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1 AVENIDA PAULISTA O Mistério do Casarão
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O Mistério do Casarão€¦ · Esse perfil estritamente residencial da avenida permaneceu até meados da década de 1950, quando o desenvolvimento econômico da cidade levava os

Jun 26, 2020

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AVENIDA PAULISTA

O Mistério do Casarão

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JOSÉ ARAÚJO

AVENIDA PAULISTA

O Mistério do Casarão

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Copyright© 2014 #José Araújo

Título:

Avenida Paulista – O Mistério do Casarão.

Edição: José Araújo

Revisão: José Araújo

Editoração Eletrônica: José Araújo

Capa: José Araújo

1 - Literatura Brasileira. 2 - Romance. 3-Ficção

1ª Edição 2014

ISBN: 978-85-8196-610-6

A reprodução de qualquer parte desta obra é

vedada sem a prévia autorização do autor.

Esta é uma obra de ficção, portanto é fruto da

imaginação do autor e, quaisquer semelhanças dos

personagens ou coincidências, com nomes e

pessoas reais, são apenas mera casualidade.

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Dedicatória:

Dedico esta obra aos paulistanos que elegeram

a Avenida Paulista como a mais paulista de

todas as avenidas e que se orgulham de viver em

São Paulo, a cidade que nunca dorme, com seus

encantos, seus mistérios, terra de muitos amores,

tantas paixões.

Este romance, uma obra de ficção, onde nomes,

sobrenomes e qualquer semelhança com a vida

real é mera imaginação do autor, é uma

homenagem a esta avenida que ao longo dos

séculos tem sido fonte de inspiração aos poetas,

escritores e artistas de um modo geral.

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A Avenida Paulista nos dias de hoje, é o coração

financeiro de uma cidade que foi adotada por

muitos que aqui chegaram como sua segunda

mãe e nela construíram suas vidas, ajudaram a

fazer a história de São Paulo.

Muitos que nela vivem e trabalham, não

conhecem muito de sua história, mas a paixão à

primeira vista e amor que sentem por ela, nasceu

pelo simples fato dela ser simplesmente a

Avenida Paulista, palco de grandes

acontecimentos, orgulho da cidade de São Paulo

e dos paulistanos e que ainda conserva em

alguns pontos de sua extensão, alguns dos

casarões da Época de Ouro, tesouros da

arquitetura daquela época, que despertam

curiosidade aos turistas e pessoas de nosso

tempo que por ela passam, vinte e quatro horas

por dia.

José Araújo

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A AVENIDA PAULISTA

Difícil é imaginar que a região, em meados de

1782, era apenas uma grande floresta, chamada

pelos‖ índios‖ de‖ Caaguaçu‖ (em‖ tupi‖ “mato‖

grande”).‖Era‖ali,‖atravessando‖o‖sítio‖do‖Capão,‖

que a estrada da Real Grandeza cortava a

vegetação grossa por uma pequena trilha.

Quando o engenheiro uruguaio Joaquim

Eugênio de Lima, juntamente com dois sócios,

compraram a área, começaram a trabalhar na sua

urbanização de forma inovadora, criando

grandes lotes residenciais. Em 8 de dezembro de

1891, foi inaugurada a primeira via a ser

asfaltada e a primeira a ser arborizada. A

população da cidade não passava de cem mil

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habitantes quando se fez a Avenida Paulista.

Seu desenvolvimento prosseguiu com a

inauguração do Parque Villon, em 1892. Anos

mais tarde o nome do parque foi mudado para

Siqueira Campos e em seguida Parque Trianon,

como permanece até hoje. Sua área verde é

remanescente da Mata Atlântica, possuiu

espécies nativas e diversas esculturas.

Em 1903, empresários paulistas fundaram o

Instituto Pasteur de São Paulo. Direcionado para

a pesquisa do vírus rábico, desde o início, esta

instalado no mesmo edifício. O Sanatório Santa

Catarina, primeiro hospital particular da cidade,

foi construído em 1906. Atualmente, a região

abrange um dos maiores complexos hospitalares

do mundo.

Na década de 50, as construções residenciais,

com seus estilos variados, começaram a ceder

lugar aos edifícios comerciais. Um dos marcos da

arquitetura moderna foi a inauguração do

Conjunto Nacional, em 1956.

A região atraiu muitos investimentos por estar

bem localizada e por possuir grande

infraestrutura. Todo esse interesse consolidou a

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Avenida como o maior centro empresarial da

América Latina. Por causa da grande quantidade

de sedes de empresas, bancos e hotéis, a Paulista

recebe milhares de turistas de negócios todos os

dias.

Além da vocação econômica, a Avenida oferece

uma rica variedade de programas culturais. O

MASP – Museu de Arte Moderna Assis

Chateaubriand – inaugurado em 1968, possui o

acervo da arte ocidental mais significativa dos

países latinos. A Casa das Rosas foi concebida

em 1953 por Ramos de Azevedo nos padrões do

classicismo francês. A galeria de arte hoje é

tombada por seu valor histórico. Essas pérolas

culturais e tantos outros cinemas, teatros, centros

culturais e cafés instalados na Paulista garantem

um passeio repleto de opções. As pessoas que

circulam por toda sua extensão de 2,8

quilômetros, tanto utilizando o metrô, como

ônibus ou a pé, encontram diversos restaurantes

e lanchonetes, conhecem os magníficos prédios e

obras que se espalham por ali.

A Associação Paulista Viva foi criada no final da

década de 80, com o objetivo de preservar a

imagem do símbolo de São Paulo e melhorar a

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qualidade de vida de todos que frequentam a

mais famosa via da cidade, a Avenida Paulista.

A Avenida Paulista é um dos logradouros mais

importantes do município de São Paulo, a capital

do estado homônimo.

Considerada um dos principais centros

financeiros da cidade, assim como também um

dos seus pontos turísticos mais característicos, a

avenida revela sua importância não só como

polo econômico, mas também como centralidade

cultural e de entretenimento. Devido à grande

quantidade de sedes de empresas, bancos, hotéis,

Hospitais e instituições culturais, como o MASP,

movimentam-se diariamente pela Avenida

Paulista milhares de pessoas oriundas de todas

as regiões da cidade e de fora dela. Além disso, a

avenida é um importante eixo viário da cidade

ligando importantes avenidas como a Dr.

Arnaldo, a Rebouças, a 9 de Julho, a Brigadeiro

Luís Antônio, a 23 de Maio e a Rua da

Consolação.

A avenida foi criada no final do século XIX a

partir do desejo de paulistas em expandir na

cidade novas áreas residenciais que não

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estivessem localizadas imediatamente próximas

às mais movimentadas centralidades do período,

por essa época, altamente valorizadas e

totalmente ocupadas, tais como a Praça da

República, o bairro de Higienópolis e os Campos

Elísios. A Avenida Paulista foi inaugurada no

dia 8 de dezembro de 1891, por iniciativa do

engenheiro Joaquim Eugênio de Lima, para

abrigar paulistas que desejavam adquirir seu

espaço na cidade.

À época, houve grande expansão imobiliária em

terrenos de antigas fazendas e áreas devolutas, o

que deu início a um período de grande

crescimento. As novas ruas seguiam projetos

desenvolvidos por engenheiros renomados, e nas

áreas mais próximas à avenida e a seu parque

central os terrenos eram naturalmente mais caros

que nas áreas mais afastadas; não havia apenas

residências de maior porte, mas também

habitações populares, casebres e até mesmo

cocheiras em toda a região circundante (vide

memórias de Lucia Salles). Algum tempo após a

construção da avenida foram aprovadas leis que

desviavam o tráfego de muares e animais de

carga devido ao grande volume de excremento

depositado na via carroçável e à impossibilidade

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de o poder público mantê-la limpa; logo, o

tráfego foi desviado para a rua que ladeia a

Avenida Paulista e hoje é a Alameda Santos,

sendo autorizado apenas em horários pré-

estabelecidos. Seu nome seria Avenida das

Acácias ou Prado de São Paulo, mas Lima

declarou:

"Será Avenida Paulista, em homenagem aos

paulistas".

No fim dos anos 20, seu nome foi alterado para

Avenida Carlos de Campos, homenageando o

ex-presidente do estado, mas a reação da

sociedade fez com que a avenida voltasse a ter o

nome com o qual foi criada e é conhecida até os

dias de hoje.

A avenida foi aberta seguindo padrões

urbanísticos relativamente novos para a época,

seus palacetes possuíam regras de implantação

que, como conjunto, caracterizaram uma ruptura

com os tecidos urbanos tradicionais. Os novos

palacetes incorporavam os elementos da

arquitetura eclética (tornando a avenida uma

espécie de museu de estilos arquitetônicos de

períodos e lugares diversos) e dos novos

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empreendimentos norte-americanos. Estavam

todos isolados no meio dos lotes nos quais se

implantavam, configurando um tecido urbano,

diferente do restante da cidade, que alinhava a

fachada das edificações com a testada do terreno.

Isso fez com que a avenida possuísse uma

amplidão espacial inédita na cidade.

A Avenida Paulista foi a primeira via pública

asfaltada de São Paulo, com material importado

da Alemanha.

Esse perfil estritamente residencial da avenida

permaneceu até meados da década de 1950,

quando o desenvolvimento econômico da cidade

levava os novos empreendimentos comerciais e

de serviços para regiões afastadas do seu centro

histórico. Em pouco tempo, praticamente, todos

os palacetes da avenida tinham sido vendidos e

substituídos por pequenos prédios de escritórios

e comércio.

Durante as décadas de 60 e 70, porém, e

seguindo as diretrizes das novas legislações de

uso e ocupação do solo, e a valorização dos

imóveis incentivada pela especulação

imobiliária, começaram a surgir naquele local os

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seus agora característicos "espigões" - edifícios

de escritórios com 30 andares em média.

Durante esse período, a avenida passou por uma

profunda reforma paisagística. Os leitos

destinados aos veículos foram alargados e

criaram-se os calçadões, caracterizados por um

desenho branco e preto formado por mosaico

português. O projeto de redesenho da avenida

ficou a cargo do escritório da arquiteta-paisagista

Rosa Grena Kliass, enquanto o projeto do novo

mobiliário urbano da avenida foi assinado pelo

escritório Ludovico & Martino.

A avenida possui muitos restaurantes que

recebem diariamente milhares de pessoas que

moram e trabalham na região. Nela se localiza o

famoso MASP e também o parque Trianon.

Possui faixas largas para pedestres e a linha 2 do

metrô serve a avenida inteira. Tem o edifício da

FIESP, que também abriga o SESI, que, por sua

vez, possui um teatro para apresentações

gratuitas e uma biblioteca com um acervo vasto e

muitos livros novos, permitindo o empréstimo

gratuito a qualquer pessoa que leve um

comprovante de endereço.

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É famosa também a antena do prédio da

Fundação Cásper Líbero. É a maior e mais alta

da Paulista e chama a atenção devido à sua

iluminação amarelada. O mesmo prédio também

é famoso por suas escadarias, pelo Teatro

Gazeta, pela sede da TV Gazeta, da Rádio Gazeta

FM, da Faculdade Cásper Líbero e pelo cinema

Reserva Cultural.

No seu conjunto arquitetônico, possuía vários

casarões dos Barões do café. Poucos casarões

ficaram e sem duvida nenhuma, aqueles que

sobreviveram às demolições para construções de

arranha-céus e estacionamentos, despertam a

curiosidade e o encanto daqueles que por eles

passam, imaginando como seriam nos tempos de

glória e também, como teria sido a vida de seus

moradores ao longo dos tempos.

Nada mais natural do que surgirem lendas

contadas de boca a boca, das quais a maioria não

passava mesmo da mais pura imaginação,

outras, frutos de acontecimentos reais talvez

distorcidos, mal interpretados, mas seja como

for, lenda é lenda, não é mesmo?

Ou será que onde há fumaça, há fogo?

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CAPÍTULO UM

O Pavilhão de Exposições do Anhembi

estava lotado. No meio de tanta gente, de

repente alguém gritou:

—Pare! Quero falar com você!

Marília Franco de Melo ignorou a ordem,

certa de que não falavam com ela. Aliás, sentiu

pena da pobre pessoa para quem o grito fora

dirigido. Mas logo desviou a atenção, pois tinha

bastante com que se preocupar.

Como escritora havia lançado dois livros;

no entanto, aquela era a primeira vez que

participava de uma Bienal do Livro, nesse ano se

realizando em São Paulo. Seu recente

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lançamento como autora da Editora Livros &

Companhia, significava que deveria participar

desse gigantesco evento literário.

Desde que entrara no Pavilhão de

Exposições do Anhembi naquela manhã, Marília

sentira-se como uma garotinha em parque de

diversões, cheia de excitação e entusiasmo. Mas

agora era preciso cuidar do estômago. Já passava

das dezesseis horas quando resolveu deixar a

confusão da exposição e sair em busca de um

quiosque na praça de alimentação do Anhembi.

— Já disse que quero falar com você! —

repetiu a furiosa voz masculina, dessa vez

diretamente atrás dela.

Ele era alto, barba cerrada e tinha cabelos

negros e cacheados; no momento, irradiava uma

fúria incrível. Marília estava certa de que jamais

o vira em sua vida.

Olhando à volta, sentiu-se confortada pela

presença da multidão.

Mantendo a bolsa fortemente agarrada para

qualquer necessidade de autodefesa, Marília di-

rigiu-se a ele.

— Está falando comigo? — perguntou.

— Com os diabos, claro que estou falando

com você! — confirmou o homem, com uma

carranca.

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— Para ser mais exata, gritando, não é

mesmo? E qual pode ser o problema, senhor... —

Ela fez uma pausa para ler o nome escrito no

crachá que todos os participantes da Bienal

usavam. — Qual é o problema, Sr. Júlio

Montemor?

— Você — respondeu, encarando-a.

Ela olhou-o com desagrado, incapaz de

imaginar o que poderia ter feito para irritar tanto

aquele homem que nunca vira.

— Não faço ideia do que quer dizer —

respondeu bruscamente.

— Estou falando sobre meu irmão, Wilson,

e sobre o fato de ele ter ameaçado deixar a

mulher por sua causa.

Estupefata, Marília olhou para ele.

— Perdão...

— Não perdoo coisa alguma. Não há

desculpa para o que você fez.

— Creio que há algum equívoco por aqui,

Sr. Montemor. Ele a interrompeu:

— O único erro aqui foi seu, Srta. Marília.

Você é a Srta. Marília, certo? Autora da Editora

Livros & Companhia?

— Sou, sim.

— E agora finge que não conhece meu

irmão? É esse o seu jogo?

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— Não é um jogo, Sr. Montemor.

— Sair com um jovem casado é exatamente

o tipo de manobra barata que uma Lara Croft

como você usaria.

Lara Croft, a mais famosa e sexy espiã do

cinema? Ela? Marília não sabia se devia sentir-se

insultada ou elogiada. Não conseguia imaginar

ninguém mais distante do que ela, da imagem de

uma mulher sedutora. Tinha cabelos muito

longos e muito ondulados e seu corpo era muito

cheio. Também sabia que tinha olhos grandes

demais e coxas muito grossas. Seu gosto para

roupas era demasiado romântico, embora o

conjunto azul celeste que trajava agora fosse

bonito e profissional.

Todos sabiam qual o tipo de Lara Croft:

esguio, confiante e rude. Marília era uma sonha-

dora inveterada. Porém, quando zangada, podia

ser implacável.

Mas Lara Croft? De jeito nenhum. O

homem estava completamente louco.

— O nome de meu irmão é Wilson

Montemor. Wilson Montemor — continuou

Júlio, como se falasse com uma criança. — Isso a

faz lembrar-se de alguma coisa ou você anda por

aí com tantos homens que já perdeu a conta?

O último comentário não a atingiu em cheio

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porque Marília estava atenta à primeira parte

dele.

— Está falando de Wilson, o estagiário da

minha editora?

Ela jamais prestara atenção ao sobrenome

daquele rapaz. Era apenas Wilson, o estagiário.

Um deles, por falar nisso. A Livros &

Companhia tinha três, no momento.

— Esse mesmo. E tem lhe ensinado um

bocado de coisas, não é? — indagou Júlio,

cáustico.

— Bem, tenho mesmo. E para isso que ele

está lá. Para aprender.

— Escute, vou dizer apenas uma vez —

rosnou ele. — Fique longe de meu irmão.

— Vai ser um pouco difícil, já que ele

trabalha para mim — notou Marília, secamente.

— Então, demita-o.

— Não vou fazer nada disso. Além do que,

ele é um estagiário e não pode ser despedido.

Olhe, sinto saber que seu irmão está passando

por dificuldades no casamento, mas não consigo

imaginar o que isso possa ter a ver comigo.

— Ora, moça! Não acha que o fato de você

estar tendo um caso com ele seja suficiente para

criar problemas?

— Um caso?! — repetiu Marília, espantada.

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Agora tinha certeza de que Júlio Montemor era

maluco. — Ora, de jeito algum!

Era ridículo demais para sequer dar atenção

ao assunto. Era certo que eles haviam lanchado

juntos algumas vezes, mas isso não significava

terem um caso.

Aquilo fez com que Marília se sentisse

desconfortável ao pensar que Wilson pudesse

estar apaixonado por ela, que nem sequer o

notara. Uma paixão tão intensa que ele estava

ameaçando deixar a mulher por sua causa.

Coisas assim não aconteciam com ela, razão pela

qual, sem dúvida, não reconhecera antes os

sinais.

— Olhe aqui, Sr. Montemor — começou. —

Seu irmão certamente tem um problema...

— Ah, claro, jogue a culpa sobre ele.

— Ele é que é casado — lembrou ela.

— E você é que foi atrás dele, um rapaz

muito mais jovem.

— Nem tanto assim!

— Você tem idade bastante para saber isso.

— E ele também. Não que tivesse

acontecido qualquer coisa, porque não aconteceu

— esclareceu ela rapidamente, antes de

continuar. — Seu irmão está mentindo se lhe

disse que está tendo um caso comigo.

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— E você acha que eu devo acreditar na sua

palavra, é isso?

Marília acenou afirmativamente.

— A palavra de uma mulher que acabei de

conhecer contra a do irmão que ajudei a criar e

que nunca mentiu em sua vida.

— Bem, quando ele decidiu começar a

mentir, certamente começou muito bem —

retorquiu ela.

— Meu relacionamento com seu irmão é

estritamente profissional.

— Ah, é? E vai me dizer que o tratou da

mesma maneira como trata os outros colegas

dele? Eu sei que não!

A paciência de Marília se esgotava

rapidamente.

— Não, você não sabe de coisa alguma. Está

bem — concordou —, eu posso ter dado um

pouco mais de atenção a ele. Mas isso não

significa que estamos tendo um caso.

— E por que acha que meu irmão iria

mentir sobre uma coisa dessas? — perguntou

Júlio, friamente.

— Não faço ideia. Vai ter que perguntar a

ele. Talvez você tenha entendido mal o que ele

disse à mulher — sugeriu Marília. — Não posso

acreditar que tenha inventado uma história tão

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ridícula.

— É esse exatamente o ponto — concordou

Júlio. — Seria uma grande tolice mentir sobre

uma coisa como essa.

— O que não significa que ele esteja falando

a verdade — manteve Marília. — Quando voltar

ao Rio de Janeiro, com certeza vou ter que falar

com ele.

— Mais uma conversinha em seu

apartamento?

— Ele nunca esteve em meu apartamento.

— Marília fez uma pausa, lembrando uma vez

que ficara em casa para ler um contrato de

edição que Wilson lhe levara e que precisava

analisar antes de assinar. — Ah, sim. Ele foi ao

meu apartamento, uma vez. Por cinco minutos.

Talvez quinze. Eu lhe ofereci uma xícara de café.

— Bem, agora vai ter que parar com isso.

— Quantas vezes terei que lhe dizer que

não há nada entre mim e ele? — perguntou, com

os dentes cerrados.

— Pode ficar aí falando até se cansar. Isso

não quer dizer que eu acredite em uma só

palavra do que diz. Mas creia em mim quando

digo que não estou aqui para ficar vendo meu

irmão ser ferido por uma...

— Lara Croft como eu — completou

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Marília, sarcástica. — Já percebi tudo, Sr.

Montemor. E vou ficar esperando um pedido de

desculpa seu, por escrito, quando essa confusão

se esclarecer. Ele olhou-a com espanto.

— Você tem coragem, minha cara senhora.

— Engraçado... Há alguns uns minutos me

acusou de seduzir seu irmão. Agora sou uma

cara senhora. Se não fosse tão absurdo, eu estaria

profundamente insultada. Mas da maneira como

isso se apresenta, concluo que seu incrível e rude

comportamento se deva à histeria masculina —

concluiu Marília antes de virar-se sobre os saltos

e marchar para o toalete.

— Ainda não terminei! — Júlio gritou, do

lado de fora.

— Há alguma outra porta de saída aqui? —

perguntou Marília a uma moça, no toalete.

— Aquela ali dá para a área dos

expositores, perto da área de entrada do

pavilhão.

— Ótimo. Obrigada. — Seguiu para a saída

e entrou novamente, dirigindo-se para a praça de

alimentação. Em pé na longa fila da lanchonete

do Pavilhão de Exposições do Anhembi, esperou

dez minutos. Até então, Marília não havia

comido nada.

Pegou uma porção de batatas fritas, um

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Iogurte e alguns chocolates em barra para levar

consigo, o tempo todo pensando em como

deveria ter lidado com Júlio. Não estava nada

satisfeita com a maneira como ele a colocara na

defensiva. Deveria tê-lo interrompido no

momento em que começara a fazer suas ridículas

acusações.

Enfiando as compras na enorme bolsa,

Marília apressou-se em voltar ao stand de sua

editora. Mas não conseguiu tempo para comer.

Como escritora da Editora Livros & Companhia,

era seu dever responder a todas as perguntas

que os leitores lhe fizessem sobre os livros que

escrevia.

Sorrindo aos visitantes da Bienal que

passavam por ela, não conseguiu evitar se per-

guntar se Wilson, o estagiário, teria contado essa

ridícula história para mais alguém, além da mu-

lher e do irmão.

Resolveu averiguar, com discrição.

Começou com Carlos, seu editor chefe.

— Qual é a sua impressão sobre o grupo de

estagiários deste ano? — perguntou-lhe quando

tiveram uma pausa.

— Parecem legais — replicou Carlos. —

Será imaginação minha, ou eles parecem ser

mais ingênuos a cada ano?

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Marília sentiu-se tentada a perguntar sobre

Wilson especificamente, mas reconsiderou, pen-

sando que sua indagação poderia apenas desper-

tar mais especulações.

Quando voltasse ao escritório da editora iria

perguntar a ele que história era aquela e

certamente faria com que desejasse ter pensado

duas vezes antes de arrastar para a lama sua

reputação.

Voltou-se novamente para Carlos.

— Já ouviu falar na Empresa Montemor?

— Não é aquela companhia de vanguarda

da nova tecnologia de Tablets?

— Tab o quê? Fale claro comigo, Carlos!

— Esqueci que estava diante de uma autora

que tem medo de ligar o computador de sua pró-

pria mesa.

— Não tenho medo de ligá-lo — disse

Marília calmamente. — Nós nos entendemos. Eu

não o perturbo e ele não me amola.

— Ele poderia facilitar seu trabalho um

bocado.

— Sei muito bem que terei de aprender a

usá-lo eventualmente — admitiu ela. — Mas não

tenho pressa, já que o restante do escritório ainda

não está todo conectado.

— Estará até o fim do ano.

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— Vamos voltar à Empresa Montemor e ao

tal de Tablet? O que é isso, afinal.

— Trata-se de um dispositivo multimídia

com várias funções, capaz de executar arquivos

de múltiplos formatos de áudio, vídeo e e-book,

além do acesso à internet. Que tal ter sua própria

biblioteca com centenas dos mais importantes

livros do mundo na palma da sua mão para ler

como e onde quiser?

— Quem é que vai querer ficar olhando

para uma tela em vez de ler um livro impresso

no conforto de sua própria poltrona? —

perguntou ela, admirada pela simples ideia.

— O século vinte e dois está a caminho,

meu bem. Lembrou Carlos.

— Nem me lembre disso — murmurou.

— Então, por que o interesse na Empresa

Montemor?

— Acabei de encontrar Júlio Montemor...

— Não brinca! Ele é considerado um

visionário da tecnologia do futuro. Um

verdadeiro garoto prodígio.

— Ele não é um garoto — retorquiu Marília

—, apesar de ter um irmão mais jovem. Nosso

próprio Wilson, o estagiário.

— Qual deles é esse? — indagou Carlos.

O mentiroso, o enganador, Marília ficou