especialização (ainda que sendo excelentes

romanistas muitos dos processualistas que sobre a ação trabalharam),

senão pelas incertezas que em torno de cerros textos do direito

romano suscitam suas lacunas ou a crítica interpolacionista e,

sobretudo, porque como antes dissemos a propósitos das

interpretações privativas acerca da natureza do processo, a marcha

do processo romano clássico era distinta do tipo normal de processo

de nossos dias. A gravitação romanistas em relação à ação deve ser

advertida, ademais, em outros sentidos: por exemplo, na persistência

com que se segue falando de ação, em hipóteses onde o termo correto

a empregar seria o de pretensão, ou, ainda, na quase incomovível

fidelidade com que legisladores e práticos – e até alguns docentes -,

seguem estimando como classificação processual das ações aquela

que as divide em pessoais, reais e mistas ou em mobiliárias e

93 ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILHO, Niceto. Estudios de Teoria General e História del Processo –

1945/1972, v. 1, pp. 324-325.

Page 38: O papel da acusação na execução penal

38

imobiliárias.” (grifo e tradução de Aury Lopes Jr.)

A multiplicidade de acepções do vocábulo 'ação' também foi um fator relevante na

infindável discussão existente em torno do seu conceito. Chamando a atenção para tal

fenômeno, Lopes Jr. cita ALCALÁ-ZAMORA94

onde aponta que, a rigor, no processo penal

devemos falar em “ação processual penal”, para não confundir com a ação punível ou

delitiva, objeto do Direito Penal e não do processo penal.

Aury Lopes Jr., relaciona os conceitos95

de ação, pretensão e acusação (demanda):

AÇÃO: direito potestativo (ou poder, se preferirem) concedido pelo

Estado (ao particular ou a um determinado órgão do Estado –

Ministério Público) de acudir ao tribunais para formular a pretensão

acusatória. É um direito (potestativo) constitucionalmente assegurado

de invocar e postular a satisfação de pretensões. Vedada a autodefesa

(estatal ou privada), o direito de ação encontra abrigo na nossa atual

Constituição, onde o art. 5º, XXXV, assegura que “ a lei não excluirá

da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Mais

específico, o art. 129, I, da Constituição assegura a poder exclusivo

do Ministério Público de exercer a ação penal (melhor, a acusação

pública). É uma garantia constitucional que assegura o acesso ao

Poder Judiciário. ALCALÁ-ZAMO DEFINE COMO “el poder

jurídico de promover la actuación jurisdiconal a fin de que el

juzgador pronuncie acerca de la punibilidad de hechos que el titular

de aquélla reputa constitutivos de delito.. medio de provocar el

ejercicio del derecho de penal.

PRETENSÃO ACUSATÓRIA: é uma declaração petitória de que

existe o direito potestativo de acusar e que procede a aplicação do

poder punitivo estatal. Trata-se de um direito potestativo, por meio do

qual se narra um fato com aparência de delito (fumus commissi

delicti) e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma

pessoa determinada. É composta por elementos subjetivo, objetivo

(fato) e de atividade (declaração petitória).

94 Como explica NICETO ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILHO, na sua obra Estudios de Teoria General e

História del Processo – 1945/1972, v. 1, p. 325-326.

95 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 243/244.

Page 39: O papel da acusação na execução penal

39

ACUSAÇÃO (DECLARAÇÃO PETITÓRIA): é o ato típico e ordinário

de iniciação processual, que assume a forma de uma petição, através

da qual a parte faz uma declaração petitória, solicitando que se dê

vida a um processo e que comece sua tramitação96

. No processo penal

brasileiro, corresponde aos instrumentos “denúncia” (nos crimes de

ação penal de iniciativa pública) e “queixa” (delitos de iniciativa

privada). É, na verdade, o veículo que transportará a pretensão sem

deixar de ser um dos elementos.”

CUTURE97

conceitua ação como “o poder jurídico que tem todo sujeito de direito

de acudir aos órgãos jurisdicionais para reclamar-lhes a satisfação de uma pretensão.” É um

poder jurídico que compete ao indivíduo. É um atributo de sua personalidade. Esse é um

conceito rigorosamente privado, que não pode ser aplicado ao processo penal de forma

automática, mas que coloca em relevo a ação como poder jurídico, e como tal, perfeitamente

compatível com o conceito de GOLDSCHMIDT de pretensão acusatória – ius procedatur – .

(grifo do autor)

ALACLÁ-ZAMORA e LEVEN98

explicam que quando se aponta o caráter

público da ação penal se quer dizer que ela serve para a realização de um direito público, qual

seja, o de provocar a atuação do poder punitivo do Estado. Os autores, advirta-se, perfilam-se

entre aqueles que, como GOLDSCHMIDT, negam a pretensão punitiva e atribuem ao

acusador o poder de proceder contra alguém, poder diverso daquele de punir, que corresponde

ao Estado-juiz.

Para Leone99

, a ação penal investe o órgão da jurisdição, o qual, por efeito dessa

investidura, está obrigado a emitir uma decisão. Ao direito de ação corresponde a obrigação

da prestação da tutela jurisdicionai. Trata-se de um evidente caráter público da ação.

96 GUASP, Jaime. Derecho Procesal Civil, v. 1, p. 281.

97 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil, pp. 57 e ss.

98 LEONE, G. op. cit., p. 67.

99 ALONSO, Pedro Aragones. op. cit., p. 132.

Page 40: O papel da acusação na execução penal

40

Por tudo isso, explica Lopes Jr.100

que, a rigor, constitui uma improbidade falar

em ação penal pública e privada, eis que toda ação penal é pública, posto que é uma

declaração petitória, que provoca a atuação da função jurisdicional para instrumentalizar o

Direito Penal e permitir a atuação da função punitiva estatal. Seu conteúdo é sempre de

interesse geral. (grifo do autor)

No Brasil está consagrada a terminologia delitos de ação penal pública e delitos

de ação penal privada. A justificativa está na adoção do critério de legitimidade de agir: será

pública quando promovida pelo Ministério Público (através da denúncia) e privada quando

couber à vítima exercê-la através de queixa.

Capez101

aponta como características da ação penal ser: um direito autônomo,

abstrato, subjetivo e público. Mas a problemática é bem mais complexa.

Diz Aury Lopes Jr.102

, que quanto ao direito subjetivo a que alude o autor, o erro

está no fato de ele defender a existência de lide penal e de pretensão punitiva. Um duplo e

grave equívoco conceitual, que já foi desvelado quando tratamos do objeto do processo penal.

Quanto ao caráter público, é inegável, senão elementar. O problema é a autonomia e a

abstração. Aqui há muito o que refletir, e o autor citado passa completamente à margem dessa

complexidade.

A discussão entre as concepções de WINDSCHEID e de MUTHER103

,

estabelecida nos anos de 1856 e 1856, sobre a actio romana contribuiu definitivamente para a

separação do direito processual do direito material e, por consequencia, conferiu à ação um

caráter autônomo em relação ao direito material (e a pretensão de direito material [que não se

confunde com o conceito de pretensão processual acusatória desenvolvido anteriormente]).

100 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 345.

101 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 111.

102 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 347.

103 Que pode ser conhecida através da compilação feita na obra Polémica sobre la actio, de Bernard

WINDSCHEID e de Theodor MUTHER, cuja versão espanhola foi publicada em Buenos Aires, pela Editora

EJEA em 1974.

Page 41: O papel da acusação na execução penal

41

(grifo do autor)

Assim, em relação à autonomia da ação processual penal, atualmente nenhuma

dúvida paira.

Aury Lopes Jr.104

defendendo o caráter autônomo e abstrato da ação, cita

DEGENKOLB e depois PLÓSZ que foram os marcos teóricos dos quais se estruturam outros

estudos. Para os defensores dessa posição, a ação é autônoma e abstrata no sentido de que é

independente do direito material em discussão, de modo que a ação poderá ser exercida e o

processo nascer e se desenvolver, ainda que o autor não tenha razão. (grifo do autor)

Ou seja, mesmo que a sentença negue o postulado, a ação terá sido exercida, pois

a existência dela não está vinculada a uma sentença favorável de mérito. Explica Lopes Jr.105

que para essa corrente, a ação como direito abstrato tem sua existência prévia ao nascimento

do processo. É um direito que existe e pode ser exercido ainda que sem direito válido a

tutelar.

Explica COUTURE106

– com deliberado exagero, como ele mesmo esclarece –

que a ação é um direito dos que têm razão e ainda dos que não têm razão. Trata-se de um

direito inerente à própria personalidade das pessoas. Posteriormente, WACH, aperfeiçoando

a concepção do processo como relação jurídica de BÜLOW, defende a tese de que a ação é

um direito autônomo (até porque a relação jurídica de direito processual independe da

relação jurídica de direito material), mas concreto, pois somente haverá ação quando o autor

obtiver uma sentença favorável (daí porque, é o direito a uma sentença favorável, na acepção

do autor). Em oposição à abstração, a teoria do direito concreto sustenta – em suma – que a

ação somente compete aos que têm razão. Na síntese de COUTURE107

, a ação não é o

direito; mas não há ação sem direito.

104 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 347.

105 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 347.

106 COUTURE, Eduardo J. op. cit., p. 64.

107 COUTURE, Eduardo J. op. cit., p. 64.

Page 42: O papel da acusação na execução penal

42

Porém, nos informa Lopes Jr.108

que a concepção de ação como direito concreto

acabou não vingando, especialmente porque era incapaz de justificar toda a situação criada e

a jurisdição movimentada, quando a sentença fosse improcedente (absolutória), a ação não

teria existido e o processo tampouco (como deveria haver processo sem ação?). Então como

aplicar toda a atividade desenvolvida até então? Inclusive com manifestação e exercício da

juridição?

Expõe, Tourinho Filho109

, que o fundamento do direito de ação repousa, pois, na

proibição da autodefesa, e seu fundamento jurídico está no próprio capítulo dos direitos e

garantias individuais: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito” (art. 5º, XXXV, da CF/88). Havendo violação de qualquer direito individual, cabe ao

Poder Judiciário apreciá-la. E nem mesmo a lei pode impedir que o cidadão se dirija ao Poder

Judiciário apreciá-la. E nem mesmo a lei pode impedir que o cidadão se dirija ao Poder

Judiciário, explica Tourinho Filho.110

Se o Estado não pode autoexecutar o seu direito de punir, deverá, se pretender

fazê-lo, dirigir-se ao Juiz, invocando-lhe a aplicação da sanctio juris. E esse direito de pedir a

tutela jurisdicional, que também se assegura ao Estado-Administração para pedir a atuação do

Direito Penal objetivo, outra coisa não é senão o direito de ação.

Por isso, conforme explica Frederico Marques111

, da mesma forma que a

proibição da autodefesa criou o direito de ação para os particulares, a limitação da

autoexecutoriedade do direito de punir fez nascer para o Estado o direito de agir (cf. Curso de

direito penal, São Paulo: Saraiva, 1956, v. 3, p. 332). Pois bem: nessa autodelimitação do jus

puniendi, realçada nos incs. XXXV, LIII, LIV e LV do art. 5º da Lei Maior, reside e descansa

o fundamento constitucional da ação penal, como direito do Estado-Administração de pedir

108 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 348.

109 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 157.

110 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 159.

111 MARQUES, Frederico. op. cit., p. 5 e s.

Page 43: O papel da acusação na execução penal

43

ao Estado-Juiz a aplicação da lei penal objetiva.

Tourinho Filho explica112

que a ação é um direito contra o Estado. Se o Estado

aboliu a vingança privada como forma compositiva de litígios e autolimitou o seu poder de

punir avocando o monopólio da administração da justiça, obviamente surgiu para o cidadão o

direito de se dirigir a ele exigindo-lhe a garantia jurisdicional.

O direito de ação é o direito de exigir a prestação jurisdicional, de pedir ao

Estado, representado pelos seus Juízes, a aplicação do direito objetivo a um caso concreto.

Tourinho Filho113

, nos coloca que no plano constitucional é um direito subjetivo,

uma vez que o seu titular pode exigir do Estado, representado pelos seus Juízes, a prestação

jurisdicional; tendo assumido essa obrigação – a prestação consistente em aplicar a lei -, a

pessoa lesada nos seus direitos pode exigir que ele cumpra o prometido, cumpra a sua

prestação de dizer o direito, e “ quem pode exigir alguma coisa de outrem, se o quiser, tem,

sem mais nada, direito subjetivo”; é um direito público, porque serve para “la realización de

un derecho público”, qual o de provocar a atuação jurisdicional – Alcalá-Zamora, Derecho

procesal penal, Buenos Aires: Ed. Guilhermo Kraft, 1945, v.2, p. 67; abtrado, porque pré-

processual; indeterminado, porque não pressupõe concretamente nenhum estado de fato

contrário ao direito; genérico, visto que sem conteúdo. (grifamos)

No plano estritamente processual, o direito de ação é um direito subjetivo,

público, determinado, porque instrumentalmente conexo a um caso concreto.

Como bem diz Luigi Sansò114

, é aquele quid em relação ao qual se exercita a ação.

De fato, ninguém ingressa em juízo sem saber o que pretende.

112 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 159.

113 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 159.

114 SANSÒ, Luigi. La correlazione tra imputazione contestata e sentenza, Milano: Giuffrè, 1971, p. 37

Page 44: O papel da acusação na execução penal

44

Trata-se de um direito autônomo, porque distinto do direito ou interesse que ele

tende a tornar efetivo em juízo.

Seguindo a linha explicativa de Tourinho Filho115

, observemos que quando ocorre

um crime, o Estado tem interesse em impor a sanção penal, mas, para fazê-lo, precisa

ingressar em juízo com a ação, e por meio desta se pede a satisfação daquele interesse; logo, o

direito de ação é distinto daquele por meio do qual se tende a torná-lo efetivo em juízo. Nesse

caso, houve o exercício da ação penal e inexistiu o direito que ela objetivava tornar efetivo.

Portanto, o direito de ação é autônomo, isto é, para que o exerça não é necessariamente

imprescindível tenha sido violado um direito material.

1.3 Fundamento do Direito da Ação

Para Mogenout116

, a ação penal é em parte disciplinada pelo Código Penal.

Já Aury Lopes Jr.117

nos ensina que os princípios gozam de plena eficácia

normativa, pois são verdadeiras “normas”. Os princípios (especialmente os

constitucionais) são normas fundamentais ou gerais do sistema. São fruto de uma

generalização sucessiva e constituem a própria essência do sistema jurídico, com inegável

caráter de “norma”.

E ainda nos diz Lopes Jr.118

:

JURISDICIONALIDADE – Nulla poena, nulla culpa sine iudicio. A a

garantia da jurisdição significa muito mais do que apenas “ter um

juiz”, exige ter um juiz imparcial, natural e comprometido com a

máxima eficácia da própria Constituição.

115 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 160.

116 BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit., p. 144.

117 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 177.

118 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 177.

Page 45: O papel da acusação na execução penal

45

Ainda que o princípio da jurisdicionalidade tenha um importante matiz interno

(exclusividade dos tribunais para impor a pena e o processo como caminho necessário), ela

não fica reclusa a esses limites. FERRAJOLI119

vai se debruçar nos diversos princípios

garantistas que configuram um verdadeiro esquema epistemológico, de modo que a categoria

de garantia sai da tradicional concepção de confinamento para colocar-se no espaço central do

sistema penal.

O juiz assume uma nova posição120

no Estado Democrático de Direito, e a

legitimidade de sua atuação não é política, mas constitucional, consubstanciada na função de

proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um, ainda que para isso tenha que

adotar uma posição contrária à opinião da maioria. Deve tutelar o indivíduo e reparar as

injustiças cometidas e absolver quando não existirem provas plenas e legais (abandono

completo do mito da verdade real).

Diz Tourinho Filho: “Todavia “autodefesa” e “autocomposição” são excepcionais

formas de resolução do litígio”.

Para Tourinho Filho121

, o dever do Estado de administrar justiça aparece em

relação aos particulares como o dever dos órgãos da administração da justiça (instituídos pelo

Estado) de desenvolver uma atividade, na forma regulada em lei, visando ao cumprimento

daquele dever de garantir justiça (cf. Eberhard Schmidt, Los fundamentos teóricos y

constitucionales del derecho procesal penal, trad. J. M. Nuñez, Buenos Aires: Ed.

Bibliográfica Argentina, 1957, p. 19).

Cita Tourinho que por isso Goldscmidt falava de “direito à garantia da justiça”.

119 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 177/178.

120 SILVA FRANCO, Alberto. “O Juiz e o Modelo Garantista”. In: Doutrina do Instituto Brasileiro de

Ciências Criminais, disponível no site do Instituto (www.ibccrim.com.br) em março de 1998.

121 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 157.

Page 46: O papel da acusação na execução penal

46

Para Tourinho Filho, uma vez que o Estado proibiu aos particulares fazerem

justiça com as próprias mãos, surgiu para eles o direito de se dirigirem ao Estado para

reclamar a aplicação da sanção em relação àquele que, por acaso, lhes violou o direito. Se é o

Estado que distribui justiça e, para tanto, instituiu órgãos adequados, é claro que aqueles que

dela necessitam têm o direito subjetivo de levar-lhe ao conhecimento um litígio, invocando-

lhe a aplicação da norma agendi. Aí está, pois, o direito de ação. Direito subjetivo, público,

abstrato, genérico, indeterminado. O direito de pedir ao juiz a aplicação da lei penal ao

infrator.

Neste parágrafo122

, Lopes Jr. nos explica que:

No processo penal, igualmente afirma-se a autonomia da ação processual

penal, até porque, como explicarmos ao abordar o objeto, o direito potestativo de acusar não

se confunde com o poder de punir (direito material). Ou seja, o acusador não exerce

nenhuma pretensão (material) punitiva, senão uma pretensão processual acusatória.

(grifamos).

Assim, acertadamente, Lopes Jr. nos linca ao próximo capítulo deste trabalho de

conclusão de curso, que tratará da jurisdicionalização no processo de execução penal.

2 Jurisdicionalização do PEC

Neste capítulo, com o fim de explicar a jurisdicionalização do processo de

execução penal, iniciaremos com os ensinamentos de Tourinho Filho123

, a respeito da

jurisdição, o qual explica que “etimologicamente, a palavra 'jurisdição' vem de jurisdictio,

formada de jus, juris (direito) e de dictio (ação de dizer, pronúncia, expressão), traduzindo

assim, a ideia de ação de dizer o direito.

122 LOPES JUNIOR, Aury. op. cit., p. 348.

123 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal / Fernando da Costa Tourinho

Filho. - 13. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010. p. 273.

Page 47: O papel da acusação na execução penal

47

NUCCI124

, que em suas palavras para explicar a jurisdição, muito se assemelha as

palavras de Tourinho Filho, descreve jurisdição na doutrina de Rogério Lauria Tucci, onde

jurisdição “é uma função estatal inerente ao poder-dever de realização de justiça, mediante

atividade substitutiva de agentes do Poder Judiciário – juízes e tribunais -, concretizada na

aplicação do direito objetivo a uma relação jurídica, com a respectiva declaração, e o

consequente reconhecimento, satisfação ou assecuração do direito subjetivo material de um

dos titulares das situações (ativa e passiva) que a compõem”.

Tourinho Filho125

nos lembra que a jurisdição nasceu como uma necessidade, a

fim de impedir uma autodefesa, descomedida e imoderada, que levasse a sociedade ao caos, e

ainda, servindo como freio aos excessos do autoritarismo.

E questiona Tourinho Filho126

, se a função de julgar é exclusiva do judiciário e

nos coloca que mesmo sendo a função jurisdicional do Poder Judiciário, ela não está

totalmente concentrada nesse Poder, assim como NUCCI127

. As Constituições Federal e

Estadual permitem que outros órgãos que não o poder judiciário possam julgar. Nesse sentido

Tourinho Filho nos lembra do Senado, da Assembleia Legislativa ou órgão misto formado por

deputados e desembargadores.

Ainda, o doutrinador Tourinho Filho128

, nos coloca que os caracteres da jurisdição

pressupõe situação litigiosa concreta, é inerte, uma vez que só se movimenta se provocada, e,

além do mais, é uma função substitutiva, sendo que “o juiz se põe de permeio entre os

contentores para dizer qual dos dois tem razão”.

Tourinho Filho129

classifica os elementos referentes a jurisdição, que são eles:

Notio ou cognitio – é o poder de conhecer dos litígios.

Judicium – é a função conclusiva, a função característica, a mais

124 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal / Guilherme de Souza

Nucci. - 7. ed. rev., atual. E ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 249.

125 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 273.

126 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 274.

127 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 249.

128 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 274.

129 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 275-276.

Page 48: O papel da acusação na execução penal

48

eminente e essencial à jurisdição, consistindo no poder de compor a

lide, isto é, de aplicar o Direito em relação a uma pretensão.

Vocatio – consiste na faculdade de fazer comparecer em juízo todos

aqueles cuja presença seja necessária ao regular andamento do

processo.

Coertio ou coercitio – abrange todas as medidas coercitivas, desde o

poder de fazer comparecer em juízo testemunhas, vítimas, peritos e

intérpretes, até o de privar preventivamente o imputado da sua

liberdade.

Executi – o poder de tornar obrigatória sua decisão. O 'direito de, em

nome do poder soberano, tornar obrigatória ou cumprida a decisão

ou sentença. (grifamos)

Devemos, nessa sequencia, nos utilizarmos das palavras de Tourinho Filho130

,

para exemplificarmos sobre os princípios da jurisdição, dentre os quais se destacam:

“Ne procedat judex ex officio” – Não pode haver jurisdição sem ação.

O órgão investido da função jurisdicional não pode, sem provocação

da parte interessada, dar início ao processo.

Investidura – Para que uma pessoa possa exercer a função

jurisdicional é preciso seja investida em tais funções, de acordo com o

que prescreve a lei.

Indeclinabilidade da jurisdição – Não pode o juiz, de modo geral,

subtrair-se ao exercício do seu ministério jurisdicional. A função

proeminente do juiz é julgar, dizer o direito, isto é, aplicar o direito

objetivo aos casos concretos, sempre que provocado. Segundo o inciso

XXXV do artigo 5º da Constituição da República, “a lei não excluirá

da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

Trata-se de direito à ação. Não pode, pois, o Juiz recusar-se a proferir

a decisão. Proíbe-se o non liquet (abstenho-me). A função

jurisdicional é indeclinável, salvo, evidentemente, aquelas hipóteses

em que o Magistrado é incompetente, está impedido (art. 252 do

CPP) ou se houver alguma circunstância que possa gerar-lhe a

suspeição (art. 254).

Indelegabilidade da jurisdição – Em decorrência do princípio da

130 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 276-281.

Page 49: O papel da acusação na execução penal

49

indeclinabilidade, isto é, exercendo o poder-dever de julgar, que lhe

foi atribuído pela Nação representada, é induvidoso deva o Juiz

exercer sua função pessoalmente, salvo se judex suspectus, ou judex

inhabilis. Do contrário haveria ofensa à regra de que delegatus judex

non potest subdelegare. Nas hipóteses previstas nos artigos 222, 353,

174, IV, 177 e 230, todos do CPP, não há delegação de poder. O juiz a

quem se pediu a prática do ato processual, ao cumprir a diligência

que se referem as disposições supra, apenas está exercendo sua

própria competência, de acordo com a lei.

O princípio da indelegabilidade, entretanto, não é absoluto. Uma vez

que o STF e o STJ exercem o seu poder jurisdicional em todo o

território nacional, podem eles requisitar dos órgãos inferiores, de

qualquer parte do País, a prática de ato processual.

Já o mesmo não pode acontecer com o juiz de uma comarca a quem

se pediu a ouvida de testemunha residente em outra. É que nesta

outra comarca outro é o juiz que exerce o poder jurisdicional. O

poder de jurisdição daquele se circunscreve exclusivamente ao espaço

territorial estabelecido em lei.

Improrrogabilidade da jurisdição, ou “princípio da aderência” - O

juiz somente pode exercer a função jurisdicional dentro nos limites

que lhe são traçados por lei.

Juiz natural – O princípio do juiz natural, ou juiz competente, como o

chamam os espanhóis, ou juiz legal, como o denominam os alemães,

constitui a expressão mais alta dos princípios fundamentais da

administração da justiça. Juiz natural é aquele cuja competência

resulta, no momento do fato, das normas legais abstratas. É preciso,

que ele atue dentro do círculo de atribuições que lhe fixou a lei,

segundo as prescrições constitucionais. E, como diz Figueiredo Dias,

“só a lei pode instituir o juiz e fixar-lhe a competência; a fixação do

juiz e da sua competência tem de ser feita por uma lei vigente ao

tempo em que foi praticado o fato criminoso que será objeto do

processo e, por último, o princípio é vinculado a uma ordem taxativa

Page 50: O papel da acusação na execução penal

50

de competência que exclua qualquer alternativa a decidir arbitrária

ou mesmo discricionariamente” (Direito processual penal, Coimbra:

Coimbra Ed., 1974, v. 1, p. 322).

Unidade da jurisdição – Como função soberana, consubstanciada no

Poder Judiciário, a jurisdição é única em si e nos seus fins. A divisão

que se estabelece entre a “jurisdição penal” e a “jurisdição civil”

assenta, única e exclusivamente, na natureza do conflito intersubjetivo

e, assim mesmo, pelas vantagens que a divisão do trabalho

proporciona. É, pois, a natureza da lide por dirimir, e não a

diversidade funcional, que se leva em conta para distinguir essa

variedade de Justiças. A atividade jurisdicional é provocada pela

parte, a parte contrária é ouvida, haverá ampla defesa, instrução,

contraditório, sentença, recursos. Não existirá, como não existe, uma

diferença ontológica entre elas. Em todas elas procura-se a solução

da lide. Há, pois, uma identidade de fim, uma forma idêntica de se

iniciar o processo, sem olvidar do seu aspecto sempre dialético. Os

caminhos a percorrer, às vezes, podem ser um pouco distintos, mas em

todas as justiças os órgãos incumbidos de dizer o direito integram o

Poder Judiciário, isto é, todos eles exercem a função de dizer o

direito. Essa variedade de jurisdições ou justiças não desnatura a

unidade da jurisdição como função soberana, função básica do

Estado. Enfim: ela não perde a sua unidade.

“Nulla poena sine judicio” - É exclusivo da jurisdição penal, na

impossibilidade absoluta de se aplicar qualquer sanção penal sem a

intervenção do juiz, vale dizer, sem processo. De sorte que o Estado,

para poder infligir sanção por um fato que constitua infração penal,

precisa, inexoravelmente, valer-se da via jurisdicional. Nesse

particular não há exceção. Nem se invoque a Lei n.º 9.099/95.

Embora seja possível, sem a instauração de um processo nos moldes

tradicionais, em se tratando de infrações de menor potencial ofensivo,

a inflição de multa ou pena alternativa, esta ou aquela somente se

concretizarão com a homologação feita pelo juiz.” (grifamos)

Page 51: O papel da acusação na execução penal

51

Com Norberto Avena complementamos os ensinamentos de Tourinho Filho sobre

jurisdição. Assim, nos explica Norberto Avena131

, que “por jurisdição compreende-se o poder

atribuído com exclusividade ao judiciário (em razão da sua independência e da

imparcialidade de seus membros) para decidir um determinado litígio segundo as regras

legais existentes.”

Para Avena132

, Jurisdição e competência não se confundem, o Estado instituiu a

jurisdição com a finalidade de assegurar que as normas de direito substancial inseridas ao

ordenamento jurídico, ou seja, direito objetivo, aplicação correta e solução da lide.

Norberto Avena133

alista nove princípios para regerem a juridição, são eles:

Juiz Natural: Devidamente regido pelo art. 5, LIII, XXXVII e XXXVIII

da CF/88. Ainda lembra os arts. 108, I e art. 102, I, b.

Investidura: somente quele que estiver legalmente investido como juiz

de direito e estiver no exercício de suas funções pode cumprir a

jurisdição. O juiz de direito é assim intitulado quando da aprovação

em concurso público ou por nomeação através do 5º constitucional,

previsto no art. 94, da Carta Republicana.

Inércia: o magistrado depende da iniciativa das partes, não podendo

iniciar, ex officio, uma ação judicial. Com exceção do CPC, onde no

art. 989, o juiz pode iniciar o processo de inventário quando nenhum

dos legitimados o requererem no prazo legal.

Indeclinabilidade: o art. 5, XXXV da CF/88 estabelece que nenhum

juiz pode subtrair-se do exercício da jurisdição.

Improrrogabilidade: um juiz não pode invadir a competência do

outro, salvo em situação excepcionais expressamente previstas.

Indelegabilidade: impede que um juiz delegue sua jurisdição a outro

órgão distinto.

Irrecusabilidade (ou inevitabilidade): as partes não podem recusar a

atuação de um juiz, salvo se houver caso de impedimento ou

suspeição.

Unidade: exercida com a finalidade de aplicação do direito objetivo

ao caso concreto, ou seja, a juridição é uma só.

Correlação (ou relatividade): o art. 384 do CPP, com nova redação

dada pela Lei n.º 11.719/08, fortaleceu o princípio da correlação, pois

131 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado / Norberto Avena. - 3ª ed. - Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011. p. 657.

132 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. op. cit., p. 658.

133 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. op. cit., p. 659-650.

Page 52: O papel da acusação na execução penal

52

agora há a necessidade de aditamento da inicial pelo Ministério

Público como pressuposto necessário para qualquer hipótese da

mutatio libelli. (grifo nosso)

Ainda, Norberto Avena134

, nos relaciona três características quanto à jurisdição,

que são:

Órgão adequado: “a juridição deve ser exercida pelo juiz (juiz de

direito, desembargador ou ministro), vale dizer, autoridade integrante

do Poder Judiciário, distinta dos órgãos que exercem as funções

estatais de legislar e administrar; de modo absolutamente imparcial

em face dos interesses das partes.”

Contraditório: “seu exercício deve implicar permissão às partes em

propugnar seus interesses em igualdade de condições. Trata-se, aqui,

de facultar a cada um dos litigantes contrapor-se aos argumentos da

parte ex adversa, observado o direito a paridade de armas.”

Procedimento: “necessária a estrita observância ao modelo legal

previsto em lei, o que corresponde à sequencia de atos previamente

determinada para a prática dos atos que conduzirão o processo à fase

de sentença.” (pag. 660)

Por fim, as explicações feitas por Norberto Avena135

, quanto a classificação da

jurisdição, nestes termos:

Notio ou cognitio: “trata-se da atividade de conhecimento,

abrangendo o poder atribuído aos órgãos jurisdicionais de conhecer

dos litígios; de investigar a presença dos pressupostos de existência e

de validade da relação processual, das condições de procedibilidade,

das condições da ação; de adotar as providências cabíveis à

tramitação regular do processo; e de instruir o feito, colhendo a

prova necessária à formação de seu convencimento.”

Vocatio: “trata-se da atividade de chamamento, correspondendo à

faculdade inerente aos juízes de fazer comparecer a juízo toda pessoa

cuja presença seja necessária ao desenvolvimento regular do

processo. Neste aspecto, abrange-se também a coertio, consistente na

possibilidade de o magistrado aplicar medidas de coação processual

para garantir a efetividade da vocatio, determinando, por exemplo, a

condução coercitiva da testemunha que, regularmente notificada,

tenha se mantido inerte.”

Judicium: “trata-se de atividade de julgamento, compreendendo-se,

aqui, a fase conclusiva da jurisdição, na qual o juiz deverá

134 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. op. cit., p. 660. 135 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. op. cit., p. 660-661.

Page 53: O papel da acusação na execução penal

53

pronunciar sentença, compondo a lide e aplicando o direito objetivo.”

Executivo: “trata-se da atividade de execução, abarcando a prática

dos atos necessários ao cumprimento da decisão judicial”. (grifamos)

René Ariel Dotti136

faz, o liame entre os estudos básicos e necessários, sobre a

jurisdição e a jurisdicionalização:

A Lei de Execução Penal, reagindo contra o vórtice de insegurança e

descrença, instituiu a judicialização do procedimento executório. Este

foi o ponto de partida para definir o caráter complexo da execução

que ao longo de séculos foi considerada como de natureza meramente

administrativa.

Pode-se afirmar com segurança que os graves inconvenientes da

execução das penas de prisão resultam, e larga medida, da opinião

antiga e generalizada de que a matéria de execução penal é de

natureza administrativa.

A doutrina de Saleilles e a teoria de Montesquieu sobre a divisão dos

poderes serviram ao longo da história do chamado direito

penitenciário para fundamentar o critério linearmente exposto por

Garraud: “A lei determina a pena. O juiz pronuncia-a. A

administração fá-la executar”.

Iniciado com Dotti, adentremos a partir de agora em um assunto que já fora

assiduamente debatido e estudado pelos doutrinadores e que, infelizmente, perdeu espaço nas

atuais inquietações da doutrinárias citadas anteriormente. Antonio Scarance Fernandes137

afirma que tal paralisação sobre o assunto se deu sem dúvida, pela mudança de postura:

não constitui mais cogitação primordial dos processualistas a fixação

de conceitos, a sistematização científica do direito processual e de seu

aprimoramento como ramo do saber jurídico, domina agora entre os

estudiosos a preocupação em descobrir instrumentos e mecanismos

para tornar efetiva a contribuição advinda de suas construções

teóricas para a melhor atuação concreta do direito.

Antonio Scarence138

, nas palavras de Dinamarco, explica que o empenho para

136 DOTTI, René Ariel. A crise da execução penal e o papel do Ministério Público. Revista Justitia. - ed.

abr./jun., 1985. p. 47.

137 FERNANDES, Antônio Scarance. Reflexos relevantes de um processo de execução penal

jurisdicionalizado. Retirado do site

http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/22825/reflexos_relevantes_processo_execucao.pdf?sequence

=1. Em 28/05/2011. p. 32-33.

138 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit. p. 33.

Page 54: O papel da acusação na execução penal

54

diferenciar a atividade jurisdicional da administrativa era reflexo da interpretação declarada

verdadeira da teoria clássica da tripartição dos poderes do Estado, porém, temos nesse

momento que o poder é um só. “Uma inerência do Estado”, colocando a jurisdição como

“uma das expressões” desse poder.

Antonio Scarance139

entende ser de grande relevância a discussão acerca do tema,

em razão de querer clarear o que representa a execução penal e jurisdicional, aceitando um

processo de execução cercado de garantias constitucionais, “marcado pela presença de três

sujeitos principais dotados de poderes, deveres, direitos, obrigações e, por conseguinte,

implica aceitar que o condenado é titular de direitos”.

Antonio Scarance140

defende que os estudos dos resultados decorrentes pelo fato

de ser a execução penal atividade jurisdicionalizada, entre os resultados, “a garantia de um

devido processo legal, no qual se assegura o contraditório entre as partes e a imparcialidade

do órgão judiciário”, é mais importante que afirmar a jurisdicionalidade da execução penal.

Numa autocontradição, Antônio Scarance141

, para contraditar depois, cita as

palavras de Marrone142

em artigo sobre o tema:

- o Juiz, exceto nos incidentes, durante toda execução, exerce apenas

atividade de vigilância, de controle sobre os atos da autoridade

administrativa, ou toma medidas tendes a permitir a ressocialização

do condenado, atuando enfim o comando emergente, mas não decide,

não resolve questões;

- a execução penal é de exclusiva competência do Ministério Público,

que, nessa função, age como órgão do Poder Executivo;

- o sentenciado é submetido à execução forçada, sendo obrigado a

cumprir a pena independentemente de sua vontade, não lhe sendo em

decorrência outorgados direitos subjetivos na execução, e, mesmo que

se admitissem alguns direitos, quando devessem ser reconhecidos, ou

quando houvesse de ser resolvida controvérsia a respeito deles, isso

aconteceria em um incidente, onde se admite atividade

139 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit. p. 33.

140 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit. p. 33.

141 FERNANDES, Antônio Scarance. Reflexos relevantes de um processo de execução penal

jurisdicionalizado. Retirado do site

http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/22825/reflexos_relevantes_processo_execucao.pdf?sequence

=1. Em 28/05/2011. p. 34.

142 MARRONE, José Marcos. Há jurisdição na execução penal. p. 82-86.

Page 55: O papel da acusação na execução penal

55

jurisprudencial.

- a execução penal difere da civil, porque nesta a vontade do obrigado

tem importância, enquanto naquela tudo sucede sem concurso da

vontade do condenado ou do interessado.

Scarance143

não se convenceu com tais argumentos. Para Scarance, “o fato de ser

a execução penal forçada não é razão para considerá-la não jurisdicional”. E nessa seara bem

explica com as palavras de Dinamarco144

que “era natural que a jurisdição não poderia

abranger as atividades executivas, para juristas ligados a sistemas que considerassem a função

jurisdicional como dirigida à justa composição da lide, à aplicação de sanções, à emissão de

juízos, à produção de comandos concretos, ao acertamento de relações jurídicas, à resolução

de controvérsias, à descoberta da verdade (escopos esses que, pelos próprios enunciados,

seriam atingidos com o simples processo de conhecimento)”.

Outro outra posição nos relata Scarance145

, é de que a atividade jurisdicional é

admitida não apenas como aquela que consiste em declarar e atuar a vontade da lei no caso

concreto, mas que leve o juiz a perfilhar, de ofício ou pedido da parte vitoriosa, providências

para que as funções da sentença se tornem realidade, efetiva.

Scarance146

completa dizendo que seria inexpressiva a função jurisdicional do

Estado, se após ser julgada procedente a ação, não pudesse ser objeto de execução, quando

não cumprida espontaneamente. Assim, “o fato de ser o condenado submetido ao

cumprimento da pena contra a sua vontade não é motivo para se afastar da execução penal o

seu caráter jurisdicional, pois também aqui aparece como atividade tendente a satisfazer o

comando emergente do processo condenatório”.

Chama a atenção a explicação de Scarance147

quando diz que o fato de o juiz da

execução penal exercer jurisdição sobre os órgãos administrativos e particulares encarregados

de controlar o cumprimento de penas aplicadas, “não significa que não exerça atividade

jurisdicional”.

143 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34.

144 DINAMARCO, Execução civil. op. cit., p. 58.

145 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34.

146 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34.

147 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34.

Page 56: O papel da acusação na execução penal

56

Entende Sacarance148

que decidindo, resolvendo questões, o juiz já está operando

para que se concretize o comando condenatório nos limites da lei e da sentença.

Sacarance149

defende tais argumentações dizendo que então “estará enfim

procedendo em total consonância com o disposto no artigo 1º da Lei de Execuções Penais:

A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença

ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica

integração social do condenado e do internado.

Defende Scarance150

que “mesmo que não se visualizasse na atividade

fiscalizatória do juiz caráter jurisdicional, seria ela atuação excepcional, pois a regra é o juiz

da execução proferir decisões tendentes a garantir os direitos do preso e a evitar desvios no

cumprimento da pena”.

Relembremos aqui, antes de expor doutrina contrária ao que nos expõe Scarance,

dos ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover - cujas palavras também são utilizadas por

Sacarance –, citadas no comentário de Renato Marcão151

ao artigo 1º da LEP, para explicar a

complexidade da ação penal:

Na verdade, não se nega que a execução penal é atividade complexa,

que se desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicional e

administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam

dois Poderes estatais: o Judiciário e o Executivo, por intermédio,

respectivamente, dos órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos

penais.

Renato Marcão152

cita Paulo Lúcio Nogueira153

, que em poucas afirma e explica a

natureza da execução penal:

148 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34.

149 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34.

150 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 34-35.

151 MARCÃO, Renato. Lei de execução penal, anotada e interpretada. Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro.

2009. p. 20.

152 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 20.

153 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal. São Paulo. Saraiva. 1996. p. 5-6.

Page 57: O papel da acusação na execução penal

57

[…] a execução penal é de natureza mista, complexa e eclética, no

sentido de que certas normas da execução pertencem ao direito

processual, como a solução de incidentes, enquanto outras que

regulam a execução propriamente dita pertencem ao direito

administrativo [...]

Salo de Carvalho154

, esclarece que "o entendimento puramente administrativista

acabava por se chocar com a imperiosa necessidade de intervenção judicial nos chamados

incidentes da execução (basicamente no livramento condicional)", o que teria gerado

"dogmaticamente uma concepção híbrida, qual seja, de que a natureza da execução penal

seria tanto administrativa como jurisdicional”.

Segundo a posição, hoje solitária, Adhemar Raymundo da Silva155

, "cessada a

atividade do Estado-jurisdição com a sentença final, começa a do Estado-administração com a

execução penal".

Anabela Miranda Rodrigues156

explica que, em Portugal, o fato de os passos já

ensaiados no sentido da jurisdicionalização serem tímidos é reflexo da tensão que

inevitavelmente se suscita quando se trata, como é o caso, de estabelecer uma linha divisória

entre competências do juiz de execução das penas e da administração penitenciária. Se cabe a

esta a organização e a inspeção das instituições penitenciárias, o objectivo de assegurar a

defesa dos direitos dos reclusos cometido ao juiz poderá, em muitos casos, contender com

aquelas tarefas.

Outra visão acerca da feição jurisdicional da execução penal é exposta por Maria

Juliana Moraes de Araújo157

, para quem, a execução penal é a "longa manus da atividade

jurisdicional, ou seja, ela acontece nos moldes da sentença que pôs fim ao litígio criminal".

154 CARVALHO, Salo. Pena e Garantias, 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p.166.

155 SILVA, Adhemar Raimundo da. apud CARVALHO. Op. Cit. p. 166.

156 RODRIGUES, Anabela Miranda. Novo Olhar sobre a Questão Penitenciária: estatuto jurídico do

recluso e socialização, jurisdicionalização, consensualismo e prisão. "Fac-Símile da edição portuguesa, de

Coimbra Editora, de junho de 2000". São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 137.

157 ARAÚJO, Maria Juliana Moraes de. A execução penal como extensão da atividade jurisdicional. In:

ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de (coord.). Privatização das Prisões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995,

p. 48

Page 58: O papel da acusação na execução penal

58

Perceber a vinculação dos atos de execução aos comandos da sentença é fundamental, na

concepção de Araújo, para a sua adequada caracterização. Tal ponto deslegitima, inclusive, o

antigo entendimento de que os tribunais outorgavam aos estabelecimentos prisionais a

execução de "penas em branco", em que se fundamentava largamente a concepção de que a

execução penal seria atividade administrativa.

Lembramos com Scarance158

, que o condenado tem direitos, que pode manifestar

sua vontade e não deve estar submetido passivamente à execução da pena. O acusado é

forçado ao cumprimento da execução, mas isso não significa que precise se sujeitar aos

abusos e ordens descabidas dos órgãos encarregados pela execução da pena.

Anabela Miranda Rodrigues que Scarance159

afirma seu posicionamento negativo

quanto a ficar o sentenciado aos cuidados da administração, lembrando que o mesmo ocorreu

em outros países como na Alemanha com Wurterbnerger e H. Muller-Dietz, por Bettiol

quanto à Itália e, pelo escrito “Méthodes Modernes de Traitement Pènitentiaire”, na França.

Sacarance160

quando trata da humanização da execução penal, citando as

explanações de Anabela, afirma:

“Se bem que o reconhecimento de tal garantia na generalidade dos

países seja recente, marca esta tendência um momento de viragem na

compreensão da posição jurídica do recluso, ao mesmo que lhe

restitui a sua autêntica dimensão de ser humano: o indivíduo recluso

torna-se verdadeiro sujeito de direito que lhe demarcam a fronteira da

humanidade”, sendo que a “humanização de que hoje se fala em

direito penitenciário tem a ver, não com o adoçar de costumes e,

consequentemente, das condições de detenção, outrossim com a

afirmação do recluso como sujeito de direitos ou, se preferirmos,

como sujeito de execução”.

Para Scarence161

estão declinando “os sistemas que não preveem um juiz ou

tribunal de execução penal, e por isso, o argumento de que a execução cabe exclusivamente

158 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 35.

159 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 35.

160 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 35.

161 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 35.

Page 59: O papel da acusação na execução penal

59

ao Ministério Público, se podia antes ter algum significado, agora perdeu inteiramente sua

razão de ser”.

NUCCI162

, nos explica que “incidentes processuais são as questões e os

procedimentos secundários, que incidem sobre o procedimento principal, merecendo solução

antes da decisão da causa ser proferida”.

Assim, Scacance163

distingue entre três figuras jurídicas: “incidente processual, a

questão incidental e o procedimento incidental”. Explica que a ideia central é a de questão

incidental, “tendo havido grande confusão a respeito deles” e a “base para a fixação dos

outros dois conceitos”.

Scarance164

trata por incidente as mudanças que o processo passa em seu trajeto,

fatos novos, diversos de sua tramitação. Explica que a “alteração no processo constituirá ou o

'incidente' ou o 'procedimento incidental'”. “A questão incidental pode levar, portanto, ao

surgimento de 'um momento novo' no processo para sua solução, sem necessidade de

instauração de um procedimento colateral. Por outro lado, pode ocorrer que, para a solução da

questão incidental, haja necessidade de procedimento outro, constituído de nova série de atos

ou fases, e que se forma ao lado do procedimento principal”.

Com o esclarecimento de Sacarance, a respeito dos conceitos de incidente,

questão incidental e procedimento incidental, podemos verificar se está correto afirmar que só

existe jurisdição nos incidentes, ou seja, nos procedimentos incidentais. Mas Sacarance nos

afirma que não é verdadeira essa conclusão com seu exemplo:

Tome-se apenas um exemplo referente à execução da pena de multa,

prevista nos artigos 164 a 170 da Lei de Execução Penal. Quando o

juiz, após o condenado ter sido citado para, no prazo de dez dias,

pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora (art. 164), tem

diante de si requerimento do condenado, feito com base no artigo 169,

para pagamento em prestações mensais e sucessivas, ele proferirá a

162 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal / Guilherme de Souza

Nucci. - 7. ed. rev., atual. E ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 249.

163 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 36.

164 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 36.

Page 60: O papel da acusação na execução penal

60

decisão no procedimento princial, sem necessidade de instauração de

procedimento incidental. Cuida-se de decisão prevista pela lei dentro

do regular desenvolvimento da relação jurídica processual. Quando

muito poderá ocorrer mero desvio do procedimento principal para a

realização das diligências previstas no §1º do artigo 169. Assim, a

decisão sobre o pagamento parcelado da multa não é proferida em

procedimento incidental, ou, como diz a doutrina correntemente, em

incidente de execução penal.

Scarance165

discute muito sobre a caracterização da atividade jurisdicional, que,

para entendermos seus apontamentos precisamos lembrar dos ensinamentos do Doutrinador

Ovídio Aarújo Baptista da Silva166

, nos explicando que a ideia de direito, no Estado moderno,

suscita, desde logo, a ideia de jurisdição. Bem lembra Ovídio Baptista que “o pensamento

jurista contemporâneo tende, irresistivelmente, a equiparar o direito à norma jurídica editada

pelo Estado, cuja inobservância dá lugar a uma sanção”.

Ovídio Baptista167

explica as palavras De Martino em relação ao direito

romano primitivo, que não pode ser equiparada à função nitidamente jurisdicional. Nas

palavras de Ovídio:

A verdadeira e autêntica jurisdição apenas surgiu a partir do

momento em que o Estado assumiu uma posição de maior

independência, desvinculando-se dos valores estritamente religiosos e

passando a exercer um poder mais acentuado de controle social.

Para Ovídio Baptista é o caráter substitutivo da jurisdição que a identifica e a

diferencia da atividade administrativa. Ainda segundo Ovídio, o Estado substitui por uma

atividade sua a atividade das partes.

Chiovenda168

defende que a inexistência de jurisdição na execução penal é de

caráter substitutivo da jurisdição que a identifica e a diferencia da atividade administrativa.

165 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 36.

166 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, 1929-2009. Teoria geral do processo civil / Ovídio Araújo Baptista

da Silva, Fábio Luiz Gomes; Jaqueline Mielke Silva, Luiz Fernando Baptista, atualizadores de Ovídio A.

Baptista da Silva. - 6. ed. Rev. E atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 57.

167 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, 1929-2009. Teoria geral do processo civil / Ovídio Araújo Baptista

da Silva, Fábio Luiz Gomes; Jaqueline Mielke Silva, Luiz Fernando Baptista, atualizadores de Ovídio A.

Baptista da Silva. - 6. ed. Rev. E atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 57.

168 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de J. Guimarães

Menegale. São Paulo, Saraiva, 1965. p. 11.

Page 61: O papel da acusação na execução penal

61

Ensina Chiovenda: “E quanto à atuação definitiva da vontade verificada, se se trata de uma

vontade só exequível pelos órgãos públicos, tal execução em si não é jurisdição: assim, não é

jurisdição a execução da sentença penal”.

Segundo Chiovenda169

, na execução penal não haveria que se falar em jurisdição.

A identificação de jurisdição pela substitutividade e a forma como é apresentada constituíram

objeto de profundas críticas.

Dinamarco170

ressalta que “a sobrevivência da crença na jurisdição como

atividade secundária representa resíduo de posições privativistas dentro do direito processual,

pois isso só tem sentido quando se cuida de relações jurídicas regidas pela disponibilidade”.

Ovídio Baptista171

, em concordância com os doutrinadores Zanzucchi e Calmon

de Passos, entende que a teoria de Chiovenda se revelaria no fato de manter-se o juiz como

terceiro imparcial em relação ao objeto do processo. Deve o juiz agir com imparcialidade,

buscando que nos limites da condenação se faça a execução, concretizando os objetivos da

lei. Scarance172

nos mostra aqui, a substitutividade, uma vez que ao proferir decisões, o juiz

estará impondo a vontade da lei, resolvendo o interesse das partes.

E que Scarance173

, assim como Ovídio Baptista, admite: “a verdade é que a

doutrina não conseguiu se pacificar e identificar um elemento que, por si só, pudesse

satisfatoriamente distinguir sempre a atividade jurisdicional da administrativa”.

Nessa mesma linha, podemos nos reportar às palavras de Gaiato174

, que examinou

a execução das penas privativas e das medidas de segurança em face das normas de 96 e 98

da Lei Delegada de 1987, que auxiliaram a confecção do CPP Italiano de 1988. Gaiato

enunciou características que são essenciais para afirmar que a jurisdicionalidade é um

modelo legal, desde que seja “caracterizada pela autonomia do juiz, pela amplitude do

169 CHIOVENDA, Giuseppe. op. cit., p. 11.

170 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987. p.58.

171 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. op. cit., p. 68.

172 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 38.

173 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 38.

174 GAIATO, Alfredo. Esecuzione e giurisdizione. In: Um “Codice Tipo di Procedura Penale per

L'America Latina”. Congresso Internacional. Roma, 1991. v. 3. p. 457-494.

Page 62: O papel da acusação na execução penal

62

contraditório e pelo papel de parte do Ministério Público”, além, é claro, da presença do “juiz

verdadeiramente imparcial”.

Scarance175

define dizendo que:

[…] a atividade ai desenvolvida pelo juiz, marcada pela

imparcialidade, visa tornar realidade a vontade da lei consignada na

sentença condenatória, cumprindo-se assim comando que dela

emergiu. É substitutiva, na medida em que sobrepõe a vontade da

norma às vontades das partes ou interessados. Funcionalmente, o juiz

age, dentro dos limites da sentença condenatória, para serem

atingidos os escopos próprios da execução penal, principalmente o

escopo de que o cumprimento da pena seja feito num itinerário

crescente de individualização em consonância com os progressos de

ressocialização apresentados pelo preso.

Em se tratando de sentença condenatória, buscamos explicações nas palavras da

professora Ada Pellegrini Grinover176

, a principal representante brasileira da corrente mista,

ou híbrida quando escreve que:

[…] a sentença condenatória guarda natureza de sentença

determinativa: sentença essa que, contendo implícita a cláusula rebus

sic stantibus, autoriza o juiz a agir por equidade, operando a

modificação objetiva do julgado sempre que haja mutação nas

circunstâncias fáticas.

Assim, poderá dizer-se que a sentença condenatória, mesmo com restrições, pode

ser alterada durante a execução penal. Resultando em limites à atuação jurisdicional do juiz

da execução penal. Scarance177

nos explica que “o juiz pode, como regra, proferir decisões

que representem exigências decorrentes do cumprimento da pena, e, excepcionalmente,

resoluções que alterem a própria pena imposta. No mais, estará limitado pela coisa julgada”.

Por último devemos lembrar a distinção que o Professor Doutor Salo de Carvalho,

com grande habilidade, resume os sistemas de execução penal como administrativos ou

jurisdicionais, para os quais corresponde uma posição jurídica particular para o recluso. Nos

175 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 39.

176 GRINOVER, Ada Pellegrini. Eficácia e autoridade da sentença penal, p. 7.

177 FERNANDES, Antônio Scarance. op. cit., p. 42.

Page 63: O papel da acusação na execução penal

63

sistemas administrativos, o preso é objeto da execução e as eventuais atenuações da

quantidade ou qualidade da pena são entendidas como benefícios – liberalidades do Estado no

exercício do jus puniendi. Nos jurisdicionais, o preso é sujeito de uma relação jurídica em

face do Estado, sendo, portanto, titular de direitos e obrigações.

Apesar de a doutrina se dividir quanto à natureza da execução penal,

considerando-a administrativa (Adhemar Raymundo da Silva), jurisdicional (Frederico

Marques, Salo de Carvalho, José Eduardo Goulart, Maria Juliana Moraes de Araújo) ou

„mista‟ (Ada Pellegrini Grinover, Haroldo Caetano da Silva), todos concordam num ponto: há

uma tendência no sentido da jurisdicionalização.

Assim, podemos verificar através das explicações dos doutos doutrinadores, supra

citados, que a jurisdição é vista na doutrina contemporânea como atividade exercida

unicamente pela figura do juiz, que quando tem diante de si situações que são levadas à sua

apreciação, dentro da legislação vigente, busca a aplicação de normas que venham a pacificar

tal litígio.

2.1 Objeto

Sobre o objeto deste capítulo a jurisdicionalização do PEC, Renato Marcão178

,

explica o objeto da execução penal, o qual “visa-se pela execução fazer cumprir o comando

emergente da sentença penal condenatória ou absolutória imprópria”.

Para Marcão, há a dualidade de objetivos da LEP, por ter adotado as teorias mista

ou eclética, onde a natureza retributiva da pena busca a humanização, a prevenção da pena,

ou seja, “punir e humanizar são os objetivos da execução”.

Marcão179

, faz em sua obra, três distinções, sobre direito de execução da pena,

direito penitenciário e penologia, os quais tem relevância em serem aqui informados:

178 MARCÃO, Renato. Lei de execução penal. Ed. Lumen Juris. 3. ed. rev. atual. e ampliada. 2009. p. 20.

179 MARCÃO, Renato. Lei de execução penal. op. cit., p. 22.

Page 64: O papel da acusação na execução penal

64

Direito da Execução das Penas: é o conjunto das normas jurídicas

referente à execução de todas as penas.

Direito Penitenciário: Preocupa-se unicamente com o tratamento dos

presos, buscando o aperfeiçoamento das leis que ordenam a

convivência na prisão, para melhorar a vida interna dos reclusos.

Penologia: Compreende o estudo das penas, em espécie, das medidas

de segurança e do patrono pós-carcerário. Visa ao ordenamento

jurídico no que se relaciona à execução de todas as penas e,

especialmente, aos Princípios Gerais emanados do Sistema

Constitucional a respeito de seu objeto como, também, aos direitos,

deveres e garantias do condenado.

Ana Lúcia Menezes Vieira180

pondera, quando pincelando quanto a

responsabilidade pelo futuro de um um homem que infringiu a lei, começando por lembrar da

necessidade de garantia de um processo de execução devido e justo, no qual a

jurisdicionalidade será apenas um dos meios que o conduzirão à humanidade, pela legalidade.

Dessa forma, se a pena de prisão é a forma ainda vista como única, para crimes

graves, necessário se faz lembrarmos das palavras de Roberto Lyra, que nos coloca em

situação de reflexão seu pensamento:

E que importância humana e social tem a indagação sobre a sentença

se a sentença condenatória criminal constitui, declara, determina,

dispõe ou especifica? A essência das ideias e dos fatos dilui-se por

entre nugas. […] O principal num Código das Execuções Penais,

finalístico e transcendente, mais político do que jurídico, não é a

prestação de contas do condenado à Justiça, mas a responsabilidade

desta pelo futuro de um homem 'à sua disposição'.

O recluso, como enfoque jurisdicional da execução da pena, é reconhecido como

titular de direito públicos subjetivos em relação ao Estado, nos relata Ana Lúcia Menezes

Vieira181

, com explicações de Anabela Maria.

Ana Lúcia Menezes Vieira182

, explicando as palavras de Ada Pellegrini Grinover,

180 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. A execução penal à luz dos princípios processuais constitucionais.

Revista Justitia, ed. jan/jun. - 2008. p. 13.

181 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 13.

182 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 16.

Page 65: O papel da acusação na execução penal

65

nos coloca que do contrário, dar à execução da reprimenda uma natureza administrativa é

transformar o réu em mero objeto do procedimento. É transformar o réu, em simples detentor

de obrigações deveres e ônus, quando na verdade, ele deve ser visto como titular de situações

processuais de vantagem.

Para Ana Lúcia Menezes Vieira183

, precisamos entender que visando alcançar o

objetivo da execução penal, é importante que a execução da pena seja processual, com

relação jurídica entre juiz, Ministério Público e sentenciado, este na pessoa do seu defensor.

Isso, pelo conflito de interesses entre o Estado e o condenado.

Na exata descrição de Ana Lúcia Menezes Vieira184

, “incumbe ao órgão

jurisdicional gerenciar o mencionado conflito, dando-lhe uma solução legal e justa através do

devido processo legal”.

Instrumentalizado, o processo de execução da pena, realiza a justiça do

cumprimento da sanção e em contrapartida concretiza os direitos fundamentais

constitucionais do preso. Como Cintra, citado por Ana Lúcia Menezes Vieira185

, para que

“estes deixem se ser meros ornamentos de uma ordem apenas formalmente democrática e

adquiram uma dimensão promocional”.

Um dos objetivos da pena: evitar a reincidência. E isso inicia-se por uma correta

aplicação da execução, onde o controle judicial deste cumprimento é uma das vertentes.

Pois, “depois de se ter considerado o recluso como um sujeito de direitos, é

preciso tratá-lo como tal”, nos explica Rodrigues186

.

Como já estudamos na sessão anterior, a execução da sanção penal, ocorre,

paralelamente, entre os planos jurídico e administrativo, tornando-a uma atividade complexa.

Mas enquanto o cumprimento da pena é objeto da ciência penitenciária, a realização do

183 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 16.

184 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 16.

185 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 16.

186 RODRIGUES, Anabela Miranda. Novo olhar sobre a questão penitenciária. São paulo: RT, 2000.

Page 66: O papel da acusação na execução penal

66

comando nascido da sentença condenatória, assim como os direitos subjetivos do

penitenciado, que dela decorrem são objeto de um direito processual de execução, explica a

Ana Lúcia Menezes Vieira187

, induzida pelos pensamentos de Grinover188

.

Bem nos lembra, histórica e juridicamente, Ana Lúcia Menezes Vieira189

,

guarnecida pelas palavras de Miotto190

, sobre a jurisdicionalização e o apenado, no que diz

respeito a fiscalização nas penitenciárias:

É importante salientar que em tempos remotos algumas legislações

atribuíram ao juiz a tarefa de fiscalizar as prisões por meio de visitas

e, se o caso, tomar providências eventualmente cabíveis. Essa

intervenção tinha caráter eminentemente administrativo e visava à

verificação da existência de problemas relacionados à saúde,

alimentação, higiene dos locais destinados às prisões cautelares ou

derivadas das definitivas. Não eram considerados “direitos dos

detentos”, propriamente ditos, mas “realidades humanas e problemas

a elas atinentes”.

Com a evolução do estudo da ciência do direito penitenciário,

começam a surgir “problemas jurídicos” decorrentes da

individualização da pena, cujos limites científicos precisavam ser

contidos. Não só, mas o surgimento dos conhecidos “incidentes da

execução” determinava a intervenção do juiz para soluções jurídicas.

Ana Lúcia Menezes Vieira, explica que as intervenções colocadas como jurídicas

“não passavam de atos administrativos emanados por juízes”. Naquela época sequer se

cuidava de direitos ou deveres dos condenados, afirma, ainda, de que a administração

penitenciária quem criou as situações de “privilégios, restrições e punições dos encarcerados

de maneira não justa e despótica.

Recorda-nos Ana Lúcia Menezes Vieira191

quanto a legislação nacional que

normatizava a jurisdicionalização há tempos atrás, leis essas, autônomas que normatizavam o

sistema penitenciário – as Constituições de 1946, 1967 e 1969 (Emenda Constitucional) que

determinavam a competência da União, sem exclusão à dos estados para legislar

187 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 16.

188 GRINOVER, Ada Pellegrini. Eficácia e autoridade da sentença penal, p. 7.

189 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 17.

190 MIOTTO, Arminda Bergamini. Curso de direito penitenciário. São Paulo: Saraiva, 1975.

191 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 17.

Page 67: O papel da acusação na execução penal

67

supletivamente sobre normas gerais de regime penitenciário – (Lei 3.274/57, que “Dispõe

sobre Normas Gerais do Regime Penitenciário”), e há uma Lei de Execução Penal (Lei

7.210/84), em cujo artigo, caput, consagrou-se a necessidade de judicialização da execução

da pena e através de um processo : “A jurisdição penal dos juízes ou tribunais da justiça

ordinária, em todo território nacional, será exercida no processo de execução, na

conformidade desta lei e do Código de Processo Penal”.

Expor sobre o objeto do processo de execução penal e da jurisdicionalização sem

falar em Carta Magna, é impossível. Uma vez que aqui, tratamos de um objeto extremamente

delicado e tão complexo quanto o entendimento da jurisdicionalização, porque falamos de

uma vida, de um ser humano, dotado de deveres e direitos como todos os demais cidadãos,

como bem prevê o caput do artigo 5º da nossa Constituição Federal/88, “Todos são iguais

perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade [...]”.

Podemos aqui tratar dos princípios e regras orientadoras do processo de execução

penal, e Ana Lúcia Menezes Vieira192

nos explica que há dois princípios estruturais que são as

bases constitucionais do PEC, que derivam a indispensabilidade dos demais: a

individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF/88) e a legalidade dos delitos e das penas (art.

5º, XXXIX).

Fazem, esses princípios, parte do sistema normativo através de dois importantes

tratados internacionais direcionados à proteção dos direitos humanos, os quais foram

subscritos pelo Brasil e ratificados pelo Poder Legislativo. Ana Lúcia Menezes Vieira elenca

primeiramente o Pacto Internacional de sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque, de

1966, promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto n.º 592/92, e a

Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da

Costa Rica, de 1969, também promulgado através de Decreto n.º 678/92.

192 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 17.

Page 68: O papel da acusação na execução penal

68

E por fim, Ana Lúcia Menezes Vieira193

nos elenca os artigos 1º e 5º da Carta

Magna que, além de seus inúmeros direitos fundamentais, no §2º do artigo 5º estatui: “Os

direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e

dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa

do Brasil seja parte”. Proclama e assegura ao condenado todos os direitos não restringidos

pela condenação ou pela lei e impõe a todas as autoridades o respeito à dignidade do preso.

Quanto a individualização da pena, Ana Lúcia Menezes Vieira194

em linhas gerais,

nos explica que “significa que cada preso deve corresponder a sua sanção, não mais, na

medida de sua culpabilidade, pois já avaliado pelo juiz da cognição processual penal, mas sob

o aspecto da evolução do cumprimento da pena pelo condenado”. Assim, mesclando suas

explicações com a de Mirabete, nos explica, Ana Lúcia195

:

É possível, aqui, falar-se em princípio da igualdade de todos os

presos perante o processo de execução, cujo tratamento há de ser

desigual, na medida em que eles são desiguais. Ora, nem todos os

condenados são iguais, e essa a razão pela qual deve existir uma

adequação do programa de execução, conforme a resposta dada pelo

detento durante a expiação da reprimenda. Esse é o cerne da

individualização que “deve aflorar técnica e científica, nunca

improvisada, iniciando-se com a indispensável classificação dos

condenados a fim de serem destinados aos programas de execução

mais adequados, conforme as condições de cada um”.

Faz-se, ainda, necessário, um esforço contínuo para a realização da

individualização da pena. Assim, é deveras importante nos reportarmos aos ensinamentos da

Ana Lúcia Menezes Vieira quanto ao princípio da legalidade, nos ensinando que “é aquele

que delimita a atuação do juiz, do promotor das execuções, da defesa e do administrador

penitenciário, na condução da execução penal. É garantia que assegura ao condenado a

manutenção de sua dignidade pessoal, que não foi perdida com a liberdade através da

sentença condenatória (art. 3º da Lei 7.210/84)”.

E é aqui que fazemos o liame entre o objeto e as garantias na jurisdicionalização

193 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 17.

194 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 18.

195 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 18.

Page 69: O papel da acusação na execução penal

69

do PEC, partindo para o último item deste capítulo.

2.2 Garantias

Concluindo as explanações deste segundo capítulo, a doutrina nos explica quanto

as garantias da jurisdicionalização do PEC, e com o intuito de esclarecermos aqui os pontos

mais importantes das garantias mínimas para a estruturação do PEC, nos ensina Ana Lúcia

Menezes Vieira196

, que para tanto faz-se necessário entendermos “a fórmula 'garantias do

devido processo legal', como 'o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado,

asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são

indispensáveis ao correto exercício da jurisdição”, palavras também firmadas pelos

doutrinadores Cintra, Grinover e Dinamarco.

Desse conjunto, explicado acima, surgem as garantias do contraditório, da ampla

defesa, do juiz natural, da motivação dos atos judiciais e da publicidade, além de outras tantas

que decorrem delas. Ana Lúcia Menezes Vieira197

coloca, em seu artigo, “que são garantias

sempre estudadas nos processos civil, penal e administrativo, que não podem ser esquecidas

no processo de execução das penas”.

Ana Lúcia Menezes Vieira198

, nos detém neste item as garantias do contraditório e

da ampla defesa como meios de assegurar a dignidade do preso e possibilitar a segurança

social.

Ana Lúcia199

nos faz alguns questionamentos, pertinentes, quanto ao contraditório

e a ampla defesa. Explica-nos que o contraditório supõe “a real participação das partes na

relação jurídico processual”. Dessa forma, no PEC, a inclusão do contraditório se faz com a

defesa e o Ministério Público200

.

196 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 21.

197 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 21.

198 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 21.

199 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 21.

200 Dispõe o art. 67 da LEP: “O Ministério Público fiscalizará a execução da pena e da medida de

segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes de execução”. Portanto, a intervenção do Ministério

Público na execução penal, além de ser uma garantia constitucional, é imperativo legal, sob pena de nulidade da

decisão (RT 657/346; RT 608/315)

Page 70: O papel da acusação na execução penal

70

“As partes devem ser cientificadas de todos os atos do processo de execução para

que possam exercer a real oportunidade de defesa (do sentenciado) de fiscalização da lei ou o

direito de execução da pena (Ministério Público)”, explica Ana Lúcia201

. Tudo isso deve

acontecer dentro de um prazo justo, a fim de que todas as partes tenham possam ter o direito

de contrariá-los.

Para Ana Lúcia202

, o direito de conhecimento dos atos processuais, não

constituem apenas medida jurídica, com o fim de garantir o direito constitucional às partes de

serem ouvidas, mas um grande “papel de política criminal”.

Da leitura dos escritos da Promotora de Justiça, cabe entendermos que manter o

preso informado da situação de seu processo de execução penal, traz inúmeros benefícios ao

processo e a administração da penitenciária, uma vez que o preso sabe da quantidade de pena

a cumprir e quais seus direitos a fim de buscar a redução da pena, há um interesse maior do

preso em ter uma boa conduta dentro da prisão e muitas vezes fora dela, proliferando, assim,

a paz social.

O direito de que “ninguém será condenado sem ser ouvido”, garantia mínima para

o devido processo, decorre da Convenção Americana dos Direitos Humanos – Pacto de São

José da Costa Rica (art. 8º, 2, b: comunicação précia e pormenorizada do acusado da

imputação formulada”) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (1950, art. 6, 3, a:

ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza

e da causa da imputação contra ele formulada”).

E, ainda, obedecendo ao artigo 66, X da LEP: “compete ao juiz da execução: […]

X. Emitir anualmente atestado de pena a cumprir”, outrossim, o CNJ editou a Resolução n.º

29/27.02.2007, que “Dispõe sobre a regulamentação da expedição anual de atestado de pena a

cumprir e dá outras providências”.

201 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 21.

202 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 22.

Page 71: O papel da acusação na execução penal

71

Ana Lúcia203

, a partir da doutrina de Gomes Filho204

, nos explica que “a partir do

momento em que o preso é informado sobre sua pena, tem a possibilidade de exercer, na sua

inteireza, seu direito de defesa, que na execução penal não é, tão somente, a eventual

oposição às pretensões dos órgãos estatais incumbidos de promover o cumprimento das penas

impostas, mas se carateriza, antes de tudo, como um conjunto de garantias, através das quais

o sentenciado tem a possibilidade de influir positivamente no convencimento do juiz da

execução, sempre que apresente uma oportunidade de alteração da quantidade ou da forma da

sanção punitiva”.

Quando se vislumbrar, no processo, a possibilidade de alteração da sentença

condenatória, é necessária – em todos as fases do PEC – a intervenção da defesa técnica.

Muito embora, a LEP não se refira, de forma expressa, quanto a necessidade da atuação da

defesa técnica, que decorre do art. 2º, determinando a jurisdicionalização da execução e das

normas constitucionais processuais, alvitra Ana Lúcia205

.

Muito bem nos coloca a Promotora de Justiça, Ana Lúcia206

, explicando que “o

Ministério Público, em favor do preso, tem o poder de impulso para os incidentes de

execução, mas a paridade de armas pressupõe um equacionamento entre as razões do preso

em um pedido que possa ser diverso daquele proposto pelo Parquet. Nem tampouco o juiz

pode decidir sem que haja a manifestação das partes, ainda que seja para favorecer o

condenado”.

Dessa forma, esclarece Ana Lúcia207

que “a defesa técnica não pode ser afastada

dos procedimentos administrativos, sindicâncias que apuram a prática de faltas disciplinares

do condenado no estabelecimento penal”. É de atribuição exclusiva do diretor do presídio,

sem a intervenção judicial, o procedimento que resultará em uma sanção administrativa,

aplicada ao apenado. Porém, não dispensa a defessa técnica, afinal “[…] processo

administrativo sem oportunidade de defesa ou com defesa cerceada é nulo, conforme têm

203 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 22.

204 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Processo e garantias: a motivação das decisões penais. Tese

concurso de professor titular). Departamento de Direito Processual penal, Faculdade de Direito, Universidade de

São Paulo, 2000.

205 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 22.

206 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 22.

207 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 22-23.

Page 72: O papel da acusação na execução penal

72

decidido reiteradamente nosso Tribunais judiciais, confirmando a aplicabilidade do princípio

constitucional do devido processo legal, ou, mais especificamente, da garantia da defesa”,

evidencia Meirelles208

.

Assim, em nosso direito pátrio, podemos afirmar que existe a jurisdicionalização

do processo de execução, o que, com certeza, trata-se da humanização da pena, “pois os

direitos do homem relativamente ao recluso devem ser subordinados à lei num Estado de

Direito. E a Constituição Federal de 88 erigiu à categoria de direitos fundamentais não

somente os direitos materiais do preso, mas também as normas processuais que devem se

aplicadas no processo de execução”209

.

Mantém, o apenado, os direitos fundamentais do homem, assegurar tais direitos,

não é somente uma obrigação, mas principalmente um interesse do Estado, como política

criminal a fim de acautelar-se quanto a reincidência e as exigências da ordem de segurança,

igualmente princípios constitucionais. Princípios esses explanados na Exposição de Motivos

da LEP, pois a PEC humanizada, não apenas tira do perigo, mas também impede a

insegurança e a desordem estatal, uma vez que o contrário vai de encontro, especificamente, a

segurança estatal.

3 O Processo de Execução Criminal e as partes

Nucci210

nos explica que o órgão da execução penal têm, cada um, uma função

específica, com o fim de alcançar a efetividade da pretensão executória do Estado, “fazendo

cumprir” a ordem que surge da sentença condenatória, transitada em julgado, sempre

observando a punição individualizada do apenado.

208 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.

690-691.

209 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. op. cit., p. 23.

210 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal / Guilherme de Souza

Nucci. - 7. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 1019.

Page 73: O papel da acusação na execução penal

73

Renato Marcão211

, de forma simples bem conceitua os órgãos da execução, de

acordo com o artigo 61, da Lei de Execuções Penais (LEP) e seus incisos, onde “I - o

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; II – o Juízo da Execução; III – o

Ministério Público; IV – o Conselho Penitenciário; V – os Departamentos Penitenciários; VI

– o Patrono e VII – o Conselho da Comunidade”.

É de Renato Marcão212

a explicação de que o Conselho Nacional de Política

Criminal e Penitenciária, é um órgão subordinado ao Ministério da Justiça, onde um seleto

grupo de professores e profissionais da área do direito penal, processual penal, penitenciário,

criminologia e ciências correlatas, incluindo, ainda, “representantes da comunidade e dos

Ministérios da área social”, que a partir do artigo 64 da LEP, têm as seguintes incumbências:

Ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, no

exercício de suas atividades, em âmbito federal ou estadual, incumbe:

I - propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito,

administração da Justiça Criminal e execução das penas e das

medidas de segurança;

II - contribuir na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento,

sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária;

III - promover a avaliação periódica do sistema criminal para a sua

adequação às necessidades do País;

IV - estimular e promover a pesquisa criminológica;

V - elaborar programa nacional penitenciário de formação e

aperfeiçoamento do servidor;

VI - estabelecer regras sobre a arquitetura e construção de

estabelecimentos penais e casas de albergados;

VII - estabelecer os critérios para a elaboração da estatística

criminal;

VIII - inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim

informar-se, mediante relatórios do Conselho Penitenciário,

requisições, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da

execução penal nos Estados, Territórios e Distrito Federal, propondo

às autoridades dela incumbida as medidas necessárias ao seu

aprimoramento;

IX - representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa

para instauração de sindicância ou procedimento administrativo, em

caso de violação das normas referentes à execução penal;

X - representar à autoridade competente para a interdição, no todo ou

211 MARCÃO, Renato. Curso de execução penal / Renato Marcão. - 9. ed. rev., ampl. e atual. de acordo

com as Leis n. 12.258/2010 (monitoramento eletrônico) e 12.313/2010 (inclui a Defensoria Pública como órgão

da execução penal) – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 90.

212 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 90.

Page 74: O papel da acusação na execução penal

74

em parte, de estabelecimento penal.

Para explicar sobre o juízo da execução, Renato Marcão213

usa das palavras de

Sidnei Agostinho Beneti para concluir que, “no sistema jurisdicional de execução da pena

adotado pela Lei de Execução Penal vigente, o Juízo da Execução caracteriza-se,

expressamente, como órgão da execução penal (artigo 61, II), o que é de extrema importância,

na lógica do sistema e nas consequências dele advindas”.

Nucci214

, em uma explicação mais detalhada, indica, ainda, o artigo 66 da LEP,

que prevê inúmeras atribuições do magistrado, umas de origem jurisdicional e outras, de

natureza administrativa. As quais vem mais detalhadas no item 3.2 do presente trabalho de

conclusão de curso.

Ainda, transcorre Renato Marcão215

sobre a jurisdição, mencionando Frederico

Marques quanto a função do juiz, onde “a função específica do Poder Judiciário, no

mecanismo estatal, é o exercício da jurisdição. A atividade jurisdicional é a mais importante

de todas as atribuições judiciárias e a própria ratio essendi da magistratura”, acrescentando

que “o juiz existe, como órgão do Estado, para julgar”.

No que diz respeito ao juiz competente, Renato Marcão216

nos coloca os

ensinamentos de Scarance Fernandes segundo os quais “entre nós a denominação mais

utilizada é a de juiz natural”, e ainda a precisa visão de Tourinho Filho217

, que nos diz que “é

aquele cuja competência resulta, no momento do fato, das normas legais abstratas. É, enfim, o

órgão previsto explícita ou implicitamente no texto da Carta Magna e investido do poder

julgar. Não basta, assim, que o órgão tenha o seu poder de julgar assentado em fonte

constitucional para que se alce a juiz natural. É preciso, também, que ele atue dentro do

círculo de atribuições que lhe fixou a lei, segundo prescrições constitucionais”.

213 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 91.

214 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 1023.

215 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 92.

216 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 92-93.

217 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal/Fernando da Costa Tourinho

Filho – 13. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010.

Page 75: O papel da acusação na execução penal

75

Renato Marcão218

se refere ao artigo 61, III, da LEP, que traz o Ministério Público

como sendo um dos órgãos da execução penal. Lembrando, o doutrinador que “o Ministério

Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe

a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis” (artigo 127, caput, CF/88).

Conforme estabelece o artigo 67, da LEP, o Ministério Público fiscalizará a

execução da pena, assim como as medidas de segurança, oficiando nos processos executivos e

nos incidentes da execução.

É obrigatória a presença do Ministério Público em toda a fase da execução penal,

tendo o Promotor de Justiça de cumprir seu papel de custos legis na execução penal,

pronunciando-se em todos os atos e pedidos formulados.

Marcão219

afirma citando o Desembargador Fortes Barbosa, do TJ-SP, na AE

416.239, “tendo a Lei 7,210/84 adotado a tese da contenciosidade do processo de execução

penal, expressa na Exposição de Motivos em mais de uma oportunidade, o Ministério

Público não é só fiscal da lei como parte”.

O artigo 68, da LEP e seus incisos relacionam outras incumbências ao Ministério

Público dentro da execução penal, incumbências essas que serão tratadas minuciosamente na

sessão 3.3 deste trabalho.

Renato Marcão220

finaliza sobre o Ministério Público como órgão da execução

penal dizendo que “sua oitiva é imperiosa, sob pena de nulidade, embora existam julgados em

sentido contrário, como se tem decidido algumas vezes na hipótese de extinção da pena

verificada sem sua manifestação prévia”.

Quanto ao Conselho Penitenciário, nos explica Renato Marcão221

que “ nos

218 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 120.

219 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 121.

220 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 121.

221 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 122.

Page 76: O papel da acusação na execução penal

76

termos dos artigos 69 e 70 da LEP, o Conselho Penitenciário é órgão consultivo e fiscalizador

da execução da pena. E com as palavras de Maurício Kuhne, Marcão lembra que “relevantes

são as atribuições dos Conselhos Penitenciários ao longo de sua trajetória, criados que foram

em 1924, exatamente com a Lei instituidora do livramento condicional”. O artigo 64, da LEP

e seus incisos nos impõe as atribuições do Conselho Penitenciário:

Art. 64. Ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária,

no exercício de suas atividades, em âmbito federal ou estadual,

incumbe:

I - propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito,

administração da Justiça Criminal e execução das penas e das

medidas de segurança;

II - contribuir na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento,

sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária;

III - promover a avaliação periódica do sistema criminal para a sua

adequação às necessidades do País;

IV - estimular e promover a pesquisa criminológica;

V - elaborar programa nacional penitenciário de formação e

aperfeiçoamento do servidor;

VI - estabelecer regras sobre a arquitetura e construção de

estabelecimentos penais e casas de albergados;

VII - estabelecer os critérios para a elaboração da estatística

criminal;

VIII - inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim

informar-se, mediante relatórios do Conselho Penitenciário,

requisições, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da

execução penal nos Estados, Territórios e Distrito Federal, propondo

às autoridades dela incumbida as medidas necessárias ao seu

aprimoramento;

IX - representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa

para instauração de sindicância ou procedimento administrativo, em

caso de violação das normas referentes à execução penal;

X - representar à autoridade competente para a interdição, no todo ou

em parte, de estabelecimento penal.

Marcão222

nos lembra que o artigo 70, I, da LEP, teve nova redação, onde nessa

foi retirada a competência do Conselho Penitenciário para emitir parecer nos pedidos de

livramento condicional, mesmo que o artigo 131, do mesmo dispositivo legal ainda exija tal

procedimento.

222 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 122.

Page 77: O papel da acusação na execução penal

77

O procedimento enseja constrangimento ilegal aos condenados, uma vez que após

instruído no juízo de origem, e em condições de ser apreciado, claro que não sem antes obter

as manifestação do Ministério Público e da Defesa, o expediente vai ao Conselho

Penitenciário, onde fica por tempo desnecessário aguardando parecer. Esse procedimento traz

ao executado a obrigação de aguardar a emissão deste, que é realizado a distância,

dificultando o andamento célere do qual precisa se deter o juiz da execução em relação aos

condenados que estiverem sob dua jurisdição, no ensina Marcão223

.

Assim, Renato Marcão224

pondera que “de outro vértice e a nosso entender

acertadamente, tem crescido junto aos tribunais o entendimento de que é possível a decisão

judicial sem o parecer prévio onde a lei ainda o exige, é claro”. Nesse sentido já se decidiu:

[…] a não apresentação de parecer pelo Conselho Penitenciário,

opinando sobre a concessão de indulto, após abertura de prazo

razoável pelo juízo da execução, não tem o condão de obstar a

atuação do juiz na prestação jurisdicional, concedendo o benefício a

sentenciado que preencha os requisitos objetivos e subjetivos para a

obtenção do favor legal, pois a jurisdição criminal, além de não estar

adstrita ao conteúdo de tal parecer, não pode, também, render ensejo

à eternização de processos, máxime em sede de execução penal,

aguardando, indefinidamente, a manifestação do citado Conselho.

No que diz respeito a figura do Patrono, na LEP, Renato Marcão225

explica que

ele se destina “a prestar assistência aos albergados e aos egressos (artigo 78, da LEP), com

orientação e apoio para reintegrá-los à vida em liberdade; na concessão, se necessário, de

alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de dois meses, que

poderá ser prorrogado uma única vez, comprovado, por declaração do assistente social, o

empenho na obtenção de emprego (artigo 25 da LEP); orientar os condenados à pena

restritiva de direitos; fiscalizar o cumprimento das penas de prestação de servições à

comunidade e de limitação de fim de semana; colaborar na fiscalização do cumprimento das

condições da suspensão e do livramento condicional (artigo 79 da LEP)”.

223 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 123.

224 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 123.

225 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 125.

Page 78: O papel da acusação na execução penal

78

Ao Conselho da Comunidade, podemos nos reportar a exposição de motivos da

LEP, onde:

Nenhum programa destinado a enfrentar os problemas referentes ao

delito, ao delinquente e à pena se completaria sem o indispensável e

contínuo apoio comunitário. Muito além da passividade ou da

ausência de reação quanto às vítimas mortas ou traumatizadas, a

comunidade participa ativamente do procedimento da execução, quer

através de um Conselho, quer através das pessoas jurídicas ou

naturais que assistem ou fiscalizam não somente as reações penais em

meios fechados (penas privativas da liberdade e medida de segurança

detentiva) como também em meio livre (pena de multa e penas

restritivas de direitos).

Renato Marcão226

nos explica que:

Haverá, em cada comarca, um Conselho da Comunidade composto,

no mínimo, por um representante de associação comercial ou

industrial, um advogado indicado pela Seção da Ordem dos

Advogados do Brasil, um Defensor Público indicado pelo Defensor

Público Geral e um assistente social escolhido pela Delegacia

Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais. Na falta da

representação prevista neste artigo, ficará a critério do Juiz da

execução a escolha dos integrantes do Conselho.

Elencadas como tarefas a serem cumpridas pelo Conselho da Comunidade,

“incumbe visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na

comarca, entrevistar presos, apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho

Penitenciário, diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência

ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento”227

.

Renato Marcão228

lista em sua obra alguns nomes de forças comunitárias que

podem envidar esforços buscando a melhoria da execução das penas, pela via do Conselho da

Comunidade, são elas:

Rotary, Lions, clubes de serviços em geral, lojas maçônicas, igrejas

226 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 125.

227 Art. 80 e § único da LEP, com redação da Lei n. 12.313, de 19 de agosto de 2010.

228 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 126.

Page 79: O papel da acusação na execução penal

79

católicas (pastoral do preso), evangélica, entre outras, federações

espíritas, associações comerciais, de pais, de moradores, de bairro e

APAC (Associação de Proteção e Assistência Carcerária).

Renato Marcão229

citando Miguel Reale, nos explica que:

A maneira de a sociedade se defender da reincidência é acolher o

condenado, não mais como autor de um delito, mas na sua condição

inafastável de pessoa humana. É impossível promover o bem sem uma

pequena parcela que seja de doação e compreensão, apenas válida se

espontânea. A espontaneidade tão só está presente na ação da

comunidade. A compreensão e a doação feitas pelo Estado serão

sempre programas. Sem dúvida, também, positivas, mas menos

eficientes.

O Professor Renê Ariel Dotti, citado na obra de Mirabete e lembrado por

Marcão230

, nos esclarece que:

A abertura do cárcere para a sociedade através do Conselho da

Comunidade, instituído como órgão da execução para colaborar com

o juiz e a Administração, visa a neutralizar os efeitos danosos da

marginalização. Não somente os estabelecimentos fechados mas

também as unidades semiabertas e abertas devem receber a

contribuição direta e indispensável da sociedade (colônias, casa do

albergado).

Muito bem lembrado aqui, por Renato Marcão231

, os itens 24 e 25 da Exposição

de Motivos da LEP, e nessa mesma linha de pensamento, o doutrinador nos reporta ao

Princípio n. 10 dos Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos, ditados pela

Assembleia Geral das Nações Unidas, mirando a humanização da justiça penal e a proteção

dos direito do homem, nos informando que:

Com a participação e ajuda da comunidade e das instituições sociais,

e com o devido respeito pelos interesses das vítimas, devem ser

criadas condições favoráveis à reinserção do antigo recluso na

sociedade, nas melhores condições possíveis.

229 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 126.

230 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 126-127.

231 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 127.

Page 80: O papel da acusação na execução penal

80

A lição de Paulo Lúcio Nogueira, nesse sentido, citada por Renato Marcão232

, de

que:

A própria LEP prevê essa participação comunitária em diversas

passagens, sendo o Conselho da Comunidade um dos órgãos da

execução penal (LEP, art. 61, VII) que devem existir em cada

comarca, com incumbências específicas (LEP, arts. 80 e 81), mas que

os juízes criminais não têm conseguido formar em razão do

desinteresse dos clubes de servir e entidades de suas Comarcas”.

Acrescenta, ainda, que “não se pode prescindir da cooperação da

comunidade no cumprimento e fiscalização das condições impostas

no sursis, assim como nas penas restritivas de direitos, mormente

prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana

(CP, art. 43, I, II).

E por fim, completando o rol de partes no PEC, temos a Defensoria Pública, que

é definida nos termos do artigo 1º da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1984:

A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e

instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação

jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os

graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de

forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na

forma do inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal”233

.

O artigo 81-A, da LEP, dispõe que a Defensoria Pública velará pela regular

execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos

incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de

forma individual e coletiva234

.

Logo, o artigo 81-B, da LEP, apresenta rol de atividades que poderão/deverão ser

desenvolvidas pela Defensoria Pública no curso do processo execucional, mas tal previsão,

que não é exaustiva, nem precisava ter sido feita, dada a abrangência e alcance, mas tal

previsão, afirma Renato Marcão235

, “que não é exaustiva, nem precisava ter sido feita, dada a

232 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 127.

233 Artigo 1º da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1984.

234 Artigo 81-A, da LEP, de 11 de julho de 1984.

235 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 128.

Page 81: O papel da acusação na execução penal

81

abrangência do artigo 81-A do mesmo diploma legal”.

Renato Marcão236

, quando relata as atribuições da Defensoria Pública, dispostas

no artigo 81-A, da LEP, informando que “reconhecendo mas não se importando com a

amplitude que se extrai” do referido artigo, da mesma forma que incumbe ao representante do

Ministério Público e ao juiz da execução, o órgão da Defensoria Pública deverá visitar

periodicamente os estabelecimentos penais, registrando sua presença em livro próprio,

conforme determina o § único do artigo 81-B, da LEP.

3.1 O Processo de Execução Criminal

Para Nucci237

, o PEC “trata-se da fase processo penal, em que se faz valer o

comando contido na sentença condenatória penal, impondo-se, efetivamente, a pena privativa

de liberdade, a pena restritiva de direitos ou a pecuniária”.

Renato Marcão238

cita as ideias de Nucci, dizendo que:

Se visa pela execução fazer cumprir o comando emergente da

sentença penal condenatória ou absolutória imprópria, estando

sujeitas à execução, também, as decisões que homologam transação

penal em sede de juizado especial criminal.

Renato Marcão239

afirma que a execução penal deve ter como objetivo a inserção

do apenado, uma vez que tem como teoria a mista e a eclética, onde a natureza de retribuição

da pena busca a prevenção e a humanização. São objetivos da execução punir e humanizar.

Com o escopo de evitarmos no presente trabalho de conclusão, tautologia, em

poucas palavras, se faz necessário citar os doutos juristas quanto a natureza do PEC:

Ada Pellegrini Grinover: Na verdade, não se nega que a execução

penal é atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos

236 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 129.

237 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 996.

238 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 31.

239 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 32.

Page 82: O papel da acusação na execução penal

82

planos jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa

atividade participam dois Poderes estaduais: o Judiciário e o

Executivo, por intermédio, respectivamente, dos órgãos jurisdicionais

e dos estabelecimentos penais.

Paulo Lúcio Nogueira: A execução penal é de natureza mista,

complexa e eclética, no sentido de que certas normas da execução

pertencem ao direito processual, como a solução de incidentes,

enquanto outras que regulam a execução propriamente dita

pertencem ao direito administrativo.

Julio Fabrini Mirabete: […] afirma-se na exposição de motivos do

projeto que se transformou na Lei de Execução Penal: 'Vencida a

crença histórica de que o direito regulador da execução é de índole

predominantemente administrativa, deve-se reconhecer, em nome de

sua própria autonomia, a impossibilidade de sua inteira submissão

aos domínios do Direito Penal e do Direito Processual Penal.

Assim, a partir das afirmações dos doutrinadores supra citados, temos que a

execução penal é de natureza jurisdicional, contudo, é abrangida pela atividade

administrativa.

Renato Marcão240

nos coloca que “também na execução penal, devem ser

observados, entre outros, os princípios do contraditório, da ampla defesa, da legalidade, da

imparcialidade do juiz, da proporcionalidade, da razoabilidade e do devido processo legal.

Nesse sentido implica citarmos as seguintes súmulas do STF:

Súmula n. 39. A execução penal é atividade complexa que se

desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicional e

administrativo.

Súmula n. 40. Guarda natureza administrativa a expiação da pena. É

objeto do processo de execução, guardando natureza jurisdicional, a

tutela tendente à efetivação da sanção penal, inclusive com as

modificações desta, decorrentes da cláusula rebus sic stantibus, ínsita

na sentença condenatória.

Súmula n. 41. Em toda e qualquer execução penal, há pelo menos dois

momentos jurisdicionais: seu início e seu encerramento.

240 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 32-33.

Page 83: O papel da acusação na execução penal

83

Súmula n. 42. No curso de toda e qualquer execução penal, podem, a

qualquer momento, ocorrer fenômenos processuais, sempre que o juiz

for chamado a julgar, exercendo então a função jurisdicional em toda

a sua plenitude.

Súmula n. 43. Esses fenômenos processuais não se restringem aos

denominados 'incidentes de execução' (sursis e livramento

condicional), mas se estendem a todos os outros, como o excesso ou

desvio de execução, as modificações da pena privativa de liberdade, a

unificação de penas, a reabilitação, a cessação antecipada das

medidas de segurança, a conversão da pena pecuniária em pena

privativa de liberdade, a revogação do sursis ou do livramento

condicional etc.

Súmula n. 44. Como em todo processo, entendido como relação

jurídico-processual tríplice, o processo de execução penal é o

processo de partes, que assegura diretamente da Constituição, mesmo

no silêncio dos Códigos.

No que diz respeito às garantias constitucionais do PEC, Renato Marcão241

se

reporta as palavras de Paulo Lúcio Nogueira, onde uma vez:

Estabelecida a aplicabilidade das regras previstas no Código de

Processo Penal, é indispensável a existência de um processo, como

instrumento viabilizador da própria execução, onde devem ser

observados os princípios e as garantias constitucionais a saber:

legalidade, jurisdicionalidade, devido processo legal, verdade real,

imparcialidade do juiz, igualdade das partes, persuasão racional ou

livre convencimento, contraditório e ampla defesa, iniciativa entre as

partes, publicidade, oficialidade e duplo grau de jurisdição, entre

outros.

Renato Marcão242

, ainda citando Nogueira, que destaca, em espacial, o princípio

da humanização da pena, onde se entende que o condenado é um sujeito de direitos e deveres,

os quais precisam ser respeitados, de forma que não aconteça de terem regalias extras, para

que não distorça a finalidade da punição. Da mesma forma é de total relevância citarmos os

princípios da personalidade e/ou da intranscendência, onde a medida de segurança e tão

pouco o processo penal podem ir além da pessoa do autor da infração (artigo 5º, XLV, da

CF/88).

241 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 34.

242 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 34-35.

Page 84: O papel da acusação na execução penal

84

Vejamos, ainda nesse item, que entre tantas peças que formam esse quebra-cabeça

que é o PEC, temos o exequente, bem definido nas palavras de Renato Marcão243

, que nos

explica, que:

No caso das ações penais privadas o legitimado tem o direito de

dispor da relação jurídico-penal, enquanto não se verificar o trânsito

em julgado da sentença penal condenatória, a teor do disposto no

artigo 106, § 2º, do Código Penal. Decorrendo de sentença ou

decisão criminal de ação penal pública, condicionada ou

incondicionada, ou mesmo de ação penal privada, em qualquer de

suas modalidades, a execução será sempre de natureza pública.

Exequente será sempre o Estado, procedendo o juiz ex officio, após a

formação do título, determinando a expedição da guia para o

cumprimento da pena ou da medida de segurança, nos termos em que

está expresso nos artigos 105 e 171 da LEP.

De outro lado é necessário comentar sobre exequente no PEC, precisamos

transcrever algumas explicações quanto ao executado no PEC. A Carta Magna de 1988, no

seu artigo 5º, XLV, impõe que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado […].”

Além disso, Renato Marcão244

explica que o princípio da personalidade ou

intranscendência:

Será sempre em desfavor de quem se proferiu sentença condenatória

ou de absolvição imprópria. Executado poderá ser tanto o preso

definitivo quanto o provisório, em se tratando de pena privativa de

liberdade; o internado ou o submetido a tratamento ambulatorial, nas

hipóteses de medida de segurança. Outrossim, poderá ser executado o

autor do fato que deixar de cumprir transação penal levada a efeito e

homologada em juízo (Leis n. 9.099/95 e 10.259/01).

Por fim, e complementando as explicações sobre o PEC, um importante dado,

trazido por Nucci245

, se faz mister neste item, “excesso ou desvio de execução”, onde “sempre

que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou

regulamentares, ocorrerá excesso ou desvio de execução (art. 185, LEP)

243 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 35-36.

244 MARCÃO, Renato. op. cit., p. 36.

245 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 1049.

Page 85: O papel da acusação na execução penal

85

Nucci246

exemplifica muito bem: “haveria excesso de execução se o condenado,

sancionado administrativamente, pela direção do presídio, ficasse mais de trinta dias em

isolamento. Haveria desvio de excesso se o sentenciado fosse inserido em regime disciplinar

diferenciado sem autorização”.

3.2 O papel do Juiz

Em poucas palavras Nucci explica que das inúmeras atribuições do magistrado,

algumas são de natureza jurisdicional e outras, de natureza administrativa.

Elencadas no artigo 66, da LEP247

, estão os atos de natureza jurisdicional:

I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo

favorecer o condenado; II - declarar extinta a punibilidade; III -

decidir sobre: a) soma ou unificação de penas; b) progressão ou

regressão nos regimes; c) detração e remição da pena; d) suspensão

condicional da pena, e) livramento condicional, f) incidentes da

execução; IV - autorizar saídas temporárias e V – determinar: a) a

forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua

execução; b) a conversão da pena restritiva de direitos e de multa em

privativa de liberdade; c) a conversão da pena privativa de liberdade

em restritiva de direitos; d) a aplicação da medida de segurança, bem

como a substituição da pena por medida de segurança; e) a

revogação da medida de segurança; f) a desinternação e o

restabelecimento da situação anterior.

E os atos de natureza administrativa:

V - determinar: g) o cumprimento de pena ou medida de segurança

em outra comarca; h) a remoção do condenado na hipótese prevista

no § 1º, do artigo 86, desta Lei, i) (VETADO), (Incluído pela Lei nº

12.258, de 2010); VI - zelar pelo correto cumprimento da pena e da

medida de segurança; VII - inspecionar, mensalmente, os

estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado

funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de

responsabilidade; VIII - interditar, no todo ou em parte,

246 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 1049.

247 Artigo 66, da LEP, de 11 de julho de 1984.

Page 86: O papel da acusação na execução penal

86

estabelecimento penal que estiver funcionando em condições

inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei; IX -

compor e instalar o Conselho da Comunidade e X – emitir

anualmente atestado de pena a cumprir. (Incluído pela Lei nº 10.713,

de 13.8.2003)”248

.

Cuidando-se de outra das questões que o juiz da execução criminal deve decidir,

alterando, em substância, a sentença penal condenatória, não obstante, não está descrita na

LEP como incidente de execução (Título VII, arts. 180 a 193).

Como explica Ada Pellegrini Grinover, citada na obra de Nucci249

:

Os incidentes da execução não constituem um numerus clausus. Sua

não taxatividade, no ordenamento brasileiro, é demonstrada pela

existência de institutos como a unificação de penas, a reabilitação, a

comutação. E a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem

considerado incidente da execução o destinado à adaptação das

sentenças condenatórias passadas em julgado à lei penal mais

benigna.

Finalizando este capítulo importa ser colocado, a partir das explicações

doutrinárias expostas durante o trajeto de pesquisa percorrido até aqui, no presente trabalho

de conclusão de curso, que o juiz possui papel dúbio dentro do processo de execução penal.

Uma vez avaliando e aplicando a pena sobre o delito cometido pelo acusado e em outro

momento avaliando e buscando soluções para que o mesmo sujeito a quem o juiz pena lhe

sentenciou tenha suas prerrogativas mínimas garantidas pela Constituição Federal

asseguradas, com o escopo de que a punição aplicada aquele sujeito surta seus objetivos de

correção na conduta criminosa cometida pelo acusado.

Ainda, lembrado por muitos juristas da corrente garantista, a aplicação da pena de

reclusão e todo o trâmite do processo de execução penal por muitas vezes não consegue

alcançar seu objetivo maior, que é a punição com o fim de reprimir atos criminosos.

Impossível falar de processo de execução penal e não falar da cruel realidade que

248 Artigo 66, da LEP, de 11 de julho de 1984.

249 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 1023.

Page 87: O papel da acusação na execução penal

87

encontramos em nossas penitenciárias, onde a mão do ser humano tenta de um lado consertar

e tornar justa e de outro lado piora e auxilia para que outros meios de distorção do sistema

sejam implantados. Nesta seara, cabe, obviamente, as palavras de Michel Foucault:

É indecoroso ser passível de punição, mas pouco glorioso punir. Daí

esse duplo sistema de proteção que a justiça estabeleceu entre ela e o

castigo que ela impõe. A execução da pena vai-se tornando um setor

autônomo, em que um mecanismo administrativo desonera a justiça,

que se livra desse secreto mal-estar por um enterramento burocrático

da pena.

Notável que falar em aplicação da pena, processo de execução penal e direito

penal necessário se faz nos reportarmos a filosofia, antropologia, história, sociologia e

psicologia. Porque aqui estamos tratando não apenas de trâmites processuais e atividades

burocráticas, mas principalmente de vida, paixões, instintos, doenças, experiências, efeitos de

meio e de hereditariedade.

3.3 O papel do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul como

acusador e como fiscal da LEP.

Aqui passamos a tratar do assunto o qual é objeto das pesquisas realizadas até

aqui. Estudar o processo de execução penal sem se reportar ao Ministério Público é o mesmo

que não falar em processo de execução penal.

O Ministério Público, custos legis atua em todas as esferas penais, como presença

do Estado, na figura do Promotor de Justiça, que é visto como o guardião da cidadania, da

Constituição, das leis e do regime democrático de direito, não tendo sua atuação cerceada de

forma arbitrária e nem assim agindo.

Muito bem nos coloca, Tourinho Filho250

, conceituando o Ministério Público a

partir do artigo 127 da nossa Carta Magna, dando conta de que o Ministério Público está

incumbido da defesa e da ordem jurídica, bem como do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis.

250 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 388.

Page 88: O papel da acusação na execução penal

88

Tourinho Filho251

, ainda conceituando o Ministério Público, nos lembra Hugo

Nigro Mazzilli, que com propriedade, diz que os legisladores constituintes ao usarem da

expressão “instituição permanente essencial à função jurisdicional”, não se reportaram às

inúmeras atividades exercidas pelo Ministério Público, que independentemente da prestação

jurisdicional, e, paradoxalmente, não disseram tudo o que deveriam dizer quanto as atividades

do Ministério Público.

A palavra Ministério vem do latim ministerium, i, que significa o ofício do mister;

ri (servidor), ou seja, o ofício do servidor. Para Tourinho Filho252

“Ministério Público traz a

ideia de um órgão incumbido de defender os interesses da sociedade, seja na área penal, em

que é sua intensa sua atividade, seja no campo extrapenal, em que não menos incansável é sua

tarefa, na defesa dos interesses sociais ou individuais indisponíveis”.

No que diz respeito ao surgimento da Instituição, não uma precisão, como bem

nos coloca Tourinho Filho253

, alguns doutrinadores apontam Magiaí, do Egito, que eram

encarregados pelas acusações de criminosos; outros, se reportam aos gregos, os Thesmotetis,

que tinham função parecida com a dos egípcios. Ainda temos os Éforos de Esparta, os

Gastaldi, da Lombardia, ou Gemeiner Anklager, do direito Germânico, que tinham como

função acusar, caso o particular não o fizesse.

E é a partir das fontes supra citadas que origina o nome “acusador comum”, a

maioria dos autores afirmam como sendo a origem do Ministério Público a francesa, sem

embargo por ter-se apresentado na França com caráter de continuidade.

Procureurs, o procurador do rei, como nos coloca Victor Souza254

, seria

regulamentada, também, em outras ordonnances que se seguiriam à famosa Ordonnance de

1302, ainda na fase da Monarquia Absoluta, como as de Felipe IV de Valois (28-12-1335), de

Carlos VIII (1493) e a de Luís XII (1498). Mas foi na Ordonnance Criminelle, editada em 10

251 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 388.

252 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 388.

253 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 388.

254 SOUZA, Victor Roberto Corrêa de. Ministério Público: aspectos históricos. Jus Navigandi, Teresina,

ano 9, n. 229, 22 fev. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4867>. Acesso em: 26 jun. 2011.

Page 89: O papel da acusação na execução penal

89

de agosto de 1670, pelo rei Luís XIV, considerada a grande codificação do processo penal da

monarquia francesa, que apresentou-se ampliado o rol de atuação do Ministério Público como

acusador. Abriu ela as portas para delinear os contornos independentes e autônomos, que

seriam definitivamente verificados com a legislação posterior à Revolução Francesa.

Victor Souza255

, nos explica que no século XV, o Ministério Público abarcava

todas as jurisdições senhoriais ou reais, ainda que eventualmente coubesse ao particular

avocar, iniciar ou dirigir a acusação. Desta forma, o Ministério Público (Procurador do Rei) e

seus órgãos limitavam-se a controlar o processo e a requerer a pena, quando não impedidos

pelo próprio interessado. Neste diapasão, a Ordenança de 1670 vem ampliar o campo de

trabalho do Ministério Público, lançando as bases do processo público, acusatório, iniciando a

grande virada na evolução do Ministério Público, para um incremento gradativo de sua

autonomia institucional, na busca da dignidade e importância que atualmente lhe são

reservadas pelas organizações judiciárias de todo o mundo, especialmente em terras

brasileiras.

Complementando as informações prestadas pelo jurista Victor Souza, Tourinho

Filho256

nos lembra de que é habitual utilizarmos a expressão parquet para se reportar ao

Ministério Público. Explica que na França antiga os Procuradores e Advogados do Rei não se

sentavam sobre o mesmo estrado onde ficam os ju[izes, mas sobre o soalho (parquet) da sala

das audiências, como as partes e seus representantes.

A mesma explicação tem o doutrinador Antônio A. Machado257

, que ainda, muito

bem nos coloca as palavras de Roberto Lyra, que classifica audaciosamente, o Ministério

Público como o “quarto poder”, e assim o cita: “se Montesquieu tivesse escrito hoje o

Espírito das Leis, por certo não seria tríplice, mas quádrupla, a Divisão dos Poderes”.

Antônio Machado258

, nos coloca o Princípio do Promotor Natural, que para

muitos está consagrado no artigo 5º, LIII, da CF/88, quando “ninguém será processado nem

255 SOUZA, Victor Roberto Corrêa de. op. cit.

256 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 389.

257 MACHADO, Antônio Alberto. Curso de processo penal/Antônio Alberto Machado. - 3. ed. - São

Paulo: Atlas, 2010. p.143-144.

258 MACHADO, Antônio Alberto. op. cit., p.146-147.

Page 90: O papel da acusação na execução penal

90

sentenciado senão pela autoridade competente”. Ou seja, nenhuma pessoa será

processada/acusada, senão pelo promotor legal, que é o sujeito que tem a atribuição para

promover a acusação em um caso concreto.

Para investidura no cargo de Promotor de Justiça, se faz necessário prestar

concurso público, como bem prevê a Carta Maior de 1988259

, em seu §3º, artigo 129: “São

funções institucionais do Ministério Público: § 3º O ingresso na carreira do Ministério

Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da

Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no

mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de

classificação.” Liame necessário se faz com os artigos, brevemente explicados por Antônio

Alberto Machado260

:

[…] a exclusividade do exercício das funções institucionais pelos

órgãos do Parquet: Art. 129. São funções institucionais do Ministério

Público: § 2º As funções do Ministério Público só podem ser

exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca

da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição.

[…] e, por fim, o princípio da inamovibilidade do promotor de

justiça: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: §

5º A distribuição de processos no Ministério Público será imediata.

Assim, como nos explica Antônio Alberto Machado261

, fica consagrado com a

nova ordem constitucional, o princípio do promotor natural dentro do ordenamento jurídico

nacional. Dessa forma, não é admitido que algum órgão do Ministério Público seja afastado

de suas funções no processo, exceto em casos previstos em lei, “como nas hipóteses de

substituição automática, impedimento, suspeição, férias, licença, aposentadoria, etc.”

Ainda, Antônio Alberto262

nos lembra que o STJ, nos traz posicionamento

259 Art. 129, §3º. Constituição Federal, 1988.

260 MACHADO, Antônio Alberto. op. cit., p. 147.

261 MACHADO, Antônio Alberto. op. cit., p. 147.

262 MACHADO, Antônio Alberto. op. cit., p. 147.

Page 91: O papel da acusação na execução penal

91

contrário, quando ao sancionar no seu artigo 127, §1º263

, os princípios da unidade e da

indivisibilidade do Ministério Público, para o doutrinador a Constituição Federal de 1988

afastou o princípio de promotor natural, assim, fica permitido chamar para si os processos e a

substituição dos órgãos do Parquet por ato do chefe da instituição. Assim264

:

Deve-se considerar, no entanto, que a unidade e a indivisibilidade do

Ministério Público têm duas razões bem definidas: (a) de um lado,

significam que a atuação ministerial, como toda atividade da

Administração Pública, está regida pelo princípio da continuidade

dos serviços públicos; (b) de ouro, significam também que os

objetivos institucionais da instituição devem ser buscados pelo

conjunto dos seus integrantes, de modo que a atuação individual de

cada um deles esteja orientada por um sentido coletivo, ou por um

plano geral de atuação, uno e indivisível, capaz de assegurar a

realização de todas as funções e finalidades constitucionais do

Ministério Público. Isto é, a unidade e a indivisibilidade do Parquet

quer dizer que os seus órgãos, embora independentes e atuando com

liberdade de convicção, devem atuar de forma contínua, buscando

sempre os mesmo objetivos, ou seja, os objetivos institucionais, tal

como propostos pela CF e pelas respectivas leis orgânicas.

A Súmula 210 do STF que dispõe: “o assistente do Ministério Público pode

recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos artigos 584, §1º e 589 do

CPP” e, ainda, a Súmula 488 determina que “o prazo para o assistente recorrer

supletivamente começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério

Público”, sendo de cinco dias para o assistente habilitado e de 15 dias para aquele que não se

habilitou formalmente.

Na mesma linha das explicações de Antônio Alberto Machado, Tourinho Filho

explica os conceitos e funções do Ministério Público na Constituição Federal.

Complementando com os princípios que regem a instituição, nos explica Tourinho Filho:

263 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,

incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis.

§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência

funcional.

264 MACHADO, Antônio Alberto. op. cit., p. 147.

Page 92: O papel da acusação na execução penal

92

Unidade e indivisibilidade: “Le Ministère Public est un et

indivisible”, diz a doutrina francesa, e a nossa Constituição repete. A

unidade manifesta-se porque os órgãos do Ministério Público atuam

como parte de um todo indivisível, e não como órgãos isolados. É

impessoal, constitui um corpo uno. Segundo a comunis opinio, a

indivisibilidade evidencia-se na circunstância de poderem os membros

da Instituição substituir-se uns aos outros em um mesmo processo. É

que eles falam pela Instituição. Essa a razão pela qual, em um mesmo

feito, podem funcionar, sucessivamente, vários Promotores de Justiça.

Os membros do Ministério Público são considerados juridicamente

uma só pessoa. A função, diz-se, absorve a personalidade de cada um

de seus membros. Aquele que age ou fala não o faz sem eu nome, mas

em nome de toda a Instituição. Assim, os membros do Ministério

Público podem sempre substituir-se mutuamente (Gaston Stefani et

al., Procèdure pènale, Paris: Dalloz, 1996, p.111). E André Vitu

acentua: “Les membres d'un même Parquet forment un ensemble

indivisible: l'acte fait par l'un des membres l'est au nom du Parquet

entier; em conséquence, les membres du Parquet peuvent, au cours

d'une même affaire, se remplacer l'un l'autre sans difficulté...” - Os

membros de um mesmo Ministério Público podem, no curso de um

mesmo processo, substituir-se um pelo outro sem dificuldade

(Procédure pénale, Paris: PUF, 1957, p. 51).(grifamos)

Tourinho Filho265

, explicando com mais afinco sobre o Ministério Público ser

uno, nos questiona se “será que entre nós o Ministério Público é uno?”. E nessa prerrogativa,

Tourinho Filho segue seus pensamentos nos colocando que não somos um Estado unitário

como a França, mas sim, uma República Federativa que, ao lado dos 27 Estados-membros, há

também o Distrito Federal, e em cada uma dessas unidades existe um Ministério Público, que

em acordo com a Constituição Federal, temos um Ministério Público em cada uma dessas

unidades, assim como temos diversos ramos do Ministério Público da União, como o Federal,

o Militar, o Eleitoral e o do Trabalho. São mais de 30 Ministérios Públicos, que formam uma

unidade cada um, assim, sendo, cada um, uno, “formando um só corpo subordinado a um

único Chefe: o Procurador-Geral”.

Importante dado retirado da obra de Tourinho Filho266

, que vai nos levando ao

assunto objeto desse trabalho de conclusão de curso, ainda tratando da indivisibilidade do

Ministério Público:

265 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 393-394.

266 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 394.

Page 93: O papel da acusação na execução penal

93

Portanto, entre nós, cada Ministério Público tem seu próprio corpo e

seu próprio Chefe, embora a função de todos seja a mesma. A nosso

aviso, é bem provável que falando a Constituição de unidade do

Ministério Público queira referir-se a uma Instituição incumbida de

defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses

sociais e individuais indisponíveis, pouco importando se é constituída

de um só corpo ou de vários corpos, conquanto a sua finalidade seja

aquela mesma.

No que diz respeito a indivisibilidade, temos que cada um desses Ministérios

Públicos, seus membros podem ser substituídos uns pelos outros, relata Tourinho Filho267

. Tal

substituição não se dá pelo bel-prazer do Procurador-Geral, é regida pela Lei Orgânica

Nacional do Ministério Público, do Estatuto do Ministério Público da União e das Leis

Orgânicas dos Ministérios Públicos de cada Estado.

Nos aclara Tourinho Filho268

, que:

[…] A indivisibilidade está contida na unidade, já que as

substituições, nos casos previstos em lei, só podem ocorrer em cada

um dos Ministérios Públicos. Assim, impossível um membro do

Parquet paulista substituir outro de qualquer Estado, da mesma forma

que um membro do Ministério Público da União não pode substituir

outro estadual. Cada Ministério Público é um só corpo com o

respectivo Chefe. Indivisível. Quando um dos seus membros fala, fala

pela Instituição a que está vinculado. É nesse sentido, parece-nos, que

a Magna Carta emprega a expressão “indivisibilidade”. […]

[…] Se não pode, não há excogitar-se de “indivisibilidade” segundo a

forma rançosa como a Instituição se arrastou, entre nós, por várias

décadas, culminando com aquela regra inserta no art. 7º, V, da Lei

Complementar n.º 40/81, que conferia ao Chefe da Instituição o poder

de “mesmo no curso do processo, designar outro membro do

Ministério Público para prosseguir na ação penal, dando-lhe a

orientação que for cabível no caso concreto”. Note-se que a Carta

Magna alinha, ainda, entre os princípios que regem o Ministério

Público, a independência funcional, demonstrando, assim, que os

membros da Instituição não estão subordinados hierarquicamente, no

que tange à função, a quem que que seja, a não ser à lei e à sua

consciência. Não pode o Chefe da Instituição exercer uma hierarquia

funcional, sob pena de ser postergado o princípio da independência

267 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 394.

268 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 394-395.

Page 94: O papel da acusação na execução penal

94

de que trata o art. 127, §1º, da CF. Hierarquia administrativa, sim;

mas conceber o Procurador-Geral substituindo, a seu talante, um

Promotor por outro, não. [...]

Tourinho Filho269

, com as palavras do Ministro Anselmo Santiago, acrescenta: “o

princípio do Promotor Natural deve ter o devido tempero, apenas para evitar o acusador de

exceção, aquele designado com critérios políticos e pouco recomendáveis”.

Constitucionalmente, explica Tourinho Filho, não há nada que impeça que o Procurador-

Geral, respeitando o interesse público, indique um Promotor “para atuar neste ou naquele

processo”. Senão não teríamos como falar em indivisibilidade.

Explica-nos Tourinho Filho270

:

[…] 2) O Ministério Público tem o exercício da ação penal, mas dela

não poderá dispor: “les magistrats du ministère public ont l'exercice,

mais non la disposition de l'action publique, ele ne leur appartient

pas...” (os membros do Ministério Público têm o exercício da ação

penal, mas dela não podem dispor, visto não lhes pertencer).

3) Independência. O órgão d Ministério Público, no exercício de suas

funções, é independente. Não fica sujeito a ordens de quem quer que

seja. Presta conta de seus atos à lei e à sua consciência. Tal

independência, contudo, “no excluye una organización jerárquica

para servicios...” Realmente, com a expressão “independência” não

se quer dizer que os membros do Ministério Público não estejam

sujeitos a poderes de disciplina, direção e fiscalização.

Os órgãos do Ministério Público estão sujeitos a inspeção

permanente, a correições ordinárias e extraordinárias e, inclusive, a

penas disciplinares que se estendem da simples advertência e censura

até a demissão a bem do serviço público... [...]

Ou seja, Tourinho Filho271

nos explica que a expressão “independência” não se

quer dizer que os membros do Ministério Público não estejam subordinados “a poderes e

disciplina, direção e fiscalização”.

Os órgãos do Ministério Público estão sujeitos a inspeção

permanente, a correições ordinárias e extraordinárias e, inclusive, a

penas disciplinares que se entendem da simples advertência e censura

269 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 395.

270 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 395-396.

271 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 396.

Page 95: O papel da acusação na execução penal

95

até a demissão a bem do serviço público...

Ainda quanto a “independência”, Tourinho Filho272

nos coloca que em face aos

juízes, não há dúvida de que a palavra seja exercida na sua literalidade. Assim também

acontece com o Executivo, que por óbvio, pelas conquistas obtidas, o Ministério Público não

é delegado nem subordinado ao Executivo, nos explica Tourinho Filho273

.

Diante da relevância das funções que o Ministério Público

desempenha no Estado, o Poder Constituinte, após uma luta árdua e

penosa, reconheceu-lhe e assegurou-lhe “autonomia funcional e

administrativa”, podendo, inclusive, propor ao Poder Legislativo a

criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os

por concurso público de provas e de provas e títulos. Até mesmo no

que concerne ao orçamento da Instituição, a elaboração da proposta

orçamentária lhe cabe por inteiro.

No que diz respeito às suas prerrogativas, deveres e penalidades, Tourinho

Filho274

aponta a Lei Orgânica do Ministério Público Nacional e a Lei Complementar n.

75/93 (Estatuto do Ministério Público da União).

Não há dúvidas de que o Ministério Público tem bem especificado, amparado pela

Ordenação Federal e também por Leis próprias a atividade de acusador em um processo penal

e ainda de custos legis no processo de execuções penais, como bem nos explicou Tourinho

Filho275

. A prerrogativa do Ministério Público para desempenhar as duas formas diferentes de

atividade não escapam de respaldo legal, porém, há juristas que garantem que os membros do

Ministério Público não seriam competentes para desempenhar as duas atividades, uma vez

que a aplicação de cada uma tem o mesmo objeto, o acusado, porém, finalidades diferentes.

René Ariel Dotti276

, nos expõe o início de uma problemática que leva a

questionamentos, por alguns juristas, quanto a ação do Ministério Público como acusador e

272 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 396.

273 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 396.

274 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 396.

275 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal/Fernando da Costa Tourinho

Filho – 13. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010.

276 DOTTI, René Ariel. A crise da execução penal e o papel do Ministério Público. Revista Justitia, São

Paulo. abr./jun. 1985. p. 34 e 36.

Page 96: O papel da acusação na execução penal

96

como custos legis na garantia dos direitos dos presos:

A restauração da dignidade política da cidadania, a recuperação da

faculdade social de crítica dos assuntos comunitários, o retorno da

liberdade de imprensa, a devolução das prerrogativas do Parlamento,

a revisão dos princípios de independência e harmonia entre os

poderes do Estado, são, entre outras, as generosas perspectivas para

a Nação e o povo brasileiro dos dias presentes.

Um dos assuntos da atualidade que estimula tosa essa problemática

em torno das expressões polares do Estado e do Indivíduo, é o assunto

do crime.

As variadas formas de expressão da violência e as diversas

modalidades do crime devem merecer providências de combate tanto

por parte do Estado através das instâncias formais (política,

tribunais, estabelecimentos penais) como também da sociedade

através das instâncias informais (família, escola, associações).

Há, atualmente, uma manifestação crítica aos órgãos responsáveis por preservar

valores e interesses individuais e coletivos. Rene Ariel Dotti277

, usando das palavras de

Heleno Fragoso, admite que o Direito Penal, hoje, mostra um descompasso entre a ciência e a

experiência: “Elaboramos um belo sistema de Direito Penal e, afinal, ele serve para que?

Como funciona efetivamente? A análise crítica do próprio sistema e as incongruências entre a

elaboração teórica e a prática vieram levar os juristas a uma visão mais humilde de sua

atividade e as graves dúvidas sobre as virtudes do magistério punitivo”.

Salo de Carvalho278

, quanto ao sistema penitenciário, entende que “é direcionado

fundamentalmente para a determinação de regras disciplinares capazes de ordenar a vida do

apenado durante o cumprimento da pena.”

Explica-nos, Salo de Carvalho279

que:

No entanto, a ampla discricionariedade no trato das questões

internas à ordem penitenciária gerou um subproduto trágico

característico das instituições totais, qual seja, a disfunção da

atividade pelo arbítrio e pela lesão constante dos direitos dos presos,

277 DOTTI, René Ariel. op. cit., p. 40.

278 CARVALHO Salo de. Pena e garantias. 3ª ed. rev. e atual. - Ed. Lumen Juris. - Rio de Janeiro – 2008.

p. 166.

279 CARVALHO Salo de. op. cit., p. 166.

Page 97: O papel da acusação na execução penal

97

estabelecendo o que se conhece como 'crise da execução da pena'.

Tomando conhecimento dos posicionamentos de Salo de Carvalho, começamos o

enredo de suspeitas que circunda as prerrogativas do Ministério Público quanto a fiscalização

do sistema penitenciário.

Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo280

, nos coloca:

Ocorre a despersonalização do poder do Estado, que passa a fundar

sua legitimidade não mais no carisma ou na tradição, mas em uma

racionalidade legal, isto é, na crença na legalidade de ordenações

estatuídas e dos direitos de mando dos chamados por essas

ordenações a exercerem a autoridade.

Foi por volta de 1963, o início de movimentos almejando por reformas no

ordenamento positivo do quadro do sistema criminal em nosso país, nos coloca Rene Dotti281

.

E é justamente a crise do sistema penitenciário, o alto índice de criminalidade na

sociedade que coloca em questão a atuação do Ministério Público, que é mais visto pela

sociedade como órgão acusador. Quando em suma, o Ministério Público é sim, o guardião das

garantias constitucionais da sociedade, representando o Estado em inúmeras situações e não

apenas um órgão que acusa.

Em julho de 2008, tempo não remoto, tivemos a CPI do Sistema Carcerário, que

durante oito meses, em dezoito estados da federação, se realizou um levantamento quanto a

precariedade do sistema penitenciário, mostrando as inúmeras irregularidades e descasos que

ocorrem em nosso sistema penal e por consequência em nosso sistema prisional.

O deputado Domingues Dutra, relator da CPI, elencou como um dos motivos da

CPI a falta de assistência jurídica e o descumprimento da Lei de Execução Penal. Os

objetivos que sucederam a CPI foram muitos, investigar, aprofundar, verificar, apurar e

280 CARVALHO, Salo de. WUNDERLICH, Alexandre. Diálogos sobre a justiça dialogal. Teses e

antíteses sobre os processos de informalização e privatização da justiça penal. Lumen Juris – Rio de Janeiro –

2002. p.55.

281 DOTTI, René Ariel. op. cit., p. 42.

Page 98: O papel da acusação na execução penal

98

apontar os problemas carcerários.

E dentre os responsáveis apontados está o Promotor de Justiça Gilmar Bortolotto,

promotor titular da Promotoria de Execuções Penais de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

O Relatório da CPI do Sistema Carcerário, aponta para os inúmeros problemas

que os Promotores de Justiça, na busca pela aplicação das garantias constitucionais dos

presos, precisam enfrentar. O Promotor de Justiça, não apenas precisa se empenhar para

garantir um sistema processual justo, onde acusa mas também pede a absolvição, precisa se

empenhar para lidar com as particularidades que um sistema penitenciário, recheado de

crimes, lhe oferece.

Rene Ariel Dotti282

, bem explana:

Durante o estágio de investigação, na fase em que deduz formalmente

a acusação, na etapa da instrução ao tempo do julgamento e depois,

no itinerário da execução, o Ministério Público é o ator que

representa vários papéis. Com muita propriedade, já se falou no seu

caráter acentuadamente idiossincrásico significando com tal

referência a disposição de temperamento da Instituição que sofre de

modo peculiar a influência de vários agentes.(grifamos)

Durante todas as acusações e apontamentos realizados no Relatório da CPI do

Sistema Carcerário o Ministério Público, se mostrou ciente de todos os acontecimentos que

estavam ocorrendo no Presídio Central de Porto Alegre. O Ministério Público do Estado do

Rio Grande do Sul, na pessoa de seu membro o Promotor de Justiça Gilmar Bortolotto,

afirmou durante a CPI a atuação do Ministério Público, na busca pelas garantias dos

apenados.

O problema carcerário no Rio Grande do Sul, vai muito além da pessoa do

Promotor de Justiça, vai além do Ministério Público, cuja função é fiscalizar e requisitar as

garantias constitucionais dos apenados. Há nesse enredo, algo muito mais delicado a ser

tratado, pois quando se trata de sistema penitenciário estamos nos reportando a um magote de

282 DOTTI, René Ariel. op. cit., p. 49.

Page 99: O papel da acusação na execução penal

99

personagens que trabalham para que as engrenagens do sistema penitenciário funcione.

Salo de Carvalho283

, usando das palavras de Roberto Lyra, nos coloca:

Um dos arautos no processo de ampliação da tutela jurisdicional foi

Roberto Lyra. O autor advogava: “vai perdendo todo o prestígio a

tese que apresenta a execução penal como matéria indiferente ao

direito. A própria lei substantiva opõe limites e freios aos abusos

administrativos, através de garantias e da discriminação das

características essenciais da pena... Passou a época do

discricionarismo da direção carcerária”.

Sustenta Roberto Lyra que seria preciso impedir o cumprimento da

pena ao arrepio dos códigos, pois o princípio da legalidade abrange,

também, a execução penal, sendo que a própria margem, deixada à

discrição da autoridade administrativa, há de conter-se nos limites

dos regulamentos e das instruções. Não se compreende que, na fase

mais grave e mais importante da atuação da justiça, esta abandone os

homens que mandou ao cárcere e degrade a função pública da pena.

“E no iteninerário das jurisdições de instrução e de julgamento da causa, o

Ministério Público cumpre uma função substancial na defesa dos interesses coletivos”, nos

diz René Ariel Dotti284

.

Uma situação importante a ser colocada no presente trabalho de conclusão de

curso, é quanto a atuação do Promotor de Justiça, que por muitas vezes ultrapassa as paredes

de seu gabinete. O Promotor de Justiça, representando o Ministério Público, não se limita a

fazer seu trabalho apenas dentro da sede do Ministério Público. Para que sua função de custos

legis seja exercida o Promotor vai até o fronte, buscando a verdade dos fatos, a realidade da

situação que precisa da atuação do Estado.

E assim, outra vez René Ariel Dotti285

, nos coloca:

O Ministério Público como instância formal de controle de

criminalidade necessita também viver um Estado de Direito

democrático, num regime de liberdade e garantias sob pena de

283 CARVALHO Salo de. Pena e garantias. 3ª ed. rev. e atual. - Ed. Lumen Juris. - Rio de Janeiro – 2008.

p. 167.

284 DOTTI, René Ariel. op. cit., p. 50.

285 DOTTI, René Ariel. op. cit., p. 50.

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100

estiolar-se nos gabinetes, nos corredores de prevenção e combate da

criminalidade e da violência. Um ator secundário cuja ausência não

impedia nem retardava o espetáculo quando era possível, até há bem

pouco tempo, a sua substituição por um estranho ao quadro sem que

a lei garantisse a indelegabilidade e a exclusividade das funções.

O jurista, Salo de Carvalho286

, a partir dos ensinamentos de Grinover, nos diz que

“a dificuldade reside em poder extremar estas duas atividades: administrativa e jurisdicional”.

Salo de Carvalho287

nos explica que é na complexidade e autonomia da Lei de

Execuções Penais que estão “tencionadas jurisdição e administração”.

Ainda, Salo de Carvalho nos coloca:

Ela Wiecko Volkmer de Castilhos, ao versar sobre o problema,

percebe que na visão administrativista restaria implícito um vazio,

uma esfera de irrelevância jurídica, visto estar o condenado

submetido à administração. Advertem Catão e Sussekind que o

pensamento doutrinário cujo pressuposto baseava-se na não-

interferência do Judiciário na Administração é que marcou a situação

de abandono dos presos, e o sistema penitenciário ficou sendo a fase

mais negligenciada da administração da justiça e, consequentemente,

a mais implacável.

E a partir das palavras de Salo de Carvalho, finalizamos o presente trabalho de

conclusão de curso, lembrando que o preso não está abandonado e nem o sistema

penitenciário negligenciado, uma vez, que o Ministério Público, por intermédio de seus

membros, tem a premissa de fiscalizar o sistema penitenciário com o escopo de requerer junto

ao apenado, que seus direitos e garantias constitucionais sejam preservados e colocados em

prática.

O Promotor de Justiça, com suas funções muito bem delineadas pela Carta Maior,

tem condições de manter seu papel em várias cenas dessa peça chamada sociedade, onde sua

presença para mostrar a atuação do Estado é requisitada.

286 CARVALHO Salo de. op. cit., p. 168.

287 CARVALHO Salo de. op. cit., p. 168.

Page 101: O papel da acusação na execução penal

101

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente encontramos um Ministério Público gaúcho atuante nas duas funções

(titular da ação penal e fiscal da LEP), tais atribuições estão bem especificadas na Carta

Magna de 1988, no artigo 129, I: São funções institucionais do Ministério Público: I -

promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; e na Lei n.º 7.210/84 - Lei

de Execuções Penais, no Capítulo IV, artigo 67 e seguintes: art. 67 O Ministério Público

fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e

nos incidentes da execução.

O Ministério Público do Estado do Rio grande do Sul tem suas ações exercidas

por seus membros, os Promotores de Justiça que ocupam o cargo através de concurso público.

O que se busca nesse trabalho de conclusão de curso é entender a fina linha entre

o Ministério Público Estadual titular da ação penal e o mesmo Ministério Público Estadual

fiscal da LEP.

Buscou-se neste trabalho de conclusão de curso o entendimento Ministerial

quanto a essa atuação que se dá de forma e em situações diferentes, colocando em crise as

instituições responsáveis pelas aplicações dessas funções Ministeriais, através da investigação

profunda de seu funcionamento, em particular, na função da acusação no momento da

execução penal.

O artigo 127 da nossa Carta Magna, nos dá conta de que o Ministério Público está

incumbido da defesa e da ordem jurídica, bem como do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis.

Roberto Lyra, que classifica audaciosamente, o Ministério Público como o

“quarto poder”, e assim cita: “se Montesquieu tivesse escrito hoje o Espírito das Leis, por

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certo não seria tríplice, mas quádrupla, a Divisão dos Poderes”.

No transcorrer deste trabalho de conclusão de curso, não nos resta dúvidas de que

o Ministério Público tem bem especificado, amparado pela Ordenação Federal e também por

Leis próprias a atividade de acusador em um processo penal e ainda de custos legis no

processo de execuções penais. A prerrogativa do Ministério Público para desempenhar as

duas formas diferentes de atividade não escapam de respaldo legal, mesmo com a existência

de juristas que garantem que os membros do Ministério Público não seriam competentes para

desempenhar as duas atividades, uma vez que a aplicação de cada uma tem o mesmo objeto, o

acusado, porém, finalidades diferentes.

Conclui-se neste trabalho, com base em tudo que já fora estudado até aqui, que o

Ministério Público tem prerrogativas para atuar com claridade em todas as atividades onde a

presença do Estado se faz importante, como é o caso do processo penal, no personagem do

acusador e na fiscalização da LEP, a fim de garantir os direitos dos apenados e aplicar a pena

de forma que surta seus objetivos punitivos.

Não se nega nessa seara a dificuldade em tratar de um tema delicado e necessário

para o estudo da criminalidade como o da atuação do Ministério Público. E de maior

dificuldade foi não adentrar em outro tema, polêmico, como a problemática do sistema

carcerário.

O presente estudo nos leva além da legislação federal, ultrapassa a pessoa do

Promotor de Justiça, que quando da posse como membro do Ministério Público traz consigo,

uma história, uma educação, uma linha de pensamento, uma vida que não raras vezes

interfere e delineia a atuação do Promotor que tem autonomia no exercício de suas funções.

Page 103: O papel da acusação na execução penal

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