Top Banner
1 Contributo para a história da paróquia de são Cipriano de paços de brandão O MOSTEIRO DE SÃO SALVADOR DE GRIJÓ Por: Carlos Varela Na Vila de Grijó, pertencente ao Concelho de Vila Nova de Gaia, que na Idade Média, pertencia às Terras de Santa Maria Feira, existe o Mosteiro de São Salvador de Grijó, cujo vasto território, se estendia, principalmente, entre os rios Douro e Vouga, verificando-se a maior concentração de propriedade, num raio de 10 Km. A história do Mosteiro de Grijó, revela-se de uma importância bastante acentuada para todos aqueles que se queiram inteirar, do que se escreveu sobre as Terras de Santa Maria (Feira), e, no que nos toca, a nós «brandoenses» ou «brandoeiros», habitantes ou naturais desta Terra de Paços de Brandão, serve para uma melhor compreensão e estudo do passado, em que as origens de um povo devem ser objecto de um tratamento muito cuidado e especial, tendo-se em atenção que o que se possa escrever sobre a história de um povo ou de uma simples localidade, deve obedecer a muita clareza e rigor histórico.
56

O mosteiro de são salvador de grijó

Jul 10, 2015

Download

Education

Welcome message from author
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
Page 1: O mosteiro de são salvador de grijó

1

Contributo para a história da paróquia de são Cipriano

de paços de brandão

O MOSTEIRO DE SÃO SALVADOR DE GRIJÓ

Por: Carlos Varela

Na Vila de Grijó, pertencente ao Concelho de Vila Nova de Gaia, que na

Idade Média, pertencia às Terras de Santa Maria – Feira, existe o Mosteiro

de São Salvador de Grijó, cujo vasto território, se estendia,

principalmente, entre os rios Douro e Vouga, verificando-se a maior

concentração de propriedade, num raio de 10 Km.

A história do Mosteiro de Grijó, revela-se de uma importância bastante

acentuada para todos aqueles que se queiram inteirar, do que se escreveu

sobre as Terras de Santa Maria (Feira), e, no que nos toca, a nós

«brandoenses» ou «brandoeiros», habitantes ou naturais desta Terra de

Paços de Brandão, serve para uma melhor compreensão e estudo do

passado, em que as origens de um povo devem ser objecto de um

tratamento muito cuidado e especial, tendo-se em atenção que o que se

possa escrever sobre a história de um povo ou de uma simples localidade,

deve obedecer a muita clareza e rigor histórico.

Page 2: O mosteiro de são salvador de grijó

2

Mosteiro de Grijó

C R O N O L O G I A

912 (?) – A Guterre e Ausindo Soares, é-lhes dado pelo seu irmão Nuno

Soares «O Velho», terreno de uma herdade sua, situada no lugar de

Murraceses, entre o Monte Pedroso e Sagitela, que tinha na Comarca da

Feira, onde fundam uma pequena igreja (Eclesiola).

922 – Os irmãos Guterres, e, porque se lhe juntaram outros Clérigos,

fundam, junto da igreja, um Convento, em que era Prelado, com título de

Abade, Guterre Soares.

1093 – A 3 de Novembro de 1093 (em alguns documentos é mencionada a

data de 3 de Outubro de 1093) o Bispo de Coimbra, D. Crecónio, vem

sagrar esta igreja, que é dedicada ao Salvador do Mundo. No mesmo dia,

Soeiro Fromarigues, perante o Bispo, ratificou publicamente a doação e

Page 3: O mosteiro de são salvador de grijó

3

testamento de grandioso legado ao convento. Este Soeiro Fromarigues,

era casado com Elvira Nunes, pais dos irmãos Guterres (família Soares).

1093-1133 – Soeiro Fromarigues e sua mulher, Elvira Nunes, doam todas

as suas fazendas e o padroado das igrejas de Argoncilhe, Perosinho,

Cerzedo, Travanca da Bemposta, São Miguel de Travassô e Eyrol.

1128 – O Convento é coutado por D. Teresa.

1132 – Aderiu à Regra dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho.

1135 – A reformação realizada em Santa Cruz de Coimbra, por D.

Teotónio, foi seguida pelo Abade D. Paio Soares, do Mosteiro de Grijó,

recebendo como reformadores, D. João Peculiar e seu sobrinho D.Pedro

Rabaldiz, que chegaram em 21 de Novembro de 1135. D. Paio rejeitou o

governo do Mosteiro e o título de Abade, tendo o Bispo de Coimbra,

mandado eleger um prelado com título de prior, sendo o primeiro eleito

canonicamente, o padre D. Trutesindo.

1139 – Por couto de D. Afonso Henriques (11 de Janeiro de 1139), é

doado ao convento a Vila de Brito (S. Félix da Marinha).

1142 – Novamente, por couto de D. Afonso Henriques (13 de Julho de

1142) é doado Tarouquela (Vilar do Paraíso).

1220 – D. Sancho I, faz doação da Ermida de Nª Senhora de Vagos (Vagos-

Aveiro).

1245 – O Infante D. Rodrigo Sanches, filho natural do Rei D. Sancho I (da

relação amorosa que este Rei teve com D. Maria Pais «Ribeirinha»), vindo

mortalmente ferido, de um combate, morre às portas do convento. É

enterrado com todas as honras, em 7 de Julho de 1245.

Page 4: O mosteiro de são salvador de grijó

4

(Pagela informativa do interior da Igreja do Mosteiro de Grijó)

A Morte do Infante D. Rodrigo Sanches

Referente às causas que levaram à morte do Infante D. Rodrigo Sanches,

cujo túmulo se encontra no Claustro do Mosteiro de Grijó, transcrevo o

que vem escrito na História de Portugal, Ed. Monumental, Direcção de

Damião Peres, Vol.II, pags. 243 a 245 :

«Ao infeliz Sancho II, atribuíam muitas das desgraças que assolavam o

Reino, acabaria por ser destituído e o reino entregue a seu irmão D.

Afonso III, “O Bolonhês”. Foi um momento de guerra civil entre partidários

do Rei e os que apoiavam Afonso “Conde de Bolonha”, é pois neste

cenário que se dá a Lide do Porto.

“O Conde de Bolonha” chegara a Lisboa nos últimos dias de 1245 ou nos

primeiros de 1246. É de Fevereiro o foral em que confirma ao concelho de

Lisboa todas as suas cartas e foros, «escritos como não escritos», em paga

do bom acolhimento que lhe tinham feito os munícipes; da sujeição e

obediência que haviam prestado “aos mandados apostólicos” e dele

Page 5: O mosteiro de são salvador de grijó

5

Procurador do Reino, e com que se haviam oposto “aos inimigos da

fidelidade e da injustiça”.

A resistência manifestou-se nas terras do centro e norte do País, e o seu

núcleo principal estava em Coimbra, residência habitual da corte. O

homem mais representativo desse movimento de resistência, pela

audácia, pela turbulência e porque tudo podia na cúria régia, visto ser o

grande amigo, o valido do Rei, foi Martim Gil, o filho de Gil Vasques de

Soverosa e de Maria Aires de Fornelos, que fora amante de Sancho I. A

esse irrequieto rico-homem, e à sua influência perniciosa que ele exercia

no espírito do infeliz Sancho II, atribuíram os contemporâneos muitas

desgraças do reino. Fora ele o protogonista duma batalha que travara,

próximo de Gaia, entre dois bandos de poderosos senhores, e que,

passados anos, os velhos relembravam como um acontecimento que

grandemente impressionara o País – A LIDE DO PORTO . Nela, o bando de

Martim Gil tinha deixado mortos no campo os rico-homens Abril Peres,

senhor de Lumiares e tenente das Terras de Riba-Tâmega, e Rodrigo

Sanches, o bastardo de Sancho I, tio do Rei e tenente de Entre Douto e

Lima.

A Lide do Porto deu-se em 1245, meses antes da chegada do Bolonhês,

quando a conjura ia já certamente adiantada. Seria tal combate uma

daquelas guerras entre nobres, tão vulgares no tempo de Sancho II ? Seria,

como Herculano se inclina a supor, o primeiro acto, “a primeira

manifestação armada” da própria revolução que devia conduzir ao mando

supremo o Conde Bolonhês? Nesse pressuposto, Martim Gil de Soverosa

chefiaria já as forças do Rei, em oposição aos dois tenentes do norte, que

teriam prometido levantar aquelas províncias.

Rodrigo Sanches ficou sepultado no Mosteiro de Grijó, próximo do Porto.

E “é notável – diz Herculano numa nota – a esmola que o Conde de

Bolonha faz depois ao Mosteiro de Grijó por alma de Rodrigo Sanches. É

curioso na verdade que tenha perecido na famosa lide um tio do Rei

Sancho II, e que o chefe do bando que o matou fosse o valido desse Rei, e

continuasse a sê-lo, acompanhando-o depois na defesa desesperada da

coroa.»

Page 6: O mosteiro de são salvador de grijó

6

Túmulo do Infante D. Rodrigo Sanches

1247 – Os cónegos, por acharem que o local era húmido e feio,

transferem o convento, um pouco mais para sul do actual .

1280 – D. Maria Pães, fez doação, do Padroado e mais fazendas, que tinha

na Vila de Maçãs de Dona Maria, Bispado de Coimbra.

1301 – A Infanta D. Constança Sanches, irmã do Infante D. Rodrigo

Sanches, doa ao Mosteiro, uma quinta que tinha em Aveleda, duas léguas

da Cidade do Porto para Norte, junto ao mar; assim como metade dos

direitos reais, que tinha nas Vilas de Sarzedas e Sovereira Fermosa, do

Bispado de Coimbra.

Em 1479, 1482 e 1483 – O Prior D. João Álvares era comendatário ou

administrador perpétuo dos, Mosteiro de Grijó e São Jorge de Coimbra.

1517 – Era Prior de Grijó, D. João, Bispo de Safim, provedor-mór do

Hospital Real de Todos os Santos, reitor da Universidade de Lisboa, e

Desembargo régio.

1536 – 1539 – O Prior D. Bento de Abrantes, a pretexto do local ser

insalubre, resolveu mudar novamente o Mosteiro, transferindo-o para a

Quinta de Quebrantões, em Vila Nova de Gaia. Nem todos os cónegos

Page 7: O mosteiro de são salvador de grijó

7

estiveram de acordo com a mudança o que motivou a intervenção do

Papa Pio V.

1540 – A instituição da Congregação de Santa Cruz de Coimbra,

confirmada por bula do Papa Paulo III, de 26 de Fevereiro de 1540, foi

precedida da reforma do Mosteiro de Santa Cruz, cometida por D. João III

a Frei Brás de Barros, da Ordem de São Jerónimo e a Frei António de

Lisboa, com início a 13 de Outubro de 1527, no dia de São Geraldo

confessor. A esta reforma aderiram os priores de São Vicente de Fora de

Lisboa, e de São Salvador de Grijó.

1542 – 1546 – Processo de mudança do Mosteiro do lugar de Grijó, para

vila Nova de Gaia, para a Serra do Pilar, Mosteiro de Santo Agostinho da

Serra. O descontentamento de alguns cónegos vindos de Grijó, levou-os a

alcançar do Papa Pio V, uma bula de separação entre mosteiros antigo e

novo (Serra do Pilar), passada em 1566. Estabelecida que fossem dois

mosteiros distintos e que se dividissem as rendas.

1572 – O Prior D. Pedro do Salvador decidiu fazer nova igreja, com

largueza adequada. É a subsistente. O projecto para a nova igreja é da

autoria do arquitecto Francisco Velasques. As obras iniciaram-se em 1574.

A partir de 1581, a direcção das obras passa a ser da responsabilidade de

Gonçalo Vaz.

1612 – A conclusão da igreja ainda estava atrasada, mas as dependências

conventuais encontravam-se praticamente concluídas.

1626 – A igreja, concluída e benzida.

1770 – É emitido o breve de Clemente XIV e beneplácito régio de 6 de

Setembro de 1770, de que foi executor o Cardeal Cunha, em que Grijó foi

extinto com mais nove mosteiros da Congregação e seus bens anexados

ao Mosteiro de Mafra, para nele se desenvolverem os estudos.

1770 – Julga-se que foi este o ano em que foi vendido ao Desembargador

João Fernandes de Oliveira.

1792 – A Bula «Expositum nobis» concedida pelo Papa Pio VI, em 3 de

Abril, a instâncias da Rainha D. Maria I, foi executada por três sentenças

Page 8: O mosteiro de são salvador de grijó

8

de D. José Maria de Melo, Bispo do Algarve e Inquisidor Geral, nomeado

Juiz Comissário e Delegado para proceder com todas as faculdades

apostólicas, recebendo também beneplácito régio. A primeira, dada em

Lisboa a 10 de Maio de 1792, mandou remover os Cónegos Regrantes do

Mosteiro de Mafra para outros mosteiros da sua Congregação,

restituindo-os aos religiosos da Província de Santa Maria da Arrábida, e

estabeleceu que a união e distribuição dos mosteiros extintos, cujas

rendas tinham estado unidas a Mafra, se fizesse em benefício dos que

continuassem a existir, restitui-lhes os mosteiros extintos de São Vicente

de Fora, de Grijó e provisionalmente o de Refóios de Lima, e aplicar os

rendimentos dos outros a usos pios.

1794 – Segunda sentença, dada a 1 de Julho; mandou distribuir e aplicar

os bens e rendimentos dos mosteiros extintos, que tinham estado unidos

ao extinto Mosteiro de Mafra, ou aplicados a outros fins.

1794 – A terceira sentença, dada a 24 de Dezembro, estabeleceu os

mosteiros que deviam constituir a Congregação dos Cónegos Regrantes de

Santo Agostinho: Santa Cruz de Coimbra, São Vicente de Fora de Lisboa,

Salvador de Grijó, Santo Agostinho da Serra, Santa Maria de Refóios de

Lima e o Colégio da Sapiência de Coimbra, restituídos “in integrum” ao

estado regular e conventual, com todos os bens, rendimentos, privilégios,

isentos e padroados de que eram possuidores ao tempo da sua extinção.

Estabeleceu o número prefixo de cónegos em cada um, num total de 230,

exceptuando os inválidos, bem como o número de conversos e as sanções

para os priores gerais infractores.

1795 – Execução da 3ª sentença, por ordem da Rainha, carta régia de 1 de

Janeiro e Prior Geral, comunicou-a à Congregação por carta patente

datada de 9 de Fevereiro desse ano.

1832 – Os cónegos D. Diogo da Assunção e D. Luis de Miranda Henriques,

moradores no extinto mosteiro, apresentaram-se, na cidade do Porto, à

chegada do Exército Libertador, onde permaneceram e foram agraciados

pelo Imperador do Brasil e Duque de Bragança.

1833 – A 27 de Agosto, os deputados da Comissão Administrativa dos

bens dos conventos extintos ou Comissão Administrativa dos conventos

Page 9: O mosteiro de são salvador de grijó

9

abandonados, o abade António Manuel Lopes Vieira de Castro e Francisco

da Rocha Soares, na presença de Luís do Patrocínio de Nossa Senhora,

cónego regular de Santo Agostinho, do Juiz imediato do couto de Grijó, e

de outros elementos, procederam à descrição e inventário dos objectos

existentes no mosteiro, que incluía uma hospedaria, sendo escrivão,

Nicolau Joaquim Pereira, escriturário da Comissão.

Em 1833, o inventário do extinto Mosteiro refere três cartórios: o cartório

(cujos documentos transitaram depois, na sua maioria, para o Arquivo da

Torre do Tombo e para o Arquivo Distrital do Porto), o cartório eclesiástico

com documentos da freguesia de Grijó (com livros de visitação do

Mosteiro, registos de testamentos, audiências, e despesas eclesiásticas,

registos de termos de culpados, de ordens, de certidões de baptismo,

registo de baptismo, do crisma, de casamentos, de óbitos), e das

freguesias do Salvador de Perosinho, de São Mamede de Serzedo, de São

Martinho de Argoncilhe, de São Miguel de Travassô, e de Santa Eulália de

Eirol, e ainda o cartório do Juízo privativo do Mosteiro, contendo autos,

sentenças, execuções, penhoras. O inventário menciona ainda o dinheiro,

pratas e objectos, apreendidas nas imediações de Grijó, por pertencerem

ao Mosteiro, acondicionados em sis baús, três caixões e cinco embrulhos,

conduzidos em carros para o depósito geral do extinto Convento dos

Congregados do Porto. O auto de arrombamento foi realizado na igreja da

Congregação do Oratório do Porto, em 28 de Agosto de 1833, na presença

dos membros da Comissão Administrativa dos bens dos conventos

abandonados, em cujo inventário constam livros encadernados, papéis, e

maços contendo pergaminhos.

1834 – Extinção das Ordens e Congregações Religiosas.

1835 – João Monteiro da Fonseca e Manuel Alves Ramos Camelo,

empregado da comissão de extinção, procederam ao inventário do que

tinha ficado no Mosteiro sob a fiscalização do provedor do concelho de

Grijó, mencionando diversos papéis de pouca importância que ainda se

encontravam em gavetas de uma estante do cartório.

Page 10: O mosteiro de são salvador de grijó

10

Mosteiro de Grijó - Claustros

Page 11: O mosteiro de são salvador de grijó

11

Livro Preto de Grijó – Página 1ª (TTonline)

Page 12: O mosteiro de são salvador de grijó

12

Livro Preto de Grijó – Página 2ª. (TTonline)

Page 13: O mosteiro de são salvador de grijó

13

O Mosteiro do Salvador de Grijó, como foi descrito, era masculino,

situava-se na antiga Terra e Comarca da Feira. Aderiu à Ordem de Santo

Agostinho. Esteve sujeito à jurisdição ordinária do Porto. Aderiu à reforma

do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e foi unido à Congregação do

mesmo nome.

Page 14: O mosteiro de são salvador de grijó

14

Na Revista “O INSTITUTO”da Universidade de Coimbra, incerto nos vols.

XI, XII, XIII e XIV, foi publicado em 1864, sob o título de “Uma Chronica

Inedita”, por M. da C. Pereira Coutinho, referente a um manuscrito do

Mosteiro de S. Salvador de Grijó, que passo a transcrever na íntegra, com

algumas alterações ortográficas, que efectuei para o português actual.

UMA CHRONICA INEDITA

O manuscrito nº 640, conservado entre os muitos da Biblioteca da Universidade de

Coimbra, é um livro de 356 folhas, de marca grande, encadernação forte e antiga, de

boa letra, sempre do princípio até ao fim, da mesma pena. Depois da última folha

numerada (a 356) na volta da qual tem – Finis -, há mais quatro em branco sem

numeração; na quinta, também sem numeração, assim como as seguintes até ao fim,

começa o índex, que aparece não foi concluído, porque não passa além de

confirmações e doações, com o que ocupa seis páginas e mais duas linhas de outra,

continuando ainda algumas folhas em branco. Este livro tem no lombo em letras

douradas – Crónica do Mosteiro de Grijó - ; e dentro no frontespício lê-se o mesmo

título, porém mais desenvolvido, em que se declara que é a Crónica do Mosteiro de S.

Salvador de Grijó, e que é dividida em duas partes ou épocas principais, a primeira

desde a fundação do Mosteiro até à sua reformação; e a segunda é daqui em diante

até ao ano de 1630.

O escrito é anónimo. Não sabemos a causa por que, numa obra, outrora de tanto

merecimento, o autor quis ocultar o seu nome; seria por modéstia?...E este livro, que

parece ter sido propriedade do Convento de Grijó, por que voltas veio ele incorporar-se

com os manuscritos da Biblioteca de Universidade?... Não sabemos. É certo que é obra

de génio, no trabalho insano, e de profunda aplicação. O autor declara que a

empreendeu no ano de 1630; e que foi por obrigações que devia ao Mosteiro,

acrescentando - «que bem é tenha trabalho quem participa da honra, pello direyto

querer que estas duas cousas andem sempre junctas».

O autor revela vasta lição de escritores antigos tanto sagrados como profanos, e

alguma perícia em conhecimentos diplomáticos e paleográficos, predicados

indispensáveis para escrever uma longa história fundada quase exclusivamente em

documentos antiquíssimos.

Se não fora o receio de sermos acusados por abusar da paciência da maior parte dos

leitores, publicaríamos na sua íntegra, neste jornal, a crónica do Mosteiro de Grijó; mas

atendendo a que um estilo demasiadamente difuso, carregado com longas citações,

segundo a moda, nessa época, muito embora se compadecesse com o silencioso

Page 15: O mosteiro de são salvador de grijó

15

descanso claustral, não se acomoda ao gosto de hoje, em que o espírito cubiçoso de

novidades abomina leituras estéreis, daremos apenas um conhecimento sinóptico do

contexto do manuscrito, transcrevendo todavia de teor alguns trechos em que por

ventura se possa encontrar alguma utilidade histórica tanto especial como geral.

Começa o autor por dar uma suscinta notícia do valor que nas datas dos nossos mais

antigos documentos tinham algumas letras do alfabeto para designarem, mil,

quinhentos, cinquenta…, fazendo também alguma explicação sobre o valor do X

cortado e não cortado, etc.

(Fotografia antiga do Portal do Mosteiro de Grijó)

Segue-se logo no verso da primeira folha – Declaração do intento que se pretende ter

nesta curiosidade. O discurso sob esta epígrafe é uma espécie de prólogo, em que o

autor menciona, como já dissemos, a causa da empresa, o agradecimento, e faz a

divisão sistemática e subdivisões da obra.

No verso de fl. 2 há uma breve exposição sobre a era de César, causas que houve para

os «hispanhoes» a adoptarem para a sua cronologia, diferença que há de anos entre

ela, e a do nascimento de Cristo, e quando em Portugal se deixou de contar por ela. É

suposto seja matéria, em que devam achar-se versados todos aqueles, que dedicam

algum tempo aos estudos da nossa arqueologia, não julgamos fora de propósito

oferecer aqui de teor este breve capítulo:

«De algumas antiguidades necessárias para se entender melhor o que nestes livros

se escrever.»

«As antiguidades que aqui nos pareceu declarar hão de ser: Era, Ano. E algumas

figuras, por onde os antigos faziam seus cômputos, mostrando logo que coisa seja Era

Page 16: O mosteiro de são salvador de grijó

16

de César, ano de Cristo, da sua Encarnação e da sua Paixão, e quando cada uma de

estas coisas começou e acabou.

Dizemos melhores autores, que escreveram de antiguidade de «Hispanha», que

começaram os espanhóis 38 anos antes da nascença de Cristo, notar, e dar princípio a

suas escrituras, e instrumentos públicos com este nome da Era de César, deixando

desde então as outras contas e anotações de que usavam, e a razão foi (diz Garibay no

compêndio de história de «Hispanha» tom. 1º, liv. 6º, cap. 26; Morales e Fr. Bernardo

de Brito, cronista deste reino na sua Monarchia Lusitana, e outros) por ser este ano de

38 antes da vinda de Cristo, o que os espanhóis tiveram por primeiro e princípio de seu

império; e ser «Hispanha» na divisão do triumvirato imperada por Octaviano César, a

quem como pr+incipe seu quizeram, com isto respeitar e honrar os espanhóis. É

contudo grande dúvida entre os autores até que tempo durou em Espanha este modo

de contar; e deixadas, as várias opiniões que trazem, temos para nós que em Aragão

durou até o tempo de el-rei D. Pedro IV, ano de 1351, como diz Silva bo seu catálogo na

“lei de Hispanha” fl. 172; ou como parece no ano de 1354, e ano de 1358, como afirma

Garibay citado e Estaco nas antiguidades de Portugal, cap. 10, nº 7. Em Castela até o

de el-rei D. João o primeiro, que é o que foi vencido no campo de Aljubarrota,

mandando no ano de 1385, nas cortes que fazia em Segóvia, se usasse de ali por diante

do ano de Cristo, como tem para si Salazar liv. 3º, cap. 18, e Garibay citado. Em

Portugal se fez esta mudança em tempo de D. João I ano de Cristo de 1415, “discat na

lei de Hispanha” fl. 172 de 1422, como aponta a ordenação velha deste reino liv. 4º,

Page 17: O mosteiro de são salvador de grijó

17

tit. 51, a que segue o ilustríssimo D. Rodrigo da Cunha, arcebispo que hoje é de Lisboa,

no catálogo que compôs dos bispos da Sé do Porto, 2ª. P., c.26, e Estaco citado, contra

Genebrardi que querfosse feita esta mudança em Portugal no ano de 1415.

De este modo se usa hoje entre os cristãos, por Cristo ser o que deu princípio à nossa

redenção com seu nascimento, não se usando em Portugal de Era desde o ano de 1422;

se não fosse por erro em que deram escrivães com mais vantagem, e os que

escreveram vizinhos ao mesmo ano. Porém, quando alguns papéis antigos se acharem

escritos com Era de César, saiba-se que é trinta e oito anos primeiro que o ano de

Cristo, como diz Garibay citado no liv. 9º, e 4º, Cunha, Fr. Bernardo de Brito na sua

“Monarchia Luzitana”, Ambrósio de Morales, e a torrente dos historiadores.

Querem alguns que a conta da Encarnação de Cristo começará no ano de 527, e tem

para si Jepes na crónica de S. Bento centúria 1ª, que do ano de 550 começaram alguns

a contar o ano do Nascimento de Cristo, e outros de sua paixão; porém o que deixamos

neste parágrafo assentado parece o mais certo, e conforme a ele se há-de seguir no

computo que fizemos quando nestes livros falámos da era de César.

A fl 4, depois de acabar o parágrafo precedente há outro que o autor expõe os valores

que algumas letras do alfabeto tinham nas datas dos nossos antigos diplomas, tendo

procurado imitar à pena essas letras ou caracteres originais.

A fl 5 há outro parágrafo com a numeração de 3º e com esta epígrafe:

«Dos livros que no archivo do mosteiro de Grijó há, com que se allega no que se

disser adiante.»

§ 3º.

Além dos pergaminhos soltos que há no arquivo do Mosteiro de Grijó, também há

alguns livros antigos e modernos, em que estão escritas muitas doações, privilégios, e

outras coisa, dos quais há um que se chama – Livro Baio-ferrado, que é de meia folha,

de pergaminho, com tábua por fora, que fica sendo um reportório, ou registo de

breves, que os sumos Pontífices passaram a este mosteiro, de cartas de reis, e doações

que muitos fiéis lhe fizeram.

Page 18: O mosteiro de são salvador de grijó

18

(Fotografia antiga – Vista Parcial do Mosteiro de Grijó)

Outro livro pequeno também escrito em pergaminho, que se chama Tombo do

Convento, com tábuas por fora, onde estão alguns trslados autênticos de coisas que

neste mosteiro sucederam.

Tem mais um livro de quarto, que é o treslado autêntico de um tombo que el-rei D.

Pedro mandou fazer por Ivo Giraldes procurador da comarca da Beira de todas as

propriedades, foros, rendas e padroados que este mosteiro tinha, no ano de 1565 (Aqui

de certo houve lapso do amanuense; ou o rei que mandou fazer o tombo não foi

D.Pedro, ou se o foi, então o ano deve ser o de 1365); e dos senhores que nele tinham

comedorias.

Há mais um livro grande que se chama Livro Preto, e é registo de algumas doações, e

cartas de reis, passadas a este mosteiro, inquirições, e outras coisas tiradas da Torre do

Tombo, tudo passado em pública forma, com licença do mesmo rei no ano de mil

quatrocentos e cinquenta e dois (Esta data que no original é alfabética, se é a

verdadeira, corresponde ao reinado de D. Afonso V), e tem selo pendente; e é este livro

de grande autoridade.

Além dos acima há três cadernos em que estão alguns treslados autênticos de alguns

privilégios. É um livro grande antigo de pergaminho que se chama – Tombo que

mandou fazer o Prior D. Affonso Estevens – em que está escrita toda a fazenda deste

mosteiro, com o que cada uma pagava; e algumas memórias que deviam ser escritas

pelos cónegos que então viviam.

Estes são os livros donde tirámos o que ao diante dizemos, e com quem alegámos, que

os escrupelosos poderão ver nos lugares qie apontamos; como também nos demais

papéis conforme os assinalámos, sacos e números, que advertiremos. E posto que

neste cartório estejam alguns pergaminhos antigos, em os quais as firmas são todas da

Page 19: O mosteiro de são salvador de grijó

19

mesma letra, nem por isso deixam de ser originais, porque antigamente não punham

seu sinal, os que confirmavam, e eram testemunhas, senão o escrivão que fazia a

escritura assinava por todos, como deixou advertido o grande indagador de

antiguidade o padre Fr. António Brandão na sua Monarchia Lusitana I, cap. 5º, fl. 129.

Estão muitas escrituras antigas escritas em latim, que era o costume daqueles tempos,

que se veio a perder com o uso; e em Castela por lei particular, em que mandou el-rei

D. Affonso décimo de nome, que se chamava o sábio, por de facto o ser, no ano de

1259, que todas as escrituras reais e mais privilégios, que era costume escreverem-se

em latim, se escrevessem de ali por diante em língua castelhana, como deixa advertido

o catálogo real de Hispanha fl. 143.

A fl. 6 começa o 1. 1º, com o título de – Livro 1º. Da Fundação do Mosteiro de Grijó –

segue-se logo um pequeno exórdio, e no verso da folha tem a epígrafe de uma sub-

divisão.

PRIMEIRA PARTE DO PRIMEIRO LIVRO.

DO NOME QUE O MOSTEIRO DE GRIJÓ TEVE E HOJE CONSERVA

Cap. 1º

De aqui até folhas 8 emprega-se o autor na indagação histórica do vocábulo Grijó,

mostrando por documentos originais do respectivo cartório que o primitivo nome do

loca do mosteiro e do mesmo mosteiro era, no latim bárbaro, o de eglesiola,

ecclesiola, e de S. Salvador de Ecclesiola, egrejinha nome que pelo correr dos tempos

se converteu no de egreijó, e de que Grijó, pelo qual era conhecido nos tempos

modernos. Ainda a fl. 8 começa o cap. 2º com a epígrafe de

(Claustros – Fotografia antiga)

QUEM FUNDOU O MOSTEIRO DE GRIJÓ

Page 20: O mosteiro de são salvador de grijó

20

De aqui até fl. 16 trata da matéria indicada nesta epígrafe, e compreende os cap. 2º, 3º

e 4º e principia o escritor este capítulo dizendo – Não é pequena desgraça não se saber

o autor de qualquer obra gloriosa, heróica, e magnífica, para por ela se lhe dar justo

louvor, que é o prémio devido à virtude, e com que espertam outros a se empregarem

em semelhantes empresas como disse o Espírito Santo - «Virtus laudata crescit».

Vai depois disto relatando as opiniões de diversos autores acerca dos fundadores do

mosteiro, e prova contra a opinião de aqueles, à vista de uma carta de doação

existente no arquivo do mosteiro com data da era de 960, que ele tinha sido fundado

(ano de 922) por Guterro Abbade e seu irmão Ausindo.

Conclui o cap. 4º por confessar que Manuel de Severim Faria no disc. 4º e Pennoto na

Hist.dos Coneg. Regul. L. 2º cap. 32, nº 5, são conformes com este documento. Porém

que o mosteiro já se achava fundado quando se fez aquela doação, porque nela

aparecem já frades figurando como testemunhas.

Sendo verdadeiro o diploma da fundação, como acreditamos que é, não obstante

alguns defeitos que encontrámos na cópia, sem sabermos se devemos fazer cargo deles

a inópia de conhecimento paleográfico da parte do cronista, se à ignorância e leveza

do copista, porque dos erros deste abunda o manuscrito, é certo que os dois irmãos

Guterro Abba e Ausindo fundaran uma igreja ou antes capela na sua quinta chamada

Egrejinha «fundabimus Eglesia in villa, quo (sic.) vocitant Eglesiola»; e lhe dotaram

todos os bens que possuíam, quer fossem herdados de seus antepassados, quer de

outros parentes, ou havidos por compra - «de avolenga, sive et parentella, sive et de

comparandella», para sustentação dos irmãos e irmãs, que ali habitarem e

Page 21: O mosteiro de são salvador de grijó

21

observarem a vida monacal…«pró tollerantia fratruum et sororum qui in ipso loco

habitantes fuerint, et vitam monasticam tenuerint…»

Também na mesma carta de doação mencionaram algumas alfaias, paramentos, e

outros objectos de serviço divino e eclesiástico; sem esquecer um sino de metal, «et

signo medalis».

É patente deste diploma que os dois irmãos fundadores eram homens ricos; dominados

do espírito de piedade, edificaram em propriedade sua, e á sua custa, uma capela ou

ermida, talvez com estabelecimentos contíguos, acomodados, para habitação das

pessoas, que ali fossem admitidas, para se dedicarem à vida religiosa.

Page 22: O mosteiro de são salvador de grijó

22

Assim começaram a maior parte dos mosteiros de Portugal de instituição mais remota.

Associavam-se alguns indivíduos para viverem em comum empregados no serviço de

Deus, oração, pregação e instrução dos povos, sem muitas vezes aparecer nos

documentos declaração alguma de instituto então conhecido, a cuja regra os

associados se obrigassem. Depois de mais desenvolvidos adoptaram os institutos de

algum dos patriarcas das ordens religiosas mais antigas, entre nós S. Bento e S.

Page 23: O mosteiro de são salvador de grijó

23

Agostinho, e organisaram as suas instituições especiais, segundo a disciplina de algum

daqueles santos, para se governarem.

Estas pequenas fundações assim irregulares e isoladas, feitas por actos inteiramente

livres dos primeiros fundadores, foram o embrião de algumas casas religiosas, que no

futuro chegaram a ser grandes potentados, como as de Bentos e Cruzios.

Os devotos fundadores do Mosteiro de Grijó, nem dizem que tinham escolhido para si,

nem obrigam os que lhe sucederam, naquele estabelecimento religioso, a obedecer a

instituto algum; apenas declaram que fundaram aquela igreja «in honorem sancti

salvatoris domini nostri Jesu Chrisri»; dando-lhe assim a invocação de S. Salvador; e,

como já dissemos, dotando-lhe todos os bens para os irmãos e irmãs (talvez frades e

freiras) que aí guardassem a vida monástica.

O cronista deve declarar mais adiante, quando os habitantes deste pequeno

estabelecimento professaram a regra de Santo Agostinho, e se fizeram cónegos

regrantes.

Os cap. 5º, 6º e 7º, que decorrem desde fl. 16 a 22 v., são empregados pelo autor numa

enfadonha investigação da genealogia de Sueiro Fromarigues e sua mulher Elvira

Nunes benfeitores do mosteiro, logo depois dos fundadores.

É admirável como o autor (mas era mania de todos os escritores deste género) em

tempos tão obscuros como remotos, pretende, por hipóteses figuradas a seu modo,

Page 24: O mosteiro de são salvador de grijó

24

encontrar fio genealógico para nos dizer que Sueiro Fromarigues e sua mulher eram

pessoas muito fidalgas, e poderosas naquele tempo; levando o seu entusiasmo pela

exaltação destes benfeitores á inépcia de sonhar em o nome de Elvira uma sílaba

ilustre!! Vamos a ver a habilidade que o cronista de Grijó desenvolveu na

decomposição do nome daquela senhora para fazer esta notável e engenhosa

descoberta.

Os espanhóis e os portugueses, diz o cronista, costumam empregar o artigo – El para

indicar grandeza e majestade, por isso dizem – El-rei - , e não o rei como fazem os

franceses.

O nome Elvira vem escrito no documento assim – Gelvira – que é como antigamente se

escrevia; mas tirando-lhe o G, resta o el, que, anteposto a vira, forma Elvira. E assim

(palavras do autor) do nome=vir, que significa homem, derivaram, vira, que quer dizer

mulher: Logo, Elvira era a senhora mais poderosa, instruída, e ilustre do seu tempo !!

Por este modo o nome de Elvira exprimia em breve monograma o preclaro

merecimento desta excelente senhora. Então não é isto um engenhoso sofisma do

talentoso cronista ?!!

As doações que Sueiro, ou Soeiro Fromarigues e Elvira Nines fizeram ao mosteiro,

foram esta na era de 1170 (ano de 1132) de todas as igrejas que tinham entre Douro e

Águeda, de muitos prédios no lugar de Nogueira e um casal junto ao mosteiro, mas

não transcreveu a carta de doação; e aquele na de 1131 (ano de 1093) das porções que

tinha comprado da dita Igreja de Grijó, que eram metade, e uma terça parte de outra

metade com suas adjenciais e passaes, com as alfaias e utensílios sagrados e profanos,

repetidos quase nominalmente como na já referida fundação e doação, que no ano de

922 fizeram os dois irmãos Guterro, e Aizindo; e de todos mais bens que tinha por

outras partes, que vêm apontados, na doação transcrita de teor de fl. 9 vº a 10 vº.

Vê-se desta carta de doação que Sueiro Fromarigues reuniu ao acto de benfeitor do

mosteiro toda a grandeza de uma esplêndida solenidade, porque a convite dele foi o

bispo de Coimbra D. Cresconio fazer a dedicação da igreja, e na presença deeste

prelado, e de grande concurso de pessoas de ambos os sexos, que vieram tomar parte

na festividade, «in magno concilio virorum et mulierum qui ad gaudium dedicationis

convenerunt», publicou a doação e fez mencionar na escritura dela um grosso numero

de testemunhas a última das quais é – Cresconius Episcopus.

Poderá alguém impugnar a existência dos dois documentos acima apontados, as

doações, a 1ª de Guterro Abba, a 2ª de Soeiro Fromarigues, não obstante o cronista

copiá-las integralmente; e com efeito um leve reparo dá lugar à impugnação, ou pelo

menos a conceder que só uma delas fosse verdadeira; pois se os dois irmãos

fundadores, como já dissemos, doaram a sua igreja com todos os bens, que possuíam,

alfaias, utensílios, etc., para o culto religioso e sustentação das pessoas, que aí

Page 25: O mosteiro de são salvador de grijó

25

vivessem empregadas no serviço de Deus, para que havia de vir Soeiro Fromarigues,

depois no ano de 1093, dar a maior parte dos bens, que já estavam dados?

Nós, sem defendermos a existência de aqueles dois documentos, e até mesmo pondo

alguma dúvida na exactidão da sua trasladação para leitura nova, entendemos que a

objecção proposta deve desaparecer logo, que admita, como efectivamente se deve

admitir, que as igrejas e seus bens eram objecto de herança, entravam em partilhas e

constituíam portanto matéria de transacção.

O capítulo 8º, a fl. 22 vº, é destinado a instruir o leitor acerca do que era Rico Homem,

para demonstrar que o benfeitor do convento Soeiro Fromarigues era um fidalgo da

sublime categoria dos Ricos Homens.

Não damos de teor este capítulo por nos parecer, que o cronista nada acrescenta ao

que escritores antigos e modernos têm dito sobre este assunto.

O capítulo 9º, que ocupa as folhas desde 24 a 27 vº, e tem o título de – Dos sítios e

lugares que o Mosteiro de Grijó tem tido desde que se fundou, - transcrevemo-lo

integralmente por conter algumas especialidades históricas, mais sabidas pelos

documentos, do que pelos livros.

Costumam os que pretendem dar a conhecer alguma cidade, lugar, ou mosteiro,

declararem os sítios, que teve, para mostrarem as variedades dos tempos, que de

ordinário costumam dar sabor, ao que pouco de antes o tinham tirado; de aqui pode

ser, nasceria acharmos muitas terras, e cidades deste reino mudadas de um lugar para

outro, entre as quais é a cidade de Coimbra, fundada em seu princípio por Brigo

Terceiro, rei de «Hispanha», como alguns afirmam, em o lugar, que chamam Condeixa-

a-Velha, que quer dizer Coimbra deixada, como advertiu um curioso, só com o nome de

Coimbriga, tomado do próprio rei que a fundou, no qual primeiro lugar a conservaram

os Romanos; porém depois de Ataces, rei dos Alanos, grande tirano e ariano, a

destruiu, mudando-a para onde hoje está junto ao rio Mondego, distante duas léguas

do lugar antigo, como consta de uma carta que Arisberto, segundo bispo do Porto,

escreveu ao bispo das Idanhas, que traz a Mon. Luzit. Tomo 2º, liv. 6º, cap. 3, e

catálogo dos bispos da Sé do porto, 1ª parte, cap. 3, o qual rei a cercou logo fazendo-

lhe os muros, que ainda hoje tem, em cuja obra trazia a trabalhar como tirano que era,

muitos cristãos cativos, dos quais um era o bispo da mesma cidade, Elipando, e o do

Porto, Arisberto, e o sacerdote Esseno, como adverte a história eclesiástica dos

Arcebispos de Braga, 1ª parte, cap. 71.

Quase o mesmo sucedeu à cidade de Viseu, a qual foi fundada afastada do lugar, onde

hoje está, como adverte o foral, que el-rei D. Sancho I lhe deu, do qual as palavras que

o mostram são …«Milites et clerici, qui in veteri civitate de Vizeu casas habuerint

possideant eas…» nas quais distingue o rei, Viseu o velho, de Viseu o novo.

Page 26: O mosteiro de são salvador de grijó

26

Também se sabe que a Sé da cidade da Guarda esteve primeiro nas Idanhas, pátria,

como muitos querem, de el-rei o Bamba, cavaleiro principal da geração gótica, de onde

ainda hoje conserva o nome que lá tinha, por cujo respeito se chama, nestes nossos

tempos, o seu bispo – Episcopus Egitanensis; efeito tudo do tempo, que costuma

desencaixar, volver e resolver tudo com sucessos não esperados, como alguns disseram

ao mesmo propósito.

Com a mesma variedade tratou o tempo ao Mosteiro de Grijó, porque por tradição

muito antiga dos religiosos de ele, tirada de escrituras antigas, se sabe ter seu primeiro

fundamento em o lugar de Muraceses, pouco distante, de onde hoje está, onde devia

estar pelos anos de 1075, e de 1093, que foi o primeiro ano, em que á igreja se pôs o

nome de S. Salvador, por autoridade do bispo D. Cresconio; do qual sítio, por acharem

ser ventoso, se mudou o mosteiro para onde hoje está, ficando as celas para o sul; e

tenho para mim, foi pelos anos de 1241, porque deste ano até o de 1137 sagrou a

igreja deste mosteiro o bispo do porto, chamado D.Pedro do Salvador. Costume antigo

era sagrarem-se as igrejas, o qual se veio a perder; para que ficasse mais fácil o

desenviolarem-se, e caso que se inviolassem (sic) que devia ser por se fazer de novo,

com a mudança do novo mosteiro; e este foi o segundo sítio, que o Mosteiro de Grijó

teve desde a fundação, no qual foi achado pelos anos de 1536, quando os cónegos

reformados de Santa Cruz vieram para ele, porém a claustra estava para a parte do

norte, onde estavam as casas dos priores mores.

Não se contentaram os religiosos reformados do sítio; assim por o terem por pouco

sadio, como também por lhes parecer pouco acomodado para com zelo da salvação do

próximo servirem a Deus; e assim pareceu bem ao Padre Fr. Braz, religioso de S.

Jerónimo, e actualmente reformador desta congregação (que era o que então

mandava em tudo), e ao Cardeal D. Henrique, Infante D. Luiz, e a alguns religiosos

desta congregação fosse a mudança deste mosteiro para junto do Porto, da banda de

àquem do rio Douro, junto a Vila Nova, na serra, em cima para a parte do nascente; a

qual resolução e mudança confirmou o Papa Paulo III, no ano de 1539, a instância do

católico rei D. João III; com que trataram logo na obra do novo mosteiro, comprando o

sítio, que era parte da Quinta de Quebrantões, no ano de 1540 com licença do mesmo

rei; e com tanto fervor se puseram a ela, que quando foi o ano de 1543 já estava capaz

para nele viverem religiosos; em o qual ano se mudaram para ele, ficando o antigo de

Grijó quase desamparado, somente com um cura secular, servindo só de granja ao

mosteiro novo, ao qual tinha unido o velho o Papa Paulo III, no ano de 1540, em 26 de

Fevereiro, ano sexto do seu Pontificado, porque «quod (são palavras da bula) dictum

monasterium sancti Salvatoris in loco húmido, et minus sano esset constitutum»,

pondo o Santo Padre por obrigação, que no mosteiro velho um ou dois religiosos

«morari tenerentur», o que depois confirmou o Papa Júlio III, no ano de 1552, unindo

ao mesmo mosteiro novo as igrejas da jurisdição.

Page 27: O mosteiro de são salvador de grijó

27

O sítio da serra foi o terceiro que o Mosteiro de Grijó teve, no qual continuou vinte e

um anos, chamando-se o Mosteiro de S. Salvador de Grijó, junto ao Porto, no qual

tempo teve sete priores, que foram D. Manuel, D. Clemente, D. Thomé, D. Vicente, D.

Estévão, D. Lourenço, e D. Henrique, onde viviam com tanto ponto, que na sua portaria

servia um sacerdote secular, que tinha por obrigação ministrar os sacramentos aos

familiares e residir sempre na portaria, a quem se dava, além da sustentação, um

certum quid, e esmola pela missa, que todos os dias dizia; e como as coisas

experimentadas são diferentes do que antes parecem, acharam os padres que tanto,

ou mais doentio era o sítio da serra, que o mosteiro antigo de Grijó.

Não assistia o religioso, ou religiosos, que o Santo Padre mandava; com que entrou o

escrúpulo neles, parecendo-lhes não podia estar o mosteiro antigo de Grijó sem

religiosos, em modo de comunidade; e vendo as contínuas queixas, que os moradores e

fregueses de ele faziam aos capítulos gerais do desamparo, em que ficaram, e ficara

toda a terra, e levados de outros pios respeitos, assentaram no capítulo geral

celebrado no ano de 1564, em o 1º de Junho, tornasse ser habitado o mosteiro antigo;

e que para maior argumento desta congregação, ficasse o mosteiro novo da serra

também com religiosos, para cuja sustentação desse o mosteiro antigo parte da renda,

a qual vieram liquidar os capítulos gerais seguintes; a esta resolução deu logo

consentimento no mesmo ano, em 24 do mesmo mês de Junho, o convento do novo

mosteiro da serra, e os religiosos, queentão nele estavam, eram D. Henrique, prior, D.

Simão, D. Isidoro, D. Constâncio, D. Bazilio, D. Urbano, D. Jerónimo…determinando o

mesmo capítulo geral se chamasse o mosteiro novo – Mosteiro do Salvador do Porto, e

o antigo – Mosteiro do Salvador de Grijó. Com o qual nome continuou o mosteiro novo

da serra até ao ano de 1599, em que o capítulo geral mandou, que para maior

distinção destes dois mosteiros se nomeasse de ali por diante, o da serra – Mosteiro de

Santo Agostinho, e o antigo de Grijó – de S. Salvador, que são nomes, que hoje têm.

A mudança que se fez para o mosteiro antigo de Grijó confirmou o Papa Pio V, no ano

de 1566, 12 calend. Novemb. Anno primo sui pontificatus, sendo Bispo do porto D.

Rodrigo Pinheiro. O mesmo tornou a fazer SS. Padre, no 2º ano do seu pontificado, que

foi o de 1567; porém no capítulo geral antecedente, celebrado no ano de 1564, se

apontaram os religiosos, que haviam de vir para o mosteiro velho eleger seu prior logo,

como fizeram, elegendo ao Padre D. Bazilio, que foi o primeiro prior, que este Mosteiro

de Grijó teve depois que se tornou para o antigo sítio, que parece, podemos dizer, foi o

quarto depois da primeira fundação, com que os religiosos de ele não podem ser

notados de inconstantes, senão de escrupulosos, e ainda prudentes, pois diz o Espírito

Santo – Sapientis est mutare judicium.

Postos os religiosos outra vez no mosteiro antigo, trataram de o fazerem acomodado

para nele poderem estar os religiosos reformados; e para isso fizeram algumas celas

sobre a claustra, que estava para a parte do N., achando ali seria melhor vivenda,

Page 28: O mosteiro de são salvador de grijó

28

aproveitando-se juntamente das casas dos priores mores; e porque as celas ficavam

ainda poucas, fizeram um lanço delas por cima do refeitório, no ano de 1568, sendo

prior D. Vicente; no qual sítio viveram até ao ano de 1598, servindo-se da mesma igreja

antiga, que já não era sagrada.

Com o cómodo que os padres reformados fizeram no Grijó, que ainda chamamos velho,

foram vivendo com pensamento de fazerem outro mosteiro mais grandioso, e que

fosse para a parte S., por acharem frio o em que estavam; e com estes pensamentos

foram continuando até ao ano de 1576, em que resolveram lançar-lhe a primeira

pedra, para a torre dos sinos, se deu princípio, sendo prior o Padre D. Gaspar Brandão,

a obra é louvada dos arquitectos, que a vêm, ainda que reprovado o sítio em que está,

a qual hoje tem oito sinos, dos quais cinco são grandes, e todos mui sonorosos. Teve

antiigamente um sino, que se chamava de Jesus, com estes versos:

«Mille, et quingentis annis post funerem Christi

Adde decem atque novem calculus acta docet.

Cum mihi Dulce datum fuerat cognomen Jesus,

Terríficos tonitruos tellaque sedo Jovis,

Artificem nostrum potes, hoc comprehendere

versu.

Ara sumus, Vuaglevens fusa, Simone duo.

Os quais mostram o nome que tinha quem o fez, e o ano, em que fora feito, para

impedir os trovões (!!). Havia também outro do Santo André que tinha estes outros:

«Andreae laudo, Deum verum plebemque voco.

Clerum congrego, defunctos ploro,

Pestem fugo, fasta decoro. Ano de 1458.»

Os quais se quebraram, e em seu lugar se fizeram outros muito formosos. Após a torre

se foi fazendo o mosteiro, que antes dela tinha principiado o prior D. Pedro, com a

sumptuosidade, que hoje se vê; o qual, tanto que esteve para se poder habitar,

mudaram-se alguns religiosos para ele, que foi no ano de 1599, sendo prior D. Nicolau

dos Santos; entrando a primeira vez nele com cruz levantada, e asperção de àgua

benta, ficando ainda alguns religiosos no mosteiro velho, onde viveram até ao ano de

1624, sendo segunda vez prior o Padre D. Lourenço da Piedade. E estando neste

mosteiro novo se serviram alguns anos da igreja velha, enquanto se a nova ia fazendo,

que foi até ao ano de 1626, dia do nosso Padre Santo Agostinho, que foi o primeiro dia,

Page 29: O mosteiro de são salvador de grijó

29

em que nela se disse a primeira missa, a qual foi pontifical, a qual disse o Padre D.

Sebastião da Graça, actualmente geral desta congregação; o qual templo acabado

será um dos melhores deste reino. Este foi pois o quinto e último sítio que o Mosteiro

de Grijó parece teve, desde que foi fundado; onde continuará até o tempo causador de

todas as vaidades lhe não der outra volta, enfadando-se de sua continuação.

Da terra e bispado, em que o Mosteiro de Grijó foi, e está hoje fundado.

Cap. 10.

A terra, em que o Mosteiro de Grijó teve a sua primeira fundação, e está hoje fundado,

chamava-se de Santa Maria, nome que teve antigamente a terra, que começa desde a

foz do Douro para estas partes, como declaram várias doações, que estão no arquivo

deste mosteiro, e o tem ainda hoje a terra circum-vizinha a ele, que chamamos Terra

da Feira; o seu principal castelo, o qual sabemos de escritura autêntica, que está no

arquivo deste mosteiro, se chamava pelos anos de 1093, Castelo de Santa Maria, sendo

neste mesmo ano em três de Outubro Alcaide-Mor dele Flacencio, e diz o catálogo dos

bispos do porto, 1ª p., cap. 1º, fl. 13 e 16, que chamar-se esta terra da invocação de

Santa Maria , fora, porque, quando os gascões entraram na cidade do Porto, depois de

estar avassalada pelos mouros, e nela fizeram assento e se puseram a conquistar toda

a terra da sua comarca, que então estava sujeita ás armas maumetanas, a toda a que

rendiam punham o nome de Terra de Santa Maria, querendo dizer nisto que ao favor

da Virgem Maria, mãe de Deus, deviam suas armas a vitória que alcançavam…

Não reprovamos a razão, antes acrescentamos continuaria a Terra da Feira com o

nome de Terra de Santa Maria, por assim se chamar a sua cidade do Porto, dentro de

cujo bispado está quase toda, a qual cidade se chama de Santa Maria, e como diz a

Monarchia Lusitana, liv. 9, c. 13, e o declara o título, que tem á porta de sua câmara,

que diz – Civitas Beatae Virginis – o qual tomou da sua igreja matriz, que sempre se

chamou Igrejta Maria, como achei em muitas doações, feitas ao Mosteiro de Grijó, e

juntamente o declara o livro dos óbitos de mesmo mosteiro, onde estão escritos muitos

cónegos daquela Sé, que deviam ser do tempo que ela era dos cónegos regulares,

dizendo: Obiit N. Canonicus Sanctae Mariae do Porto; ao que parece aludiu el-rei D.

Afonso II nas cortes que fez em Leiria, pelos anos de 1254, chamando á cidade do Porto

vila da igreja; e ainda, se nos é lícito de uma coisa tirarmos outras, digo que já no ano

de 848 se chamava esta Terra de Santa Maria, reinando em Portugal D. Ramiro I, o

qual fazendo uma doação ao Mosteiro de Lorvão, neste ano de 848 lhe dá nas rendas

de Terra de Santa Maria, quinhentos soldos; são as palavras latinas: Ego pró meae

Page 30: O mosteiro de são salvador de grijó

30

redemptione animae meorumque parentum in terra vobis, de Sanctae Mariae, quod

annis sólidos quingentos. A qual doação traz a Monarchia Luzitana, liv. 7, cap.13. Pelo

mesmo nome a nomeia João, Abade de Lorvão, no ano de 850, como se pode ver na

mesma Monarchia Luzitana, cap. 14. E os gascões entraram no Porto pelos anos de

963, pouco mais ou menos, como diz a Monarchia Luzitana, liv. 7, cap. 23, reinado de

D. Ramiro III, que é muito tempo adiante, pelo que mais antigo é a Terra da Feira

chamar-se Terra de Santa Maria, que a entrada que no Porto fizeram os gascões.

(Castelo da Feira – Torre de Menagem – Fotografia antiga)

E assim entendo se chamava a Terra de Santa Maria, de uma cidade, que dentro de si

tinha, fundada no monte que hoje se chama Sagitella, tendo pela parte do N. o

caminho mourisco, que os mouros descobriram, e pela parte do P. o mar o qual é

vizinho a este Mosteiro de Grijó; e para a parte do S. as confrontações da cidade, que

nele estava fundada, a qual cidade se chamava de Santa Maria, como declaram várias

doações que no arquivo deste mosteiro há. E que aqui estivesse esta cidade o declara a

Page 31: O mosteiro de são salvador de grijó

31

carta de venda feita a 15 das Kalendas de Dezembro, era de 1124, que é a seis de

Dezembro do ano de 1086, a qual, para declarar a terra vendida, diz - … in villa

Nogueira de Ecclesiola ab integro subtus monte Sagitella discurrente fonte de frui

Lacum, in suburbis civitatis Sanctae Mariae. Se a igreja matriz do Porto deu nome à

cidade, chamando-se cidade de Santa Maria, por ser da mesma Senhora a sua igreja,

também o chamar-se hoje principalmente Terra de Santa Maria à da Feira, pode ser

seja em ordem às muitas casas de oração que dentro de si tem da invocação de Nossa

Senhora, todas de muita romagem e veneração, entre as quais é a ermida de Nossa

Senhora do Campo (a mais antiga de quantas há desde o Douro até ao Vouga); como é

tradição em todos os moradores destas partes de que antigamente era a Senhora da

Terra da Feira, sita dentro do isento deste mosteiro, afastado dele para o N. um quarto

de légua, onde acham remédio para maleitas os fiéis cristãos, que dali levam com

devoção uma pouca de terra; a Senhora das Duas Fontes que muito pouco dista do

mesmo mosteiro para a banda do mar, e está dentro do mesmo isento da invocação de

Nossa Senhora da Nascença, em cujo dia tem feira, e há grande concurso de gente;

Nossa Senhora da Alimieira, que está distante deste mosteiro, para o S. duas léguas e

meia, onde há grande irmandade de clérigos e grande feira no seu dia; a Senhora de

Entre as Águas, que está para a mesma parte três léguas, onde há grande romagem, e

acham indulgência plenária os que no seu dia (que é o de Nossa Senhora da Nascença e

oitava do Espírito Santo), desde as vésperas antecedentes a visitam contrictos e

confessados; e Nossa Senhora das Areias (que tem assim o nome por ficar junto ao

mar, entre as areias da Costa Branca), anexa a S. Cristóvão de Ovar. Com tudo chama-

se esta terra, por uma ou por outra razão, Terra de Santa Maria. Entre ela está situado

o Mosteiro de Grijó.

E para que nada falte aos curioso ,chamava-se, no tempo dos romanos, esta Terra da

Feira Lamgobrica, como adverte Frei Luiz dos Anjos, no jardim que compôs das

muralhas virtuosas de Portugal, fl. 3 e 6, o qual nome lhe deu o principal povo, que em

sitem, chamando-lhe Vila da feira, que então se chamava Lamgobrica, como consta do

itenerário que deixou o Imperador Antonino, que servia de roteiro aos romanos para

não errarem as terras, em o qual tinha posto as principais que então havia de Coimbra

até Braga, que eram – Conimbrica, Emineum, Talabrica, Lamgobrica, Cale, Bracara, e

são, como declara Vasconcelos, Coimbra, Águeda, Aveiro, Feira, Porto e Braga. E como

esta Terra da feira não ter mais circuito que dezoito léguas (como consta de uma

sentença, que está no cartório deste mosteiro), contudo tomando-a toda desde o

Douro, começando de Vila Nova, tem oitenta e oito igrejas, sitas dentro do bispado do

Porto, das quais vinte têm o SS. Sacramento e cinco mosteiros, aos quais estão anexas

104 ermidas, que renderam ao menos 13 contos, excepto a igreja de Riomeão com as

suas duas anexas S. Pedro de Macedo, e S. Martinho de Arada, que são Comenda de

Malta, e costumam render 600$000 reis forros para a Comenda (este ano de 1639

estão arrendadas em 530$000 reis).

Page 32: O mosteiro de são salvador de grijó

32

(Igreja de Rio Meão)

É fama constante e imemorial, fundada em muitas razões, que esta igreja de Riomeão

foi dos Templários; tem mais onze igrejas das quais dez pertencem ao bispado de

Coimbra, e uma ao de Viseu. A gente desta Comarca pertencente ao bispado do Porto

passa de 22.800 pessoas de comunhão, e 6.200 menores, tudo advertido pelo catálogo

dos bispos do Porto. A terra que é somente precisa da Feira tem conde; cuja casa e

paços principais é o Castelo da Vila da Feira em que reside, que renderá onze mil

cruzados. Há mais nesta Comarca da Feira, oito Comendas de Cristo, scilicet – Canedo

com duas anexas; Lobão e Louredo que rende 600$000 reis; S. Miguel de Oliveira com

sua anexa, Sanc’Iago de Riba Ul (Santiago de Riba Ul) que rende 300$000 reis; S.

Miguel do Souto que rende 150$000 reis; S. Vicente de Pereira com a sua anexa, S.

Martinho da Gandara que rende 200$000 reis; Sancta Marinha d’Avanca com as

anexas, S. Mamede de Mondoil, S. João do Loureiro e S. Matheus de Brunheiro que

rende 700#000 reis; Sanct’Iago de Beduido com sua anexa Sancta Maria de Mortoza,

que rende 670$000 reis; S. Miguel d’Arcuzelo com sua anexa; S. Paio d’Oleiros que

rende 150$000 reis, cujo padroado é deste Mosteiro de Grijó; S. Pêro Fins com sua

anexa Sancto Estêvão de Guetim, (onde está uma relíquia do Santo Lenho) que rende

200$000 reis; Sancto André de Lever anexa da dos Medos, que está da outra banda do

rio, que rende 120$000 reis. Tem também esta terra dois morgados, a que chamam de

Villar do Paraizo, que come os frutos da igreja com título de capela, ficando obrigado

mandar dizer certas missas, e dar azeite para a lâmpada do Santíssimo que nela está, e

apresenta cura. O morgado de Fermedo, onde tem duas casas, e padroado da mesma

igreja.

Page 33: O mosteiro de são salvador de grijó

33

Entre a freguesia de Vilar do Paraizo, e de Golpelhares se costuma fazer feira de bois

todas as quinta feiras do mês, onde somente os que compram e vendem, que são de

fora do termo, pagam Siza, e nenhuma portagem, fica uma légua deste mosteiro entre

ele e o Porto.

Além da jurisdição, que o Conde da Feira tem na sua terra, há oito coutos particulares,

que são os de Grijó, o de Pedroso, que hoje é do Colégio da Companhia de Coimbra; o

de Avintes que é o Sendim, das freiras de S. Bento do porto; o de Cucujães, que é do

Mosteiro de S. Bento do mesmo nome; o de Crestuma, que é do bispo do Porto; os

quais todos têm seus juízes particulares. Esta pois é a Terra de Santa Maria, e Comarca

da Feira, dentro da qual está situado o Mosteiro de Grijó.

O bispado dentro de cuja diocese está hoje este mosteiro é o da cidade do Porto.

Verdade é que em tempo antigo era no de Coimbra, não porque estivesse então

fundado em diferente lugar do de hoje, senão porque nos primeiros tempos da

expulsão dos mouros destas partes, chegava o bispado de Coimbra até o Douro,

ficando dentro da sua diocese toda a Terra da Feira; e o do porto não passava o Douro;

no que perseverou até o tempo em que foi bispo dele D. João Pedulialis, cónego regular

dos primeiros doze que instituíram o Mosteiro Real de Santa Cruz de Coimbra; do qual

tempo o bispo por diante ficou o bispado do Porto estendendo-se até onde hoje chega,

compreendendo entre si quase toda a Terra da Feira; no qual bispado houve depois da

sua fundação, e restauração do Mosteiro de Grijó, cinquenta e nove bispos até D.

Geraldo do Rego e da Fonseca, natural da cidade da Guarda, que actualmente tem a

mitra desta Sé, e seja nomeado por presidente do Paço (o que diz Silva no seu catálogo

real de Hispanha, fl 112); suas generosas acções o elevaram, onde aos outros conduz

sua deligência, para que se veja que à virtude dos grandes homens sempre se lhe

reservam prémios devidos a seus merecimentos.

Da província em que o Mosteiro de Grijó está e esteve situado

Cap. 11

A província, em que o Mosteiro de Grijó o foi em seus princípios, e está hoje edificado, é

o que antigamente se chamava Lusitânia; porque, como diz Osório, no prólogo da

história de el-rei D. Manuel I; Rezende, nas Antiguidades de Portugal, liv.3º ; Fr. Luiz de

Sousa na vida de D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga, liv. 1º, cap. 26;

Mon.Lus, liv. 18, cap. 15; o Padre António de Vasconcelos, na descrição do Porto 3 nº 1;

Page 34: O mosteiro de são salvador de grijó

34

Fr. Bernardo de Brito, na Mon.Lus. Liv. 1º, Cap. 15; Duarte Nunes de Leão, na descrição

de Portugal, cap. 1 , e outros, a Lusitânia chegava até ao rio Douro, chamando-se

Lusitânia toda a terra, que está do rio Douro para o sul, até ao rio Guadiana; de cuja

boca os Romanos o demarcavam pela parte do Ocidente, junto à costa do mar oceano,

até à boca do novo Douro; e assim do mesmo rio Douro começava, nos mesmos

tempos, Galiza, para a parte do norte; do que advertindo Plínio, liv. 4º, hist., cap. 20,

disse, que o rio Douro dividia os lusitanos dos galegos, sem que alguma hora se

chamasse a província de entre Douro e Minho Lusitânia, como acrescenta Floriam do

Campo, liv. 1º, cap. 3, e António de Sousa, nas suas flores de Hispanha, 1ª, p. cap.

1º,escel. 4º. Veio-se, porém, pelo tempo adiante chamar Portugal a província de entre

Douro e Minho, com todo o mais reino, com que ficou perdendo o nome antigo, que

tinha de Galiza, e de galegos, os que de ela eram naturais; e quer Garibay, liv. 34,

cap.1º, no compêndio de história de Hispanha, fosse depois da entrada dos mouros; e

posto que não consta ao certo em que ano; contudo por certo temos se chamava já

Portugal entre Douro e Minho, no ano de 1030, como se pode ver em Estaco, nas

antiguidades c. 92; do que fica certo, como diz António de Vasconcelos na Monarchia

Lusitana, liv. 10, cap. 43, como alguns quiseram não ser Santo Teotónio Santo galego,

se não português; porque ainda que nasceu em o lugar de Guinfães da banda de

aquém de Tui, e do rio Minho, foi pelos anos de 1081, pouco mais ou menos, tempo e

ano em que já se chamava Portugal tudo o que estava desde o rio Minho, até o Douro,

nome que lhe deu a cidade do Porto, como afirma Rezende, citado, a quem seguem

muitos grandes autores antigos; e depois a todo o reino, chamando-se todo ele

Portugal da cidade do Porto (como diz, Monarchia lusit., c. 15, fl. 41), da maneira que o

deu a cidade de Toledo a todo o seu reino; e a de Granada, chamando-se este reino de

Granada, e aquele outro reino de Toledo. E quando isto fosse, não se sabe ao certo;

sabemos contudo que, quando el-rei D. Fernando I, de Castela, se partiu tomar

Portugal, ainda se chamava Lusitânia toda a terra, que está do Douro para o sul; e esta

jornada foi pelos anos de 1030, conforme orçou Beuter, 1ª p., cap. 32, e no ano de

1093, em três de Outubro, já se chamava Portugal, como declara a doação que neste

tempo fez Soeiro Fromarigues a este Mosteiro de Grijó, que fica no cap. 2, onde para

declarar este fidalgo o lugar e terra, em que o Mosteiro de Grijó estava fundado, disse

in território portugalensi, e já tinha este nome no ano de 1075, como declara com as

mesmas palavras a carta de compra, que neste ano fez o mesmo Soeiro Fromarigues

da parte da igreja, livro Baio, fl. 56; com que fica claro não estar o Mosteiro de Grijó,

alguma hora fundado em terra que se chamasse Galiza, senão que de princípio se

chamava Lusitânia (nome que lhe deu Luso, filho de Sio Celio, rei de Portugal, catálogo

real de Hispanha, fl. 5), pouco antes do ano da criação do Mundo 2486 (ano de 1466

antes do nascimento de Cristo), como dis Fr. Bernardo de Brito, na Monarchia Luzit.

tom. 1º, liv. 1º, cap. 15, ser Lusitânia tomado por Lisias filho de Bazo, outro rei que fora

do mesmo Portugal, como quer a Monarchia Luzit. citada, e Fr. Nicolau de Oliveira, no

livro que compôs das grandezas de Lisboa tract. liv. E 1º, e tract. 2º, e 16, que era tanto

Page 35: O mosteiro de são salvador de grijó

35

o amor que já naqueles tempos tinham os portugueses aos seus reis, que até no nome

se queriam parecer com eles, como advertiu Sousa, nas Flores de Hispanha. Bem assim

que não era Lusitânia interior a província em que este mosteiro foi fundado por essa

ser a província do Alentejo ou Algarve, como parece quer dizer Sousa, citado, cap. 3º,

excelência 6ª, se não Lusitânia exterior, que era a terra que estava entre o rio Tejo e

Douro; e depois se chamou Portugal, nome que a pouco e pouco foi tomando este

reino; e posto que várias eram as nações, que nesse tempo chegaram a povoar a

Lusitânia, como se pode ver em Fr. Bernardo de Brito, na Geografia, que compôs, que

anda no princípio do primeiro tomo da sua Monarchia Luzitana; contudo, a nação que

habitou antigamente a Lusitânia exterior era dos antigos Turdelos, morando pela costa

do mar, que está da boca do Tejo até ao Douro; a qual nação constava de gente bem

entendida, que se governava por leis escritas em verso, de tempos antigos, como refere

Strabo, trazido por Fr. Bernardo de Brito, citado; e assim os moradores que

antigamente teve a terra, onde se fundou o Mosteiro de Grijó, eram Turdelos, gente de

bom juízo e razão.

E como este nome de Portugal ficou comum a todo o reino, tratou de se dividir em seis

províncias, para maior distinção, pondo os reis de Portugal em cada uma delas seu

corregedor, a quem pudessem os moradores de elas recorrer com facilidade em seus

negócios: uma era entre Douro e Minho, 2ª Trás-os-Montes, 3ª a beira, 4ª a

Estremadura, 5ª Alentejo, 6ª todo o reino do Algarve, como diz o padre António de

Vasconcelos, na Descrição de Portugal, nº 2; e Duarte Nunes de Leão, na Descrição de

Portugal cap.2º. E querendo o padre Fr. Nicolau no livro das grandezas de Lisboa, tr.1º,

cap. 2º, declarar os limites de cada uma destas províncias, diz que a província de entre

Douro e Minho começa da cidade do porto até Valença do Minho e seu termo; a de

Trás-os-Montes do rio Tâmega (que é de S. Gonçalo de Amarante) até todo o bispado

de Miranda; a da Beira desde Aveiro, Coimbra, Guarda, e terra da ribeira de Côa; a da

Estremadura desde Cascais, pelo mar, até à foz do rio Mondego, e por ele acima até à

ponte de Coimbra, e daí até Abrantes (Ita Monarchia Luz., liv. 1º, cap.34); a do

Alentejo, a que está entre o Tejo e Guadiana; a do Algarve, todo o seu reino; e como

seja certo estar o mosteiro fundado dentro de uma destas províncias, tem obrigação,

quem seguir esta repartição dizer, que não está fundado na do Algarve, nem na do

Alentejo, como está claro, nem também na da Estremadura, por ela não passar o

Mondego, nem na de Trás-os-Montes, que começa de S. Gonçalo de Amarante, nem na

de entre Douro e Minho, que começa da cidade do porto, e assim fica a partium

enumeratione fundado na província da Beira, que antigamente se chamava Beira dos

Berones, que habitavam a Lusitânia em tempo do imperador Tibério, como diz o bispo

Pinheiro, nas Annotações 2ª parte. A qual província com pouca corrupção se veio a

chamar Beira, e seus moradores beirões; e parece favorecer Fr. Bernardo de Brito, no

fim da geografia citada, dizer-se chegou à Beira, onde está este Mosteiro de Grijó,

enquanto afirma ser a comarca da beira antigamente dos Turdelos, os quais moravam

Page 36: O mosteiro de são salvador de grijó

36

desde o rio Tejo até ao rio Douro, como já dissemos, e o diz Plínio, liv. 4º e 2º, e

Pomponio Mella.

Duarte Nunes de Leão, declarando as comarcas e correições, que cada uma destas

seisprovíncias tem no lugar citado, diz: que a província da Estremadura tem seis, que

são – a de Lisboa, de Santarém, de Tomar, de Alenquer, de Leiria e de Setúbal; a

província da Beira outras seis, a saber: a de Coimbra, da Guarda, de Lamego, de Viseu,

de Castelo Branco, e a da Covilhã; a de entre Douro e Minho tem quatro, que são – a do

porto, de Viana da foz do Lima, de Guimarães, e a de Ponte de Lima. E tratando este

mesmo autor das terras, que contam cada uma das comarcas e correições, vindo à

comarca de Aveiro, diz a folhas oito, que da sua correição é a vila de Ovar, e a vila e

Terra da Feira. E assim conforme este autor, parece se há-de dizer, que não está este

Mosteiro de Grijó fundado na província da Beira, por não estar dentro das Terras da

Feira, ainda que seu couto confina com elas, mas que está situado dentro da província

de entre Douro e Minho, por pertencer à correição do Porto a terra em que este

mosteiro está fundado; contudo o que a mim me parece é que, falando em rigor, se há-

de dizer está o Mosteiro de Grijó fundado na Estremadura, porque antigamente as

terras que estavam vizinhas ao Douro chamavam-se Extema.Durii, como notou

Monarch. Luz., tomo 2º, liv. 7, cap. 28, como esta está, e este mosteiro está fundado

junto ao Douro, de onde não dista mais de uma légua, que há dele até Arnelas.

Do estado em que estava este reino, e estas partes, assim no temporal como no

espiritual, quando este mosteiro se fundou, até o (tempo) em que entrou o Conde D.

Henrique.

Cap. 12

Fazendo um pouco o pé mais atrás, brevemente direi, sem averiguar as opiniões por

não ser esse o meu intento, que desde que os Romanos tiveram senhoriado Hispanha,

durou o mando sobre ela até ao ano de 343, tendo o império Honório, o Theodosio 2º

do nome, como disse o Fr. Nicolau de Oliveira, no livro das grandesas de Lisboa, tract.

2, cap. 22; ou, como parece melhor, pelos anos de 400, em que governa Arcádio e

Honório, filhos do grande Imperador Theodosio, como refere a história eclesiástica dos

arcebispos de Braga, 1ª p, cap. 9; e novamente Silva, no seu catálogo dos reis de

Hispanha, folhas 10; havendo já rei godo em Hispanha no ano de Cristo de … que se

chamava Ateulfo, que pôs sua corte em Barcelona, como diz Silva, citado fl. 12; e assim

Page 37: O mosteiro de são salvador de grijó

37

fica claro estar Portugal debaixo do império dos romanos ao tempo que nele se

promulgou a fé católica em as partes de entre Douto e Minho, com a entrada que nela

fez a primeira vez o Apóstolo Sanct’Iago, no ano de 40, ou 41, pelas praias de

Matosinhos, pouco distante da cidade do Porto, sendo esta terra a primeira, onde se

ensinou a fé de Cristo fora da Samaria, e seus naturais e moradores os primeiros

cristãos de Hispanha, e ainda do mundo, excepto Judeia, que não é pequeno bem, para

Deus os conservar em sua santa fé.

Aos Romanos sucederem as bárbaras nações, que saindo das três províncias do norte

(Scocia, sic, Suécia e Noruega) a conquistar o mundo, entraram em Itália e França, e

passando a Hispanha a renderam e sujeitaram toda a suas armas, com que se fizeram

senhores de toda ela, matando uns, e cativando outros; e como esta gente era uma

mistura de toda a maldade, a saber, uns cristãos infeccionados com a heresia de Arrio,

e outros gentios e outros idolatras, punham toda a sua felicidade em perseguir aos

verdadeiros cristãos, matando uns, e cativando outros, destruindo suas igrejas e

templos, aplicando a seu serviço tudo o que estava deputado para o ministério de eles;

e assim vindo no ano de 526 Childeberto, rei de França, à Hispanha, com mão armada,

para tomar vingança de Amaberico, seu cunhado, rei dos godos, grande arriano, pelos

agravos que fazia a sua mulher, por ser cristã, depois de o matar, entrou em seu

tesouro, no qual achou sessenta cálices, quinze patenas todas de ouro e de pedras

preciosas, e juntamente achou outros vasos riquíssimos ordenados ao culto divino,

como adverte a história de Braga citada, 1º p., cap. 67, nº 6, as relíquias e corpos dos

santos queimados e lhe faziam muitos agravos, que foi ocasião para os bispos, que se

achavam no concílio celebrado em Braga, ano de 410, determinarem que cada um em

seu bispado escondesse em lugares subterrâneos as santas relíquias com rotolos de

declarassem os nomes delas, fazendo de isso cada um dos bispos rol, o qual mandasse

ao arcebispo de Braga, que então era Pancracio, o qual concílio trás a história referida

cap. 9. Eram estes tiranos una alanos, outros godos, e também suevos, sendo

igualmente honrados os godos e suevos, como notou António de Sousa, nas Flores de

Hispanha, cap. 7, Excel. 3ª, os quais todos depois que tiveram senhoreada toda a

Hispanha, repartiram-na entre si, ficando cada um com seu próprio reino; na qual

repartição ficaram os godos com a Bética, os alanos com a Lusitânia, a Cartaginense, e

os suevos com Galiza, em que entrava todo o entre Douro e Minho, como se pode ver

no catálogo dos bispos do Porto, 1ª p., cap. 1º, folhas 12.

Não se perseverou muito esta repartição por ser muito comum entrar na cobiça, onde

há maior poder; e assim como os godos ficaram mais poderosos, tratou o seu rei de ter

o mando sobre todos, o que foi ocasião para com o poder de suas armas encorporar o

reino dos suevos com o seu, com o que se acabou o reino dos suevos, e quer Baronio

tom. 3, ano 583, Fr. Bernardo de Brito na sua Monarchia Lus. Liv. 6, cap. 19, e a história

eclesiástica dos arcebispos de Braga 1 p. cap. 75 mº 6 e cap 77 in fine fosse pelos anos

de 683 ainda que a outros parece fosse esta incorporação do reino dos suevos com o

Page 38: O mosteiro de são salvador de grijó

38

dos godos no ano de 584, como traz Estacio nas antiguidades de Portugal cap. 68 nº 3,

e alguns fosse no ano de 585, como refere Mon. Lusit. Liv. 20 c. 6 por este ano ser no

que Leovigildo quando tirano, rei dos godos e pai do santo mártir Erminigildo,

conquistou Portugal, como diz o catálogo dos bispos do Porto 1 p. cap. 5, e Silva no

catálogo real de Hespanha fol. 25, onde diz concordam todos os autores não durou o

governo dos suevos mais que 174 anos, e como os trabalhos nunca costumam vir

desacompanhados permitiu Deus por seus altos juízos que no tempo que a cristandade

de Hespanha estava tão oprimida nascesse no ano de 597 o perverso Mafamede, que

se começou a chamar profeta no ano de 622, semeando sua falsa e abominada

doutrina com tal espírito diabólico, que com morrer no ano de 627, nesse mesmo

começou sua falsa e perversa seita, como conta Bellarmino Liv. 3 de Pontif. Ro,. Cap. 4:

catálogo dos bispos do Porto 1 p. c. 7… in fiae, e posto que muitos reis que nestes anos

governaram a Hespanha foram hereges da seita Ariana, alguns houve católicos, e pelo

decurso do tempo vieram a ser cristãos começando de el-rei Recaredo, o qual,

deixando a seita Ariana movido dos conselhos e doutrina de seus tios os santos S.

Leandro e S. Fulgêncio, ficou grande católico. Com o governo de Hispanha

perseveraram os godos 344 anos, como quer Vasco tom. 1, onde trata dos godos, ou

380 pouco mais, como afirma o padre mestre André de Rezende L. 3 das Antiguidades

Lusitanas, ficando tendo cento e vinte e nove anos o governo de Portugal; e querem

alguns historiadores fosse pelo decurso de todo este tempo 36 os reis godos que

governaram toda a Hespanha, começando de Athanarico até D. Rodrigo, que foi o

último, bem assim que o catálogo real de Hespanha não faz menção mais do que de

trinta e três, que deve ser o mais certo.

Aos godos sucederam os Mouros pelo anos de 713 conforme ao computo de Baronio, e

parecer de Fr. Nicolau de Oliveira nas Grandezas de Lisboa trat. 2 cap. 22, que foi o ano

em que começou a conquistar o reino de Hispanha, Ulit monarca da babilónia e grão

califa dos Árabes, tendo por capitães Muça e Tarif, ajudados do conde D. Julião,

cunhado que fora de el-rei, e de Opos ou Orps, arcebispo de Sevilha, e intruso de

Toledo, irmão do mesmo rei, os quais capitães, continuando com sua conquista no ano

de 714, depois de vários encontros que tiveram com el-rei D. Rodrigo, vieram

desbaratá-lo nas margens do rio Guadelete, junto da cidade de Xeres e Medina-Sidonia

num domingo 9 de Fevereiro, como admitiu a história dos arcebispos de Braga 1 p. cap.

6 nº 1 e cap. 10 nº 4, o catálogo dos bispos do Porto 1 p. cap. 11, Estacio nas

Antiguidades de Portugal, cap. 34 e o catálogo real de Hespanha fol. 36. Bem assim

que diz Illascos na história pontif., tomo 1 fol. 237 fora esta disjunctura no ano de 719,

que não tenho por tão certo como o primeiro, o rei D. Rodrigo se acolher a Portugal,

onde morrera na cidade de Viseu, onde se achou a sua sepultura na igreja de S. Miguel

duzentos anos depois da sua perda. Entrados os árabes em Hispanha a avassalaram, e

se fizeram senhores dela em espaço de oito meses destruindo as melhores cidades de

Portugal, entre as quais foram as do Porto e Braga, que deixaram feitas um monte de

pedras, e chegando a Galiza se tornaram para a Estremadura por verem suas terras de

Page 39: O mosteiro de são salvador de grijó

39

mais abundância onde se deixaram estar, e com se perder a Hespanha em tão breve

tempo, gastaram-se quase oitocentos anos em se recuperar, em que se deram três mil

setecentas e nove batalhas, como refere o catálogo real de Hespanha fol. 37.

Tiveram os mouros outros capitães, grandes flagelos da cristandade, entre eles houve

um que se chamava Abderamen e entrou nestes reinos pelos anos de 760, como diz

Estacio nas Antiguidades Lusitanas cap. 34 nº 1, o qual mouro foi tão grande tirano,

que mandava queimar os corpos dos santos, o que vendo os cristãos, tomavam-nos e

as demais relíquias, que nas igrejas achavam e escondiam-nas com as que podiam

trazer consigo, fugiam para terras menos cursadas deste inimigo, onde as escondiam

pondo-lhes letreiros e sinais, com que pudessem contar aos vindouros dos tesouros que

ali deixavam, remetendo à provodência divina a manifestação delas, como adverte Fr.

António Brandão, cronista deste reino, liv. 11 da Mon. Lusit. Cap. 23, Estacio citado.

Depois pelos anos de 920 chegou a estas partes de Portugal outro Abderamen, rei de

Córdova, com grande poder, e pondo cerco à cidade do Porto (que então estava

assentada da bande de àquem onde hoje é gaia) a defendeu valorosamente o conde D.

Erminigildo, até que foi socorrido de el-rei D. Ordonho II que desbaratou o tirano, e o

fez voltar para onde viera com grande perda do exército e riquezas que deixou.

Outro capitão de el-rei de Córdova, chamado Albiazar Iben Albucadan, entrou também

por estes reinos no ano de 936 pouco mais ou menos, sendo rei deles D. Ramiro II de

nome. O qual árabe rendeu a cidade do Porto e outras, em cujo castelo (que era o de

Gaia, de que ainda hoje há alguns sinais), ficou vivendo, até que el-rei Ramiro II com os

seus o mataram na ocasião em que vinha tirar de seu poder a rainha sua mulher, como

refere Fr. Bernardo de Brito no liv. 7 da Mon. Lus. Cap. 21, e no ano de 975 entrou por

Portugal o mouro Ahuraxis rei de Sevilha até Compostela, com tão grande poder que

tudo assolou e acabou de destruir o que ficara em Portugal dos demais trabalhos,

como conta Vasco tom. 1, Mon. Lus. Liv. 7 cap. 23, Estaco cap. 5 nº 2, ficando desta vez

o vale de Arouca de tal maneira desbaratado, que por mais de 26 anos se não tornou a

povoar da maneira que dantes estava, como diz Monarchia Lusitana citada, e não

duvido passasse a mesma desventura em o Mosteiro de Grijó, que já estava fundado,

visto estar pouco distante um do outro. Mais pelos anos de 982 entrou na Lusitânia um

mouro por nome de Almançor, que quer dizer nunca vencido por respeito das muitas

vitórias que alcançou, como adverte o padre Fr. Luiz dos Anjos no jardim das mulheres

virtuosas de Portugal, grande tirano e capitão de Córdova, o qual vindo com o conde D.

Vella fez muitos estragos em muitas cidades de Portugal, que a este tempo estavam

fora do jugo mahometano, entre as quais foi a cidade de Coimbra, ficando debaixo do

poder do bárbaro até à última vez que el-rei D. Fernando lha tirou no ano de 1064,

donde o tirano se passou à cidade do Porto e de aí à de Braga deixando-as um monte

de pedras, e tornando-se a recolher pelas partes da Beira, deixando feito notáveis

extorsões, e os portugueses que viviam desde o rio Douro até ao Algarve sujeitos ao

poder dos mouros, como afirma Mon. Lus.Liv.7 cap. 25, tornando depois no ano de 997

Page 40: O mosteiro de são salvador de grijó

40

este mesmo tirano a Portugal, onde se rebelaram algumas terras das que deixara

sujeitas às suas armas, destruiu as que lhe fizeram resistência, nas quais entrou

Coimbra que desbaratou com tão pouca piedade em 29 de Junho, que se não habitou

de aí a sete anos, o mesmo fez a Montemor-o-Velho, Viseu, Lamego, Porto e Braga,

não deixando em todas elas pedra sobre pedra, e passando a Galiza entrou no sagrado

templo do Apóstolo S. Thiago que roubou, mas não foi sem grande castigo seu, porque

tornando-se foi tão grande a doença que lhe deu no exército, que lhe morreram muitos

soldados junto destas partes do Douro, de que tomou ocasião o valoroso capitão conde

Frojas Vermois, tronco da nobilíssima geração dos Pereira (de quem este conde

procede reconta o catálogo real de Hespanha fol. 42, brevemente) para lhe sair ao

encontro com os Portugueses que pode ajuntar, e dando nos bárbaros antes de subir a

serra de Manhouce os desbaratou, ficando muitos mortos, com o que foi forçado ao

capitão Almançor deixar o caminho que levava, e tornar por Cambra a tomar o

caminho de Coimbra, mas o conde Frojas Vermois lhe tornou a sair ao vale que está

junto ao rio Cambra, onde fez tanta matança nos bárbaros, que chamando-se dantes o

Valle de Osse se ficou chamando Ossella (nome que hoje conserva, e pelo que ali está

fundado tomando o nome dos muitos ossos de mouros de que ficou semeado como

notou Monarchia Lus. L. 7 cap. 25, com que ficou o conde muito rico) por respeito dos

muitos e grandes despojos que os bárbaros deixaram, que tinham tomado nas cidades,

igrejas e mosteiros, e juntamente com grande nome, por destruir um tirano tão

poderoso e tão insolente com tantas vitórias, o que não é pequeno louvor para a casa

da Feira, que dele procede em razão de Frojas. E com estas tiranias sabe-se de certo

ficou em pé e com religiosos o Mosteiro de Lorvão, que está junto de Coimbra; e o do S.

Frutuoso, que é vizinho de Braga, e nos tempos antigos se chamava de S. Salvador,

ambos estão de monges de S. Bento; e ainda dizem que a igreja que tem hoje este

mosteiro é a que fez S. Frutuoso, como adverte a história eclesiástica dos arcebispos de

Braga t. 1 cap. 42 nº 4, que é muito por santo a fundar no ano de 659, como afirma

Gonzaga 3. P. fol. 947 (também o de Vacarissa, Monarchia Lusitana L. 11 cap. 2 ).

Avassalada Hispanha dos Árabes deu Deus espírito ao infante D. Pelaio primo de el-rei

D. Rodrigo, e da nação dos Godos, para que das Astúrias onde estava, desse princípio à

restauração destes reinos, a quem seguiram seus descendentes, dos quais seu genro D.

Afonso, que ficou sendo o primeiro do nome, se opôs com tão grande peito ao inimigo

comum de Cristo, que em poucos anos o deitou de entre Douro e Minho, tomando-lhe

Braga, Porto novo e velho, e a vila de Águeda e Viseu, que foi antes do ano de 757 por

ser este em que este rei morreu, com que mereceu o nome de católico. Bem assim que

tornaram pelos tempos adiante algumas destas terras ao poder dos mouros, porque

sabe-se que no ano de 840 estava por senhor de Gaia Mahamed Cid.Atauf, de Águeda

Amolei Achim, de Viseu Tarif Iben Boges; e de Coimbra Alhamor; aos quais depois el-rei

Ramiro, primeiro do nome, avassalou; e como os cristãos eram ainda poucos, deixou

ficar o rei a estes mouros nas mesmas terras, mas por vassalos seus o que durou até ao

ano de 877 em que el-rei D. Affonso o Magno tirou a Coimbra do governo dos mouros,

Page 41: O mosteiro de são salvador de grijó

41

e outras terras com que ficaram os cristãos que viviam em Coimbra, Terra da Feira,

Porto e na maior parte de entre o Douro e Minho, qietos, na qual quietação duraram

por alguns anos, e assim em 5 de Maio ano de 900 era conde do Porto Erminigildo de

Águeda, seu filho, Árias, como se pode ver numa doação que traz Fr. Bernardo de Brito

na Mon. Lus. Liv. 7 cap. 16 feita por el-rei D. Affonso o Magno: o qual D. Erminigildo

ainda era conde desta cidade no ano de 920 em que defendeu o cerco que el-rei de

Córdova Abderramen lhe pôs, até que foi socorrido por el-rei D. Ordonho II como já

dissemos, e posto que o reino de Portugal foi tão ocupado dos mouros, contudo muitos

dos cristãos se ficaram em suas terras vivendo com eles na lei de Cristo, consentindo-

lhes os mouros ter igrejas e fazer nelas suas cerimónias eclesiásticas, dando-lhes um

cristão dos principais, que os governasse em casos que não fosse de morte, a que

chamavam conde dos cristãos, e pelos anos de 770 havia em Coimbra este governo,

que tinha um fidalgo descendente dos reis Godos, que se chamava Theodo, como

refere Fr. Bernardo de Brito Mon. Lus. Liv. 7 cap. 8, o que consentiram os mouros em

ordem aos tributos que os cristãos lhe pagavam, os quais se chamam muçarabes nome

corrupto do latino: mextiarabes, como advertiu Fr. António Brandão Mon. Lus. Liv. 10

cap. 23. Em Lisboa também permaneceram os cristãos, e foram eles grande ajuda a el-

rei D. Afonso Henriques, quando a tomou, como notou Mon. Lus. Liv. 11 cap. 29.

Quando a Terra da Feira e a que estava desde o rio Minho até ao Mondego da

quietação que ficou, … tendo com a expulsão do mouro Abdrramen, e o governo dos

seus condes Erminigildo e Árias, e do rei D. Ordenço II que entrou no governo de

Portugal no ano de 923. Como afirma a melhor opinião que segue o catálogo real de

Hespanha fol. 51 fundaram este Mosteiro de Grijó os dois irmãos Gustierres e Ausindo,

que devia ser pouo antes do ano de 922, como deixámos assentado no cap. 4 desta

curiosidade, sendo ainda rei Ordenço II e a rainha sua segunda mulher D. Aragonte,

que tinha recebido no ano de 921 o qual rei morreu no ano de 923, como quer Silva no

seu catálogo real fol. 51, ou, como dizem outros, no de 924, a que sucedeu seu irmão D.

Truella, que morreu logo, e assim já no ano de 924 ou 925 era D. Afonso Monge rei, no

qual ano governava as terras de entre Douro e Minho, porto e as da Feira, que já então

se chamavam Terras de S. Maria (Monarchia Lusitana, liv. 7 cap. 18 o conde D.

Gutierres e Árias filho do conde D. Erminigildo que já era morto neste ano de 925)

casado com D. Allara, e o conde Aufoufes casado com D. Thereja, Viseu com as terras

ao redor, renunciou el-rei D. Afonso o Monge estes reinos no ano de 927 em seu irmão

D. Ramiro, II do nome, cujo governo não foi bem recebido dos Portugueses, e assim não

conservou este reino na quietação com que lhe foi entregue, porque em seu tempo

pelos anos de 932 tinha já o governo do porto e castelo de gaia o mouro Alboazar, com

que tornou esta Terra da Feira ao jugo e governo dos Árabes, ainda que depois foi este

mouro morto no mesmo castelo de Gaia, e o próprio castelo arrasado, e a vila

destruída pelos soldados deste Ramiro, na ocasião que vinha tirar do poder do mouro

sua primeira mulher a rainha D. Urraca, como conta Fr. Bernardo de Brito, Monarch.

Lus., liv. 7 cap. 21, com que tornou esta terra ao governo cristão, continuou com o

Page 42: O mosteiro de são salvador de grijó

42

governo de Portugal el-rei Ramiro até ao ano de 950. Repetindo as palavras de Job:

«nu nascido ventre de minha mãe, e nu tornarei à terra» como adverte o catálogo real

fol. 55. Sucedendo-lhe seu filho D. Ordenço, III do nome, cuja morte se antecipou de

maneira que não reinou mais que cinco anos e sete meses, e lhe sucedeu no ano de 955

seu irmão D. Sancho, que por ser doente foi excluído do reino, e levantado pelo rei D.

Ordenço o mau filho de D. Afonso o Monge, mas depois tornou a entrar no reino D.

Sancho o excluído, por já andar são, em cujo tempo entrou por estas partes o mouro

Aluxaris no ano de 975, nas quais fez grandes perdas, como já dissemos, as quais se a

cidade do porto as não sentiu, foi por já não ter neste tempo em que as experimentar.

A cidade estava toda destruída, o castelo de Gaia todo posto por terras; morreu el-rei

D. Sancho no ano de 967, e entrou seu filho D. Ramiro, III do nome, no qual tempo

estava o governo desde o rio Minho até ao Mondego em poder dos senhores cristãos,

dos quais havia neste reino um fidalgo muito ilustre por nome D. Gonçalo Moniz, que

governava as terras de Portugal, e no ano de 972 tinha o governo de Braga e Terras de

S. Maria, e outro, que se chamava Gudesto Moniz, as de Arouca, e posto que em

Coimbra neste tempo havia muitos mouros, contudo não lhe faziam vexação alguma;

tratavam e vendiam uns aos outros, e o governo era dos cristãos. Porém pouco

continuou esta cidade de Coimbra com esta liberdade, porque no ano de 982

assenhoriou o mouro Almançor, quando entrou neste reino com o conde D. Villa, como

já dissemos; com que ficou outra vez debaixo do governo dos Mouros (Mon. Lus. Liv.7

cap. 25) e estas Terras da Feira e todas as que estavam desde o rio Douro até ao

Algarve.

Porém como nas maiores pressas Deus costuma acudir, pouco depois deste trabalho,

no ano de 983 (como quer Fr. Bernardo de Brito na Mon. Lus. Liv. 7, cap. 23 e o conde

D. Pedro, título 36, ou, como parece no catálogo dos bispos do porto 1ª parte cap. 15

entre os anos de 982-985) entraram os Gascões pela foz do rio Douro com uma

poderosa armada, cujo capitão era D. Moninho Viegas, que vinham com zelo da fé

destruir os mouros, e como achassem o castelo de Gaia destruído, e a cidade do Porto

feita um monte de pedras, fizeram novos muros onde hoje está a cidade do Porto, e aí

se fortaleceram, donde faziam guerra aos mouros, que estavam de uma e outra parte

do Douro, com que os cónegos que então habitassem o Mosteiro de Grijó (quando

tempos tão calamitosos os consentissem ter) tomariam alentos por tornarem ver livres

os seus vizinhos do poder dos mouros. Governava o reino de Portugal no ano que estes

novos conquistadores entraram no Porto el-rei D. Ramiro III, que morreu no ano de 982

como parece bem a Silva no seu catálogo, ou como outros querem no ano de 985; e

como não tivesse filho herdeiro de seus reinos, sucedeu-lhe D. Bermudo que morreu no

ano de 999, em cujo tempo tornou esta Terra da Feira a sentir a braveza e tirania do

mesmo tirano Almançor, quando tornou a entrar em todo Portugal no ano de 997,

como reconta Silva no seu catálogo, deixando Coimbra assolada, como já acima

tocámos. Morto D. Bermudo entrou por rei destes reinos seu filho D. Afonso V do nome,

que, opondo-se aos mouros, fez tornar a habitar as terras de Arouca vizinhas deste

Page 43: O mosteiro de são salvador de grijó

43

mosteiro, e tirou outras do poder dos bárbaros, até que estando vercando Viseu foi

morto no ano de 1027, como quer a Mon. Lus. ou de 1028, como diz Silva, em cinco de

Maio, de uma setada que lhe atirou um mouro, que depois o pagou bem. Entrou por rei

seu filho D. Bermudo III, que morreu no ano de 1037 numa batalha que teve com seu

cunhado D. Fernando, infante de Navarra, que veio a ser rei de Castela, o qual se

levantou por rei destes reinos de Portugal, e como por estes anos estavam os mouros

com o governo de Coimbra, era esta Terra da Feira a fronteira dos mouros. Foi

venturoso este reino com el-rei D. Fernando por ele ser o que libertou muitas terras e

cidades de Portugal do poder dos mouros, como foram as vilas de Ceia e Gouveia. Ele

tomou à força de armas no ano de 1038 a 28 de Junho a cidade de Viseu, a de Lamego

a 22 de Junho do mesmo ano e a de Coimbra no ano de 1064, depois de um porfiado e

largo cerco, deixando primeiro destruída a Terra de santa Maria, como refere uma

doação, que o próprio rei fez ao Mosteiro de Lorvão, depois de ganhada Coimbra, que

traz a Monarchia Lusitana liv. 7, cap. 28. Em a qual cidade deixou o rei por governador

o conde D. Sisnando e de outras terras que tinha tomado aos mouros, fazendo-o senhor

de Coimbra, Viseu e Lamego, e das mais terras que estão entre o Douro e o Mondego,

começando pelo Douro abaixo até ao mar, como se pode ver em Frei António Brandão

na Mon. Lus. tom. 3, liv. 8, cap. 4º, o qual rei D. Fernando morreu no ano de 1067, dia

de S. João Evangelista, e na repartição que fez de seus reinos deixou o de Portugal a

seu filho D. Garcia, que depois de o ter governado quatro anos foi vencido pelo irmão

D. Sancho II do nome (que por ser mais velho queria todos os reinos contra o que tinha

prometido e jurado a seu pai) em batalha dada junto de Santarém no fim do ano de

1071. Com que ficou D. Sancho rei destes reinos, e Portugal incorporado com o de

Castela, porém logo no ano seguinte do 1072, como uns querem, ou no ano de 1073,

como parece a Silva fol. 70, foi morto atravessado el-rei D. Sancho, e sucedeu em todos

os reinos de seu pai seu irmão segundo, D. Afonso, VI do nome, de Leão, e primeiro de

Castela, que se chamou o da mão funda em razão de sua grande liberalidade, e não

pelo que se conta do chumbo, como alguns fabulosamente querem dizer. Ao qual foi

posto o nome de imperador, e foi avô de el.rei D. Afonso Henriques. Continuava D.

Sisnando com o governo que dantes tinha destas terras, que deixamos nomeadas, por

lhe ter confirmado el-rei D. Afonso tudo o que seu pai D. Fernando lhe tinha dado, e

assim tem para si Frei António Brandão citado, que a este fidalgo estavam sujeitos

outros que tinham o governo de algumas terras e cidades e castelos que estavam entre

o Mondego e o Douro, e para que conste quais fidalgos fossem, é certo que no ano de

1074 governava a cidade do Porto, Moninho Henriques, as Terras de Arouca, Mem

Moniz, e as Terras de Santa Maria, Egas Moniz, como se pode ver numa doação que

traz Frei Bernardo de Brito, Mon.Lus. Liv. 7, cap. 30, no ano de 1092 (em que consta ser

ainda vivo o conde D. Sisnando) o mesmo governo tinham das terras de Arouca, Monio

Viegas, Odorio Telles e Álvaro Telles, os quais estão assinalados numa doação, feita ao

Mosteiro de Arouca por Frei Adffonso Confesso, que traz a Mon.Lus. liv. 7, cap. 30, e liv.

8, cap. 5.

Page 44: O mosteiro de são salvador de grijó

44

Sucedeu por morte de D. Sisnando no governo de Coimbra o conde Martim Moniz seu

genro, casado com sua filha D. Elvira Sisnandes, o qual governo tinha em 30 de

Dezembro de 1092 e em 27 de Fevereiro do ano de 1093. Este governo se mudou neste

mesmo ano de 1093, e devia ser com a vinda que el-rei D. Afonso VI fez a estas partes;

o qual estava na cidade de Coimbra em 22 de Abril deste mesmo ano de 1093, como

consta do foral, que à mesma cidade então deu, na qual cidade deixou por governador

dela seu genro D. Raymundo, casado com D. Urraca sua filha legítima. Em a qual

cidade o achamos no fim deste mesmo ano de 1093, que se intitulava conde e senhor

de toda a Galiza, de cuja mão devia estar posto o Alcaide-Mor do castelo da Feita, que

em 3 de Outubro deste ano de 1093 se chamava Flauncio, que foi o próprio dia e ano

que este mosteiro se dedicou ao Salvador do mundo, e lhe fez o ilustre cavaleiro Soeiro

Fromarigues uma grande doação, o qual era um dos fidalgos que seguiam a corte do

conde D. Raymundo, com outros do mesmo tempo que tinha na mesma cidade de

Coimbra, os quais estão assinalados numa doação feita em 12 de Novembro de 1094 à

Sé da mesma cidade de Coimbra do Mosteiro da Vacariça, que se podem ver na Mon.

Lus. liv. 8, cap. 5. No qual ano, em 10 de Agosto, tinha o governo das terras de Arouca,

Martim Moniz, do qual lhe devia ter feito mercê el-rei D. Afonso, tanto que deu a seu

genro D. Raymundo o governo de Coimbra, que teve com o governo deste reino de

Portugal antes de nele entrar o conde D. Henrique, pai de el-rei D. Afonso Henriques,

como adverte Frei Luiz dos Anjos, no Jardim das Sanctas Mulheres de Porugal nº 58. O

qual conde D. Henrique tomou posse deste reino no ano de 1090, como quer Silva no

seu catálogo real de Hispanha fol. 73, verso, ou no ano de 1094, cuja memória se acha

em 18 de Dezembro deste ano, sem que até este tempo tivesse governo algum neste

reino de Portugal, como evidentemente mostra Fr. António Brandão, cronista-mór

deste reino, na Mon. Lus . , que compôs com tanta curiosidade, tom.3, liv.8, cap. 8, e

este foi o ano em que este reino se desmembrou dos outros reinos de Hispanha, como

diz Mon. Lus. Liv. 10, cap.6. Com tantas revoltas de guerra, tantas mudanças de

governo e tantas entradas de mouros e destruição de terras, cidades e povoações,

mosteiros e igrejas, como sucederam desde o ano de 922, com que tenho para mim foi

este mosteiro edificado por estas partes comarca, província e terras, que estão entre o

rio Douro e o Mondego, até à entrada que neste reino fez o ilustre conde D. Henrique

no ano de 1094, não é muito faltartem memórias do que neste mosteiro de Grijó

sucedeu por estes anos, máximo até ao de 1093, e posto que duvido haves por estes

anos sempre religiosos neste mosteiro, tenho por certo não padecer naufrágio a igreja

e mosteiro, por constar de uma carta de compra, que no seu arquivo está, a ter

comprado Soeiro Fromarugues, ou a maior parte dela no ano de 1075 em 30 de

Janeiro, como dissemos no cap. 2º, e da doação que este mesmo fidalgo fez no ano de

1093 aos religiosos, ter junto de si muito boas casas para viverem. Teria este mosteiro

e a igreja outro nome antes do ano de 1093, no qual, em três de Outubro, se lhe pôs o

de S. Salvador, como a outros mosteiros sabemos se fez; o que hoje se chama de S.

Frutuoso, em seu princípio se chamava de S. Salvador, e o mosteiro desta congregação,

Page 45: O mosteiro de são salvador de grijó

45

que está junto a Vila Nova do Porto, com se chamar do seu princípio de S. Salvador, o

nome com que hoje se conserva é o de Santo Agostinho; quanto mais bem podia este

mosteiro ter dantes este nome e agora se tornar a dedicar com solenidade ao mesmo

Salvador do mundo por não haver implicação alguma nisso. E assim temos visto os

vários governos temporaes, que passaram pelos arredores da terra, em que o Mosteiro

de Grijó se fundpu, até ao ano de 1090 ou de 1094. Entrou o conde D. Henrique, pai de

el-rei D. Afonso Henriques, no governo destes reinos de Portugal, e de mais fica sabido

que era rei da Galiza e Leão e destas partes D. Ordonho II quando este mosteiro se

fundou, se a sua fundação foi no ano de 922, ou pouco dantes como temos por mais

certo; e sendo sua fundação no ano de 950, como outros disseram, era rei de Leão e

Galiza, D. Ramiro II, e não D. Ordonho II, como disse erradamente o catálogo dos

bispos do Porto no lugar que fica referido no cap. 2, por ser morto D. Ramiro no ano de

923 ou 924. E quando este mosteiro fosse fundado no ano de 1093, era rei de Galiza,

Leão e Castela, el-rei D. Afonso, o sexto de Leão e primeiro de Castela, e governava

Coimbra e estas partes, D. Raymundo seu genro, casado com sua filha Elvira, quando o

conde D. Henrique não tivesse romado posse deste reino já no ano de 1090, como

alguns disseram. Era bispo de Coimbra D. Cresconio, que tinha entrado neste bispado

no ano de 1092, como afirma o cronista-mór deste reino, Fr. António Brandão, na sua

Monarchia Lusitana liv. 8, cap. 7, e assim fica sendo erro manifesto dizer o catálogo

dos bispos do porto 2ª p. cap. 44, fol. 382, que este bispo de Coimbra D. Cresconio

assistira à fundação que deste mosteiro se fizera no ano de 950, não havendo então tal

bispo, e pode ser que nem ainda fosse nascido. Bem assim que assistiu este bispo neste

mosteiro no ano de 1093 em três de Outubro, em o dia em que lhe fez o ilustre e

magnânimo Soeiro Fromarigues (um dos grandes deste reino) uma grandiosa doação,

que no cap. 2º fica referida.

Page 46: O mosteiro de são salvador de grijó

46

(Igreja do Mosteiro de Grijó – Interior)

Page 47: O mosteiro de são salvador de grijó

47

Como o Mosteiro de Grijó sempre foi de cónegos regulares e em seu princípio de

cónegos e cónegas:

Cap. 13

Sempre o Mosteiro de Grijó (e ainda a sua igreja) foi de cónegos regulares de Santo

Agostinho, sem haver fama em contrário nem memória, por pequena que seja, que o

negue. Antes por coisa certíssima o supõem as doações, que pelo decurso do tempo lhe

foram feitas, chamando aos religiosos, que neste mosteiro habitavam, cónegos de

Grijó; bem assim que em algumas achei nomeados com este nome de «monachos», o

que não era porqie de facto o fossem os religiosos, que no Mosteiro de Grijó viviam,

senão por assim o querer nomear a rudeza daqueles séculos, com o qual noma

achamos pelos mesmos anos nomeados os cónegos de Sé do Porto, no catálogo dos

seus bispos, e ainda topamos com algumas escrituras, que estão no arquivo deste

mosteiro, que assim os nomeiam. E se em algumas ocasiões foram chamados os

religiosos do Mosteiro de Grijó com este nome de fradas (como foram na primeira

doação), que se acha feita a este mosteiro por Guterres e Ausindo no ano de 922, que

fica no cap.3, e noutras que pelo tempo adiante se lhe fizeram, era por assim serem

nomeados naqueles primeiros tempos sem distinção de cónegos e frades, com o qual

nome são tembém nomeados os cónegos de Santa Cruz numa carta de venda, feita no

ano de 1164, da qual as palavras que nos servem são: Hace est carta venditionis, et

firmitudinis, quam jussimis facere, Egas Godini, et uxor meã, Maria Pelagii, vobis

donno Joanni Sanctae Crucis priori, et caeteris fratibus, ibi in perpetuum

commemorantibus de illa nostra domo, etc. no qual erro hoje vemos cair muitos

escrivãos, e ainda pessoas de consideração, que querendo nomear os religiosos deste

mosteiro lhe chamamfrades de Grijó. Nem encontra a verdade que temos assentado

chamarem os dois irmãos Guterres e Ausindo, ao prelado deste mosteiro, abade na

doação que fica no cap. 3, dizendo : Inde sibi elegerint abbate, porque muitos prelados

de mosteiro de cónegos se chamam abades, como refere Lanoto, insigne historiador

dos cónegos regulares, que foi ocasião para também se chamar abade o superior que o

Mosteiro de Grijó teve em seus princípios, em que logo foi de cónegos regulares, e com

que sempre continuou.

Costume muito antigo foi, introduzido no tempo da primitiva igreja (século em que

havia mais singeleza e menos escândalo, que no destes tempos) haver mosteiros em

que juntamente havia frades e freiras, dividisos entre si com claustros e paredes,

usando da mesma igreja, de tal maneira que não pudesse perigar a honestidade, e os

mosteiros, que assim eram edificados, chamavam-se dobrados, como adverte a

história eclesiástica dos arcebispos de Braga, 1ª p., cap. 20, Estacio nas antiguidades

de Portugal, cap. 2 , Fr. António Brandão na Mon. Lus. liv. 10, cap. 44. Desta sorte foi

neste reino de Portugal o mosteiro da vila de Tomar, fundado pelos anos de 651 por S.

Page 48: O mosteiro de são salvador de grijó

48

Frutuoso arcebispo de Braga, do qual mosteiro dizem fora freira Santa Erena, ou Eria,

como refere a história de Braga citada.

Foi-o também a igreja colegiada da insigne vila de Guimarães, pátria do grande rei D.

Afonso Henriques, como mostra Estacio no lugar apontado. Da mesma qualidade foi o

mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, cabeça hoje dos cónegos regulares de Portugal,

onde viviam cónegos e cónegas, como declara uma carta de venda, que já fica referida

neste capítulo, na qual indo mostrando os vendedores por onde partia a fazenda que

vendiam diz: In oriente domus sororum Sanctae Crucis, in ocidente via publica, in

aquilone rivulus de Balneis. In vero parte Africa via sororum etc. E acaba a carta :

facta carta era MCCXII.

E é muito certo, no arquivo do mosteiro de Santa Cruz, ter em si cónegas, e ainda não

faltam nele memórias que afirmam perseveraram as cónegas de Santa Cruz até ao

tempo de el-rei D. João III do nome, em que aquele insigne mosteiro se

reformou.Indícios há que fora dos mosteiros dobrados o de Arouca, que hoje é de

Freiras de S. Bernardo, como adverte a Mon. Lus. liv.15, cap. 2. Fora deste reino de

Portugal houve muitos mosteiros desta mesma sorte, e assim diz o cardeal Jacob de

Vitriaco (que floresceu pelos anos de 1220) que havia em seu tempo em Brabante e

Flanonnia muitos mosteiros de cónegas; que estavam juntos dos mosteiros de cónegos,

com os quais se achavam no coro em os dias solenes, e nas procissões fazendo coro

cada um da sua parte.

Por muito provável tenho ser o Mosteiro de Grijó, em seu princípio de cónegos e

cónegas, fundado na doação que Guterres e Ausindo fizeram a este mosteiro no ano de

922, na qual para declararem a quem deixam a sua fazenda dizem o fazem : pró

tolerantia fratrum et sororum, qui in ipso loco habitantes fuerint. E já bem pode ser

estas cónegas sejam as de que faz menção o livro de óbitos deste Mosteiro de Grijó, as

quais chama sorores de Grijó, que é o nome com que a carta de venda, referida neste

capítulo, nomeia as cónegas de Santa Cruz que dizia: In oriente domus sororum

Sanctae Crucis. E as que o livro dos óbitos de Grijó traz são: Pridie nonas martii, Troja,

decimo quarto Kalendas junii, Tareja Soares, quarto idus junii, Maria, pridie nonas

julii, Elvira, decimo septimo Kalendas Setembris, Ermesenda e Eldera, pridie kalendas

setembris, Elvira; decimo septimo Kalendas decembris, Gudinha, quinto Kalendas

decembris, Maria, nos quais lugares se chama cada uma, soror ecelesiolae. E como os

nomes com que se nomeavam sejam dos que antigamentese costumavam, fico mais

crendo serão as cónegas, que este Mosteiro de Grijó teve, as quais entendo já não

havia no ano de 1093 em três de Outubro, ano e dia em que o ilustre D. Soeyro

Fromarigues fez a este mosteiro a doação de que já fizemos muitas vezes menção, que,

a have-las ainda, horvera-se nela de fazer menção das cónegas. E seria porque já S.

Gregório, papa, tinha estranhado haver estes mosteiros dobrados, como diz Santo

António, história, 2ª p. tom. 12, cap. 3, § 14, e o concílio Niceno II, can. 20, e tinha

Page 49: O mosteiro de são salvador de grijó

49

proibido, ainda que tarde se emendou este costume em Hispanha, como advertiu

Estacio nas antiguidades de Portugal, cap. 3º., donde vendo o papa Pascoal II que em

Galiza continuava escreveu ao bispo de Sancto Iago, D. Gelmires, extinguisse de todo

estes mosteiros de freiras, e foi a carta escrita em S. João Lateranense no ano de 1103,

como se pode ver em Marianna liv. 10 cap. 11, que devia ser o fundamento por onde as

cónegas do Mosteiro de Gtijó se extinguiram, e ficou de cónegos regulares, com que

hoje continua com grande louvor de Deus e edificação dos seculares por respeito da

grande observância que nele têm.

Da variedade e numero de religiosos que o Mosteiro de Grijó teve até ser reformado.

Cap. 14

Três géneros e castas de religiosos acho houve no Mosteiro de Grijó pelo decurso do

tempo, até ser reformado. Alguns chamam cónegos obedienciais, os que professavam

muitas vezes com breves Apostólicos, que mandavam ps admitissem, e o modo da sua

profissão era serem recebidos pelo convento, nem fazerem novociado, tomar o Ptior-

Mór as mãos de tal professo entre as suas, dizendo-lhe prometia obediência e pobreza

conforme a sua regra de Santo Agostinho, e dizendo que sim: dizia – In nomine Patris,

er Filii, et Spiritu Sancti, Amen. O prior lhe deitava desta sorte a bênção, estando o que

professava de joelhos; e ficava professo, e depois iam morar onde queriam, ainda que

fosse fora do reino, levando licença do prior, que lhe passava uma carta em que dizia:

Damos licença a N. cónego obediencial deste Mosteiro de Grijó para poder estar tantos

anos em tal terra; desta maneira professou um ano de 1516 em 14 de Outubro, e assim

sei de memórias do Arquivo deste Mosteiro de Grijó, que a um desta casta de cónegos

se deu licença para estar quatro anos na ilha de Angra, onde cuido morreu. O Prior-

Mór D. João Sotil deu licença a outro chamado Pêro Dias, que professou com letras

Apostólicas, para andar fora do mosteiro por onde lhe parecesse, a qual licença depois

da morte deste prior lhe ratificou o padre Fr. Braz, reformando actualmente este

Mosteiro de Grijó.

Outra espécie de religiosos teve o Mosteiro de Grijó, que eram cónegos professos, que

serviam no coro e ministério de altar, dos quais alguns foram estudar a diferentes

universidades, com licença dos Prelados, e convento, fazendo tão grandes progressos

nas letras, que mereceram alguns o título de mestres, como foram o mestre Estêvão

que morreu indécimo Kalendas Martii; o mestre Miguel morto sexto nonas Martii; o

mestre Martinho falecido tertio Kalendas Iulii, e o mestre Fernando, que morreu

decimo quinto Kalendas Novembris; o mestre Martinus diácono, que morreu septimo

kalendas Julii, o mestre Affonsus Colimb, que morreu duodécimo kalendas August, o

metre Didacus, que morreu tertio idus Novembris, consta do livro dos óbitos da Santa

Cruz, e haveria outros muitos cuja notícia nos tirou o descuido e pouca curiosidade dos

Page 50: O mosteiro de são salvador de grijó

50

cónegos, que após eles vieram, dando nota somente dos que nomeamos no livro dos

óbitos deste Mosteiro de Grijó, sem no-la dar do ano em que morreram. E o título de

mestres que tinham, seria ou por lerem nas tais universidades, ou neste mosteiro aos

religiosos dele. Também nos dá notícia o mesmo livro de um cónego chamado

Martinho presbítero, que diz era abade, e morreu quatro kalendas Setembris, o qual

devia ser abade antes de tomar hábito e com ele entrar abadia.

Destes cónegos professos teve este mosteiro alguns ilustres, e pessoas bem aceites dos

reis, e assim achei que na era de 1080 (que monta tanto como ano de 1142) havia

neste mosteiro três religiosos, que se chamam Pedro filho do Conde Afonso, e Pedro

Tissam e Soeyro, aos quais tinha tomado muito à sua conta El-Rei D. Afonso Henriques,

doando-lhe o couto, de Tarouquella para sua sustentação em quanto vivessem e por

sua morte ficasse ao mosteiro para sempre, encomendando-os juntamente muito ao

Prior que então era. O que tudo declara a doação que o rei fez, da qual as palavras que

nos servem são: Trium monachorum Petri seilicet comitis Alffonsi filii, Petri quoque

Ticionis et Suerii, qui vivit in solitudine, quae est in ripa fluminis arde comorantium,

curam agendam devote suscipio, illorumque necessitati obviaredelibero, sed quia

tantia in rebus regalis distenditur cura ut plerumque, quae studiosius agere

deliberat, necessitudine et oblivione coacta posponat salubriori usus consílio

monasterio sancti Salvatoris de Ecclesiola, de hereditate meã testamentum facio;

praedictosque dei pauperes tibi Tretisindo ejusdem loci priori, tuis que sociis, cum

summa animi benevolentica ommendo, quatenus de His hereditates redidit vestro

monasterio victum, ac vestitum competenter habeant, et post corum obitum cadem

haereditas in vestri monasterii júri perpetim testata permaneat etc. Teve também

este mosteiro um Cónego mui valido com el-rei D. Sancho primeiro de nome, chamado

Martim Pais, a quem el-rei queria tanto, que, para mostrar o amor, que lhe tinha, fez a

este mosteiro graça da ermida de Vagos com tudo a que a ela pertencia, que naqueles

tempos ara coisa grandiosa, o que declara o rei na doação que passou, onde para

declarar a razão que o movia fazer esta mercê ao mosteiro diz o fizera: Pro remissione

peccatorum meorum et pró amore Martini Petri, fratis mi, qui me multoties pró hac

largitate suppliciter rogavit; e conclue a carta: Apud Colimbriam XV calendas

stembris era MCC..XII.

Ordenou o covento deste mosteiro que destes cónegos professos estivesse em cada

igreja das que tinha à sua conta um cónego, qual o convento nomeasse, que tivesse o

cuidado de lá ministrasse os sacramentos aos fregueses, a que depois vieram dar outro

cónego por companheiro para melhor observância; com o qual modo de governo acho

este mosteiro na era de 1414, que é o ano de 1366.

Houve também neste mosteiro outra casta de religiosos chamados conversos; estes

eram leigos, e serviam de ajudar à missa e de estar nas quintas e ter o cuidado das

oficinas, e foram tantos os que este moteiro teve, que cuido que só ele teve mais de

Page 51: O mosteiro de são salvador de grijó

51

todos os outros mosteiros, que em Portugal houve de cónegos regulares até à

reformação, porque só no livro de óbitos deste mosteiro se acham 74 filhos seus, e

pode ser tivera mais se não sucedera com eles o que sucedeu, e foi que, costumando

ter eles ter as suas celas no dormitório onde estavam as dos cónegos, parece tiveram

algumas queixa deles, que foi ocasião para os tirarem fora do dormitório e mandar

dormir com os nossos serventes, o que os conversos tomaram tão mal, que fazendo

queixa ao papa Alexandre lhe narraram na súplica que lhe fizeram, em que era

costume terem umas celas no dormitório com os demais cónegos, e agora os tiraram

dele, mandando-os morar com os familiares do mosteiro, o que era ocasião para não

acudirem com tanta pontualidade às missas, e aos demais ofícios, e querendo o Santo

Padre prover no que lhe pediam passou-lhes um breve no segundo ano do seu

pontificado em que cometeu o conhecimento dele ao prior do Mosteiro de S.

Domingos, e ao Guardião de S. Francisco da cidade do Porto, e achando era assim

como diziam, os proveu sem apelação nem agravo, e posto que não tenho notícia do

que os juízes apostólicos fizeram, deviam contudo de fazer com que os cónegos os

tornassem a repor no dormitório para cessar a queixa. E os cónegos deviam também

cessar de tomar mais conversos de novo. E divulgou-se isto tanto depois pelos padres

reformados, que com haver – passante de cem anos que este mosteiro é reformado,

não acho terem tomado mais que seis, dos quais excluíram do hábito dois; que eram

Silvestre da Cruz e Fr. Agostinho por seus deméritos. Entre os conversos antigos se acha

um que se chama D. Godinho, falecido quinto idus Januarii; e outro D. Sugerio que

morreu decimo quinto calendas Februarii; e um João Diácono morto idus octobris, que

parece era diácono antes de o tomarem; e os primeiros tinham o nome de D. por sua

nobreza.

Do número de religiosos que este mosteiro teve de toda esta casta não tenho certeza,

porém em sua primeira instituição poucos deviam ser, e poucos eram pelos anos de

1100, donde as rendas começaram a crescer com a devoção dos fiéis até aos anos de

mil e duzentos, e já acho pelos anos de 1366 haver estatuto feito pelo cconvento deste

mosteiro, que mandava ser necessário para o serviço do mosteiro 22 religiosos de

missa, porém, depois que os priores-mores foram leigos, tiveram as principais rendas, e

os cónegos vieram ser mais poucos, e assim só se acharem nele onze pelos anos de

1536, que foram os que deram posse do mosteiro aos cónegos reformados.

Dos nomes com que se nomeavam os religiosos do Mosteiro de Grijó.

Cap. 15

Antes da reformação cap. 15. Para maior clareza do que no capítulo antecedente fica

dito, me parece propor o presente, onde é de saber que o nome, comum e geral a todos

os religiosos, que neste Mosteiro de Grijó viveram, nos princípios da sua fundação até

Page 52: O mosteiro de são salvador de grijó

52

os anos de 1093, eram frades, desta maneira os nomeiam os dois primeiros fundadores

deste Mosteiro de Grijó, Guterres, ou Gutierre, e Ausindo na doação que lhe fizeram no

ano de 922. Depois do ano de 1093 os chamavam uns, cónegos de S. Salvador de

Eccleziola: outros, cónegos ecclesionenses; e muitos os chamavam, monachos de Grijó;

assim os achamos nomeados em várias escrituras, e outros papéis antigos, que estão

no arquivo deste mosteiro.

Os nomes próprios, e patronímicos de cada um dos religiosos, que neste mosteiro

viveram, eram os que no mundo tinham, no que continuaram até ao ani de 1536, em

que o mosteiro foi reformado. No qual ano os cónegos, que o habitavam eram

Fernandianes prior, Castreiro Rodrigues, G.ar Fernando Rodrigues Pedoroza, Sebastião

Pires, João Pinto, Manoel Rebello, Sebastião Lopes, António Pinto, Francisco Corrêa,

Antonio deAllmeida. E assim nenhum cónego particular tinha dom, como hoje se

costuma, senão somente o que era prelado e superior; verdade é que alguns cónegos

achei nomeados com dom. A saber: D. Julião que morreu septimo idus octobris, que

era sacristão do mosteiro na era de 1305, decimo octavo calendas may, consta de um

prazo em que está assinado (que vem a ser no ano de 1267 em 14 de Abril) D.

Fernando, morto sexto kalendas octobris; D. Guterres, que faleceu duodécimo Kalendas

Februarii; D. Martinho, prior claustral, morto duodécimo Kalendas nobembri, dos quais

nos dá notícia o livro dos óbitos deste Mosteiro de Grijó, e deviam-se chamar assim por

terem o dom de sua geração, e antes que entrassem no mosteiro, que foi a razão por

que alguns conversos se chamaram com dom, como já fica advertido no capítulo

próximo. A razão de que hoje direi adiante, quando tratar dele depois de reformado.

Das Regras Leis e Clausura, que guardavam os Religiosos do Mosteiro de Grijó

Cap. 16

A regra que guardarão os Religiosos, que moraram no Mosteiro de Grijó desde sua

fundação, foi a go grande Patriarca Santo Agostinho, por ela ser própria dos cónegos

regulares, promigénitos e únicos filhos seus, como mostrarei na primeira ocasião que

se oferecer, os quais foram os que sempre habitaram este mosteiro, como já disse no

cap. 13º. Tiveram também os religiosos antigos leis, por onde se governaram, das quais

umas fazia o prior-mór com o convento, pelo decurso do tempo conforme as ocasiões,

que se ofereciam, com as quais topei em várias partes do arquivo deste mosteiro,

outras lhe deixava o visitador que os visitava, e a estas todas chamavam preceitos.

Com outras encontre chamadas estatutos, feitos na era de 1330 (que é o ano de 1292)

em 10 de Outubro, estando o mosteiro «sé vacante», que era o mesmo que estar sem

prior-mór, pelo prior claustral e mais convento; outras mais teriam, mas até agora não

as achei. Ainda que os religiosos antigos deste mosteiro não guardavam clausura por

particular preceito, como guardam os que hoje moram nele, contudo em seus

Page 53: O mosteiro de são salvador de grijó

53

princípios eram recolhidos, não saindo fora senão muitas poucas vezes, isso com tanto

aperto, que não bastava só licença do prelado para saírem fora, mas também era

necessária licença do convento, por assim o mandar em particular lei do Papa Lúcio II,

em 2 de Maio, primeiro ano do seu pontificado (livro baio fol. 2) e no de Cristo 1144. E

o Papa Eugénio III, ano de 1148, em 8 de Setembro, quarto ano de seu pontificado,

dizendo; «Prohibemus quoque, ut nulli fratrum, prefacta professione, absque prioris

totius que cengregationis permissione liceat ex eodem claustro discedere.»

Com que davam os cónegos deste mosteiro tanto exemplo de si em seus princípios, que

una os tinham por homens de Deus, que assim os nomeia Suario Soares na doação, que

lhes fez na era de 1112 (livro baio fol. 11) sexto idus junii (que é ano de 1074, quando a

era esteja certa, do que duvido, em 8 de Junho), e ainda Soares na que lhes fez na era

de 1161, que vem a ser ano de 1123, ambos filhos de Sueiro Fromarigues e irmãos de

Nuno Soares, os quais indo falando a quem faziam doações dizem: Ut possideant illam

homines Dei. E outra feita por Toda Soares na era de 1255 (livro baio fol. 15), e outra

feita por Martim Fromarigues de uma fazenda em Sendim, que era de 1161 (livro baio

fol. 21), e o mesmo diz outra feita na era de 1173, que monta tanto como ano de 1135,

e outras que neste cartório estão. Outras pessoas os chamavam santos nas doações,

que lhes faziam como fez Maior Soares, dizendo deixando tal fazenda «sanctis

hominibus in loco praefacto morantibus.»

Também os nomeiam por homens fiéis; assim chamou Paio Soares numa doação que

lhe fez de muita fazenda, na era de 1117, 12 kalendas maii, que é ano de 1079 em 20

de Abril, dizendo «habeant ipsas haereditates homines iideles» (livro baio fol. 21). E

muitas pessoas os chegaram a nomear com este nome de seniores, como fez Sueiro

Pretario com sua mulhes Ermissinda na era de 1182, que é ano de 1144, numa doação,

na qual diz «nulli liceat nisi Ecclesiolae seniorubus» (livro baio fol. 23). O mesmo nome

lhes deu Garcia Gonçalves na era de 1201, que é ano de 1163, dizendo: «Facio cartam

testamenti monasterio. Ecclesiolae, et senioribus ibi commemorantibus», e mais

abaixo «et ipsis senioribus et corum successoribus», (livro baio, fol 22). O mesmo

nome lhes dá Mendo Affonso numa doação, que lhes faz de certa fazenda, na era de

1176 (livro baio fol.25), que parece viam aos cónegos deste mosteiro proceder com

tanta prudência e virtude, que não se diferençavam uns dos outros, mostrando-se em

tudo velhos demais, como na Escritura Sagrada, por este nome seniores populi, são

entendidos os de maiores prendas, juízo, prudência, conselho, e demais virtude, (Ita

Machado, F. 1, cap. 12, cap. 14 – Act. Cap. 4 e 6). Parece que em os dotadores darem o

nome de seniores aos cónegos deste mosteiro era por neles verem todas estas virtudes,

que era ocasião para os fiéis cristãos lhe fazerem grandes mercês, chegando muitos a

dar-lhe quanto tinham, contentando-se com que o mosteiro os sustentasse enquanto

vivessem, como achará o que ler o arquivo deste mosteiro. E os reis deste reino lhe

deram muitos privilégios, e fizeram outras mercês, que iremos vendo em seus lugares,

na qual perfeição continuaram muitos centos de anos, e ainda se tratavam com

Page 54: O mosteiro de são salvador de grijó

54

respeito os cónegos deste mosteiro no tempo de El-Rei D. Afonso V, não saindo fora

senão a cavalo com aparelhos de sela e freio, e assim posto que pelos anos de 1450

não pudesse religioso algum andar em besta muar selada, por lei particular que o

proibia, contudo El-Rei D. Aonso V, que então reinava passou a 2 de Agosto do mesmo

ano uma carta, estando em Lisboa, por modo de alvará a este mosteiro que tem em

seu arquivo, em que diz: «Fazendo saber que nós, querendo fazer mercê a D. João,

Prior do nosso Mosteiro de Grijó, temos por bem e queremos d’aqui em diante elle e

dous religiosos, que comsigo tomar, e a algumas partes mandar por seu proveito,

possam andar em bestas muares de sellas e freio, sem embargo de quaesquer leis

etc. E assim mando ás justiças as não coutem.»

Qual fosse o breviário por que rezavam os cónegos deste mosteiro não tenho até agora

nptícia certa; porém parece-me seria o que era naqueles primeiros tempos comum em

toda a hespanha, para o que é bem se saiba de como no quarto Concílio Toletano,

celebrado no ano de 633, ou 634, sendo rei de Hespanha Sisenando, se encomendou a

Santo Isidoro, bispo de Sevelha, presidente do mesmo concílio, fizesse um missal e um

breviário, que corresse em tofa a Hespanha, o que de facto fez o santo arcebispo, e foi

breviário de tanta satisfação, que o aprovou por vezes a Sé Apostólica, e assim se usou

dele por muitos anos em toda a Hespanha, pelo qual ainda se reza numa capela da Sé

de Toledo, como adverte o Catálogo dos Bispos da Sé do Porto, 1ª p., cap. 6, a qual

capela chamam dos mossarabes, e ao ofício, ofício mossarabe, ou mixtarabe, sendo a

razão por ser este ofício o que rezavam os cristãos que viviam entre os árabes, que

conquistaram Hespanha, porque, ainda que os mouros entraram em toda a Hespanha,

e possuíram quase todas as terras do nosso Portugal, estiveram pouco tempo em

algumas, e noutras consentitam houvesse cristãos, pagando-lhes por isso certo tributo,

como deixamos assentado no cap. 12, e assim por este respeito persevaria o breviário

de Santo Isidoro nestes reinos, pelo qual rezariam em seus princípios os cónegos deste

mosteiro de Grijó; e tenho para mim perseveriam com esta reza até ao ano de 1137,

pouco mais ou menos, que foi o tempo em que D. João Peculiar esteve eleito em bispo

da Sé do Porto, estando actualmente reformado este mosteiro, na qual reforma é

muito possível mandasse rezar o breviário com que rezassem os cónegos do Mosteiro

de Santa Cruz de Coimbra, donde ele era cónego, e dos primeiros que houve naquele

mosteiro, visto serem todos da mesma profissão, e o breviário por que rezavam então

os monges de Santa Cruz era o por que rezavam os cónegos de S. Rufo, sito em

Avinhão, aonde o mandaram buscar e juntamente as constituições que tinham, a saber

das cerimónias, que guardavam, por terem ao mosteiro de S. Rufo em grande

observância, na qual queriam pôr também o Mosteiro de santa Cruz, pelo que deste

ano de 1137 em diante deviam os cónegos do Mosteiro de Grijó rezar pelo breviário

com que rezavam os cónegos do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. E já bem pode ser

que também se governariam pelas mesmas instituições, porque se governavam os

cónegos de Santa Cruz, e fariam as cerimónias que nele se faziam, para que en tudo se

parecessem filhos de S. Agostinho e irmãos da mesma regra e hábito; e pelo tempo

Page 55: O mosteiro de são salvador de grijó

55

adiante iriam acrescentando a estas, ou diminuindo delas o que o tempo trouxesse;

porém, como de isto não tenho a certeza, não o deixo dito acima. Era tão em estima

um breviári, que consta de uma doação, que neste cartório está feita, na era de 1178,

na qual Pedro Paedis, abade da Igreja de Avançada a este mosteiro o seu breviário

(luvro baio, fl.29).

A quem estavam sujeiros os religiosos deste mosteiro, assim no temporal como no

espiritual.

Cap. 17

Diz Gabriel Pannoto na Historia Geral dos Cónegos regulares, liv. 2, cap. 61 in fine, que

o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra no princípio da sua fundação excrevisse in

congregatione multorum collegiorum, no que parece supõe este autor eram

antigamente os mosteiro de Cónegos Regulares de Portugal postos em congregação,

que me não parece houve em algum tempo, antes entendo que sempre cada um dos

mosreiros de Cónegos Regulares se governou por si, sem dependência de outro, de

sorte que ainda hoje se governam muitos mosteiros de Cónegos Regulares, que estão

no estado de Polónia, bem assim que os cónegos de uns mosteiros iam morar a outros,

como sucedeu a Santo António de Pádua, que, sendo filho e cónego do mosteiro de S.

Vicente de Fora, de Lisboa, veio morar ao de Santa Cruz de Coimbra; ainda iam ser

priores a um mosteiro os que eram cónegos de outro, como temos notícia de um D.

Pedro Soares, ou D. Soares, que, com ser cónego de Santa Cruz, veio ser prior deste

Mosteiro de Grijó, de que me deu notícia o livro de óbitos deste mosteiro, onde se diz

sexto Kal. Decembrio obiit D. Soerius Canonicus Dancta Crucis, et quimtus Prior Sancti

Salvatoris Ecclesiolae, de que determino tratar em capítulo particular, deixando neste

assentado não fora alguma hora o Mosteiro de Grijó posto em congregação, nem

nenhum dos mais de Portugal, porque a haver tal congregação houvera de constar-nos

de algum geral que houvesse, assim como nos consta dos priores que cada mosteiro

teve, e assim cada mosteiro se governava por si, sem subordinação a outro, da maneira

que hoje vemos governarem-se neste reino de Portugal os mosteiros de freiras.

Contudo, assim como o corpo natural é necessário tenha cabeça que o governe, da

mesma sorte o corpo místico (que é qualquer comunidade) tem necessidade de cabeça,

e quando esta é somente então o governo é melhor, como notam os que desta matéria

escrevem, e provando por melhor o governo «monarchico», fundado no dito comum –

Omnis gubernatio est a bono. Esta cabeça não faltou ao Mosteiro de Grijó, porque

sempre teve prelado que a governou por todo o discurso do tempo, assim no espiritual

como no temporal, e quais e quantos prelados fossem diremos adiante; por ora fique

certo teve sempre prelados, a quem os cónegos deste mosteiro obedeciam, e por ele

recebiam os castigos que lhes dava, e assim se algum fugia do mosteiro o mandavam

Page 56: O mosteiro de são salvador de grijó

56

buscar por justiça, e como algumas vezes sucedia irem-se meter em casas de pessoas

poderosas os que algumas vezes saiam furtivamente do mosteiro, de onde o prior os

não podia tirar, deu conta a el-rei o prior, o qual lhes passou uma carta, (que este

mosteiro conserva em seu arquivo) em que o rei manda às justiças os vão prender,

onde quer que estiverem, e os tragam ao mosteiro, e assim o prior deste mosteiro era o

que castigava os cónegos dele, que via faltos e defeituosos em alguma das leis,

costumes e observância do mosteiro, pelo que para que não pudesse outro superior

castigá-los concedeu el-rei D. Afonso V na era de 1393, ano de 1355 que as querelas ou

denunciações, que se fizessem em algum tribunal deste reino de algum cónego deste

mosteiro fossem remetidas ao seu superior, a qual carta está no cartório deste

mosteiro. Reservava o prelado alguns casos assim de que só ele os podia absolver, pelo

que quando dava licença a algum cónego para ir fora por espaço de tempo, na carta,

que lhe passava, declarava se poderia absolver dos casos que assim tinha reservados,

como achamos em alguns, passados a certos cónegos.

Verdade é certa que, além das repreensões ordinárias, que o prelado dava aos cónegos

deste mosteiro, vinha em cada ano visitá-lo tam in capita quam in membris um

visitador, que sempre era apostólico, e tenho notícia se chamou um destes visitadores

apostólicos D. Guilhelmo Pallato, que visitou este mosteiro pouco antes do ano de

1365, deixando-lhe leis particulares em prol do mosteiro, a quem dava este um certum

quid (tombo do mosteiro, fol. 35) quando o vinha visitar, e sei que no ano de 1366

importava dezanove libras e meia, com que os cónegos andavam mais avistados com

as leis de sua obrigação.