O Milagre do Coração (The Midwife – A Parteira) Carolyn Davidson CLÁSSICOS HISTÓRICOS ESPECIAL Nº 90
O Milagre do Coração
(The Midwife – A Parteira)
Carolyn Davidson
CLÁSSICOS HISTÓRICOS ESPECIAL Nº 90
CAPÍTULO 1
Kirby Falls, Minnesota
Janeiro, 1892
— Uma pena que além de tão bonito também seja
um homem proibido! — Bonnie Nielsen lançou um olhar
demorado na direção do alvo de seu interesse.
— Lembre-se de que ele é casado, Bonnie —
comentou Leah, calculando mentalmente o valor de sua
conta, antes de abrir a bolsinha a procura das moedas e
dar uma rápida olhada no cavalheiro em questão.
Ele estava parado próximo ao grupo que se reunia
em torno do fogão do armazém geral. Os braços tinham
sido cruzados na altura do peito e os lábios cerrados
formavam uma linha dura, mas, ainda assim, a figura
máscula destacava-se entre os presentes.
Diante da leve reprimenda de Leah, as bochechas
de Bonnie foram cobertas pelo rubor. Com um suspiro, a
moça olhou para a freguesa do armazém.
— Bem, os mais bonitos são sempre casados, não?
Isso é uma pena! — Suas mãos trabalhavam rapida-
mente para embrulhar as poucas mercadorias que Leah
acabava de comprar. — Você nunca olha para os
homens com admiração, minha cara? — inquiriu,
aceitando as moedas que lhe eram entregues.
— Não, para mim basta ter de lavar a roupa deles
todos os dias. Por que deveria admirá-los se já tenho
muito trabalho para cuidar das coisas dos distintos
cavalheiros da cidade? —. tornou, espirituosa, pegando
o pacote que lhe era entregue e dirigindo um rápido
olhar ao grupo de homens que riam de algum gracejo
secreto que um deles proferira.
Como sempre, seus olhos se detiveram por mais
tempo do que o necessário na figura alta e enigmática
de Garlam Lundstrom. Ele era essencialmente um fruto
proibido. Sim, maravilhoso, mas proibido. Bonnie tinha
razão, Gar era bonito, muito bonito, com cabelos claros
que não escureciam nem mesmo no inverno, como
acontecia com os dela própria. Os olhos, então, eram de
um azul intenso que contrastava com cílios e sobran-
celhas escuras como as noites sem luar. Aliás, estas
também eram mais um enigma na figura silenciosa do
belo sr. Lundstrom. Sendo loiro, os cílios e sobrancelhas
deveriam ser claros como os cabelos, não? Mas talvez os
pêlos do peito e da…
Leah fechou os olhos consternada com a natureza
dos pensamentos que invadiam sua mente. Ora, talvez
estivesse passando muitas noites sozinhas e muitas
horas falando consigo mesma para quebrar o silêncio da
solidão que a envolvia num abraço impiedoso, o que, às
vezes, roubava-lhe o ar e a torturava.
Nessas ocasiões, até conseguia banir a imagem de
Gar Lundstrom de seus pensamentos, mas, como agora,
ao tê-lo a poucos metros de si, era mais difícil fazê-lo. De
qualquer forma, de que adiantava se torturar com tais
sentimentos e emoções!? O homem era casado. Sim,
casado com Hulda Lundstrom, a mulher que ele
escolhera para esposa.
Hulda era uma senhora pequena e delicada que ra-
ramente vinha a cidade, e, quando o fazia, sempre trazia
o filho pequeno bem junto de si, como se tivesse medo
de perdê-lo.
Sem sombra de dúvida, Gar deveria estar voltando
para casa agora, Leah deduziu, tomando o cuidado de
desviar o rosto quando ele proferiu uma breve
despedida e saiu do armazém. A conversa recomeçou
entre os homens e ela aproveitou para também seguir
para a porta, consciente dos olhares intensos dos
cavalheiros que se reuniam em torno do fogão naquela
manhã fria de inverno.
A maioria deles era casada, mas sempre havia um
ou dois solteiros no meio do grupo. Muitos já haviam
tentado se aproximar de Leah, uma viúva arredia, es-
perando conseguir algum tipo de barganha ou envol-
vimento amoroso.
Só de pensar nisso ela se aborrecia. Não gostava
nada do atrevimento dos homens, principalmente,
porque imaginava que nenhum tinha intenções sérias a
seu respeito, e, mesmo se tivessem, não pretendia se
envolver com ninguém. Com passos firmes, seguiu para
a pequena casa onde vivia e fechou o portãozinho de
madeira atrás de si antes de seguir pelo caminho que
serpenteava pelo jardim, terminando nos degraus da
varanda da frente.
Segurava o pacote que trouxera do armazém pelo
barbante que o mantinha amarrado e este oscilava de
um lado para outro como se fosse um pêndulo a contar o
tempo de seus dias difíceis. O pior era que, apesar de ter
comprado apenas um pouco de chá, um pedaço de
bacon e um pouco de açúcar, gastara quase todo seu
dinheiro, e, a menos que seus fregueses viessem buscar
a roupa que lavara e a pagassem, teria sérios problemas
para pagar o aluguel daquele mês.
Imersa em suas considerações, levou a mão à
maçaneta.
— Yoo-hoo! Sra. Gunderson!
O chamado vinha da casa ao lado e,
impulsivamente, Leah virou-se para atendê-lo.
— Olá, sra. Thorwald — respondeu à vizinha. — Está
tudo bem com a senhora? — perguntou, abrindo a porta
e dando um passo adentro.
— Acho que estou com um pouco de amidalite, que-
rida — contou a velha senhora, quase oculta atrás do
vidro da janela à medida que se inclinava para falar
através da estreita abertura pouco acima do peitoril.
— Deixei alguns pedaços de carne cozinhando para
fazer uma sopa antes de ir ao armazém. Preciso
descascar alguns legumes para acrescentar ao caldo e,
no jantar, levarei uni prato para a senhora — prometeu
Leah, sabendo que, muito mais do que a sopa, a viúva
Thorwald queria um pouco de companhia e atenção.
Acenando, deu outro passo adentro e fechou a porta
atrás de si.
O calor das chamas que crepitavam no fogão da co-
zinha aquecia toda a casa, uma vez os cômodos eram
interligados. Leah poderia caminhar em círculo e visitar
todos os aposentos em questão de segundos. Mas, em
vez disso, pendurou o casaco no cabideiro junto à porta
de entrada, deixou as botas de cano alto sobre um
tapete e calçou os confortáveis chinelos de pêlos.
Cozinhava na parte de trás do fogão preto, mas
imaculadamente limpo, e o caldo da sopa exalava um
cheiro delicioso. Ela desembrulhou o bacon rapidamente
e sua boca encheu-se de água diante da simples idéia
de que teria uma refeição suculenta para o jantar. Com
dedos ágeis, fatiou-o e acrescentou os pedaços, um a
um, à panela.
No entanto, uma batida vigorosa na porta da frente
a assustou no momento em que colocava um pouco
mais de água em seu preparado.
— Já estou indo! — gritou, e os pés abrigados nos
confortáveis chinelos não fizeram qualquer barulho à
medida que Leah cruzava o assoalho de madeira em
direção à porta da sala.
— É Hobart Dunbar, sra. Gunderson — o visitante
identificou-se em alto e bom som, como se desejasse
dissipar qualquer inconveniente que a presença de um
homem na porta de uma mulher sozinha poderia
suscitar.
Na verdade, o proprietário do único hotel de Kirby
Falis era muito discreto, e também prudente o bastante
para esperar na varanda enquanto Leah trazia a trouxa
de toalhas de mesa e aventais que lavara e passara com
capricho. Alvejante e goma eram luxos pelos quais o
hoteleiro pagava à parte, pois, felizmente, a sra. Dunbar
se recusava a passar quase um dia todo debruçada
sobre a tábua de lavar roupas, como o próprio marido
contara a Leah quando contratara seus serviços.
— Entre, por favor, sr. Dunbar — Leah disse cor-
dialmente, gesticulando para convidá-lo ao interior de
sua casa.
Entretanto, como sempre, Dunbar recusou o convite
com um movimento de cabeça.
— Não, não. Obrigado, madame. Vou esperar aqui.
Pode fechar a porta para que o frio da manhã não roube
o calor de sua casa — aconselhou-a, movimentando os
pés e encolhendo o pescoço para que a gola do pesado
casaco de lã o protegesse do vento frio de inverno.
Leah apressou-se a seguir para o aposento que
usava como lavanderia e pegou as roupas que preparara
na tarde anterior. Embrulhada num velho lençol, a
trouxa continha peças miaculadamente brancas e
engomadas. Até mesmo os gorros que a sra. Dunbar e
as três garçonetes usavam para servir às mesas tinham
sido passados, engomados e estavam impecáveis para
serem usados.
Entre uma refeição e outra, as três garçonetes fa-
ziam as vezes de camareiras e também limpavam os
quartos e o saguão do hotel, mais uma prova da pra-
ticidade com que Hobart Dunbar dirigia seu negocio. Até
mesmo a sra. Dunbar se revezava entre a recepção, o
restaurante e o serviço de quarto.
— Obrigado, sra. Gunderson — Hobart pegou a trou-
xa que ela lhe entregava e colocou algumas moedas nas
mãos de Leah. — Amanhã à tarde mando o menino
trazer outro fardo como este — prometeu, antes de girar
nos calcanhares e voltar para sua carroça estacionada
mais à frente.
Leah segurou as moedas com firmeza e entrou.
Contudo, através da janela envidraçada viu outro cava-
lheiro passar pelo portão e cruzar seu pequeno jardim.
Rapidamente, cuidou de pegar as roupas de Brian Ha-
velock, pois sabia muito bem que ele, ao contrário do
hoteleiro, aceitaria mais do que depressa um convite
para entrar em sua casa.
Leah estava sem fôlego quando abriu a porta para
Brian. O leve sorriso mal curvava os lábios rosados e
carnudos.
— Eu o vi passar pelo portão — murmurou ela,
tentando explicar porque lhe trouxera as roupas antes
mesmo que batesse.
Brian olhou fixamente para a porta entreaberta.
— Está sozinha, Leah? Será que não posso me
juntar a você para, quem sabe, tomarmos um xícara de
chá?
Ela negou com um movimento de cabeça.
— Lamento, mas tenho pressa. Vou visitar a sra.
Thorwald que não se sente muito bem.
O desapontamento do rapaz era visível e o olhos
afoitos percorreram-na de alto a baixo.
— Eu, realmente, gostaria de passar algum tempo
em sua companhia, sabe disso, não? — As palavras
eram suplicantes e o sorriso que as acompanhava tinha
um charme premeditado.
Leah suspirou.
— Sei o que deseja, sr. Havelock, e, mesmo
correndo o risco de ser rude, devo lhe dizer que não
estou disponível para tais coisas.
— Ora, mas minhas intenções são outras, Leah! —
Brian corrigiu-a rapidamente. Um intenso rubor deixou
as faces alvas ainda maia rosadas do que o vento frio da
manhã já deixara naturalmente.
Pestanejando, Leah o fitou com ar de incredulidade.
— São outras? — repetiu, franzindo o cenho. Brian
assentiu e deu um passo a frente para se aproximar
ainda mais dela.
— Sim, para começar gostaria de lhe pedir permis-
são para vir visitá-la com freqüência, madame.
— Pois eu pensei que o senhor estivesse fazendo a
corte a Kirsten Andersen — Leah comentou ríspida,
então ergueu a mão num gesto de quem pretendia dar o
assunto por encerrado. — Mas isso não vem ao caso,
afinal, sou muito velha para o senhor, sr. Havelock, e
também muito ocupada para perder meu tempo, ou o
seu, com essa bobagem.
— Pelo menos dançará comigo no sábado à noite?
— ele pediu esperançoso.
Leah assentiu, desejando que Brian fosse embora o
mais rápido possível.
Sorrindo, o jovem contou o dinheiro que lhe devia
pela roupa lavada e passada, e, ao entregá-lo, ainda
segurou os dedos de Leah nos seus.
— Vou aguardar essa dança ansiosamente,
madame.
Sem dizer uma palavra, Leah deu-lhe as costas, en-
trou na casa e fechou a porta atrás de si. Um suspiro de
pesar escapou-lhe dos lábios, se ao menos ele fosse
alto, tivesse ombros largos, cabelos claros e aqueles in-
críveis olhos azuis de Ga… Agoniada, balançou a cabeça
de um lado para outro como se para se livrar de uni
inseto incômodo. A imagem que lhe viera a mente era
proibida e ela sabia disso, mas como evitar de pensar
em Gar Lundstrom se todas as vezes que fechava os
olhos o via com uma nitidez e pungência assustadoras!?
Nunca em seus quase trinta anos Leah se sentira
tão sem controle sobre os pensamentos e desejos que
pulsavam em seu corpo e alma. O pior era que Ganam
Lundstrom jamais fizera nada para despertar o interesse
dela. Ainda assim, Leah não conseguia tirá-lo da cabeça.
Exasperada, mordeu o lábio inferior. Desde a pri-
meira vez que o vira na igreja, há mais ou menos um
ano, sentira-se imediatamente atraIda pelo homem alto
e sério, depois ralhara consigo mesma durante todo o
trajeto de volta para casa por ter se permitido tal
ousadia. Céus, Ganam era casado!
Como se não bastasse, ela própria era apenas Leah
Gunderson, a mulher que lavava e passava roupas para
quase todos os solteiros da comunidade. Não que isso
fosse algo de que devesse se envergonhar. Como
também não se envergonhava de suas habilidades e
conhecimentos de ervas que lhe valiam a definição de
curandeira, pois muitas vezes os usara para consertar
ossos quebrados ou para tratar de ferimentos graves e
outros nem tanto assim.
De qualquer forma, jamais iria deixar que suas ha-
bilidades como parteira também viessem à tona. O
médico que atendia às futuras mamães de Kirby Falis
estava velho e cansado e não se incomodava em deixar
que a viúva que morava numa das áreas mais afastadas
cuidasse de alguns de seus pacientes. Mas Leah sabia
que partes não deveriam se tornar uma de suas
ocupações ali, em Kirby Falis, Estado de Minnesota.
Ainda assim, precisava confessar que sentia falta de
usar as técnicas que aprendera desde muito jovem.
Visitara mulheres em todas as etapas de trabalho de
parto juntamente com sua mãe, Minna Poik. Ajudara-a a
trazer crianças ao mundo desde que tinha dezesseis
anos e começara a se apresentar como viúva para poder
fazer isso sem maiores problemas.
Sim, naqueles idos de mil e oitocentos, uma mulher
solteira não poderia ajudar em partos. Havia um estigma
que proibia tal contate. As jovens eram consideradas
inocentes demais para a tarefa.
Inocente… Algumas vezes Leah até esquecia qual
era o verdadeiro significado da palavra. Uma mulher que
fora obrigada pelo destino a viver sozinha e a ganhar o
próprio sustente não tinha muitas oportunidades de ser
inocente ou ingênua…
Como sempre, as roupas que precisava lavar
vinham em primeiro lugar e, por isso, a panela de sopa
foi colocada na parte de trás do fogão para que Leah pu-
desse aquecer a água da lavagem no tacho de cobre. Do
final da manhã até o começo da tarde, eia se revezou
entre a tábua de lavar e a mesa onde cortou os legumes
para colocar na sopa. Passaram-se horas até que ter-
minasse a pilha de roupas de Orville Hunsicker. Assim,
Leah se apressou para completar o prometido à vizinha
que dependia de sua bondade.
A sopa ficou um pouco rala, mas a sra. Thorwald
adorou do mesmo jeito, sorvendo cada colherada com
suspiros e elogios.
— É uma graça divina tê-la como vizinha, minha
querida — disse eia suavemente, raspando o fundo do
prato de louça com a colher. — Nem pode imaginar o
quanto aprecio sua companhia.
Leah sorriu, um pouco envergonhada de sua impa-
ciência, enquanto observava a velha senhora deliciar-se
com a sopa.
— Fico feliz em ser útil — confessou. Sua mente
voltou a se concentrar na pilha de roupas que ainda
tinha para pendurar no varal que improvisara na cozinha
naquela noite. Elas deveriam estar secas pela manhã e
assim teria de passá-las antes do meio dia.
— Por acaso tem mais um pouco daquele ungüento
que me deu para passar no peito e na garganta,
querida? — pediu, erguendo o rosto para Leah que
notou-lhe os olhos purulentos e a boca levemente
trêmula.
Uma pontada de culpa a assolou
— Claro que tenho. Vou até em casa buscá-lo ejá
trago para a senhora. — Levantou-se e deu uma espiada
na tigela de sopa. — Por que não tema o reste da sopa
que ficou na tigela, assim poderei levá-la para casa para
lavar?
Os olhos da sra. Thorwald brilharam e a viúva as-
sentiu no mesmo instante.
— Será ótimo para minha amidalite, não é mesmo?
Uma sopa quente num dia frio como este vai ser
perfeito.
Leah calçou as botas e vestiu o casaco antes de
abrir a porta da frente e seguir para o portão de sua
casa.
O sol tinha baixado no horizonte e a noite começava
a cair sobre a pequena Kirby Falis. Sob as botas de couro
de Leah, a neve se acumulava como se fosse enormes
montes de açúcar.
— Ah, sinto como se tivesse acabado de adotar uma
avó — resmungou consigo mesma, galgando os degraus
da varanda da frente de sua casa. Não que isso fosse de
todo mau, admitiu silenciosa. Era só que, algum dia,
desejava poder…
— Sra. Gunderson! — A voz era profunda, máscula e
altamente sonora.
Leah ficou imóvel, um pé na escada outro na va-
randa, como se uma força maior a paralisasse. Uma
figura alta deu um passo a frente, saindo das sombras
do telhado íngreme. Surpresa, observou o braço com-
prido mover-se para que mãos hábeis pudessem erguer
a aba do chapéu.
— Madame?
O simples cumprimente tinha o poder de fazer seu
coração bater com quase duas vezes a velocidade nor-
mal, e Leah apertou as mãos contra o peito numa vã
tentativa de silenciá-lo.
— Desculpe-me, senhora. Não tive a intenção de
assustá-la — tornou ele, cerimonioso.
Lentamente, Leah seguiu para a porta. Suas pernas
tremiam quando se virou para encarar Garlam
Lundstrom.
— Não me assustou propriamente, senhor. Só fiquei
surpresa com sua presença. Estava pensando em minha
vizinha, que está com uma terrível amidalite — contou,
suspirando. — Mas, diga, o que posso fazer pelo senhor?
— Não sei direito como começar… Fui informado de
que a senhora poderia me ajudar, já que o médico da
cidade não está… ãh, disponível — disse, escolhendo as
palavras com cuidado.
Leah inclinou-se na direção de Gar Lundstrom.
— O senhor está doente? Tem algum ferimento que
precise de cuidados?
Ele negou com um movimento de cabeça.
— Não, não sou eu, madame. — Gar deu um passo
a frente e seu rosto ficou em evidência. Era óbvio que
estava ansioso e preocupado com alguma coisa.
— Quem então? Seu filho?
— Minha esposa. Hulda está prestes a dar a luz e
precisa de ajuda. A moça do armazém disse que a
senhora sabia muita coisa sobre como curar as pessoas
e tratar de ferimentos, então pensei que…
— Não costumo ajudar em partos, sr. Lundstrom —
Leah o interrompeu com rispidez. — Posso dar alguns
pontes para fechar um corte e conhecer algumas ervas
que ajudam na cura de algumas doenças, mas o
nascimento de bebês é coisa para médicos e parteiras
experientes.
— Sim, mas o doutor não…
— Entendi, não está disponível.
Gar aproximou-se mais e seus olhos brilhavam com
uma intensidade que fez Leah prender a respiração.
— Já exigi demais da sorte e de meus animais ao
voltar para a cidade hoje, madame. Além disso, temo
por ter deixado minha esposa sozinha durante todo esse
tempo. — Esticou o braço e tentou segurar o braço de
Leah. — Preciso que venha comigo. Certamente deve
saber alguma coisa sobre o nascimento de bebês. Não
existe mais ninguém a quem eu possa pedir ajuda.
— Sua esposa não tem nenhuma amiga que tenha
tido filhos? — perguntou Leah num tom esperançoso.
Gar negou com um movimento de cabeça.
— Não. Hulda não costuma sair da fazenda, a não
ser para ir a igreja ou ao armazém geral, mas isto só
quando está em condições de fazê-lo.
— E, faz um bom tempo que não a vejo na cidade —
comentou ela, tentando se lembrar qual fora a última
vez que encontrara a sra. Lundstrom.
— Ultimamente ela tem passado grande parte do
tempo na cama. Há meses está assim. — Gar contou
com o cenho franzido. — Não tem se sentindo nada
bem.
— Lamento, mas não posso fazer nada para ajudá-
lo, sr. Lundstrom — Leah disse, respirando fundo e cer-
rando os lábios ao encará-lo.
Os olhos azuis se estreitaram quando Gar a fitou.
— Mas a senhora precisa ir comigo, não existe nin-
guém mais a quem eu possa recorrer. Minha esposa
necessita de ajuda.
Leah meneou a cabeça de um lado para outro,
apesar de seu coração estar batendo descompassado
dentro do peito. Como poderia dar as costas àquele
homem, sabendo que, como ele acabava de dizer, Hulda
estava em trabalho de parto, sozinha numa casa de
fazenda distante dezena de milhas da cidade?
As mãos enormes de Gar Lundstrom escorregaram
pelo antebraço de Leah e a seguraram pelo cotovelo.
— A senhora tem de vir comigo! Precisa de um ca-
saco mais quente?
Leah o encarou perplexa e ele hesitou levemente,
antes de prosseguir:
— Venha, vamos pegá-lo o mais rápido possível.
Hulda está sozinha e, por certo, desesperada.
Leah fechou os olhos. Era demais para ela. Como
poderia negar ajuda, por menor que fosse, a alguém que
estava sofrendo?! Sabia muito bem que o trabalho de
parto muitas vezes era sofrido e demorado, e, em
algumas ocasiões, a demora e o sofrimento poderiam
ser fatais para mãe e filho.
— Está bem. Irei com o senhor. Vou pegar minha
bolsa — capitulou, puxando o braço para longe do toque
perturbador.
Sem se fazer de rogado, ele a seguiu até o interior
da casa.
— Espere aqui — Leah pediu, antes de seguir para o
quarto. Ajoelhando-se ao lado da grande cômoda que
mantinha junto à janela, abriu uma das últimas gavetas.
Sob os vestidos de verão estava uma sacola de couro
com alças grandes.
Pegando-a, Leah se levantou e deu um longo
suspiro. Estava acontecendo outra vez. A sensação
inquietante que a dominava à medida que se voltou
para encarar o homem que a seguira até o quarto era
desoladora.
Como se estivesse com medo de que Leah pudesse
fugir, Gar ficou parado na soleira da porta, os olhos e a
postura em alerta, ao mesmo tempo em que observava
atentamente a mobília simples e parca do aposente.
— Não precisava ter me seguido, sr. Lundstrom.
Disse-que iria com o senhor.
Ele assentiu com um movimente de cabeça.
— Sim, a senhora disse. — Os olhos azuis brilhavam
de maneira atrevida enquanto ele a fitava com atenção.
— Será que é mais forte do que aparenta, sra. Gun-
derson? — Esperou um momento, então, voltou a as-
sentir. — Sim, acho que é. Precisa ser.
Ao vê-lo rumar para a porta da frente, Leah o
seguiu, mas não ~em antes admirar o brilho dourado
dos cabelos claros sob a tênue iluminação. Eia apagou a
lâmpada e ambos saíram para a varanda.
— Preciso dizer à minha vizinha aonde estou indo. E
também prometi que levaria um pouco de ungüento
para a ajudá-la — explicou, lembrando-se do que dissera
à sra. Thorwald. — Espere-me no portão da casa dela.
Não vou me demorar. — Sem mais uma palavra, deu-lhe
as costas e dirigiu-se para a casa ao lado, só agora se
dava conta de que um grande trenó puxado por belos
animais estava parado na rua. Era surpreendente que
não o tivesse notado antes.
No entanto, não havia tempo para devaneios sobre
tnivialidades e ela apressou o passo para chegar rapi-
damente à casa da vizinha.
A sra. Thorwaid aceitou o frasco de ungüente que
Leah tirou da bolsa de couro e agradeceu. Então, ao
ouvir as explicações dela sobre os motivos que a
obrigavam a ir embora rapidamente, a velha senhora
resmungou:
— Ah, Huida vai mantê-la ocupada durante a noite
toda, minha querida. Isso eu posso garantir. A ara.
Lundstrom é o que chamam de uma péssima panideira.
Talvez ela tenha sorte de o doutor não poder atendê-la
hoje. Afinal, ele já lhe causou muitos problemas no
último parto.
Com aquelas palavras ecoando em seus ouvidos
como um pressagio de mau agouro, Leah seguiu para o
trenó, e uma mão enluvada estendeu-se em sua direção
para ajudá-la a subir. Hesitou por durante alguns
segundos, então colocou os dedos nas mãos de Gar
Lundstrom.
Ele a puxou com grande facilidade e, ao vê-la sen-
tar-se, jogou uma manta de pele sobre seu colo para
protegê-la do frio e da neve. Só depois puxou as rédeas
e incitou os animais a partirem.
Apesar de sentir o calor do corpo másculo que
estava ao lado do seu, Leah tremia como se estivesse
enfrentando uma tempestade de neve sem proteção.
— Sente-se mais perto de mim — Gar ordenou num
tom firme. — Precisa manter-se aquecida. — As mãos
enormes circundaram-lhe os ombros e ele a puxou no
banco até que seus quadris ficassem colados um ao
outro.
Leah engoliu as palavras de protestos que estavam
presas em sua garganta. Gar era grande demais, quente
demais; e estava perto demais… Movida por um
impulso, ela se permitiu deliciar-se com tal contato.
Durante aquele breve momento, não pensou em mais
nada que não fosse a presença de Gar Lundstrom ao seu
lado. E isso, por si só, já era o bastante para fazer seu
coração bater descompassado.
A mulher que estava em trabalho de parto naquele
leito enorme era uma das visões mais tristes com a qual
Leah já se deparara. Os lábios ressequidos de Hulda
Lundstrom estavam cerrados e os cabelos longos,
molhados de suor, colavam-se ao rosto pálido como
cera. Eia gemia incessantemente.
Sem pestanejar, Leah tirou o casaco, deixou a bolsa
de couro sobre uma cadeira e foi logo dizendo:
— Preciso de água quente para me lavar.
— Agora mesmo. — A voz sonora de Gar Lundstrom
estava impregnada de emoção e seu rosto, normalmen-
te impenetrável, também dava sinais de sofrimento e
preocupação quando ele deixou o quarto e rumou para a
cozinha a fim de providenciar o pedido de Leah.
— Há quanto tempo está assim? — Leah perguntou
a Hulda, que gemia conforme seu corpo se contorcia por
causa das violentas contrações.
— Não faz muito tempo… talvez há algumas horas.
— Sua voz estava rouca, as dores a enfraqueciam e
castigavam. Hulda abriu os olhos revelando uma passiva
aceitação de seu destino. — Não está sendo pior do que
das outras vezes — disse, então calou-se, assolada por
uma nova contração. O corpo pequeno parecia
desaparecer na maciez do colchão.
— Como?! Quantas vezes já esteve em trabalho de
parto? — Leah inquiriu, virando o rosto quando a porta
se abriu e Gar surgiu no aposento com uma bacia de
água fumegante nas mãos.
— Duas. Não, três. Mas os bebês morreram. Só Knis-
tofer sobreviveu. — O olhar de Hulda dirigiu-se ao
marido. — Não precisa ficar aqui, Gar. Vá para junto de
Knistofer — sussurrou. — Ainda vai demorar um bom
tempo até que o bebê nasça.
Leah virou-se para o dono da casa, a fúria
crescendo dentro de seu peito.
— O senhor não me disse que sua esposa estava
tendo um parto difícil. Acho que deve voltar a cidade e
trazer o médico até aqui de qualquer jeito. Se ela já
perdeu muitos bebês antes, precisamos agir com
cautela desta vez.
A água quente foi colada sobre o toucador com o
máximo de cuidado para que não derramasse e o ho-
mem alto e forte virou-se em direção à cama.
— O doutor não virá — declarou lacônico. Havia
uma dureza no simples comentário que fez um calafrio
percorrer Leah de sito a baixo. — Da última vez ele disse
a Hulda que seria impossível que ela tivesse um bebê
vivo, pois seus órgãos tinham ficado seriamente compro-
metido por causa dos outros partos prematuros e
abortos. Deixou bem claro que não se responsabilizaria
se minha esposa tentasse urna tolice dessas mais uma
vez.
— Tolice?! — Leah repetiu com voz quase inaudível,
embora seu coração batesse forte e a ira estivesse se
es~ando por suas veias como um veneno rápido e letal.
— Ora, eu queria dar um outro filho a meu marido,
será que isso é tão mau assim? — Os olhos de Hulda se
encheram de lágrimas quando ela encarou Leah. E, mes-
mo enquanto falava, gemia e se contorcia por causa de
uma nova contração. As mãos corriam por sobre o
ventre protuberante e a cabeça inclinava-se para trás,
de encontro aos travesseiros, conforme a dor se
intensificava.
Leah pastou-se ao lado da cama e sentou-se junto à
pobre mulher.
— Molhe um pedaço de pano na água quente —
disse ela, olhando para Gar que assistia a cena parado
junto ao toucador.
Sem uma palavra, ele pegou um pedaço de flanela
quadrado do alto de uma pilha e mergulhou-o na bacia
antes de trazê-lo até a cama.
— Deixe que eu faço isso enquanto a senhora se
lava — sugeriu, sem alterar o tom de voz.
Leah ficou em pé, cedendo-lhe seu lugar no leito,
depois caminhou até a bacia e enrolou as mangas do
vestido de lã. Uma enorme tristeza a dominou enquanto
esfregava as mãos com o sabão carbólico que trouxera
na bolsa de couro. Era óbvio que, devido ao histórico
médico de Hulda, as chances de o bebê nascer vivo
eram quase nulas. Ainda assim, ela faria tudo o que
estivesse a seu alcance para ajudar a trazer o filho
dessa mulher desesperada ao mundo.
— Puxe o lençol — pediu a Gar Lundstrom, retor-
nando para junte do leite. — Depois coloque um lençol
limpo ou >um cobertor embaixo dela.
— Eu não… — Huida respirou fundo, suas faces
contorcidas pela dor e pelo esforço de falar. — Não
quero que ele fique. Saia, Gar. Saia, por favor.
— Seu marido poderá sair depois que tiver feito o
que pedi — Leah disse num tom gentil. — Deixe-o erguê-
la Hulda. É importante que tenha lençóis limpos sob sèu
corpo.
Um leve meneio de cabeça traduziu a concordância
de Hulda e Gar fez como Leah solicitara. As mãos
enormes eram gentis quando ele as passou por sob as
pernas da esposa antes de colocar iençóis limpos sob a
parte inferior do corpo miúdo. Então, ficou em pé e
olhou para Leah em busca de novas instruções.
Leah engoliu em seco ao notar que não havia a me-
nor esperança no fundo dos olhos azuis. Não havia mais
o brilho arrogante e nem mesmo a expressão
impenetrável, em vez disso, Gar Lundstrom parecia
estar lhe suplicando ajuda, e, talvez, um milagre que ele
próprio sabia ser impossível acontecer.
— Estarei na cozinha se precisarem de mim.
Leah assentiu a preparou-se para ajudar a jovem
mulher.
— Erga sua camisola, Hulda — pediu com voz
macia. Quero sentir a criança.
Os dedos de Hulda agarraram-se à flanela branca
do traje e ela o puxou até pouco acima do estômago,
revelando o ventre protuberante que abrigava a criança.
Enquanto a barriga enorme ondulava e enrijecia-se
ao máximo para expelir aquele ser que, originalmente, o
corpo não reconhecia como parte de si, Leah colocou a
mão sob a parte inferior do ventre de Hulda e tentou
sentir o bebê da melhor maneira possível.
Mas nada acontecia, a não ser os movimentos rit-
mados que eram a causa da dor que não cessaria até
quê a criança fosse expelida.
— O bebê se moveu alguma vez depois que você
entrou em trabalho de parto? — perguntou, assim que o
espasmo diminuiu de intensidade.
Hulda meneou a cabeça de um lado para outro. Os
olhos fechados e a boca entreaberta como se todo o ar
do mundo não fossem suficientes para mantê-la via.
— Quase nada. — Um soluço escapou-lhe dos lábios
antes de ela cerrar os dentes. — Desta vez o bebê
precisa viver. Não suportarei passar por tudo de novo!
De repente, um grito agudo escapou dos lábios de
Hulda e Leah ergueu a voz, chamando por Gar.
— Abra minha bolsa e procure pelos frascos que
contêm raízes secas. Preciso daqueles onde está escrito
erva-de-são-cristóvão e inhame-silvestre. Pegue um
pedaço de cada, por favor, e faça um copa de chá bem
forte com as ervas — ordenou, sem ousar erguer o rosto
para encará-lo. — Isso a ajudará a suportar a dor.
Gar apressou-se por seguir suas instruções e Leah o
ouviu mexer nas panelas e chaleiras da cozinha. Em
menos de cinco minutos ele estava de volta.
— Aqui está o chá. — Deixou a caneca na mesinha-
de-cabeceira e hesitou por alguns instantes. — Tem
mais na cozinha quando este acabar. Há mais alguma
coisa que eu possa fazer?
— O senhor já fez mais do que devia. — O tom era
cortante e, como se não bastasse, o olhar que dirigiu a
ele também o era.
Os olhos azuis se estreitaram diante da reprimenda
inesperada, então, endireitando os ombros como quem
deixava claro que pretendia se defender em caso de um
novo ataque, ele saiu do quarto e fechou a porta atrás
de si.
Ainda culpando-o mentalmente por feito a mulher
engravidar quando era óbvio que não poderia, Leah
encheu a colher com o líquido esverdeado e levou-a aos
lábios de Hulda.
— Tome isso, por favor, abra a boca — pediu com a
suavidade.
Obediente, Hulda deixou que a colher fosse levada
a seus lábios e sorveu o líquido com certa dificuldade.
Leah repetiu o gesto até que quase todo o chá
tivesse sido tomado, restando apenas o fundo da xícara.
— Escute, quero que levante um pouco a cabeça
para que possa beber o que sobrou diretamente na
caneca.
Mesmo fraca, Hulda conseguiu fazê-lo e, aos
poucos, a infusão começou a surtir efeito. Leah
sussurrou uma prece em agradecimento e cuidou de
sentir o bebê outra vez.
Não havia o menor sinal de que o parto seria imi-
nente, a não ser uma grande quantidade de sangue
fluindo. Definitivamente, as coisas não estavam indo
bem, concluiu, meneando a cabeça de um lado para
outro. Precisava saber o que estava acontecendo lá
dentro, onde o colo do útero teimava em segurar o bebê
prisioneiro. Assim, cobrindo a mão e o braço com uma
camada de óleo, invadiu os recessos do corpo de Hulda
Lundstrom a procura do bebê. No entanto, no lugar da
cabeça que tanto esperava, encontrou duas partes
macias e arredondadas: as nádegas. Como se não
bastasse a posição, a criança ainda era grande demais
para os quadris estreitos da mãe.
Leah puxou a mão e suspirou.
— Meu filho está morto? — Hulda sussurrou, a voz
cada vez mais fraca. Tinha começado a transpirar por
todos os poros do corpo e a camisola de flanela, bem
como a cama sob ela, estavam completamente molha-
das de sangue e suor.
— Não, está vivo — Leah respondeu. — Mas o bebê
está sentado. Nossa única chance é virá-lo para que
nasça.
— Neste caso faça o que for preciso — disse a
mulher do fazendeiro, cada palavra pontuada por um
gemido de dor. — Se eu não puder dar outro filho a
Ganam, nao quero mais viver.
— Não diga isso! Sua vida vale muito mais para seu
marido do que a de qualquer filho que possa lhe dar,
senhora — Leah tentou convencê-la.
Todavia, Hulda Lundstrom não se deixou enganar.
— Não, não vale. Mas, talvez, se eu der outro filho a
meu marido ele possa aprender a me amar.
Os olhos de Leah se encheram de lágrimas e ela as
enxugou com o braço.
— Não. Você não morrerá! Não pode nem pensar
nisso! Vai viver, vai viver!
CAPÍTULO II
Infelizmente, naquela noite, o milagre da vida não
aconteceu como Leah esperava.
O rosto de Gar Lundstrom estava pálido e
contorcido pela raiva. Os olhos fundos, emoldurados por
enormes olheiras, denunciavam que ele passara a noite
em claro. Então, de repente, como se tivesse acabado
de buscar forças em algum lugar oculto dentro de si, ele
ergueu as duas mãos para o alto, depois as apertou uma
contra a outra enquanto fitava a mulher que tinha a sua
frente.
— Por quê? — A simples pergunta ecoou pela casa
como um grito de incredulidade, dor e desespero.
Leah passou os braços em torno de si, antes de
responder:
— Não sou médica, ar. Lundstrom. Sou apenas uma
mulher que conhece umas poucas coisas a respeito das
ervas e de como cuidar de certos ferimentos — disse,
dando um longo suspiro. Contudo, no ftindo, não con-
seguia isentar-se da culpa que a assolava, mesmo sa-
bendo que não havia nada que pudesse ter feito para
mudar as tramas do destino.
— Já trouxe uma criança ao mundo antes, sra. Gun-
derson? Ou esta foi a primeira vez que viu uma mulher
morrer sob seus cuidados? — grunhiu ele em tom acu-
sador, ao mesmo que curvava os ombros como se o
fardo estivesse sendo pesado demais para carregá-lo.
Leah relutou em responder, muito embora soubesse
que deveria se defender da culpa que lhe estava sendo
imputada.
— Eu não pedi para vir aqui, ar. Lundstrom. —
Respirou fundo para tentar se acalmar e ignorar as
acusações que estavam sendo feitas em um momento
de desespero. — E, sim, eu já ajudei outras crianças a
virem ao mundo. Mas nenhuma das mães apresentou os
problemas que sua esposa teve.
— Hulda sobreviveu três vezes antes disso, mesmo
tendo os mesmos problemas dessa noite. O que poderia
ter causado… — Agitou-se e moveu a mão de um lado
para outro enquanto tentava encontrar palavras para
expressar o horror vividamente estampado no rosto
anguloso.
Leah condoeu-se o vê-lo tão desamparado.
— Ela era uma mulher muito pequena dando a luz a
uma criança muito grande — explicou, erguendo o rosto
e ousando encará-lo. Estava determinada a não se
deixar culpar injustamente. — Eu tentei virar a criança,
mas não foi possível. O senhor estava lá. Viu o sangra-
mento. Por isso, o nascimento foi muito mais doloroso e
violento do que a ara. Lundstrom poderia suportar.
Entre eles, Hulda jazia embaixo de um lençol limpo,
sua face serena no leito de morte. Ela era uma mulher
pequena e frágil que, no entender de Leah, jamais
deveria ter sido submetida a tal provação. Aliás, uma
provação que acabara por matá-la.
Leah fechou os olhos como se o gesto pudesse
apagar a visão horrenda que tinha diante de si. Como se
a morte,pudesse ser esquecida com tanta facilidade.
— É melhor o senhor ir até a cidade e falar com o
agente funerário, ar. Lundstrom. E também tentar en-
contrar alguém que possa cuidar do bebê.
Os olhos azuis de Gar acompanharam Leah enquan-
te ela seguia até o bebê.
— Vou levar meu filho comigo até a cidade. Tem
leite na despensa se precisar para o bebê.
Leah olhou através da janela e admirou-se com a
quantidade de neve que cobria a paisagem. Em algum
momento durante a noite, deveria ter acontecido uma
verdadeira nevasca. Agora, sob os primeiros raios de sol
da manhã, a camada branca e reluzente começava a
derreter, como se fosse um presságio de mudanças na
existência daquelas pessoas solitárias que haviam
passado a noite na fazenda dos Lundstrom.
Quatorze de janeiro. A data .de nascimento da filha
de Hulda Lundstrom.
Leah pegou a menina, ninando-a carinhosamente de
encontro a seu peito e tentando aquecê-la como a mãe
teria feito se tivesse sobrevivido.
— Tudo bem, tudo bem, anjinho — sussurrou, ina-
lando o cheiro da recém-nascida. Esse era um aroma
que sempre despertava uma grande emoção dentro
dela. — Como vai chamá-la? — indagou, por fim, sen-
tindo a presença de Gar atrás de si.
— Hulda ainda não tinha se decidido entre Linnea e
Karen.
— Karen é um excelente nome. Forte e breve —
Leah deixou que seus pensamentos falassem mais alto
que a discrição. — Além do que, ela sempre poderá
escolher um segundo nome quando fizer a primeira
comunhão.
Gar assentiu e Leah observou quando a pequenina
uniu os lábios num movimente de quem se preparava
para sugar.
— Eles aprendem rápido — comentou pensativa.
Gar parou junto a porta, a cabeça baixa como se
todo o corpo viril estivesse ameaçando vir ao chão de-
pois da longa noite de agonia.
— Irei até a igreja e falarei com o pastor primeiro. E
mais fácil encontrá-lo do que ao doutor.
— Onde está seu filho? — Leah perguntou. Tinha
ouvido o som de vozes abafadas, depois o choro triste
de uma criança vindos da cozinha, alguns minutos an-
tes. — Ele está bem?
Gar lançou-lhe um olhar de desdém.
— A mãe dele acabou de morrer. Meu filho nunca
ficará Abem+ outra vez. — Virando-se abruptamente,
saiu do quarto.
Leah o seguiu com passos vagarosos, pois não
queria assustar a pobre criança ao aparecer sem avisar.
Ficou parada na soleira da porta enquanto Gar pegava o
filho pela mão e saía com ele da casa. Com pernas
trêmulas, Leah foi até a janela envidraçada e observou
pai e filho caminhando sobre a grossa camada de neve
para chegarem até o celeiro, onde Gar já deveria ter
atrelado os animais ao trenó.
Em questão de segundos ele já conduzia o único
meio de transporte que poderia deslizar sobre o solo
coberto de neve através das portas duplas de madeira.
O garotinho estava aconchegado no banco da frente
com o enorme cobertor de pêlo enrolado em torno de
seu corpo pequenino. Gar juntou-se ao filho e pegou as
rédeas. Com um olhar rápido na direção da casa, incitou
os animais e os fez seguir para a cidade de Kirby Falis.
Leah afastou-se da janela e tentou ser prática. Ali-
nal, há muito aprendera que só os fortes e práticos
conseguiam sobreviver às adversidades.
Pegando o leite, ferveu-o e o colocou num pequeno
saleiro de mesa, que lavara bem, depois o cobrira com
um pedaço de flanela dobrado em dois. Segurando a
recém-nascida no braço esquerdo, pegou a mamadeira
improvisada e deixou o leite gotejar na boca pequenina.
— Claro que os seios de sua mãe poderiam alimen-
tá-la muito melhor, meu anjo, mas precisamos nos virar
com o que temos — disse, passando o dedo mínimo
pelos lábios do bebê para ajudá-la a sugar. — Talvez o
médico se Lembre de mandar uma mamadeira de
verdade ou algo mais prático para alimentá-la.
Um gemido escapou da boca pequenina e a filha de
Hulda virou a cabeça procurando pelos seios de Leah.
— Oh, meu bem, eu não posso ajudá-la — ela sus-
surrou, umedecendo os lábios minúsculos com novas
gotas de leite desnatado. — Isso é o melhor que posso
fazer por voce.
Era unia tarefa frustrante, mas Leah a conhecia bem
e alimentou a recém-nascida pacientemeflte durante
quase uma hora, até que ambas estivessem exaustas
demais para prosseguir. Pelo menos uns trinta gramas
de leite deveriam ter passado pela garganta da menina,
o resto molhara o cobertor no qual ela estava
embrulhada.
— Preciso dar um banho em você, pequenina —
murmurou carinhosa. — Mas não antes que tenha lhe
dado tempo para dormir e ganhar um pouco de forças.
Logo, um travesseiro grande aninhado em duas ca-
deiras unidas próximas ao fogão da cozinha, pois este
era o local mais aquecido da casa, serviu de berço para
acomodar a mais nova dos Lundstrom.
Ao procurar o que’ fazer, Leah logo descobriu que
havia um pedaço de osso de pernil, ainda com bastante
carne, sobre o balcão da cozinha, coberto por um pano
de prato imaculadamente limpo, como se Hulda tivesse
planejado utilizá-lo no jantar, provavelmente, como
parte de uma sopa. E, preparar uma sopa era o mínimo
que ela própria poderia fazer para ajudar a pequena
família a superar o momento de perda e transtorno.
Assim, cortando as cebolas que encontrou
penduradas em urna réstia presa ao gancho da parede,
colocou as fatias no caldeirão com água para ferver.
Uma breve visita à dispensa, rendeu-lhe alguns tomates
que fatiou e, juntamente com grãos de feijão, adicionou
à sopa.
Pelo jeito, Hulda tinha feito um bom planejamento
para aguardar a chegada dos dias frios de inverno. As
prateleiras estavam repLetas de produtos da horta e
pomar da fazenda, todos devidamente acondicionados
para não estragarem.
Leah segurou a vasilha que trazia na mão com mais
força, como se esta pudesse ser um elo que a ajudasse a
compreender a mulher que passara muitas horas na
cozinha, trabalhando para garantir o bem-estar de sua
pequena família.
O coração apertou-se dentro de seu peito, por causa
da culpa que sentia pela morte de Hulda, mesmo
sabendo que estava sendo injusta consigo mesma.
Fizera o máximo que pudera para salvá-la, mas a mulher
escolhera seu destino e este não lhe permitira resgatá-la
dos braços da morte. E não era tudo, Gar Lundstrom,
com seu iasano desejo de ter outros filhos, também fora
parcial-mente responsável pela morte da esposa.
Mas e quanto ao garoto? Leah franziu o cenho ao
pensar no pequeno Kristofer, que agora deveria estar
com o pai cuidando dos preparativos para os funerais da
mãe. Como ele sobreviveria depois dessa perda
traumática?
Claro que seria muito mais fácil para o bebê que
acabava de nascer, pois este nem chegara a conhecer
amor maternal e, assim1 não sentiria tanta falta de
Hulda. Contudo, o mesmo não poderia ser dito da
situação do pobre Kristofer Lundstrom, Leah suspirou
tristemente.
Quanto a ela própria, também teria que dar um jeito
em suas coisas depois daquela longa e fúnebre noite. As
roupas que deixara no cesto precisavam ser
penduradas, pois logo haveria, pelo menos, dois cava-
lheiros batendo a sua porta a procura das trouxas que
deveriam ser entregues. Enquanto isso, ali estava ela, a
lavadeira oficial dos solteiros da cidade, cuidando de um
bebê recém-nascido, em uma fazenda que ficava dez
milhas distante de Kirby Falis.
De qualquer forma, sua índole generosa fe-la decidir
que faria o que pudesse para ajudar enquanto esperava
Gar Lundstrom voltar para casa.
E varrer o chão e tirar o pó da mobília não demorou
mais do que meia hora. Contudo, durante todo esse
tempo, Leah se manteve distante do quarto no segundo
andar, onde o corpo de Hulda Lundstrom jazia inerte e
frio sob o lençol.
Tarefa cumprida, esquentou mais um pouco de leite
e passou outros trinta minutos tentando alimentar o
bebê que acordara resmungando, em seguida, banhou-a
com carinho antes de se sentar na cadeira de carvalho
que havia na sala de estar e ninar a menina como se
fosse uma mãe experiente.
Quando o trenó de Lundstrom voltou a passar
diante da janela envidraçada, a carne que cozinhava
para a sopa já estava se soltando do osso de pernil.
Também não ficou surpresa ao ver que logo atrás do
dono da casa estava o veículo que Joseph Landers
conduzia sempre que a situação clamava por seus
serviços de agente funerário.
Imediatamente, Leah seguiu até a porta e estreme-
ceu ao sentir a lufada de ar gelado que invadiu a casa
juntamente como os recém-chegados.
— Kristofer, vá se aquecer junto ao fogão — Gar
disse abruptamente para o filho e Leah observou a cena
enquanto o menino seguia a ordem à risca.
Bastou um olhar para confirmar que as mãos pe-
queninas do pobre garoto estavam vermelhas de frio e o
nariz e faces também. Na verdade, as pálpebras dele
mal se moveram quando passou por Leah; os olhos
estavam inchados, dando a impressão de que Kristofer
chorara o tempo todo em que estivera fora de casa.
E, por certo, fora isso mesmo que acontecera,
deduziu Leah, mordendo o lábio inferior enquanto fitava
o pequeno Lundstrom com um misto de ternura e
compaixão. O menino esfregou as mãos uma contra a
outra, então, limpou o nariz na manga da camisa de
flanela.
Obedecendo a um impulso, Leah tirou o pequeno
lenço de algodão do bolso e o estendeu a Kristofer.
— Obrigado, senhora. — A voz infantil estava per-
meada pela rouquidão característica do choro e Leah
sentiu um aperto no peito ao imaginar a dor que a
criança deveria estar sentindo com a perda da mae.
Silenciosa, viu os homens rumarem para o segundo
andar da casa, ouviu-lhe os passos pesados e também o
murmúrio de vozes que chegava até a cozinha.
— Kristofer? — disse, testando o som daquele
nome quando pronunciado por seus lábios. Será que fora
a mãe que escolhera chamá-lo assim? Provavelmente.
Gar, por certo, teria preferido algo como Lars, Igor, ou
um nome mais viril e robusto. Já Kristofer era o tipo de
nome que uma mãe carinhosa dava ao filho de cabelos
claros e sedosos.
— Sim, senhora, o que deseja? CO menino ergueu
o rosto, seus olhos azuis avermelhados por causa das
longas horas de choro e soluços contidos
— Por acaso está com fome, Kristofer? — Leah in-
dagou gentilmente. — Fiz uma sopa de feijão com al-
guns pedaços de pernil. Precisa comer alguma coisa,
meu querido.
Os olhinhos inchados se voltaram para o caldeirão
que estava no fogão escuro e logo a língua rosada des-
lizou pelos lábios úmidos.
— É verdade, senhora. Estou com um pouco de
fome, não comi nada no café da manhã.
Leah aproveitou a oportunidade para se ocupar e
esquecer que havia um cadáver no andar superior.
— Então venha até a pia para se lavar um pouco —
chamou, consciente de que os homens começavam a
descer as escadas com o corpo de Hulda.
Propositadamente, colocou-se atrás do garoto,
agindo como um escudo protetor para impedi-lo de ver o
frágil corpo da mãe sendo carregado para fora da casa.
Então, quando a porta dos fundos se fechou atrás de Gar
e de Joseph, Leah colocou as mãos nos ombros
pequenos.
— Venha comer agora, meu querido. Vou cortar al-
gumas fatias de pão para você — prometeu, levando-o
até a mesa e puxando uma das cadeiras para que Kris-
tofer se sentasse.
Ele obedeceu sem pestanejar, apenas os dedinhos
trêmulos denunciavam o quão faminto estava.
Leah cuidou de fatiar o pão antes de procurar pela
manteiga e geléia. A cada vez que passava diante da
janela, acompanhava o progresso do corpo de Hulda em
direção ao carro flínebre. Observou que havia mais um
homem lá fora e que fora este quem abrira a porta tra-
seira da carroça da funerária para que Gar acomodasse
o corpo da mulher dentro do caixão guardado ali.
Os dois agentes funerários conversaram entre si en-
quanto Gar Lundstrom baixou os olhos e chutou leve-
mente a roda da carroça como se o gesto pudesse mi-
nimizar sua dor.
Algum tempo depois, Leah ouviu o som de arreios
ecoando pelo pátio, e, segundos mais tarde, Gar entrou
na casa.
— Precisa comer alguma coisa, sr. Lundstrom —
disse a ele. — Fiz uma sopa com os feijões e ossos de
pernil que encontrei na cozinha. Espero que não se
importe.
Ele deu de ombros e tal gesto já falava por si só.
AQue importância isso tem?@, parecia estar dizendo.
Então, com um suspiro, Gar admitiu sua fraqueza
humana.
— Tem razão, estou faminto.
Enquanto Leah servia uma generosa porção da sopa
num prato fundo, Gar se lavou na pia, então, parou ao
lado do filho, quando já retornava à mesa.
— Kristofer… — murmurou, como se precisasse
pronunciar aquele nome apenas para sentir que ambos
estavam vivos. Lentamente, fechou os olhos e respirou
fundo.
— Estou aqui, pai — atalhou o garoto com a boca
cheia de comida. Mas aquela resposta simples pareceu
satisfazer o fazendeiro que se sentou ao lado do filho.
— O que o senhor vai fazer com o bebê? Falou
com o médico quando esteve na cidade? — indagou
Leah, servindo um pouco de café fresco ao homem que
olhava fmxamente para o prato de sopa de feijão que
tinha diante de si.
Sem ter a menor idéia do que deveria fazer a
seguir, Gar ergueu o rosto e a encarou.
Percebendo que os pensamentos dele estavam
muito longe dali, Leah entregou-lhe uma colher e
sugeriu:
— Acho melhor começar a comer. O senhor está
precisando.
— Sim, estou — concordou e sorveu a sopa sem
proferir uma só palavra, então, colocou um pouco de
açúcar a xícara de café e fitou o liquido escuro por uni
momento. — Não tem creme aqui — disse
acusadoramente.
— Vou lhe dar um pouco — Leah se prontificou,
pegando a jarra do armário. O creme estava espesso
amarelo e ela encheu o recipiente de louça até a boca
antes de colocá-lo na mesa.
— Obrigado — agradeceu Gar, observando-a en-
quanto ela colocava uma dose generosa de creme na
xícara de café preto.
Sem dizer uma só palavra, sorveu o liquido
fumegante e continuou a fitá-la por entre cílios
semicerrados.
Foi então que o bebê se moveu no berço
improvisado nas duas cadeiras. Primeiro ouviu-se um
chorinho discreto, depois este se transformou em gritos
agoniados. Leah deixou a xícara de lado e foi até o berço
montado junto ao fogão. Curvou-se para pegar a
pequenina nos braços, ao mesmo tempo em que
murmurava algumas palavras de conforto.
— Entregue-a para mim. — O rosto anguloso de Gar
era uma máscara impenetrável quando ele esticou os
braços para pegar a filha. — Deixe-me pegá-la.
Kristofer olhou atônito para o pai, depois para Leah,
como se estivesse com medo das verdadeiras intenções
ocultas por trás de tal gesto.
— Pode ficar tranqüilo, filho. Agora, vá para o
celeiro e ajude Benny a alimentar o gado. Não fiz isso
direito hoje, portanto, preciso que tomem conta dos
animais para mim.
O garoto assentiu de pronto e, rapidamente, pegou
seu casaco e saiu da casa para ajudar o empregado do
pai.
— Vou segurar minha filha agora, sra. Gunderson —
Antes que Leah pudesse fazer ou dizer qualquer coisa,
ele já havia se levantado e tirava o bebê de seus braços.
— Vi minha mulher sangrar até a morte, bem diante de
meus olhos. Ainda não consigo ser nobre o suficiente
para perdoar a senhora pelo mal que nos causou.
Leah sentiu a pernas trêmulas diante de tal
acusação. Atordoada, deixou-se cair na cadeira junto à
mesa.
— Pois eu lhe disse quando foi me procurar que não
era médica, senhor. Fiz o melhor que pude. O médico
tinha prevenido ao senhor e sua esposa que S ela não
poderia mais ter filhos. Seus órgãos estavam tão
danificados pelos abortos anteriores que até mesmo
este bebê poderia ter morrido se eu não a tivesse tra-
zido ao mundo à força.
A lembrança do sangue jorrando do corpo de Hulda
e se espalhando pelo lençol ainda era tão vivida em sua
memória que ela fechou os olhos para tentar se livrar
desse horror.
— Sua esposa não teria sobrevivido ao parto, não
importa quem a tivesse atendido. Não tinha condições
de dar à luz! — Ergueu o rosto, os olhos marejados de
lágrimas e os lábios trêmulos. — Se quer culpar a
alguém que está vivo, sr. Lundstrom, culpe a si mesmo.
O senhor a engravidou depois de o médico ter dito que
ela não poderia gerar outro filho. Não jogue sua culpa
nas minhas costas porque este é um fardo que me
recuso a carregar.
O rosto anguloso perdeu o tom avermelhado de um
homem que enfrentara o vento gélido do inverno para
se transformar numa máscara acinzentada de agonia.
— Sei muito bem qual foi minha culpa, não precisa
ficar me lembrando — resmungou num tom gutural.
Leah entortou os lábios, porém, nada disse.
— Esteja pronta para partir em dez minutos — de-
clarou Gar com aspereza, então, jogando um acolchoado
sobre o bebê, saiu da casa apressadamente.
Leah não imaginava para onde ele pudesse estar
levando a filha. Os passos eram firmes e decididos
enquanto Gar passava pelo celeiro e depois dirigia-se
para uma casinha que havia na outra extremidade das
pastagens. Quando não pôde mais vê-lo ou sequer
Suportar a agonia que a dominava, ela se afastou da
janela e tentou dizer a si mesma que o destino dos
Lundstrom não era de sua conta. Bem que gostaria
de poder ajudar as duas pobres crianças, mas, se para
isso tivesse que enfrentar a fúria e a acusação do pai
delas, então, sem dúvida, era melhor esquecê-los de
uma vez por todas.
Algum tempo depois, Gar a levou para casa e du-
rante todo o trajeto os dois ficaram no mais completo
silêncio, como se um não pudesse, sequer, suportar a
companhia do outro. Ao chegarem, ele parou os animais
em frente à pequena casa onde Leah viva e esperou
apenas o tempo suficiente para que ela descesse antes
de começar a se afastar.
— Minha bolsa! O senhor está com minha bolsa, sr.
Lundstrom! — gritou Leah, correndo atrás da carroça.
Sem dizer nada, ele pegou a bolsa de couro do as-
soalho perto de seus pés e a jogou na direção de Leah.
Os olhos azuis estavam tomados por uma ira e deses-
pero tão profundos que Leah não conseguiria esquecer
tão cedo. Essa era uma lembrança que a assolava prin-
cipalmente à noite, quando repousava a cabeça no tra-
vesseiro e o via fitando-a com aquele ódio, acusando-a
de uma culpa que não tinha, cobrando-a pelo milagre da
felicidade que não pudera lhe dar…
As roupas molhadas estavam penduradas em varais
que cruzavam a pequena cozinha como um emaranhado
digno de uma teia de aranha. Com sua tarefa finalmente
concluída, Leah curvou-se para passar sob a melhor
camisa de Orville Hunsicker enquanto escapulia do mar
de roupas em que se transformara sua cozinha e seguia
direto para o quarto.
Estava exausta e embora tivesse imaginado que o
sono não viria com facilidade, mal tinha colocado a
cabeça no travesseiro quando foi abraçada pelas névoas
do reino de Morfeu.
A mulher sofreu sem proferir um único som, os
olhos escuros se voltaram com ódio para a criança que
acabava de nascer de seu ventre. Então, de súbito, o
bebê rosado e saudável ficou imóvel sob a mãe, com o
pescoço torcido num ângulo totalmente inconcebível.
Gritando, a mãe apontou para Leah e sua acusação
ecoou a quilômetros de distância.
— Assassina! Assassina!
Com os punhos cerrados, o pai furioso também vol-
tara sua ira para Leah que fugiu correndo do quarto,
enveredando por um labirinto escuro e tenebroso du-
rante sua fuga desenfreada.
Então, ao entrar em um segundo quarto para fugir
do primeiro, descobriu-se diante de Hulda Lundstrom,
num leito coberto de sangue, com o dedo apontado em
sua direção e também gritando: “Assassina, assassina!”
Leah acordou sobressaltada, com a respiração
ofegante como se, de fato, tivesse corrido durante um
longo tempo. Olhando para a janela viu que, ao contrário
da última noite, quando uma forte nevasca caíra sobre a
cidade, a noite estava clara e a lua brilhava no céu.
Através das diáfanas cortinas de renda divisou os
contornos do hotel ao lado do qual ficava o armazém
geral e o banco, todos alinhados e podendo ser vistos de
qualquer ponto de Kirby Falls. Sim, ela não estava mais
correndo pelas ruas de Chicago, fugindo da fúria de um
pai enlouquecido pela perda do filho.
Leah segurou a cabeça entre as mãos. Há quanto
tempo essa fatalidade acontecera? E por quanto tempo
mais seria perseguida pelas lembranças de um lindo
recém-nascido, um menino rosado e forte, que morrera
por causa da mãe que não queria um filho do marido,
mas apenas o dinheiro dele!?
E agora, como se não bastasse, ainda seria ator-
mentada pela morte de Hulda Lundstrom, que dera a
própria vida apenas para agradar ao homem com o qual
se casara. Leah não podia acreditar que o destino estava
sendo tão cruel com ela pela segunda vez. Que sina
triste a sua! Fugira de Chicago por causa da morte de
um bebê e, quando pensara estar segura em Kirby Falls,
acabara presenciando a morte de uma outra mulher
que, ao contrário da primeira, não medira esforços para
agradar ao homem que amava.
— E esse homem tinha de ser justamente Gar
Lundstrom, meu Deus! — gemeu em meio ao pranto e
ao desespero de quem não entendia por que o enredo
do destino estava sendo tão repetitivo e cruel para com
ela.
A semana passou mais lentamente do que o
habitual e cada dia parecia ser mais longo do que o
anterior. Leah fora até o armazém geral, mas os
comentários sobre a morte de Hulda Lundstrom ainda
eram o assunto do momento. Por sorte, recebeu muitos
olhares de simpatia e palavras de conforto das senhoras
que sabiam que ela havia feito o melhor que pudera
para ajudar a esposa do fazendeiro.
No entanto, mesmo isso não era o bastante para
poupá-la das feridas que sangravam-lhe a alma. A sen-
sação de que deveria fazer alguma coisa para ajudar a
pequena família que estava tentando sobreviver à
tragédia da perda da mãe e esposa era forte demais
para ser ignorada.
Apesar disso, quando no final da terrível semana
Gar Lundstrom apareceu em sua porta carregando a
filha recém-nascida nos braços, seus pensamentos ge-
nerosos desapareceram no mesmo instante em que ele
a encarou através da tela da porta.
— Trouxe minha filha para a senhora — declarou
Gar rispidamente, os dedos longos segurando a maça-
neta, forçando-a a dar um passo atrás enquanto ele
entrava na pequena sala.
— E trouxe-a para que e por quê, sr. Lundstrom? —
inquiriu, observando a criança enrolada na manta.
— Descobri que não posso cuidar de um bebé e da
fazenda ao mesmo tempo. Deixei-a com Ruth Warshem,
a esposa de meu ajudante Benny, mas ela tinha que
trazê-la de volta para mim à noite. E eu não posso me
levantar às quatro da manhã para cuidar dos animais se
passo a noite toda acordado com um bebê >que chora
de hora em hora.
— E o senhor quer que eu tome conta dela?! —
Leah encarou-o estupefata. Era muita petulância entrar
em sua casa sem ser convidado e ainda por cima fazer
tal exigência.
— Eu não posso mais fazer isso. Senão minha fa-
zenda ficará em ruínas e não terei nem mesmo dinheiro
para sustentar meus filhos e a mim. O máximo que
posso fazer é cuidar de Kristofer que já está grandinho.
— E o que o leva a pensar que sou a pessoa certa
para assumir esta obrigação, senhor? — interpelou-o, a
raiva mesclada à indignação.
Gar inclinou a cabeça num ângulo que lhe conferia
um ar arrogante e autoritário.
— Simples, não há ninguém mais que possa fazê-lo.
Leah riu, um riso agudo e cortante.
— Bem, pode esquecer, sr. Lundstrom. Não estou
disponível.
A boca carnuda curvou-se e os olhos azuis a reta-
lharam como se fossem armas mortais.
— Vou pagá-la bem — grunhiu, sem uma nota de
gentileza ou humildade na voz de barítono.
Leah abriu a boca para se recusar a assumir tal
responsabilidade, contudo, do fundo de sua mente veio
um aviso de que deveria ser cautelosa. Poderia pre-
servar seu orgulho próprio e também suas finanças se o
ajudasse com o bebê e aceitasse algum dinheiro em
troca do trabalho, além, é claro, de aliviar um pouco a
pesada carga que recaía sobre os ombros fortes de Gar
Lundstrom.
Aliás, ombros que talvez não fossem nem tão fortes
assim! Ali estava mais uma prova de que nenhum
homem era totalmente invencível, concluiu pensativa. A
vida poderia encurralá-lo quando menos se esperava.
— Pensando melhor, talvez eu possa fazê-lo durante
algum tempo — disse lentamente, seus olhos voltando-
se para a pequena criatura que repousava nos braços
musculosos do pai e que agora começava a emitir
gritinhos de desconforto.
Gar entregou-lhe a filha com mãos relutantes, como
se esta não fosse uma escolha, mas sim uma necessi-
dade urgente.
Leah abriu o cobertor. Brilhantes olhos azuis a fi-
taram e uma boca pequenina e rosada se abriu para em
seguida fechar-se em um gracioso biquinho. Entao a
menina bocejou e esfregou os olhos com as mãos.
Ela encantou-se imediatamente com o rosto bonito,
que já começava a perder a aparência disforme dos
recém-nascidos e mostrava que filha de Hulda era muito
parecida com o pai. Movida por um impulso, acariciou-
lhe a bochecha com a ponta dos dedos.
— Com o que o senhor a está alimentando? — per-
guntou, virando-se de costas ao sentir que lágrimas
traiçoeiras começavam a minar-lhe dos olhos.
— Com leite de vaca. Mas tem que ser fervido e
depois esperar esfriar. Ruth disse que não é bom dar
leite muito frio ou muito quente, mas que é importante
fervê-lo e diluí-lo em um pouco de água. Também com-
prei bicos no armazém para usar nas garrafas que
transformamos em mamadeiras.
— E Ruth não pode cuidar de sua filha vinte e
quatro horas por dia? — Leah questionou, perguntando-
se como a mulher poderia ter desistido de ficar com
essa criança.
— Não. Ela tem uma irmã doente que precisa de
seus cuidados e outra que também está prestes a ter
um bebê e que necessitará de ajuda.
— Entendo. Os bebês necessitam de cuidados a
todo instante, sr. Lundstrom. Para que sua filha tenha
tudo que precisa, necessitarei de uma quantidade de
leite diária.
— Posso lhe trazer uma vaca. — Aquelas palavras
soaram como pedras batendo de encontro ao muro de
objeções que Leah ainda mantinha em torno de si.
— Mas eu não sei como ordenhar uma vaca! — re-
plicou, levantando o bebê em seus ombros e batendo-
lhe levemente nas costinhas para acalmá-la.
O olhar exasperado de Gar Lundstrom dirigiu-se às
faces de Leah e depois ao bebê que ela segurava.
— Neste caso eu a ensinarei, senhora.
— Por quanto tempo? — interrogou ela, não que-
rendo deixar de encará-lo, mas, ao mesmo tempo, tendo
medo que as lágrimas voltassem a trai-la.
— Por quanto tempo for necessário para que possa
aprender, ora essa — retrucou Gar impaciente.
Franzindo o cenho, Leah o fitou com expressão
igualmente aborrecida.
— Sabe muito bem o que estou querendo dizer. Por
quanto tempo espera que eu cuide de sua filha?
— Por quanto tempo for necessário — repetiu a
mesma resposta que já tinha dado anteriormente.
Mas será que aquela não era uma maneira um tanto
irresponsável de entregar as responsabilidades com o
cuidado e educação de uma criança recém-nascida nas
mãos de alguém que nem ao menos da família era?!
Leah suspirou profundamente e ergueu o queixo.
— Eu nunca tive filhos. Como o senhor sabe que
cuidarei bem de sua menina?
Os olhos azuis a percorreram de alto a baixo, como
se estivessem avaliando todos os seus atributos femi-
ninos, e, por fim, quando ele falou, foi num tom firme e
decidido:
— Eu sei.
— Mas por que eu?
— A senhora está em dívida para comigo. — Ele se
inclinou em sua direção, as narinas pulsando e os dentes
à mostra.
Por um instante, Leah divisou uma fúria contida na-
quele semblante másculo a qual jamais poderia
enfrentar.
— Sei muito bem qual foi minha culpa na morte de
Hulda. Quanto a senhora, talvez possa acalmar sua
consciência enquanto me ajuda a criar a menina.
Não fora a mesma conclusão a que ela própria che-
gara minutos antes? E agora, com toda essa arrogância
machista e o conhecido orgulho dos imigrantes suecos,
ele estava lhe dando uma chance de ajudar. Seus braços
acariciavam a criança ternamente e, de súbito, o
coração encheu-se de ternura ao antecipar a alegria que
seria conviver diariamente com um bebé.
— Certo, cuidarei de sua filha. Mas será apenas por
seis meses. Quem sabe ao final desse período já tenha
encontrado uma mulher que possa viver em sua casa e
cuidar de seus dois filhos como eles merecem. Além do
que, ao final de seis meses o senhor já terá terminado
de semear as plantações e também terá feito o primeiro
corte do feno. Terá de levá-la no verão.
Gar estava parado ao lado dela e Leah baixou os
olhos para as botas gastas e másculas que ele usava
com a calça colocada dentro do cano alto e cadarços
que amarravam na parte frontal.
— O que me diz? — O calor do corpo do bebê era
reconfortante contra sua pele fria, bem como os pe-
quenos movimentos da menina. A respiração cálida era
ritmada e tão suave que Leah chegou a confundi-la com
a sua própria.
— Certo, está combinado. Seis meses é um bom
tempo — concordou Gar Lundstrom. — Vou lhe pagar
dois dólares por semana e trarei a vaca e algumas
roupas para a menina amanhã mesmo.
Leah quase recusou tal oferta. Mas, quando estava
abrindo a boca para verbalizar o que tinha em mente, o
viu tirar duas moedas do bolso de couro que tinha preso
à cintura da calça e colocá-las sobre a mesa ao lado da
janela.
Céus, era muito dinheiro! Dois dólares era bem mais
do que ousaria pedir pelo trabalho. Ainda assim, a
simples idéia de que poderia comprar o que quisesse
para comer, e, talvez, guardar uma pequena quantia que
lhe ajudasse nos momentos diflceis e inesperados, pelos
quais todos passavam algumas vezes, a estava
encantando.
— Tenho uma cesta com algumas das coisas dela
na r~ carroça. E o bastante para passar um ou dois dias.
Ruth está lavando as fraldas de Karen hoje e as trarei
quando voltar aqui. — Sem mais uma palavras, saiu da
sala, foi : até a carroça e retornou trazendo um casto de
vime nos braços. — Penso que já está tudo certo entre
nós, não?
Leah assentiu e Gar fitou o bebê que ela carregava,
estendendo uma das mãos para acariciar a cabecinha
macia. Com o lopgo dedo indicador, alisou os cabelinhos
loiros e ralos. Então ele se foi sem nem ao menos ousar
olhar para trás…
Leah mergulhou num sono leve, consciente do pe-
queno ser a seu lado, então, de repente, acordou com o
som de alguns gemidos de protestos.
Em seu ninho de travesseiros, a pequena Karen
Lundstrom mexia a cabeça de um lado para outro como
se estivesse a procura do seio da mãe que deveria ali-
mentá-la. Como não encontrasse a fonte do prazer que
procurava, levou as mãozinhas aos lábios e sugou-as
com avidez. No entanto, ao perceber que o gesto não
poderia lhe trazer o alimento que desejava, desatou a
chorar a plenos pulmões.
Leah a observou sob a luz do luar, sorrindo ao re-
conhecer a natureza saudável daquele choro, afinal,
alimentar-se era uma necessidade humana básica e uma
necessidade que ela agora poderia suprir. Levantando-
se da cama, vestiu o casaco e mergulhou os pés nos
chinelos de pêlo, então tomou a menina nos braços.
Durante uma fração de segundo, o choro diminuiu e
pequenina a encarou com olhos arregalados.
Já na cozinha, ela aqueceu a garrafa que fora trans-
formada em mamadeira, colocando-a em uma panela de
água quente. Estava começando a nevar outra vez e os
flocos brancos batiam contra o vidro da cozinha como se
o frio estivesse tentando entrar na casa à força. Con-
tudo, a cozinha estava quente e Leah aproveitou para
puxar sua cadeira de balanço para junto do fogão, aco-
modando-se com sua nova companheira nos braços.
A menina inquietou-se quando os cobertores foram
puxados para longe, a fim de que as fraldas pudessem
ser trocadas.
— Shhh, meu anjinho, logo você estará seca e
quente outra vez!
O choro foi se tomando mais e mais agudo e apenas
o bico de borracha da mamadeira cheia de leite foi
capaz de trazer a paz e o silêncio de volta. Leah ba-
lançou-se para frente e para trás, uma das mãos ocu-
padas com a mamadeira e a outra acariciando os ca-
belos claros. A simples presença do bebê a tranqüilizava,
banindo o pesadelo horrível de todas as noite para longe
e deixando-a dormir em paz.
Aquela criança, cujo destino fora drasticamente mu-
dado pela morte da mãe, dependia unicamente dela
para sobreviver.
Leah sentiu uma pena enorme da mulher que fora
enterrada uma semana antes e agora jazia sob o solo
coberto de neve, enquanto sua filha estava sendo
ninada por outra pessoa. Também experimentou uma
certa culpa por estar desfrutando do prazer de ter a
menina sob seus cuidados graças a tristeza que se
abatera sobre a casa dos Lundstrom. Ainda assim, havia
uma parte dela que não cabia em si de contentamento
por ter nos braços essa dádiva maravilhosa, uma
semente de vida que florescera ainda que em um leito
de morte.
Ora, o que estava dizendo! A vida era sempre maior
do que a morte, não? Ali estava ela para provar isso.
Apesar de tudo que lhe acontecera, ainda era capaz de
sorrir e quase se sentir como a mãe verdadeira da linda
criaturinha de cabelos claros e olhos tão azuis quanto os
do pai. Sim, olhos como os de Gar Lunds trom… E
bastou esse simples pensamento para fazer o coração
de Leah bater mais rápido em seu peito.
— Oh, céus, não posso pensar nele como homem.
Não posso! — ralhou consigo mesma, tentando apegar-
se ao último resquício de bom senso que lhe restava. —
Garlam Lundstrom é como o fruto proibido que o Senhor
colocou no jardim do Eden. Apesar de me atrair além da
conta, jamais poderei provar de seus lábios, ou
regozijar-me com a masculinidade de seu corpo. E eu
não quero ser punida por não ter resistido ao fruto
proibido..
CAPÍTULO III
Kirby Falis, Minnesota Maio, 1892
— Dona Leah! Encostado na tela de proteção da
porta de entrada, Kristofer Lundstrom esperava
impacientemente para que Leah atendesse. As mãos
pequeninas repousavam na maçaneta redonda, apenas
os bons modos o impediam de dar um passo adentro
antes de ser formalmente instruído a fazê-lo.
— Entre, Kristofer — ela o convidou, vindo apres-
sada da cozinha para a sala. O menino estava atrasado
naquele dia. As aulas na escola já deveriam ter ter-
minado há pelo menos uma hora e Leah estivera es-
perando ouvir a voz melodiosa há algum tempo.
Aliás, poderia ajustar seus relógios pelo garoto,
cujos passos ecoavam pelo assoalho de madeira de sua
pequena varanda todos os dias, logo após as aulas. Suas
intenções eram muito claras. Primeiro ele a cumprimen-
tava com respeito, meneando a cabeça enquanto a cha-
mava pelo nome, depois os olhos azuis procuravam pela
silhueta pequenina da irmã e ele corria até o bebé como
se não pudesse mais agüentar de tanta saudade.
Mesmo tendo apenas sete anos, Kristofer era a ré-
plica em miniatura do pai, com cabelos loiros que bri-
lhavam intensamente sob os raios de sol e olhos azuis
contornados por cílios e sobrancelhas escuras. Ele tam-
bém era alto para sua idade, firme e correto, além de
parecer muito mais forte agora que não tinha a presença
da mãe que, quando viva, constantemente o puxava
pelas mãos para todos os lugares onde ia.
Leah tocou-lhe a cabeça com a ponta dos dedos,
ajeitando-lhe os cabelos soprados pelo vento.
— Vai ficar um pouco conosco, Kris?
— Não, senhora. Encontrei meu pai no armazém e
ele me disse para vir ver Karen e trazer-lhe isso.
Leah olhou para o pacote que o garoto carregava.
— Para Karen? O que é? — quis saber, estendendo a
mão para receber a encomenda que Kris lhe entregava.
— Bem, papai achou que a senhora poderia fazer
uma roupa mais primaveril. Sabe, algo mais leve do que
os tecidos grossos que ela tem usado desde o inverno.
Os dedos de Leah moviam-se rápido à medida que
desatava os barbantes e tentava chegar ao conteúdo do
embrulho. Logo sua curiosidade foi satisfeita, ali estava
um pedaço de algodão leve e floral, flores rosas
contrastando com delicadas folhagens verde-claro que
formavam uma espécie de fundo para a estampa.
— Oh, mas é lindo! — sussurrou Leah, já
imaginando o belo vestido que poderia fazer. Mangas
bufantes e corpo alto com uma saia longa que iria até os
pés da pequena Karen, protegendo-a do sol e
refrescando-a durante os dias mais quentes. — Diga a
seu pai que vou fazer o vestido antes de domingo para
que ele possa vê-la usando-o — prometeu com um
sorriso.
Da cozinha, o bebé resmungou por ter sido deixado
sozinho, mesmo que por pouco tempo, e Kristofer correu
para lá, ansioso por ver a irmã.
Leah ouviu as palavras carinhosas do menino e sor-
riu ao perceber que Karen também o recepcionava com
a alegria de sempre.
— Ela fica maior a cada dia que passa, não é, dona
Leah? — o menino comentou, curvando-se a fim de de-
positar um beijo na cabecinha macia. Com movimentos
rápidos foi até a pia, sem nunca desviar o olhar da irmã.
— Vou me lavar e aí poderei pegá-la um pouco,
não? Leah assentiu.
— Sua irmã estava esperando por você, meu
querido. Já está quase na hora de ela tomar a
mamadeira. Gostaria de alimentá-la hoje?
Kristofer sorriu, revelando um pequeno vão onde
dois dentes-de-leite haviam caído para dar lugar aos
permanentes.
— Oh, sim senhora, eu adoraria.
O fato de as mãos dele ainda estarem úmidas era
um pequeno detalhe, Leah decidiu ao vê-lo esticar os
braços. Condescendente para com o afeto genuíno que
havia entre as duas crianças, ela gesticulou em direção
à cadeira de balanço. Kris sentou-se enquanto Leah
tirava a menina de quatro meses do cesto de vime,
Lugar em que Karen passava a maior parte do dia, e
entregou-a ao irmão.
Com um travesseiro embaixo do cotovelo, Kristofer
segurou-a bem junto de si e ofereceu-lhe a mamadeira.
Mãozinhas rosadas agarraram o vidro e o menino riu ao
ver a irmã tentar segurar o frasco transparente de
maneira que o leite lhe chegasse aos lábios famintos.
— Veja isso, dona Leah! Ela também está
segurando. Não vai demorar muito e não precisará mais
de ajuda para se alimentar.
Leah meneou a cabeça de um lado para outro.
— Ainda assim teremos de segurá-la nos braços,
Kris. E importante que estejamos sempre atentos en-
quanto um bebê se alimenta. O fato de Karen saber
segurar a mamadeira não garante que não irá se afogar
se sugar mais leite do que pode engolir.
O rostinho bonito transformou-se em uma pequena
careta.
— Puxa, eu não tinha pensado nisso. Minha irmã
tem sorte de ter a senhora para tomar conta dela, não?
— Abaixou a cabeça e olhou demoradamente para o
bebê rechonchudo que tinha nos braços. — Sabe, eu
gostaria de tê-la em casa onde poderia vê-la sempre que
quisesse e aposto que papai também.
— Sim, mas seu pai vem visitá-la todos os domingos
tarde — Leah lembrou-o, e, ao mesmo tempo, teve de
admitir para si mesma que estas visitas de Garlam
Lundstrom eram como uma luz que iluminava todo o
resto de sua semana. A visão de Gar na varanda da
frente, logo depois dos serviços dominicais da igreja, era
muito especial para ela, não apenas pelos ovos e
vegetais que ele trazia e deixava na fruteira da cozinha,
mas por um motivo que tinha muito mais a ver com a
alma do que com suas necessidades físicas.
O gesto seguinte dele era colocar dois dólares sobre
o tampo de madeira da mesa. Então, Gar perguntava
sobre a saúde da filha, observando atentamente en-
quanto Leah tirava a criança do cesto e a entregava a
ele na cadeira de balanço. E o mais engraçado era que
Gar parecia estranhamente à vontade ali, balançando-se
na velha cadeira e tendo a filha nos braços. Leah
acabara achando mais fácil deixá-lo sozinho com a
menina do que ficar observando-o falar com Karen com
voz suave e terna, ainda mais que algumas vezes suas
palavras eram tão baixas que mal podia ouvi-las.
Gar Lundstrom era, sem dúvida, um bom pai, um
homem gentil e carinhoso para com os filhos, mas que,
por outro lado, exibia uma aura de dureza e seriedade
que contrastava em muito com os momentos em que o
via com Karen.
Apenas quando tinha o bebê nos braços ou falava
com Kristofer ele afastava o véu de austeridade que
usava. Com Leah era sempre frio e formal. Quando a
cumprimentava com um aperto de mãos, ao chegar e ao
se despedir, seus dedos eram firmes, calejados; e os
lábios carnudos jamais se abriam em um sorriso ou em
um arremedo desse gesto cordial.
Sim, Gar não permitia que Leah partilhasse do calor
e afeto que dedicava aos filhos e isso era uma dor e
frustração que ela amargava em silêncio. As vezes, tinha
a impressão que Garlam Lundstrom ainda a fitava com
olhos acusadores. Mesmo quando a agradecia pelos cui-
dados com o bebê era muito reticente. O único gesto
generoso que se permitia era pagá-la bem por seus ser-
viços. Leah tinha certeza de que em nenhum outro lugar
conseguiria ganhar dois dólares por semana para cuidar
de uma criança, talvez nem mesmo em Nova York.
— Estive pensando, Knis — ela disse com um sus-
piro, deixando as considerações de lado e tentando ser
prática. — Vou fazer o vestido de Karen amanhã mesmo
— prometeu, acariciando o tecido delicado.
O menino assentiu distraidamente. Seus olhos fixos
nas bochechas rosadas da pequena Karen.
— Vou ficar muito feliz quando chegar o verão e
pudermos levá-la para casa, dona Leah — confidenciou
emocionado.
— E seu pai já arrumou alguém para ajudá-los a
cuidar da casa, Knis? — indagou com voz pausada,
prendendo a respiração com medo de que a resposta
pudesse partir seu coração. A presença de um bebê
tinha lhe trazido uma nova alegria de viver, e, durante
os últimos quatro meses, sentira-se não como a babá,
mas como a própria mãe da criaturinha rosada e chei-
rosa que crescia a olhos vistos.
Todavia Knis negou com um movimento de cabeça.
— Não, a ara. Andersen disse que precisa cuidar das
coisas de Lester e que não poderá trabalhar para nós. Só
que meu pai acha que Lester já está velho demais para
que a mãe fique cuidando dele como se fosse um bebê.
Leah não pôde evitar de sorrir diante do
comentário. Lester Andersen era um homem enorme, de
mais de vinte e cinco anos, que trabalhava na serraria
local.
Se a mãe não o mimasse tanto, ele poderia dar um
ótimo marido para uma das moças da comunidade, ou,
pelo menos, era isso que as mulheres diziam quando
conversavam no armazém.
De qualquer forma, onde Gar Lundstrom iria en-
contrar uma governanta para cuidar de sua casa e filhos
não era de sua conta, Leah decidiu com um suspiro.
Caso ele não tivesse conseguido alguém para faze-lo
quando acabasse o prazo de seis meses que lhe dera,
continuaria aceitando os dólares que lhe pagava e
guardaria metade do valor como vinha fazendo. Já havia
conseguido poupar uma boa quantia e, por sorte, seus
trabalhos com roupas também estavam prosperando,
tinha sete fregueses por semana.
— Dona Leah? — O rosto pequenino de Knistofer
exibia uma pequena caneta. — Preciso ir embora agora.
Papai está me esperando no armazém geral. Disse-lhe
que voltaria para casa na carroça com ele.
Leah assentiu, levantando-se de sua cadeira para
pegar a menina dos braços do irmão.
— Quando o vejo de novo? — perguntou com
genuíno interesse, pois aprendera a amar não só a
pequena Karen mas também o doce Kristofer.
— Amanhã eu voltarei aqui. Meu pai disse que eu
não deveria vir com tanta freqüência porque poderei
importuná-la ou atrapalhar seus planos, caso precise
sair. Por favor, diga-me se não for conve… conve… —
hesitou, como se estivesse tentando lembrar qual fora a
palavra usada pelo pai.
— Conveniente? — Leah ajudou-o. — Oh, meu que-
rido, sua visita é sempre bem-vinda em minha casa —
garantiu, acompanhando-o até a porta da frente. Suas
mãos repousaram nos ombros pequeninos durante
alguns segundos, enquanto parou ao lado dele.
Kristofer hesitou por um momento, depois ficou na
ponta dos pés para beijar a testa da irmã que estava no
colo de Leah. Então ele partiu, a porta fechou-se às suas
costas e o menino saiu correndo pelo pequeno jardim. Já
no portão, virou-se um pouco e acenou para Leah, antes
de seguir pela rua em direção ao armazém geral.
Leah sorriu e voltou para a cozinha, balançando o
bebê nos braços enquanto o fazia.
— Ele virá amanhã de novo, Karen. E no domingo
seu pai também estará aqui para abraçá-la. Você é uma
garota de sorte — murmurou sorrindo. Mentalmente,
calculou que ainda faltavam três dias para o domingo.
Três dias que lhe pareceriam muito mais longos e
intermináveis que o normal…
Para o Estado de Minnesota, a primavera até que
vinha sendo quente demais. Todos os fazendeiros pre-
viam que o corte do feno seria feito bem mais cedo na-
quele ano. No final de maio as plantações estavam altas
nos campos e os cavalos e vacas do pasto já estavam
acompanhados por seus bezerros e potros. As esposas
dos fazendeiros cuidavam dos pintinhos que acabavam z
de sair dos ovos, levando-os, ao primeiro sinal do vento
~ frio da noite, para dentro dos galinheiros onde podiam
ficar aquecidos sob o corpo emplumado das mães. Em
uma manhã de junho, ainda em meio ao efervescer de
tantas novidades, Leah adentrou no armazem geral com
Karen Lundstrom nos braços.
As senhoras em torno dela fofocavam sobre os
acontecimentos mais recentes, algumas repetindo os
mexericos que tinham ouvido no domingo depois da
igreja.
— Ah, a ara. Gunderson está aqui com a pequenina
de Gar — Hazel Nielsen proclamou em alto e bom tom.
— Bonnie, venha atender sua amiga — completou,
puxando as cortinas que davam para o depósito da loja
e chamando a filha.
Todos os olhares se voltaram na direção de Leah e
ela limitou-se a sorrir para aquelas senhoras que se
reuniam a seu redor como se fossem abelhas em torno
de uma colméia.
— Como está a menina? — indagou Lula Dunbar, o
dedo indicador tocando a covinha do cotovelo rosado de
Karen. — Veja só como os olhos dela são azuis,
exatamente como eram os de sua mãe — ironizou,
então baixou o tom de voz: — Graças a Deus que não
são frios e maldosos como os do pai. Aquele homem
chega a me dar medo com aquela expressão de frieza.
— Deus me guarde! — exclamou e fez o sinal da
cruz. Leah engoliu um resposta seca e se voltou para
ouvir o que Eva Landers, a responsável pelos serviços de
correios da cidade, que tinha deixado sua escrivaninha
no canto da loja e seguia em sua direção. murmurou
com docilidade. — Céus, que coisa linda
— Ah, deixe-me ver esta menininha, Leah — Eva
ela é! — exclamou, acariciando os cabelos loiros de
Karen enquanto Leah seguia pelo corredor comprido da
loja. — Não dê atenção aos comentários de Lula —
cochichou junto à orelha de Leah. — Ela não diz nada
agradável a respeito de um homem desde o dia que se
casou com Hobart.
Leah sorriu e pensou que isso era uma injustiça,
pois o hoteleiro lhe parecia um homem muito correto.
Porém, quem era ela para julgar o que acontecia entre
quatro paredes. Assim, sorriu para Eva que era casada
com o agente funerário da cidade, mas, que, ao con-
trário do marido, muito sério e formal, era uma mulher
sorridente e bastante simpática.
— Se não for incomodá-la, passarei em sua casa
mais tarde para tomarmos um chá juntas — Eva se
ofereceu, piscando para ela num gesto de cumplicidade.
— Faz tempo que não conversamos um pouco.
Leah assentiu de bom grado. Visitantes eram
freqüentes em sua casa, mas em geral iam atrás de
seus trabalhos como lavadeira, engomadeira e até
mesmo costureira, isto para não falar quando desejavam
que lhe indicasse um chá ou ungüento especial para
minimizar as dores. Na verdade, sua prática como
conhecedora de ervas tinha se difundido ainda mais
entre os moradores locais desde o último inverno,
quando começara a cuidar do bebê de Lundstrom.
Houvera uma época em que todas as senhoras da
cidade pareciam estar com tosse e iam em busca de sua
ajuda, mas Leah sabia que, no fundo, o que todas
queriam era ver como estava se saindo com o bebê que
perdera a mãe no parto.
— Ah, Leah, que bom vê-la! — Bonnie Nielsen saiu
do depósito da loja e veio a seu encontro, espanando a
poeira da manga do vestido escuro à medida que
passava pela mãe no balcão. — O que posso fazer por
você hoje, querida?
Leah procurou a lista de compras no bolso do
vestido.
— Não preciso de muita coisa, Bonnie. Mas, por
acaso, já tem um pouco de ervilhas frescas?
Bonnie assentiu.
— Sim, a velha sra. Havelock plantou algumas
sementes ao lado da casa, num lugar que pegava o sol
da manhã e as cobria com um plástico todas as noites
para que não congelassem durante o último mês. Ela me
trouxe um pouco dessas ervilhas esta manhã mesmo.
— Vou levar meio quilo, se puder me arrumar, é
claro — disse consciente de que o produto era raro e
que precisava ser racionado para atender a outros fre-
gueses. — E como estão as batatas?
— Temo que estejam um pouco mirradas —
Bonnie confessou. — Mas vou ver o que consigo para
você.
— Se está precisando de batatas tudo o que tem a
fazer é me pedir, sra. Gunderson — soou uma voz
máscula às suas costas.
Um burburinho espalhou-se pelo armazém quando
Gar Lundstrom fez a oferta em alto e bom som.
Leah virou-se lentamente. Um sorriso brincava em
seus lábios generosos.
— Eu não o tinha visto na loja, sr. Lundstrom
atalhou com polidez.
— Acabei de entrar, mas ouvi quando perguntou
pelas batatas. Tenho uma boa reserva estocada. Posso
trazê-las para a senhora amanhã.
Ela meneou a cabeça de um lado para outro.
— Oh, por favor, não se preocupe. Pode trazê-las no
domingo, quando vier visitar sua filha — argumentou,
sentindo um rubor tingir-lhe as faces. Era óbvio que
todas as mulheres presentes tinham se movido mais
para perto da cena apenas para ouvir o que diziam.
Garlam Lundstrom remexeu-se com certo descon-
forto, como se somente agora percebesse as inuitas
senhoras que o rodeavam.
— Ora, talvez eu possa colocá-las numa sacola e
prendê-la no cavalo de meu filho quando ele vier à
escola amanhã. Kristofer poderá entregá-las à senhora.
Leah concordou.
— Seria ótimo. Pagarei o senhor assim que voltar-
mos a nos encontrar.
As sobrancelhas escuras foram arqueadas e os
olhos azuis se estreitaram.
— A senhora vai dá-las a minha filha também, não?
Leah engoliu em seco. Não queria começar uma dis-
cussão na frente de todos.
— Sim, claro.
— Então não precisará me pagar nada — Os olhos
azuis a percorreram de alto a baixo, suavizando-se ape-
nas quando ele sorriu para a filha com carinho. — Dê a
menina para mim uni pouco — solicitou num tom uni
tanto gutural, estendendo os braços em sua direção. —
Eu a levarei para sua casa e esperaremos a senhora lá.
Leah entregou a criança, murmurando palavras de
agradecimento, e logo Garjá lhe dava as costas e
deixava a loja com a filha no colo. Por um certo lado, até
que fora bom tê-lo encontrado, Karen estava ficando
cada vez mais pesada e o corpinho roliço começava a
deixar-lhe os braços adormecidos, pensou ela, tentando
controlar as batidas aceleradas de seu coração e
também tentando justificar a razão de ficar tão feliz ao
vê-lo.
Assim que o homem alto e musculoso deixou a loja,
as mulheres explodiram em um falatório alucinado.
— Ele é mesmo muito sombrio — Lula Dunbar res-
mungou com uma careta, olhando para Leah por sobre
os óculos apoiados na ponta do nariz aquilino. — Faz
muito bem em se afastar de Lundstrom assim que ele
encontrar alguém para tomar conta da casa e das
crianças. Muito embora eu não nem imagine como
Lundstrom vai conseguir isso. Pelo que soube, já pro-
curou em toda a região e não encontrou nenhuma viúva
ou senhora sozinha que tenha aceitado a incumbência.
Leah deu de ombros.
— Eu não tenho pressa de me livrar do bebê. Gosto
de Karen. Ela me faz companhia.
Bonnie a chamou e Leah voltou-se satisfeita por não
precisar mais dar atenção ao bando de abutres de saia.
— Vai querer chá verde hoje? Recebemos um novo
carregamento. E que tal um pouco de fermento fresco
também? Estivemos sem durante quase uma semana e
lembro-me de que pediu um pouco na última sexta-feira.
— Sim e sim, quero os dois — Leah respondeu com
um sorriso. — Chá verde é bom para o estômago e
depois de hoje — sinalizou discretamente em direção à
figura soturna de Lula Dunbar. — Certamente, vou
precisar de alguma coisa refrescante para me ajudar a
digerir o que ouvi.
Bonnie concordou, então falou num baixo e
confidencial:
— Todos pensam que a única maneira de Gar
Lundstrem encontrar alguém para tomar conta de sua
casa e dos filhos é se casando. — A voz soou-lhe em
falsete.
Aturdida, Leah pestanejou.
— Casar?! Acredita que ele vá se casar? — a
pergunta foi sussurrada. — Mas só faz cinco meses que
a esposa… — calou-se. Ainda tinha dificuldade de falar
sobre a morte de Hulda Lundstrom, embora a cada dia
que passava tivesse mais certeza de que não fora por
sua culpa.
— O luto é um privilégio reservado a poucos — Bon-
nie filosofou. — Por aqui um sujeite tem sorte se puder
encontrar uma mulher que queira assumir uma família
se ele perder a esposa de repente. Claro que um homem
bonito como Garlam não terá tantos problemas em
convencer qualquer moça de bom gosto, mas, ainda
assim, não será tão fácil. — Os olhos de Bonnie bri-
lharam, como se ela própria estivesse fantasiando em
ser uma provável candidata.
— Você gosta dele, não, Bonnie? — Leah indagou.
— Sim, eu gosto. Apesar de tudo o que dizem sobre
ele ser duro e carrancudo. Acho que me parece uma
pessoa decente e honesta. Pena que eu não seja bonita
o suficiente para atrair a atenção de alguém como o
belo sr. Lundstrom.
Embora pessoalmente Leah achasse o mesmo, seu
bom coração não lhe permitia magoar a amiga.
— Não seja tão dura com você mesma, Bonnie.
Algum dia o homem certo irá aparecer e arrebatá-la
para a felicidade como se fosse um inesperado
relâmpago iluminando, para sempre, seu coração
solitário. Espere só para ver.
Bonnie sorriu e elas voltaram a se concentrar na
lista de compras. Sem Karen para carregar, Leah re-
solveu comprar também mais cinco quilos de farinha e
um bom pedaço de tecido para fazer uma roupa nova.
Seu pacote ficou tão grande que precisou segurá-lo com
as duas mãos.
Minutes depois, caminhou com passos largos para
casa e encontrou Gar Lundstrom a sua espera. Ele
estava sentado na varanda, recostado sobre o pilar da
direita, as pernas longas apoiadas no segundo degrau,
Karen em seu colo, os pés pequeninos sobre a barriga
musculosa enquanto o pai a mantinha em pé.
A menina balançava para frente e para trás segu-
rando-se no dedo indicador de Gar, gemendo e rindo
deliciada diante do homem que a fitava com ternura.
— Karen gosta muito de tê-lo por perto — Leah co-
mentou, observando-os, ao galgar o primeiro dos
degraus.
Gar a encarou, a expressão taciturna como sempre.
— Ela está crescendo rápido demais. Perdi muito
deixando para vê-la apenas aos domingos.
Leah sorriu complacente.
— Bem, logo que contratar uma governanta poderá
tê-la de volta, sr. Lundstrom. Além do que, combinamos
que ficaria comigo durante seis meses. — E qualquer
período superior a esse seria um grande erro,
Leah falou consigo mesma, sabendo que, da
maneira que estava, já sofreria muito ao ter de se
afastar da criança, imagine só se aceitasse criá-la por
mais tempo.
— Começo a me perguntar se não estive
procurando ajuda no lugar errado, sra. Gunderson. — Os
olhos azuis encontraram os dela e Leah ficou atónita
diante da expressão calculista que divisou nas
profundezas da cor do céu. Alheio ao desconforto que
provocava, Gar a percorreu de alto a baixo, parando um
pouco na altura dos seios fartos, da cintura fina e dos
quadris arredondados. Ela sentiu-se desfalecer sob tal
inspeção.
— Percebi que preciso mais do que uma
governanta, sra. Gunderson — prosseguiu Lundstrom
calmamente, os olhos azuis voltando a encarar o rosto
de maçãs salientes de Leah. — Vim à cidade hoje para
falar com a senhora sobre um assunto que interessa a
nós dois.
O coração deu um salto dentro do peito de Leah.
Ah, certamente estava enganada, ralhou consigo mesmo
ao dar-se conta do rumo de seus pensamentos. O
homem nem ao menos gostava dela, muito embora o
ódio inicial que demonstrara após a morte da esposa
tivesse desaparecido ao longo dos meses. Claro que Gar
não estava pensando em lhe fazer uma proposta! Isso
era bobagem de sua imaginação!
— Vamos entrar — convidou-o, tomando fôlego para
que sua voz não soasse em falsete. Talvez fosse melhor
conversarem na sala de visitas, onde a atmosfera não
seria tão familiar e romântica, sim, ali poderia sentar no
sofá de crina de cavalo e ouvir a proposta que ele tinha
a lhe fazer. Porque, evidentemente, polo andar da
carruagem, estava prestes a ouvir uma proposta. O
mistério era qual seria o teor dela!
— Sra. Gunderson… Quero dizer, Leah — Gar a
seguiu até a cozinha, chamando-a pelo nome de ba-
tismo, como se o que tinha a dizer fosse pessoal e
íntimo demais para o uso de formalidade.
— Sim? — Leah se voltou para encará-lo, a mesa
disposta entre os dois e os dedos longos e femininos
ocupados em desatar o nó que prendia o barbante em
torno do enorme pacote.
Gar ergueu as mãos para dissuadi-la de seu intento.
— Por favor, deixe isso de lado por um momento e
sente-se. — Puxou uma cadeira, esperou até que ela
tivesse acatado a sugestão e só depois também o fez,
encarando-a.
Nervosa, Leah mordeu o lábio inferior, antecipando
as palavras que estavam por vir. Se ele lhe oferecesse o
emprego de governanta, teria de recusar para evitar que
as fofocas destruíssem sua reputação de uma vez por
todas. Virou o rosto e o encarou, com o queixo
levemente erguido, como se o estivesse desafiando a
fazer a oferta que sabia seria recusada.
Novamente os olhos azuis a perscrutaram com
grande atenção, dessa vez, detendo-se nas tranças cor
de mel que ela usava como uma coroa em terno da
cabeça, depois observando as maçãs salientes e a boca
de lábios generosos que estavam cerrados numa
expressão firme e determinada.
— Vim lhe pedir que se case comigo, Leah
Gunderson — A voz era solene, as palavras simples e
lógicas, como se Gar as tivesse escolhido
cuidadosamente antes de lhe fazer a oferta. — Preciso
de alguém para cuidar de minha casa e criar meus
filhos. Quero minha filha conosco, na fazenda que é o
lugar ao qual ela pertence. Isso, sem falar que minha
casa está muito negligenciada. Estou entendendo bem?!
O senhor está me oferecendo uma casa suja e duas
crianças pequenas para cuidar?
Os ombros largos endireitaram-se quase
imperceptivelmente e as sobrancelhas escuras foram
arqueadas com leve desdém.
— Talvez, mais do que tudo, eu esteja lhe
oferecendo um jeito de aliviar a culpa que pesa em sua
consciência, sra.Gunderson.
— Pois garanto-lhe que não sinto culpa alguma —
replicou com firmeza, os lábios tremendo levemente
enquanto a dor provocada por tal acusação a atingia
como um punhal afiado. Passara muitas noites acordada
relembrando os acontecimentos da morte de Hulda e
sabia que não tinha por que se sentir culpada. — Fiz o
melhor que pude por sua esposa, meu caro.
— Não importa — falou Gar, menosprezando sua
tentativa de se defender. — Se você vier morar em
minha fazenda como Leah Lundstrom, terá um lugar
para viver até o resto de seus dias. Prometo que a
tratarei muito bem e jamais erguerei um dedo para a
senhora, pois abomino violência física.
— Ora, ora, mas é mesmo uma oferta e tanto! —
Leah exclamou com leve cinismo. — Mas isso se um
marido e uma casa fosse o que eu estivesse procurando.
— Seu tom era cortante e ela sentiu uma pontada de
remorso ao vê-lo baixar o olhar.
— É tudo o que posso lhe oferecer — disse Gar após
alguns instantes. As mãos enormes ergueram-se e tra-
çaram um círculo no ar, indicando o espaço da pequena
cozinha. — Pelo menos, viver em minha casa será muito
melhor do que viver aqui.
— Uma vez que estiver limpa e organizada, pode
ser.
— O que uma mulher jovem e saudável como você
conseguiria fazer em pouco tempo, quero dizer, orga-
nizar a casa. A senhora até mesmo encontraria uma
despensa cheia de batatas e vegetais prontos para seu
uso — completou, lembrando-a de suas necessidades.
Os raios de sol que penetravam através da janela
sobre a pia refletiram nos cabelos dourados de Gar
Lundstrom no momento em que ele ficou em pé. Era
impressionante como os cabelos claros brilhavam como
se fossem ouro liquido. Como um guerreiro viking, Gar
parou diante dela com as pernas longas e musculosas
levemente separadas e os ombros largos bem erectos.
Apenas a pequena figura da filha dele destoava do
quadro de virilidade. O rostinho redondo voltando-se
para encarar Leah. E talvez tenha sido justamente essa
última visão que tenha virado a situação em favor de
Garlam Lundstrom.
— Pensei que o senhor estivesse prestes a me
propor que me tornasse sua governanta — Leah
confessou.
— Jamais me ocorreu receber uma proposta de
casamento a essa altura de minha vida. Vou fazer trinta
anos dentro de um mês.
Ele meneou a cabeça de um lado para outro.
— Pois não creio que isso seja uma barreira entre
nós. Não acho que uma pessoa de trinta anos seja velha.
Eu mesmo estou com trinta e quatro.
— E diferente para os homens — argumentou Leah.
— Mas eu já estou velha demais para ter filhos.
Os olhos azuis se transformaram em duas enormes
pedras reluzentes.
— Não é isso que estou querendo de você. Já tenho
dois filhos e também já tive uma mulher em minha cama
e não foi nada divertido vê-la morrer dando a luz a
minha filha. Não quero correr esse risco outra vez.
Então era assim que seria, Leah pensou consigo
mesma. Ela não conheceria o toque de um homem e
nem mesmo saberia como era fazer amor com o marido,
muito menos descobriria a mágica de perder a virgin-
dade e sentir-se feliz nos braços do homem que a tor-
naria mulher no sentido mais pleno da palavra…
— Você também já foi casada, Leah. Pode dizer com
franqueza que gostaria de viver esse tipo de
relacionamento outra vez? — indagou Gar com
aspereza. — Sei por experiência que as mulheres não
gostam de intimidades na cama, elas apenas suportam
isso para poderem ter filhos.
Leah movimentou a cabeça de um lado para outro,
sem saber ao certo com o que estava concordando ou
discordando. Nunca tinha sido casada como dissera a
todos em Chicago e também em Kirby Falis. Apenas
tomara emprestado o nome de solteira de sua mãe para
poder fazer seu trabalho de parteira sem ser proibida ou
espezinhada por todos. E agora, quando surgia a pri-
meira oportunidade de descobrir como era um
casamento na intimidade, aquele homem estava lhe
dizendo que não saberia o que era ter o corpo
musculoso sobre o seu e que jamais a tomaria nos
braços para juntos gerarem uma criança de suas
próprias entranhas.
— Deixe-me pensar melhor no assunto, sr. Lunds-
trom — disse, orgulhosa pela firmeza de sua resposta,
embora interiormente as emoções estivessem total-
mente desordenadas.
Gar virou-se para colocar Karen no cesto, depois
voltou-se para Leah e estendeu-lhe a mão, esperando
até que ela retribuísse o gesto.
As mão grande e calejada era quente e forte. Os
dedos entrelaçaram-se aos dela com firmeza. Não era
um aperte de mão como muitos outros, mas sim um
aperto de mão que selava um estranho acordo entre os
dois.
Leah sentiu o coração disparar e também percebeu
as batidas aceleradas do de Gar quando seu dedo indi-
cador tocou-o em um ponto do pulso. De repente, ficou
apavorada ao perceber que todo seu corpo vibrava e an-
siava por ele como nunca ansiara por homem algum.
— Virei procurá-la amanhã, Leah — prometeu Gar,
sem alterar o tom de voz.
A medida que as mãos se separavam, seus olhos
encontraram as íris azuis e ela pensou ver um resquício
de emoção àli. Tão certo quanto seu nome era Leah
Gunderson, sabia que Garlam Lundstrom estava lhe
escondendo algo. De repente, ele não lhe parecia tão
proibido quanto antes, nem tão reservado.
— Está bem.
Com um gesto de cabeça, que fez com que algumas
mechas douradas lhe caíssem sobre a testa, Gar se
afastou e saiu pela porta da frente.
— Ele não quer uma esposa — murmurou consigo
mesma, espiando-o através da janela envidraçada. —
Quer uma governanta e alguém para cuidar das crian-
ças. — A saia longa do vestido cor de pêssego flutuou
em torno de seus tornozelos quando se virou e retornou
apressadamente à cozinha.
Da cesta de vime ecoou um gritinho deliciado à me-
dida que Karen estendia os bracinhos rechonchudos e
comemorava a aproximação de sua mãe postiça. Como
sempre, Leah sentiu-se emocionada diante de tal visão.
Movida por um impulso, ajoelhou-se ao lado do cesto.
— Você é tão encantadora, minha querida! — mur-
murou, enroscando os dedos nos cachinhos dourados.
— Seu irmão também é uma criança adorável.
Entre os dois, não sei qual toca mais meu coração.
A menina riu em resposta ao comentário e Leah
inclinou-se para beijá-la na testa. Segundos depois, sus-
pirando, levantou-se e foi até a pia a fim de esquentar a
água para o chá que prometera a Eva Landers.
O sol brilhava altaneiro no céu, quase ofuscando-a
com sua claridade e ela pestanejou, não só para se livrar
do brilho excessivo quanto para se libertar dos
pensamentos e desejos traiçoeiros que a torturavam.
Sim, a imagem de Gar Lundstrom, alto e viril, um
homem da terra com cabelos dourados e olhos azuis, a
perseguia sem trégua. Como poderia se sentir tão
atraída por alguém que a desprezava? Alguém que
poderia lhe roubar não só o coração mas também a
alma para sempre…
De súbito, Leah teve medo, medo de dizer sim e
terminar se perdendo na grandeza do amor que já sentia
por Garlam, mas também medo de dizer não e vê-lo se
casando com outra mulher, o que o tornaria um homem
mais proibido do que nunca…
CAPÍTULO IV
— Eu me casarei com você, Garlam Lundstrom —
Leah repetiu as palavras olhando para o espelho e
observou o rubor subindo-lhe do pescoço para as faces.
Ela chegou mais de perto do vidro mágico, tentando
controlar o tremor das mãos enquanto seus dedos
trabalhavam apressadamente para fechar os botões do
vestido.
Respirando fundo, arriscou outra vez:
— Está bem, vou me casar com você, Gar. — Ah,
assim estava bem melhor. Era uma resposta mais na-
tural e sincera. Os olhos piscaram e ela observou o tom
azulado dos próprios olhos no espelho, surpresa ao
perceber o brilho intenso que havia ali. Céus, Gar
poderia achá-la uma oferecida se o fitasse com olhos
lânguidos e sensuais. O que haveria entre eles deveria
ser um acordo de negócios, se o entendera bem, e agora
lá estava ela corando e pestanejando como se fosse
uma adolescente apaixonada e impressionável.
De súbito, uma sonora batida na porta chamou-lhe
a atenção e ela se voltou do espelho oval, que estava
pendurado sobre a cômoda, para a porta de entrada.
Ora, pelo menos Gar não iria se casar com uma mulher
feia e desengonçada, pensou, e, no mesmo instante,
ralhou consigo mesma por estar sendo tão pretensiosa.
De qualquer forma, a verdade era que sua pele era
viçosa e sem nenhuma mancha ou imperfeição, os olhos
de um azul-claro, não tão impressionantes quanto os de
Gar, mas ainda assim bonitos, e o nariz clássico
compensava as maçãs salientes do rosto.
A batida ecoou mais uma vez pela casa e o gritinho
extasiado de Karen deixava claro que a menina tinha
divisado o pai através da porta de tela.
— Leah? Você está aí? — A voz de Garlam Lunds-
trom era estridente e, sem esperar por uma resposta,
ele abriu a porta e entrou na saia.
Leah apressou-se em atendê-lo.
— Estou aqui — falou, a respiração ofegante por
causa das batidas aceleradas de seu coração.
Gar olhou da filha para ela.
Karen estava tentando se erguer na beirada do
cesto, inclinando-se em direção ao pai e resmungando
em sua linguagem peculiar. Sempre que Gar Lundstrom
entrava na pequena casa, o silêncio do mundo de Karen
deixava de existir e a menina ria e falava ao mesmo
tempo. Claro que as palavras que emergiam dos lábios
pequeninos poderiam não fazer qualquer sentido para
alguém que as escutasse pela primeira vez, mas para o
pai que a fitava com adoração parecia ser um presente
dos céus. E, em sua inocência, Karen retribuía o amor
paterno com todo fervor de seu coração angelical.
Agora Gar se ajoelhava ao lado da menina e acari-
ciava-lhe a cabeça coroada de cachinhos dourados.
— Pensei tê-la ouvido conversar com alguém. Tem
mais alguém aqui com você, Leah?
Ela negou com um movimento de cabeça.
— Não, estou sozinha. Costumo conversar com Ka-
ren quando saio de perto. Isto a deixa muito mais
tranqüila — disse, sufocando um sorriso. Certamente, ao
saber que estava prestes a aceitar sua proposta, Garlam
Lundstrom iria ficar muito satisfeito, mas era melhor dar-
lhe a notícia com cuidado.
Alheio aos sentimentos que despertava, Gar ficou
em pé, o que fez com que Karen começasse a chorar.
— Ah, pequenina, você tem um pulmão e tanto.
Deixa seu irmão no chinelo! — curvou-se sobre a filha e
estendeu a mão para acariciá-la. — Mas agora fique
quietinha que preciso falar com sua amiga, a Sra.
Gunderson.
Como se entendesse, Karen fungou um pouco e es-
fregou os olhinhos com o punho, depois abriu um sorriso
inesperado.
— Ela está tentando convencê-lo a ceder a seus de-
sejo — Leah disse com suavidade, totalmente impres-
sionada com os muitos recursos de sedução da criança.
— Sim, mas e quanto a você? — perguntou Gar,
tomando-a de surpresa. — Será que vou conseguir con-
vencê-la a dizer sim, sra. Gunderson? Vai me dar uma
resposta hoje?
O comentário espirituoso era algo totalmente novo
na imagem que tinha de Gar e Leah ficou momenta-
neamente sem fala enquanto perscrutava o rosto bonito.
Depois de uma breve hesitação, meneou a cabeça num
gesto afirmativo, colocando as mãos no bolso do avental
porque não sabia o que fazer com elas.
— Sim, pensei muito em sua proposta, Sr. Lunds-
trom. Aceito me casar com o senhor. Vai trazer alguns
benefícios para mim.
— E para mim também — ele admitiu. Seu olhar
recaiu sobre o bebê no cesto. — Isto para não falar em
minha filha. A propósito, Kristofer está esperando lá fora
para saber qual foi sua resposta. Meu filho está muito
ansioso, Leah. Já se tornou muito importante para Kris.
— Brindou-a com rápido sorriso. — Adora os biscoitos e
pães que você prepara.
— Kristofer é um menino maravilhoso. — Estranhos
comentários estavam fazendo, Leah concluiu. Falar so-
bre crianças e benefícios quando tudo o que queria ouvir
era que o futuro marido a apreciava como mulher. Como
se não bastasse, não pudera nem mesmo usar a postura
e inflexão de voz que tanto treinara diante do espelho.
O próximo sábado seria bom para mim. Você tem
alguma objeção? — inquiriu Gar, perscrutando Leah com
as íris azuis.
— Não. Estarei pronta até lá. Avisarei meus
fregueses durante essa semana. O sr. Dunbar também
terá de conseguir alguém para cuidar dos lençóis e
toalhas do hotel, a não ser que ele queria levá-los até
sua fazenda.
Gar meneou a cabeça de um lado para outro.
— Não, isto não. Você ficará muito ocupada com as
coisas da casa. Nem pense em continuar trabalhando
para o hotel dos Dunbar. Também foi a última vez que
trabalhou para os solteirões da cidade, Leah. — As
palavras eram firmes, autoritárias e nem um pouco
agradáveis de se ouvir no que dizia respeito a ela. Não
que fosse sentir falta da tábua de lavar, mas sim porque
era uma decisão que deveria tomar sozinha, sem a
menor interferência de quem quer que fosse.
Ergueu o queixo com orgulho e quase riu ao
reconhecer a atitude desafiadora que estava prestes a
tomar.
— Vou dizer isso aos meus fregueses — prometeu
no tom mais digno que foi capaz de proferir. — Mas
tenho tempo suficiente para continuar trabalhando até o
final desta semana e assim ganhar mais um dinheiro
extra, sr. Lundstrom.
A expressão que se apoderou daqueles incríveis
olhos azuis era como um mar em dia de tormenta. Uma
ruga vincou a testa altiva e máscula de Gar.
— Não vou discutir com você sobre isso, Leah.
Afinal, ainda não estamos casados. Mas, guarde bem
uma coisa, uma vez que aceitou ser minha esposa e
viver sob meu teto, irá ouvir e respeitar meus desejos e
opiniões.
Ela cerrou os dentes, tentando controlar-se para não
ser rude, mas, ao mesmo tempo, recusando-se a ouvir
tal comentário de cabeça baixa.
— Certamente vou respeitar seus desejos em
muitos aspectos, sr. Lundstrom. No entanto, o senhor
não está se casando com uma garotinha inexperiente.
Sou uma mulher que já viveu sozinha e cuidou do
próprio nariz durante muitos anos. Não estou
acostumada a pedir favores e esperar que o senhor dê a
última palavra sobre tudo. Cumprirei minhas obrigações
para com seus filhos e sua casa e, a menos que esteja
enganada, isso é tudo o que espera de mim.
Uma pequena careta desfigurou o rosto anguloso.
— Creio que acabaremos nos entendendo no final,
senhora. Enquanto isso, vamos tentar fazer o melhor
para viver em harmonia — Gar declarou, avaliando-a
com atenção. Sim, decididamente ela era uma mulher
muito bonita. Parecia alta, com aquela postura ereta que
deixava claro que não estava acostumada a se curvar
diante de ninguém, mas, apesar disso, chegava-lhe na
altura dos ombros. Tinha uma figura graciosa, sem ser
excessivamente magra. Os olhos azuis eram quase
acizentados e os cabelos de um louro-escuro, com
reflexos cor de mel. O que mais o impressionava eram
os seios redondos e firmes e a cintura fina que,
aparentemente, não pedia o recurso de nenhum
espartilho.
As faces de Leah tornaram-se mais do que rubras
quando ela se deu conta da avaliação por que passava.
— Será que fui aprovada, senhor? — indagou, cur-
vando os lábios com ironia.
A resposta de Gar não veio com a facilidade
esperada. Ele estava tão entretido com os atributos
femininos da futura noiva que mal ouvira a pergunta
mordaz.
Sim, Leah Gunderson era uma mulher muito
desejável, concluiu, encantado ao pensar em como os
quadris arredondados e os seios fartos contrapunham-se
ao abdome plano e a cintura fina. Certamente, ela
deveria ter um corpo escultural, capaz de enlouquecer
uni homem e… Mas, céus, no que estava pensando! Isso
não iria fazer diferença para um casamento como o
deles, iria? SÓ o bem-estar das crianças o interessava,
nada mais.
— E, então, sr. Lundstrom? — Leah insistiu na per-
gunta, encarando-o com irritação.
Naquele momento, Gar a fitava com pensamentos
mais sóbrios. Observou a bota gasta que aparecia sob o
vestido azul-marinho e decidiu que talvez a futura noiva
estivesse precisando de algumas roupas novas.
— A senhora não iria comigo ao armazém dos
Nielsen na próxima semana, antes do casamento? —
interrogou. — Pode comprar o que estiver precisando…
Eu pago.
Os olhos dela se estreitaram diante de tal oferta e o
queixo quadrado foi erguido num gesto desafiador.
Ali estava uma mulher orgulhosa, se é que conhecia
um pouco do gênero feminino, Gar concluiu. Ela não
aceitaria sua oferta com docilidade. Talvez precisassem
de algum tempo para construírem um relacionamento
mais sólido e estável antes de tentar se aproximar como
gostaria.
— Não creio que seja uma boa idéia — contradisse-
o, entreabrindo os lábios carnudos para proferir sua re-
cusa. A medida que o fazia, a língua rosada tocou-lhe a
parte superior dos lábios umedecendo-o com um misto
de delicadeza e sensualidade.
A visão o fascinou como há muito não acontecia. De
repente, a vontade de se aproximar e toma-la nos
braços o fez cerrar os punhos e baixá-los junto ao corpo
que queimava com um fogo que até já esquecera como
era. Que tolice! Leah era uma mulher decente, com uma
ótima reputação, e, por certo, não o queria em sua
cama!
— Não se preocupe que eu mesma posso bancar as
compras que, porventura, precisar fazer — ela atalhou,
tirando-o de seus devaneios.
— Mas ficaria feliz em poder lhe comprar um vestido
para nosso casamento, Leah — tornou Gar, esforçando-
se para não ofendê-la outra vez. — Sapatos também e
tudo o mais que você precisar.
Como imaginava, Leah recusou com um movimento
de cabeça.
— De jeito nenhum. Tenho algum dinheiro no banco
e não vou chegar a sua casa como se fosse uma indi-
gente, sr. Lundstrom. Todavia, devo lhe confessar que
sou uma pessoa de hábitos simples. Tudo o que vou
precisar é de uma cômoda e alguns ganchos na parede
do quarto para guardar meus pertences.
Gar assentiu, estranhamente satisfeito com o com-
portamento orgulhoso dela. Sim, talvez aquela mulher
fosse mesmo perfeita para sua vida.
— Certo, então estarei aqui no sábado de manhã.
Deixe tudo preparado que cuidarei do resto.
Leah assentiu e o acompanhou até a varanda, ace-
nando para Kristofer que estava na carroça.
Foi essa imagem de doce feminilidade que Gar cap-
tou enquanto incitava os animais a partirem. Mas,
intuitivamente, algo dentro dele reconhecia que Leah
Gunderson era muito mais do que uma mulher frágil e
dócil, ela era prática e eficiente e tinha um brilho
enigmático no fundo dos olhos azuis que o fazia ansiar
em descobrir todos os seus segredos.
— Uma coisa de cada vez, Garlam. Uma coisa de
cada vez…
— Falou comigo, papai? — Kristofer perguntou, ain-
da eufórico com a notícia do casamento.
— Não, Kris, não falei. Estava pensando em voz alta.
— Ouvi as meninas dizerem que é isso que
acontece quando estamos apaixonados, papai —
gracejou em sua inocência pueril e nem imaginou que
era a única pessoa em toda aquela história a estar
seguindo a trilha da verdade.
— Mas se você casar com Lundstrom, quem vai cui-
dar de minha roupa? — Brian Havelock ficou parado
diante da porta de Leah, com a pilha de roupas nas
mãos, e encarando-a com olhar suplicante.
Aos olhos dela, o jovem cavalheiro não passava de
um menino crescido. Se ele fosse dez anos mais jovem,
poderia se curvar e beijá-lo nas faces rosadas para con-
solá-lo, ou então, se fosse dez anos mais velho, talvez
pudesse ter aceitado sua corte, emendou mentalmente.
— Sabe que dependo de você, Leah! — Brian con-
tinuou, encarando-a com tristeza.
— Ora, mas estou certa de que a sra. Pringle ficará
feliz em tê-lo com freguês, Brian — respondeu ela,
segurando as moedas que o jovem acabava de lhe co-
locar nas mãos.
— Vou lhe dizer uma coisa, madame, está perdendo
seu tempo com aquele homem — Brian declarou, en-
chendo-se de coragem e dando um passo a frente. — Eu
seria um bom marido para você. Tenho um emprego fixo
na serraria e minha casa já está quase pronta.
Leah afastou-se dele, protegendo-se atrás da porta
da sala. Sua voz era firme quando tratou de pôr um fim
às últimas esperanças do jovem pretendente, mas não
conseguia deixar de sentir pena dele.
— Sinto muito desapontá-lo, Brian. Mas, já tinha lhe
dito no inverno passado que sou muita velha para você.
Brian abriu a boca para protestar, porém, Leah si-
lenciou-o com um gesto de mão.
— Não importa. Já tomei minha decisão. Vou me
casar com Garlam Lundstrom no próximo sábado, por-
tanto, é a última vez que lavo suas roupas.
Sem alternativa, o rapaz aquiesceu e deu um passo
atrás.
— Sim, já entendi — resmungou e, girando nos cal-
canhares, seguiu pelo caminho que serpenteava por
entre os canteiros do jardim.
Brian iria ser um bom marido algum dia, para a
mulher certa, é claro, ponderou Leah, observando-o se
afastar. Jovem e ansioso por agradar, tinha as quali-
dades essenciais ao romantismo que as mocinhas bus-
cavam. Kirsten Andersen perdera um bom partido
quando desistira de conquistar Brian Havelock para se
casar com um sujeito da cidade vizinha.
Entrando na sala e se curvando sobre o cesto de
Karen, Leah pegou a menina e ergueu-a para o alto,
rodopiando alegremente.
— Ah, logo você irá morar com seu pai, minha pe-
quenina — cantarolou.
— E a senhora também, dona Leah — soou uma
vozinha infantil, vinda da porta de entrada.
Leah voltou-se para encarar o recém-chegado.
— Ah, Kristofer, você me assustou. Não o vi chegar.
O menino abriu a porta de tela e entrou na sala.
— Está feliz porque também vai morar com a gente,
dona Leah? — encarou-a esperançoso.
— Oh, sim — assegurou-lhe prontamente. — Vamos
nos divertir bastante juntos, Kristofer. Karen, você e eu.
Sempre que pudermos iremos colher flores no campo e
você também poderá me ajudar a buscar o leite no
celeiro e separar os ovos para vender.
— A senhora não gosta de caçar? — interrogou o
garoto, entortando os lábios como se as opções que ela
acabava de enumerar não lhe parecessem tão
atraentes.
Leah negou com um movimento de cabeça.
— Eu jamais seria capaz de matar um ser vivo, meu
querido — confessou com olhos brilhantes.
— Ah, mas caçar é diferente, senhora — Kristofer
garantiu-lhe. — Só podemos matar o que vamos comer,
meu pai disse que assim não é pecado. A não ser, é
claro, no caso das ratazanas e cobras.
Leah estremeceu.
— E aparecem muitas delas na fazenda de vocês,
Kris?
— De vez em quando — o menino contou, dando de
ombros.
Leah ajeitou Karen nos braços e então a ofereceu ao
irmão, que tinha vindo visitá-la com um intuito óbvio.
— Você queria ver Karen? Deseja pegá-la um
pouco? Os olhos azuis se iluminaram diante da proposta.
Leah entregou-lhe o bebê, mas ajudou-o a sustentar o
peso até que Kris se acomodasse na cadeira de balanço.
— Pode se ajeitar na cadeira e ficar à vontade — ela
disse, sabendo que os dois irmãos iriam falar em sua
própria língua durante um bom tempo.
Era sempre assim, Kristofer sussurrava palavras que
Leah não conseguia entender e Karen ria deliciada ao
mesmo tempo em que proferia os seus eternos res-
mungos que para o menino pareciam soar como uma
frase inteligível e lógica.
— Leah? — Da varanda, a terceira visitante dos
últimos dez minutos chamou-lhe a atenção. — Está
ocupada?
— Entre, Eva. Estou me preparando para colocar o
jantar no fogo.
Leah sorriu para a mulher que se apressou em cru-
zar a sala e olhou cautelosa para Kristofer.
— Tome cuidado para que ela não tente ficar em pé
e caía de seu colo, Kris — preveniu-o com o carinho de
sempre.
— Pode deixar, dona Leah. Eu tomo — Kristofer
prometeu pacientemente.
— Chegou uma carta para você — Eva declarou,
assim que entrou na cozinha. — E a primeira que recebe
desde que chegou à Kirby Falls, por isso a trouxe assim
que pude. Espero que não sejam más notícias, querida.
— Puxando o envelope do bolso, Eva estendeu-o à
amiga e observou preocupada enquanto Leah
inspecionava a letra, o selo e depois o anverso do
envelope.
Os dedos longos alisaram o papel para desfazer
uma dobra que havia em uma das extremidades.
— Não vai abri-la? — A curiosidade de Eva era
evidente, mas Leah não se importou, pois sabia que a
mulher estava preocupada e não apenas interessada em
saber mais sobre sua vida para sair contando às
senhoras que freqüentavam o armazém dos Nielsen.
— Sim, creio que vou — anunciou, como se tivesse
acabado de tomar a decisão. Seus dedos procuraram a
aba do envelope e ela a ergueu para encontrar a carta
que estava dentro. O papel translúcido e brilhante
estava coberto, de alto a baixo, por uma caligrafia ar-
redondada e feminina.
Leah virou-o nas mãos, procurando pela última linha
para identificar o remetente, antes de ler o que estava
escrito.
— Anna Powell — sussurrou, a voz trêmula deixava
transparecer uma nota de medo. Seus olhos voltaram ao
começo da página e ela devorou a mensagem, sem se
dar conta de que estivera prendendo a respiração desde
o momento que descobrira que fora Anna quem a
enviara. Ao terminar de ler, sua cabeça girava e o rosto
ficou pálido como o papel que trazia nas mãos. Trêmula,
puxou uma cadeira e deixou-se cair abruptamente.
— Leah!? Você está bem? — Eva ajoelhou-se a seu
lado, o rosto transfigurado pela preocupação, e segurou-
a pelo pulso.
— Sim… sim, claro que estou — Leah balbuciou, a
boca seca e os lábios rígidos embora ainda tentasse en-
saiar um sorriso. — É só uma carta de uma mulher que
conheci lá em… lá no lugar de onde vim.
Eva franziu o cenho, não parecia convencida de que
Leah estava mesmo bem.
Pestanejando para afastar a tontura e também o
medo do passado, Leah encheu o peito de ar e tentou
falar com a maior naturalidade que conseguiu.
— Minha amiga só escreveu para contar que tem
alguém me procurando. Acho que preciso lhes mandar
meu novo endereço, não? — gracejou, conseguindo se
libertar dos dedos de Eva em seu pulso e segurando a
mão da amiga num gesto de agradecimento. — Pode
ficar tranqüila que está tudo bem.
— Não sei, não. Por um minuto você ficou tão
estranha — Eva murmurou. — Parecia até que estava
vendo um fantasma, embora o bom Deus saiba que eu
não acredito nestas bobagens de criaturas do outro
mundo.
— É, nem eu — Leah meneou a cabeça de um lado
outro. — Não acredito mesmo em fantasmas… — Ainda
assim, na carta que dobrara em quatro e ainda segurava
nas mãos, recebera notícias de um fantasma do passado
que precisava evitar a qualquer custo…
O pesadelo estava de volta depois de cinco meses
paz. Talvez, o fato de ter tido Karen a seu lado,
ocupando-a e alegrando-a com sua presença inocente, a
tivesse ajudado a esquecer um pouco o passado. O
escuro não lhe parecia tão tenebroso ultimamente, pois
tinha as lembranças do riso inocente de uma criança, do
doce aroma dos cabelos loiros e cacheados e do brilho
amoroso que divisava no fundo dos olhos azuis do an-
jinho que tinha sob seus cuidados para ajudá-la a afastar
o pavor da morte.
Sim, durante um bom tempo o terror da morte pa-
recia ter ficado bem longe de Kirby Falis, Minnesota. Tão
longe quanto as ruas de Chicago. E também tão longe
quanto a mansão ricamente decorada de Sylvester e
Mabelle Taylor. Aquela casa de horrores onde um bebê
tinha sido morto pelas mãos ensandecidas da própria
mãe. A cabeça dele torcida para o lado, a respiração
sufocada para sempre e o corpo perfeito e pequenino
inerte e silencioso para toda a eternidade…
Leah deu um longo suspiro e fechou os’ olhos para
esquecer o que vira muitos anos antes. Todavia, ador-
mecida ou acordada, as noites sempre traziam consigo
as terríveis recordações da morte daquela criança em
Chicago e ela não tinha como fugir desse fantasma que
vivia em suas lembranças.
Levantou-se sabendo que não conseguiria mais dor-
mir. O robe de lã trouxe um pouco de calor a seu corpo
frio quando ela o fechou em torno de si, os chinelos de
pêlos também a aqueceram e ela deixou o quarto.
Os gravetos que ainda estavam incandescentes no
fogão precisavam de apenas um pouco mais de lenha
para que voltassem a crepitar e aquecer a cozinha. No
entanto, por precaução, Leah o alimentou com uma
quantidade de lenha muito maior do que a necessária
para ter o fogo aceso durante algumas horas. Colocou
água para ferver e torrou alguns grãos de café. O forte
aroma espalhou-se por todos os cômodos da casa e ela
inalou-o, sentindo-se reconfortada pelo cheiro familiar.
Suspirando, sentou-se na cadeira de balanço e
apoiou os pés no assoalho para dar impulso ao corpo e
manter a cadeira em movimento. A carta que recebera
estava no bolso do robe e ela a pegou, embora já
houvesse decorado o conteúdo da mensagem.
Anna Powell, uma amiga e ex-vizinha, era a única
pessoa que sabia do paradeiro de Leah Gunderson. Ape-
sar das pressões, Anna havia se mantido fiel a sua pro-
messa de não delatá-la; não divulgara nada sobre o des-
tino de Leah. Contudo, há poucas semanas, ela tinha
sido interrogada por um arguto detetive de uma agência
famosa em Chicago e fora por isso que escrevera, queria
preveni-la de que a estavam procurando.
Felizmente a proposta de Garlam Lundstrom tinha
vindo em boa hora. Não havia nada melhor para en-
cobrir as pistas que deixara do que mudar de nome,
Leah decidiu. Uma mulher de nome Gunderson não
existiria mais em poucos dias, em seu lugar, haveria
uma distinta senhora, casada com um próspero fazen-
deiro de Kirby Falis, chamada Leah Lundstrom. E, com a
proteção de um marido como Garlam, talvez até mesmo
um homem tão rico quanto Sylvester Taylor tivesse
dificuldade de encontrá-la e culpá-la por um pecado que
não cometera.
Quando o simples pensamento trouxe um pouco de
paz à alma agoniada de Leah, a filha de Garlam
proclamou seu desconforto, provavelmente causado por
uma fralda molhada, em alto e bom som. Leah se
levantou no mesmo instante, um sorriso substituindo o
olhar sombrio de antes, seus passos leves, como se
pisassem em nuvens de algodão, enquanto seguia para
junto da menina.
Os cobertores tinham sido jogados para o lado, as
pernas roliças e as mãos cheias de dobrinhas agitavam-
se freneticamente no ar. Sim, Karen Lundstrom estava
implorando para ser tomada nos braços e Leah atendeu
ao pedido que não era nada discreto.
— Tudo bem, minha querida. Shh, shhh. Mamãe
está aqui, agora. — As palavras sussurradas acalmaram
o bebê e Karen demonstrou sua satisfação na linguagem
peculiar que usava ao perceber que Leah a levava
consigo para a cozinha.
A luminosidade da arandela ajudou na troca da
fralda suja por uma limpa e, logo depois, uma suave
canção de ninar, e o movimento ritmado da cadeira de
balanço, fizeram os olhinhos azuis se fecharem outra
vez. Em minutos, Karen estava profundamente
adormecida, mas a cadeira continuou a ser
movimentada para frente e para trás, para frente e para
trás, como se acompanhasse o ritmo dos pensamentos
da mulher que a ocupava…
Foi só quando o sol já se erguia no horizonte que a
cabeça de Leah finalmente tombou para o lado e suas
pálpebras cederam ao peso do sono…
A carroça da fazenda reluzia ao sol com aquela nova
pintura vermelha. Algo totalmente novo no que dizia
respeito a Garlam Lundstrom. Sim, uma tinta vermelha e
brilhante cobria a madeira e os assentos tinham sido
forrados com almofadas de couro, acolchoadas e muito
mais confortáveis para condutor e passageiros.
No sábado de manhã, vários olhares curiosos acom-
panharam o veículo enquanto este seguia rumo à rua
principal de Kirby Falis. Acomodados nos bancos novos e
macios estavam Garlam e seu filho, o menino acenava
orgulhoso para todos os conhecidos que avistava.
- Ah, papai, as pessoas estão mesmo gostando de
nossa carroça, não estão? — Os pés de Kristofer
chutaram a parte frontal da carroça, acompanhando o
ritmo do trotar dos cavalos.
Um simples olhar reprovador foi o suficiente para
fazê-lo parar.
- Desculpe, pai. Eu estou empolgado porque vamos
buscar dona Leah e todas as coisas dela hoje. Esta
semana demorou bastante a passar, não acha?
Gar assentiu, seu rosto ficando mais e mais verme-
lho ao perceber os olhares curiosos que as pessoas da
cidade lhe dirigiam enquanto rumava para seu destino.
Ora, pintar a carroça, por certo, tinha sido uma
tolice sua, mas a verdade era que a velha carroça
estava parecendo tão malcuidada… E depois, a tinta
vermelha estava sobrando no celeiro, pois fora usada
para pintá-lo no ano anterior.
Isto sem falar que Kristofer também tinha insistido
muito para que o fizesse.
A sombra de um sorriso brincou nos lábios de Gar.
Logo ele erguia uma mão para cumprimentar Joseph
Landers, parado ao lado da agência funerária, nos fun-
dos da qual também funcionava a marcenaria. O agente
funerário tinha dois ofícios e sempre exalava um cheiro
de madeira fresca. Sim, era um cheiro agradável, Gar
decidiu, controlando o trotar dos animais.
Osol brilhava forte no céu e os homens sentados na
varanda do Hotel Dunbar se abanavam com folhas de
jornal e um tipo exótico de leques de papel colorido.
Enquanto Gar passava, a porta do hotel se abriu e Lula
Dunbar saiu na calçada, acenando-lhe em saudação.
Então, de repente, a mulher abriu a boca e seu rosto
longo e fino assumiu uma expressão aturdida.
— Eu nunca antes tinha visto… — ouviu-a a dizer
num tom ríspido, mas as demais palavras se perderam
no ar quente da manhã de verão.
— Acho que a sra. Dunbar ficou impressionada com
nossa carroça vermelha — Kristofer comentou alegre-
mente, remexendo no assento como se não pudesse
agüentar ficar parado por muito mais tempo.
— Sim, já percebi — o pai respondeu com uma pe-
quena caneta, puxando as rédeas ao passar pelo ar-
mazém geral. Desceu minutos depois de Kristofer já ter
entrado na loja.
— O senhor deveria pintar algumas flores na lateral
da carroça — disse EricMagnor, que se encontrava junto
ao gradil onde se amarravam os animais. O dono da
serraria, um senhor grisalho e de boa aparência, na casa
dos cinqüenta anos, riu do desconforto de Gar.
— O fato de se tornar um noivo deve tê-lo feito
bem, Lundstrom. Talvez sua futura esposa possa
adicionar os toques finais na carroça para você. As
mulheres são muito habilidosas com desenhos.
Gar resmungou uma resposta qualquer,
amaldiçoando silenciosamente a decisão que tomara de
seguir o conselho de Kristofer.
— Ah, pai, a dona Leah vai gostar muito se pintar-
mos a carroça e a deixarmos como nova — dissera-lhe,
e, por alguma estanha razão, naquele momento a pin-
tura lhe parecera uma boa idéia. Agora, no entanto,
arrependia-se do fundo de seu coração.
— Não ligue para o que o sr. Magnor disse, sr.
Lundstrom — Bonnie Nielsen atalhou, surgindo na porta
do armazém geral. — Nós achamos que sua carroça está
muito bonita assim. — Pouco atrás dela uma meia dúzia
de senhoras murmuraram sua aprovação, tendo
Kristofer no meio delas. — Kris nos contou que foi ele
quem o convenceu a fazê-lo e posso apostar que Leah
vai adorar — Bonnie completou, segurando a porta
aberta para deixá-lo entrar.
— Por falar na ara. Gunderson, a que horas será o
casamento? — Orville Hunsicker indagou. — Eu até com-
prei uma gravata nova para assistir ao acontecimento.
— Dentro de uma hora — Gar respondeu, sentindo o
rubor tomar conta de seu pescoço e subir para as faces.
A situação era ainda pior porque tinha de passar em
meio ao grupo de senhoras que o rodeavam como
abelhas junto à colméia. — Preciso de algumas coisas,
srta. Nielsen — falou à Bonnie, entregando-lhe uma
pequena lista. — Se puder deixá-las separadas, passarei
aqui para pegá-las depois que tiver carregado os
pertences da sra. Gunderson.
— Ah, então não irá demorar muito — Bonnie
comentou com um sorriso. — A casa já estava mobiliada
quando Leah a alugou. Acho que a cadeira de balanço
foi o único móvel que ela comprou, além da cama, é
claro.
— Bem, quanto antes melhor. — Gar estava detes-
tando ser o centro das atenções. Assim, girou nos cal-
canhares e saiu da loja tendo Kristofer em seu encalço.
— Vamos na casa da dona Leah agora? — O menino
lutava para acompanhar os passos do pai.
— Sim. Entre logo na carroça.
Quando o veículo começou a se mover. Avistaram
Brian Havelock caminhando cabisbaixo pelas ruas em-
poeiradas. A certa altura, o moço chutou uma pedra e
praguejou baixinho, como se estivesse muito aborrecido
com algo.
— Ele está assim porque gosta da dona Leah, pai —
Kris contou, colocando a mão em concha ao lado da
boca a fim de abafar o som de suas palavras. — Acho
que não quer que nos casemos com ela. Também o ouvi
dizer a sra. Dunbar que terá de procurar outra pessoa
para cuidar de suas roupas.
— Bem, problema dele. — Gar estava consciente de
que agora o olhar de Havelock se cravava em suas
costas. — Brian terá que procurar outra mulher para
atender a suas necessidades. Leah vai se tornar parte de
nossa família e ponto final.
Logo a carroça foi conduzida pôr uma ruazinha es-
treita que passava em frente ao jornal e a barbearia.
— Aposto que todos vão querer assistir ao
casamento — Kris comentou, olhando para trás. — Até
as senhoras que estavam no armazém usavam seus
vestidos de domingo, pai.
Um pouco mais à frente, sob a copa de alguns
bordos, uma fileira de cinco casas, com seus portões e
cercas de madeira pintados de branco, reluziam sob o
sol de verão.
Nos degraus da varanda da casa do meio, Leah ob-
servava a carroça se aproximar.
Gar fez os animais pararem e desceu, mas Kris cor-
reu na frente para saudá-la.
— A senhora gostou de nossa carroça, dona Leah?
— o menino foi logo perguntando, encarando-a com um
misto de ansiedade e orgulho.
— Claro, e também poderei pintar algumas flores na
lateral dela se você quiser, Kris — Leah ofereceu-se de
pronto. — Aliás, talvez você até possa me ajudar.
— Engraçado, Eric Magnor teve a mesma idéia —
Gar contou num tom irritado.
Leah arqueou as sobrancelhas e fez uma pequena
caneta.
— Bem, como o homem mais rico da cidade, o ar.
Magnor deve ser uma espécie de autoridade neste tipo
de assunto. Ouvi dizer que a casa dele tem objetos
maravilhosos e que faz questão que seja tudo do bom e
do melhor.
— Pois eu acho que ele estava zombando de mim —
Gar resmungou, seguindo-a até o interior da casa.
— Não. As flores ficariam lindas sobre o fundo
vermelho da carroça — Leah insistiu. — Eu costumava
ser muito habilidosa com essas coisas quando era
jovem.
Um mão enorme a segurou e a fez parar onde
estava.
— Você ainda é jovem, Leah. Não tente envelhecer
antes do tempo.
Ela se virou para encarar o homem com quem se
casaria dali a poucas horas.
— Sim, sinto-me jovem hoje, sr. Lundstrom. E, en-
tão, gostou do meu vestido novo? — Tinha comprado o
traje pronto, com a ajuda de Bonnie. As margaridas
brancas com miolos amarelos davam um ar alegre ao
vestido, e o fundo azul-marinho adicionava um toque de
distinção e elegância.
Gar assentiu prontamente.
— Eu mesmo não poderia ter escolhido melhor, mi-
nha cara — declarou num tom polido.
Se ele soubesse como fora difícil escolher algo que
não denunciasse o quanto estava ansiosa por agradá-lo!,
Leah pensou. A princípio, ficara tentada a comprar um
vestido rosa, com decote enfeitado de renda e que
deixava seus ombros e colo totalmente à mostra. En-
tretanto, teve medo de parecer ousada demais e pre-
feriu o vestido alegre, mas discreto, que poderia ser
usado durante todo o verão.
Sabia que estava bem, com o rosto naturalmente
rosado por causa do sol, os cabelos brilhando intensa-
mente, depois de terem sido lavados e escovados du-
rante horas à fio, com aquela tonalidade cor de mel que
contrastava com o azul-acinzentado dos olhos. Bem,
verdade que suas mãos estavam trêmulas, mas isso
ninguém iria reparar, porque era normal uma noiva ficar
um tanto nervosa no dia de seu casamento.
Sim, Leah Gunderson iria se casar dentro de uma
hora e pelo menos metade da cidade de Kirby Falis iria
estar na Igreja Luterana para assistir a cerimônia que a
transformaria na nova ara. Lundstrom.
No entanto, o que ninguém poderia imaginar era
que a noiva, que todos pensavam ser viúva e
experiente, era na verdade uma virgem apaixonada pelo
homem que lhe propusera um casamento de
aparências…
CAPTULO V
Ela não seria relegada a um quarto escuro nos
fundos da casa. Na verdade, o quarto para o qual Gar a
levou era grande, com teto alto e janelas envidraçadas
que se abriam ao longo de toda uma parede, dando
vista para o campo verdejante. Dali podia ver os
primeiros raios de sol que aqueciam os dias de verão e
eram filtrados pela cortina fina de renda que também
ajudava a aquecer o aposento quando fechadas nas
noites de inverno.
Mesmo nas sombras, era óbvio que aquele era um
aposento destinado às noivas da família. A cama era
enorme, coberta por um acolchoado bordado com pon-
tos delicados e bonitos.
- Era dela? — Leah indagou, com uma nota de
censura a permear-lhe a voz melodiosa, enquanto
tocava o bordado com as mãos.
Garlam apoiou-se contra o batente e fitou-a com
indolência.
- Não, o acolchoado era da minha mãe.
- Não estava me referindo ao acolchoado, mas ao
quarto — Leah explicou de um só fôlego.
Como ela podia pensar que fosse tão insensível?!
- Se é a Hulda que se refere, saiba que ela nunca
dormiu aqui. Ela odiava as janelas. Nos dias de
tempestade, costumava se esconder no armário. — Não
havia o menor sinal de cinismo ou zombaria da voz de
barítono, apenas a verdade sobre a mulher com que se
casara e trouxera para a Fazenda Lundstrom como sua
esposa.
Leah virou-se para encará-lo.
— Quem dormia aqui, então? -
O rosto dela exibia um ar de… De quê? Aflição,
talvez? Ou medo de que estivesse trazendo-a para seu
próprio quarto? Não, Gar decidiu. Isto não iria passar
pela mente de Leah. Ela jamais deixaria que o medo
ficasse evidente em suas feições, era orgulhosa demais
e também corajosa demais para entregar-se às
fraquezas humanas.
— Ninguém jamais dormiu neste quarto, senhora.
Se quer mesmo saber, ele foi construído para ser o
quarto principal, o dos senhores da fazenda, más quan-
do Hulda o recusou, mudei nossas coisas para outro com
uma janela menor, e, claro, armário maior —
acrescentou com uma pitada de humor negro.
Leah passou pelo toucador e olhou para a cômoda
que combinava com o móvel.
— Eu só pedi uma cômoda e alguns ganchos para
pendurar minhas roupas. Isto é muito mais do que
esperava. — Mirou-se no espelho e encontrou os olhos
de Gar que estava um pouco mais atrás. Os olhos azul-
acinzentado interrogaram-no silenciosamente. — Onde
fica o seu quarto? — finalmente ousou indagar.
Ele deu de ombros e moveu a cabeça em direção ao
corredor.
— Do outro lado, no final do corredor. Depois do
quarto em que coloquei Karen quando chegamos. Na
verdade, existem dois quartos entre nós, minha cara —
revelou com leve zombaria. — Eu disse a você que não
iria esperar que aquecesse minha cama e estava sendo
sincero, Leah.
Ela assentiu.
— Acredito nisso, Garlam. — Os olhos perderam um
pouco o brilho e Leah suspirou ao abaixar-se para pegar
a mala que Gar deixara no chão.
— Eu faço isso — interrompeu-a ele, quase a em-
purrando. — Onde quer que eu a coloque?
Ela gesticulou em direção à cama, mas depois
mudou de idéia.
— Não, ali não, pode sujar o acolchoado. — Olhou
distraídamente em torno de si. — Lá, no assento da
janela.
E foi o que ele fez. Então, olhou para um ponto da
paisagem onde um de seus ajudantes conduzia as vacas
leiteiras para o celeiro, tendo um colhe em seu encalço.
Uma pontada de orgulho inundou-lhe o peito e ele
endireitou os ombros ao confirmar que a cada dia que
passava a fazenda ficava mais e mais próspera.
E Leah estava logo atrás dele, Gar podia sentir-lhe a
presença como se fosse um nuvem de calor aquecendo-
lhe o corpo. Ela não usava qualquer perfume que
pudesse revelar-lhe a preferência por uma fragrância em
especial, mas cheirava à limpeza e frescor, exatamente
como o ar do campo.
— Quantas cabeças de gado tem? — A voz
melodiosa revelava um interesse genuíno e Gar agarrou-
se ao assunto para se livrar do rumo sensual que seus
pensamentos começavam a tomar.
— Vinte e sete no total, mas apenas seis vacas lei-
teiras. O pasto está cheio de bezerros e potros, mas
muitos ainda estão colados à mãe. Também tenho dois
bois, mas deixo-os num pasto separado, um pouco mais
longe daqui. — Havia uma nota de orgulho em sua
resposta, mas ele não pretendia se desculpar por isso.
Tinha trabalhado duro para conseguir tudo o que tinha.
Contratara três ajudantes para cuidar da fazenda e
pagava os melhores salários da região, em contrapar-
tida, exigia que fossem tão dedicados quanto ele
próprio.
— Também cria cavalos? — Leah quis saber, olhan-
do dele para a cena pastoral que se desenrolava abaixo
da janela envidraçada de seu novo quarto. — E porcos,
tem alguns?
O sol já estava baixando no horizonte e o céu tingia-
se dos tons púrpura e laranja do entardecer. Logo a
noite cobriria a paisagem com seu manto negro pon-
tilhado de reluzentes estrelas prateadas.
— Sim e sim — respondeu às duas perguntas que
lhe haviam sido feitas. — Tenho duas porcas e dois
filhotes quase crescidos num chiqueiro que construí
atrás do celeiro, para evitar que o cheiro chegasse até
aqui na casa. Os cavalos estão num estábulo perto do
cocheira. Tenho seis deles.
— E um é meu — contou Kristofer, surgindo na
porta. Gar virou-se abruptamente da janela e Leah
apressou-se em dar uni passo atrás, mesmo assim, suas
mãos esbarraram uma na outra e as pernas musculosas
roçaram no vestido azul-marinho com margaridas
brancas.
— Você levou a carroça para o celeiro, filho?
Kristofer assentiu com um movimento de cabeça.
— Sim, pai. Benny cuidou dos animais e eu já trouxe
o resto das coisas para dentro. — O menino olhou para
Leah com um sorriso. — Deixei tudo sobre a mesa da
cozinha, não sabia onde a senhora gostaria de guardá-
las.
Ela sorriu e estendeu a mão para o enteado.
Kristofer fitou-a deliciado e aceitou a oferta de pron-
to, entrelaçando os dedos aos dela.
— Venha comigo, vamos ver o quarto de Karen,
dona Leah. Mas não podemos fazer barulho. Ela está
dormindo no meu antigo berço, meu pai e eu o
limpamos bem e também encontramos lençóis e
acolchoados nos armários que serviram direitinho.
Leah fitou o menino com carinho, depois voltou-se
para Gar, sua expressão mudando completamente quan-
do se dirigia de um para outro. Mas a verdade era que
com o homem que se transformara em seu marido
poucas horas antes ela tinha de ser muito cuidadosa.
— Pode ir — Gar respondeu à pergunta silenciosa
que lhe fazia com um leve arquear de sobrancelhas. —
Enquanto isso trago o resto de seus pertences para o
quarto? Onde quer que eu coloque a cadeira de balanço?
Ela parou na soleira da porta, um pé já no corredor.
— Acho que ficará bem na cozinha. Tem um bom
espaço ao lado da janela que dá para a varanda.
— Está bem — capitulou e observou os dois se afas-
tarem no corredor, o filho de seu coração é a mulher que
escolhera para ser sua nova esposa. Por falar em
coração, nunca antes uma mulher fizera seu coração
bater tão descompassado e, ele temia que Leah Gun-
derson ainda pudesse lhe reservar muitas outras sur-
presas como essas.
Inesperadamente, lembrou-se de Hulda. Pobrezinha,
chegara até ele com seu espírito fraco e saúde frágil e
talvez por isso nunca tivesse conquistado seu amor.
Claro que aprendera a dar valor aos esforços dela como
mãe e excelente dona de casa, mas, ainda assim,
faltava alguma coisa no casamento deles e Gar sabia
que parte da culpa pela união não ter dado certo
também era sua. Meneando a cabeça de um lado para
outro, tentou banir as lembranças para longe, poiso
remorso vinha sendo implacável para com ele nos
últimos meses, enquanto guardara luto pela mulher com
quem vivera dez anos de sua vida.
De repente, um grito agudo ecoou no ar, como se
alguém estivesse muito insatisfeito e clamasse por
atenção. Sem pestanejar, Garlam seguiu rápido pelo
corredor e se reuniu ao resto da família.
— Shh, shhh, meu anjinho! — Leah tirou a menina
do berço e aninhou-a junto a seu peito.
Os olhos de Karen estavam cheios de lágrimas
quando ela apontou o dedinho gordo para o berço do
qual acabava de ser tirada.
— Ah, ela não gostou do berço, papai — Kristofer
comentou franzindo o cenho.
— Karen vai acabar se acostumando com o tempo,
Kris — Leah assegurou ao menino. — Por enquanto,
vamos levá-la para baixo e deixá-la sentada no cesto de
vime enquanto preparo alguma coisa para comermos.
— Eu a carrego — Gar se prontificou mais do que
depressa, tirando a menina dos braços de Leah.
Karen agitou-se durante alguns instantes, mas o pai
fez-lhe cócegas na barriguinha com o dedo indicador e a
menina sucumbiu ao gesto, rindo e agarrando-se à
camisa branca de Garlam.
— Que tal um pouco de pão com geléia e chá? —
Leah sugeriu, riscando um fósforo para a acender a
lanterna pendurada pouco acima da mesa redonda da
cozinha.
— Bem, eu acho que você vai encontrar alguns pe-
daços de carne assada e queijo fresco no refrigerador —
Gar disse.
— Refrigerador? — Os olhos de Leah arregalaram-se
intrigados.
— Sim, fica sob a despensa. Eu coloquei alguns de-
graus que a levarão ao porão. Em uma das paredes tem
uma porta que dá acesso a um quartinho no subsolo,
todo revestido com metal. Isso ajuda a manter a
temperatura baixa durante o verão e também nas outras
estações. Em geral, conserva bem as sobras de alimento
durante um bom tempo.
Leah apressou-se em seguir para despensa e
descobrir esse lugar secreto e quase mágico do qual
Garlam falava. E foi exatamente como ele falou, ao
chegar no porão, descobriu-se diante de uma porta que
a deixou entrar num quarto cujas paredes eram forradas
com folha de metal. A temperatura ali era tão baixa que
a fez estremecer. Sobre uma mesa colocada no centro,
havia um pedaço de queijo e restos de carne cobertos
com um pano de prato. Ela os pegou e voltou rapida-
mente à cozinha.
— Puxa, eu mal conseguia ver direito lá embaixo —
comentou, a respiração um tanto ofegante por ter
subido os oito degraus que levavam ao nível da
despensa.
Gar observou-a por sobre os longos cílios escuros.
— Sempre deixamos velas no refrigerador. Da pro-
xima vez, leve um fósforo ou mesmo uma lanterna com
você.
— Construiu este “refrigerador” sozinho — falou,
alterando um pouco o tom de voz ao falar do inusitado
cômodo no subsolo.
Gar chacoalhou os ombros e, por uma fração de
segundo, Leah pensou ver um brilho de orgulho nos
olhos azuis.
— Sim, construí.
Ela fatiou a carne rapidamente, cortou o queijo em
pedaços e colocou-os junto com um pedaço de pão que
encontrara no armário da cozinha.
— Quem fez o pão para vocês? — perguntou
intrigada.
— A mulher de meu ajudante Benny, o .nome dela é
Ruth. Ruth nos dá uma ajuda sempre que pode.
Também nos faz biscoitos quando tem tempo — contou
Gar, balançando Karen nos joelhos.
— Sim, mas os biscoitos dela não são tão bons
quanto os da senhora, dona Leah — atalhou Kristofer
mais do que depressa.
Leah sentiu uma onda de calor espalhar-se por suas
faces, tingindo-as de vermelho, diante do elogio sincero
da criança e acabou sorrindo ternamente para Kris. Suas
mãos trabalharam rápido, executando as tarefas
rotineiras e em menos de cinco minutos sua nova família
já estava acomodada em torno da mesa.
Gar abaixou a cabeça e proferiu uma breve prece
de agradecimento pelos alimentos que tinham diante de
si e, ao terminar, olhou rindo para o filho que dava um
longo suspiro.
— É que eu estou faminto, pai — o menino
confessou, enchendo o prato. O pão estava coberto por
um bife e ele voltou a colocar outra fatia antes de levá-lo
aos lábios.
— Deixe-me lhe servir um pouco de chá, Kris —
Leah falou, adiantando-se às mãos pequeninas. — A
chaleira está um pouco quente. — Então, como se não
pudesse suportar ficar parada diante do homem que a
fitava tão atentamente, levantou-se e começou a mexer
na chaleira.
Kris agradeceu polidamente, Gar também meneou a
cabeça ao ser servido e Karen sugou o liquido que lhe foi
levado a boca numa xícara de porcelana pintada à
mãos.
— Deixe-me segurá-la enquanto você come — pediu
Leah, estendendo os braços para o bebê.
Ele aquiesceu e Leah tirou-lhe a criança do colo,
voltando para seu próprio assento.
Foi uma refeição muito rápida, Kristofer e Gar fa-
mintos demais para perder tempo com conversa e Leah
concentrada no prato do qual tirava pequenos pedaços e
os oferecia a Karen.
— Preciso ir até o celeiro agora. Ainda tenho de
terminar algumas tarefas do dia — Gar declarou, em-
purrando o prato vazio e começando a se levantar.
— Sim, está bem. — Leah o perscrutou por sob as
longas pestanas enquanto o via deixar a casa depois de
ter pego um chapéu que estava pendurado no gancho
atrás da porta. Sim, era um chapéu de palha bem típico
dos fazendeiros da região, e não aquele chapéu de feltro
branco que Gar costumava usar quando ia à cidade ou à
igreja, que o deixava com ar ainda mais arrogante.
Contudo, agora ele parecia apenas um fazendeiro
cuidando de suas terras,
Ah, mas um fazendeiro alto e bonito, emendou de-
pressa. Perscrutando-o através da janela envidraçada
enquanto ele seguia para o celeiro onde os outros tra-
balhadores da fazenda haviam acendido as lanternas
que iluminavam o princípio de noite.
Ouvindo os primeiros grilos cantarem, Leah olhou
em torno da cozinha que seu marido havia entregado a
seus cuidados, bem como todo o resto da casa, desde o
momento que haviam chegado de Kirby Falls. Por um
momento, ela prendeu a respiração desejando que a
cama do dono da casa também fosse parte dos domínios
ao qual teria livre acesso.
“Ah, sua tola!”, ralhou consigo mesma. “Nem ouse
pensar em tal bobagem!” Aquele era um casamento de
conveniência para ambos e estava muito longe de ser
uma união amorosa. Sabia disso desde o começo, o
pacto fora que cuidaria da casa e das crianças enquanto
Gar lhe daria um teto e garantiria a comida na mesa.
Será que não era um acordo bom o suficiente para
deixá-la feliz, ainda mais que acabava para sempre com
seus dias de solidão e lhe dava uma família adorável?!
— Dona Leah!? — Kristofer chamou-a da porta e
apontou para o chão. — Meu pai deve ter pisado numa
poça de lama. E melhor a senhora limpá-la antes que
grude e não saia mais. Minha mãe sempre tinha que
ficar de joelhos para esfregar essas coisas.
Leah pestanejou e olhou na direção em que o
garoto apontava. Grandes porções de terra marcavam o
assoalho de madeira polida.
— Ah, mas será que você e seu pai não sabem usar
um tapete para limparem os pés antes de entrar em
casa? — perguntou, fazendo uma pequena careta.
Kristofer riu.
— Sim, minha mãe costumava deixar um tapete lá
fora, mas ele acabou sumindo depois que ela foi morar
no céu. A sra. Warshem limpou a casa para nós ontem,
para que a senhora não a encontrasse suja ao chegar
aqui, mas isto não vai durar muito tempo com meu pai
entrando e saindo do celeiro a toda hora.
Leah deu um longo suspiro e pegou a vassoura que
estava atrás da porta. Ora, ora, ora, pensou, esfregando
o assoalho até que ficasse limpo, a primeira coisa que
teria de fazer no dia seguinte seria arrumar um tapete
para ensinar lições de boas maneiras aos homens da
casa, afinal, não queria passar todos os seus dias es-
fregando o chão, tinha muito mais coisas a fazer.
A lua já estava alta no céu quando Leah colocou
Karen no berço e cobriu-a com um acolchoado colorido.
Ela deixou a parte de cima da janela uni pouco aberta
para que o quarto ficasse ventilado e também a porta
entreaberta para que luminosidade do corredor entrasse
discretamente no quarto da criança sem contanto fazê-
la despertar. Com cuidado, saiu do aposento e caminhou
para o seu próprio quarto que ficava depois do de
Kristofer.
Girando a fechadura, adentrou no belo aposento
que Garlam lhe destinara. Era incrível, pensou,
recostando-se contra a porta, nunca sonhara em ter um
quarto tão bonito quanto aquele e muito menos urna
casa como a da fazenda, com cinco quartos no andar
superior e quatro salas e outros aposentos, contando
com a cozinha, no térreo.
Sim, uma casa como a dos Lundstrom era um luxo
com o qual jamais ousara sonhar!, pensou suspirando e
limpando uma lágrima que lhe rolava dos olhos. Então
riu de si mesma. Como era tola! Para que chorar quando
tudo estava saindo tão bem? Por que sentir aquele vazio
e o aperto no peito quando sua vida estava
encaminhada e estável para sempre? Agora tinha uma
bela casa, lindos e amados filhos, ainda que não ti-
vessem saído de seu ventre, e um marido que fazia seu
coração bater descompassado.
— Leah? — Chamou-a a conhecida voz de barítono,
parecendo estar bem junto da porta na qual ela estava
encostada.
Mais do que depressa, Leah limpou o rosto com a
manga do vestido e abriu a porta, dando um passo atrás
para deixá-lo entrar.
— Sim?
— Bem, pensei que deveríamos combinar nossos
horários o quanto antes. Não faz sentido fazê-la esperar
até amanhã para saber como serão as coisas.
As palavras foram proferidas num tom autoritário e
Leah o perscrutou com o olhar, tentando decifrar a
mensagem na integra.
— Você quer tomar café antes ou depois de realizar
suas tarefas? — indagou, tentando ser prática.
— Bem, o café preto costumo tomar antes de orde-
nhar as vacas, depois, quando terminar, torno um café
reforçado. Gosto de bacon, lingüiça ou mesmo algumas
costeletas de porco quando as temos em mãos.
Também aprecio, ovos cozidos e mingau de aveia, além
de pão torrado no forno a lenha.
Ela o observou sob à luz das velas que estavam
acesas em sua mesinha-de-cabeceira.
Garlam estava vestido com a camisa clara que
usara no casamento e ainda a trazia por dentro da
cintura da calça azul-marinho, cujas barras escondiam-
se nas botas de cano alto. O suspensório também fazia
parte do traje e dava-lhe um ar de distinção, mas o que
mais chamou a atenção de Leah foi a maneira como os
músculos bem definidos surgiam por sob o tecido rústico
da calça e os pêlos dourados que apareciam por entre os
botões da camisa, aberto na altura do peito.
— Quer dizer que gosta de um farto desjejum, ãh?
Bom, acho que posso dar conta disso sem maiores pro-
blemas. E a que horas vai querer que eu o sirva, meu
caro sr. Lundstrom? — questionou com uma ponta de
cinismo a permear-lhe a voz.
Ele colocou as mãos na cintura o que só fez acen-
tuar-lhe a virilidade dos quadris e peito largo.
— Quando terminar a ordenha. Você pode tocar o
sino da varanda quando a comida estiver pronta e eu
virei assim que puder. Se demorar, guarde tudo no forno
para que não esfrie.
Leah assentiu lentamente.
— Vamos ver se entendi, quer que eu prepare um
verdadeiro banquete para o café da manhã e se não
aparecer para comer em tempo, terei de mantê-lo quen-
te até que você consiga se separar de suas vacas?
Garlam a fitou com as sobrancelhas arqueadas.
— Acho que está zombando de mim, sra.
Lundstrom.
Leah engoliu em seco. Céus, Gar acabava de cha-
má-la pelo nome, um nome que lhe dera poucas horas
antes e que os unia para todo o sempre.
— Sim, talvez eu estivesse — ela admitiu, baixando
o olhar para as botas sujas de lama. Talvez fosse melhor
falar com ele sobre o assunto no dia seguinte, decidiu,
sabendo que teria de pôr tapetes em vários lugares da
casa.
— Neste caso é bom saber que não temos nada que
discutir sobre meu café da manhã — preveniu-a com
expressão levemente aborrecida.
— Mas eu não estava discutindo. Já havia dito que
daria conta disso.
— Okay, poderemos discutir o resto de suas tarefas
amanhã. Agora é melhor você ter uma boa noite de
sono. Esta casa é grande demais para uma mulher
sozinha mantê-la em ordem. Talvez eu possa persuadir
Ruth Warshem a vir lhe dar uma ajuda uma vez por
semana.
— A esposa de Benny? — perguntou Leah, curiosa.
— Sim — Gar assentiu. — Ruth é uma boa mulher e
também não tem medo de trabalho pesado.
— Pois saiba que acabou de se casar com alguém
que também não tem medo de trabalho pesado, sr.
Lundstrom — atalhou num tom defensivo.
— Sei disso, minha cara — concordou, unindo as
mãos na parte inferior das costas, enquanto a observava
sob a tênue iluminação das velas. — Sempre tive
confiança em você, Leah. Acho que é a mulher perfeita
para mim.
Ela deu um passo atrás quando Gar começou a ca-
minhar para a porta, mas ainda teve tempo de notar
como os olhos azuis brilhavam ao fitá-la de alto a baixo,
parando por mais tempo na altura dos seios redondos e
firmes como se quisesse desvendar os mistérios ocultos
atrás do decote comportado. Céus, ele era seu marido e
essa era sua noite de núpcias!
Mas que diferença fazia? Iriam dormir separados,
exatamente como fora combinado. Fechando a porta
atrás dele, Leah desejou secretamente que Gar se ar-
rependesse de ter lhe proposto um casamento de apa-
rências, e que o corpo másculo e viril ansiasse por toma-
la como mulher, exatamente como ela ansiava por se
entregar a ele sem reservas…
Ah, Leah Gunderson não era uma mulher que
poderia ser domada com facilidade, Gar concluiu depois
de uma semana de convivência em comum. As vezes,
Leah era muito exigente, implicando muito quando ele e
Kristofer se esqueciam de limparem os pés no tapete
antes de entrar em casa. Também menosprezava os
horários dele, insistindo que o banho de Karen deveria
vir primeiro do que os interesses dos adultos da família.
No terceiro dia após o casamento, encontrou-a com
os braços mergulhados na banheira de água quente,
tendo uma criança aos prantos e coberta de espuma nas
mãos, mas sem demonstrar um pingo de simpatia pelas
reclamações de Karen, conforme a tirava da água e a
enrolava em uma toalha felpuda.
— O que você fez para minha filha? — Gar exigiu
saber, parando na porta do quarto de banho. — Por que
ela está chorando tanto?
Leah virar-se para ele, encarando-o com irritação.
— Sua filha espirrou água com sabão nos olhos e
depois esfregou-os com as mãos. Mas agora está cho-
rando porque o banho chegou ao fim e ela não quer sair
da banheira. Se nos der licença por alguns minutos, vou
secá-la e trocá-la, depois poderemos conversar.
Mas Gar ficara parado exatamente onde estava,
pois não queria se afastar da .visão deslumbrante que
tinha diante si: Leah com aquele vestido molhado
colando-lhe ao corpo e revelando-lhe a curva mais que
perfeita dos seios redondos e fartos. Até mesmo se
esquecera o que o trouxera até ali. Sentira-se
hipnotizado pela visão da mulher com sua filha nos
braços. Depois de alguns minutos, libertou-se do transe
contemplativo em que se encontrava e seguiu
apressadamente para o celeiro onde as tarefas do dia
ainda precisavam ser feitas.
Leah era uma mulher intrigante, decidiu Gar, no alto
da carroça de feno sob o forte sol do meio-dia.
Perguntou-se o que ela estaria fazendo agora para trazer
a melodia do riso que ecoava do interior da casa da
fazenda e chegava até o pátio com um som rico e
alegre, digno de uma família feliz. Segurando as rédeas
com firmeza, ouviu outra vez a voz do filho e os gritinhos
entusiasmados de Karen, logo seguidos pelo riso
contagiante da mulher que trouxera para a fazenda
como sua esposa.
Os animais responderam prontamente ao comando
que lhes dera e logo estavam descendo à ladeira e ru-
mando em direção aos campos de feno onde a alfafa
esperava para ser preparada e guardada no celeiro. Dois
de seus empregados já estavam lá, empilhando o feno e
deixando-o pronto para quando a carroça chegasse. Gar
deu uma olhada para o céu. Nuvens escuras estavam se
formando a oeste e precisava guardar todo aquele feno
até o anoitecer, antes que a chuva chegasse.
Por isso, eles trabalharam por horas seguidas, ig-
norando o sino que anunciava as refeições do dia. Fi-
nalmente, Gar mandou Lars Nielsen, irmão mais novo de
Bonnie, buscar um pouco de água e alguns sanduíches
para lhe saciar a fome.
Lars era um rapaz alto e forte que aos dezoito anos
estava querendo guardar dinheiro para comprar sua
própria fazenda.
Ele retornou cerca de meia hora mais tarde, condu-
zindo a carroça da família, com Leah acomodada a seu
lado no assento de couro. Assim que os cavalos
pararam, ela entregou uma cesta de vime nas mãos de
Gar que a fitou com o cenho franzido.
Será que estava zangada por que não tinha apare-
cido para o almoço nem mesmo para o lanche da tarde?
Não era o que parecia. Aquele sorriso largo e doce era
como um bênção depois de tanto calor, isto para não
falar que a água que ela lhe trouxera desceu-lhe fresca e
benfazeja pela garganta seca.
— Fiquei me perguntando se vocês teriam tempo
para comer? Parece que vai chover logo, não? — Leah
olhou preocupada para as nuvens escuras que se aglo-
meravam no céu, um pouco mais a oeste.
— Sim, precisamos ser rápidos — admitiu. — Mas o
que trouxe para nós?
— Um pouco de sopa quente que coloquei nestes
potes de conserva, pois achei que assim poderiam vira-
los nos lábios e tomar mais rápido. Também fiz san-
duíches — contou, desembrulhando as fatias de pão e
bife enfeitadas com tomate e algumas folhas de alface,
depois descendo e colocando Karen na parte de trás da
carroça.
— Karen está começando a gatinhar — Gar comen-
tou, observando quando o bebê se agarrava à lateral de
madeira e espiava-os com um sorriso nos lábios. Mas
logo voltou a cair sentada no assoalho de madeira e
reclamou com alguns gritinhos irritados.
— Ainda vai demorar um pouco até que consiga,
mas ela aprende — Leah sorriu.
Benny Warshem e o jovem Lars comeram com gosto
e agradeceram Leah efusivamente pela refeição, en-
tregando-lhe a cesta e os potes de compota vazios.
— Obrigado, sra. Lundstrom — Benny disse pela
terceira vez. O sorriso alargou-se em seu rosto, reve-
lando dentes brancos e brilhantes se destacando contra
a pele bronzeada pelo sol do verão em Minnesota.
— Sim, obrigado, senhora. Estava ótimo — Lars
acrescentou, corando ao falar com a esposa do patrão.
— Deveremos terminar dentro de mais ou menos
quatro ou cinco horas, Leah — declarou Gar. – Temos
mais uns quatro ou cinco carregamentos para levar ao
depósito no celeiro. Olhou de soslaio para alfafa.
— Mande Banjo para nos ajudar quando chegar em
casa — pediu, referindo-se ao terceiro de seus ajudantes
que ficara no celeiro cuidando de arrumar espaço para
os carregamentos ainda por vir.
— Sim, farei isso — prometeu, subindo na carroça e
erguendo as rédeas para vira-la e voltar para casa.
Os olhos azuis de Gar não se desviaram dela. Obser-
vando-a quando manejou as rédeas com precisão e de-
pois voltou-se para avisar Kristofer que deveria segurar
Karen com cuidado.
— Sra. Lundstrom! — ele gritou quando os cavalos
já iam a certa distância.
Leah fez os animais pararem e virou-se para
encarar o marido.
— Sim, algum problema? — protegeu os olhos com
as mãos em concha, para se livrar de alguns raios de sol
que teimavam em driblar as pesadas nuvens.
— Não, só queria lembrá-la que ainda não pintou
aquelas flores que prometeu — tornou Gar, colocando as
mãos nos quadris e rindo com prazer pela primeira vez
nos últimos seis meses.
Leah ficou séria durante alguns instantes, depois,
finalmente, pareceu entender o significado da frase e
também começou a rir bem-humorada, acenando-lhe
antes de voltar para casa com seus filhos. Era uma visão
muito reconfortante.
Os homens voltaram logo ao trabalho, mas Garlam
Lundstrom ficou ali parado, observando a mulher que
estava trazendo uma nova luz a sua vida até ela de-
saparecer no horizonte. De repente, uma alegria imen-
surável encheu-lhe o peito e ele agradeceu ao céu por
estar vivo. Sim, apesar de tudo, a vida era linda!
CAPÍTULO VI
— Teve um dia duro? — Gar perguntou, colocando
um pouco de batatas em seu prato, depois entregando-
as a Leah. Ela arqueou uma sobrancelha.
— Não, na verdade não. Limpei a saía e passei um
pouco de roupa. Ah, e também coloquei um pouco de
fermento para crescer — revelou, misturando vagem às
batatas amassadas que oferecia à Karen.
— Nada mais?
Leah ergueu os olhos rapidamente.
— O que mais está querendo saber, Gar? Certo,
ajudei Kristofer com as lições de aritmética e com o
alfabeto enquanto Karen tirava um cochilo e também
costurei algumas de suas meias. — Não gostava nenhum
pouco da maneira como estava sendo interrogada e,
para descarregar sua raiva, deu uma enorme mordida
na coxa de frango que estava em seu prato.
— Quem esteve aqui hoje? — Gar prosseguiu com o
interrogatório, erguendo o rosto para encará-la e se-
gurando o garfo diante da boca. Ele esperou até Leah
parar de mastigar para acrescentar: — Vi marcas de
roda diante da casa.
A indignação a fez enrubescer.
— Foi a sra. Thorwald, minha vizinha em Kirby Falls.
Orville Hunsicker a trouxe para me ver. — Colocou o
talher sobre a mesa e o retalhou com o olhar. — Por
quê? Será que não posso receber visitas?
— E eu não posso perguntar quem esteve em minha
casa? — replicou Gar com um muxoxo.
Os olhos de Leah brilharam como duas gemas
preciosas.
— Claro que sim. Afinal, como acabou de dizer, a
casa é sua. Mas, quando me perguntou sobre como foi o
meu dia, pensei que estivesse interessado em saber o
que fiz.
— Não estou te cobrando pelos trabalhos
domésticos, Leah. Esta casa é sua também e pode fazer
o que bem entender.
— Ah, quer dizer que posso viver aqui por que sou
sua esposa, mas devo pedir permissão se quiser receber
visitas? — atalhou com sarcasmo.
— Não distorça minhas palavras, minha cara. Não
foi isto o que eu quis dizer.
— Então o que foi que quis dizer, sr. Lundstrom? —
interpelou-o. — Por acaso devo lhe fazer um relatório
detalhado do que foi dito aqui em sua ausência? Ou
então contar-lhe quantas xícaras de chá servi à visita
em sua cozinha?
— Esta não é minha cozinha. Pensei ter deixado
bem claro que a casa também é sua no dia em que a
trouxe para cá! — exclamou, erguendo o tom de voz
acima do normal.
Foi o bastante para que Kristofer levantasse da ca-
deira e corresse para fora.
— Veja só o que você fez! — Leah exclamou, fuzi-
lando o marido com o olhar, antes de se levantar e
seguir o menino.
Ela o alcançou no meio do pátio. Suas mãos segu-
raram-no pelos ombros, trazendo-o para bem junto de si,
como se quisesse reconfortá-lo.
— Eu não quero que você e meu pai briguem — Kris
choramingou, voltando-se para encará-la. — Não gosto
quando as pessoas gritam umas com as outras. Minha
mãe também não gostava.
— E seu pai costumava gritar com ela, querido? —
Leah perguntou num tom pausado, os dedos mergu-
lhando nos cabelos claros para acariciar a criança que
amava como se fosse sua.
Kristofer hesitou ligeiramente.
— Só quando minha mãe fazia coisas que não
deveria, como quando se levantava e esfregava o chão
mesmo estando doente demais para fazê-lo. Um dia ela
até desmaiou e papai precisou carregá-la para o quarto.
— Sua mãe desmaiou? — repetiu ela, imaginando o
quanto a pobre Hulda deveria ter se esforçado para que
tudo corresse bem para sua pequena família.
Kristofer a encarou com olhos tristes.
— Mamãe ficava cansada muito fácil, dona Leah.
Papai não tinha muita paciência com ela. Ficava bravo e
gritava quando achava que estava fazendo mais do que
deveria.
— Esta é uma reação típica dos homens — Leah
disse mais para si mesma do que para o menino. —
Quando os homens não sabem como lidar com uma
situação, eles gritam e tentam controlar as coisas à
força. — Em sua pequena experiência com o sexo
oposto, descobrira que essa era a regra que vigorava e,
pelo jeito, Gar Lundstrom não parecia ser uma exceção a
ela.
— Papai está bravo com você. — Os lábios peque-
ninos foram levemente entortados à medida que Kris
olhava para a janela da cozinha.
— Ei, entrem logo vocês dois! — Gar tinha saído na
varanda e os observava com o cenho franzido. — O
jantar vai esfriar.
Havia uma nota de frustração na voz sonora e Leah
achou que talvez fosse melhor não desafiá-lo nesse
momento.
Ajeitando o braço em torno dos ombros do menino,
empurrou-o em direção à casa.
— Venha, querido, vamos deixá-lo se acalmar
enquanto comemos nosso jantar — sussurrou junto aos
cabelos loiros, como se aquele fosse um segredo só
deles.
— Está bem. — Escapando de seus braços, Kristofer
correu para a casa, passou pelo pai e entrou rápido na
cozinha.
— E a senhora, dona Leah, será que aceitaria sen-
tar-se à mesa comigo se eu prometer segurar minha
língua atrevida? — Gar indagou assim que ficaram a
poucos centímetros um do outro.
Era um pedido de desculpa inesperado, mas muito
bem-vindo, e Leah o aceitou de bom grado.
— Claro que sim. Só queria que Kris soubesse que
não está bravo com ele.
— As vezes, meu filho é um pouco sensível demais
— comentou, segurando a porta aberta para que ela
entrasse e depois seguindo-a até a mesa e pegando o
prato. — Gostaria que eu esquentasse um pouco as
batatas, Leah? — ofereceu-se.
Leah tirou-lhe o prato das mãos, seus dedos encos-
tando nos deles e o breve toque fazendo-a estremecer.
Ora, mas que coisa! Garlam tinham o poder de enfurece-
la e depois sempre tentava acalmá-la com gestos
cordatos e humildes. Como podia ser tão paradoxal!?
Irritada, cuidou de esquentar as batatas ela mesma
e colocou-as novamente diante de Gar, que agradeceu
com um movimento de cabeça.
Leah queria comer rapidamente, pois estava cons-
ciente do cesto de roupas que ainda tinha para passar.
Karen iria dormir dentro de uma hora ou duas, e,
caso se apressasse, poderia passar todas as camisas de
Gar1am, dobrá-las e guardá-las na gaveta. As roupas de
Kristofer só precisavam serem dobradas e ela própria
tinha três vestidos que estavam pedindo por uma boa
passada à ferro.
— Ainda está brava comigo? — a pergunta de Gar a
tirou de seus devaneios e ela ergueu o rosto para
encará-lo.
— Não, claro que não — negou. — Só estava pla-
nejando o que vou fazer mais tarde. Tenho roupas para
passar e também gostaria de preparar um prato especial
para o jantar de amanhã. Acho melhor fazer uma lista
com o que vocês gostam de comer ou não. Precisam me
dizer para que fique mais fácil cozinhar.
Ele assentiu, dando uma rápida olhada para Kris-
tofer que continuava cabisbaixo.
— Falaremos sobre isso mais tarde — Gar
comentou, franzindo o cenho e Leah se perguntou o que
ele teria visto para mudar de assunto.
— Claro — concordou, levantando-se para levar seu
prato à pia. Quando se virou de novo para a mesa,
descobriu que Gar já tinha saído.
Kristofer também terminara de comer e hesitava
entre limpar a boca no guardanapo que Leah colocara
diante de seu prato ou na manga da camisa de flanela,
por fim, acabou se decidindo pela segunda opção.
Leah teve vontade de repreendê-lo, mas o bom
senso a preveniu de que não era o momento. Em vez
disso, aproximou-se e sorriu para o menino.
— Não fique triste, Kris. — Curvou-se e segurou-lhe
o rostinho entre as mãos. — Seu pai gosta muito de
você.
Kristofer concordou com um movimento de cabeça.
— Eu sei, e acho que ele gosta da senhora também,
dona Leah, apesar de ser meio durão algumas vezes.
— Sim, acho que gosta — Leah respondeu, voltando
a ficar ereta. E talvez mais do ele próprio esperava, falou
consigo mesma. Não era tola e tinha percebido como
Garlam Lundstrom olhava com interesse para seus
atributos femininos.
— Meu pai disse que eu deveria ajudá-lo a cuidar
dos bezerros antes de tomar meu banho — Kris revelou,
levantando e seguindo para a porta.
Uma vez sozinha, Leah admitiu que não era só
Garlam que se sentia fisicamente atraído por ela. Há
muito tempo que seu coração disparava e um estranho
comichão se espalhava por seu corpo sempre que o ma-
rido a olhava daquela maneira intensa e perscrutadora.
Aliás, ele já mexia com suas emoções antes de se
casarem, agora que dividiam a mesma casa as coisas
estavam quase lhe fugindo ao controle. Tinha medo de
se trair a qualquer hora, por isso, às vezes o tratava com
certa frieza e arrogância.
Mas Garlam não era homem para ser tratado com
frieza por mulher alguma. Por mais que ao lhe propor
casamento tivesse lhe dito que não a queria em sua
cama, era óbvio que estava tendo dificuldade em con-
trolar seus impulsos naturais, ainda mais depois de tê-la
morando sob o mesmo teto, vivenciando situações muito
íntimas e reveladoras.
E Leah também o queria com a mesma intensidade.
Porém, ela sabia que se cedesse aos impulsos do desejo,
teria muito o que explicar sobre sua falsa viuvez e
latente virgindade. O problema era que ainda não
estava pronta para fazê-lo sem deixar que os fantasmas
do passado viessem à tona. Quem sabe algum dia
poderia abrir as portas de seu coração e deixar dona
felicidade entrar, conduzida pelos braços musculosos de
seu marido…
O sol estava quase se escondendo no horizonte e as
luzes púrpuras do entardecer banhavam a paisagem
bucólica da Fazenda Lundstrom.
Leah ajeitou-se na cadeira de balanço que havia na
área da frente e depois enrijeceu-se ao ver Gar sentar-se
a seu lado no balanço de dois lugares e impulsioná-lo
com os pés. Os dois se movendo em um só ritmo, como
se, pela primeira vez, estivessem seguindo na mesma
direção.
— Quero lhe perguntar uma coisa, Leah — Gar disse
depois de um momento de hesitação. — Acho que está
na hora de saber de onde você é e como acabou se
tornando uma entendida em ervas.
— Sou de Chicago — contou, os olhos fixos nas ga-
linhas que se empoleiravam nas rampas do galinheiro.
— E aprendi o que sei sobre ervas com minha mãe.
— O que me intriga é por que, entre todas as
cidades que poderia morar, escolheu Kirby Falls que é
pouco mais do que um vilarejo.
Ela alisou a saia do vestido com movimentos vaga-
rosos, mas sua mente trabalhava a todo vapor.
— E por que não? — retrucou com um riso forçado.
— Achei que era um bom lugar para se viver.
Uma expressão intrigada cruzou o rosto anguloso e
os olhos azuis brilharam com desapontamento ao vê-la
ser tão lacônica sobre o passado.
— Ah, sim, um ótimo lugar para se viver! — tornou
Gar com ironia. — Vamos, Leah, não tente me enrolar.
Estou perguntando porque desejo conhecê-la melhor.
Isto não é crime, é?
Não, não era crime, mas poderia ser o primeiro
passo que o levaria a descobrir a verdade sobre o seu
passado, Leah completou mentalmente. Por isso,
quando falou tentou ser diplomática.
— Nasci em Kirby Falis, Gar. Isto foi há trinta anos.
Por acaso já vivia aqui nesta época?
Ele negou com um movimento de cabeça, ao
mesmo tempo que a perscrutava com os incríveis olhos
azuis.
— Não, vim do leste com minha família quando ain-
da era um adolescente, há mais ou menos vinte anos.
Quando veio para a América, meu pai achou que seria
bom morar em Nova York, mas logo percebeu que es-
tava enganado. Ao ouvir falar das comunidades de
Minnesota decidiu vir para cá, pois era um lugar muito
mais parecido com nosso país de origem.
— Neste caso, eu tinha me mudado daqui muito
antes de você chegar com sua família — ponderou ela
com voz pausada. — Minha mãe me levou com ela e nós
fomos morar em Chicago. Ela era curandeira e parteira e
aprendi o que sei de tanto acompanhá-la.
— E sua mãe ainda mora na cidade? — Gar ques-
tionou, a voz um tanto hesitante, como se já soubesse a
resposta à pergunta que acabava de fazer.
Leah ergueu a cabeça, seus olhos deixando o tecido
da saia que estivera dobrando em pequenas pregas.
— Não, minha mãe morreu há alguns anos então
eu… eu resolvi me mudar da cidade. — Desfez as pregas
e começou a alisar o tecido que amassara.
— E quanto ao seu marido? — Gar prosseguiu, en-
trando com muito cuidado naquele assunto que era
quase proibido. Nunca antes a ouvira falar sobre o
marido morto e isto o intrigava. Que mistérios Leah
escondia?
— Também morreu lá, pouco depois de minha mãe
— falou num tom rouco, que talvez aos ouvidos alheios
soassem como se ainda estivesse de luto, mas que, na
verdade, era uma reação natural à mentira que acabava
de contar. Aliás, sua mãe sempre dizia que uma mentira
levava a outra e Leah rezava secretamente que não pre-
cisasse mais dizer nenhuma, nem hoje nem nunca.
Surpreendendo-a, Gar virou-se no balanço e captu-
rou-lhe o olhar.
— Parece que você já sofreu demais Leah. Espero
que possa esquecer seus infortúnios, e, finalmente, en-
contrar a paz aqui conosco.
Um pássaro noturno gorjeou na árvore defronte à
casa e seu canto afinado parecia ser uma melodia de
fundo para as palavras de Gar.
Leah limitou-se a menear a cabeça em agradeci-
mento, com medo de se deixar trair pelas emoções que
explodiam em seu peito.
— Foi depois de ficar sozinha que decidiu vir cá,
certo? — Gar voltou a questioná-la depois de alguns
minutos de silêncio.
Respirando fundo, ela acabou por lhe contar parte
de sua verdade.
— Sim, eu sabia que tinha nascido em Kirby Falis e
pensei que… Bem, não importa o que pensei, o que im-
porta é que vim para cá. E o resto da história você já
sabe, comecei a lavar roupas para fora, costurar, cuidar
dos ferimentos de alguns doentes e com esse dinheiro
pagava o aluguel daquela casinha em que morava.
— Não restou nenhum parente de sua mãe por
aqui?
Ela negou com um movimento de cabeça.
— Não, nenhum. Meu pai também morreu e duvido
que algum dos moradores, mesmo os mais antigos, ain-
da se lembre de Minna Polk. — Ficou pensativa durante
alguns segundos. — Pelo que sei, não existe nenhuma
família Polk por aqui, portanto, minha mãe deveria estar
certa quando dizia que não havia ninguém da família de
meu pai para nos amparar em Kirby Falis. Por isso ela foi
embora e me levou junto.
Gar sorriu e continuou a encará-la, desta vez mais
relaxado. A mulher com quem se casara era bonita,
muito bonita, disse a si mesmo, observando-lhe o perfil
clássico. Ela tinha o nariz reto, as maçãs do rosto e o
queixo um tanto proeminentes, mas isso até que lhe
conferia uma beleza exótica. Riu ao pensar que o de-
talhe do queixo talvez fosse uma impressão sua, pois
Leah vivia erguendo-o em sinal de desafio a tudo que
considerava injusto ou abusivo. Sim, além de bonita, ela
também tinha personalidade, o que era muito raro nas
mulheres de sua época.
— Sente falta de morar na cidade? — quis saber,
tentando fazê-la revelar o que lhe ia na alma.
— De Kirby Falls? Não… apenas de conversar com
algumas senhoras e de tomar chá com a sra. Thorwald e
Eva Landers — sorriu. — Mas eu amo seus filhos, Gar,
eles não são filhos de meu ventre, mas sim do meu
coração. Também sinto-me muito feliz de viver nesta
linda casa que dividimos. Se quer mesmo saber,
algumas vezes até gosto de você — brincou, entortando
levemente os lábios.
— E isto é o máximo que podemos esperar de um
relacionamento como o nosso, não? — Fitou-a atenta-
mente, esperando para ver-lhe a reação ao mesmo tem-
po que uma imensa tristeza se apoderava de seu peito.
Leah baixou os olhos como se tivesse medo de al-
guma coisa.
— Eu realmente gosto de você, Gar. Acho que essa
história de nos casarmos vai funcionar para todos, para
as crianças e para nós dois.
Talvez fosse daquelas palavras de conforto que ele
estivesse precisando, muito mais do que o prazer que
lhe pedia com olhos suplicantes, concluiu, ainda sem
ousar encará-lo.
No entanto, Gar estava começando a perder a ba-
talha para suas emoções. Inesperadamente, ergueu as
mãos e tocou-a nos ombros, traçando-lhe o contorno do
colarinho com a ponta dos dedos.
Leah ergueu o queixo e o fitou com os enormes
olhos azul-acinzentados. Era óbvio que estava perplexa
com sua atitude. A língua rosada que tanto o fascinava
deslizou sobre o lábio superior, num convite incons-
ciente, mas irrecusável.
Ora, sua promessa que fosse para o inferno!, Gar
gemeu em pensamento, antes de curvar-se e posar os
lábios na testa altiva. Os caracóis dourados e macios
roçaram-lhe no nariz e ele inalou a fragrância suave de
lírios do campo. Era um perfume doce, mas não tão
intoxicante quanto o de madressilva ou o das primeiras
rosas que se abriam no jardim. Sim, Leah exalava aquele
perfume suave todas as noites após o jantar, quando ela
se banhava com folhas de lírios que colhia nos campos
silvestres. Dizia que o banho no final da tarde ajudava-a
a relaxar e a tirar a poeira do dia.
E Gar não conseguia evitar de imaginá-la nua, com
a água escorrendo por todo o corpo, os cabelos soltos e
chegando-lhe até o meio das costas, os seios redondos e
firmes empinados e convidando-o para tocá-los. Sim,
seios que agora estavam a poucos centímetros de suas
mãos…
Ele estremeceu e seus dedos deslizaram pelo
pescoço de Leah, acariciando-o com um misto de
ternura e sensualidade.
— Ah, Leah, Leah! — gemeu. Céus, nunca tinha ou-
vido aquele som em sua própria voz, rouco e ainda
assim impregnado de uma suplica sensual. Sem poder
mais se conter, segurou-a pelo queixo e fê-la erguer um
pouco mais o rosto para receber seus lábios sedentos.
E a boca carnuda e rosada era mais doce e macia
do que Gar havia imaginado. Ela não se movia para
retribuir seu beijo, mas também não o recusava. A
respiração estava ofegante, como se a experiência dos
lábios se tocando tivesse lhe roubado todo o ar, mas,
ainda assim, Leah não o beijou.
Gar aproveitou um suspiro para lhe invadir a boca e
tentar sorvê-la de um outro ângulo. Enlouquecido pelo
desejo, sugou levemente o lábio inferior e enveredou
pelos recessos da boca convidativa da esposa com sua
língua quente e faminta.
Leah estremeceu e emitiu um gemido de surpresa
que o fez rir e transferir suas carícias para as faces
angulosas e para as pálpebras que protegiam os olhos
azuis. Depois beijou-a na ponta do nariz e também junto
à orelha delicada, ao mesmo tempo em que murmurava
palavras carinhosas na língua materna que quase tinha
esquecido.
— Por favor, Gar. — Ela estava ofegante e seus mo-
vimentos eram um tanto desajeitados ao tentar afastá-lo
de si. — Não creio que devamos fazer coisas como
estas.
— Ah, devemos sim, Leah. Qual é o mal em parti-
lharmos alguns beijos amigáveis? Tenho certeza de que
não interferirá em nada no nosso acordo.
Ela discordou, meneando a cabeça de um lado para
outro.
— Pois eu não penso assim. — Tremendo, afastou-
se dele, mas continuou a encará-lo com olhar assustado.
Se não soubesse que era viúva, teria pensado que
estava lidando com uma virgem inexperiente, Gar de-
duziu franzindo o cenho. Mas, talvez, o marido de Leah
não tivesse sido carinhoso e dedicado o suficiente para
acariciá-la e tratá-la com amor antes de torná-la mulher
em sua cama. Havia muitos homens assim, egoístas e
interessados apenas no próprio prazer. Por certo, o sr.
Gunderson devia ter sido um desses e não ensinara a
Leah como era bom beijarem-se nas noites de luar ou
trocarem doces carícias antes de mergulharem sob os
lençóis e unirem seus corpos no calor da paixão.
Diante do simples pensamento de que ela estivera
nos braços de outro, Gar parou imediatamente de mo-
vimentar a cadeira de balanço. Não conseguia suportar
a idéia de Leah ter pertencido a outro homem. Ator-
doado, ficou em pé.
— Você tem razão, minha cara. Acabei me deixando
levar pelo calor da noite e a magia do luar. Peço que me
perdoe — sussurrou, abaixando levemente a cabeça em
sinal de rendição.
Logo a viu levantar-se e começar a seguir para a
porta da cozinha.
— Está bem, nos veremos pela manhã, Gar. — A
respiração estava um tanto ofegante, as maçãs salientes
mais rosadas do que o normal. Contudo, havia um brilho
no fundo dos olhos azuis que deixava claro que, apesar
de assustada, Leah não tinha detestado a experiência
como queria dar a entender.
Ao vê-la se afastar, Gar passou a língua sobre os
próprios lábios e apreciou o gosto dela que o impregnara
como um néctar dos deuses. Sim, o gosto de sua
mulher, aquela que escolhera para acabar com sua
solidão e que agora sabia que deveria conquistar para
ser feliz e também para fazê-la feliz. Afinal, os dois
mereciam essa chance.
O dr. Berg Swenson costumava freqüentar a igreja
todos os domingos e aquele dia não era exceção.
Leah o observou com ar reprovador. Como ele podia
encarar Deus dentro do santuário sagrado e ainda assim
não ser partido em dois pela ira do Senhor? Este homem
que rezava e falava calmamente com a maioria dos
moradores da vila era, no entender dela, uma das piores
criaturas que já conhecera.
Swenson escolhia seus pacientes de acordo com o
que podiam lhe pagar, e, mesmo assim, sempre preferia
atender àqueles que tinham pequenos problemas, fa-
cilmente tratáveis, que não colocariam em cheque suas
habilidades profissionais. E o fato de ter se recusado a
cuidar de Hulda Lundstrom por saber que ela não teria
chances de sobreviver, o colocava na parte mais baixa
da escala de valores da mulher que presenciara a morte
da pobre Hulda.
Então, a certa altura, depois de Leah ter assistido a
toda celebração, cantado seus hinos favoritos e também
ouvido um sermão brilhante do pastor, foi surpreendida
pela aproximação do médico.
— Sra. Lundstrom. — Swenson era pomposo e ja-
mais lhe ocorrera que alguém pudesse não responder a
seu cumprimento ou chamado, embora Leah estivesse
seriamente tentada a fazê-lo.
No entanto, as boas maneiras que a mãe lhe ensi-
nara falaram mais alto e ela se voltou para encará-lo.
— Bom dia, dr. Swenson.
— Bom dia. Tenho um caso sobre o qual gostaria de
conversar com a senhora — o médico foi logo dizendo,
num tom confidencial.
— Ah, sim?! — A surpresa de Leah era genuína.
— A senhora pode me dar atenção por um minuto?
Leah assentiu e no instante seguinte se viu puxada para
o pátio da igreja, longe dos ouvidos curiosos.
— Tenho um paciente que não tem reagido bem a
minhas tentativas de curá-lo. Estive pensando que talvez
a senhora pudesse me acompanhar até a casa dele para
vermos o que pode ser feito.
Leah mordeu a língua, com medo de ganhar um
inimigo se dissesse o que lhe ia na lama. Justamente por
isso, foi muito cuidadosa ao se manifestar:
— Verdade, doutor? E o que o faz pensar que posso
ajudar alguém que o senhor não conseguiu curar? Cer-
tamente, o senhor é mais preparado do que eu para
cuidar de enfermidades.
— Este homem está com uma febre alta e nada do
que lhe dou faz efeito. O problema é que está enfra-
quecendo muito.
— Há quanto tempo ele está doente? — Leah inda-
gou, sua mente se concentrando nas ervas que pode-
riam ser usadas no caso.
O médico franziu o cenho.
— Esta é a questão. Ele só mandou me chamar há
três dias, mas a febre o vem consumindo há algum
tempo.
— Não sei se poderei ser de grande ajuda — Leah
disse rapidamente. — Tenho cuidado de ferimentos, os-
sos quebrados e algumas dores de garganta, mas febre
pode ser sinal de uma doença muito mais grave, doutor.
— O paciente a pagará bem por seus serviços,
senhora. Leah retesou-se toda. Se dinheiro era o recurso
final que o médico pretendia usar para convencê-la, iria
ter uma grande surpresa.
— Pois saiba que verei seu paciente e não pretendo
cobrar um centavo pela visita. Afinal, faço isso pelo pra-
zer de ajudar um semelhante e não para encher meus
bolsos de moedas e minha alma de pecados, doutor.
— Qual o problema, Leah? — Gar parou a suas
costas, carregando Karen nos braços.
O cheiro de pinho que emanava do corpo másculo,
deixava-a ainda mais consciente de sua presença. De-
pois da noite anterior, aquele aroma era suficiente para
fazê-la queimar de desejo. Mesmo atordoada, virou-se e
o incluiu rapidamente na conversa.
— O doutor quer que eu vá ver um paciente dele
para descobrir se conheço alguma erva que possa ajudá-
lo no tratamento. — Deu um passo atrás para que Gar
tomasse parte no pequeno círculo. — Se importaria se
fôssemos agora?
— Quem está doente? — Gar quis saber, olhando
em torno do pátio da igreja como se a atitude bastasse
para descobrir qual membro da comunidade local não
estava presente.
— Eric Magnor — Swenson contou.
As sobrancelhas escuras foram arqueadas e Gar
pestanejou.
— Eric? Eu não ouvi ninguém dizer nada. Certa-
mente ele não está… — franziu o cenho e calou-se com
medo de dizer o pior.
— Não, não é nada além de uma febre persistente.
Achei que talvez sua mulher pudesse nos ajudar de
alguma forma, Lundstrom.
— Sim, claro. Poderemos passar por lá ao voltarmos
para casa. Eric a está esperando?
— Eu disse a ele que sugeria uma visita da sra.
Lundstrom — o médico respondeu.
— E o sr. Magnor concordou? — Leah questionou
preocupada.
O doutor assentiu.
— Mais do que concordou, senhora, está esperando
ansioso por nos.
— Nesse caso, não há mais o que esperar —
prontificou-se ela, olhando para o marido em busca de
aprovação.
E Gar não poderia fazer outra coisa que não fosse
consentir, afinal, além de gostar de Eric Magnor, sabia
que Leah jamais recuaria diante de um pedido de ajuda.
Fora assim que a conhecera e era assim que seria para o
resto de seus dias, disso não tinha a menor dúvida.
A casa enorme ficava no alto de uma colina, nos
arredores de Kirby Falis. Era uma construção toda
branca, com colunas gregas sustentando a varanda e
uma incrível aura de poder e riqueza circundando-a na
forma de jardins bem cuidados e personificada no
mordomo que veio receber os visitantes de domingo.
— Ah, que bom que veio. O sr. Magnor estava a sua
espera, sra. Lundstrom. — O cumprimento foi dirigido a
Leah, mas excluía os dois homens que a acom-
panhavam. — Será que os cavalheiros poderiam esperar
na sala de visitas? — atalhou o mordomo, abrindo as
portas duplas que davam acesso a uma sala ricamente
decorada.
— Leah? — A voz de barítono de Gar fazia uma
pergunta silenciosa, mas ela entendeu perfeitamente o
que o marido queria saber.
— Está tudo bem — respondeu com um breve sor-
riso. — Não vou me demorar muito, fique tranqüilo.
- Segurando a saia do vestido de domingo, acompa-
nhou a figura imponente até as escadas de mármore
que levavam ao segundo andar. Ao virar-se para trás,
encontrou o olhar encorajador de Gar que a ajudou a
ganhar coragem para seguir em frente.
O quarto para o qual foi levada era espaço, com
janelas enormes se abrindo para o sol e ar fresco da
manhã. Eric Magnor vestia um robe de seda, e a calça
do terno apareciam pouco abaixo do joelho, deixando
claro que ele não permitiria que a doença o pegasse
desprevenido e o atirasse em uma cama, de pijama,
como, obviamente, alguém com febre deveria ficar.
Eric estava sentado diante da lareira, embora está
não tivesse sido acesa por causa da temperatura agra-
dável de verão. Ao vê-la, sorriu levemente e sinalizou
para que se aproximasse.
— Por favor, sente-se, sra. Lundstrom — a voz soou
fraca e ao tentar se levantar, num gesto de cortesia, as
pernas não conseguiram sustentar-lhe o peso do corpo.
A pele do rosto do sr. Magnor também estava pálida
como cera e os lábios um tanto trêmulos, o que, por
certo, era resultado da febre prolongada.
Estranhamente, hoje ele parecia mais velho do que
o habitual, os cabelos grisalhos colados ao rosto e as
poucas rugas mais acentuadas devido ao estado
debilitado.
Leah se aproximou do dono da serraria. Suas mãos
tocaram-lhe a testa e transmitiram-lhe o intenso calor
que se apoderava daquele corpo.
- A febre ainda não cedeu nem um pouco, sr. Mag-
nor? — perguntou, sentando-se no local indicado.
Ele deu de ombros.
— Bem, ela vai e volta e já estou cansado das
pílulas e poções que o médico da cidade tem me
receitado.
Leah inclinou-se para trás e o observou atentamen-
te. O mais grave era o estado geral do que a febre em si.
Magnor parecia letárgico e seus olhos tinham perdido o
brilho.
- A senhora tem alguma erva que possa me sugerir?
Ouvi dizer que tem conseguido curar muita gente na
cidade com seu tratamento alternativo.
- Bem, na verdade, tenho uma sacola cheia de
ervas, mas não está aqui comigo — confessou. — E creio
que algumas delas poderiam ajudá-lo sim. Agora, se
meu marido me emprestar a carroça para que eu vá até
em casa buscá-las, poderei medicá-lo com minhas ervas.
Por enquanto, sugiro que peça a seu mordomo, ou outra
pessoa de sua confiança, que o ajude a tomar um banho
para baixar a temperatura do corpo e depois vá direto
para a cama. Pode ser que ajude, e, certamente, não o
fará piorar.
- Meu cocheiro poderá levá-la até sua casa — Mag-
nor declarou, erguendo uma das mãos na direção do
mordomo que, aparentemente, estivera esperando sem
ser notado por Leah.
— Chamou senhor? — o serviçal murmurou com
discrição.
— Acompanhe a sra. Lundstrom até lá embaixo e
faça tudo o que ela disser.
Leah rumou para a porta e antes de sair lançou uni
olhar preocupado na direção do pobre homem. Sim,
Magnor era uni pobre homem, pois havia coisas na vida
que nem mesmo com todo dinheiro do mundo se
poderia conquistar, urna delas era a saúde, a outra, a
felicidade.
Ainda pensava nisso quando encontrou Gar na porta
da sala de visitas.
— O que houve Leah? — ele inquiriu, parecendo
preocupado. — Não pode ajudar Eric? — Deu um passo a
frente para oferecer-lhe o braço.
Leah o segurou, apreciando o gesto conforme me-
neava a cabeça em direção ao médico que também se
aproximara para saber o que tinha acontecido. Então,
ouviu vozes de crianças vindas de algum ponto no jar-
dim e franziu o cenho.
— Onde estão as crianças? — perguntou, sabendo
que tinham deixado Karen dormindo na carroça, sob os
cuidados de Kristofer.
— Karen acordou e uma das criadas os levou para
brincarem no pátio. Duvido muito que estejam sentindo
nossa falta.
— Hãhã… — o mordomo pigarreou para lhes
chamar a atenção. — O que faremos, madame? Posso
pedir ao cocheiro para levá-la até sua casa?
— Não, eu mesmo levarei minha esposa — Gar
disse bruscamente, ainda sem saber ao certo o que
estava acontecendo.
Leah o puxou pela manga da camisa.
— Mas eu terei de voltar aqui, Gar. Só vou até em
casa buscar minha bolsa de ervas para dá-las ao sr.
Magnor.
Ele ficou silencioso durante alguns instante, então,
logo a fitou com o cenho franzido.
— Neste caso, talvez seja melhor o cocheiro nos
seguir para traze-la de volta e ainda levá-la para casa
quando tiver terminado. Afinal, não poderei vir buscá-la
porque preciso cuidar dos animais, e, com sua ausência
ainda precisarei tomar conta de Karen — comentou,
parecendo contrariado.
- Isto é importante, Gar — lembrou-o com voz sua-
ve. — Aliás, a vida de uma pessoa é sempre algo muito
importante.
— Sim, mas sua família também é importante Leah
Lundstrom. Nunca se esqueça disso — falou, sentindo-se
uni tolo, mas, ao mesmo tempo, não conseguindo con-
trolar o ciúme que o assolava como um monstro voraz.
— Eu não me esquecerei, Garlam. Juro que não me
esquecerei — prometeu e seus olhares se encontraram
durante um longo momento, revelando emoções e sen-
timentos que ainda demorariam muito para serem ver-
balizados, mas que ambos sabiam estar lá, no fundo de
suas almas.
— E então, madame? — o mordomo insistiu. —
Devo chamar o cocheiro para acompanhá-los até a
fazenda?
- Sim, faça isso, por favor — foi Gar quem
respondeu por ela. Em seguida, voltando-se para a
esposa, tomou-lhe as mãos entre as suas. — Desculpe-
me se fui egoísta há pouco, Leah. E que já não sei mais
como viver sem seus cuidados e sua ajuda com as
crianças. Porém, EricMagnor é um amigo e tenho
consciência de que devo deixá-la cuidar dele da melhor
maneira possível.
— Obrigada, Gar — Leah agradeceu, tomada por
uma emoção nova, a emoção de descobrir um grande
companheiro no homem com o qual se casara. Estava
tão inebriada com a cumplicidade que partilhavam que
não notou que o dr. Swenson se afastara, indo embora
sem nem sequer lhe perguntar o que pretendia dar a
seu paciente.
Mas talvez fosse mesmo melhor assim. Como dizia o
velho ditado, quem não ajuda…
CAPITULO VII
Já fazia muito tempo que escurecera quando a febre
finalmente cedeu e Eric Magnor conseguiu dormir. Leah
sentou-se ao lado da cama, seus olhos atraídos pelas
feições austeras do homem que conhecera naquela
manhã. Claro que já o tinha visto na cidade, mas nunca
antes haviam se falado.
Na verdade, Eric fora mais do que um cavalheiro
para com ela, instruindo a governanta e o mordomo
para atender tudo o que dissesse. Assim, Leah traba-
lhara junto com os dois serviçais que, por certo, tinham
grande estima pelo patrão.
E Eric havia bebido o chá sem reclamar. O
preparado era uma mistura de eupatório e baga de
sabugueiro que a mãe de Leah havia descoberto anos
atrás. Ele também tinha suportado as compressas com
toalhas molhadas quando a febre subira muito, e depois
tremera sem reclamar quando o mordomo o abanara
com um grande leque. Na verdade, o estado debilitado
do homem era assustador e Leah não relaxou até que o
viu suar a ponto de toda sua roupa ficar completamente
molhada.
- Acho que ele está melhor — disse a Thomas, o
homem alto e magro que cuidava do patrão sem medir
esforços, trocando-lhe a camisa molhada e também a
roupa de cama.
— Sim, madame — assentiu o mordomo. — Acho
mesmo que está melhor. E a primeira vez que meu
patrão consegue dormir em três dias.
— Que Deus o proteja, então! — sussurrou Sara
Perkins, a governanta. — Nunca o vi tão abatido. E olhe
que faz anos que trabalho aqui.
— Bem, já que o sr. Magnor está melhor, vou para
minha casa. — Leah levantou-se e só então se deu conta
dos músculos doloridos por causa das longas horas que
passara debruçada sobre o paciente. — Detesto ter de
pedir ao cocheiro de vocês que me leve para casa, mas
meu marido já deve estar preocupado com minha
demora.
Thomas pigarreou e olhou em direção à porta.
— O sr. Lundstrom a está esperando lá embaixo,
senhora.
— Mesmo? — perguntou, passando pelos criados e
começando a deixar o quarto. — Há quanto tempo está
aqui?
- Faz horas, deixei-o entrar assim que o sol se pôs,
madame.
Será que estivera tão compenetrada em seu
trabalho que não percebera a chegada de Gar? Era o
que parecia e tal percepção a fez se apressar, à medida
que rumava para o largo hall.
— Gar? — O sussurro não bastou para acordá-lo e
Leah foi até a poltrona que ficava ao lado da janela da
sala de visitas. Suas mãos tocaram-lhe o ombro e Gar
estremeceu sob o breve contato.
— Leah? — Como se tivesse reconhecido o toque
daqueles dedos mágicos, despertou e murmurou o nome
dela.
— Shh… relaxe, está tudo bem — tranqüilizou-o,
antes de sentar-se em um pufe que havia diante da
poltrona e apoiar as mãos nos joelhos do marido. —
Quem ficou com as crianças?
— Benny levou Ruth para dormir em nossa casa. Eu
disse a ela que passasse a noite em seu quarto. Espero
que não se importe.
— Claro que não. Ainda bem que eu troquei os len-
çóis esta manhã — completou, deixando-se levar por
suas preocupações de dona de casa, além do que, gos-
tava de Ruth e queria que estivesse bem acomodada.
— E como está ele? — quis saber Gar, abaixando as
mãos para tomar as dela entre as suas.
— Bem melhor.
Diante de tal resposta, correu os dedos ao longo da
palma estreita, acariciando-a com movimentos
circulares.
— Estas mãos são mágicas, não?
— Mágicas não, mas as vezes ajudam a curar al-
gumas pessoas — disse, um tanto ofegante por causa
das estranhas emoções que aquela carícia em suas
mãos estava suscitando.
— Você tem um dom precioso, Leah. Envergonho-
me de ter sido tão egoísta quando me aborreci ao saber
que passaria a maior parte do domingo longe de mim e
das crianças.
Ela sorriu para o marido e quando seus olhares se
encontraram foi como se só agora começasse a
conhecer o verdadeiro Garlam Lundstrom.
— Eric Magnor é um bom homem, não? Os criados o
tratam com ternura e devoção, Gar. Esse tipo de
cuidado não se conquista apenas com bons salários.
Um leve sorriso brincou nos lábios carnudos de Gar.
— Sim, Eric é um bom homem. Existe uma certa
tristeza no fundo dos olhos dele, mas nunca chegamos a
falar sobre o assunto. — Baixou a voz até que se
tornasse quase um sussurro. — Ouvi dizer que a esposa
dele não era feliz aqui e por isso foi embora e nunca
mais voltou.
Leah meneou a cabeça de um lado para outro.
— Que pena! Esta casa tão grande e tanto dinheiro
sem ter com quem partilhar!
— Mas ele partilha isso sim, querida — Gar corrigiu-
a, tratando-a carinhosamente. — A maior parte dos
moradores de Kirby Falls trabalha na serraria e Eric os
paga mais do que bem. A igreja também recebe uma
parte substancial de sua generosidade. Para ser franco,
suspeito que ele invista muito mais nesta cidade do que
qualquer um de nós pode imaginar.
Leah bocejou e sentiu seus olhos se encherem de
lágrimas, talvez pelo simples gesto de bocejar ou mes-
mo por ter ouvido a triste história de um homem so-
litário. Assim, pestanejou e libertou as mãos das de Gar
para levá-la a boca e conter um segundo bocejo.
— Estou muito cansada, sr. Lundstrom — murmu-
rou, desejando recostar a cabeça no peito largo e ceder
aos impulsos do corpo. Entretanto, em vez disso, baniu o
pensamento insano para longe e ficou em pé.
— Acha que é seguro ir embora e deixá-lo sem sua
assistência? — Gar indagou, levantando-se rápido e
segurando-a pelo braço.
- Sim, o sr. Magnor está dormindo profundamente.
Creio que o pior já passou.
Com movimentos vagarosos, Gar a conduziu até a
porta da frente.
— O que há de errado com Eric?
Leah deu de ombros.
— Não sei com certeza. Ele só tem uma dor nas
costas que deve ter sido causada pelas distensão dos
músculos por causa da febre e dos tremores. E difícil
dizer se tem uma infecção na garganta ou em outra
parte qualquer do corpo. — Virou-se para olhar Sarah
Perkins que descia as escadas de mármore.
— Vou abrir a porta para a senhora, sra. Lundstrom.
— Obrigada, Sarah. E cuide para que seu patrão
tome água de hora em hora. O corpo dele precisa ser
hidratado, a água sempre ajuda a eliminar infecções. E,
caso a febre volte, prepare um chá com as ervas que
deixei e faça-o beber uma xícara cheia.
— Sim, senhora farei isso. Thomas está com ele
agora. Depois vou levar uma jarra de água fresca para
deixar no quarto. — Apesar do cansaço, a governanta
estava ereta e sem um único fio de cabelo fora do Lugar
quando abriu a porta da frente e se despediu de Gar e
Leah.
— Voltarei aqui na terça-feira — Leah prometeu.
- A não ser que ele piore amanhã. Se isso acontecer,
mande o cocheiro me buscar na fazenda que virei vê-lo.
Sarah assentiu novamente.
— Pode ficar tranqüila, senhora. Cuidaremos bem
dele. E tenho certeza de que meu patrão gostará muito
de vê-la retornar a esta casa.
Leah agradeceu e cambaleou levemente enquanto
seguia até a carroça de Gar.
Ao vê-la cambalear, Gar passou-lhe o braço pela
cintura e a trouxe para junto de si.
— Você está bem? — indagou preocupado. Então,
sem esperar por uma resposta, ergueu-a do chão e
cuidou de acomodá-la no assento de couro.
Leah aceitou o gesto sem reclamar. De repente, um
grande cansaço a dominava. Era como se estivesse qua-
se sem forças. No entanto, esta não era uma situação
nova para ela. Havia ocasiões em que tivera de passar
não só uma noite mas também alguns dias velando pela
saúde de seus pacientes. Essa noite, no entanto, sentira
algo inteiramente diferente dos acontecimentos
anteriores. Sim, era como se conhecesse o paciente há
muito, muito tempo e houvesse laços incompreensíveis
unindo-os num só espírito, por isso, agora se sentia tão
fraca quanto o próprio Eric Magnor. Como poderia ser?
Leah não sabia e nem pretendia explicar o inexpli-
cável, assim, ergueu os olhos e olhou para a janela do
quarto no segundo andar, onde o mordomo velava pelo
sono do patrão.
— Espero que fique tudo bem — murmurou
suspirando.
— Vai ficar, querida. Vai ficar. Agora repouse sua ca-
beça em meu ombro — Gar sugeriu com ternura,
colocando os animais em movimento e aproximando-se
mais dela.
Leah obedeceu e, ao fechar os olhos, ouviu-o sus-
surrar outra vez:
— Leah, ah Leah! — Era apenas o som de seu
nome, mas preferido de uma forma tão carinhosa e
gentil que a fez sentir-se abraçada e amada como uma
criança que procura o colo da mãe para protegê-la do
mundo. Leah…
O bebê se ajeitou em seus quadris à medida que
Leah entrava no armazém geral. Um dos braços cheios
de dobrinhas de Karen estava nas costas de Leah, onde
a mãozinha atrevida mexia-lhe na trança que deixara
solta, a outra mão a menina erguia para acenar para as
pessoas que a cumprimentavam.
Ah, não havia nada como um bebê para ajudar
alguém, pensou Leah, respondendo aos cumprimentos
e sorrisos ao mesmo tempo que caminhava para o
balcão.
Bonnie Nielsen a observou com o cenho franzido
enquanto passava o dedo sobre o nariz de Karen.
— Você parece exausta, Leah. Por acaso dormiu um
pouco?
- Claro. Eu tirei um cochilo ontem. O pobre Gar que
teve de trabalhar o dia inteiro nas plantações para
ajudar os rapazes.
— Por falar nisso, meu irmão afirma que seu Gar é
um bom homem — Bonnie contou, apoiando-se sobre o
balcão. — Lars disse que ele trabalha duro e que
também paga bem a seus ajudantes. Leah concordou.
— Sim, Gar é justo e se dá muito bem com seus aju-
dantes. Até mesmo permitiu que Benny Warshem cons-
truísse uma casa perto do campo de feno. Banjo vai para
casa todas as noites, mas ele e seu irmão chegam à
fazenda bem cedo, logo depois do café da manhã.
— E você veio à cidade sozinha hoje? — Bonnie
indagou, espiando por sobre o ombro de Leah para ver
se mais alguém cruzava a porta envidraçada.
- Não. Gar mandou Lars comprar um pouco de
madeira na serraria. Está construindo baias novas no
estábulo para acomodar melhor as éguas.
— E você já visitou seu paciente? — a filha do dono
do armazém quis saber.
O fato de todos ao redor delas se calarem
abruptamente fez Leah perceber que já sabiam do que
acontecera e estavam interessados em suá resposta.
— Não, não vi, mas depois daqui irei até lá e Lars
deverá me apanhar quando sair da serraria.
— Ouvi dizer que foi o próprio dr. Swenson quem
pediu sua ajuda, Leah — a sra. Pringle apressou-se em
dizer. — A casa de Eric é mesmo tão elegante quanto
aparenta por fora?
Leah ignorou á curiosidade excessiva das perguntas
e respondeu apenas o que julgou ser correto.
- É verdade, eu fui visitar o sr. Magnor.
- Eric é um homem muito gentil — Eva Landers
declarou, saindo de sua escrivaninha no canto da loja e
caminhando até Leah. Estava segurando um envelope
nas mãos, o que fez com que o coração de Leah batesse
descompassado. — Isto é para seu marido — anunciou
Eva.
Leah suspirou e aceitou o envelope que lhe era en-
tregue. Dois meses já haviam se passado desde o dia
em que recebera a carta de Anna Powell e talvez ti-
vesse se preocupado à toa. Provavelmente, ninguém
mais estaria procurando uma parteira que desaparecera
de Chicago após a morte do bebê dos Taylor. Ou, pelo
menos, era nisso que desejava piamente acreditar.
A mansão de Magnor ficava a pelo menos um qui-
lômetro do armazém e as pernas de Leah já começavam
a dar sinais de cansaço, o que se agravava por ter de
carregar Karen nos braços e também ser obrigada a
parar várias vezes no caminho para responder os
cumprimentos dos moradores da cidade, além de
perguntas sobre a saúde de Eric, já que todos tinham
ouvido falar sobre o que acontecera no domingo. As
notícias se espalhavam depressa em Kirby Falls e isso
era um dos inconvenientes de uma cidade pequena,
porém, Leah sabia que muitos dos que a interrogavam
tinham interesse genuíno na melhora do dono da
serraria.
O sol brilhava forte quando ela finalmente subiu os
degraus que conduziam à porta da frente da casa
branca e ergueu o punho para tocar o sino preso na
madeira entalhada.
Quase que imediatamente, Sarah atendeu, receben-
do-a com um sorriso de boas vindas.
- Ah, sra. Lundstrom, que bom vê-la. O patrão está
perguntando pela senhora desde que acordou. — Fez
Leah entrar no hall e depois a conduziu até outro par de
portas que se abriam na sala de visitas. — Sr. Magnor, a
sra. Lundstrom acaba de chegar — anunciou com
exagerada satisfação.
- Sra. Lundstrom — Eric Magnor surgiu a sua frente,
tomou-lhe a mão nas suas e beijou-a como um
cavalheiro deveria fazer. — Por favor, entre em meu
estúdio. — Seu olhar recaiu sobre Karen e então voltou-
se para Sarah que entendeu perfeitamente a
mensagem.
— Deixe-me cuidar do bebê — a governanta se ofe-
receu. — Pode ficar tranqüila que vou levá-la para
cozinha e lhe dar um biscoito.
Leah entregou a menina de bom grado, pois seus
braços já estavam adormecidos por carregá-la durante
tanto tempo, e logo se viu conduzida ao interior do
estúdio de Eric Magnor.
Aquele era um aposento impressionante. Duas das
paredes eram cobertas por enormes prateleiras repletas
de livro e na parte dos fundos ficava uma imensa janela
enfeitada por cortinas de renda branca com xale em
veludo verde-musgo. Havia também uma grande
escrivaninha de carvalho, sobre o qual estavam diversos
papéis e livros.
Diante da lareira de mármore branco estavam dis-
postas duas cadeiras e foi exatamente para lá que Eric a
conduziu.
— Queira se sentar, por favor, madame. — A voz
dele estava trémula e rouca, talvez por causa da doença
ainda, Leah ponderou.
— Obrigada, senhor. — Escolheu a cadeira mais
perto da porta e acomodou-se no assento confortável.
- Ah, meu bebê estava tão pesado que estou
sentindo meus braços adormecidos — contou com um
riso suave. — Da próxima vez virei de carroça até sua
casa.
- Espero mesmo que o faça, senhora — Eric atalhou
franzindo o cenho. — Não é fácil caminhar com uma
criança pesada nos braços. Se tivesse pedido, teria
mandado o cocheiro buscá-la.
Leah recusou a oferta com movimento de cabeça.
— Ah, não! A carroça de meu marido está aqui perto
serraria. Gar mandou o jovem Nielsen buscar algumas
madeiras para construir baias novas e eu vim com Lars
para a cidade. O rapaz também deverá passar aqui para
me apanhar e levar-me para casa.
- Não quero lhe causar nenhum inconveniente, sra.
Lundstrom. Já tenho uma grande dívida para com a
senhora. — Eric Magnor inclinou-se para frente na
cadeira e explicou: — Chamei Berg Swenson outras
vezes quando estive doente, mas nunca fiquei tão abor-
recido com a incompetência dele quanto agora. Swen-
son não tinha a menor noção do que fazer para me
ajudar. Imagine que pensou até em colocar um pouco de
bálsamo na sola de meus pés para ajudar a febre baixar.
— O olhar consternado que acompanhou tal revelação já
falava por si só.
Não era preciso ser muito esperto para descobrir
que o velho médico perdera todo o crédito com o dono
da serraria, Leah deduziu, mas absteve-se de fazer
qualquer comentário.
- Estou em dívida para com a senhora, era. Lunds-
trom. — Eric ficou em pé e caminhou até a lareira.
- Mas, além de minha gratidão, também gostaria
que aceitasse minha amizade. Creio que podemos ser
amigos, não? Quero que saiba que tudo o que tenho
nessa vida está a seu inteiro dispor.
Leah sentiu uma estranha emoção pulsar em seu
peito.
- Por favor, ar. Magnor, não pedi um único centavo
por ter vindo ajudá-lo. Sua oferta de amizade, para mim,
já é um pagamento mais do que suficiente. Não estou
precisando de nada e sua recuperação é o que me deixa
mais feliz nessa história toda. Também é reconfortante
saber que ganhei um amigo.
— A senhora é uma mulher muito especial. — Ele
fez uma pausa e o queixo tremeu um pouco, como se
estivesse tendo dificuldade em controlar suas emoções.
- Posso chamá-la de Leah? Não quero ser
presunçoso, mas sinto como se já nos conhecemos há
tempos.
— Leah está bem para mim — respondeu com sin-
ceridade. — Vim aqui hoje porque queria ver se está
plenamente recuperado, sr. Magnor e também porque
prometi que o faria. O senhor não teve mais febre, teve?
Ele negou com um movimento de cabeça.
— Não tive nada. Acordei ontem de manhã, ou me-
lhor, à tarde, sentindo-me refrescado. Talvez tenha sido
por causa dos galões de água que meu ajudante
despejou em minha garganta durante toda a noite. E,
pelo que ouvi, Thomas só estava seguindo suas ordens.
Leah riu diante do bom humor dele.
— Minha mãe sempre dizia que beber bastante a
água era como dar uma boa lavada por dentro de nosso
corpo e por isso ajudava a curar muitas doenças. Fico
feliz que esta velha crença de família o tenha ajudado a
se recuperar. Precisou tomar mais chá ao longo da
noite?
— Não, graças a Deus. O gosto era forte e amargo
demais. De qualquer forma, seja qual for a origem das
ervas que usou, preciso reconhecer que funcionaram
direitinho. E, pode estar certa, minha boa senhora, que
nunca mais mandarei chamar o dr. Swenson quando eu
estiver doente.
Um leve rubor tingiu as faces de Leah.
— Ora, estou certa de que o velho doutor tem seus
talentos. Nem todo mundo usa o tipo de remédios que
minha mãe me ensinou a fazer com as ervas.
— Sua mãe também era uma curandeira? — A voz
de Eric Magnor estava baixa e contida quando ele voltou
a se aproximar de onde Leah estava sentada. — Onde
vocês moravam, quero dizer, você e sua mãe?
Leah forçou-se a sorrir.
- Na cidade grande. Fomos para lá há muitos anos e
mamãe… — Ergueu as mãos do colo e movimentou-as
de forma a dar o assunto por encerrado. — Estou certa
que o senhor não vai querer ouvir essa história
enfadonha. Basta dizer que acabei voltando para Kirby
Falls há alguns anos, porque a cidade grande não é para
mim.
- Sente-se melhor aqui? — indagou o velho senhor,
seus olhos fitando-a num misto de ternura e interesse
enquanto esperava por uma resposta.
— Sim — Leah confirmou, notando o véu de tristeza
que encobria os olhos de Eric Magnor. — Mas é melhor
sentar um pouco, senhor. Precisa poupar suas forças
para ficar completamente bom.
Surpreendentemente, Eric assentiu e acomodou-se
na cadeira ao lado.
- Confesso que ainda estou um pouco fraco, mas
meu apetite está ótimo, Leah. Como já disse, acho que
foram os remédios que me deu que me ajudaram a estar
em pé hoje. — Sorriu de maneira afetuosa e, com um
leve meneio de cabeça, acrescentou: — Ficaria muito
feliz se viesse me visitar outras vezes. Gosto muito de
sua companhia.
Leah abaixou a cabeça, talvez para ocultar o leve
sorriso que tais palavras suscitaram. Nunca antes tinha
sido tão prontamente aceita por alguém, exceto pelo
doce Kristofer e Karen, é claro. Até mesmo Gar…
Bastou pensar nele para se lembrar de todos os de-
veres que a esperavam na fazenda. Além do quê, Gar
deveria estar esperando pela madeira para começar a
construir as baias e logo iria querer seu jantar. O fato de
Ruth ter lhe prometido que ajudaria na casa se fosse
preciso, não lhe dava o direito de abusar da boa vontade
da mulher. Era sua obrigação cuidar do bem-estar da
família e ficar sentada aqui, nesta sala absolutamente
maravilhosa, conversando sobre amenidades, era muita
irresponsabilidade de sua parte.
— Preciso ir — disse e levantou-se, mas gesticulou
para que seu anfitrião permanecesse sentado. — Por
favor, sr. Magnor, não se levante. Posso muito bem
encontrar a saída. — Exibiu um breve sorriso. — Só que
primeiro preciso encontrar meu bebê. Estou certa de
que sua governanta não está preparada para as
peraltices e exigências de Karen, ela é uma menininha
muito sapeca.
Eric Magnor inclinou-se em sua direção, mesmo sem
se levantar.
— Você é feliz, Leah? — As palavras estavam im-
pregnadas de uma urgência inexplicável e o olhar que
lhe dirigiu exibia um interesse desmedido. — Sei que
sua vida pessoal não é de minha conta — apressou-se
em dizer —, mas acontece que me preocupo com seu
bem-estar. Afinal, cuidou do meú como ninguém jamais
havia feito antes.
Leah virou-se a fim de avaliar o homem que tinha
pedido sua amizade e que agora lhe fazia perguntas
íntimas, mas não viu nenhum sinal de malevolência em
tal gesto, muito pelo contrário, ele parecia estar
genuinamente interessado em sua felicidade e inspirava
confiança, como se fosse o velho tio favorito que ela
nunca tivera.
— Sim, tenho uma vida boa na fazenda —
respondeu apressadamente. — O sr. Lundstrom me trata
multo bem — acrescentou, sabendo que todos na cidade
comentava que Gar só se casara para ter alguém que
cuidasse dos filhos e da casa.
Eric assentiu.
- Imaginava mesmo que tratasse. Até onde sei,
Garlam é um homem honrado.
Leah virou-se para a porta e descobriu Sarah parada
lá, com Karen adormecida em seus braços.
- Ela dormiu antes mesmo de comer alguma coisa —
sussurrou, relutante em entregar-lhe o bebê de volta. De
qualquer forma, Leah pegou a filha de seu coração e
rumou para o hall de entrada da suntuosa mansão. A
carroça da fazenda já estava na metade da ladeira que
levava à frente da casa e, em questão de minutos, Leah
já havia se acomodado ao lado de Lars Nielsen e Karen
continuava adormecida em seus braços.
Ela olhou para trás enquanto Lars virava a carroça
numa espécie de circulo para retornar por onde viera e
divisou um vulto escuro atrás de uma das janelas
envidraçadas, provavelmente a do estúdio. Ergueu a
mão para acenar e sorriu quando Eric Magnor retribuiu
seu gesto.
Ele estava bem, quase totalmente recuperado, e
Leah sentia uma grande satisfação ao pensar que
colaborara pana o bem-estar de um ser humano. Por
certo, Gar também ficaria feliz ao ouvir as boas notícias.
— O quê?! Ele quer ser seu amigo? Você tem de ter
senhoras como amigas, Leah. Eric Magnor pode ser meu
amigo, não seu. Não é correto pana uma mulher visitar
um homem que vive sozinho e ainda por cima chamá-lo
de seu amigo!
Ah, nunca deveria ter contado a ele sobre a
conversa que havia tido com Eric!, Leah ponderou com
um suspiro. Estava atrasada com o jantar por ter
passado grande parte do dia fora e por isso corria de um
lado para outro servindo o frango em molho e o purê de
batata que acabava de preparar.
- Pois saiba que o que eu disse não significa que
passarei horas visitando o pobre homem, Garlam
Lundstrom. Ele simplesmente me agradeceu pela ajuda
e pediu que o considerasse como um amigo. Como eu
não tenho muitos, achei que era uma boa idéia aceitar a
oferta. Agora, se você não gostou, o problema é seu. O
que está feito está feito! — exclamou, dando-lhe as
costas.
O grunhido dele a preveniu de que estava muito
zangado.
Ah, Leah ainda iria levá-lo a loucura com eu gênio
indomável e atitudes desafiadoras!, Gar pensou exas-
perado. Ela estivera fora durante toda manhã e boa
parte da tarde e embora soubesse que a viagem até
Kirby Falls não tivesse levado muito mais tempo do que
o necessário, Gar se irritava. Principalmente quando se
lembrava de ter ficado de olho na estrada esperando a
carroça da fazenda regressar com seus passageiros e o
carregamento que pedira.
Havia dito a si mesmo que era a madeira que es-
perava com tanta impaciência, mas, bem lá no fundo,
sabia que estava ansioso para ter Leah de volta.
O beijo que lhe roubara na varanda não tinha sido
suficiente. E ainda assim fora muito mais do que espe-
rava. Como Leah conseguia ser tão imprevisível? Ao
mesmo tempo que reagia a um beijo seu como uma
virgem inexperiente, era capaz de lhe dizer “se não
gostou o problemas é seu”. Como podia ser tão ousada?
Uma mulher não deveria ser tão rude com o marido,
deveria?
De súbito, Gar ficou em pé ignorando o fato de a
cadeira ter caído no chão com a impetuosidade de seu
gesto. Com dois passos cruzou a distância que os se-
parava e no momento seguinte segurou-a pela cintura,
erguendo-a e colocando-a sentada sobre o balcão da
cozinha, entre o moinho e torradeira de café.
- Garlam Lundstrom! O que você está fazendo? —
esbravejou Leah, suas palavras abafadas pela palma de
uma mão enorme que lhe cobria a boca.
- Estou colocando as coisas em seus devidos lugares
em minha cozinha — replicou ele num tom mordaz.
— “Minha cozinha”! — corrigiu-o. — E trate de me
colocar no chão agora mesmo.
— Somente depois de entrarmos num acordo, mo-
cinha — Gar declarou, inclinando-se de forma que seus
olhos se encontrassem. — Você tem uma língua muito
afiada. Será que nunca ninguém lhe disse que isto
acabaria colocando você em maus lençóis?
- Pai? Você está bravo com a dona Leah? — Kristofer
interferiu, remexendo a comida no prato que tinha
diante de si.
- Ah, veja só o que você fez! — Leah resmungou,
preocupada com o menino.
- Pode ficar tranqüilo, Kris, que não estou bravo com
Leah — falou suavemente com o filho.
Leah inclinou-se para frente, tentando descer do lu-
gar onde fora colocada, e Gar inalou o cheiro de canela e
maçã que emanava dela, por causa da torta que
colocara no forno poucos minutos antes.
Esse aroma mesclado ao cheiro natural da pele alva
e acetinada atuou como um afrodisíaco sobre seu corpo
vulnerável, e, sem poder se controlar, Gar cobriu a boca
de Leah com a sua.
Os lábios fartos estavam quentes e macios, e, a me-
nos que estivesse muito enganado, aqueles lábios tam-
bém ansiavam por provarem o gosto dos dele. Animado
com a descoberta, Gar sugou-lhe o lábio inferior, antes
de se concentrar no superior e forçá-la a abrir mais a
boca para vasculhá-la com a língua experiente.
O gemido que ela emitiu era típico de uma mulher
que reconhece a urgência e a necessidade do desejo
físico que a acomete.
Então, ao vê-la apoiar-se em seu peito, Gar sentiu
uma onda de prazer invadi-lo. Céus, os seios redondos e
firmes estavam pressionados contra seu tórax, dei-
xando-o ainda mais consciente da beleza e feminilidade
de tais atributos e obrigando-o a conter seus próprios
gemidos para não assustá-la.
No entanto, uma sonora batida na porta o trouxe de
volta à realidade, ainda que a contragosto.
— Sim? — Gar respondeu, ainda sentindo o sabor
dos lábios doces que estiveram colados aos seus.
— Gar? Um dos novilhos ficou preso no atoleiro e
precisamos tirá-lo de lá — gritou Banjo Kemmel da
varanda dos fundos da casa.
— Está bem, já vou — Gar prometeu ao empregado
cuja silhueta podia ser vista através da tela da porta e
seus olhos voltaram a se concentrar na mulher que
ainda estava em seus braços. Suas narinas pulsaram
enquanto respirava fundo pana sentir-lhe o perfume
mais uma vez e seus braços a apertaram com força,
hesitando em deixá-la.
Leah o fitou languidamente, as mãos apoiadas no
peito viril do marido e a boca entreaberta como se ainda
não tivesse se refeito do beijo que haviam partilhado.
— Gar? O que… Gar?
Ele a colocou no chão, segurando-a pela cintura
com mãos firmes.
- Preciso sair para desatolar aquele novilho, Leah —
falou com voz rouca.
— Está bem, então me solte — disse ela, recompon-
do-se e olhando de soslaio para Kristofer que assistia à
cena em silêncio. — Kris e eu vamos dar comida pana
Karen enquanto você cuida dos animais — acrescentou,
sorrindo para o menino. — Coma querido.
— Sim, dona Leah. — Parecendo mais tranqüilo, Kris
abaixou a cabeça e levou uma porção de frango aos
lábios. — Ah, está comida parece ótima — elogiou,
observando o molho suculento e o purê que fora dis-
posto em seu prato, enfeitado com algumas folhas de
ervas finas da horta da fazenda e bolinhos quentes.
— Humm, parece mesmo — Gar concordou, o arre-
pendimento tingia suas faces de vermelho. Nunca de-
veria ter beijado Leah na frente do filho. — Senão for
pedir muito, Leah, guarde um pouco no forno para mim
e para Banjo, porque ele certamente deverá jantar aqui
esta noite. Devemos demorar um pouco para desatolar
aquele novilho e com todos irmãos e irmãs que Banjo
tem, não vai sobrar nada na panela quando ele chegar
em casa.
- Pode deixar — prometeu ela, voltando a se con-
centrar na comida e dando-lhe as costas.
Bem, depois do que acontecera, até que era um mi-
lagre que ela estivesse respondendo às suas perguntas,
concluiu Gar, girando nos calcanhares e saindo para o ar
fresco do final de tarde.
Encontrou Banjo no meio do pátio, selando os ca-
valos que usariam para ajudá-los a tirar o novilho do
atoleiro. E, mesmo durante todo o tempo que se con-
centrou no trabalho, mergulhando na poça de lama que
havia no pasto atrás do celeiro, Gar não deixou de
pensar em como fora bom beijá-la. Deveria ser muito
melhor ainda tê-la sob os lençóis de sua cama….
CAPITULO VIII
O bolo de lama grudava em seus pés e pernas e
pingava pelo chão à medida que caminhava, cada passo
exigindo mais esforço do que o habitual. As botas que
carregava pareciam pesar muito mais do que se
lembrava. Gar estava encharcado até os ossos e sua
mente voltou-se para o frango em molho e o purê que
Leah deixara no fogão. Claro que, a esta altura, o
bolinho de massa já deveria ter perdido a consistência,
mas, com a fome que ele sentia, isso pouco importava.
Banjo estava alguns passos atrás do patrão, pare-
cendo alegre e orgulhoso pela façanha que acabavam
de realizar.
— Sr. Lundstrom, o senhor laçou aquele danado e
puxou-o como eu nunca vi ninguém fazer antes.
E era verdade, mas o fato de ter precisado entrar na
lama até os joelhos diminuía um pouco a satisfação de
Gar pela tarefa realizada, por isso, ele se limitou a
concordar com um leve menear de cabeça.
— Será que dona Leah guardou alguma coisa para
nós comermos, sr. Lundstrom? — Banjo rumou para a
bomba d’água, ligando-a e colocando a cabeça sob o
jato para molhar os cabelos e o rosto. — Uau! — ex-
clamou, antes de passar os dedos por entre as madeixas
escuras e esfregar as mãos embaixo da água gelada.
A simples idéia de precisar se lavar na água fria fez
Gar virar na direção da varanda.
— Leah! — chamou, pois a vira na janela minutos
antes. Com um pouco de sorte, talvez houvesse água
quente no reservatório que mantinham na cozinha e 1
pudesse se lavar com ela. — Leah! — gritou outra vez, e
logo a viu surgir na porta da cozinha.
Ah, Leah deveria ter lido sua mente!, Gar concluiu,
agradecendo aos céus ao vê-la carregando uma enorme
bacia com água fumegante.
— Estou aqui, Gar. Você nem me deu chance de
responder direito. Demorei um pouco para sair porque
precisei encontrar uma bacia que fosse grande o bas-
tante para caber. seus pés.
— Meus pés? — ele parou na grama, abaixo do úl-
timo degrau da varanda, e a observou colocar o reci-
piente de alumínio no assoalho de madeira. Uma toalha
estava pendurada em seus ombros e também um
paninho para se esfregar. Como se não bastasse, Leah
pegou uma barra de sabão do bolso do avental e es-
tendeu-a na direção do marido.
— Vou empurrar a bacia um pouco mais para frente
e você poderá esfregar as mãos e o rosto primeiro,
depois suba até aqui e cuidaremos de seus pés.
— Cuidar de meus pés?! — repetiu ele, não enten-
dendo direito quais eram os planos dela. Ao abaixar-se e
lavar o rosto e as mãos, teve de admitir que a água
quente era um alívio para alguém cuja coceira já havia
se espalhado por todos os pontos onde a lama havia
grudado. Por sorte, a água quente era o bastante para
dissolver os resíduos enquanto esfregava a pele das
faces.
— Ah, agora já está se parecendo mais com um ser
humano — Leah atalhou num tom provocante.
O alívio o fez dar um longo suspiro. Ela não estava
zangada. Não ficara brava por tê-la beijado a força antes
de sair da cozinha. Isso era muito bom!
Surpreendendo-a ainda mais, Leah o fitou demora-
damente por sob os longos cílios dourados.
— Está parecendo terrivelmente cansado, sr.
Lundstrom.
— Sim, estou mesmo. Mas o pior já passou. O
novilho está seguro em terra firme e eu também estou
quase limpo, graças à voce. — Curvando-se sobre a
bacia, uniu as mãos em concha, encheu-as de água e
jogou-a nos braços. — Eu estava com medo de enfrentar
a água fria da bomba — confessou.
— Acho que estou precisando arrumar uma boa es-
posa para mim, sr. Lundstrom. — .Banjo disse, um pouco
mais atrás. — Afinal, quero ser tão bem tratado quanto o
senhor. Essa é uma vida de rei, não?
Gar fitou o empregado com uma expressão
divertida no olhar. Seu humor tinha melhorado bastante
graças ao gesto atencioso de Leah.
— É uma boa idéia, Banjo, mas pode procurar em
outro lugar, meu caro, porque esta já tem dono: é
minha.
— Suba na varanda, Gar — Leah orientou-o, mo-
vendo a bacia mais para a beirada do assoalho de ma-
deira. — Segure-se naquele pilar e estique o pé em cima
da bacia para mim.
Ele a fitou intrigado. O que Leah estaria planejando?
Mesmo sem entender, fez o que era dito. Incrédulo,
observou-a se ajoelhar, segurar seu pé com as mãos e
começar a esfregá-lo com o pano cheio de espuma.
As mãos de Leah trabalhavam rapidamente, esfre-
gando-lhe não só os pés mas também a parte inferior
das pernas.
— Agora pise aqui — instruiu-o, colocando a toalha
limpa no chão e mandando-o se secar.
Em questão de minutos, Leah já tinha terminado a
outra perna e pé e se levantava para jogar a água suja
no terreiro, do outro lado da varanda. Quanto ao
paninho de esfregar, pendurou-o numa corda que man-
tinha na varanda, como uma espécie de varal impro-
visado. Então, com as mãos nos quadris, fitou-o com um
brilho divertido no olhar.
— O que está esperando, Garlam? Eu só lavei, não
pretendo secar também — declarou empertigada. —
Agora vou tirar seu jantar do fogão — disse, antes de
girar nos calcanhares e entrar na casa.
- Acho que o senhor vai ter de se enxugar sozinho,
patrão — Banjo riu. — E rápido, porque dona Leah já
está mexendo nas panelas.
— Sim, tem toda razão, meu caro — concordou e
executou a tarefa o mais rápido que pôde. Poucos mi-
nutos depois, já estavam sentados à mesa, provando do
jantar que fora requentado.
Banjo comeu rapidamente e ainda limpou o prato
com um pedaço de pão de milho que Leah fizera no dia
anterior. Assim que terminou, o rapaz se levantou e
seguiu para a porta.
- Estarei aqui amanhã bem cedo, patrão — pro-
meteu alegremente. — E obrigado outra vez pelo jantar,
dona Leah.
O ajudante se foi e Gar passou a comer mais
vagarosamente, as dores de estômago minimizadas
pelas porções generosas que já engolira. Foi naquele
exato momento que observou Leah trazer Karen da sala
de estar, onde costumava colocá-la sentada no tapete
com uma porção de brinquedos, para a cozinha.
O bebê esticou o bracinho rechonchudo para o pai.
— Ela sentiu sua falta durante o jantar — contou
Leah, sentando-se na cadeira de balanço com a menina
no colo. Havia uma camisola de flanela e uma fralda
limpa bem ao lado, e, em pouco tempo, a pequenina já
estava pronta para dormir.
— Nunca alguém lavou meus pés — Gar comentou,
as palavras escapando-lhe dos lábios antes mesmo que
pudesse perceber o que fazia.
— Ah, mas eu aposto que sua mãe lavou sim, e
mais de uma vez, meu caro — gracejou Leah, beijando a
palma das mãos de Karen e fazendo com que a garota
risse divertida.
— Você sabe exatamente como agradar Karen —
murmurou Gar, comendo o último pedaço de frango que
tinha no prato. — As vezes, fico me perguntando se
Hulda fazia isso com Kristofer quando ele era um bebê.
Não consigo me lembrar de vê-la rindo e brincando com
o filho.
— Claro que brincava. Você não lembra porque tal-
vez não tenha prestado atenção — argumentou ela,
fitando-o por sobre a cabecinha de Karen. — Tenho
certeza de que Hulda era uma mãe muito dedicada.
— Sim, ela era muito boa para o garoto. Más era
sempre tão quieta e calada, em certos momentos me
parecia quase triste. — Levantou-se da cadeira e levou o
prato à pia. — Acho que não devo falar sobre Hulda com
você, não é?
Leah negou com um movimento de cabeça.
— Pode falar sobre sua falecida esposa todas as ve-
zes que quiser, Gar. Ela foi parte de sua vida e mãe de
seus dois filhos.
— Sim, e essa pequenina que tem nos braços nem
chegou a conhecê-la. Vai pensar que…
— Diremos a verdade a Karen quando ela tiver
idade para entender — Leah o interrompeu. — Ela
precisa saber que a mãe deu a vida para que ela
pudesse nascer e viver.
- E assim que vê o que aconteceu com Hulda? —
inquiriu Gar, arqueando as sobrancelhas escuras. Por
alguma estranha razão, esta explicação nunca tinha lhe
ocorrido. Nem pensara que uma vida fora dada para que
outra pudesse existir. Ainda assim, isso fazia muito
sentido. Hulda sabia os riscos que corria e aceitara-os
sem reclamar e de bom grado.
- Claro. Hulda queria te dar outro filho e ela o fez. Se
quer saber, acho que morreu feliz, Gar. Ela sabia que o
bebê tinha sobrevivido. Ouviu Karen chorar e depois
beijou-a na testa. Estava com os lábios no rosto da filha
quando morreu.
Ele não sabia disso. Não sabia que Hulda vira a
criança que gerara. Tudo o que conseguia se lembrar
daquela noite era o sangue que cobria o lençol a palidez
mortal do rosto da esposa, depois a bagunça que Leah
limpara sozinha.
- Você nem me deixou ajudá-la — disse, com a
mente perdida em meio às lembranças das horas ter-
ríveis que sucederam o nascimento de sua filha.
- Aquele não era lugar para você, Gar — Leah co-
mentou, ninando a criança e impulsionando a cadeira de
balanço num ritmo suave. — Lembro-me que minha mãe
sempre dizia que homens nessas horas só atrapalham.
- Mas a culpa de tudo que aconteceu foi minha —
admitiu em voz alta pela primeira vez. — Eu a culpei,
Leah, pois queria muito acreditar que Hulda só tinha
morrido porque você não cuidou dela direito. Agora que
olho para trás percebo que fui injusto. Minha mulher só
morreu porque ficou grávida e isso aconteceu por minha
causa.
Leah o encarou com ternura.
- Não, Gar, Hulda engravidou porque queria outro
filho. Ela me disse isso.
— Não sei; aliás, a única coisa que sei é que vou
carregar essa culpa pelo resto de meus dias — con-
fessou, seguindo para a porta e espiando a noite escura.
— Ela não iria gostar de vê-lo sofrer, ficou grávida
porque queria vê-lo feliz, Gar. Acho que Hulda não tinha
um pingo de egoísmo e por isso se doou inteira para sua
família.
— Sim. — Ele reconheceu a verdade contida em tais
palavras. — E eu não a tratei como deveria. Hulda era
uma boa mulher, mas não consegui me apaixonar por
ela. — Suspirou e virou-se para Leah. — Claro que
gostava de minha esposa, mas este não é o sentimento
que deve imperar em um casamento. Gostar, a gente
gosta de um amigo, mas os laços que nos unem a
alguém com quem constituímos uma família precisam
ser, antes de tudo, de amor.
Leah o fitou, mas não disse nada. Era melhor deixá-
lo continuar.
— Meu pai e o de Hulda combinaram que nos ca-
saríamos assim que tivéssemos idade para fazê-lo e
nenhum de nós teve escolha.
— Como não? Vocês poderiam ter dito não, não
poderiam?
— Não naquela fase de minha vida. Fui criado para
fazer exatamente o que meu pai dissesse — contou Gar.
— Ele me deixou esta fazenda como herança, pois era
seu filho único, e nunca ousei contrariá-lo em nada. —
Suspirou outra vez. — Fui criado assim, Leah, mas
pretendo criar meus filhos de maneira bem diferente.
Eles terão direito a escolher o próprio destino.
— Tenho certeza de que terão — Leah assentiu com
um leve sorriso brincando nos lábios rosados. — Você é
um bom pai, Garlam. E seus filhos te amam muito.
— Nunca antes ninguém lavou meus pés — repetiu,
a lembrança daquele momento sobrepujando tudo o
mais que pretendia dizer.
- Só fiz isso porque não queria que trouxesse toda
aquela lama para dentro de casa. Já passo tempo de-
mais esfregando a sujeira que você traz consigo quando
entra sem limpar os pés — comentou, o sorriso que
brincava no canto de seus lábios conferindo um tom de
gracejo ao comentário.
- Vou tentar ser mais cuidadoso de agora em diante
— prometeu Gar.
- Não se comprometa tanto — Leah o preveniu. —
Porque depois posso cobrá-lo, sr. Lundstron.
Gar riu.
- Sei que cobrará. Mas, diga, não quer que eu leve
Karen para a cama? — perguntou, vendo-a levantar da
cadeira com o bebê adormecido nos braços.
- Não, eu mesma a levo. Você poderia ajudar Kris-
tofer com os números. Ele está na escrivaninha da Bala.
Passei-lhe algumas contas para fazer.
Gar viu-a deixar a cozinha e ouviu-lhe o som dos
passos no assoalho da escadaria. Seu olhar acompa-
nhou-a, detendo-se no balançar dos quadris arredon-
dados até que Leah chegou ao último degrau.
Ela se virou antes de entrar no quarto de Karen e
durante um longo momento, seus olhares se encontra-
ram. Uma forte emoção os dominou, como se os
sentimentos os unissem num só corpo, uma só alma.
Leah era sua esposa, a mulher que escolhera para si
sem a interferência do pai ou ninguém mais e ele sentiu
um grande orgulho ao imaginá-la como sua. Sim, só sua,
era delicioso pensar nela como a sra. Lundstrom.
Claro que, às vezes, Leah era teimosa e indepen-
dente demais para seu gosto, isto para não falar na
língua afiada que o tirava do sério. Mas esse era apenas
um dos lados da personalidade complexa que estava
mexendo com suas emoções, como nunca acontecera
antes. Ela era uma mulher que naquela tarde fizera algo
que ele jamais esqueceria: Leah lavara-lhe os pés.
Haveria gesto mais sublime e abnegado do que este?
Gar achava sinceramente que não…
— Chegou carta para você, Leah — Eva Landers
disse da escrivaninha onde arrumava o malote que
acabara de receber. Pouco atrás dela havia diversos
escaninhos de madeira com o nome dos moradores de
Kirby Falis, e, à medida que falava, Eva colocava as
cartas e cartões postais nos cubículos devidamente
identificados.
— Já vou pegar — Leah respondeu, seus dedos pro-
curando pelas moedas dentro da bolsinha de couro. No
entanto, o tremor que a percorreu diante da notícia que
acabava de receber a impediu de segurar as moedas e
obrigou-a a virar a bolsa sobre o balcão para encontrar o
que queria. — Acho que tenho o valor exato aqui, Bonnie
— falou, mas um grande branco se apossara de sua
mente e tinha dificuldade de lembrar-se da quantia
exata que deveria pagar pelas compras.
Ao notar-lhe a indecisão, Bonnie inclinou-se sobre o
balcão e pegou três moedas.
— Está aqui, Leah, já peguei — anunciou, guar-
dando as moedas no caixa.
— Obrigada — Leah agradeceu, reunindo o con-
teúdo da bolsa e fechando-a outra vez. — Vou pegar
minha carta.
— Ah, duas cartas em um ano! Você está
começando a ficar popular, Leah — Eva brincou.
O envelope branco estava endereçado
simplesmente a Leah Gunderson, aos cuidados do
agente de entregas postais de Kirby Falis, sem endereço
do destinatário ou do remetente. Leah dobrou-o
rapidamente e o colocou em seu bolso, antes de
agradecer a Eva.
— E de alguém da cidade grande? — Eva
perguntou.
— Deve ser — respondeu evasiva, forjando um sor-
riso. — Acho que Gar já deve ter terminado o que foi
fazer na serraria Eva. E melhor eu pegar o que comprei
e esperá-lo lá fora.
E foi o que ela fez. Depois de pegar os pacotes que
Bonnie preparara, levou-os até a calçada e olhou na
direção da serraria. A cidade ficava sempre muito mo-
vimentada nos dias de pagamento, mas naquele dia
estava ainda mais do que o habitual, com coches e
carroças vindo e indo em todas as direções.
— Bom dia, dona Leah — Brian Havelock saudou-a,
tocando na aba do chapéu e parando a uma distância
respeitável. — Ouvi dizer que senhora visitou o sr.
Magnor na semana passada. Pelo que soube também o
colocou em pé bem depressa.
Leah assentiu.
— Fiquei feliz em poder ajudar, sr. Havelock. — Ora,
certamente Gar já deveria estar a caminho, pensou, sem
dar muita atenção ao jovem. A carroça vermelha poderia
ser avistada de longe e Leah foi até a rua, ansiosa por
vê-lo surgir no horizonte.
— Aposto que Eric Magnor lhe pagou uma verda-
deira fortuna para visitá-lo no domingo de manhã, não
pagou? — Brian comentou, empurrando o chapéu para
traz e mordiscando um palito de dentes.
— O que disse? — Leah estava chocada com as pa-
lavras grosseiras que acabava de ouvir. Será que tinha
se enganado ao julgar Brian como um amigo?
— Ora, a senhora sabe muito bem o que eu quis
dizer. Eric é cheio do dinheiro e deve ter-lhe pedido uma
boa quantia para curá-lo.
— O senhor está passando dos limites, sr. Havelock!
— exclamou ríspida. — Temo que não tenhamos mais
nada a dizer um ao outro.
Brian deu dois passos a frente e esticou a mão a fim
de segurá-la pelo pulso.
— Há muito venho me perguntando o que o
fazendeiro grandalhão fez para convencê-la a se casar
com ele, Leah. Agora acho que já sei. Garlam Lundstrom
está muito bem estabelecido naquela fazenda produtiva.
E você pode ficar tranqüila para o resto da vida, não?
Leah lutou para se libertar, mas o gesto só serviu
para fazer com que Brian a segurasse com mais força
ainda.
— Conte-me, foi bom dormir com um homem da
terra, Leah? — Riu zombeteiro. — Eu te ofereci um bom
lugar para viver nesta cidade e também um marido
jovem e saudável para lhe fazer feliz e aquecê-la no
inverno. Você não deu a menor importância, nem
mesmo apareceu no baile aquele dia que prometeu dan-
çar comigo. — O riso agora estava impregnado de
amargura e desdém. — Perdeu a melhor chance de sua
vida, minha cara.
— Pois saiba que nunca achei sua proposta, muito
menos você, atraente, sr. Havelock — Leah falou por
entre os dentes, com medo de que a conduta deles co-
meçasse a chamar a atenção. — Quanto a não ter ido ao
baile, sabe muito bem por que não o fiz. Tive de cuidar
de Karen, foi naquele sábado que o pai a trouxe para
mim. E tem mais, meu marido ficaria muito zangado se
soubesse o que o senhor acaba de me dizer.
— Bem, duvido que a senhora tenha coragem de
contar a ele — Brian a desafiou. — De qualquer forma,
não se esqueça de que quando se cansar de seu fa-
zendeiro poderá vir me procurar. Passaremos bons mo-
mentos juntos, minha querida.
Leah puxou o braço com força e finalmente conse-
guiu se libertar dos dedos de aço. Tremia ao dar dois
passos atrás.
— Nunca mais ouse pôr suas mãos imundas em
mim, Brian Havelock! — grunhiu num tom baixo e
controlado, mas nem por isso menos ameaçador. —
Tenho acesso fácil a muitas armas de caça de Gar e
estou certa de que posso aprender a usá-las com fa-
cilidade se precisar abater algum animal inoportuno.
Brian riu, mas se afastou.
— Por acaso está me ameaçando, querida?
Leah estava prestes a responder quando uma car-
roça vermelha surgiu mais a frente. Ela deu as costas a
seu antigo pretendente e ergueu a mão para acenar
para Garlam. Quando olhou para o local onde deixara
suas compras, viu que Brian tinha desaparecido rapi-
damente e agradeceu aos céus por isso.
Se ouvisse as barbaridades que Brian ousara dizer a
sua esposa, Gar faria mais do que apenas limpar a
poeira das ruas da cidade arrastando Brian pelos ca-
belos. E não estava nos planos de Leah tomar parte num
espetáculo público em plena rua principal da cidade.
— Você está pronta, Leah? — Gar foi logo pergun-
tando ao parar a carroça e saltar.
— Já trouxe as compras para fora. Estão ali — falou,
apontando para os muitos embrulhos que deixara na
calçada.
— Puxa, hoje comprou a loja toda, não? — Os mús-
culos das costas e dos braços ficaram evidentes quando
ele se abaixou para pegar os pacotes.
Leah o observou acomodar tudo na carroça e depois
fitá-la com ar interrogador.
- Pronta? — inquiriu outra vez, esfregando as mãos
no lenço branco que sempre trazia no bolso.
- Estou. Mas você ainda não precisa passar no
ferreiro?
- Preciso sim, mas não demorarei mais do que dez
minutos por lá — prometeu Gar, ajudando-a a subir na
carroça.
- Se estacionar na sombra eu esperarei do lado de
fora. Assim poderei conferir minha lista com o que tem
aí atrás.
Ele aquiesceu e logo estavam seguindo pelas ruas
de Kirby Falls. Em menos de cinco minutos Gar já
estacionava a carroça sob a copa frondosa do casta-
nheiro que havia diante da oficina do ferreiro.
Gar desceu rapidamente e cumprimentou Sten
Pningle com um aperto de mão. Os dois homens
começaram a avaliar algumas ferraduras e Leah pegou o
leque para se abanar enquanto esperava. Sabia que o
marido precisava encomendar ferraduras novas para os
animais da fazenda e que por certo estava discutindo
preços e condições de pagamento, portanto, não
adiantava ter pressa.
Leah apreciou a paisagem banhada pelo sol de
verão durante algum tempo, depois se concentrou em
manter as moscas afastadas de seu rosto, pois estas se
aglomeravam naquela parte da cidade uma vez que a
estrebaria era ao lado da oficina do ferreiro.
E foi justamente para esse último estabelecimento
que Eric Magnor conduziu o garanhão preto que cos-
tumava montar.
Leah observou animal e cavaleiro e achou que os
dois formavam um belo par, ambos tinham porte ele-
gante e altivo. Sim, porque apesar da idade que tinha o
sr. Magnor ainda era um homem bastante bonito.
Como se pressentisse que estava sendo observado,
Eric virou-se, e, ao notá-la, acenou-lhe gentilmente.
- Atenderei o senhor em um minuto, sr. Magnor —
Sten Pringle apressou-se em dizer, ao ver um de seus
melhores clientes saltar do cavalo e amarrá-lo diante da
loja.
- Não tenha pressa. — O dono da serraria respondeu
num tom polido, então tocou a aba do chapéu e seguiu
para junto de Leah.
- Sra. Lundstrom, que prazer em vê-la! — O cum-
primento era jovial e os olhos acinzentados percorreram-
na de alto a baixo com grande interesse. — Não gostaria
de descer e esperar por seu marido naquele banco
embaixo da árvore? — sugeriu polidamente.
Leah negou com um movimento de cabeça.
— Não, obrigada, senhor. Gar não irá demorar. —
Sorriu e observou que as olheiras tinham quase desa-
parecido do rosto de Magnor, a pele também exibia uma
cor bastante saudável — Felizmente o senhor parece
muito bem. Ninguém diria que esteve tão mal na
semana passada — ela comentou, aliviada por vê-lo
recuperado.
- Sim, estou muito melhor, Leah — respondeu Eric,
usando seu nome de batismo e aproximando-se mais da
carroça. — Não sei nem como lhe agradecer pelo que
fez. Minha governanta e Thomas ainda proclamam aos
quatro cantos como a senhora cuidou bem de mim. Só
espero que agora as pessoas da cidade não resolvam
fazer fila diante da porta de sua casa para pedir ajuda.
Duvido que o sr. Lundstrom apreciaria ter a mulher
solicitada com freqüência.
Leah sorriu, alegre com o reconhecimento a seu tra-
balho. Era estranho, sempre recebera elogios com uma
certa reserva, mas tinha uma empatia inexplicável com
Eric Magnor. Era como se soubesse que as palavras dele
vinham do fundo do coração e que não eram motivadas
por interesses obscuros.
- Como está sua menininha? Minha governanta ficou
encantada com ela e também com o menino que é
muito educado. Imagino que os dois a mantenham
ocupada o dia todo, não?
Um sorriso brincou nos lábios de Leah conforme ela
assentia.
- Bastante. Hoje estão com a esposa de um dos
empregados de Gar, mas confesso que já estou sentindo
saudade. Kris e Karen não são filhos de meu ventre, mas
são os filhos de meu coração. Eu os amo muito. Cuido de
Karen praticamente desde que nasceu e Kris é tão doce
e educado que seria impossível não amá-lo.
- Lundstrom é um homem de sorte por tê-la en-
contrado. E também muito esperto por ter se casado
com você, Leah. Espero que a esteja fazendo feliz.
O comentário foi feito num tom interrogador e Leah
o encarou durante alguns instantes, pensando em como
deveria responder.
- Será que estou sendo muito atrevido ao lhe fazer
tal pergunta? — Eric questionou, perscrutando-a com os
olhos acinzentados.
Ela negou com um movimento de cabeça.
- Não, não está. E, se quer mesmo saber, Gar
Lundstrom é um bom marido e um ótimo pai.
- Fico feliz que seja assim. — Magnor murmurou,
passando os dedos pela lateral reluzente da carroça.
- Se algum dia houver alguma coisa que eu possa
fazer para ajudá-la, Leah, por favor, não hesite em me
dizer. Quero que saiba que minha casa sempre estará
aberta para recebê-la, seja a hora que for. Tenho uma
dívida muito grande para com você.
Leah sentiu um intenso rubor tingir-lhe as faces.
- O senhor não me deve nada, sr. Magnor. De qual-
quer forma, agradeço sua oferta.
- Leah? — A voz de Gar soou um pouco mais alta do
que o habitual e ela virou-se para encará-lo, notando de
pronto a ruga que se formava entre os olhos azuis e a
maneira como as sobrancelhas escuras tinham sido
levemente arqueadas.
— Olá, Gar. Já podemos ir? — perguntou, dobrando
o leque e cuidando de colocá-lo de novo no estojo.
— Ah, sr. Lundstrom, eu estava justamente dizendo
1 a sua esposa o quanto apreciei a ajuda dela no último
domingo — Eric explicou a Garlam, estendendo-lhe a
mão num gesto de cortesia.
Gar aceitou o cumprimento e murmurou um tanto
ríspido:
- Tenho certeza de que Leah ficou feliz em ter
podido ajudar, senhor.
- É evidente que sim. Agora, se me dão licença,
tenho negócios a tratar com Sten. — Tocou de leve na
aba do chapéu, antes de seguir para a oficina do
ferreiro.
Gar subiu rápido na carroça e colocou os cavalos em
movimento, chicoteando com mais força do que seria
necessário.
- O que significa isso? — quis saber ele, após alguns
minutos.
- Isso o quê? — Leah repetiu franzindo o cenho.
Gar fuzilou-a com as íris azuis. As mãos enormes
seguravam as rédeas com tanta força que era possível
ver os nódulos brancos que se formavam nas juntas.
- Sabe muito bem que me refiro ao que Eríc Magnor
estava dizendo para você. Tudo o que precisavam falar
um com o outro já foi dito na última terça-feira. Ele nao
tinha motivos para se aproximar da carroça e ficar
conversando como se fossem velhos conhecidos.
Ah, pelo jeito, Gar estava de péssimo humor e ela
não estava disposta a enfrentar uma discussão logo
agora. Por isso, virou o rosto para o lado e fingiu apre-
ciar a estrada.
- Leah, você ouviu o que eu perguntei?
- Sim, mas não vou responder a um comentário tão
sem sentido quanto o que fez, Gar. Acho melhor
voltarmos para casa em silêncio para não nos arre-
pendermos do que dissermos num momento de raiva.
- Seja como for, saiba que não quero que fique
conversando com Eric Magnor no meio da rua. Não gosto
da maneira como ele olha para você.
Leah continuou ignorando-o, embora interiormente
não conseguisse deixar de pensar que no olhar em que
Gar via maldade ela enxergava apenas uma genuína
afeição, quase paterna, se é que podia defini-la assim.
Durante a meia hora que se seguiu, nenhum dos
dois voltou a falar, então, como se não pudesse mais
suportar o silêncio, Gar anunciou:
- Amanhã o ferreiro irá a fazenda para fazer a
ferradura de alguns dos animais. Convidei-o para al-
moçar conosco. Espero que não se importe.
- Claro que não. Afinal, a casa é sua é pode convidar
quem quiser.
- A casa é nossa, Leah. Já lhe disse isso.
Leah não respondeu ao comentário e Gar suspeitou
que ela não voltaria a falar antes que tivesse esquecido
o assunto. E tudo porque não gostara de vê-la conver-
sando com Eric Magnor no meio da rua!
Leah ouviu-o resmungar alguma coisa, mas não lhe
deu a menor atenção. Já estava na hora de Gar revisar
um pouco seus conceitos ultrapassados de como deveria
ser o comportamento adequado de uma esposa.
Tinha sido Leah Gunderson, senhora do próprio des-
tino, durante muito tempo para, àquela altura de sua
vida, curvar-se aos caprichos machistas de um homem.
Mesmo se esse homem fosse o marido por quem estava
apaixonada…
CAPÍTULO IX
— Mamãe! — A palavra que emergiu dos lábios de
Karen, assim que Leah entrou na cozinha, não poderia
ter sido mais nítida e clara.
No entanto, logo atrás dela, Garlam pareceu se
inquietar com a novidade.
— Mamãe — o bebê continuou a reclamar enquanto
estendia os bracinhos roliços em sua direção.
— Eu disse a Karen que mamãe estaria em casa
logo e parece que ela tirou as palavras de minha boca —
contou Ruth, mexendo o conteúdo de um caldeirão que
estava no fogão. — Karen está chamando por você
desde o momento em que se foi.
O coração deu um salto dentro do peito de Leah e
ela curvou-se para pegar a menina do cesto, deposi-
tando inúmeros beijos nos cachinhos dourados.
— Sentiu minha falta, meu amorzinho? — sussurrou
com ternura.
— Se importa de me ajudar a carregar o resto de
seus embrulhos, Leah? — Gar perguntou da porta, onde
tinha acabado de deixar dois pacotes no chão.
Ela virou o rosto para encará-lo.
Gar estava olhando para o bebê com uma
expressão taciturna e Karen, ignorando totalmente a
tensão entre eles, esticou os bracinhos para o pai.
— Papa… papai. — Seus lábios estalaram ao pro-
nunciarem cada sílaba e ela se debateu no colo de Leah,
atirando-se em direção ao pai.
- Puxa, mais uma novidade! — Leah exclamou, se-
gurando-a com cuidado para que a menina não caísse.
Gar se aproximou e pegou-a no colo.
- E então, minha pequena, comportou-se bem en-
quanto ficou com tia Ruth? — Ele deu as costas a Leah,
fingindo prestar atenção na mulher que passara metade
do dia com as crianças. — Obrigado por ter cuidado
dela, Ruth. E desculpe por estarmos chegando a esta
hora. Não pretendíamos demorar tanto.
- Não precisa se desculpar. Sei que nesta época a
cidade fica muito movimentada e tudo é mais difícil,
imagino só como não será daqui a alguns anos, quando
o número de habitantes aumentar. — Sorrindo, mexeu o
conteúdo do caldeirão pela última vez antes de deixar a
colher de lado. — Achei que iam chegar em casa com
fome depois de terem passado quase todo o dia fora e
tomei a liberdade de fazer uma sopa com aquele pedaço
de osso de pernil que você tinha no refrigerador, Leah.
- Ah, obrigada, Ruth. Foi muito bondade de sua
parte. — Durante alguns instantes, Leah se sentiu quase
que uma estranha em sua própria casa. De repente,
dava se conta de que qualquer um poderia preparar um
caldeirão de sopa. Gar também era muito eficiente para
lidar com a filha, portanto parecia que só lhe restava
carregar os últimos pacotes de suprimentos que
comprara no armazém geral para dentro.
Ela passou por Gar e seguiu até a varanda. Seus pés
moveram-se lentamente ao descerem os degraus e pa-
rarem ao lado da carroça. Os pacotes estavam pesados
e ela os tirou do veículo para logo depois deixá-los sobre
a grama, a fim de ajeitá-los melhor nas mãos.
— Desculpe-me pelo que falei, Leah, não deveria ter
sido tão rude. — Gar surgiu na varanda. — Pegue Karen
que eu mesmo carregarei isto.
Ela recusou com um movimento de cabeça.
— Você me disse que deveria levar o resto para
dentro e posso muito bem fazê-lo, obrigada. — Sem nem
mesmo olhar na direção do marido, passou os dedos sob
o barbante e ergueu os pacotes, caminhando de volta
para a casa.
Do celeiro, soou a vozinha alegre de Kristofer:
— Ei, dona Leah! Espere que vou ajudá-la. — Ves-
tindo calça escura e camisa azul-claro o menino parecia
um homenzinho ao correr em sua direção.
Como sempre, Leah sorriu ao vê-lo.
— Obrigada, Kris.
— Pai, já estamos com armação das baias quase
prontas — contou orgulhoso. — Benny e eu trabalhamos
duro o dia todo.
— Que bom, isso vai me poupar muito tempo.
Kris assentiu e pegou um dos pacotes da mão de
Leah.
— Puxa, a senhora deve ter feito uma lista bem ~
grande hoje. Comprou algum doce? — Os olhos azuis
brilharam esperançosos, enquanto os dedos pequeninos
agarravam-se à maçaneta da porta da cozinha.
— Bem, você não gosta de pirulitos de hortelã
gosta? — provocou-o.
- Ah, eu adoro, dona Leah.
- Então, depois de comermos um pouco de sopa e,
quem sabe, pão com manteiga, pode chupar um pirulito
desses, Kris.
Gar entrou na cozinha logo atrás deles, silencioso e
com o cenho franzido.
— Coloque o cadeirão de Karen ao lado da mesa,
Kristofer. Depois vá se lavar para o jantar.
O menino olhou furtivamente para o pai, depois vi-
rou-se para Leah.
— Está bem, já vou — prometeu e logo se apressou
em fazer o que era dito.
O jantar foi silêncio, apenas Karen interrompia a
quietude com seus gritinhos para que Leah a alimen-
tasse com pedaços de pão e o caldo da sopa. Então, mal
tinha terminado a refeição, Gar levantou-se e saiu,
fechando a porta de tela atrás de si com mais força do
que seria necessário.
— Meu pai está zangado com a gente? — Kristofer
perguntou com o cenho franzido.
— Não, claro que não! — Leah respondeu,
desejando que suas palavras fossem verdadeiras. E
eram, num certo sentido. Afinal, a ira de Gar era dirigida
a ela, não às crianças.
— Bem, então ele deve estar com muitas coisas na
cabeça — Kris ponderou, de súbito, parecendo muito
sábios para seus sete anos.
— Sim, tem razão, querido — concordou Leah, for-
jando um sorriso. — O ferreiro virá aqui amanhã e talvez
seu pai esteja pensando nisso.
O alívio ficou evidente nas feições infantis, a
preocupação se dissipando à medida que Kris aceitava
aquela teoria simples. Logo ele também terminava o
prato e pedia licença para ir ajudar o pai e Benny no
celeiro.
— Bem, agora ficamos só nós duas, Karen, querida
— Leah sussurrou, passando os dedos por entre os
cachinhos dourados da criança aninhada na cadeira alta
que Gar fizera para Kristofer, anos antes.
Seu gesto carinhoso foi recompensado por um
risinho encantador, ao mesmo tempo em que Karen
erguia os braços, pedindo colo.
Claro que Leah não resistiu ao apelo charmoso e, ao
pegá-la, abraçou-a bem junto ao peito, beijando-lhe o
alto da cabeça.
— Seu pai pode ter ficado zangado ao vê-la me
chamar de mamãe, meu anjinho, mas eu fui a Única
mãe que você conheceu. Acho também que você é
minha filha, uma filha do meu coração, ainda que tenha
nascido do ventre de Hulda, sobre quem vou lhe contar
assim que puder entender. — Um suspiro escapou dos
lábios de Leah e a cabecinha de Karen repousou sobre
seus seios.
A menina ainda balbuciou alguma coisa em seu lin-
guajar indecifrável antes de fechar os olhos e relaxar,
aconchegando-se na maciez dos seios redondos.
Leah cantarolou uma cantiga de ninar enquanto
acomodava-se com o bebê na cadeira de balanço
colocada junto à janela. Ouvia-se um leve crepitar de
madeira conforme a cadeira ia para frente e para trás e
os raios de sol, filtrados pelo vidro da janela, incidiam
sobre as cabeças loiras formando um halo de luz em
torno delas.
Para o homem que as estava observando da
varanda, aquela era uma cena quase irresistível. Ainda
assim, em seu peito pulsava um forte ressentimento por
Leah ter conquistado o amor incondicional de seus filhos
tão rapidamente. E, mais ainda, por Karen tê-la
chamado de mãe, um tratamento que deveria ter sido
dirigido a Hulda, se ela não tivesse morrido daquela
forma triste.
Mas, talvez, o pior de todos os ressentimentos fosse
por ele próprio se sentir tão atraído por Leah, como se
sua lealdade para com a falecida tivesse sido esquecida
nos últimos meses, desde que trouxera sua nova esposa
para a fazenda. Era difícil lidar com tantas emoções
contraditórias.
Sim, sentira-se atraído por Leah desde o primeiro
momento que a vira, aqueles longos cabelos cor de mel,
o rosto de traços angulosos contrapondo-se ao nariz
clássico e ao brilho dos olhos azul-acinzentados o tinham
deixado fascinado. E era óbvio que não fora o único.
Leah atraía a atenção dos homens por onde quer que
passasse. Desde o jovem Brian Havelock, que era
obviamente apaixonado por ela, até Eric Magnor, cuja
riqueza e posição social o tornavam um grande partido
para qualquer mulher.
Até mesmo o ferreiro, Sten Pringle, tinha observado-
a furtivamente enquanto ela permanecera na carroça,
sob a copa do castanheiro. A mulher com quem se
casara era loira, educada e bonita, e, apesar de viverem
sob o mesmo teto, precisava reconhecer que ela não lhe
pertencia.
Era justamente isso que o incomodava. Não conse-
guia mais suportar tal situação, principalmente porque a
desejava com tanta intensidade que chegava a lhe
provocar dor física.
Ainda assim, sabia que não tinha o direito de sentir
ciúme dos próprios filhos, nem mesmo quando sua prin-
cipal razão era defender os direitos e a memória de
Hulda. Por isso, tinha de pedir perdão a Leah por sua
atitude.
- Leah… — Falou o nome dela sem pensar, obser-
vando-a ao vê-la erguer a cabeça para encará-lo através
da tela da porta. — Desculpe… Não foi o bastante Karen
ter me chamado de papai. Fiquei aborrecido porque ela
te chamou de mamãe — confessou, sabendo que
deveria ser sincero se quisesse preservar a dignidade
desse relacionamento. — Doeu perceber que Hulda
nunca iria ouvir a filha tratá-la dessa forma. Porém,
minha parte racional diz que não deveria ter me deixado
levar por essas emoções, pois acabarei me acostumando
e aceitando.
Leah arregalou os olhos diante da confissão inespe-
rada e começou a abrir a boca para dizer algo, contudo,
foi impedida de fazê-lo.
- Não diga nada — ele a silenciou. — Não estou me
desculpando pelo que aconteceu antes de chegarmos
em casa. Podemos discutir nossas diferenças mais tarde,
por enquanto, só vim buscar algumas luvas extras no
quarto de banho.
Leah o viu abrir a porta de um cômodo, à direita da
cozinha, e pegar algumas luvas no armário, antes de
girar nos calcanhares e voltar a sair para o ar fresco do
final de tarde.
Ela se remexeu na cadeira e pensou em Hulda. Por
mais que fosse doloroso, entendia o que Gar deveria ter
sentido ao pensar na mulher que fizera de tudo para ter
um segundo filho.
Uma lágrima de pesar pela mãe que não pudera
embalar a filha rolou pelas faces de Leah.
Impulsivamente, levou a mão ao bolso a procura do
lenço. Contudo, seus dedos se enroscaram em um
pedaço de papel e ela pestanejou.
A carta! Céus, tinha esquecido da carta. Ficara tão
aborrecida com Brian e depois com Gar que até se
esquecera da carta que Eva Landers havia lhe entre-
gado. Antes de abrir o envelope, enxugou os olhos com
o lenço e voltou a guardá-lo. Só depois rasgou a lateral e
tirou o papel brilhante de dentro dele.
Uma caligrafia familiar surgiu diante de seus olhos
e, desta vez, a assinatura de Anna Powell estava no
centro da folha, não no final. A mensagem era curta e
simples. Anna fora descuidada e tinha deixado seu
caderninho de endereços sobre a escrivaninha da sala
como sempre fazia, porém, o mais inesperado de tudo
era que alguém havia invadido a casa e tudo o que
estava faltando era o caderno de endereços de Anna.
Será que Leah achava que poderia haver alguém
tão desesperado para encontrá-la que teria coragem de
agir assim? Invadindo propriedade alheia para conseguir
seu endereço?
Pelo que podia se lembrar, Leah sabia que havia es-
crito palavras de carinho e amizade no caderno de Anna,
assinando-o e colocando o novo endereço logo embaixo.
- Sim, com toda certeza existe alguém desesperado
para me encontrar, minha amiga — Leah sussurrou,
amassando a folha entre os dedos e olhando para o céu
como se a procura de uma ajuda ou inspiração divina.
Afinal, só mesmo isto para salvá-la do passado e
garantir o futuro.
O sol não passava de uma bola alaranjada quase
oculta atrás das colinas e a escuridão começava a baixar
seu manto sobre a paisagem bucólica da fazenda,
quando Leah finalmente colocou Karen na cama. Em-
balar a criança em seus braços para dormir era, pro-
vavelmente, um mimo excessivo que poderia acabar por
estragá-la, mas a alegria que sentia ao ter o corpinho
quente junto do seu era uma desculpa boa demais para
justificar seu ato, decidiu.
Com certeza, assim que tivesse a idade de Kristofer,
Karen não iria querer mais colo e muito menos canção
de ninar ao dormir e Leah sabia que aí, sim, sentiria
muita falta dos bracinhos queridos em torno de seu
pescoço.
Pensando nisso, saiu do quarto da menina e foi até
o de Kris, batendo levemente na porta.
- Kris? Já se deitou?
- Não. Entre, dona Leah.
Ela abriu a porta e foi saudada pelo rostinho sono-
lento e sorridente do enteado.
- Ah, vejo que você está pronto para receber o ho-
mem de areia — gracejou.
- Eu nunca tinha ouvido falar sobre o homem de
areia antes de a senhora vir morar conosco, dona Leah
— Kris confessou, erguendo um pouco o corpo da cama
e se apoiando em um dos cotovelos. — Pode me contar
a história dele outra vez? — pediu com olhos brilhantes.
Leah não resistiu ao apelo e sentou-se no colchão
de penas, ajeitando uma madeixa loira que teimava em
cair sobre a testa pequenina. Talvez houvesse se
enganado e Kristofer também estivesse ansioso para ser
mimado aquela noite.
- Claro que posso — disse, abaixando-se para beijar
cabeça no ponto onde acabara de afastar o cabelo. — Só
coloque a cabeça no travesseiro e feche seus olhos que
o homem de areia virá te visitar na hora certa.
O menino fez o que era dito, ajeitando-se nos
travesseiros.
- Ah, meu quarto cheira muito bem à noite, dona
Leah — murmurou, esfregando o nariz no travesseiro. —
Acho que parece um perfume de flores, lírios-do-campo
e tílias.
Leah sorriu, começando a narrar o conto infantil
com palavras doces e uma melodia suave, cantando e
explicando a história que sua mãe tinha lhe ensinado
anos antes. Em questão de minutos Kris já tinha re-
laxado nos travesseiros, seus lábios se abrindo um pou-
co enquanto ele inalava o perfume das flores nos lençóis
e das madressilvas que se enroscavam na treliça pouco
abaixo da janela do quarto.
- O cheiro das madressilvas que seu pai plantou irá
ajudá-lo a ter bons sonhos, meu querido — Leah
murmurou, ajeitando os lençóis sobre o menino e to-
cando de leve nas mãos pequeninas, antes de se le-
vantar da cama, dar meia-volta e sair do quarto.
Ficou surpresa ao perceber uma figura alta e mus-
culosa parada na soleira da porta.
O homem a sua frente era uma versão adulta do
menino que estava adormecido e era impossível não
reconhecê-los como pai e filho.
- Shh! Venha comigo — Gar chamou-a, sinalizando
para que o acompanhasse até o andar inferior.
Ela o seguiu até a cozinha e dali para a varanda dos
fundos.
- Não sou um homem ciumento, Leah — Gar foi logo
dizendo ao fitá-la com atenção.
- Não mesmo? Puxa, então me enganou direitinho!
— ironizou Leah, depois mordeu o lábio achando que
deveria ter se controlado. Não era hora de provocá-lo.
Se tinham de viver juntos, então era bom que ambos se
esforçassem para o bem-estar de todos.
- Viu só? E isso que me irrita. Você se está sempre
pronta para me atacar com seus comentários e teimosia.
Por que não me ouve e obedece como uma boa esposa,
pelo menos uma vez na vida?
- Eu não sou Hulda, Gar — replicou, suspirando. —
Você não se casou com uma mulher doce e submissa
dessa vez. Nunca prometi que iria me curvar a sua
vontade todas as vezes que ficasse aborrecido com
alguma coisa.
- Bem, mas desta vez vai me ouvir — empertigou-se
ele, elevando o tom de voz.
Leah retalhou-o com o olhar.
- Não ouse gritar comigo. Pode acordar as crianças
e elas não precisam vê-lo tendo um ataque de raiva.
As mãos enormes seguraram-na pelos ombros, e,
por um momento, Leah pensou que ele fosse sacudi-la
com força. Corajosa, ergueu o rosto e enfrentou-o
desafiadora. Os dedos de aço estavam cravados em sua
pele e na manhã seguinte teria de lidar com as marcas
roxas que ficariam, mas, como Gar não poderia vê-las,
Leah não se importava.
- Pois saiba que não estou tendo um ataque de
raiva. Só estou lhe dizendo que não é certo você ficar
conversando com outros homens na calçada e ainda
encorajá-los a se aproximarem da carroça quando eu
não estiver junto.
— Encorajá-los?! Eu encorajei Eric Magnor a se
aproximar de mim? Você deve estar sonhando, Garlam
Lundstrom. Falei com o sr. Magnor durante alguns
minutos, mas isso foi tudo. Se quer saber, estava di-
zendo a ele que você é um bom marido é um pai ma-
ravilhoso para seus filhos. O que há de mal nisso?
A pressão dos dedos em sua pele diminuiu um
pouco.
- Ele gosta de você, Leah. Vi como te olha.
- Bem, fico feliz que alguém goste de mim. sr.
Lundstrom. Especialmente porque você parece não
sentir a mesma coisa.
Gar meneou a cabeça de um lado para outro.
- Não sabe como me sinto em relação a você. Como
pode saber quando eu nem… — Transferiu as mãos para
os quadris e o queixo anguloso tremeu como se
estivesse se preparando para enfrentar um oponente.
- Você me tira do sério, Leah. Sua língua afiada e
mania de independência são impressionantes. Como se
não bastasse, ainda me deixa de lado para tratar de
todas essas pessoas que a procuram pedindo ajuda.
Ela estava boquiaberta com a veemência de tal
revelação.
— Já entendi. O problema não é só Eric Magnor, não
é, Gar? Você não quer que eu trate as pessoas que
precisam de mim, certo?
— Também, achei que todos iam parar de
importuná-la assim que se mudasse para a fazenda,
porque é muito longe da cidade, mas parece que estava
enganado. A semana passada Hobart veio aqui a
procura de ajuda para a mulher que estava sofrendo
com seus problemas femininos, depois Lars pediu um
ungüento para cuidar do dedo machucado de Bonnie. E
também não imaginava que as coisas iriam tão longe a
ponto de alguém tirá-la da igreja no domingo a fim de
levá-la para atender um doente. — Deu um longo
suspiro depois fitou-a com um brilho acusador no olhar.
— Você pertence a todos, Leah, menos a mim que sou
seu marido. Até mesmo as crianças a têm mais do que
eu.
- Engana-se, Gar. Sou sua esposa, pertenço a você
— respondeu, sentindo que havia muito mais do que
ciúme por trás do desabafo. — Gosto do sr. Magnor, ele
é meu amigo, mas nada mais do que isso. Também
gosto de ajudar os outros quando sei que posso fazê-lo.
Quanto aos seus filhos, céus, eu os amo muito e acho
que é natural que eles percebam isso e me retribuam
esse amor.
Gar balançou a cabeça como se essas não fossem
as palavras que esperava ouvir.
- Você tem sorrisos para dedicar a todos, mas, para
mim, só sobram as palavras duras. E não ouse me dar as
costas antes que eu tiver terminado de…
Ela o ignorou, não pretendia ficar ali para ouvir mais
nada. Sabia que Gar não era um homem cruel, mas
quando estava de mau humor era capaz de dizer coisas
das quais acabaria se arrependendo.
- Vou caminhar um pouco — disse ela, descendo os
degraus da varanda. — Talvez você se sinta melhor se
sentar no balanço e refletir um pouco.
- Não quero que fique andando sozinha pela fazenda
à noite — deu um passo a frente para segurá-la pelo
braço, mas Leah libertou-se de seu toque rapidamente.
— E sério, Leah, venha se sentar comigo e aí
conversaremos melhor.
Ela negou com um movimento de cabeça.
- Não, não creio que seja uma boa idéia — recusou-
se, seguindo pela grama.
- Então irei com você — disse ele num tom baixo e
rouco, enquanto a mão enorme a tocava no ombro.
Tomada por um impulso de momento, Leah afastou-
se daqueles dedos e começou a correr sobre a grama
úmida, Por alguma estranha razão, a chama do desejo
passou a se espalhar por todas as veias de seu corpo,
intumescendo-lhe os seios e deixando a garganta seca.
Ao ver a porta do estábulo aberta, correu para lá e
entrou, mesmo sabendo que Gar iria segui-la.
O som dos animais ressonando e também o forte
aroma de madeira fresca impregnavam o ar. De repente,
ouviu passos logo atrás e virou para descobrir Gar
entrando e fechando a porta dupla atrás de si.
- Não se mova, Leah, existem muitos pregos e tá-
buas espalhados pelos corredores e você poderia cair e
se machucar.
E Leah sabia que era verdade, tinha divisado o bri-
lho dos pregos e sabia que se tentasse driblá-los seria
uma verdadeira corrida de obstáculos. Mas, céus, por
que estava correndo, afinal?, perguntou-se de repente e
então o coração disparou em seu peito quando o peso
da verdade a assolou sem a menor piedade.
Estava correndo de si mesma, do medo que sentia
de sucumbir ao desejo de se entregar aos braços
musculosos do marido, permitindo que ele a tornasse
mulher.
- Você não vai fugir de mim agora — Gar sussurrou,
aproximando-se e envolvendo-a num abraço.
Como ele tinha chegado tão perto sem que perce-
besse? Como as mãos fortes podiam se mover com
tanta urgência e ainda assim parecerem tão gentis ao
deslizaram por seu corpo, como se a ira de minutos
atrás tivesse dado lugar a outras emoções?
- Você escolheu o lugar para que isso finalmente
acontecesse, Leah — Gar falou com voz rouca. — Não
era o que eu teria preferido, mas a escolha foi sua e não
vou recuar. Não quando o desejo que sinto chega a me
causar dor física.
- Do que está falando? — Ah, por certo aquela voz
baixa e hesitante não era sua, era?, pensou, sentindo as
mãos calejadas deslizarem até sua cintura.
- Estou dizendo que não posso deixá-la ir embora
Leah, porque meu corpo clama pelo seu há muito
tempo, querendo senti-la mais perto, muito mais perto
do que isso.
Ela cambaleou quando se sentiu puxada de
encontro ao corpo viril, com apenas uma camada de
roupas os separando.
Os dedos longos e experientes traçaram-lhe a linha
da espinha, passando pela cintura, para logo depois
pararem na altura dos quadris arredondados.
- Coloque os braços em torno de meu pescoço… por
favor — Gar pediu, sussurrando com urgência.
Leah ainda tentou protestar.
- Não, não quero me deitar com você, muito menos
em um estábulo. — Contudo, antes mesmo que tivesse
terminado a frase, seus braços já o enlaçavam pelo
pescoço.
Gar riu baixinho.
- Fico feliz que, pelo menos uma vez, tenha me
ouvido. — As palavras eram gentis, mas o corpo que se
colava ao dela era firme, com a extensão de sua
masculinidade, rígida e protuberante, projetando-se de
encontro ao ventre de Leah. Sem querer, ela o com-
parou ao garanhão que Eric Magnor montara naquela
manhã, os dois eram machos maravilhosos dentro de
suas respectivas espécies.
Leah estremeceu; o calor espalhando-se por todas
as suas células e pelos recessos mais íntimos de sua
feminilidade.
- Tem certeza de que é isso que deseja, Gar? Você
disse que…
Um longo suspiro escapou dos lábios carnudos.
- Leah, ah, Leah! Eu lhe disse uma mentira quando
falei que não a queria em minha cama. — O corpo
másculo estava quente e trêmulo. — Confesso que até
pensei que conseguiria resistir ao que sinto por você.
Mas desde o primeiro dia que a trouxe para cá fiquei
tentado a quebrar minha promessa. — As mãos enormes
tocaram-lhe a face numa carícia suave.
- Mas você nunca me procurou como mulher —
gemeu ela.
- Não, não procurei. Só que todo esse meu orgulho e
excesso de autocontrole quase me levou a loucura. Foi
insuportável ver os outros homens da cidade admirá-la e
saber que a queriam como eu. Tive medo, muito medo
de perdê-la, Leah. Não sei mais viver sem você.
- Viver sem mim? As vezes tenho impressão que
você nem gosta de mim — gemeu, tentando controlar as
batidas aceleradas de seu coração.
- Aí é que se engana, sra. Lundstrom — sussurrou,
as palavras mais eficazes do que nunca por causa da
maneira suave com que as proferira. — O que sinto por
você é muito mais do que simplesmente gostar. Tenho
uma necessidade de tocá-la que chega a suplantar todo
e qualquer resquício de bom senso. Esta noite já pensei
até em torná-la minha mulher, no sentindo mais com-
pleto da palavra, com ou sem seu consentimento. Aliás,
todos os dias quando a vejo fico tentado a voltar atrás
na palavra que lhe dei e levá-la para minha cama.
- Eu também te quero, Gar — Leah sussurrou.
— Não me tente se não tiver a intenção de levar
isso até o fim, Leah — murmurou, como se uma simples
resposta dela pudesse mudar sua vida para sempre.
— Estou sendo honesta, Gar, eu te quero muito,
muito mesmo. Mas tem mais uma coisa que preciso te
contar antes…
— Shhh… conte mais tarde. Por enquanto, já me
disse tudo o que eu queria e precisava ouvir — declarou,
tomando-a nos braços e carregando-a ao longo do
corredor.
— Para onde…
— Psiu! Não vou levá-la para uma das baias como
está pensando, Leah — tranqüilizou-a. — Há feno e
palha limpa no canto da parede e tenho certeza de que
estaremos bem acomodados ali.
E mal ele havia terminado de falar Leah já se
descobriu colocada sobre uma cama de feno e palha.
Antes que tivesse se dado conta do que acontecia, os
dedos longos e másculos desabotoavam o vestido de
algodão azul.
Tudo aconteceu rápido demais e, de repente, Leah
já se descobria inteiramente nua diante dos olhos ávidos
do marido.
— Ah, céus, como você é linda! — ele sussurrou
antes de curvar a cabeça e cobrir os seios virgens com a
boca úmida e afoita.
— Como pode dizer isso com toda essa escuridão?
— Leah perguntou num fio de voz.
O riso foi baixo e abafado por causa da proximidade
da boca carnuda com as auréolas rosadas dos seios de
Leah.
— Eu a tenho observado com grande atenção desde
o dia em que nos casamos, meu amor, e agora a sinto
sob meus lábios e posso tocá-la com minhas mãos. Além
disso, os raios do luar me ajudam a confirmar que você
é ainda mais maravilhosa do que em minhas fantasias
românticas.
Leah estremeceu quando Garlam abraçou-a posses-
sivamente e rolou com ela sobre o feno, seus corpos se
tocando com toda intimidade.
— Ah, Leah, você é tão macia e parece estar quase
pronta para mim! — Gar gemeu, cobrindo-a com seu
corpo ao mesmo tempo que continuava a sugar-lhe o
seio com avidez.
Deliciando-se com a sensação de prazer que expe-
rimentava pela primeira vez, ela mergulhou os dedos
nos cabelos loiros e segurou-lhe a cabeça mais junto de
seu peito. Ao mesmo tempo que ansiava para que o ato
de amor sé consumasse por inteiro, temia que o maior
de seus segredos fosse descoberto.
O que Gar faria ao perceber que ela era virgem?
Como reagiria ao saber que nunca fora casada e muito
menos viúva?
Alheio ao turbilhão de emoções que a dominava,
Gar ergueu a boca dos seios redondos para o pescoço
elegante, queixo e depois para os lábios rosados.
Enroscou sua língua na dela e esse gesto trouxe consigo
todo o calor necessário para derreter a resistência de
Leah.
De repente, ela não se importava mais com o
passado e nem com os segredos que poderiam vir à
tona quando seu corpo tivesse finalmente atingido os
píncaros do prazer carnal. Por isso, entregou-se às
carícias que trocavam, inebriada com a delicadeza com
que Gar a preparava e excitava para recebê-lo como
marido e como homem, unindo seus corpos naquele
momento precioso de comunhão com a vida.
- Erga um pouco mais os quadris, meu amor — sus-
surrou, as mãos enormes segurando-a pelas nádegas e
ajustando-se a sua intimidade. Então ele penetrou nos
recessos onde nenhum homem jamais estivera.
O gemido rouco que escapou dos lábios de Gar en-
quanto ele se curvava sobre Leah foi como um grito de
vitória depois de uma longa batalha para conquistar o
objeto de seu desejo.
E o mesmo aconteceu com Leah, que sentiu todo
seu corpo vibrar e colou-se ao do marido, ansiosa por
experimentar toda a extensão de sua masculinidade.
Para surpresa dela, a dor que sentiu foi pequena se
comparada a magnanimidade do prazer. Lágrimas
quentes rolaram-lhe pela face quando celebrou o mo-
mento de paixão com o homem que era seu marido.
Gar pulsava dentro dela, enchendo-a de energia, de
uma nova essência de vida e Leah passou as pernas em
torno dele até que seus corpos se ajustassem com
perfeição e a semente de vida encontrasse seu destino.
Algum tempo depois, Gar começou a se afastar,
lenta e cuidadosamente.
— Gar? — ela murmurou, fazendo a pergunta si-
lenciosa que tanto a afligira antes do ato de amor.
— Você era virgem, Leah. Como isso é possível? —
As mãos enormes ainda estavam mergulhadas nos ca-
belos cor de mel, segurando-a enquanto Gar se apoiava
no cotovelo para encará-la. — Acho que mereço uma
explicação. Uma vez que minha esposa não é o que dizia
ser, quero saber com quem me casei.
Leah estremeceu e seus olhos ficaram marejados de
lágrimas. Só esperava que Gar não estragasse um mo-
mento tão bonito como o que acabavam de vivenciar
com um de seus acessos de raiva.
— Você se casou com uma virgem, Garlam
Lundstrom.
— Isto eu já sei. O que estou perguntando é como
pode ser virgem depois de ter sido casada?
— Simplesmente porque meu casamento nunca
existiu — confessou num tom baixo e controlado. — Eu
não podia ser uma parteira se não fosse casada. Então,
quando morava em Chicago, comecei a dizer que era
viúva para poder ajudar as mulheres em trabalho de
parto e nunca mais pude deixar de fazê-lo. Não existe
marido nenhum enterrado por lá.
— E por que não me contou a verdade desde o co-
meço? Será que significo tão pouco para você que não
pode partilhar todos os seus segredos comigo?
— Bem, quando me propôs casamento disse que
iríamos dormir separados e achei que não havia necessi-
dade de remexer no passado.
— Mas hoje você sabia quais eram minhas
intenções — gemeu frustrado. — Não tive o cuidado
necessário com você Leah, poderia tê-la machucado
com minha paixão excessiva.
— Ora, Gar, você foi muito cuidadoso sim. — Ergueu
para acariciar os cabelos loiros que caíam sobre a testa
altiva. — Você me fez mulher e acho que o fez com
grande ternura. Eu queria ter te contado, tentei antes de
nos perdermos no corpo um do outro, mas você disse
que nada mais importava. Minha mente não estava na
mentira que contei, mas sim na verdade que eu estava
prestes a descobrir.
— Verdade? Que verdade, Leah?
— A de que a união de um homem e uma mulher é
uma coisa maravilhosa. Que o homem foi feito para
penetrar nos recessos sagrados do corpo de sua esposa
e assim trazer vida e prazer a esse mundo.
— Pois eu temo que não tenha havido muito prazer
para você, Leah. — Tocou-a nas faces, um gesto gentil
que deixava claro o pedido de desculpa. — Acho que a
machuquei com minha impetuosidade, não importa o
que diga.
— Só um pouquinho — confessou, com um sorriso
encantador.
— Venha comigo agora, querida — disse Gar, le-
vantando-se, vestindo a roupa e depois ajudando-a a
fazer o mesmo. As mãos enormes eram delicadas en-
quanto a auxiliavam com as peças íntimas.
Minutos depois saíram do estábulo, Gar segurando-a
pela cintura e Leah apoiada no peito largo, como dois
típicos amantes.
A lua brilhava no céu parecendo um enorme
espelho a refletir seus raios prateados sobre a terra. Gar
fitou-a nos olhos e comentou num tom rouco:
— Ontem foi a última noite que dormiu sozinha,
minha cara. Hoje dormiremos juntos no quarto que
construí para receber minha esposa. Pela primeira vez,
vou abrir meus olhos pela manhã e encontrar minha
mulher a meu lado na cama. Isso é muito mais do que
ousei sonhar. Eu te quero, Leah, te quero de uma forma
tão intensa que chega a me assustar.
CAPITULO X
Gar observou-a colocar uma calda de creme sobre
os biscoitos e se perguntou se
Leah tinha consciência de que sua mão estava tre-
mendo ao fazê-lo. Ela trouxe o prato até ele e deixou-o
cair sobre a tolha, por pouco não espalhando o creme
por toda a mesa.
- Desculpe-me, escorregou — disse envergonhada,
antes de começar a se afastar. Contudo, não foi rápida o
suficiente ao fazê-lo e uma mão calejada a segurou pelo
pulso.
— Leah, quer olhar para mim, por favor?! — pediu
Era decepcionante ver que mesmo depois de terem se
amado com paixão ela ainda não conseguia fitá-lo nos
olhos, ou que, de manhã, ao acordar, enfiara a cabeça
sob os travesseiros e escondera-se embaixo dos lençóis
para evitar seu toque. Ou pelo menos era o que tinha lhe
parecido naquele momento. Agora que pensava melhor
no assunto, Gar começava a perceber que Leah tinha se
comportado exatamente como uma noiva virgem se
comportaria na manhã seguinte à lua-de-mel.
Ora, e ele tinha sido um grande tolo por não se dar
conta disso antes. Acabara se afastando dela em lugar
de procurá-la embaixo dos lençóis e clamar por seus
lábios como ficara seriamente tentado a fazê-lo.
Na noite anterior, ele a tinha levado para a casa e
subido as escadas sentindo-se como um homem em sua
noite de núpcias, sussurrando palavras de amor
enquanto cruzavam a soleira da porta do quarto. Tinha
explorado o corpo feminino com mãos curiosas, suas
lembranças do encontro apressado sobre o feno do es-
tábulo parecendo incompletas demais para satisfaze-lo.
E Leah o deixara amá-la outra vez. Ao romper da
aurora, Gar a tinha deixado sozinha no quarto que
construíra para receber sua noiva e cuidara de seguir
para o curral a fim de ordenhar suas vacas. Então,
enquanto se dedicava ao trabalho, não conseguia pensar
em mais nada que não fosse a mulher que tivera nos
braços. Agora, quando se sentavam à mesa para tomar
o café da manhã, confirmava que ela estava
envergonhada por ter se entregado a suas carícias.
— Leah, está tudo bem com você? — perguntou,
vendo-a sentar-se a mesa e se entreter em atender aos
pedidos de Kristofer e aos gritinhos de Karen.
— Sim, claro — disse, não desviando os olhos do
bebê que alimentava. — Vamos, meu anjinho, abra a
boca pana comer. Este mingau de aveia está muito bom.
— Mingau de aveia? — Mesmo para seus ouvidos a
pergunta pareceu ansiosa demais, concluiu Gar, dei-
xando-se trair por seu grande apetite. Mas, afinal, era
um grande homem, e precisava ter um grande apetite
para manter-se firme!, concluiu, rindo de si mesmo.
— Sim, mas fiz o mingau para as crianças. Karen
ainda não pode comer ovos com bacon e biscoitos com
creme. É muito forte para ela e Kristofer também não
gosta muito disso.
— Por acaso não sobrou nenhum pouco de mingau
de aveia? Eu bem que gostaria de experimentar — Gar
murmurou,- mexendo no prato cheio que tinha diante de
si.
— Pode comer o meu, papai — Kristofer ofereceu.
— Pensei que você gostasse de mingau, Kris — Leah
comentou, franzindo o cenho ao ver o garoto empurrar o
prato para o outro lado da mesa.
— Eu gosto — ele disse, levantando-se da cadeira.
— Mas acontece que Lars disse que a irmã dele vem
aqui hoje para buscar um dos filhotes que nasceram e
eu quero estar no celeiro quando ela chegar.
— Não a deixe levar a fêmea que nasceu por último
— Gar avisou ao filho que já estava na porta, com um pé
na varanda.
— Está bem, pai — Kristofer já disse antes de fechar
a porta atrás de si.
— Você ainda não respondeu a minha pergunta —
Gar lembrou-a, pegando o prato que o filho rejeitara.
— Claro que estou bem. Por que não estaria?
— Não sei, parece que está se movendo mais
devagar do que de costume hoje, Leah. Estou com medo
de tê-la machucado.
— Temos mesmo que ficar falando sobre isso, Gar?
— Mas você não olha para mim enquanto falamos,
Leah! Por acaso está brava comigo? Até mesmo se es-
condeu embaixo dos Lençóis esta manhã!
A colher que ela segurava caiu sobre a mesa
fazendo um barulho surdo, grandes porções de mingau
se espalharam pela toalha.
Karen riu alto, obviamente feliz com o que acabava
de acontecer, e esticou os bracinhos para pegar a colher
e tentar continuar com a festa. Apenas os movimentos
rápidos de Leah a impediram de conseguir seu intento.
— Ah, pelo amor de Deus, Gar, se terminou de
comer melhor ir lá para fora cuidar de seus afazeres! —
ralhou Leah. — Seu amigo ferreiro virá almoçar conosco,
lembra-se? — completou, pegando Karen e começando a
se afastar da cozinha.
Gar observou-a durante alguns instantes, depois le-
vantou-se e a seguiu, alcançando-a no corredor e pas-
sando braços em torno dela e da filha. Inclinou um
pouco a cabeça para o lado a fim de poder ver-lhe o
rosto, e uma de suas mãos brincou com o bebê.
— Por favor, Leah, deixe-me saber em que está pen-
sando. Temo que esteja zangada comigo e não quero
que isto aconteça. Você é minha esposa.
Leah virou-se e ergueu o rosto para receber os
lábios que pousaram seu queixo.
— Só preciso me acostumar com a novidade, Gar.
Não esperava que isto fosse acontecer. Sei que somos
marido e mulher e que é normal que… — parecia estar
tendo dificuldade em pronunciar o resto da frase.
Karen ergueu a mãozinha e acariciou o rosto do pai.
A maneira como ria alegremente deixava claro que
estava adorando a novidade de vê-los tão perto um do
outro.
— Karen está feliz porque eu estou te abraçando,
Leah, querida — Gar disse, murmurando as palavras
junto à orelha dela. — O que faz com você seja a única
que não está muito à vontade coma situação.
— Talvez logo eu me acostume com isso, sr.
Lundstrom — falou, antes de encará-lo e confessar: —
Mas preciso dizer que Karen e eu gostamos muito de
sentir seus braços em torno de nós. Só me dê um
tempo, certo?
Tempo? Ele já estava contando os minutos que fal-
tavam para anoitecer e poder toma-la nos braços sob os
lençóis de sua cama. Seu corpo respondeu à sen-
sualidade dos pensamentos que o assolavam, pedindo
por um contato mais íntimo.
— Meus braços estiveram vazios por muito tempo,
Leah. Agora estão gritando para sentir o calor de seu
corpo. Não se afaste de mim.
Ela movimentou a cabeça de um lado para outro.
— Não, não vou me afastar e nem ousarei recusá-
lo ,. como marido.
— Bem, não foi isso que eu quis dizer. Claro que
adorarei tê-la em minha cama, mas o que peço também
é que passe os braços em torno de meu pescoço, beije-
me e, talvez, sussurre que gosta um pouquinho de mim.
— Não preciso sussurrar essas palavras. Eu gosto de
você, Garlam Lundstrom e pensei que já soubesse disso.
Ele sorriu, admirando o rosto vermelho de indigna-
ção e os olhos azul-acinzentando como o céu que
anunciava uma tempestade iminente.
— Ora, ora, eu não sabia disso. Então talvez você
possa encontrar outras palavras românticas para
sussurrar em :meu ouvido. Que tal? — sugeriu, piscando
maroto.
O rubor tornou-se ainda mais intenso e Leah fez
uma careta.
— Garlam Lundstrom, tenho a impressão de que
está flertando comigo!
— Pode apostar que estou, madame! — Garlam riu
e pensou que as longas noites de solidão tinham
chegado ao fim. — Quero partilhar a cama com você
esta noite e todas as outras, Leah. Tenho certeza de que
irei ensiná-la a gostar dos momentos que passaremos
juntos.
— Eu gostei… — Não conseguiu terminar de falar,
sua pouca experiência no quesito relações íntimas im-
pedindo-a de verbalizar o que sentia.
O riso suave de Gar ecoou pelo corredor.
— Ah, você sabe tão pouco sobre a vida, senhora
minha esposa!
— Tudo o que sei é que agora sou sua esposa de
verdade, Gar.
Ele anuiu com um movimento de cabeça.
— Sim, sra. Lundstrom. Talvez, amanhã cedo eu
deva lhe perguntar se não descobriu nada de novo.
Ela deu um passou atrás e Gar não fez nada para
impedi-la de se afastar desta vez. Estava mesmo na
hora de se concentrar em seu trabalho.
— Vou para o estábulo trabalhar nas baias novas e
preparar o feno. Quanto a sua pergunta, eu não me
esqueci que convidei Sten Pringle para almoçar.
Uma pequena covinha, que Leah nunca tinha visto
antes, surgiu na face esquerda de Gar conforme ele
sorria. Quem sabe, só a estava notando agora porque
antes Gar nunca tivesse sorrido de verdade, ponderou,
precisando se controlar para não tocá-lo com a ponta
dos dedos e deixá-lo ver o quanto o amava.
Alheio as emoções que a assolavam, Gar soprou-lhe
um beijo antes de seguir para a porta e tentar cuidar de
suas obrigações. Sabia que seria muito difícil esperar
que a noite chegasse para poder amá-la novamente,
mas teria que fazer um esforço. Afinal, ninguém
conseguia viver só de paixão, embora fosse muito bom
se entregar ao sentimento que era uma completa no-
vidade em sua vida…
— Vou ter que voltar com Sten para a cidade, Leah
— Gar anunciou, logo depois do almoço, quando ela
terminava de arrumar a cozinha e os homens já estavam
todos no celeiro ou no estábulo. — Preciso de um novo
arreio para aquela égua preta e também de dobradiças
para a porta do celeiro.
— Posso ir com você? — ela pediu. — Só preciso
sovar um pouco o pão e colocá-lo para crescer outra
vez. Também seria bom dar um banho rápido em Karen.
— Tudo bem, posso esperá-la sem problemas. Direi
a Sten para ir na frente — começou a sair e parou na
soleira da porta. — Também vou falar com Kris,
provavelmente ele vai querer nos acompanhar.
No entanto, Kris recusou a oferta e Leah ficou estra-
nhamente satisfeita com a notícia. O menino estava en-
tretido com Benny, Lars e Banjo, que haviam prometida
aele que cavalgariam juntos para ver as condições das
pastagens a oeste, onde estavam confinados os touros.
Agora, aninhada no banco da carroça, Leah
esperava por Gar, chacoalhando Karen nos joelhos e
cantarolando uma cantiga infantil.
— Essa eu nunca ouvi — Gar falou, acomodando-se
a seu lado. — Onde aprendeu todas as canções que
canta para as crianças?
Leah riu, seu humor estava muito melhor do que
pela manhã.
— As vezes minha mãe cantava-as para mim e
nossos vizinhos também sempre cantarolavam enquanto
trabalhavam. Acho que quando eu era pequena passei
mais horas nas casas desses vizinhos do que na minha
própria casa.
— Sua mãe não ficava com você?
Leah apressou-se em corrigir o mal-entendido.
— Claro que ficava, mas quando ela ia atender al-
guém ou fazer algum parto essas pessoas tomavam
conta de mim.
— Ah, sua vida não foi muito fácil, não? — Incitou
os cavalos a trotarem rápido e carroça foi sacolejando
pela estrada de terra batida. Movido por um impulso,
esticou o braço e passou-o em torno de Leah e da filha,
trazendo-as para mais junto de si.
— Sim, mas foi duro para minha mãe também. Só
percebi isso quando voltei a Kirby Falis. As pessoas
estavam acostumadas com o dr. Swenson e — tinham
medo de confiar em outra pessoa, ainda mais uma
estranha. Demorou algum tempo até aceitarem que eu
também poderia ajudá-los.
— E o que fez nesse meio tempo?
Um riso breve curvou os lábios rosados.
— Tentei me virar da melhor forma possível — con-
fessou, observando-o de soslaio. — Lavava algumas
roupas e vivia com o mínimo necessário para sobreviver.
Alguns meses depois de ter chegado aqui, quase mudei
de idéia e voltei para Chicago. Já tinha até começado a
arrumar minhas coisas quando Hobart Dunbar bateu em
minha porta e pediu que eu cuidasse de um dos
hóspedes que havia caído na escada do hotel. O dr.
Swenson não estava me Kirby Falis e o homem tinha um
corte profundo na cabeça.
— Então você ficou. — O braço forte apertou-a
ainda mais contra o peito viril. — Fico imaginando
quando foi isto… antes ou depois de eu tê-la notado?!
— Quem pode saber. — Sentiu o coração disparar
diante da simples lembrança que poderia ter ido embora
antes de Garlam entrar em sua vida. — Sou muito
teimosa e resisti, aos poucos as coisas começaram a
melhorar. Alguns dos solteiros que trabalham na serraria
me procuraram para cuidar de suas roupas, Hobart me
encarregou das toalhas e lençóis do hotel e o dr.
Swenson, depois de ver como cuidei do corte na cabeça
do hóspede do hotel, começou a me mandar pacientes
que ele não tinha interesse em tratar, alguns cortes,
ossos quebrados.
Gar resmungou alguns impropérios diante da men-
ção ao médico da cidade.
— Acho que em certos dias a única coisa que inte-
ressa a Swenson é uma boa garrafa de uísque, Leah. Ele
está envelhecendo e não tem nem ânimo nem físico
para atender a certos chamados fora da cidade.
— Ele não tem família?
— Sim, mas os filhos já estão crescidos e foram em-
bora daqui. A esposa morreu há seis ou sete anos.
Seguiram em silêncio durante vários minutos. En-
tão, Gar pigarreou e remexeu-se no assento de couro.
— Fico feliz que o doutor não tenha vindo comigo
quando Hulda precisou de ajuda.
— Você disse que ele não estava disponível —
Leah lembrou-o.
— Porque Swenson tinha andado bebendo naquela
noite. Quando o encontrei, disse claramente que não
viria comigo para trazer ao mundo outra criança morta.
Gritou que avisara Hulda de que se ela engravidasse de
novo não teria sua ajuda.
— Estou surpresa de você não tê-lo esbofeteado
depois disso.
— Bem, confesso que tive vontade de matá-lo,
mas eu não estava com tempo para me meter em
encrenca. Estava nevando muito e Hulda precisava de
ajuda o mais rápido possível. Foi aí que recorri a você.
— E o que o fez pensar que eu o ajudaria?
Ele a perscrutou com o olhar.
— Você tem um bom coração, Leah. E as pessoas
diziam que era muito boa na arte de curar os doentes
que lhe chegavam as mãos. E, também, você nunca
dava atenção quando os homens a ficavam cortejando.
Sempre foi uma senhora muito respeitada por essa sua
atitude e eu gostava disso.
O elogio trouxe uma onda de alegria ao peito de
Leah. Fascinada, voltou-se para encará-lo.
— Eu pensei que nunca tivesse me notado antes do
dia que veio me pedir ajuda.
— Ah, mas eu tinha assim — murmurou,
estendendo seu olhar para o rosto de pele alva, os
cabelos cor de mel e o corpo de curvas generosas. — Só
que não podia deixar que esse interesse transparecesse
ou fugisse ao controle. Eu era um homem casado, Leah,
e você não era minha esposa, portanto, não podia me
dar o direito de apreciá-la como mulher. O pior era ter
de ficar ouvindo Brian Havelock contar vantagens a seu
respeito, sobre como pretendia convencê-la a se casar e
coisas assim. Era óbvio que aquele frangote não era
homem o bastante para você.
— Pois eu pensei que me odiasse, Gar. Isso na noite
que Hulda morreu e também muito tempo depois.
— Eu odiava a mim mesmo. Culpei-a porque assim
era mais fácil aceitar minha responsabilidade no que
havia acontecido. — Franziu o cenho e respirou fundo.-
As vezes, ainda fico muito zangado comigo mesmo por
ter engravidado Hulda, mas já não me sinto mais tão
culpado quanto antes. Estou aprendendo a lidar com
minhas falhas e virtudes.
— Todos nós temos falhas e virtudes, Gar. Só temos
que aprender a conviver com elas da melhor maneira
possível.
— Sim, acho que você tem razão, sra. Lundstrom, e
espero, do fundo do meu coração, que nunca minhas
falhas a afugentem de mim.
— Eu digo o mesmo, Gar. Eu digo o mesmo — Leah
murmurou, lembrando-se das cartas de Anna Powell e
da acusação injusta que pesava sobre suas costas.
O armazém estava lotado e, como de costume,
Karen foi o centro das atenções, com todos os presentes
mimando-a com carinhos e gracejos, até mesmo os se-
nhores que se reuniam na mesa junto ao velho fogão.
Leah seguiu por entre os outros fregueses e parou
diante do balcão, entregando sua lista a Bonnie.
— Deixe-me ver sua mão — pediu, segurando os
dedos da moça e removendo a pequena bandagem. —
Ah, já estava quase boa. Tome cuidado da próxima vez,
mocinha, deveria ter cortado o tecido, não metade do
dedo.
— Eu tomarei, pode deixar, e obrigada pelo
remédio que mandou com Lars. Se não fosse isso não
sei como conseguiria trabalhar nesta última semana.
— Não precisa me agradecer, Bonnie. Mas, acha
que pode cuidar de minha lista rapidinho? Gar deve
passar aqui a qualquer momento. Ele só ia buscar um
arreio novo no ferreiro.
— Claro, cuidarei disso agora mesmo.
E enquanto a jovem Nielsen se ocupava da lista de
compras, Leah ficou ouvindo a conversa das senhoras
que, como sempre, aproveitavam a ida ao armazém
para colocarem as fofocas em dia.
Lula Dunbar era a que mais falava e, por um ins-
tante, Leah teve pena do pobre Hobart. Como ele podia
agüentar uma mulher que via defeito em todos e que
fazia questão de dizer isso em alto e bom tom?
Ainda estava pensando nisso quando o barulho ca-
racterístico da porta do armazém sendo aberta chamou-
lhe a atenção.
— Leah, é seu marido — Bonnie avisou,
sinalizando na direção do homem alto e loiro que
acabava de entrar.
Leah virou-se para encarar Garlam. O rosto angu-
loso tinha uma expressão sombria quando ele acenou
para ela daquela maneira que já lhe era familiar.
— Preciso ir, senhoras. Bonnie, você já colocou
todas as minhas coisas juntas?
Bonnie assentiu.
— Sim, só levarei um minuto para fazer o
embrulho.
Leah seguiu para junto de Gar e entregou-lhe Karen.
— Karen está muito pesada, Gar. Importa-se de
carregá-la só por um minuto?
Ele assentiu, tomando a criança nos braços.
— O xerife disse que precisa falar com você, Leah.
Ele está aí fora. Quer que eu te acompanhe?
Diante do que acabava de ouvir, Leah sentiu como
se todos os seus planos de felicidade estivessem ruindo
por terra. O rosto ficou pálido como uma folha de papel
e, sem dizer uma só palavra, meneou a cabeça e saiu
para rua a procura do xerife.
Morgan Anderson era um homem discreto e sua
presença raramente era notada pelos moradores da
cidade, uma vez que crimes eram raridade na pequena
Kirby Falls. Um bêbado ocasional poderia passar a noite
na cadeia do xerife e, de vez em quando, os tra-
balhadores da serraria provocavam alguma algazarra ao
se reunirem para beber, geralmente logo após o dia do
pagamento, mas isto era tudo o que os habitantes locais
conheciam como atitude fora-da-lei.
Talvez por esse motivo Morgan fosse quase um es-
tranho para Leah que, trêmula, atravessou a rua e parou
diante do xerife que estava recostado no pilar da
varanda da barbearia.
— Meu marido disse que o senhor queria falar co-
migo. — Esperou até que o sr. Anderson endireitasse o
corpo e colocasse as mãos no bolso da calça de sarja.
Apesar do olhar perscrutador que lhe dirigiu, o xerife
tinha uma aparência bastante respeitável.
— Sim, sra. Lundstrom. Ontem recebi um visitante
que estava a sua procura. Não sabia ao certo o que
deveria responder ao sujeito, mas quando ele ameaçou
espalhar cartazes de recompensa com sua foto por
todos os cantos da cidade, achei melhor ser mais
cuidadoso.
— Quem era ele? — Seria possível que Sylvester
Taylor a tivesse localizado depois de três longos anos?
As ameaças estridentes de Taylor ainda a perseguiam
em seus pesadelos. Gritando que iria mandá-la para a
prisão, ele a tinha seguido até sua casa naquela fatídica
noite em que o bebê morrera. Entre outras coisas,
chamara-a de assassina e mentirosa.
E quem iria acreditar numa pobre parteira acusada
por um homem rico e influente que tinha muito dinheiro
para contratar os melhores advogados do país?
— Um detetive de Chicago — respondeu o xerife
Anderson calmamente. — Vamos caminhar um pouco,
senhora. E a melhor maneira de evitarmos os ouvidos
curiosos.
Leah hesitou por alguns instantes, depois caminhou
ao lado dele na calçada estreita.
— Eu dificilmente daria ouvidos ao que o homem
tinha a dizer, sra. Lundstrom. Mas o fato é que ele
parecia muito convencido de que seu cliente conseguiria
mandar prendê-la. Também me contou que a senhora
fez o parto de Mabelle Taylor e que foi descuidada, por
isso o garoto morreu.
— Não vou nem tentar me defender dessa
infâmia, xerife. Só vou dizer que é mentira — Leah
murmurou, respirando fundo. — Mas o que mais o
detetive disse? Terei de voltar a Chicago algemada?
Os lábios de Anderson se abriram num arremedo de
sorriso.
— Não, não creio que a coisa vá tão longe,
madame. Disse a ele que sabia onde a senhora estava,
mas que só a intimaria a dar seu depoimento quando a
corte a notificasse de que seria julgada.
— Quer dizer que vou ficar em liberdade vigiada
de agora por diante?
— Sim, a não ser que a senhora deseje se adiantar e
provar sua inocência antes de ouvirmos notícias de
Chicago.
Leah negou com um movimento de cabeça.
— Não tenho como fazer isso. Seria minha palavra
contra a da sra. Taylor. Tudo o que posso lhe dizer é que
a esposa de Sylvester Taylor é uma demente. Qualquer
criatura capaz de matar o próprio filho não deve ser
considerada um ser humano. E foi o que Mabelle Taylor
fez, ela matou a criança.
— Esta é uma acusação muito grave, madame.
— No entanto é a verdade, xerife.
Morgan parou bem defronte ao hotel.
— Acho que devemos voltar, vi seu marido ao lado
da Casa Mercantil. Deve estar a- sua procura.
— Sim, certamente está. — O coração batia des-
compassado em seu peito e ela tinha dificuldade em
respirar. Precisava pedir ajuda a Gar, era sua única
chance. Por certo seu marido saberia o que fazer.
Mas, se soubesse, será que acreditaria nela? Depois
dá estranha circunstância que acabara por uni-los, a
morte de Hulda no parto, será que Gar iria acreditar em
sua versão dos fatos?
Leah ficou ainda mais aturdida. Ou será que a frágil
harmonia que haviam conquistado naquele casamento
também seria colocada em cheque?
Ah, isto ela teria que pagar para ver. O problema
era que o preço era alto demais e o jogo da vida não
admitia blefes…
CAPITULO XI
— Vai me contar o que Morgan Anderson queria
com você, Leah? Ou será que não posso saber? — Gar
ficara em silêncio durante a meia hora que demorara o
trajeto da cidade até a fazenda. Só agora, ao ajudar a
esposa a descer da carroça, verbalizava a pergunta que
o incomodava.
— Claro que você pode saber. Vou lhe contar tudo.
Só estou um pouco confusa, preciso colocar meus
pensamentos em ordem antes de fazer o que me pede.
— Ela deu uni passo atrás e as mãos de Gar soltaram-lhe
a cintura.
Foi naquele exato momento que Karen acordou e
virou a cabeça nos ombros de Leah, resmungando por
seu sono ter sido interrompido antes da hora.
— Shh, querida… Shhh! — Leah balançou a menina,
tentando reconfortá-la.
— Mais tarde entrarei para conversarmos — decla-
rou Gar, pegando o arreio que fora buscar na cidade e
começando a caminhar em direção ao estábulo. A parte
traseira da carroça continuava cheia, resultado das
compras que haviam feito no armazém geral.
— Traga minhas coisas quando você entrar — Leah
pediu e ele assentiu com um movimento de cabeça.
Com Karen nos braços, galgou os degraus da va-
randa e nem mesmo o som da voz empolgada de Kris-
tofer conseguia penetrar na névoa de preocupação que
a envolvia. O que deveria fazer? Como deveria falar com
Gar a respeito do detetive?
Pensativa, ajeitou a menina no colo e embalou-a
para que voltasse a dormir, mas, dessa vez, ao contrário
do que sempre acontecia, seus lábios não cantarolaram
tinia canção de ninar. Afinal, não havia música em sua
alma e muito menos melodia suave em seu coração.
Restava-lhe apenas o terrível peso do medo.
A essa altura, o detetive deveria estar de volta a
Chicago e, provavelmente, já falara com Sylvester Tay-
lor, Leah ponderou. Quanto tempo ainda demoraria para
o milionário aparecer em Kirby Falls alardeando suas
acusações?
Um suspiro escapou dos lábios de Leah e ela seguiu
para a sala, ajeitando o acolchoado sobre o tapete e
colocando dois travesseiros para servir de apoio a me-
nina. Não queria levá-la para o quarto porque se cho-
rasse seria mais difícil ouvi-la.
O jantar daquela noite exigiria pouco trabalho, pois
já deixara as bistecas de porco temperadas, o pão
estava pronto para ser colocado no forno, juntamente
com as batatas que pretendia dourar, e os pêssegos em
compota que tinha na despensa deveriam servir muito
bem como sobremesa. Assim, ela se concentrou nas
tarefas rotineiras e o tempo passou mais depressa do
que imaginava.
Kristofer entrou na cozinha no momento exato em
que tirava o pão de milho do forno. Os olhos azuis do
menino brilhavam cheios de empolgação.
— Ah, dona Leah, cavalguei a tarde toda com Banjo
e Lars e eles disseram que não sabem o que fariam sem
minha ajuda. Acham que já sou quase um homem-feito.
Leah riu e abraçou o menino com carinho. Apesar
de toda a tristeza que se abatera sobre a casa dos
Lundstrom, Kristofer era uma criança adorável.
— Tenho certeza de que sim, meu querido. Agora
que tal experimentar um pedacinho de pão? — Soltou-o
e entregou-lhe uma fatia do pão de milho que ainda
estava quente. — Posso passar um pouco de manteiga
se quiser.
Ele aceitou prontamente.
— Sabe dona Leah, estou muito feliz que a
senhora tenha vindo morar com gente e se tornado
minha nova mãe.
Leah acariciou os cabelos dourados e sentiu
lágrimas minarem-lhe dos olhos.
— Eu também estou, Kris, também estou —
murmurou, rezando para que nada no mundo, nem
mesmo todo o ódio de Sylvester Taylor pudesse destruir
a família que ganhara no último verão.
— Eu… eu não imaginava que viria a meu quarto
esta noite — Leah falou num tom hesitante.
Garlam estava parado na soleira da porta, uma mão
na maçaneta e outra no batente.
— Por que duvidou de minha palavra? Quando disse
que nunca mais iríamos dormir separados estava fa-
lando sério, minha cara esposa.
Leah ficou em pé diante do toucador e fitou-o
através do espelho. Os cabelos cor de mel estavam
soltos e caíam como uma cascata reluzente até pouco
abaixo da cintura fina. A mão delicada ainda segurava a
escova suspensa no ar como no momento que o vira
abrir a porta.
— Sim, eu sei, mas pensei que… — Deixando a
escova sobre o toucador, Leah puxou os cabelos para
trás e começou a fazer a trança que usava todas as
noites para dormir.
— Pensou o quê? — interpelou-a Gar, dando um
passo adentro e fechando a porta atrás de si.
Leah o viu baixar os suspensórios e desabotoar a
calça de sarja.
— Não importa. — Deu de ombros, subitamente
consciente de que também não estava vestida como
deveria. A camisola de cambraia que vestia era tão fina
que tinha a sensação de que revelava não apenas as
curvas generosas de seu corpo, mas também todos os
segredos e mistérios de sua alma.
— Importa sim, Leah! — insistiu Gar, sentando-se na
cadeira de palhinha e começando a tirar as botas de
cano alto. — Para mim é importante saber no que minha
esposa está pensando.
Leah virou-se de frente para ele, sentindo os olhos
azuis a percorrerem de alto abaixo com grande
interesse.
— Bem, pensei que ainda estivesse zangado porque
não falei nada do caminho da cidade até aqui.
Era uma noite quente, o ar estava pesado, não
havia brisa soprando por entre as cortinas de renda,
nem mesmo os pássaros noturnos que empoleiravam na
árvore diante da casa se dispunham a entoar seu canto
triste.
Lentamente, Gar ficou em pé, tirando a camisa e
jogando-a para longe. O peito viril ficou totalmente
exposto e só agora Leah notava que era coberto de
pêlos dourados.
— Ah, minha querida esposa, a ira que senti por seu
silêncio não é páreo para o que sinto agora.
Leah estremeceu, lembrando-se de como seu corpo
havia reagido tão prontamente ao dele na noite anterior.
Diante da simples recordação de como a boca carnuda
havia acariciado e sugado-lhe os seios no prelúdio do ato
de amor, os mamilos túrgidos se projetaram de encontro
ao tecido fino da camisola.
— Será que não podemos deixar para conversar so-
bre o que houve na cidade amanhã, Gar? — pediu,
movida ao mesmo tempo pelo medo e pelo desejo.
— Tem razão, Leah. Creio que podemos conversar
amanhã. A noite não foi feita para conversas, mas sim
para saciarmos nossos corpos sedentos, permitindo que
se conheçam melhor. — Sinalizou em direção à cama,
uma mensagem que era mais do que explícita.
Leah se afastou da penteadeira, parte dos cabelos
balançando livremente em suas costas. Então, decidiu
recomeçar a trança que havia deixado pela metade.
— Não! — protestou Gar. — Gosto deles soltos, não
os prenda.
Leah hesitou, mas acabou obedecendo. Confusa so-
bre o que fazer a seguir, sentou-se na cama.
— Vá para o outro lado, Leah. Vou dormir deste. —
As mãos enormes abaixaram calça e cueca ao mesmo
tempo e, logo, Gar estava totalmente nu diante dela.
Por um instante, Leah teve vontade de contrariá-lo.
Como ele ousava tratá-la com tanta ousadia? Então, ao
apreciar a beleza viril do corpo do marido, Leah se
esqueceu do seu orgulho e tudo o mais no mundo, até
mesmo do detetive que viera procurá-la em Kirby Falis.
Naquela noite o mundo lá fora não a impediria de
viver plenamente a magia de pertencer a Garlam
Lundstrom, seu marido. Sim, iria deixar que ele lhe
ensinasse a melhor maneira de amar e ser amada.
E Gar só esperou até que Leah se movesse para o
centro da cama para se sentar no colchão macio e
toma-la nos braços.
Entre os dois só havia o tecido fino da camisola, que
Garlam logo tratou de desabotoar e jogar em algum
ponto do chão, antes de se apossar dos seios redondos e
fartos.
No instante seguinte, suas bocas se encontraram
sôfregas e as línguas enroscaram-se denunciando a for-
ça do desejo que os subjugava.
Leah se abriu para recebê-lo enquanto o sentia ex-
plorar cada centímetro de seu corpo com a boca, mãos
e, às vezes, os dois juntos.
— Humm, você aprende depressa, minha adorada
esposa! — As palavras provocantes a agradaram ela
sorriu, escorregando sob o peso do corpo másculo e
começando a beijá-lo no tórax, nos ombros e depois
acompanhando a linha de pêlos que seguia pelo abdome
plano.
Gar gemeu baixinho antes de retribuir o gesto, des-
lizando os lábios sedentos pelo pescoço elegante, o
lóbulo da orelha e, surpreendentemente, descendo para
os quadris e coxas de Leah, o que a fez arquear de
prazer.
— Oh, Gar!
Na noite anterior ele não a tratara com tanto cui-
dado, pois julgava que fosse experiente no jogo da se-
dução. Hoje, no entanto, Gar estava provando que não
só a respeitava como mulher como também desejava
lhe ensinar o grande segredo do prazer.
E Leah estremeceu embaixo dele, consciente dos
músculos das pernas e do tórax que a cobriam enquanto
a masculinidade de Gar encontrava o caminho para os
recessos sagrados de seu corpo.
Com um gemido rouco, Gar agarrou-se a ela e a
preencheu com a mais pura seiva da vida. Esse
momento mágico foi seguido por um breve silêncio e
depois ele sussurrou palavras sensuais e ternas no
ouvido de Leah.
Torturada pelo desejo que pulsava em suas entra-
nhas, Leah puxou-o para si como se precisasse sentir
cada centímetro do corpo do marido. Então, de súbito,
descobriu-se explodindo num turbilhão de emoções e
sensações maravilhosas. O que tinha acontecido entre
eles na noite anterior fora bom, mas que estava acon-
tecendo agora, era infinitamente melhor.
Naquele quarto construído para a noiva virgem do
dono da casa e à luz de velas, Leah acabava de des-
cobrir a beleza magnânima do ato de amor. E, naquele
momento, ela conseguiu perceber que a posse não fora
um privilégio de Gar, ela também possuíra o marido,
sugando-o para dentro de seu corpo e flutuando com ele
nos braços da satisfação e felicidade que se seguiram.
Leah dormiu nos braços de Gar e quando acordou o
descobriu apoiado em um dos cotovelos, observando-a
com olhos brilhantes. Ela sorriu ao sentir o rubor cobrir-
lhe as faces. Por mais que tivesse se entregado ao amor,
ainda não estava acostumada a ficar totalmente nua
diante de um homem, mesmo que este fosse seu
marido.
— Você corou de novo, Leah. Será que esta manhã
o que a faz corar sãos as boas recordações do prazer
que tivemos?
Ela assentiu, incapaz de falar sobre a noite de amor.
— Guarde bem o que vou dizer, minha querida, não
importa as tempestades por qual passarmos durante
nossa vida a dois, mas esta parte de nosso relaciona-
mento nunca vai ser sacrificada ou ignorada. Podemos
esquecer tudo o mais, menos a felicidade que encon-
tramos nos braços um do outro.
Uma grande emoção tocou o peito de Leah. Nunca
tinha ouvido palavras tão bonitas e poéticas. Ficou
surpresa por descobrir um lado sensível e doce naquele
homem alto e forte com quem havia se casado. Obe-
decendo a um impulso, segurou-o pelo pescoço e puxou-
o para junto de si. Seus lábios roçaram um no outro, mas
dessa vez traziam apenas ternura e carinho, uma
espécie de agradecimento pelo que tinham vivido
algumas horas antes.
Gar sorriu, os olhos azuis perscrutando-a como se
quisessem ver-lhe a alma.
— Acabo de descobrir que você é a mulher do meu
coração. Aquela por quem esperei muito tempo. E saiba
que nunca disse isso antes a ninguém, minha querida…
O coche preto chegou no meio da manhã, quando
Gar e seus ajudantes já estavam ocupados com o
segundo corte de alfafa nos campos mais distantes da
casa.
Leah enxugou as mãos no avental florido que usava
e espiou pela janela da cozinha a fim de identificar o
visitante inesperado.
Ele tinha acabado de desmontar e com agilidade
amarrava o cavalo em um dos pilares que Gar fizera
próximo ao pátio, justamente para esse fim.
Leah observou a figura imponente de Eric Magnor
galgar os degraus da varanda. Sentimentos
contraditórios a assolavam, ao mesmo tempo que ficava
feliz ao vê-lo sentia-se apreensiva ao pensar em como
Gar reagiria a essa visita. Mas ela não teve tempo de
ficar remoendo o assunto, pois logo apenas a porta de
tela os separava e ela a abriu rapidamente, com medo
de parecer mal-educada.
— Entre sr. Magnor. Mas que bons ventos o trazem
aqui?
Ele a encarou durante alguns segundos, então os
olhos acinzentados percorreram a cozinha. Eric Magnor
seguiu até uma cadeira e puxou-a.
— Será que posso me sentar, Leah?
— Sim, é claro — assentiu, notando que alguma
coisa o preocupava.
— E melhor você também se sentar, Leah. — Ele
removeu as luvas e o chapéu de feltro branco que usa-
va. — Precisamos conversar.
— O que aconteceu, sr. Magnor?
— Sente-se, por favor — voltou a pedir, observando-
a enquanto ela obedecia. — Desculpe-me por ter vindo
assim, minha filha — disse após alguns instantes de
hesitação.
— Mas ouvi rumores na cidade e temo que você
esteja precisando de ajuda. O que posso fazer para
ajudá-la, Leah?
— Rumores? — Ora, certamente o xerife não tinha
espalhado a história sobre o detetive contratado por
Sylvester Taylor, tinha?
— Bem, um detetive ofereceu uma recompensa
para quem denunciasse seu paradeiro, e um certo
sujeito de Kirby Falis já está contando vantagens sobre o
dinheiro que vai ganhar assim que o telegrama que
mandou chegar a Chicago.
— O que o senhor está dizendo!? — Leah sentiu o
corpo desfalecer, tinha a forte sensação de que estava
prestes a desmaiar. — Quem seria capaz de fazer isso,
meu Deus!?
— Você desprezou um jovem pretendente antes de
se casar com Gar Lundstrom, não foi? O sujeito trabalha
para mim, Brian Havelock. Ou melhor, Brian trabalhava
para mim.
— Brian? Brian seria capaz de fazer isso comigo?
Acho que não, sr. Magnor. Deve estar havendo algum
engano. E como ele poderia saber sobre o detetive de
Chicago?
Eric meneou a cabeça de um lado para outro.
Aconteceram muitas coisas na cidade de ontem
para hoje, minha cara. O tal detetive andou espalhando
cartazes com seu nome, descrição física, e também ofe-
recendo uma recompensa, em vários pontos de Kirby
Falls. Contaram-me que assim que viu um destes car-
tazes, Brian telegrafou para a tal agência de detetives.
— O xerife Anderson não me disse nada sobre esses
cartazes — Leah engoliu em seco.
— Ele não sabia. Foram colocados sem a permissão
de Morgan. Nosso bom xerife os rasgou assim que os
viu, mas já era tarde. O dano já tinha sido feito.
— E o que vou fazer agora?
— O que Gar sugere que faça? — Eric olhou para a
porta como se estivesse esperando o dono da casa
entrar a qualquer momento. — Onde está seu marido,
Leah? Ele deveria estar aqui para ouvir as notícias
junto com você. Precisam estar preparados para o que
acontecerá a seguir.
— Garlam não sabe de nada. — Como se essa con-
fissão a condenasse, Leah ergueu as mãos e cobriu o
rosto, torturada pela culpa e pelo medo. — Eu queria ter
contado, mas nós… — Meneou a cabeça de um lado
para outro, pensando na noite de amor e depois na
correria que fora aquela manhã.
Eles tinham perdido a hora e Gar estava atrasado
para o trabalho. Quando acordaram, os rapazes já o
esperavam na carroça para seguirem ao campo de feno
e ele mal se permitiu saborear o farto dejejum a que
estava acostumado.
— Isso é algo que não pode esconder de seu
marido, minha filha — Eric falou com uma ruga a vincar-
lhe a testa larga. — De acordo com o xerife, o assunto é
muito sério.
Ela ergueu o rosto e a agonia estava evidente nas
feições bonita.
— O senhor sabe o que houve? O xerife lhe contou a
verdade?
Eric assentiu.
— Sim, fui procurá-lo assim que ouvi o falatório na
serraria. A cidade também estava fervilhando com as fo-
focas, Leah, mas eu sabia que deveria ouvir a sua
verdade.
— Ah, céus! — Abaixou a cabeça, lágrimas quentes
rolavam-lhe dos olhos.
— Leah, o xerife disse que você está sendo acusada
da morte de um recém-nascido.
Lentamente, ergueu o rosto. Os olhos azuis espe-
lhavam a tristeza e o desespero que a consumiam.
— Ah, senhor, Deus é testemunha de que fiz o parto
de Mabelle Taylor e trouxe uma criança viva e saudável
a este mundo, mas, menos de meia hora depois, en-
contrei-a morta com o pescoço quebrado. A mãe me
acusou pelo crime e eu temi por minha própria vida. O
sr. Taylor é um homem rico, bastante influente no país
todo, e ele queria muito um filho.
— Se é assim, por que ele chamou você para cuidar
do caso? Certamente tinha dinheiro para mandar a mu-
lher a um médico — Eric raciocinou e franziu o cenho.
Leah alisou as rugas da toalha de mesa, tentando se
acalmar.
— Não sei. Sylvester Taylor me procurou no meio da
noite e eu o acompanhei até a casa dele. Nunca antes
tinha feito um parto naquela parte da cidade. Grande
parte de minhas pacientes eram mulheres pobres e o ar.
Taylor me surpreendeu ao me oferecer cinco dólares
para ajudar a esposa dele.
— Era muito dinheiro para ajudar num parto, não?
Leah anuiu.
— Mais do que eu já tinha ganho antes. Era tanto
que eu não podia recusar, muito embora não pudesse
deixar de me perguntar por que ele não chamava um
dos médicos que costumavam atender os ricos da
cidade.
— O que aconteceu depois? A sra. Taylor teve um
parto difícil?
— Não, na verdade não. — Leah negou com um
movimento e cabeça. — Ela já tinha tido um filho antes
e, por alguma razão, o bebê também havia morrido. —
Fechou os olhos, lembrando a expressão odiosa de
Mabelle Taylor. — Acho que ela matou aquela criança
também, sr. Magnor. E uma mulher diabólica. Quando
coloquei o bebê em seus braços, ela se afastou, como se
o achasse repugnante, nem se permitiu tocá-lo. Meia
hora depois, eu já estava na porta da mansão, pronta
para ir embora, ouvimos a ara. Taylor gritando e
subimos as escadas correndo. O bebê estava morto.
As lágrimas rolaram em cascata pelo rosto de Leah
enquanto ela se lembrava da noite mais trágica de sua
vida. Sua voz falhou ao tentar concluir a história que
nunca havia contado a outra pessoa.
— A cabeça do menino estava caída para o lado e
Mabelle apontou para mim dizendo que eu o tinha
trazido morto ao mundo e que a fizera acreditar que
estava apenas dormindo.
— O que Gar acha disso tudo?
— Já lhe disse, ele não sabe.
— Está me contando uma história que nunca contou
a seu marido? Por quê, Leah? Certamente, ele merece
saber.
Os lábios rosados tremeram enquanto Leah procu-
rava por uma explicação lógica.
— Quando cheguei a esta fazenda para ajudar
Hulda no parto, as coisas já estavam fora de controle.
Karen era um bebê enorme, para piorar, ainda estava
sentada e Hulda teve uma forte hemorragia.
— Então Gar a culpou pelo que saiu errado.
Leah levantou e caminhou pela cozinha, parando de
costas para a porta de tela.
— Sim, culpou. Mas eu não aceitei essa culpa, sabia
que tinha feito o melhor que podia. Ninguém poderia ter
ajudado Hulda Lundstrom no estado em que se
encontrava. O dr. Swenson, então, nem tentou. Ele se
recusou a atendê-la naquela noite.
Eric se levantou e caminhou até onde ela estava,
suas mãos repousando nos ombros delgados.
— Você achou que Gar iria pensar o pior a seu res-
peito, não? Pensou que ele poderia não acreditar que
estava dizendo a verdade.
— Eu nunca contei essa história a ninguém, ar. Mag-
nor. — O toque daquelas mãos era um conforto e Leah
permaneceu imóvel, deixando-o demonstrar que não só
a compreendia como acreditava em sua inocência.
— É hora de contar a verdade a seu marido, Leah.
Aliás, passou da hora de fazer isso — aconselhou-a num
tom gentil.
— Sim, eu deveria ter contado a ele ontem, depois
que falei com o xerife Anderson, mas aconteceram ou-
tras coisas e acabei deixando para depois.
— Ninguém consegue se esconder do passado para
sempre, minha cara. Todos nós temos segredos. O seu é
mais triste do que o da maioria das pessoas, mas um dia
você descobrirá que os meus também são muito difíceis
de se lidar e esquecer. — Eric Magnor afastou-se dela e
caminhou para o lado oposto da cozinha.
— O senhor tem segredos, ar. Magnor?
Ele se aproximou da mesa e segurou o chapéu e as
luvas que deixara sobre o tampo de madeira.
— Você vai saber a resposta a essa pergunta dentro
de algum tempo, Leah. Por enquanto, quero que fale
com seu marido. Diga-lhe o que acabou de me contar.
Honre-o com sua confiança.
— Ah, eu nem mesmo vou poder ir a cidade de novo
— ela suspirou, dando-se conta do ostracismo a que
estava condenada.
— Seus amigos vão ficar do seu lado, minha
querida. O resto das pessoas não importa, de um jeito
ou de outro logo a verdade virá à tona.
— Acha que irão tentar me levar de volta a
Chicago? — A idéia era aterradora, mas a possibilidade
de que acontecesse era muito real.
— Não se eu puder evitar — garantiu Eric com
sobriedade. — Disse que era seu amigo, Leah e estava
falando sério. Todos os meus recursos estão a sua in-
teira disposição. Se precisar, é só pedir. — Olhou por
sobre os ombros dela, e hesitou ligeiramente antes de
dizer: — Entre logo, Gar. Sua esposa está esperando
para conversar com você. Precisará ajudá-la a resolver
alguns problemas.
— Problemas? Que problemas?! — Gar perguntou
mal-humorado. A frieza de sua voz fez Leah estremecer.
— Será que pode me dar licença para entrar em minha
própria casa, Leah? — resmungou, começando a abrir a
porta e gesticulando para que ela saísse do caminho.
Leah o encarou com o rosto pálido e os lábios trêmulos e
só se moveu quando o marido a segurou pelos cotovelos
e empurrou para o lado.
— Bem, acho que vou deixá-los sozinho agora —
Eric Magnor disse formalmente. — Leah estava espe-
rando para conversar com você, Gar. Ela vai precisar de
toda sua compreensão.
— E você, Eric, será que já a compreendeu? — Gar
resmungou. Será que minha esposa já lhe contou por
que o xerife a procurou? Ou será que vou ter a honra de
ser o primeiro a saber?
— Gar, por favor! — Leah pediu, agarrando-se ao
avental e espremendo-o nervosamente entre as mãos.
— Não seja grosseiro com o sr. Magnor. Ele veio para me
ajudar.
— Já estava de saída — Eric Magnor repetiu, olhan-
do de Leah para o marido. — Desculpe-me, minha cara,
mas acho que não tenho o direito de interferir nessa
conversa que precisa ter com seu esposo.
E no momento seguinte o dono da serraria já
passava por Gar e fechava a porta atrás de si.
Leah e Gar se entreolharam durante algum tempo,
antes de ele finalmente quebrar o silêncio e atalhar num
tom mordaz:
— Bem, minha cara esposa, agora você terá de me
contar tudo o que o xerife Anderson lhe disse ontem, e,
desta vez, não vou tolerar nenhuma desculpa, ouviu
bem.
— Sim, Gar, eu ouvi. Mas não creio que você irá
gostar do que tenho a dizer — suspirou. — Preciso lhe
contar uma história muita longa e triste, e, por favor,
não me interrompa antes de eu terminar, do contrário,
posso perder a coragem de fazê-lo.
CAPITULO XII
A voz de Leah falhou várias vezes enquanto
revelava seu segredo, mas, quando terminou de contar
toda a verdade sobre a morte do bebê em Chicago, as
lágrimas rolavam em profusão por suas faces.
Gar não a interrompeu nem uma vez sequer e agora
a expressão do rosto másculo continuava impassível,
como se estivesse pesando tudo o que a esposa
acabava de dizer.
Leah deu um longo suspiro antes de acrescentar:
— Eu não tinha motivos para contar a verdade a
você, Gar. Ninguém em Kirby Falls sabia sobre o in-
cidente em Chicago e eu não queria tornar isso público.
No entanto, tinha muito medo do que poderia acontecer
quando Sylvester Taylor me encontrasse.
— Não é de admirar que o homem tenha ficado en-
furecido, Leah, ele perdeu o filho — Gar murmurou se-
camente. — Mas, pelo menos, a esposa continuou viva.
— Ah, você continua me culpando pelo que
aconteceu com Hulda, não? — Leah reclamou, sentindo-
se abandonada naquele momento difícil.
Os olhos azuis continuavam impassíveis.
— Não, não tenho razão para desconfiar de você,
Leah. Só acho que poderia ter me contado tudo isso
muito antes.
— Ontem — ela prosseguiu —, quando o xerife me
chamou para conversar, disse-me que um detetive de
Chicago tinha vindo a Kirby Falls a minha procura.
— Ah, isso também você escondeu de mim até
agora! Que bela opinião deve ter a meu respeito, não,
ara. Lundstrom? Para que acha que serve um marido?
Apenas para fazê-la vibrar de prazer?
— Por favor, Gar, entenda que eu estava apavorada.
Além do que, a noite passada você concordou que po-
deríamos deixar o assunto para hoje.
— Sim, mas por que não me falou logo de manhã?
Ela gemeu exasperada.
— Porque você estava atrasado para o trabalho,
meu caro.
Tais palavras pareceram acalmá-lo um pouco.
— Então, que grandes notícias Eric Magnor veio te
trazer?
— O tal detetive espalhou cartazes com a minha
descrição pela cidade e ofereceu uma recompensa para
quem revelasse meu paradeiro. Brian Havelock viu um
deles e mandou um telegrama para Chicago. E bem
provável que o xerife Anderson tenha de me prender.
Assim que Sylvester Taylor souber onde estou…
— Você não será presa coisa nenhuma, Leah Lunds-
tom! Vamos contratar um advogado para defendê-la e
provar sua inocência. — O tom era de quem não admitia
discussão sobre o assunto.
— Vai mesmo contratar um advogado para me de-
fender? — Leah estava surpresa.
Gar confirmou.
— Claro, você é minha esposa, mulher! —
exclamou, aproximando-se dela. As mãos enormes a
seguraram pela cintura. — Agora pare de chorar ou logo
teremos um rio inundando a cozinha. — Delicadamente,
ergueu-lhe o queixo e falou com voz suave: — Mas se
essas lágrimas tiverem o poder de lavar sua lama e
varrer o medo de seu coração, minha querida, pode
continuar chorando. Só que faça isso em meu ombro.
Um marido também serve para apoiá-la nos momentos
difíceis.
— Oh, Gar, vivi com medo durante tanto tempo! —
Leah gemeu e repousou a cabeça no peito largo. —
Deveria ter confiado em você antes.
Um leve sorriso brincou nos lábios carnudos.
— Você é a mulher que escolhi para viver o resto de
meus dias, Leah, e também para me ajudar a cuidar de
meus filhos. Por isso vamos superar isso juntos, como a
família que somos.
— Mama… mamãe — Karen resmungou erguendo
os bracinhos para que Leah a tirasse do cesto de vime.
— Só um minuto anjinho, mamãe já está
terminando aqui — Leah respondeu da despensa, onde
estava acabando de guardar o esfregão e as buchas que
usara para limpar a cozinha.
— Leah? Você está aí? — gritou uma voz feminina
vinda da varanda dos fundos.
— Estou aqui — ela respondeu saindo da cozinha e
abrindo aporta de tela. — Eva! Que surpresa! Entre, por
favor.
A agente postal estava parada na porta, o carro fu-
nerário de seu marido, Joseph Landers tinha ficado
estacionado diante da casa.
— Será que tem um tempinho para mim? — Per-
guntou Eva Landers com a expressão cordial que sem-
pre pairava em seu rosto quadrado.
— Claro que tenho! Desculpe se não a vi chegar,
mas estava guardando as coisas na despensa. Cuidado
para não escorregar que o chão está molhado. Acabei de
passar um pano porque os homens vivem trazendo
sujeira em suas botas.
Eva Landers riu e caminhou na ponta dos pés até
chegar à mesa.
— Ah, que criança linda! — exclamou, abaixando-se
um pouco para tocar nos cachinhos dourados de Karen.
Depositou um beijo na testa pequenina e Karen res-
pondeu ao carinho com um riso e gritinhos eufóricos.
— Consegue entender o que ela diz? — Eva
perguntou, sentando-se na cadeira mais próxima ao
bebê.
Leah negou com um movimento de cabeça.
— Não muito. Apenas mamãe, papai e “beijo”. Ka-
ren me chama de mamãe — contou num tom baixo e
emocionado.
— Ora, o que é mais que justo, Leah, você pôde não
tê-la trazido ao mundo, mas certamente cuidou dela
como se fosse sua filha — Eva afirmou. — E todos vêem
que é uma excelente mãe, Leah.
— Obrigada, Eva, mas não creio que tenha vindo da
cidade até aqui apenas para elogiar meus pendores ma-
ternais — Leah sorriu e serviu duas xícaras de café.
Eva concordou com um gesto de cabeça.
— Tem razão, não vim. Mas suspeito que você já
esteja sabendo o que aconteceu na cidade nos últimos
dois dias. Vi o coche de Eric Magnor entrar em Kirby
Falls vindo desta direção.
— Sim, o ar. Magnor esteve aqui. Ele me contou
sobre os cartazes e também falou que Brian andou
espalhando a notícia por toda cidade, além ter tele-
grafado par Chicago para revelar onde estou morando.
— E ainda pior do que isso, Leah. Lula Dunbar anda
sugerindo aos quatro ventos que a morte de Hulda de-
veria ser melhor investigada, em vez de aceitarmos ape-
nas sua palavra de que não havia como evitá-la.
— Como e quem teria condições de fazer isso? —
Leah empertigou-se.
— Certamente não o dr. Swenson, minha cara —
Eva garantiu com uma careta. — Mas saiba que a sra.
Thorwald saiu em sua defesa e, na frente de todos no
armazém, disse a Lula que por certo, se você não
tivesse ajudado Hulda, o bebê dela também teria mor-
rido naquela noite.
— Que Deus a abençoe por isso. — Os olhos de
Leah se encheram de lágrimas ao pensar na bondade da
ex-vizinha que a defendera sem pestanejar. — A ara.
Thorwald é uma alma boa e leal, não?
— Sim, e há muitas outras como ela na cidade, que-
rida. Mas sabe como algumas pessoas gostam de falar.
Agora Brian anda sugerindo que Eric Magnor tem um
fraco por você. Por isso Brian foi despedido. O que só o
deixou mais zangado. Esse rapazote idiota também
passou a culpá-la por ter perdido o emprego.
— Não entendo porque ele fez isso. Tratei-o o
melhor que pude diante das circunstâncias, já que
jamais poderia me casar com um garoto com quase
metade de minha idade. Mas Brian parece que não
entende isso — Leah suspirou.
— Um dia ele vai crescer e perceber que errou —
previu Eva. — Porém, enquanto isso não acontece, ele
está espalhando muitas fofocas pela cidade. O pior é
que não tem sido nada cuidadoso e temo que seu ma-
rido possa dar-lhe uma boa surra quando ficar sabendo.
— Ah, céus, Gar não pode ficar sabendo dos comen-
tários maldosos de Brian… Ele vai matá-lo!
— Foi justamente por pensar assim que resolvi vir
aqui esta tarde, Leah. E melhor que você mesma pre-
pare seu marido para a situação. Caso contrário, temo
que ele possa se descontrolar.
— Muito obrigada, Eva. E, por favor, acredite em
mim, o ar. Magnor não tem qualquer interesse escuso
em mim. Somos amigos e nada mais.
Eva ergueu as mãos para silenciar Leah.
— Isso você nem precisa me dizer, querida. Eric é
um bom homem, e se ele quisesse olhar para uma
mulher teria feito isso há muitos anos. Não quero pa-
recer mexeriqueira, mas acho que Eric Magnor ainda é
legalmente casado com a mulher que o abandonou.
Ninguém nunca ouviu dizer que ela morreu.
— Há quanto tempo a ara. Magnor partiu?
— Oh, há uns vinte e cinco ou mais. O pior foi que
levou a filhinha junto e Eric Magnor nunca mais as viu.
Uma lágrima rolou dos olhos de Leah. Podia muito
bem imaginar a dor que o dono da serraria experi-
mentara ao ser abandonado.
— Eu nunca seria capaz de abandonar Gar. Ele teria
que me dar um chute no traseiro para eu descer aquela
ladeira e nunca mais voltar.
— Duvido muito que isso venha acontecer — Eva
comentou com um leve sorriso. — Gar lutaria por você, e
também com você, se fosse o caso. Não tenho qualquer
dúvida de que ele a ama Leah. Basta olhar para os dois
quando estão juntos.
Leah sorriu e rezou secretamente para que Eva esti-
vesse certa. Sabia que Gar gostava dela, mas daí a amar
já era outra história bem diferente. Quem sabe um dia…
— Eva Landers esteve aqui hoje, Gar.
— Ah, que bom que foi Eva e não Joseph — ele
gracejou. — Vi o carro funerário aí fora e fiquei me
perguntando se estava com algum plano mirabolante
em relação a mim. — De cabeça baixa, removeu as
meias depois ficou em pé a fim de fazer o mesmo com a
calça grossa de sarja.
Leah fez uma careta no espelho.
— Que ótima sugestão, ar. Lundstrom! Da próxima
vez que tiver uma crise de ciúme acho que vou pensar
serenamente nisso. Onde já se viu ter ciúme de Eric
Magnor.
— Tenho ciúme de qualquer homem que se
aproxime de você, minha cara esposa — Gar confessou.
— Por falar nisso, o que Eva disse: o jovem Havelock
ainda está causando problemas?
— Bem, o ar. Magnor o despediu da serraria e acho
que já pode imaginar a reação de Brian.
Gar tirou a calça e jogou-a sobre a cadeira, agora os
dedos longos estavam ocupados em desabotoar a
camisa branca.
— Brian foi despedido por sua causa, Leah? — quis
saber, aproximando-se dela.
Ela assentiu e seus olhares se encontraram no
espelho.
— Brian ficou furioso e espalhou para a cidade
inteira que o ar. Magnor o despediu porque tem in-
teresse em mim. Está me culpando por tudo o que
aconteceu, Gar.
— Quando virar um homem, Havelock irá aceitar a
culpa por suas próprias ações — Gar filosofou. — Agora
ele está precisando de umas boas palmadas para
aprender a se comportar. Não é assim que fazemos com
crianças mal-educadas e travessas?
— Não quero que você brigue com ele, Gar — pediu,
suspirando ao sentir os dedos do marido acariciarem-lhe
o pescoço.
— Venha para cama, Leah. Falaremos sobre isso
amanhã.
Ela sentiu as lágrimas voltarem a rolar por suas
faces. Já tinha chorado mais nos últimos dois dias do que
em quase toda sua vida, pensou, sentindo as mãos
calejadas do marido secá-las com carinho.
— Eu já lhe disse numa noite dessas que nossa
cama é lugar de prazer e conforto, minha querida. E esta
noite será conforto e paz que teremos. — As mãos
enormes forçaram-na a ficar em pé. — Venha comigo,
senhora minha esposa.
Ela assentiu, observando enquanto Gar soprava as
velas, duas sobre a penteadeira e uma terceira junto à
cama. As cortinas flutuaram no ar, dançando ao sabor
da brisa noturna e Leah tremeu ao recostar a cabeça no
travesseiro. Os lençóis estavam frios e ela buscou o
calor dos braços do marido para aquecê-la.
Gar a puxou para junto de si, ajustando-lhe as ná-
degas de encontro ao abdome plano e másculo, então
enlaçando-a com as pernas para logo depois passar o
braço em torno da cintura delgada e segurá-la com uma
das mãos. O queixo anguloso repousou nos cabelos cor
de. mel.
— Agora descanse. Você já chorou mais lágrimas do
que tinha para chorar durante o resto de sua vida.
Aconteça o que acontecer, nós iremos superar. Relaxe e
deixe para se preocupar com que estão dizendo na
cidade quando tivermos de ir para lá. Não adianta sofrer
por antecipação.
Leah suspirou.
— Seus braços estão me segurando como se…
— Como se nunca mais pretendesse soltá-la, minha
querida — completou por ela. — Ninguém nesse mundo,
nem Brian Havelock, muito menos um detive em-
pertigado de Chicago vai conseguir afastá-la de mim,
ara. Lundstrom.
— Ah, eu só te trouxe problemas, Gar — A voz triste
ecoou na escuridão da noite e Leah se remexeu ao
sentir os braços que a seguravam deslizarem para a
curva de seus selos.
— Pois prometo que lhe darei mais do que apenas
problemas se não ficar quietinha e dormir, ara. Lunds-
trom! — Gar exclamou, segurando-a com mais firmeza e
cobrindo-lhe um dos seios com as mãos.
Leah fechou os olhos e deixou-o acariciá-la com in-
finita ternura. Dessa vez a sensualidade fora esquecida.
Naquela noite, era óbvio que Gar só queria protegê-la e
niná-la com a mesma delicadeza que dedicava a Karen
ou a Kristofer. Sim, ele não a queria apenas para sa-
tisfazê-lo na cama e essa constatação a deixou tão feliz
que Leah finalmente conseguiu dormir o sono dos justos,
não importava o que dissessem as más línguas.
O trabalho tinha prioridade sobre a curiosidade.
Dois dias passaram rapidamente, os homens trabalha-
vam a todo vapor para dividir uma imensa pastagem em
duas, construindo cercas e separando os ocupantes.
Leah saiu da casa e caminhou rapidamente, anteci-
pando o cheiro e o sabor das espigas de milho que flo-
resciam no campo e que logo seriam colocadas na
panela. Sorriu ao pegar uma das que estava no galho
mais alto. Era melhor colhê-la antes que o sol quente a
queimasse. Então, parando junto ao milharal, descascou
as espigas e levou-as ao nariz para sentir-lhe o aroma
que ficaria ainda melhor quando fosse cozida ou assada.
— O que a senhora está inventando agora? — brin-
cou Gar, puxando as rédeas do animal que usava para
puxar a carroça de feno.
— Só estou colhendo algumas espigas para fazer no
jantar de hoje. Gosto mais quando elas são novas e
frescas como estas. Quando ficarem amarelas e maiores
você pode usá-la para alimentar os animais.
Ele sorriu, o primeiro sorriso largo depois dos dias
difíceis que haviam tido.
— Muitíssimo obrigado, ara. Lundstrom. Meu reba-
nho irá aprovar sua generosidade. Suba aqui — chamou-
a. — Vou lhe dar uma carona até em casa.
Leah ergueu o avental, pesado por causa das
muitas espigas descascadas que havia ali, e subiu na
carroça vermelha.
— Acho que deveria ter trazido um saco para
colocar isto — falou, acomodando-se no assento de
couro.
— Acha que o que pegou vai dar para fazer o que
pretende para o jantar? — Gar perguntou, já anteci-
pando as guloseimas que experimentaria mais tarde.
Afinal, Leah era uma excelente cozinheira e ele um
ótimo garfo, o que tornava o casamento mais que per-
feito nesse sentido também.
— Sim, é mais do que suficiente. — Passou os
braços em torno das espigas e recostou-se para
aproveitar a pequena jornada. — Puxa, teria sido uma
boa caminhada até em casa se tivesse que voltar
andando. Estou feliz que tenha aparecido.
Gar a observou de soslaio.
— Não apareci por acaso, Leah. Tenho ficado de
olho em você no caso de recebermos algum visitante
inesperado. Hoje mais do que nunca porque os rapazes
estão trabalhando na cerca, do outro lado do pasto.
Leah franziu o cenho.
— O milharal está muito alto para vermos a casa
daqui, mas eu disse a Kristofer para tocar o sino se
alguém aparecesse.
— Fez bem. E talvez amanhã possamos ir a cidade
— Gar atalhou após alguns minutos de silêncio. — Já
está na hora de descobrir o que o xerife tem a dizer.
— Sim, e eu também tenho muita manteiga e ovos
para deixar no armazém geral para Bonnie vender.
— Você não precisa trabalhar tão duro batendo toda
essa manteiga, Leah. Os porcos usarão o leite que so-
brar e isto até será bom, porque deixa a carne deles
mais macia e tenra.
— Eu sei, mas não me importo com o trabalho… E,
depois, com o dinheiro que consigo posso comprar mui-
tas coisas para as crianças.
Ele parou os cavalos ao lado do celeiro e virou-se
para a esposa.
— Não estou lhe pedindo que me prestes conta
desse dinheiro, Leah. Mas acho que deveria gastá-lo
consigo mesma de vez em quando. Desde que veio para
a fazenda que não compra um vestido novo e tem o
direito de fazê-lo. Trabalha tanto!
— Por acaso está reclamando de meu guarda-roupa
sr. Lundstrom? — Leah brincou.
Gar perscrutou-a de alto a baixo, depois um sorriso
sensual brincou em seus lábios.
— Honestamente prefiro quando não está vestindo
nada, minha querida, mas, já que tem de usar alguma
coisa quando está fora daquele nosso quarto, gostaria
que comprasse alguma coisa que lhe agrade. Você está
sempre costurando vestidos novos para Karen, camisas
para Kristofer e nunca tem oportunidade de fazer algo
para si mesma.
Ela segurou as pontas do avental e deu um nó, pre-
parando-se para descer da carroça.
— Segure isso enquanto desço, Gar.
— Espere, vou ajudá-la a descer. — Com um mo-
vimento rápido, Gar saltou e contornou os animais antes
de se postar ao lado do passageiro. Os braços
musculosos a ampararam e ajudaram-na a vir ao chão.
Leah ficou parada ao lado do marido, aproveitando
a sensação gostosa de ter as mãos enormes em sua
cintura.
— Ainda está preocupada com o que pode
acontecer? — Gar perguntou.
— Bem, Sylvester Taylor é um homem muito in-
fluente em Chicago e sei que se ele quiser me levar ao
tribunal, não terá qualquer dificuldade para fazê-lo.
— Ele não tem provas contra você, Leah.
— Nem eu contra Mabelle, Gar. E minha palavra
contra a dela. Por certo, os Taylor terão uni bom ad-
vogado que fará de tudo para me desacreditar.
— Também poderemos contratar um. — Soltou-a e
começou a empurrá-la em direção à casa.
— Pensei bem sobre isso, Gar, e decidi que não
posso permitir que gaste seu dinheiro contratando um
advogado para me defender.
— Você não tem outra escolha, caríssima. Sabe mui-
to bem que meu dinheiro é o “seu” dinheiro. Estamos
casados, lembra-se?
Antes que ela pudesse responder, ouviram sons de
cascos de cavalos se aproximando da casa e ambos se
voltaram para a ladeira que serpenteava da estrada até
a sede da fazenda.
— Parece que sua previsão estava certa, tem
alguém vindo aí — Leah falou, apressando-se para
acompanhar as passadas de Gar até a frente da casa.
— Xerife — Gar saudou o recém-chegado, tocando
na aba do chapéu de palha enquanto o observava
desmontar.
— Sr. Lundstrom… madame — Morgan Anderson
retribuiu o gesto com polidez. — Estou feliz em en-
contrar os dois juntos.
Leah estremeceu diante de tais palavras.
— Algum problema, xerife?
Morgan segurou as rédeas do animal em uma mãos
e com a outra empurrou o chapéu para trás, deixando-o
cair em suas costas.
— Pode-se dizer que sim, senhora. Esta manhã
recebi um telegrama de Chicago. Parece que o sujeito
que a estava procurando decidiu levá-la aos tribunais.
Vai ter de comparecer em uma audiência daqui a três
semanas.
— E o que eles podem fazer comigo? — Suas pernas
tremiam, mal podendo sustentar-lhe o peso do corpo.
Atordoada, Leah acabou sentando nos degraus da
varanda.
Morgan os fitou com pesar, olhando primeiro para
Garlam, depois para onde Leah estava sentada.
— Ele a está acusando de negligência, senhora, e
também de homicídio culposo. Meus superiores me
incumbiram de escoltá-la até Chicago.
— Minha esposa vai ser presa? — Gar indagou, o
tom era baixo, mas bastava um olhar para o rosto
anguloso de Garlam Lundstrom para notar o quanto
estava furioso.
— Eu não diria isso. — O xerife tirou os chapéu das
costa e limpou-a nas pernas. — No entanto, sugiro que
contrate um advogado o mais rápido possível. Talvez
seja melhor ir até Minneapolis atrás de um dos bons.
— O que há de errado com os advogados de Kirby
Falis? — Gar quis saber, franzindo o cenho.
— O único que temos na cidade é o dr. Evan Dun-
woody e ele só trabalha para Eric Magnor, pois existe
muita papelada que precisa de apoio legal na serraria.
Nunca ouvi dizer que Dunwoody tivesse trabalhado para
outra pessoa.
— Alguém mais sabe o que o senhor veio nos dizer,
xerife? — interrogou Leah com preocupação.
Morgan pareceu envergonhado ao responder:
— Foi Ponny Lathers d~ estação de ferro que me
trouxe o telegrama. Tenho quase certeza de que ele
deve ter espalhado a notícia pela cidade.
— Bem, talvez tenhamos que pensar seriamente em
ir a Minneapolis. — Gar sugeriu virando-se para a
esposa. — Podemos pedir a Ruth para ficar com as
crianças durante uns dois dias.
— Podemos mesmo fazer isso? Ou eu estou proibida
de me ausentar da cidade? — Leah dirigiu a pergunta ao
xerife.
— Não, a senhora pode ir. Jamais tentaria impedi-la,
sei que não iria fugir e deixar as duas crianças aqui.
— No que tem toda razão — Garlam se apressou em
defendê-la.
— Podemos ir amanhã — Leah arriscou. — Falarei
com Ruth logo depois do jantar.
— Desculpe-me por ter sido portador de más
noticias, meus caros — o xenif~ murmurou, colocando o
chapéu e voltando a montar. — E, sra. Lundstrom, por
favor, gostaria muito que me mantivesse informado de
seus progressos com o advogado. Não quero que aquele
pessoai de Chicago pense que pode nos vencer só
porque vivem na cidade grande. Outra coisa… Acredito
em sua inocência — dizendo isso, esporeou o animal e
partiu.
Leah ficou olhando enquanto cavaleiro e animal de-
sapareciam na nuvem de poeira.
— Pai, seus cavalos estavam indo lá para trás do
celeiro! — Knistofer avisou, surgindo na varanda.
— Eu não acredito! — Gar resmungou e correu para
o celeiro a fim de cuidar dos animais que esquecera de
amarrar.
Leah pegou seus milhos e levantou-se lentamente
dos degraus.
— A senhora vai embora daqui, dona Leah? Os olhos
de Kristofer estavam marejados de lágrimas quando ele
a encarou.
— Estava ouvindo nossa conversa, Kris? — Leah
franziu o cenho.
O menino assentiu.
— Eu não tinha intenção de fazê-lo, mas eu estava
tomando água na cozinha e quando o xerife chegou não
pude deixar de ouvir o que diziam.
— Nós só vamos a Minneapolis por uns dois dias,
Kris — explicou. — E Ruth irá tomar conta de você e
Karen. Fica preocupado de passar alguns dias sem seu
pai?
— Eu nunca fiquei sozinho antes — ele disse, se-
guindo-a ao interior da casa.
— Vai dar tudo certo, meu querido — assegurou-lhe
com ternura. — Você sabe que Ruth é uma boa mulher e
gosta muito de você e sua mia.
— Eu sei que ela gosta, mas não tanto quanto a
senhora, dona Leah. A senhora vai voltar, não vai?
Leah fechou os olhos pana não deixá-lo ver o
quanto estava emocionada. Era óbvio que Kristofer
estava com medo de perdê-la da mesma forma que
pendera a mãe quase um ano antes, embora por razões
diferentes: uma fora levada pela força das leis divinas,
outra pela força das leis humanas…
— Sim, claro que vou voltar, Kris! — garantiu. — Eu
moro aqui agora. Seu pai, você e sua irmã são minha
família e eu os amo mais que tudo neste mundo. Voltarei
com certeza! — E mal terminou de falar elevou uma
prece aos céus, pedindo que sua promessa pudesse ser
cumprida, não só agora, mas também no dia que tivesse
de ir a Chicago para o julgamento.
CAPÍTULO XIII
— Quem vai nos levar até a cidade? — Leah
indagou, descendo os degraus da varanda com uma
pequena valise de couro nas mãos. Estava com a
mesma roupa que usara quando chegara a Kirby FalIs,
quatro anos antes: um clássico casaquinho azul-
marinho, camisa branca de seda, com muitas pregas ao
longo da gola, e saia do mesmo tecido e cor do casaco,
com cintura alta e botões de madrepérola.
O conjunto de três peças lhe caía tão bem quanto
caíra naquela ocasião e Leah tentou sufocar o orgulho
que sentia por isso. Não tinha engordado uma só grama
com o passar dos anos, como acontecia com a maioria
das mulheres, principalmente aquelas que passavam
dos trinta, e esse fato tão banal e mundano lhe servia de
consolo e alento na manhã ensolarada.
— Ninguém vai nos levar — Gar respondeu à
pergunta que a esposa fizera. — Deixarei a carroça & a
égua com Sten Pringle. Já fiz isso outras vezes quando
precisei viajar — contou, antes de estender a mão para
pegar a bagagem dela. Com cuidado, guardou a valise
de couro junto com a sua própria, que fora acomodada
ali minutos antes. — Benny não me deixou ajudar com o
arreio — contou com uma careta. — Disse que se eu o
fizesse iria chegar a Minneapolis cheirando à cavalo.
— Ah, Benny Warshem é um homem sábio. — Os
olhos azul-acinzentados mediram o marido de alto a
baixo. — Você, em compensação, Garlam Lundstrom,
não é nada sábio. — Fez uma pausa, antes de acres-
centar brejeira: — Mas devo admitir que é um homem
danado de bonito.
Os cabelos loiros brilhavam como ouro sob os pri-
meiros raios de sol da manhã, o terno impecável acen-
tuava os ombros largos e o porte naturalmente elegante.
Isso para não mencionar os traços harmoniosos do rosto
anguloso. Sim, definitivamente, hoje Gar estava mais do
que apenas bonito, ele estava magnífico em seu traje de
passeio.
E a esse elogio ele respondeu como Leah já imagi-
nava: sorriu enrubescendo e meneou a cabeça de um
lado para outro, contradizendo-a:
— Ora, pare com isso. Sou apenas um simples fa-
zendeiro, Leah Lundstrom. Os almofadinhas da cidade
grande, sim, cuidam da aparência e podem ser consi-
derados bonitos.
Gar estava se tornando previsível, ou talvez, era ela
quem estava começando a conhecê-los melhor.
— Certo, então digamos que você é apenas um fa-
zendeiro bonito, Garlam Lundstrom.
— Obrigado. Você também deveria ter comprado
um vestido novo para esta viagem. — As mãos eram
firmes quando a ajudaram a subir na carroça.
— Eu sou apenas a mulher de um simples fazen-
deiro, meu caro — plagiou-o. — Mas pode ficar tranqüilo
que coloquei outro vestido na mala, um que é
suficientemente novo para ser usado em Minneapolis.
Ruth segurava Karen no colo e parara bem junto à
porta da cozinha, por isso, assim que Gar incitou a égua
a partir, Leah se virou para acenar.
— Ah, vou sentir saudade das crianças.
— Sim, mas não tanto quanto elas de vocês. Espe-
cialmente Karen. Você é o sol no céu da vida de minha
filha, Leah.
Ela pestanejou e um lágrima inesperada escorreu
pela face alva.
— Nunca o ouvi dizer algo tão… tão…
Gar puxou as rédeas e fez o animal seguir pela la-
deira que levava à estrada.
— Tão idiota? — completou por ela.
— Não! — negou com veemência. — Não era isso
que eu ia dizer. Suas palavras tocaram meu coração.
Nunca fui uma mulher que poderia ser levada às lá-
grimas com facilidade, mas… — Fungou discretamente,
tentando controlar o fluxo de emoções.
— Ah, não? Pois então me enganou direitinho nestes
últimos dias — caçoou Gar.
— É verdade, nunca fui chorona, nem mesmo quan-
do criança — replicou, fuzilando-o com o olhar.
Gar riu e movimentou a cabeça num gesto
condescendente.
— Está bem, admito que nunca tinha visto chorar
antes. Mas isto é bom não acha?
— Não sei, talvez. Quem pode dizer? — Deu de
ombros e sorriu para o marido que estava muito mais
falante do que de costume. Claro que Gar deveria estar
tentando distraí-la para não pensasse nas verdadeiras
razões que os levavam a fazer aquela viagem, mas,
apesar de tudo, Leah gostou imensamente de vê-lo falar
sobre os planos que tinha para a fazenda, do lucro que
esperava obter na próxima feira agropecuária da região
e dos novilhos que estava engordando para vender no
outono.
No entanto, quando Sten Pringle surgiu diante deles
Leah soube que os momentos de descontração haviam
chegado ao fim. Com movimentos lentos, ela desceu da
carroça e preparou-se para caminhar até a estação
ferroviária.
Sentiu-se um tanto perturbada quando passou a
mão pelo braço de Gar e juntos começaram a caminhar
pelas ruas empoeiradas de Kirby Falls. Ao passarem
diante do armazém, ergueu os olhos para o marido e
empinou o nariz. Se orgulho fosse mesmo pecado, então
ela teria muito o que acertar com Deus quando subisse
ao céu. Afinal, estava determinada a não deixar que os
moradores da cidade percebessem o que lhe ia na alma.
— Bom dia — Eva Landers mal conseguia desviar os
olhos da impressionante figura masculina que tinha
diante de si.
Leah riu secretamente ao perceber o olhar de ad-
miração da velha amiga.
— Vocês estão vestidos com tanta elegância por al-
guma razão especial? — Eva estava parada na soleira da
porta do armazém, com algumas cantas na mão.
— Pode se dizer que sim — atalhou Leah. — Esta-
mos indo para Minneapolis. Pretendemos pegar o trem
da manhã.
— Deixe-me caminhar com vocês até o hotel, então.
Tenho algumas cartas para Hobart Dunbar.
Os homens sentados nos bancos é nas varandas os
observaram enquanto passavam, olhares e cochichos
seguiam o trio à medida que se aproximavam da ponta
do único hotel da cidade.
— Não dê atenção às fofocas — Eva aconselhou-a.
— Isto vai passar.
— Sempre me senti muito bem aqui em Kirby Falis,
mas agora parece que todos me olham com um misto de
recriminação e desprezo. — O bom humor de Leah tinha
desaparecido durante o curto trajeto da oficina do
ferreiro até ali.
— Apenas uma meia dúzia de pessoas deu atenção
ao falatório de Brian. E seja o que for que aquele homem
horrível de Chicago esteja planejando, tenho certeza de
que você será exonerada de qualquer culpa, minha
querida.
O apoio veemente e inesperado trouxe um leve
sorriso aos lábios de Leah e ela virou-se para abraçar a
amiga antes de seguirem em direção à estação
ferroviária.
No entanto, mal haviam atravessado a rua desco-
briram Brian Havelock sentado diante da barbearia.
— Espero que aprecie sua viagem, dona Leah! —
ele gritou, o desdém mais do que evidente, apesar da
distância que os separava.
— Não ouse dirigir a palavra a minha esposa! — Gar
disse em alto e bom som, corno se o insulto tivesse sido
a última gota que fazia sua indignação transbordar.
— Ora, eu só estava tentando ser amigável, sr.
Lundstrom — tornou Brian mordaz. — Ouvi dizer que sua
esposa gosta muito de ser amigável para com alguns
homens da cidade.
— Ignore-o, por favor — suplicou Leah. — Venha,
Gar, você disse que nós teríamos que nos apressar para
conseguir lugar nesse trem! — Puxou-o pelo braço, com
medo do que poderia acontecer.
Mas Gar não estava disposto a ignorar o
atrevimento do jovem Havelock. Com cuidado, tirou a
mão da esposa de seu braço, segurou-a e puxou-a de
volta para a calçada.
— Espere-me aqui. Vou ensinar umas coisinhas a
esse cretino. — Sem deixar chance de Leah protestar,
afastou-se rumou para a barbearia, já começando a
afrouxar a gravata. No meio do caminho desabotoou o
paletó e o tirou. Quando alcançou Brian, já havia
enrolado as mangas da camisa na altura do cotovelo.
— Está pensando em brigar comigo, velhote? —
Brian escarneceu, fitando o adversário com olhar de
superioridade.
— Estou pensando em lhe ensinar um pouco de
boas maneiras, moleque — Gar respondeu num tom
pausado, antes de entregar o casaco ao barbeiro que
havia saído na frente da loja ao ouvir a confusão.
Brian olhou para o grupo de homens que estava a
sua volta e pareceu ganhar coragem ao ouvir os mur-
múrios da audiência.
— Você pretende me bater com qual braço? — iro-
nizou, virando-se para Gar.
— Acho que vou usar estes dois soldados aqui —
Gar respondeu, movimentando os punhos cerrados para
frente e para trás.
— Então venha me pegar, velhote! — Brian desa-
fiou-o, insistindo em tratá-lo com desdém.
— É, acho que vou mesmo — dando um passo a
frente, Gar acertou um soco no queixo de Brian e o
rapaz gritou alto ao cair na calçada.
Impassível, Gar abaixou-se, pegou-o pelo colarinho
e bateu-lhe no rosto com mão espalmada, uma vez de
cada lado.
Brian se debateu e gritou uma série de desaforos
enquanto sentia o peso dos dedos longos a arder-lhe no
rosto. Então voltou a cair na sarjeta, vítima de uma série
de socos que o atingiram com precisão. Seus próprios
pulsos quase não causando nenhum dano ao físico
avantajado de Garlam Lundstrom.
A multidão vibrou enquanto se aglomerava em
torno dos dois homens. Por isso mesmo, Leah quase não
conseguia ver o que estava acontecendo. Atordoada,
recostou-se contra uma das janelas do hotel e cobriu a
boca com uma das mãos. Como isso podia ter
acontecido?!
— Gar não tinha outra escolha — falou Eva ao lado
dela.
— Mas eu não queria vê-lo brigando por minha cau-
sa. Gar deveria ter ignorado os comentários de Brian.
— O que esse garoto idiota andou dizendo? — in-
dagou uma conhecida voz masculina.
Leah virou-se para encarar Eric Magnior que aca-
bava de saltar da sela do garanhão negro. Rapidamente,
ele amarrou as rédeas ao pilar e com dois passos
colocou-se diante das mulheres.
— Será que o senhor não consegue fazer os dois
pararem? — Leah pediu, imaginando que talvez a
sobriedade do sr. Magnor conseguisse por fim à briga
estapafúrdia.
Eric balançou a cabeça de um lado pana outro.
— O jovem Havelock está pedindo por isso há algum
tempo. — Postou-se ao lado dela como se desejasse
reconfortá-la. — O que o cabeça-de-vento andou dizendo
desta vez?
— Ele disse que Leah gosta de ser amigável com
alguns homens da cidade — Eva contou. — O tom que
usou foi ainda mais insultante do que as palavras, sn.
Magnon.
Do outro lado da rua, o burburinho aumentou bas-
tante e Leah se virou a tempo de ver o corpo de Brian
ser erguido no ar.
A força de Garlam Lundstrom e seu vigor físico es-
pantava a multidão, afinal, ele segurava Brian, que
também era um jovem alto e forte, bem acima de sua
cabeça.
Os gritos agoniados do jovem arrancava risos da
audiência impiedosa. Apenas Gar permanecia sério,
mesmo depois de jogar Brian sentado ao lado da porta
de entrada da barbearia.
— Você quer dizer mais alguma coisa a mim ou a
minha esposa, frangote? Tem mais algum insulto que
queria proferir? — trovejou Gar, trespassando Brian com
as íris azuis.
O rapaz se levantou e começou a limpar a roupa
suja de poeira.
— Está pronto a pedir desculpas a minha esposa por
ser sido tão grosseiro? — Gar agarrou-o pelos ombros e
o fez virar em direção a Leah.
Ela recostou-se ainda mais contra a parede do hotel.
— Não… não faça isto, Gar — sussurrou, abafando o
som das palavras com o a mão que lhe cobria os lábios.
A seu lado, Eric Magnor deu um passo a frente e
panou no centro da rua.
— Penso que o sr. Havelock deve desculpas a outras
pessoas também, não só à sra. Lundstrom — disse em
voz alta, para que todos pudessem ouvi-lo. A figura
sóbria e imponente parada no centro da rua empoeirada
dava um toque irreal à cena.
E todos os presentes ficaram em silêncio, atônitos
com o gesto do dono da serraria. Eric Magnor vivia em
total reclusão em sua casa elegante e raramente
tomava parte nos acontecimentos cotidianos de Kirby
Falls.
Brian o observou o ex-patrão pelo canto dos olhos,
já inchados por causa dos socos que acabava de levar.
Gar estava parado a suas costas e Eric um pouco mais a
frente, ele virou-se um para outro como se estivesse
avaliando qual dos dois representava um perigo menor.
De qualquer forma, sabia que era um homem acabado.
Talvez tivesse sido justamente essa falta de perspectiva
que o levou a ir ao extremo:
— Vejam só como eu tenho razão — ele ergueu o
tom de voz e virou-se para os moradores que assistiam
à cena com atenção. — Até mesmo o homem mais
poderoso da cidade não fica imune ao charme desta
mulher, não é mesmo, sr. Todo-Poderoso Magnor? —
ironizou.
Eric não se deixou intimidar pelas palavras maldo-
sas. Retalhando Havelock com o olhar, ele deu um passo
a frente e declarou:
— Não vou permitir que me acuse de observar uma
senhora com olhos adúlteros, ar. Havelock. Muito menos
quando esta senhora é Leah Lundstrom, pois neste caso
meu pecado seria ainda mais imperdoável.
Todos que presenciavam a discussão pareciam mais
interessados a cada minutos.
Eric deu um passo a frente e aproximou-se ainda
mais de Brian.
— E não serei acusado de tal pecado, meu rapaz.
Principalmente… — Ergueu o queixo e completou num
tom cortante: — Principalmente, porque a mulher em
questão é minha própria filha, ar. Havelock.
A multidão explodiu em mil comentários e Leah
sentiu seu coração bater alucinadamente dentro do
peito. Sua cabeça rodava e as pernas tremiam. De
repente, tinha a sensação de que nem todo o ar de Kirby
Falls era o bastante para saciar-lhe. Só quando tudo
começou a girar a seu redor e suas vistas escureceram,
ela se deu conta de ia desmaiar. Mas aí já era tarde
demais.
— Leah! — O grito consternado de Gar também não
surtiu mais qualquer efeito. Cruzando a rua com duas
passadas, ele ajoelhou-se ao lado de onde Leah havia
caído, segurando-lhe a cabeça nas mãos e começando a
afrouxar-lhe o colarinho da blusa branca de seda.
Eva permaneceu ao lado deles todo o tempo, aju-
dando Gar a tirar o casaco azul-marinho para que ela
pudesse respirar melhor.
— Alguém traga logo um copo de água! — gritou
Eva, mesmo quando Lula Dunbar já lhe entregava um
copo cheio nas mãos.
— Leah, por favor, fale comigo! — Gar pediu, am-
parando-a enquanto Eva tentava fazê-la beber a água.
A atenção de todos agora se voltava para a mulher
caída diante do hotel.
Eric Magnor por sua vez, continuava parado ao lado
da barbearia, esperando que o chamado de Garlam
surtisse algum efeito.
— Ela está bem? — perguntou após alguns
instantes. Gar anuiu com um movimento de cabeça,
ajudando a esposa a sentar-se. Com cuidado, tirou o
copo de água das mãos de Eva e fez Leah sorver um
longo gole.
— Gar? — A voz dela não era mais que um sussurro.
Remexendo-se, empurrou o copo para longe. — Por
favor, já basta. Não quero mais água — disse, olhando
em torno de si, depois se voltando para Eva que con-
tinuava a observá-la com preocupação.
— Deixe-me ajudá-la, Leah — Garlam falou, ampa-
rando-a quando ela se levantou e, com as mãos na
cintura delgada, começou a empurrá-la para longe dali.
— Vou mandar buscar meu coche para levá-la – Eric
se prontificou, mas o olhar duro que Gar lhe dirigiu
deixou claro que a oferta não seria aceita.
— Não, minha esposa e eu vamos voltar para casa
em nossa carroça, sr. Magnor. Não vamos mais viajar
hoje. — Na verdade, enquanto ele falava, o som de um
conhecido apito cruzava o ar e um pouco mais a frente,
a locomotiva começava a se afastar na linha do trem,
espalhando fumaça e chacoalhando os vagões como as
peças de um domino.
— Mas eu preciso falar com ela — Eric disse com
urgência, parando a alguns passo de Leah.
Ela meneou a cabeça, ainda atordoada diante de
tantos acontecimentos inesperados.
— A… agora não, por favor. — O sussurro era um
suplicante pedido de privacidade e Eric atendeu-a no
mesmo instante.
Sem se afastar dela nem por um minutos sequer,
ele a empurrou na direção da oficina do ferreiro, Eva
Landers ao lado deles, carregando o casaco e a mala de
Leah.
Secretamente, Gar pensou que eles deveriam pare-
cer um trio e tanto.. Leah pálida e trêmula; Eva sorrindo
e cumprimentando a todos que os observavam com
olhares atentos; e ele próprio, um homem alto e sério
que acabava de defender a mulher que amava, numa
espécie de declaração de amor pública.
— Você acha que é verdade? — A cabeça de Leah
estava apoiada nos ombros largos e Gar apertou-a con-
tra si enquanto ela falava. — Como uma coisas dessas
pode ser verdade? — Leah continuou, mesmo antes de
ele ter chance de responder a pergunta inicial.
— Claro que pode ser verdade! — exclamou muito
sério. — Agora se é ou não já é outra história. Contudo,
tenho comigo que Eric Magnor não tinha razão nenhuma
para mentir… Ele sempre foi um homem muito honesto
e correto. Ninguém nesta cidade pode acusá-lo de ser
um mentiroso.
— Então por que ele esperou tantos anos para dizer
isso? Se sabia que eu era sua filha, por que não falou
antes?
— Não sei — admitiu Gar, franzindo o cenho. — Mas
de uma coisa tenho certeza: Eric não vai descansar
enquanto não falar com você. — Segurou com mais
força nas rédeas e ao movimentá-la, percebeu que suas
juntas estavam bastante inchadas.
Leah pareceu ter o dom de ler-lhe os pensamentos.
— Você deve ter batido muito forte em Brian — ela
falou, tocando a pele avermelhada. — Deixe-me ver sua
outra mão.
— Não, está tudo bem. Mais tarde você poderá me
fazer um carinho e beijá-la — brincou, mas logo voltou a
ficar sério, ao vê-la soltar o corpo de encontro ao seu,
como se estivesse perdendo as forças. — Leah, você
está bem? Quer colocar a cabeça em meu colo até
chegarmos em casa?
— Não, claro que não! Só estou tentando entender
como tudo isso aconteceu. Nós perdemos o trem para
Minneapolis e teremos que começar tudo de novo
amanhã. Se hoje todos já me olhavam de rabo-de-olho
imagine só como não será amanhã, depois desta cena
dantesca.
— Acho que as histórias de Brian Havelock não vão
interessar a mais ninguém, querida. E ser filha de Eric
Magnor não é algo tão ruim assim. Você deveria ouvir o
que o homem tem a dizer, Leah.
— Se o que Eric Magnor diz é verdade, como não
me lembro dele?
— Quantos anos tinha quando sua mãe a levou em-
bora daqui? Três, quatro?
— Bem, era jovem o bastante para não me lembrar
de ninguém da cidade. — Sentou-se ereta no assento da
carroça. Sua mente concentrada em um novo pen-
samento. — Por que eu não tenho o nome dele? Minha
mãe se chamava Minna Polk, não Minna Magnor.
— Viu só, esta é uma das coisas que terá de per-
guntar a Eric? Só ele pode te dar as respostas que
procura, Leah.
— Não entendo porque minha mãe sempre disse
que meu pai tinha morrido… — Virou o rosto para fitá-lo
nos olhos. — Eu nunca contei a ninguém na cidade que
tinha nascido aqui, e ninguém também chegou a dar
mostras de que me reconhecia. Isto é o mais estranho,
não?
— Bem, é provável que Minna Polk não fosse co-
nhecida por este nome quando viveu em Kirby Falis. —
Parecia o mais lógico para ele, mas sabia que Leah ainda
precisava de tempo para aceitar a verdade, por isso,
deixou-a remoer o assunto durante todo o trajeto de
volta à fazenda.
As crianças ficaram radiantes ao vê-los chegar.
— O trem não veio hoje, pai? — Kristofer perguntou,
correndo para recebê-los.
— Sim, veio, mas nos resolvemos deixar a viagem
para amanhã, filho — Disse ao menino, enquanto aju-
dava Leah descer. — Venha me ajudar a colocar estes
cavalos para pastarem um pouco. — Suas mãos ainda
estavam firmes na cintura delgada, pois tinha medo que
Leah pudesse desmaiar outra vez. — Você está bem?
Quer que eu a leve para dentro?
Ela recusou.
— Não. Estou bem. Pode deixar que entro sozinha.
Vá cuidar dos animais. Só estou tentando me recuperar
do susto que levei com a declaração de Eric Magnor.
— Então entre e descanse. Estarei lá num minuto —
falou carinhoso e ficou olhando enquanto Leah se
afastava.
— Pai? Não vamos levar os animais para pastarem?
— Kris indagou, puxando-o pela manga da camisa.
— Sim, filho, eu vou. Só estava esperando para ver
se está tudo bem com Leah.
— Para mim ela parece ótima — o menino
comentou, caminhando ao lado do pai.
— E você deve ter razão — Gar sorriu e passou a
mão pela cabeça loira do filho, despenteando-o.
Kris também sorriu e, inesperadamente, abraçou-o
pela cintura.
— Ah, papai, estou feliz que não tenha viajado —
confessou, revelando seu afeto pela primeira vez em
sete anos.
Ah, o amor que fluía de um ser humano para outro
era mesmo uma bênção dos céus, Gar concluiu. Prin-
cipalmente de pai para filho. E ele era uma pessoa de
sorte por ter um filho como Kristofer.
— Você é um bom menino, Kris. Estou orgulhoso de
tê-lo como filho — confessou num tom carinhoso.
— Verdade, pai?
Uma pontada de remorso tocou o coração de Gar
quando ele se lembrou de todas as vezes que deixara de
elogiar o filho ou de confessar o seu amor.
— Claro que sim, tenho muito orgulho de ser seu pai
— falou emocionado. De súbito, finalmente entendeu o
que Eric Magnor deveria sentir em relação a Leah: uma
filha maravilhosa a quem Eric nunca pudera abraçar e
muito menos confessar seu amor. Talvez estivesse na
hora de ajudar pai e filha a se entenderem, afinal, gos-
tava do pai e amava a filha com todo seu coração…
CAPÍTULO XIV
O sol estava se pondo no horizonte verdejante da
Fazenda Lundstrom quando uma sonora batida na porta
ecoou por toda a casa. A cozinha já estava nas sombras
e as mãos de Leah se ocupavam em acender a vela
sobre a mesa.
Ao perceber que tinham visitas, ela se voltou
apreensiva para a porta. Quem poderia ser?, perguntou-
se com medo de que fossem notícias de Sylvester
Taylor. Exatamente, por isso, quando se aproximou da
porta de tela a expressão de seu rosto era muito pouco
amistosa.
— Pois não?! — disse ao homem alto e robusto pa-
rado na varanda, ao mesmo tempo em que avistou Gar
vindo do celeiro.
— Sra. Lundstrom? — A voz do desconhecido era
grave e tinha um forte sotaque sueco que Leah apren-
dera a reconhecer depois que viera morar na região. —
Estou precisando muito de sua ajuda.
Era uma súplica a qual ela não podia resistir, não
importava o quão cansada estivesse. Por isso, abriu a
porta de tela e o encarou.
— Hans, há quanto tempo! — Garlam exclamou,
galgando os degraus da varanda e cumprimentando o
visitante. — O que o traz aqui, meu velho?
— Vim pedir ajuda a sua esposa, Gar — Olaf res-
pondeu. — Meus garotos estão doentes. A mãe deles
acha que deve ser uma dessas doença de verão, mas
estou assustado com a febre e o vômito que não cortam.
Os meninos estão muitos fracos e preciso de ajuda. Nem
gosto de pensar no que pode acontecer se ficarem assim
por mais alguns dias.
— Já é tarde, Olaf — Gar começou a dizer —, o sol
está pondo e daqui a pouco ninguém mais conseguirá
enxergar um palmo adiante do nariz.
— Sei disso e não pediria ajuda a sua esposa se não
estivesse tão preocupado, meu amigo.
— Estarei pronta num minuto, meu senhor — Leah
declarou, prontificando-se a acompanhá-lo. A simples
lembrança de que havia dois garotos vomitando e com
febre quando ela poderia ter ajudado a curá-los não iria
mesmo deixá-la dormir, concluiu. O melhor a fazer era
acompanhar o sr. Olaf e ver se poderia fazer alguma
coisa pelos meninos.
— Serei eternamente grato por isso, senhora — o
fazendeiro agradeceu, segurando o chapéu de palha nas
mãos calejadas e dirigindo um sorriso aliviado para ela.
— Está esfriando, sra. Lundstrom, é melhor trazer um
casaco.
— Vou pegar minha bolsa e já volto — ela anunciou,
antes de subir as escadas correndo e parar diante da
porta do quarto de Kristofer.
— Qual o problema, dona Leah? — o menino quis
saber, sentando-se na beirada do colchão e tirando a
meia.
— Vim lhe dizer que quero que tome um banho
antes de deitar, Kris. Preciso sair, vou ver os filhos de
um de nossos vizinhos que estão doentes, mas estarei
de volta a tempo de preparar o café da manhã.
— Sim, senhora — Kris aquiesceu, mas havia um
brilho de preocupação no fundo dos olhos azuis. — A
senhora vai voltar mesmo, não vai?
Aquilo era mais do que Leah poderia suportar, e,
obedecendo a um impulso, ela foi até o enteado e in-
clinou-se para abraçá-lo.
— Claro que irei voltar, Kris. Amo vocês demais para
deixá-los. Já lhe disse isso. — Depositou um beijo na
testa de pele acetinada e bateu de leve nos ombros
pequeninos. — Agora vá para cama. Sua irmã também já
dormiu.
E, mal terminou de falar, já fechava a porta atrás de
si e corria para o próprio quarto a fim de pegar um xale
de crochê e a preciosa bolsa de couro em que guardava
suas ervas, bálsamo e ungüentos. Quando voltou a
descer, Gar estava parado junto a porta e a fitava com o
cenho franzido.
— O sr. Hanson a trará de volta, Leah — ele disse.
— Eu poderia acompanhá-la, mas não quero pedir para
Ruth olhar as crianças outra vez, acho que já estamos
abusando de sua bondade.
— Tem toda razão, e não se preocupe comigo.
Logo estarei de volta — dirigindo um sorriso ao marido,
passou por ele e acompanhou Olaf até a charrete. No
minuto seguinte já desciam a ladeira que levava à
estrada principal.
A casa dos Hanson ficava muitos quilômetros depois
da fazenda deles e Leah agradeceu aos céus por ter
trazido o xale branco consigo. Introspectiva, olhou de
soslaio para o semblante preocupado do homem que
viajava a seu lado, gostaria de poder dizer algo que o
consolasse, mas não conseguia pensar em nada. Mesmo
se a doença que estivesse castigando os garotos fosse
uma das típicas enfermidades de verão, eles poderiam
estar correndo sérios riscos. Afinal, era muito comum
crianças morrerem desidratadas naquela época do ano.
— Meus meninos estão muito mal mesmo, senhora
— Hans falou a certa altura. — Estão com febre, têm
cólicas terríveis e ainda por cima vomitam tudo o que
lhes cai no estômago. A senhora já cuidou de algum
caso parecido?
— Sim, e o maior problema é sempre fazer o chá ou
a infusão de ervas parar no estômago de quem está
vomitando. Mas vamos ver o que conseguimos fazer por
seus meninos, sr. Hanson. Tenho diversas ervas que po-
dem ajudar. — Controlou o impulso que sentia de bater-
lhe de leve nas costas largas, pois sabia que poderia ser
mal interpretada. — Que idade têm os seus filhos?
— Quatro e sete — ele respondeu. — São quase
bebês, senhora.
— O senhor só tem os dois?
— Não, temos uma menina de dois anos.
— A mãe ainda a está amamentando? — Leah per-
guntou e logo o viu assentir. — Isso é bom, porque muita
gente acredita que esses vômitos e diarréias possam ser
provocados pelo leite de vaca que se contamina muito
fácil nos dias quentes do verão.
— E o que podemos fazer? Acha que todo o leite
está estragado?
Leah negou com um movimento de cabeça.
— Não, não está estragado. E fácil resolver o pro-
blema, só é preciso ferver o leite por uns dez minutos,
até que ele forme bolhas e comece a subir.
Olaf franziu o cenho.
— Nunca ouvi nada sobre isso antes.
— Acredito que não tenha ouvido, sr. Hanson,
afinal, estes ainda são hábitos que precisam ser
difundidos. Mas, por outro lado, pode ser que o mal-
estar de seus filhos não tenha sido causado pelo leite.
Vamos ver quando chegarmos lá — disse, tentando
parecer confiante.
No entanto, a primeira visão que teve das crianças
doentes a deixou muito mais preocupada. Os meninos
estavam com enormes olheiras, a pele mostrava-se seca
e sem vida, eles gemiam de dor, gritando a cada cólica e
puxando as pernas até que lhe encostassem na barriga.
Gerda Hanson curvou-se primeiro sobre o menor,
depois sobre o outro, trocando as toalhas úmidas que
usara para fazer a febre baixar.
— Ah, estou tão feliz que tenha vindo, sra. Lunds-
trom! — disse a mulher com os olhos cheios de lágrimas.
— Ouvi dizer que é uma ótima curandeira. As pessoas na
cidade não cansam de repetir que suas mãos são
mágicas.
Leah sorriu e ergueu as mãos para negar o rótulo
que lhe fora aplicado, mesmo contra sua vontade. Então,
com movimentos rápidos, tirou o xale e abriu a bolsa de
couro.
— A senhora tem um pouco de água quente, sra.
Hanson?
— Claro — Gerda respondeu. — De quanto precisa?
— O bastante para fazer um chá com estas duas
ervas. Isto vai ajudar a diminuir o vômito e também a
baixar a febre — explicou.
A noite foi longa, com horas e horas de vigília ao
lado da cama dos pequenos Hanson. Leah se revezava
com a mãe apreensiva, vertendo o chá nas bocas trê-
mulas e trocando as roupas úmidas por causa do calor
dos corpos febris. Mas, finalmente, o romper da aurora,
os dois meninos já estavam bem melhor e dormiam o
sono plácido a que toda criança tinha direito.
— Não sei nem como lhe agradecer pelo que fez! —
Gerda falou ao se despedirem.
— Não me agradeça, senhora. Agradeça a Deus.
Mas, por favor, não esqueça de ferver o leite e a água
que dá a seus filhos daqui por diante.
Gerda garantiu que não se esqueceria e Leah foi
para casa, sonhando em dormir um pouco. Mais uma vez
teria de pedir a ajuda de Ruth….
Leah acordou logo após o almoço e foi até a cozinha
a procura de algo que pudesse preencher-lhe o estô-
mago vazio. Não que estivesse propriamente com fome,
mas sim porque sabia que o velho ditado “saco vazio
não pára em pé” era uma verdade, principalmente na
vida da mulher de um fazendeiro de Minnesota.
Ruth tinha se mostrado mais do que curiosa sobre
os acontecimentos da noite anterior e enquanto comia
ela relatou o que acontecera na casa dos vizinhos.
— Sinto muito por ter de mandar chamá-la com
tanta freqüência, Ruth — desculpou-se Leah a certa
altura. — Já comentei com Gar que você vai acabar se
cansando de nós.
— Não é verdade, eu gosto de vir aqui — garantiu a
jovem sra. Warshem com um sorriso. — E, mais do que
tudo, fico feliz em ver a maneira como esta casa se ilu-
minou depois de sua chegada, Leah. Gar é um novo
homem desde que se casaram. Mas eu sabia que seria
assim, por isso o mandei levar o bebê para você cuidar.
Leah arqueou as sobrancelhas, mal acreditando no
que ouvia.
— Você fez o quê?! Está me dizendo que convenceu
Gar a levar Karen para mim?
Ruth assentiu.
— Isto mesmo. Algumas vezes, tenho umas espécie
de premonições sobre coisas que irão acontecer. Não
falo muito sobre isso, porque acho que as pessoas me
interpretariam mal. Mas eu sabia que vocês dois
estavam predestinados um ao outro. Vi isso no dia em
que Hulda morreu.
— Contou a Gar? — Leah indagou um tanto
assustada.
— Não. Coisas como essa nunca conto a ninguém,
principalmente aos homens que são muito incrédulos.
Estou dizendo a você porque sei que também tem dons
especiais, como o da cura.
— Ah, este não é bem um dom, Ruth, é uma
questão de conhecimento — tentou explicar, mas a
outra mulher não parecia disposta a ouvi-la.
— Não seja modesta, Leah. Todos sabem que você é
uma curandeira que já ajudou muita gente em Kirby
Falis.
Leah logo percebeu que era melhor mudar de
assunto. Ruth ficou na casa da fazenda por muitas horas
ainda e insistiu em preparar o jantar antes de ir embora.
Leah a estava acompanhando até á varanda, quando o
coche preto de Eric Magnor subiu a ladeira e parou
diante da casa.
Eric tirou o chapéu para cumprimentar a jovem era.
Warshem antes de seguir até a varanda onde Leah
estava parada com Karen nos braços.
— Boa tarde — ele a saudou. — Será que está muito
ocupada para me receber?
— Não, claro que não — negou Leah, sinalizando
para que a acompanhasse até a cozinha.
— Ouvi dizer que você passou a noite em claro cui-
dando dos filhos de Olaf Hanson — Eric comentou,
acomodando-se à mesa de madeira escura. — Tem cer-
teza de que está bem, Leah?
Ela anuiu, sentindo o rubor tingir suas faces de
vermelho.
— Estou muito bem, sr. Magnor. Cochilei um pouco
esta manhã, pois Ruth veio me dar uma ajuda com a
casa e as crianças.
— E como estão os filhos de Hanson? Espero que
não tenham nenhuma doença grave, não é mesmo?
— Não acredito que tenham. Foi apenas uma dessas
enfermidades de verão. Falei com a mãe e ela me ga-
rantiu que será mais cuidadosa com o — leite nos dias
em que estiver muito quente por aqui.
— Quer dizer que não foi nada parecido com aquela
febre que tive?
— Não, as crianças estavam sofrendo de um mal
totalmente diferente, sr. Magnor.
— Precisamos falar sobre isso, Leah… Este sr. Mag-
nor que você continua usando ao se dirigir a mim.
Ela ergueu o queixo e o encarou arqueando leve-
mente uma das sobrancelhas.
— E como espera que o chame? Disse à cidade toda
que era meu pai, mas não se dignou a me dizer uma só
palavra sobre isso. Se é mesmo meu pai, porque não
contou antes? Faz quatro anos que voltei a Kirby Falls e
o senhor jamais me procurou.
O resto de Eric Magnor ficou pálido e ele encolheu-
se na cadeira como se estivesse com vergonha de si
mesmo.
— Venho querendo lhe contar há muito tempo,
Leah.
— Há quanto tempo exatamente? — questionou-o
num tom duro.
— Há muito mais tempo do que você pode imaginar,
minha querida filha. Há mais tempo do que todos os
anos desta minha vida. Quando você voltou à cidade, eu
fiquei observando-a de longe e queria muito te contar
que era seu pai.
Leah sentiu lágrimas quentes minarem-lhe dos
olhos e baixou o rosto para olhar para Karen, não
querendo deixar Eric perceber sua fraqueza.
— Não teria sido mais fácil para todos se o tivesse
feito, senhor? Por acaso lhe ocorreu que eu também
tinha o direito de saber que meu pai estava vivo e perto
de mim.
Eric pigarreou e sua voz estava um tanto rouca,
revelando a emoção que não podia ser disfarçada.
— Eu não sabia onde você estava durante todos
esse anos, minha filha. Tudo o que eu sabia era que sua
mãe tinha me deixado e que eu não poderia me arriscar
a magoá-la ainda mais. Confesso que também não
conseguia reunir coragem para ir procurá-las. Minha
escolha foi ficar longe, às margens de sua vida enquanto
você crescia e só tornava a mulher maravilhosa que é
hoje.
— Uma escolha que o senhor continuou a preservar
depois que eu voltei a Kirby Falls, não? — a pergunta era
na verdade uma acusação e Eric abaixou a cabeça,
incapaz de encará-la.
— Eu sei… eu sei. Mas nunca fiquei longe de você
desde o momento que percebi quem era. Estava sempre
observando-a e contei às pessoas que era a filha de uma
excelente curandeira, muitos desses para os quais
contei foram seus primeiros pacientes em Kirby Falis.
Também sugeri aos rapazes solteiros que trabalham na
serraria que poderiam lhe pedir que cuidasse de suas
roupas.
Leah ficou surpresa com essa revelação. Então era
por isso que, de uma hora para outra, vários dos sol-
teirões da cidade tinham ido bater à sua porta!?
— Depois de algum tempo — Eric prosseguiu —,
resolvi deixar meu orgulho de lado e me preparei para
contar-lhe a verdade sobre nosso parentesco. Você já
estava cuidando da filha de Garlam e achei que deveria
aliviá-la um pouco, pois tinha muito trabalho pesando
sobre seus ombros, quando na verdade, poderia des-
cansar e aproveitar da herança que é sua por direito. E
foi então que soube que você iria se casar com Garlam.
Aí decidi esperar e ver o que acontecia, pois sabia que
Garlam Lundstrom tinha tudo para se tornar um ótimo
marido para minha filha. Eu mesmo não teria podido
escolher um genro melhor.
— Por que não me contou no dia que fui visitá-lo em
sua casa? — A lembrança daquele encontro ainda estava
muito viva na lembrança dela, inclusive o pedido de Eric
para que se tornassem amigos. Amigos, bah!
Ele movimentou as mãos em sinal de impotência
diante dos fatos.
— Primeiro porque estava doente demais para ra-
ciocinar com clareza, depois, quando tornou a me visitar
naquela terça-feira, percebi que era uma mulher
maravilhosa e uma criatura de quem eu deveria me
orgulhar. Justamente por isso, tive medo, medo de que
não aceitasse meu amor porque eu tinha demorado
tempo demais para proclamá-lo em alto e bom som.
Leah sentiu um estranho arrepio na nuca e virou-se
para a entrada para confirmar uma suspeita.
Sim, Gar estava parado na soleira da porta e, com
passos rápidos, aproximou-se dela e colocou as mãos
enormes sobre seus ombros.
— Eu vi o coche parado aí fora — disse, cumpri-
mentando Eric com um gesto de cabeça. — Além do
que, já está na hora do jantar.
— Ah, desculpem-me se os atrapalho, mas isso não
poderia ter sido deixado para depois.
— Se quiser pode ficar para jantar conosco, Eric —
Garlam atalhou, achando que deveria convidá-lo para o
bem de Leah. — Afinal, nesta casa sempre há comida
suficiente para todos. Leah gosta de fartura.
Eric olhou incerto para a filha.
— Não sei se Leah gostaria que eu partilhasse a
refeição com sua família.
— Claro que o senhor pode jantar conosco — Leah
disse rapidamente. Levantou-se da cadeira onde havia
se sentado e entregou Karen a Garlam, antes de rumar
para o fogão e remexer nas panelas.
Foi naquele instante que um pequeno furacão loiro
cruzou a porta da cozinha e olhou para os adultos com o
cenho franzido.
— Ah, eu não ouvi o sino, papai. Mas já está na
hora de comermos? — O olhar curioso recaiu sobre a
figura imponente de Eric Magnor, então, concentrou-se
no rosto sério de Leah. — Vamos ter companhia?
— Sim, mas vá se lavar primeiro, Knis — Leah
disse — automaticamente, empurrando o menino em
direção à pia.
— Eu já me lavei na bomba — contou Knis. — É
assim que os homens fazem. A senhora vai sair de novo,
igual ontem?
Leah viu o brilho preocupado no fundo dos olhos
azuis e tratou de acalmá-lo.
— Hoje não, meu querido. O sr. Magnor só veio
falar comigo porque temos algumas coisas para acertar.
Ele vai jantar conosco. Agora pegue um prato para nossa
visita e os talheres também, por favor. — Inclinou-se e
murmurou junto à orelha delicada: — Pode ficar
tranqüilo, Knis, está tudo bem por aqui.
O menino fez como lhe foi pedido e em questão de
minutos todos estavam acomodados em volta da mesa,
com Karen no colo do pai.
Gar proferiu uma breve prece de agradecimento e
logo o silêncio reinou, porque todos estavam saboreando
a deliciosa refeição preparada por Leah.
— Você é uma boa cozinheira, Leah, preciso lhe
pedir que mande suas receitas a Sarah – Eric elogiou,
dando uma segunda mordida no bife.
— Bem, na verdade, foi Ruth Warshem que
preparou o jantar hoje, mas este é um os pratos que
costumamos comer com freqüência por aqui. -
— E está muito bom — Eric garantiu.
— São receitas de minha mãe — ela revelou num
impulso. — O senhor dever ter comido muito disso
quando… — calou-se, percebendo que Eric deixava os
talheres de lado. — Desculpe-me, sua cozinheira deve
fazer coisa muito melhores.
— Não, é claro que naquela época em que sua ma-
mãe vivia aqui eu não tinha cozinheira, querida. — Os
olhos acinzentados estavam tristes quando procuraram
pelos dela.
— Ao que parece vocês dois ainda têm muito o que
conversar ainda — Garlam disse, observando-os e tor-
cendo secretamente para que sua esposa e o pai se
entendessem. — Mas, agora, Leah, por favor, coloque
Karen no cadeirão antes que esta sapequinha vire o
prato sobre mim — pediu, vendo a filha enfiar as mã-
ozinhas rechonchudas em sua comida.
Leah atendeu-o e depois tentou se concentrar na
comida que tinha diante si. Se há algum tempo alguém
tivesse lhe dito que iria receber a visita do pai e que ele
jantaria com sua família, ela teria respondido que não
acreditava em fantasmas, mas agora, tudo havia
mudado em sua vida. E Eric Magnor estava ali, para
tentar recuperar o tempo perdido. Talvez valesse a pena
ouvir o que ele tinha a lhe dizer…
— Gostaria de caminhar um pouco? — Parecia mais
fácil caminhar pela ladeira circundada de flores sil-
vestres do que continuar ali na varanda, apertando as
mãos nervosamente. Todavia mesmo quando cami-
nharam lado a lado, Leah se sentiu distante do homem
que era seu pai.
Eric pareceu notar isso, pois fitou-a com um brilho
triste no olhar.
— Por que minha mãe o deixou? — Era o que gos-
taria de ter perguntado desde o começo, uma dúvida
que sua mãe nunca tinha esclarecido, pois sempre evi-
tara falar do marido, a única vez que se referiu a ele, já
na adolescência de Leah, Minna o declarou morto e
enterrado. Só agora Leah entendia que a mãe deveria
ter falado figurativamente.
— Ela nunca falou nada? — Eric esperou pela
resposta da filha e ao vê-la negar com um movimento
de cabeça comentou: — Bem, então suponho que eu
terei de fazê-lo agora, minha cara. Mas, por favor, tenha
em mente que eu era muito jovem naquela época e sua
mãe também. Como se não bastasse, ela tinha um gênio
muito forte, não era o que se pode chamar de uma
mulher fácil de se conviver — revelou, encarando-a ao
mesmo tempo que parava sob a copa de um enorme
bordo.
— Mamãe era geniosa, sim — Leah admitiu. — Cos-
tumava se zangar com facilidade, até mesmo comigo.
Mas… — hesitou e ergueu o queixo em sinal de desafio
— , mas eu a amava muito, sr. Magnor. Foi muito boa
comigo e me ensinou tudo o que sei. Trabalhou duro
também para me educar sozinha.
— Sim, Minna sempre foi uma boa mãe, apesar de
muito exigente. — O arremedo de um sorriso surgiu nos
lábios finos de Eric. — E não há como negar que ela se
saiu muito bem ao educá-la, minha filha. Mas, como
esposa ela não teve o mesmo desempenho,
infelizmente. Não era muito fácil entendê-la, era teimosa
e obstinada.
— Acho que Garlam pode dizer o mesmo de mim
— Leah riu, lembrando-se da palavras do marido.
— Ah, você tem um ar doce e gentil que sua mãe
não tinha, filha. Minna era… — Virou-se para começar a
caminhar outra vez. — Acho que Minna era mais feliz
longe de mim do que quando. estávamos juntos.
— Por isso ela o abandonou?
Eric baixou o rosto, parecendo envergonhado de si
próprio.
— Não, sua mãe me abandonou porque eu cometi
um erro terrível. Sei que não tenho desculpa para o que
fiz. Estava errado e paguei o preço pelo meu ato
impensado. Nós tivemos uma discussão e eu saí muito
zangado de casa. Acabei encontrando outra mulher e…
A pausa foi longa e Leah resolveu concluir por ele.
— Você foi infiel.
Eric aceitou aquela definição sem protestar.
— Sim, foi apenas uma vez, mas, mesmo assim, era
demais para uma mulher orgulhosa como Minna me
perdoar. Não sei se eu próprio perdoaria se estivesse no
lugar dela, mas o fato é que essa situação acabou por
nos separar e me impediu de vê-la crescer, filha.
— O senhor nunca procurou por nós? — De alguma
maneira a idéia de que ela as deixara ir, que tinha
Lavado suas mãos quanto ao destino da esposa e da
filha não se encaixava na impressão que tinha do ho-
mem que estava a sua frente.
— Ah, sim, procurei. Sabia que tinham ido a Mi-
neapolis, pois vocês viveram lá durante alguns anos, na
casa da irmã de Minna. Então, quando foi procurá-la,
preparado para suplicar que me desse uma segunda
chance, ela já tinha partido. Berta disse que Minna jurara
que nunca mais queria me ver, sabe como é, ela tomou
as dores da irmã e nunca me deu o novo endereço de
vocês.
— Eu tenho unia tia chamada Benta? — Enquanto
fazia a pergunta, a imagem de uma mulher roliça de
fartos cabelos loiros começou a se formar em sua
mente.
— Sim, agora me lembro, tia Benta tinha uma casa
enorme, onde havia um monte de gente entrando e
saindo.
— Berta tinha uma pensão na cidade. Aliás, acho
que ainda tem.
— Quer dizer que depois dessa tentativa frustrada o
senhor voltou para Kirby Falis e nunca mais tentou nos
encontrar — Leah concluiu num tom cortante. —
Esqueceu completamente que tinha mulher e filha.
— Eu voltei, é verdade, mas nunca esqueci que
tinha uma filha. Também tenho meu orgulho e decidi
que se Minna não queria me ver era problema dela. Mas
sempre sonhei em ter minha filha de volta — murmurou,
segurando-a pelos ombros. — Você era uma criança, tão
linha, minha querida…
Leah teve medo de encará-lo. Não queria que Eric
percebesse o quanto aquelas palavras a tocavam.
— Não tive coragem de procurá-la há quatro anos,
quando chegou aqui, minha querida — ele prosseguiu.
— Mas agora desejo ajudá-la e não vou aceitar um
não como resposta. O que aconteceu entre sua mãe e
eu não tem nada a ver conosco. Os laços da paternidade
são eternos, filha. Não posso mudar o passado, mas faço
questão de ajudá-la no presente.
— Ajudar-me?! — Leah repetiu. Durante as longas
horas daquele dia e da noite anterior, ela quase tinha se
esquecido da situação delicada em -que se encontrava.
Não pensara um única vez no xerife ou no detetive de
Chicago.
— Eu já falei com meu advogado e pedi que
verificasse como está sua situação perante a justiça.
Contratamos uma firma em Chicago para nos dar assis-
tência em tudo o que for preciso.
O toque dos dedos longos era firme e reconfortante
e Leah permitiu que o pai a acariciasse como há muitos
anos não fazia.
— Vou aceitar sua ajuda — disse a ele. — Não só
por mim, mas também por Gar e pelas crianças. Elas
precisam de mim aqui, sr. Magnor.
— Leah, Leah… – Eric meneou a cabeça de um
lado para outro. — Por favor, não pode usar outro nome
quando se dirige a mim?
— Não sei. Quem sabe algum dia… — Havia muito o
que levar em consideração antes de tomar tal decisão.
No fundo, sabia que o tempo era o melhor remédio para
reconciliá-la com o pai, mas não estava pronta para
admiti-lo… Ainda não.
Um suspiro triste escapou dos lábios de Eric e ele a
segurou pelo cotovelo, começando a puxá-la em direção
à casa.
— Venha, vou acompanhá-la de volta. Seu marido e
filhos estão esperando. É assim que considera estas
crianças, não, Leah? Os filhos de seu coração?
Ela assentiu, mas não disse nada. Caminharam jun-
tos, seus pés movendo em uníssono, e Leah não pro-
testou quando o pai pegou-lhe a mão e passou-a pelo
braço. Afinal, era bom sentir o conforto e apoio de
alguém que povoara seus sonhos infantis e depois suas
fantasias adolescentes.
Eric Magnor era seu pai, não era perfeito como ima-
ginara quando criança, nem o herói romântico de sua
adolescência, mas, no fundo, era um homem bom que
estava tentando encontrar o caminho de sua própria
verdade…
CAPÍTULO XV
— Nós não precisaremos mais ir a Minneapolis —
Leah anunciou, levantando-se da mesa e encaminhando-
se para a pia.
Garlam exclamou surpreso diante de tal
comentário:
— Ei, volte aqui! Você não pode me dizer uma coisa
dessas e se afastar como se tivesse falando sobre as
condições do tempo lá fora. — Empurrou o prato para o
lado e tomou um longo gole de café, seus olhos nunca
se afastando dela. Ah, Leah tinha uma estranha mania
de provocá-lo fazendo declarações repentinas.
Exatamente como agora, quando lhe dizia que os planos
para a viagem do dia seguinte eram totalmente
desnecessários.
Com toda tranqüilidade, ela virou-se da pia, enxu-
gando as mãos no avental e explicou:
— Acalme-se, Gar. Eric Magnor disse que o
advogado dele contratou alguém em Chicago para
cuidar do andamento do processo. — Baixou os olhos,
parecendo ligeiramente envergonhada, mas depois
prosseguiu, antes que Garlam tivesse se pronunciado
sobre o assunto: — Eu deveria ter lhe contado a noite
passada, mas terminei de limpar a cozinha muito tarde
e, depois de colocar Karen no berço, fui para cama e
estava tão cansada que acabei dormindo como uma
pedra.
Ele engoliu as palavras iradas que estava prestes a
despejar sobre Leah. Era compreensível que Eric Magnor
tivesse se oferecido para ajudar Leah no que fosse
possível, afinal, ele era o pai de sua mulher e tinha todos
os recursos para fazê-lo, no entanto, bem lá no fundo de
seu peito, Gar gostaria de poder livrá-la sozinho dos
fantasmas do passado. De qualquer forma, perder a
paciência ou reclamar não iria resolver seus problemas,
muito menos suas frustrações, portanto, ele sorriu.
— E verdade, Leah. Você nem acordou quando tirei
seu vestido. Esta é segunda vez em dois dias que eu me
encarrego de despi-la, sra. Lundstrom — gracejou, e viu
o rubor tingir as faces alvas.
— Não creio que esse seja um assunto que deva ser
alardeado por aí, Garlam Lundstrom — Leah o
recriminou.
— E por que não, se foi a coisa mais agradável que
fiz ontem?
Ela esboçou uma pequena careta e seus olhos se
encontraram com as íris azuis como o céu de verão.
— Lamento, Gar. Sei que ultimamente as coisas tem
sido muito difícil para você e para as crianças e ficarei
feliz quando tudo isso tiver terminado e pudermos ser
apenas uma tranqüila família de fazendeiros de Kirby
Falis.
Gar inclinou a cadeira para trás, apoiando-a nas
pernas traseiras.
— E o que Eric Magnor disse? — interpelou-a com o
cenho franzido.
— Bem, falamos sobre minha mãe e por que ela o
abandonou.
— Você ainda está zangada com ele, Leah? — quis
saber, embora acreditasse que, provavelmente não, já
que, ao que parecia, o sr. Magnon não tinha feito nada
de errado.
Leah retomou seu lugar à mesa e inclinou-se na
direção do marido, os pulsos apoiados ao lado do prato
vazio.
— Fiquei zangada porque ele esperou quatro anos
para me reconhecer como filha. Fiquei zangada porque
Eric Magnor manteve-se afastado durante todo esse
tempo e nunca antes tentou se aproximar e me oferecer
sua amizade e ajuda.
Gar a fitou por entre as longas pestanas. Achava
que só o fato de Leah conseguir falar sobre o assunto
sem esconder seus verdadeiros sentimentos já era um
bom sinal.
— E por que você não reconheceu o sobrenome
Magnor? Eric contou por que sua mãe não usava o nome
dele lá em Chicago?
Leah meneou a cabeça de um lado para outro.
— Mamãe sempre disse se chamar Minna Polk e eu
presumi que este fosse o nome de família de meu pai.
Mas é óbvio que estava errada. Ela o inventou para não
ser encontrada. Contudo, quando comecei a me passar
por viúva, decidi usar o nome de solteira de minha mãe,
Gunderson, e foi por causa disso que o sr. Magnon me
reconheceu. Afinal, não existem muitas Leah Gunderson
por aí.
Havia uma sombra de tristeza no fundo dos olhos
azul-acinzentados e Gar suspirou, desejando poder mi-
nimizar a dor da esposa.
— Gostaria de poder ajudá-la, Leah. Mas apenas seu
pai pode apagar essa mágoa que traz dentro de si. Deve
tentar perdoá-lo e se importar só com o que daqui por
diante, se não a amargura e o ressentimento podem
crescer como um câncer e tomar conta de seu coração.
— Ele não pediu meu perdão, mas eu já o dei —
confessou Leah, dando um longo suspiro. — Imagino que
seja por isso que eu não esteja tão furiosa, apenas ma-
goada. — Seus olhos se encherem de lágrimas e ela
deixou que escorressem livremente pelas faces alvas. —
Tenho um pai, Gar, tenho até mesmo uma tia materna
que vive em Minneapolis. Quem sabe existam outros
familiares que eu desconheço. Apesar disso, eu me senti
sozinha e abandonada durante muitos anos de minha
vida.
Gar pegou-lhe a mão e levou-a a gentilmente aos
lábios.
Um breve sorriso brincou nos lábios rosados de
Leah.
— Bem, mas acho que não faz o menor sentido ficar
me lastimando pelo que passou, não? — Tentou soar
descontraída, enquanto enxugava os olhos no avental.
— Agora eu tenho você, as crianças, e também um
pai que deseja muito me ajudar.
— Eu também desejo ajudá-la, Leah querida. Mas
sei muito bem que Eric tem mais condições de fazê-lo…
Talvez essa seja a melhor maneira que seu pai encon-
trou para lhe pedir perdão. Pense nisso — sussurrou,
então soprou um beijo em sua direção e encaminhou-se
para a porta; onde os empregados da fazenda já o
aguardavam com a carroça carregada de feno. — Pre-
ciso dar umas ordens a Benny e também cuidar daquele
novilho de três anos.
— Os homens virão comer conosco? — questionou
ela, tentando ser prática.
— Estive pensando que poderíamos levar a comida
para eles — Gar confessou com um leve sorriso. — A
égua que domesticamos na última semana é pequena o
suficiente para você poder montá-la, se quiser tentar, é
lógico — acrescentou depressa.
O olhos azuis brilharam, e, por uma fração de se-
gundo, a tristeza se foi e Leah pareceu empolgada dian-
te da possibilidade de cavalgar.
— Ah, não sei se conseguirei — murmurou ela,
olhando do marido para o curral. — De qualquer forma,
gostaria de tentar, se você acha que posso lidar com a
égua, já é um bom sinal.
Garlam não pôde resistir mais ao desejo de toma-la
nos braços. Com movimentos rápidos, cruzou a distância
que os separava e a puxou para junto de si.
Leah recostou no peito largo e aproveitou o calor e
a força daquele abraço, antes de inclinar a cabeça para
trás e, oferecer os lábios para serem beijados.
— E assim que vou querer beijá-la esta noite tam-
bém. Depois que escurecer, Leah… — Gar gemeu ex-
tasiado. — Assim e muito mais. Sinto-me como um noivo
que ainda não teve sua noite de núpcias — completou,
beijando-a no canto dos lábios.
Leah riu baixinho.
— Ah, você é apenas um homem que ainda não
teve a chance de viver um casamento tranqüilo, Gar.
Não tenho sido uma boa esposa para você.
— Tem sim, Leah, tem sim, e não resta dúvida de
que será ainda melhor. Assim que nossa vida entrar nos
eixos e o medo de seu passado em Chicago tiver sido
finalmente esquecido, vamos nos amar e viver em
harmonia como um velho casal de fazendeiros.
Dessa vez o riso dela pareceu muito mais natural.
— Pois eu já sou quase uma velha, Gar. Há muito
que passei dos dias de minha juventude — falou,
repetindo o conceito de meia-idade que vigorava em sua
época.
— De jeito nenhum! — Gar a contrariou, curvando-
se para beijá-la no rosto. — Você é uma mulher que está
no apogeu de sua vida, minha querida. Bonita, plena e
madura o suficiente para ser amada e seduzida pelo
homem certo, neste caso, eu.
Ah, Gar conseguia mesmo ser engraçado quando
queria, ela concluiu divertida, percebendo que o co-
mentário bem-humorado tinha banido sua tristeza para
longe.
— Virei buscá-la na hora do almoço. Karen pode ir
comigo no cavalo e colocaremos o almoço dos rapazes
em sacolas que penduraremos na sela de sua égua,
Leah. O que acha?
— Acho que será como um bom piquenique, Gar.
Vou levar um acolchoado para forrarmos o chão. Knis-
tofer também irá conosco?
— Não, ele está como os rapazes. Gosta muito de
ajudar e parece se divertir com a conversa de Lana e
Banjo, que, no fundo, também não passam de dois
moleques crescidos — completou rindo, antes de soltá-
la. — Sabe de uma coisa, ara. Lundstrom, a senhora
acaba me levando para o mau caminho com esses seus
beijos e sorriso cativante. Eu já deveria ter voltado ao
trabalho, em vez disso, aqui estou, perambulando pela
cozinha, sem conseguir tirar as mãos de cima de minha
bela esposa.
Leah o empurrou para fora, batendo-lhe nos braços
com a ponta do avental.
— O mesmo devo dizer do senhor, sr. Lundstrom. Vá
logo para a lida que eu também tenho muito trabalho a
minha espera. Não posso me dar ao luxo de trocar
beijinhos a essa hora da manhã, muito embora os ache
adoráveis — acrescentou brejeira.
Gar riu e seguiu para a porta.
Ao vê-lo fechá-la atrás de si, Karen, que estava sen-
tada no cadeirão de madeira resmungou:
— Papai, papai! — exclamou, chamando-o com a
mãozinha, e, ao ver que não seria atendida, ela virou-se
para Leah. — Mamãe, mamãe!
— Mamãe está aqui, anjinho — Leah a pegou no
colo. — Agora você vai tirar uma soneca que mamãe
tem muito trabalho a fazer. Depois iremos dar um
passeio, você, papai e eu. — Ao falar, olhou para a porta
e observou o homem alto e forte que dava instruções
aos empregados.
Os ombros eram largos, as pernas longas e muscu-
losas e os cabelos claros e brilhantes como uma manhã
de verão. Sim, Garlam Lundstrom, seu marido, era um
homem que deixaria qualquer esposa orgulhosa. Leah
não coube em si de contentamento ao pensar que ele
era seu marido, o marido de Leah Gunderson.
Não, de Leah Magnor!, corrigiu-se rapidamente. Pela
primeira vez, testava o som do nome que era seu por
direito. Sim, ela pertencia não apenas ao homem que
estava observando, aquele que lhe dera o nome de Leah
Lundstrom, mas também àquele que ajudara a gerá-la.
Era a filha natural de Eric Magnor, sangue de seu
sangue, carne de sua carne. E se a influência de seu pai
fosse tão grande quanto diziam, logo voltaria a ser
respeitada na cidade. Mais ainda, se conseguissem
provar que ela estava dizendo a verdade no caso Taylor,
não haveria mais o risco de ir para a prisão.
Mas eram muitos “ses” para satisfazer Leah, e ela
sabia que, infelizmente, querer não era poder…
A égua trotava elegantemente, erguendo a cabeça
e deixando a crina ser soprada pelo vento. Leah riu alto
ao vê-la parecer tão nobre e empertigada ao mesmo
tempo. Já tinha montado vários animais em Chicago,
quando precisava ir para as redondezas e subúrbios da
cidade a fim de atender a seus pacientes, mas nada
tinha sido tão prazeroso quanto cavalgar a égua jovem
que o marido separara para ela naquele dia.
Montava com um perna de cada lado do animal e
seus tornozelos estavam expostos, porque o vento
soprava o vestido e o fazia flutuar em torno do corpo da
égua.
O olhar de Gar fixou-se nas pernas grossas e bem
torneadas da esposa e Leah riu alto ao vê-lo se inclinar
como se quisesse descobrir o que havia mais acima. Por
sorte, sua dignidade estava preservada, uma vez que o
calçonete que usava ia até pouco abaixo do joelho.
— Você monta muito bem, minha cara — ele
elogiou, trotando a seu lado. — O que prova que já fez
isto antes. — Karen estava aninhada entre os braços do
pai e as rédeas, o corpo musculoso protegendo-a do
vento e amparando-a.
— E verdade, já montei algumas vezes, mas nunca
foi tão bom — Leah admitiu. — Nessas ocasiões eu sem-
pre estava com pressa para visitar um cliente que pre-
cisava de cuidados, ou então, cansada por estar
voltando para casa depois de horas de trabalho. Para
mim, hoje está sendo como um passeio de férias, Gar.
Obrigada.
Os lábios carnudos se abriram num largo sorriso, o
que deixou a covinha na face esquerda mais que
evidente.
Ao observá-lo, Leah se sentiu tolhida por uma forte
emoção. Seu interesse pelo marido ia muito além da
simples admiração pela gentileza, honestidade e força
de seu caráter. E o que sentia agora era ainda mais forte
do que antes. Era como se uma mão gigante estivesse
se apossando de seu coração. Durante alguns segundos,
fitou-o hipnotizada.
Ela prendeu a respiração. Na verdade, não poderia
ter feito outra coisa porque seus pulmões tinha ficado
paralisados. Pestanejou diante da silhueta dourada,
cujos cabelos eram soprados pelo vento. Lágrimas
minaram-lhe dos olhos, mas não eram lágrimas de
tristeza, e sim de apreciação. Mais do que nunca, sabia
que o amava com uma intensidade que nunca imaginara
ser possível.
E esse amor não acontecera apenas porque o
achava bonito, gentil, ou pela vida confortável que Gar
tinha oferecido a ela, mas sim porque somado a tudo
isso e magnanimidade do espírito que ocupava aquele
corpo atraente. De unia coisa, Leah tinha certeza, seu
marido representava tudo de glorioso e bom que havia
em sua vida.
O toque dele era pura magia, as mãos a
transportavam para um mundo de puro deleite. Os olhos
azuis a confortavam e aqueciam com seu brilho,
confirmando as mensagens de amor que ele
pronunciava com seu corpo ou sussurrava na escuridão
do quarto que partilhavam.
Tudo isso era tão forte e real, mas ao mesmo tempo
tão difícil de ser definido em palavras que Leah
estremeceu.
— Ah, lá estão os homens! — Gar anunciou, tirando-
a de seus devaneios. — Está vendo, perto daquelas
árvores?
Leah pestanejou. Um sorriso brincou nos lábios
rosados.
— E, estou vendo. Vamos almoçar com eles?
— Sim, mas provavelmente embaixo das árvores. O
sol está muito quente hoje. — Virou-se para ela e es-
treitou os olhos, como se tivesse acabado de ver algo
importante.
— O que foi? — Leah perguntou, baixando o rosto
para olhar para si mesma, preocupada com a expressão
misteriosa no rosto do marido. — O que há de errado
comigo?
Gar meneou a cabeça de um lado para outro.
— Não há nada errado com você, querida. Mas
acontece que acabei de perceber que… — hesitou,
então, virou-se para a filha que tinha nos braços. — Está
muito quente, talvez eu deva pedir para Benny levar
Karen de volta para Ruth logo depois que comermos.
Esta é uma longa cavalgada e ela vai querer tirar uma
soneca depois do almoço.
— Nós não vamos retornar assim que almoçarmos?
— Leah ficou surpresa.
— Não, pensei que poderia levá-la para conhecer
toda nossa propriedade. Há um pequeno riacho mais ao
norte que todos consideram muito bonito e eu gostaria
de mostrá-lo a você — declarou com um sorriso
enigmático. — Creio que vai gostar muito, ara.
Lundstrom!
O pequeno riacho era na verdade muito bonito, mas
não tão pequeno quanto Leah havia imaginado que
seria. As águas cristalinas serpenteavam sobre um leito
de pequenos pedregulhos vermelhos, depois formavam
uma piscina natural soba copa de algumas árvores, e,
finalmente, cascateavam em uma pequena queda
d’água antes de seguir seu curso para o sul.
Ela ficou encantada com a beleza plácida do local.
— Por que não viemos aqui antes? — perguntou,
olhando para a grama verdejante que margeava todo o
rio e depois respirando fundo para inalar o perfume das
flores silvestres que havia no bosque que circundava
aquele pequeno pedaço do paraíso incrustado na
Fazenda Lundstrom. Curvando-se, mergulhou as mãos
no líquido cristalino e jogou-o sobre as faces e mãos. Ao
erguer o rosto para as árvores que forneciam sombra e
frescor ao riacho, descobriu alguns esquilos enroscados
nos galhos centenários.
— Veja isto! — Leah exclamou rindo deliciada.
Gar olhou para a esposa e teve a certeza de que ela
se encaixava perfeitamente na beleza do cenário.
— Você é uma mulher muito bonita, Leah. — Ajoe-
lhou-se ao lado dela e a fitou embevecido.
— Bonita?! — espantou-se ela. — Como pode -dizer
isso? Tenho cabelo com mechas de várias cores dife-
rentes, loiro-claro, loiro-escuro, muitos caracóis cor de
mel, as maçãs de meu rosto são salientes e meus seios
são grandes demais em relação ao resto do corpo. -
Fez uma pequena careta, então pareceu ficar enver-
gonhada por ter citado o último detalhe de sua anatomia
que não a agradava.
— Pois eu acho que seus seios são perfeitos, minha
cara esposa. E o resto de seus defeitos são suportáveis,
mesmo o olhar beligerante que dirige a mim quando
empina o queixo e quer me desafiar.
— Eu nunca tive a intenção de parecer beligerante
ou desafiadora — declarou e um leve rubor tingiu-lhe as
faces.
— Ainda bem que não, do contrário, não sei como
seria — gracejou Gar. — Agora, Leah, acho que podemos
tentar nos entender sobre como aproveitar melhor este
lugar maravilhoso… — Piscou para ela num gesto
sedutor.
— Aproveitar?! — repetiu confusa.
— Sim. Estou pensando em colocar o acolchoado
bem aqui sobre a grama para desfrutarmos esta
oportunidade de estarmos sozinhos e colarmos nossos
corpos um no outro — falou, revelando suas intenções e
esperando que ela assentisse.
— Está sugerindo o que estou pensando? Quer fazer
amor aqui? — Leah encarou-o aturdida.
— E por que não, não há ninguém por perto, os
homens voltaram para o pasto e Benny foi levar Karen
para Ruth. Ainda poderíamos aproveitar e nadar um
pouco.
Ela não parecia convencida.
— Não sei nadar, nunca aprendi. — Incerta, curvou-
se em direção da água cristalina como se estivesse
tentando se decidir se o risco valia a pena. — O riacho
não parece fundo o suficiente para nadarmos, não?
— Lá no meio é mais fundo do que pensa, embora
nas margens seja raso — garantiu, seguindo-a quando a
viu levantar-se e começar a se afastar. Segurou-a pelo
braço e a trouxe para junto de si, os dedos começando a
desabotoar o vestido azul de algodão. — Vou ajudá-la
um pouco, certo? — murmurou, e logo já abrira todos os
botões e o vestido caía aos pés de Leah, deixando
apenas de corpete e calça que lhe chegava na altura dos
joelhos..
Ao contrário do vestido que era velho e já estava
um pouco desbotado, as roupas íntimas eram novas e
enfeitadas com rendas e laçarotes.
Gar não pôde deixar de pensar que sua esposa gos-
tava de ter peças bonitas de encontro a sua pele, o que
valorizava ainda mais as curvas generosas dos quadris,
a linha sensual dos seios e uma cintura tão fina que ele
poderia segurá-la em uma só mão.
— Nós vamos nadar nus? — Leah perguntou quando
seus olhares se encontraram.
Ele assentiu e curvou os lábios num trejeito engra-
çado ao dizer.
— Como só estamos nós dois neste paraíso natural,
você pode fingir que estamos no Jardim do Éden, minha
querida, pouco antes de o fruto proibido ter sido comido.
A risada de Leah foi contagiante e Garlam riu com
ela enquanto a ajudava a tirar as meias e os sapatos
com dedos apressados e a cada vez que roçava na pele
macia sentia todo seu corpo tremer de desejo.
Leah ficou parada diante dele, o corpete aberto re-
velando-lhe a linha dos seios e a calcete de cambraia
cobrindo-lhe as partes mais íntimas, embora ela tivesse
de segurá-las com as mãos para impedir que caíssem a
seus pés, pois os laços já tinham sido desfeitos.
Gar começou a despir-se apressadamente. A protu-
berância de sua masculinidade insinuou-se de encontro
a ceroula de algodão e ele virou-se com medo de ofen-
dê-la ao revelar a intensidade de sue desejo.
No entanto, para sua surpresa, Leah o segurou pelo
braço, forçando-a a encará-la.
— Não se esconda de mim, senhor meu marido. —
Perscrutou-o com olhos atentos, admirando cada centí-
metro do corpo viril e Gar estremeceu ao vê-la mover a
mão direita para abrir completamente o corpete, exibin-
do-se diante dele como nunca antes tinha feito. — Você
é muito atraente, sr. Lundstrom. Seu corpo também é
muito bonito. Aliás, nunca pensei que pudesse ser tanto.
Aquilo era mais do que ele podia agüentar. Como
ficar parado quando ela o elogiava e dizia tudo o que um
homem apaixonado esperava ouvir?! Dando um passo a
frente, Gar a viu soltar a calcete de cambraia, que des-
lizou rapidamente para o chão, deixando-a inteiramente
nua diante dos seus olhos, e à luz do dia, não sob a
pálida iluminação das velas como acontecera até então.
Os olhos azuis se moveram lentamente ao longo do
corpo sensual e feminino, como se quisessem gravar
cada detalhe daquela imagem antes de toma-la para si.
Ah, Leah tinha seios fantásticos, os quadris então eram
maravilhosos, curvas que prometiam prazeres quase
inimagináveis. As pernas eram longas e bem torneadas.
Pouco mais acima, caracóis cor de mel protegiam o
tesouro que o corpo dele ansiava tanto em descobrir.
Mas não era isso que Gar havia planejado, pelo me-
nos não tão cedo assim. Tomando a mão de Leah nas
sua, puxou-a para a beirada da água.
Ela estremeceu e Garlam sorriu de sua primeira
tentativa de entrar na piscina natural.
— Ah, não está tão quente quanto pensei que
estaria.
— Sim, mas vai parecer mais quente depois que
você molhar o corpo todo — comentou, conduzindo-a
para o centro daquele monumento da natureza. Quando
a profundidade aumentou, puxou-a para junto de si,
segurando-a pela cintura. Naquela parte do riacho o
fundo estava livre das pedras e ele podia caminhar com
certa firmeza.
Leah estava agarrada a ele, seus olhos brilhavam
com prazer ao sentir as pequenas ondas lamberem-lhe o
corpo, como se envolvesse os dois numa só carícia, num
só afago.
De repente, Garlam a colocou no chão, deixando
que a água lhe chegasse até o pescoço e trazendo-a
para bem junto de si.
Leah bateu um pouco as pernas para se manter na
superfície, antes de enroscar as pernas em torno dos
quadris de Garlam.
Diante desse gesto, foi inevitável que a protuberân-
cia máscula do corpo dele não se projetasse de encontro
ao ponto que queria ocupar na intimidade de Leah.
— Ah, se não parar com isso vai me ter muito mais
rápido do que eu havia planejado, meu amor — Gar
falou com voz rouca.
Leah estremeceu e secou as gotículas de água que
nublavam-lhe a visão.
— Você nunca me chamou assim antes, Gar —
suspirou.
— Não mesmo? Pois eu deveria tê-la chamado. Eu
nunca tive ninguém para chamar de meu amor antes.
Você é a única que já mereceu ouvir isto de meus lábios
e peço desculpas se não fiz mais vezes. E a primeira vez
que me sinto assim Leah, como se cada dia valesse a
pena ser vivido em sua plenitude.
— Ah, meu querido! — ela exclamou emocionada. —
Também amo você. Demorei muito tempo para perceber
que não era apenas uma atração e, hoje, quando
estávamos cavalgando, tive a certeza de que as mil
sensações que pulsam dentro de mim quando olho para
você, estou em seus braços ou vibro de prazer sob seu
corpo, é o mais puro amor que pode unir duas pessoas.
Eu quase disse isso a você pouco antes de avistarmos os
homens, mas resolvi esperar até que estivéssemos
sozinhos para podermos nos beijar e sentir a proximi-
dade um do outro.
Gar sentiu lágrimas umedecerem-lhe os olhos, es-
tava surpreso com a declaração que acabava de ouvir.
— Você é mesmo meu amor, Leah Lundstrom —
falou, então procurou revelar as palavras que pulsavam
em sua alma e seu corpo há muito tempo. Era hora de
confessar o que sentia. — É a mulher de minha vida, a
única que conseguiu chegar em meu coração, Leah. — A
boca carnuda se curvou no arremedo de um sorriso. —
Desculpe se não digo essas coisas com o romantismo
que você esperava. Nunca antes tinha confessado meu
amor a alguém, nem mesmo a meus filhos. Sempre
achei que eles deveriam saber. Mas agora percebo que
mesmo sabendo é sempre bom ouvir e repetir uma
confissão como essa. Não quero que tenha qualquer
dúvida sobre meu amor por você, querida.
Os braços dela circundaram o pescoço largo, ao
mesmo tempo que erguia o rosto para receber o beijo
apaixonado do marido. Suas bocas se uniram num toque
doce e gentil, confirmando que os sentimentos que os
unia não se resumia em mera paixão, mas também em
amor. Sim, o mais puro e verdadeiro amor, do tipo que
transcende a comunhão dos corpos e se revela no
encontro das almas.
— É muito bom estar aqui — Gar sussurrou, ainda
toma do pela emoção —, confessando o meu amor por
você e tendo este lugar maravilhoso como pano de
fundo.
— Vamos voltar aqui outras vezes, não? —
perguntou Leah, beijando-o ao longo do queixo.
— Sim, poderemos fazer isto sempre que
quisermos, ou melhor, quando Ruth aceitar cuidar de
Karen para nós. Mas nunca será tão especial como hoje,
querida. Este momento é único. Estamos fazendo nossos
verdadeiros votos nupciais aqui, é como se nosso casa-
mento estivesse começando agora, entende?
— Entendo. Foi aqui que revelamos o que nos vai na
alma e, portanto, só agora nos tornamos marido e
mulher de verdade — Leah completou, então piscou com
sensualidade. — Mas acho que no que se refere ao
encontro de corpos, meu caro marido, o acolchoado
seria mais apropriado do que as águas frias do rio.
— Se é assim que prefere, é assim que faremos, sra.
Lundstrom — Gar brincou, beijando-a na pontinha do
nariz antes de puxá-la e levá-la para fora da água
cristalina.
Leah estremeceu quando sentiu a brisa fria que so-
prava por entre as árvores tocar seu corpo.
— Venha, minha querida, eu vou aquecê-la — Gar
prometeu, puxando-a para o acolchoado estendido sobre
a grama.
Depois de tantos meses juntos, Leah já estava mais
acostumada com o jogo do amor e Garlam viu-a
responder prontamente ao seu toque, enroscando as
pernas nas dele e fazendo-o deitar-se de costas para
cobri-lo com as curvas enlouquecedoramente femininas.
Movida por um impulso, Leah deitou-se sobre o ma-
rido, os seios redondos e firmes clamando
silenciosamente para serem tocados enquanto a palma
de suas mãos deslizavam ao longo dos quadris
másculos, hora acariciando-o, hora provocando-o ao
segurá-lo com firmeza, explorando-o sem o menor
pudor.
— Você é tão másculo! — disse a certa altura, os
olhos azuis brilhando sensualmente enquanto falava. —
Adoro tocá-lo, Gar.
O corpo feminino era delgado e os pés
pequeninos mal alcançavam os tornozelos de Gar à
medida que Leah se movia sobre ele e cobria-lhe a boca
com a sua, num beijo úmido e urgente.
— Ah, Leah, Leah! — Aquele era um gemido que
não ocultava a satisfação e o prazer que o dominavam.
Céus, como a mulher com quem se casara podia lhe
propiciar tanta alegria?! Gar chegou a pensar que fosse
explodir de satisfação. Nunca antes se sentira mais
homem ou mais desejado.
Movendo-se com sensualidade, Leah comprimiu o
ventre sobre o abdome plano e musculoso e Gar apro-
veitou para tocá-la com intimidade, preparando-a para
.recebê-lo por inteiro.
— Por favor, querida, guie-me para dentro de você
— ele sussurrou, sabendo que tinha chegado o momento
da rendição final.
Leah obedeceu prontamente, e, em questão de
segundos, ambos eram levados aos píncaros do prazer
humano. A sensação era intensa demais, maravilhosa
demais para que eles, sequer, ousassem falar. Por isso,
gemeram juntos, riram juntos e depois deixaram-se cair
sobre o acolchoado em completo estado de saciedade.
O sol moveu-se no céu, anunciando o passar das
horas. Alguns minutos depois de terem se amado, Gar
beijou-a nos lábios e a puxou de volta para a água.
— Venha, vou te ensinar a nadar — prometeu, ins-
truindo-a para que movimentasse braços e pernas
quando não pudesse mais sentir o chão. — Pode ficar
tranqüila que eu te seguro.
Leah acreditou naquelas palavras e fez o que era
dito, porém, a certa altura, Gar a deixou por sua própria
conta e ela afundou como uma pedra.
— Ah, você fez de propósito! — reclamou, jogando
água no rosto anguloso do marido tão amado.
Uma sonora gargalhada escapou dos lábios
carnudos enquanto ele se curvava pana beijá-la nos
lábios entreabertos. Ah, verdade que aquele era um
convite inconsciente, mas mesmo assim era um convite
que um homem apaixonado não era capaz de recusar.
— Não, não fiz — defendeu-se das acusações de
boicote. — Mas foi bom para ver que você precisa de
mais treino, minha sapinha.
Leah fez um biquinho.
— Você já me chamou de coisas muito melhores,
Garlam Lundstrom. Sapinha é um pouco demais para um
homem que acaba de confessar seu amor, não acha? —
provocou-o com um sorriso coquete.
— Nesse caso, deixe-me pensar em palavras mais.
agradáveis que possam fazê-la me perdoar por tamanha
ofensa — Gar atalhou, enquanto começavam a sair da
água e seguiam para o acolchoado, onde se ajoelharam
um de frente para o outro.
Leah estremeceu ao vê-lo abaixar a cabeça e mor-
discar-lhe o seio desnudo.
— O que acha de “adorável”, meu amor? — Gar
sussurrou, indo de um seio para o outro. — E linda?
Sensual, talvez? Sim, Leah Lundstrom, todos esses ad-
jetivos se aplicam muito bem a você. E como eu a vejo,
adorável, linda e sensual.
— Eu te amo, Gar. Estou muito feliz que tenha me
trazido aqui hoje! — exclamou ela, mergulhando os
dedos por entre os cabelos dourados como os trigais
beijados pelo sol da manhã.
— E vai ficar ainda mais, querida. Porque quero
fazê-la experimentar sensações maravilhosas antes de
irmos embora.
E Gar cumpriu o prometido. As sensações que Leah
descobriu quando seus corpos voltaram a se unir foram
muito mais do que apenas maravilhosas…
CAPÍTULO XVI
— O xerife Anderson mandou dizer que a senhora
deve ir para a cidade, dona Leah. — Lars Nielsen parou
junto a porta de tela e deu o recado da varanda mesmo.
— Ele me parou quando vinha para cá e disse para lhe
dar o recado bem rápido. Parece que deseja vê-la agora
mesmo.
Leah sentiu a boca seca enquanto olhava para o
jovem alto e forte que trabalhava para seu marido.
Apesar de seus temores, forjou um sorriso de
agradecimento.
— Obrigada, Lars.
Lars a encarou sobriamente.
— Tenho certeza de que tudo vai dar certo, senhora.
O xerife não parecia aborrecido nem preocupado quando
falou comigo, o que já é um bom sinal.
— Espero que sim. Pode pedir a Gar para vir para
casa? Ele já foi para o curral ao lado do estábulo? — E
provavelmente estava entretido com os novilhos de três
anos de idade que pretendia vender na feira de outono,
pensou ela, admirando mais uma vez a persistência do
marido. Gar era uma daquelas pessoas que fazia
qualquer esforço para tornar seus sonhos realidade, isso
incluía levantar às quatro horas da manhã, trabalhar o
dia todo sem descanso e ir se deitar bem depois de o sol
ter se posto no horizonte.
— Pode deixar que digo a ele, senhora. — Lars
sorria levemente ao se afastar e puxar seu cavalo para o
estábulo.
Leah voltou para sua tábua de passar. A camisa que
tinha quase terminado era uma boa opção para Gar usar
naquela inesperada ida à cidade. Erguendo o ferro,
testou a temperatura com a ponta dos dedos úmidos e
só depois se debruçou sobre o trabalho.
Gar chegou antes mesmo que ela tivesse terminado
de alisar as duas mangas da camisa azul.
Leah passou o ferro preto em torno dos botões e
virou-se para pendurar a camisa no encosto de uma
cadeira. Só então seus olhos se encontraram com os do
marido.
Ele segurava as pesadas botas de cano alto nas
mãos e a fitava com o cenho franzido.
— Acho que pisei em algum atoleiro no caminho do
curral até aqui. Desculpe-me querida, mas fiz um grande
estrago na varanda — contou com um sorriso.
— Bem, antes lá do que na cozinha — respondeu
Leah, consciente de que, com aquele comentário banal,
o marido estava tentando desanuviar a tensão que o
recado do xerife suscitara. — Pode deixar, eu limpo a
varanda enquanto você se lava e troca de roupa.
— Lars está atrelando a égua na carroça para mim.
— Gar deixou as botas do lado de fora, bem junto à
porta. — Só vou demorar um minuto. Agradeceria se
colocasse um pouco de água quente na bacia, Leah.
— Claro, farei isso. — Enquanto se concentrava na
tarefa, Leah olhou para o vestido que trocara naquela
manhã. Sim, o traje estava limpo e sem nenhuma ruga
ou amassado, portanto, servia perfeitamente para a
ocasião. Não pretendia se trocar só para impressionar os
outros. — Vou como estou — falou ao marido, abrindo o
reservatório de água e pegando uma grande quantidade
que depositou na bacia de alumínio. Em questão de
minutos, enquanto Gar se lavava no quarto de banho ela
pegou o esfregão e limpou os grossos tufos de grama e
barro que estavam na varanda. Ao voltar a entrar na
casa, encontrou-o esfregando a toalha nos cabelos
úmidos.
Gar secou os ombros e o peito, só então se apro-
ximou dela.
— Acabei de passar sua camisa azul. — Leah
pegou a roupa da cadeira e colocou-a diante de si como
se fosse unia espécie de escudo. — Vire-se — disse, não
querendo enfrentar os olhos azuis, pois certamente a
necessidade que tinha dele estava estampada em seu
rosto.
Gar fez como fora dito e, de costas, enfiou os braços
enormes nas mangas da camisa azul-claro. Enquanto ele
abotoava os punhos, Leah passou os dedos por seus
ombros, alisando algumas rugas que se formaram sobre
a pele úmida.
— Leah… — O nome foi pronunciado com incrível
suavidade, e, lentamente, Gar envolveu-a num terno
abraço.
Leah apoiou a cabeça no peito largo, bem em cima
do coração do homem que amava, e fechou os olhos.
— Ah, eu amo você, minha querida esposa — ele
confessou num tom emocionado. — Tudo vai dar certo,
okay?
— Estou com medo. — A confissão escapuliu de
seus lábios antes que pudesse contê-la e Gar a abraçou
bem apertado como se o gesto pudesse não só a acabar
com o medo de Leah como também dar-lhe forças para
resistir. Leah inalou fragrância viril que emanava dele e
experimentou um breve instante de paz. Ah, sim, o
conforto e ternura daqueles braços eram justamente o
que estava precisando.
— Fique tranqüila — sussurrou Gar, junto ao
lóbulo da orelha delicada. – Eric sabe o que está
fazendo, Leah. Acha mesmo que ele iria reconhecê-la
como filha para logo depois perdê-la para uma injustiça?
— O sr. Taylor também tem muito dinheiro e bas-
tante influência, Gar. Será minha palavra contra a da
esposa dele.
— A diferença é que você está dizendo a verdade,
meu amor. — Os lábios carnudos pousaram na testa
altiva, e Leah sentiu-se reconfortada pela força e ternura
de tal gesto.
Uma onda de esperança explodiu em seu peito e ela
ergueu o rosto para o marido, oferecendo-lhe a boca
sem falsos pudores.
— Beije-me como se deve, sr. Lundstrom — provo-
cou-o e o sorriso dos dois mesclou-se em um só.
— Seja feita sua vontade, caríssima esposa — Gar
proclamou, antes de curvar-se e sugar-lhe os lábios com
paixão. Após alguns instantes, afastou-se perguntou: —
Karen irá com a gente?
Ela assentiu.
— Não quero incomodar Ruth outra vez. Afinal, pa-
rece que estamos sempre lhe pedindo para vir ficar com,
nossos filhos.
Gar assentiu.
— Tem razão, e Kristofer pode ficar com Benny no
celeiro. Você já começou a preparar o almoço?
— Sim, coloquei dois frangos para assar e mandei
Banjo dizer a Ruth para tirá-los quando estiverem
prontos.
— Acho que ela já está vindo — Gar declarou,
olhando através da enorme janela envidraçada e
confirmando que a sra. Warshem acabava de cruzar o
pátio. — Vá buscar Karen e eu digo a Ruth o que fazer —
ele sugeriu.
No entanto, Ruth não deu ouvidos aos donos da fa-
zenda, com sua competência costumeira, assumiu o co-
mando da situação e antes que Leah se desse conta, já
estava acomodada ao lado de Gar na carroça e
acenando para Karen que ficara no colo da vizinha
vendo-os partir.
— Ruth se preocupa com você e também gosta
muito das crianças — Gar comentou, estendendo o
braço para segurar a mão de Leah. — Ela acha que você
já tem muito com que se preocupar esta manhã e que
levar um bebê junto seria sobrecarregá-la. Agora,
mudando de assunto — falou piscando de maneira
charmosa — diga-me, o que achou de sua nova égua?
— Minha nova égua? — repetiu, sorrindo ao perce-
ber que o marido tentava distraí-la.
— Sim, aquela que você montou ontem. Não gostou
dela?
— É minha mesmo?! — espantou-se. — Não irá
vendê-la?
Gar negou com uni movimento de cabeça.
— Não se você prometer que irá montá-la pelo
menos uma vez por semana.
— Oh, Gar, podemos mesmo nos dar ao luxo de não
vendê-la? — indagou preocupada. — Não quero vê-lo
atrapalhado para pagar os impostos. Mas — apressou-se
em acrescentar —, devo confessar que há muito tempo
não me divirto tanto como durante a cavalgada de
ontem à tarde.
— Foi mesmo da cavalgada que gostou ou teria sido
de nadar no rio? — provocou-a, rindo baixinho.
Leah sentiu o rubor tingir suas faces e aproveitou
para apertar os dedos nos dele.
— Garlam Lundstrom, estou começando a achar que
adora zombar de mim! — revidou, com uma pequena
careta.
O sorriso que brincava no rosto carnudo alargou-se
e o som de uma sonora gargalhada ecoou pela imen-
sidão da estrada.
— Eu adoro tudo o que esteja relacionado a você,
querida. Especialmente, quando a tenho em meus bra-
ços como ontem à tarde.
Leah bateu levemente no ombro largo, como se o
recriminasse por estar falando sobre a tarde de amor
que haviam passado juntos, então seus olhares se en-
contraram e ela divisou a essência do amor emergindo
das íris azuis. Tal percepção suscitou um bem-estar e
alegria tão grandes que ela mal pôde se conter.
— Gar, não importa o que acontecer hoje —
começou a dizer com voz pausada: — Quero que saiba
que tem me feito muito mais feliz do que eu sequer
poderia sonhar que seria um dia — apoiou a cabeça no
ombro largo e os braços de Gar a envolveram-na como
se pretendessem protegê-la de tudo e de todos.
De acordo com Morgan Anderson, o encontro de-
veria acontecer na mansão que ficava do lado oposto da
cidade.
O xerife cavalgou ao lado da carroça dos Lundstrom
e o cavalariço de Eric Magnor se encarregou dos animais
assim que eles chegaram e se reuniram ao grupo que já
os aguardava.
Sara Perkins abriu a porta para recebê-los, brin-
dando Leah com um sorriso de boas-vindas.
— O sr. Magnor os espera na sala de visitas — a
governanta anunciou formalmente.
— Obrigada, sra Perkins — Leah agradeceu, seu
próprio sorriso era trêmulo enquanto seguia para a
enorme sala de visitas.
As portas duplas foram abertas antes mesmo que
ela batesse e Eric Magnor a cumprimentou, estendendo-
lhe ambas as mãos.
Leah se viu retribuindo o cumprimento e ficou feliz
ao sentir o calor e conforto que seu pai, obviamente,
pretendia lhe transmitir.
— Entre, minha filha, você também Garlam, e o
senhor, xerife. Desculpe-me, mas não sei se conhece
este cavalheiro Leah — Eric foi logo dizendo,
conduzindo-a para junto de um homem elegante parado
diante da lareira. — Tobias Dunbar dirige o jornal da
cidade e passa a maior parte do tempo escondido em
sua redação. — As palavras eram pontuadas de humor
e o jornalista meneou a cabeça concordando com o que
ouvia.
— Temo que o sr. Magnor esteja certo. Minhas mãos
estão sempre cobertas de tinta e minhas camisas vivem
pretas por causa da manchas da tinta de impressão. Cá
entre nós, minha esposa acha que sou um caso perdido
e desistiu de manter minha roupa impecável —
gracejou, embora fosse óbvio que estava exagerando.
— Tobias é irmão de Hobart Dunbar, Leah — Gar
passou a tomar parte na conversa.
Leah assentiu e tentou exibir um leve sorriso.
— Prazer em conhecê-lo, senhor. — Embora o que
aquele homem elegante estivesse fazendo ali ainda fos-
se uma completa incógnita para ela, tinha certeza de
que Eric não o teria convidado se não tivesse uma boa
razão para fazê-lo.
Aliás, seu pai parecia estar de ótimo humor, o que,
por si só, foi o bastante para encorajá-la a ter espe-
ranças. Gar e o dono do jornal acabaram se entretendo
em uma conversa sobre a nova escola que seria cons-
truída na cidade e ela aproveitou para voltar sua aten-
ção a Eric Magnor.
— O que está acontecendo, sr. Magnor? — Ainda
não conseguia chamá-lo de pai, embora lá no fundo já
começasse a pensar nele desta forma. — Por que man-
dou me chamar?
Eric ainda a segurava pela mão o que a deixava
ainda mais curiosa.
— Leah, Leah. Quando vai deixar esse “sr. Magnor”
de lado? Será que não pode usar a palavra pai? Ou é
algo muito difícil para você?
— Nunca chamei ninguém assim — confessou um
tanto hesitante. — Mas acho que posso tentar… Pai.
Os olhos acinzentados de Eric, que de uma certa
forma eram muito parecidos com os dela própria,
brilharam emocionados. Virando o rosto para o lado, Eric
pigarreou antes de murmurar:
— Obrigado por isso, minha filha. Era algo pelo qual
eu vinha esperando há muito, muito tempo. — O sorriso
iluminou-lhe as feições e ele a encarou com grande
atenção. — Você me chamava de papai quando era uni
pouco maior do que Karen, mas suponho que nem se
lembre mais disso.
— Leah? — Gar chamou-a e ela respondeu pronta-
mente, virando-se ao ver o marido sinalizar em direção à
porta.
— Ah, vejo que a pessoa que eu esperava já chegou
– Eric declarou, afastando-se de Leah para estender a
mão a outro homem que acabava de ser levado à sala
por Sara Perkins. — Querida Leah, a viagem de meu
advogado a Chicago foi muito bem-sucedida. Sr.
Waterford, venha conhecer minha filha, por favor.
O distinto cavalheiro de terno de casimira entrou na
sala, cumprimentou os demais senhores com um leve
menear de cabeça, depois concentrou sua atenção em
Leah.
— A senhora é Leah Gunderson? — ele perguntou.
— Eu represento Sylvester Taylor.
Ah, tinha caído em alguma espécie de armadilha,
Leah pensou, sentindo o chão se abrir sob seus pés.
Cambaleou levemente e e antes que tivesse se dado
conta do que acontecia, Gar já estava a seu lado, se-
gurando-a pela cintura.
— Que palhaçada é esta, Magnor? — Gar vociferou,
a fúria evidente no rosto anguloso.
— Não tirem conclusões precipitadas, meus caros —
Eric falou rapidamente. — Vocês vão entender tudo em
um minuto. — Mal concluíra a frase, virou-se para o
visitante de Chicago. — Não vamos demorar com isso,
por favor, puxe uma cadeira e explique a Leah o que
aconteceu.
Escolhendo uma poltrona diretamente em frente à
que Leah fora acomodada pelo marido, Waterford a
encarou.
— Senhora, fui incumbido de lhe entregar uma
carta e lhe pedir desculpas pessoalmente por todos os
problemas que o ar. Taylor lhe causou nos últimos anos.
— Uma ca… carta? — Leah gaguejou. — O Sr. Taylor
mandou uma carta para mim? — Olhou incerta para o
envelope que Waterford estendia em sua direção.
Foi Gar quem pegou a carta e abriu-a no mesmo
instante.
— Quer que eu leia para você, querida? — ofereceu-
se, percebendo que a esposa não teria condições de
fazê-lo.
Leah assentiu. O coração batia descompassado den-
tro do peito e o queixo tremia tanto que era incapaz de
proferir um único som.
Gar começou a leitura. Uma nota de incredulidade
permeava a voz de barítono enquanto ele corria os olhos
pelo papel e verbalizava o que estava escrito ali:
“Minha cara senhora,
Sei que minhas desculpas não serão suficientes
para fazê-la esquecer os problemas que lhe causei nos
últimos anos, e mais ainda, nas últimas semanas,
quando resolvi levá-la aos tribunais. Temo que tenha
ficado cego pelo amor que sentia por minha esposa, um
amor que foi tristemente desmerecido.
Acabo de descobrir que a senhora é inocente e que
nunca teve culpa nos terríveis acontecimentos da noite
em que meu filho morreu, há quatro anos. Eu deveria ter
percebido isto antes, mas temo que meu sofrimento e o
amor que sentia por minha esposa sobrepujaram meu
bom senso, cegando-me para a verdade.
Quando voltei a procurá-la esse ano, foi por in-
sistência de minha esposa, Mabelle, que estava grávida
outra vez. Ela a culpava por estar com os nervos à flor
da pele nessa gravidez e eu tentei acalmá-la,
procurando-a incessantemente.
No entanto, quando meu advogado contatou o mé-
dico que tinha atendido Mabelle em seu primeiro parto,
achou-o relutante em falar sobre o caso, pelo menos até
que ficou sabendo sobre a morte de nosso segundo
bebê e que uma terceira criança estava a caminho.
Finalmente, então, o médico revelou que suspeitava que
minha esposa tivesse sufocado nosso primeiro filho e,
por certo, deveria ter feito a mesma coisa com a criança
que a senhora ajudou a nascer. Como Màbelle estava
grávida novamente, ele assinou um termo declarando
que temia pela segurança deste bebê, pois não confiava
na saúde mental de minha esposa.
Só agora entendo que o que houve não foi sua
culpa. Minha mulher está internada em uma instituição
para pessoas com problemas mentais e será
acompanhada até o final da gravidez. Vou cuidar para
que desta vez meu filho não morra.
Peço que me perdoe por todos os problemas que lhe
causei e também pelos atos ensandecidos de minha
esposa, pois Mabelle não sabia o que fazia quando a
acusou.”
Gar amassou a carta e resmungou irritado.
Um pesado silêncio se abatia sobre a sala elegante.
— Este homem é um covarde! Por que não veio pes-
soalmente pedir desculpas a Leah!? — Gar vociferou
após alguns segundos.
Ah, isso era o de menos! Leah sentiu como se
tivesse nascido de novo. Agora teria a vida inteira pela
frente para ser feliz e não queria mais pensar no
passado.
— Está tudo bem, Gar — tranqüilizou o marido. —
Não vamos nos ater a detalhes. Covarde, ou não, o
importante é que ele disse a verdade e já posso dormir
sem ficar imaginando que poderei ser presa a qualquer
instante.
— Tem razão, senhora — Waterford anuiu. — Ma-
belie Taylor é louca e Sylvester precisou ser muito forte
para admitir isso diante de todos, principalmente,
porque ele é uma figura pública que preza muito a
imagem da família.
— Por falar em imagem pública — atalhou Eric
Magnor —, é exatamente aí que Tobias entra. Nós temos
a carta de Taylor e as informações de Waterford sobre- o
que realmente aconteceu, portanto, podemos limpar sua
imagem diante dos olhos dos moradores de Kirby Falis,
Leah.
— Tobias vai fazer isso? Como? — Leah quis
saber, não compreendendo o que havia por trás do
comentário do pai.
— E simples, Leah, Tobias dirige o jornal que é
distribuído para a cidade e região. Ele tem uma
influência que nem eu nem você temos. E Tobias con-
cordou em fazer uma matéria de primeira página sobre
o assunto, deixando claro para todos que você é ino-
cente e que a culpada pelos crimes foi a própria Mabeile.
Isto vai acabar de vez com todas as fofocas.
Leah ficou em silêncio enquanto considerava a
oferta inesperada.
— Não sei se quero que tudo isso venha à tona
agora que as coisas começaram a se acalmar. — Pro-
curou Garlam com o olhar e ele saiu da cadeira onde
estava para se ajoelhar diante dela.
— Deve fazer o que achar melhor, minha querida —
tomou as mãos trêmulas entre as suas. — Mas pense
quê esta oportunidade é uma em mil. O jornal pode
libertá-la de uma vez por todas desse passado que
queremos esquecer.
— Estou mesmo livre de qualquer acusação e não
precisarei mais ir aos tribunais? — ela indagou, virando-
se para o xerife.
Morgan Anderson assentiu enfaticamente.
— Com toda certeza, madame. E, se quer minha
opinião, acho que deveria aceitar a oferta do velho Toby.
Vai ser muito bom para que ninguém mais duvide de sua
inocência.
— Está bem, então.
— Está bem?! — Eric se espantou. — E só isso que
tem a dizer, não quer que Tobias escreva nada em
especial?
— Não, tudo o que desejo é esquecer essa história
de uma vez por todas, voltar para minha casa e cuidar
de minha família sem ter com que me preocupar —
confessou, virando-se para Gar e brindando-o com um
sorriso apaixonado que foi plenamente retribuído.
— Neste caso — Tobias alisou as abas do chapéu —
vou agora mesmo para o jornal. Quero escrever a
história e ainda poder revisá-la com cuidado. Esta vai ser
a melhor matéria que já publiquei. Além de trazer o
desfecho de um crime em série, ainda servirá para
mostrar que dona Leah foi acusada injustamente. As
fofoqueiras de plantão vão adorar e com certeza pre-
cisarei dobrar a edição. Agora, se me dão licença… —
pediu começando a se dirigir à porta.
— Creio que o acompanharei, sr. Dunbar — Water-
ford falou, também se preparando para partir. — Fe-
licidades, senhora. Parece que daqui por diante tudo
ficará bem.
— Obrigada — Leah agradeceu e logo os dois
homens haviam deixado o aposento, escoltados por
Sarah Perkins.
— Nós também precisamos ir, querida — atalhou
Gar, tocando-a nos ombros.
— Sim, claro — concordou, começando a se
levantar. Eric virou-se da porta que tinha acabado de
fechar atrás dos dois homens e abriu os braços num
gesto significativo.
— Se importaria se eu abraçasse minha filha, Gar-
1am? — pediu emocionado.
Sorrindo, Gar deu seu consentimento e empurrou
Leah em direção ao pai.
Leah atravessou a sala rapidamente e seus braços
se enroscaram em torno do pescoço de Eric, deixando as
emoções fluírem pela primeira vez desde que soubera
quem ele era na verdade.
— Obrigada, pai. Ou melhor, obrigada, papai — cor-
rigiu-se lembrando-se de que Eric lhe contara que era
assim que o chamava quando pequena. E talvez o tra-
tamento carinhoso fosse uma boa maneira de reatar os
laços que tinham sido cortados muitos anos antes,
concluiu suspirando.
— Não precisa me agradecer, filha – Eric murmu-
rou, beijando-a na testa. — As coisas se ajeitaram sem
que eu precisasse fazer qualquer esforço. — Ele pi-
garreou, como se quisesse controlar a rouquidão que
denunciava o quanto estava emocionado. — Sou eu
quem devo te agradecer, Leah, por ter me deixado
entrar em sua vida outra vez, mesmo depois de eu ter
sido tão orgulhoso e não tê-la procurado quando ainda
era uma criança. E, mais ainda, por ter me dado um
genro maravilhoso. — Olhou para Garlam, que assistia à
cena com um sorriso nos lábios. — E, então, poderemos
ser amigos, Lundstrom?
Gar se juntou a eles e Leah deu um passo atrás,
formando um pequeno círculo com o marido e o pai.
— Eu já o admirava há muito tempo, Eric — Gar
confessou. — Agora tenho orgulho de tê-lo como parte
de minha família. Imagino que você até fará questão de
ser um bom avô para nossos filhos.
— Por acaso tem mais algum a caminho além da-
queles dois garotinhos lindos que estão na fazenda? —
Eric brincou, os olhos acinzentados percorrendo a figura
esbelta de Leah.
— Bem eu espero que um desses dias isso possa
acontecer — Gar respondeu rindo.
— Pois eu não ficaria nada surpresa se esse dia
chegasse logo — Leah comentou provocante.
Os dois homens se entreolharam espantados,
depois voltaram-se para ela com ar indagador.
— Está querendo nos dizer alguma coisa, Leah? —
Gar perguntou, os dedos enormes fechando-se em torno
do cotovelo da esposa.
— Ah, não pode ser — Eric interferiu. — Olhe só
para ela, está com uma cintura de pilão.
— Eu estou olhando — Gar declarou, perscrutando-a
com as íris azuis. — O que você quis dizer, Leah? Acha
mesmo, que está grávida? — questionou após alguns
instantes de hesitação.
Ela meneou a cabeça afirmativamente.
— Pode apostar que sim, sr. Lundstrom — garantiu,
olhando de um para outro com um sorriso nos lábios. —
Ah, sou uma mulher de sorte por ter vocês dois! —
exclamou, abraçando um de cada lado. — E pensar que
um ano atrás eu nem imaginava que poderia ser tão
feliz com minha família. Agora tenho pai, marido, filhos
do coração, outro filho em meu ventre…
— Talvez fosse melhor ela sentar — Eric disse,
encarando Gar pouco acima da cabeça da filha.
— Sim, Leah teve uma manhã e tanto. Por certo,
seria melhor fazê-la deitar um pouco e descansar.
De repente, Leah se viu levada para o sofá pelo pai
e pelo marido, um de cada lado. Em poucos minutos
Sarah Perkins já lhe servia uma xícara de chá e a
mimava com uma grande variedade de muffins que
acabava de tirar do forno.
— Se eu soubesse que seria tratada com tanta
deferência, teria te contado sobre o bebê ontem mesmo,
Gar — ela comentou em uma mordida e outra na
guloseima.
— Você já sabia ontem?! — Gar espantou-se. Uma
expressão consternada surgiu nas feições angulosas, por
certo, porque ele estava se lembrando do que acon-
tecera no riacho. — Talvez nadar não tenha sido uma
boa idéia, Leah.
— Vocês andaram nadando? — Eric interrogou e
seus olhos brilharam ao perceber o rubor que tinha as
faces da filha e do genro.
— Sim, e Leah também cavalgou.
— Eu estou muito bem, cavalheiros — Leah os silen-
ciou com um tom firme. — Estar grávida não é doença.
Eric se aproximou do sofá e sentou-se ao lado da
filha.
— Não posso nem dizer o quanto está me
deixando feliz, Leah. Quando a vejo, lembro-me do lado
mais humano e bonito de sua mãe. Claro que você não
tem a língua tão afiada quanto ela…
Gar deu uma sonora gargalhada.
— Ah, espere só e verá como está enganado, meu
sogro. Quando a vir em ação vai entender o que digo.
— Não, Leah é mais doce que Minna. Menos orgu-
lhosa, talvez. Ela tem os mesmos cabelos cor de mel e
as maçãs salientes do rosto, mas não deixa que o
orgulho fale mais alto do que seu coração.
— Sim, Leah é linda, e também tem um coração de
ouro. Tanto que recebeu a mim, meus filhos, você e
agora está arrumando lugar pana mais um habitante —
gracejou Gar.
Leah colocou a xícara de porcelana sobre a mesinha
de centro.
— Ei, vocês dois querem parar de falar de mim
como se eu não estivesse aqui! — ralhou. — E, querem
saber do que mais, já cansei de ser paparicada. Está na
hora de voltar para casa e cuidar da vida.
Eric riu e Gar piscou pana o sogro.
— Viu o que eu disse? Esta minha esposa é muito
exigente! Primeiro gosta quando a mimamos, depois se
cansa e manda-nos parar. Quem consegue agradá-la?
— Bem, acho que você é a pessoa mais indicada
para esse trabalho, meu rapaz — Eric Magnor declarou,
estendendo a mão para o genro e se despedindo da filha
com um abraço. — Vou visitá-los assim que puder e
espero que façam o mesmo.
— Pode deixar, papai — Leah prometeu, abraçando-
o, antes de sair da casa escoltada pelo marido.
Logo a carroça vermelha já seguia pela estrada de
terra batida.
Era estranho, mas para Leah aquele caminho nunca
tinha parecido tão bonito. Talvez, fosse apenas um re-
flexo de seu estado de espírito, mas também poderia ser
que só agora, sem peso do passado sobre suas costas,
conseguia enxergar a verdadeira beleza que pulsava a
seu redor.
— Estou tão feliz, Gar, que nem consigo acreditar
que tudo isto esteja acontecendo.
— Eu também, querida, tanto por não termos mais
que nos preocupar com as acusações de Sylvester Tay-
lor quanto por esse bebê que cresce em seu ventre.
— Sim, acho que estamos sendo abençoados com
essa nova vida, Gar.
— Você tem razão — ele aquiesceu, piscando-lhe de
maneira sensual. — E eu sei exatamente como podemos
comemorar isto.
— Ah, Garlam Lundstrom, você é mesmo
impossível! — Leah resmungou, batendo-lhe de leve nos
ombros ao perceber que ele se referia a uma
inesquecível noite de amor. —. Mas eu te amo mesmo
assim…
— Não mais do que eu, minha querida esposa, não
mais do que eu…
CAPITULO XVII
— Pedi a Ruth que viesse ajudá-la todos os dias da
semana, em tempo integral — Gar fez a revelação em
seu tom habitual, como se fosse um fato já definido que
não exigia outros comentários.
Leah cerrou os lábios, consciente de que o marido
estava preparado para vencê-la se ela resolvesse dis-
cutir o assunto. Estava aninhada nos braços fortes,
repousando sobre o peito viril. Sua camisola continuava
no chão, onde Gar a jogara um pouco antes, e, de
súbito, percebia que começava a gostar daquela liber-
dade de dormir nua junto ao homem que amava.
— Você acha mesmo que preciso de ajuda? — per-
guntou por fim, consciente da tensão dele enquanto
esperava que contestasse sua decisão.
— Sim, está trabalhando muito.
— Não mais do que qualquer outra mulher de fa-
zendeiro da região — replicou com firmeza.
— Bem, eu a vejo costurando à noite, quando já
deveria ter terminado sua cota de serviço do dia. Além
do que, ultimamente tem me parecido muito cansada.
Quase sempre está sonolenta à tarde — Gar prendeu a
respiração e ergueu um pouco o corpo da cama, fa-
zendo-a encará-lo. — Isso é por causa do bebê? Está se
sentindo mal? Quero dizer, tem tido enjôos e não me
disse nada? — A voz de barítono era pura preocupação e
ansiedade.
Leah não queria que fosse assim. Pressionando os
dedos sobre os lábios carnudos que tanto gostava de
beijar, silenciou-o ao mesmo tempo que negava a per-
gunta com um movimento de cabeça.
— Não, estou me sentindo muito bem, honestamen-
te. Ainda não tive qualquer mal-estar e acho que é
normal ficar mais sonolenta no final da tarde, por isso
tenho lhe parecido cansada.
Sob a pálida luz do luar, o rosto anguloso estava
sério, as sobrancelhas arqueadas e os olhos azuis mais
escuros do que o habitual. Era uma expressão que a
fazia lembrar do Gar que conhecera antes de se tor-
narem marido e mulher.
— Mas eu não quero quê você se sobrecarregue
como Hulda fazia — continuou ele com suavidade. —
Tenho muito medo, Leah. Não suportaria perdê-la.
As mãos hábeis e delicadas deslizaram para a parte
posterior da cabeça dele e os dedos longos mergulha-
ram por entre os caracóis de cabelos loiros.
— Shhh, querido! Eu não vou morrer no parto. Sou
muito jovem e saudável.
— Já que mencionou, isto é outra coisa que me
preocupa. Você está com trinta anos, esta não é uma
idade um pouco avançada e preocupante para se ter o
primeiro filho? Não deveríamos ir a Minneapolis para ver
um médico competente e saber se está tudo bem com
você?
— Ora, tenho certeza de que está tudo bem comigo!
— exclamou Leah, puxando o rosto amado para junto do
seu e beijando-o ternamente nos lábios. — Mas se é
para deixá-lo mais tranqüilo, Ruth irá me ajudar com a
casa e as crianças e, se eu perceber que alguma coisa
não está bem, prometo que irei ao médico.
Provavelmente, quero muito mais esse filho do que
você, Gar. E muito importante para mim ter um bebê.
— Sim, já percebi. As mulheres em geral dão muita
importância a isso, não? E como se precisassem ser mãe
para se sentirem inteiras.
— Sim, mas acho que é o milagre da vida que nos
fascina acima de tudo, e uma forma romântica também
de vermos nosso amor perpetuado no ser que repre-
senta a união de dois corpos, duas almas… Se quer
saber, eu já trouxe mais bebês ao mundo do que você
pode imaginar. E cada um deles é um milagre mara-
vilhoso, especialmente Karen, que lutou tanto para
nascer, apesar de todas as adversidades.
— Pois eu só consigo me lembrar do sangue e da
dor terrível que Hulda sentiu ao dar a luz — Gar
confessou, abaixando a cabeça pana repousar entre os
seios redondos e firmes da esposa.
Os dedos de Leah continuaram mergulhados nos ca-
belos claros e ela segurou-o junto ao vale macio e ro-
sado. Sabia que Gar só se sentiria seguro depois que
visse o bebê nascer calmamente, sem a agonia da morte
que arruinava a alegria e a esperança de vida que era o
nascimento de uma criança.
— O que aconteceu com Hulda não vai se repetir
comigo, querido. Não é sempre assim. Tudo vai dar
certo. Espere e verá — sussurrou, acariciando-o com a
ponta dos dedos. — Vamos ser ainda mais felizes do que
agora quando tivermos nosso bebê nos braços…
O ano tinha sido muito bom para todos, a colheita
do trigo ainda estava sendo comentada pelos moradores
da cidade e o último corte de feno já tinha sido
armazenado no celeiro. Agora as cores outonais im-
pressas na vegetação desapareciam sob os pés dos mo-
radores de Kirby Falls à medida que outubro chegava ao
fim e o céu tingia-se do tom acinzentado característico
do inverno.
Como se fosse um sinal de que dali por diante a
temperatura cairia ainda mais, um vento vindo do norte
trouxe uma forte geada consigo e Gar limpou bem o pé
no capacho antes de entrar na cozinha.
— Puxa, parece até que tem neve no solado de
minha botas — ele comentou, esfregando as mãos uma
contra a outra para aquecer. — Pelo frio, é de se esperar
que ainda tenhamos uma boa nevasca antes do final da
semana. Talvez até hoje mesmo. Afinal, já estamos em
novembro.
— Bem, pois eu confesso que me dou por satisfeita
que você tenha aprendido a deixar a neve e os pedaços
de terra congelados lá fora, no capacho — Leah co-
mentou, virando-se do fogão, onde estivera ocupada
com o café da manhã da família, para a porta de
entrada.
O sorriso charmoso alargou-se.
— Sim, aprendi a lição, minha querida esposa —
confessou, esfregando mais uma vez a sola das botas no
tapete, pana em seguida se aproximar dela. As mãos
enormes e calejadas cobriram a parte frontal do avental
de Leah, acariciando a leve saliência que lhe denunciava
a gravidez, ao mesmo tempo que os lábios carnudos
roçavam-lhe na base do pescoço.
— Como está meu docinho está manhã?
— Está falando de mim? — provocou-o, arqueando
um sobrancelha. — Ou se refere ao bebê? — Virou-se e
os lábios do marido roçaram em suas faces, para logo
depois sussurrarem em sua orelha:
— Eu sei muito bem como você está, querida, des-
cobri todos os seus segredos há menos de uma hora
quando ainda estávamos na cama. Estou falando a
respeito de nosso bebê.
Leah fechou os olhos e apoiou-se no peito largo.
— Será que algum dia vou parar de enrubescer
quando você diz essas coisas para mim?
Gar passou os dois braços em torno dela, suas mãos
encontrando-se sob a curva do ventre levemente pro-
tuberante.
— Espero que não. É uma das coisas que mais gosto
em você, meu amor. Faz com que pareça tão feminina e
apaixonada que meu coração bate ainda mais forte ao
vê-la assim.
— Gar? Quando formos à cidade, como vou comprar
mais flanela no armazém geral sem deixar que as pes-
soas descubram para que vou precisar de tanto tecido?
— Ah, você ainda não está pronta para contar a
novidade às senhoras de Kirby Falis, não? Estou sur-
preso de ver que consegue guardar um segredo por
tanto tempo.
— Pois saiba que não serei capaz de guardar
segredo por muito tempo, senhor meu marido. Já
engordei muito mais do que esperava nesses poucos
meses de gestação. E olhe que eu ainda nem senti a
vida pulsar dentro de mim.
— A vida pulsar?! Está se referindo aos movimentos
do bebê?
Ela assentiu.
— Sim, isto deverá acontecer em breve, dentro de
poucas semanas. Talvez, depois de senti-lo estarei
pronta para contar a novidade a nossos amigos e
conhecidos.
— Tem algum medo em relação ao bebê? É por essa
razão que está tão hesitante em contar sobre a
gravidez?
Leah mexeu o cozido que tinha no fogo com a
colher de pau, depois voltou-se e segurou o rosto do
marido entre as mãos.
— Não tenho nenhum medo em relação ao nosso
bebê, Gar. E só que as vezes tenho a sensação de que é
bom demais para ser verdade.
Sorrindo, ele virou o rosto até que seus lábios to-
cassem o centro da palma da mão da esposa. Respi-
rando fundo, fechou os olhos e confessou:
— Não vou descansar até que tenha nosso bebê nos
braços e veja que você está bem depois do parto. Vivo
agoniado com a possibilidade de que algo terrível possa
lhe acontecer enquanto estiver tentando me dar um
filho.
O coração apertou-se dentro do peito de Leah.
Queria muito reconfortá-lo e garantir que tudo sairia
bem, mas sabia que suas palavras não teriam qualquer
efeito sobre o estado de espírito do marido. O que ele
precisava apenas a vivência poderia lhe dar. Sim, so-
mente quando tivesse presenciado um parto onde a
beleza do nascimento superasse plenamente a dor, os
perigos e o desconforto, Gar Lundstrom perceberia que
nem sempre o florescer da vida era assustador ou pe-
rigoso, muito pelo contrario.
— Quando o bebê se mexer, talvez você consiga
acreditar que está tudo bem, querido. Acho que vai
acabar se dando conta de que está tudo certo comigo,
mesmo se eu decidir tirar um cochilo durante as sonecas
de Karen depois do almoço. Também tenho de lhe dizer
que de todos os bebês que ajudei a trazer ao mundo, o
nascimento de Karen foi o mais difícil.
— Tenha paciência comigo e com meus temores,
minha sábia esposa. Ame este pobre homem e
compreenda que sou apenas um ser humano lutando
para superar meus medos e defeitos. — As palavras
bem-humoradas trouxeram um sorriso aos lábios de
Leah.
— Pois você não me parecia apenas um pobre
homem essa manhã. Ao me tomar em meus braços,
pareceu-me muito mais forte e poderoso que qualquer
ser humano, quase um semideus.
— Eu não machuquei você, machuquei? Fui apres-
sado demais?
— Você nunca me machucou Gar. Nem mesmo em
nossa primeira vez, quando foi muito mais que apres-
sado. — As palavras eram provocantes e o sorriso lân-
guido. -- Aliás, devo dizer que o senhor sempre foi
exatamente como eu sonhava: maravilhoso.
O corpo másculo relaxou e moldou-se de encontro
ao dela.
— Então vamos à cidade esta manhã? Quem sabe
até chegarmos lá você já tenha pensado em uma des-
culpa para explicar para o que precisa da flanela, sem
ter de mencionar fraldas cueiros e outros adereços de
bebê.
Leal’ deu de ombros.
— Se começarem a suspeitar, acho que não me im-
portarei de contar a verdade. Já faz algum tempo que
não sou mais o assunto predileto dos moradores de
Kirby Falis.
— Aquele artigo do jornal foi tão doloroso para você
assim, querida?
Ela lembrou do alvoroço que havia se seguido ao
artigo de primeira página em que Tobias Dunbar a
defendia das acusações que pesavam sobre suas costas.
Dunbar tinha publicado a carta de Sylvester Taylor, a
declaração do advogado da família e até mesmo parte
do relatório médico sobre a morte dos bebês de Mabelle
e a causa delas.
No final, Leah tinha saído dá confusão sem qualquer
macula a sua honra e reputação e as reações frias e
acusadoras dos moradores da cidade tinham desapare-
cido para sempre. Logo voltara a ser respeitada como
antes, mas nunca se esqueceu de que apenas Eva Lan-
ders, a sra. Thorwald e Bonnie Nielsen haviam perma-
necido suas amigas mesmo antes de a verdade vir à
tona, jamais duvidando de que era uma mulher de bem.
— As pessoas são muito engraçadas, Gar. Adoram
uma fofoca e quando a verdade sufoca o falatório, agem
como se nada demais tivesse acontecido. São raros
aqueles que podem ser considerados amigos verdadei-
ros e continuam a nosso lado mesmo nas horas mais
difíceis.
— Sim, tem razão. Mas você guardou o jornal de
Tobias, não? Eu o vi na estante.
Ela assentiu.
— E verdade. Achei que de vez em quando seria
bom ler todas as coisas maravilhosas que Tobias es-
creveu a meu respeito.
— Pois eu posso lhe dizer todas as coisas maravi-
lhosas que quiser ouvir, querida. — Inclinou-se para
beijá-la, depois espiou as panelas no fogão. — Parece
que o mingau de aveia está fazendo bolhas maiores do
que deveria. Acha que já está pronto?
Ela bateu-lhe no peito com os punhos cerrados.
— Ah, seu esfomeado. Se quer tomar o café da ma-
nhã antes de irmos à cidade, é melhor sentar-se à mesa
e chamar Kristofer que ainda está no quarto.
— Mas, e Karen? Não acordou? Quer que eu vá
pegá-la?
— Não, coma primeiro. Eu cuido de Karen. Quero
sair cedo para a cidade. Afinal, você pode estar certo.
Parece que existem algumas nuvens escuras vindas do
oeste e isto, nesta época do ano, é prenúncio de uma
boa nevasca.
— Quantos metros você vai querer, Leah? — Os
olhos de Bonnie Nielsen brilhavam de curiosidade
enquanto ela pegava a tesoura e tirava o papel marrom
em que estava embrulhada a peça de flanela creme.
— Acho que uns quinze metros será suficiente —
Leal’ disse, ocupando-se em escolher botões e linhas em
uma cartela.
— O que vai fazer com tudo isso? — quis saber
Bonnie, desenrolando o tecido macio sobre o tampo de
madeira, depois medindo-o numa fita métrica colada à
borda interna do balcão.
— Tenho uma série de roupas para costurar — Leal’
respondeu, sorrindo levemente enquanto separava di-
versas cartelas de pequenos botões de pérolas.
— Sete… oito… Imagino que Karen esteja perdendo
todas as suas roupas, ah? Nove.., dez… — Bonnie con-
tou os metros um a um.
Leah assentiu com um movimento de cabeça, mas,
no fundo, estava pensando em todos os casaquinhos,
calções e pilhas de fraldas e cueiros que iria costurar
para seu bebê.
— Não vai precisar de mais flanela depois? Talvez
alguns tecidos coloridos? Vamos receber um novo car-
regamento dentro de algumas semanas. — Os comen-
tários de Bonnie estavam atraindo olhares curiosos das
outras freguesas do armazém e Leah tentou dar o
assunto por encerrado.
— Talvez, Bonnie. Que tal um pouco de azul para
fazer um pijama para Kristofer? — E também para o
menino que ela acreditava piamente estar crescendo
dentro do seu ventre, concluiu em pensamento.
— Comprando, flanela, ah, Leah? — a voz de Eva
Landers soou como um sussurro junto a sua orelha e ela
se virou no mesmo instante para encarar a amiga.
— Ah, pensei que tivesse outras coisas com que se
preocupar do que com minha lista de compras, Eva —
gracejou Leah, piscando brejeira.
— E eu teria, mas não pude deixar de perceber que
está mais bonita do que o habitual, minha querida. Seus
olhos brilham como nunca e isto só acontece quando…
Ora, você pode enganar Bonnie, mas eu sei exatamente
o que todo esse brilho significa.
Uma onda de emoção invadiu o peito de Leal’.
Então será que existia mesmo uma aura especial,
facilmente reconhecível, em torno das mulheres
grávidas?!
— Dá mesmo para notar? — murmurou
emocionada:
O olhar de Eva percorreu-a de alto a baixo, detendo-
se na altura dos botões do casaco.
— Bem, para os mais desatentos não, mas aposto
que, se desabotoar esse casaco, todos conseguirão ver o
que vejo.
— Mas eu ainda não quero contar a todos — Leal’
cochichou no ouvido da amiga, e deu graças ao céu por
estarem conversando num tom confidencial.
Eva a abraçou e sussurrou:
— Então não conte. E um direito seu preservar sua
intimidade. Mas quero que saiba que estou feliz por
vocês. Gar é um bom homem e um bebê nascido deste
casamento era tudo o que precisava para completar sua
felicidade, minha cara amiga.
Bonnie pigarreou para chamar a atenção das duas
senhoras que trocavam segredos.
— E então, Leal’? Vai querer levar os botões que
separou?
— Sim — Leah voltou-se novamente para o balcão.
— Isto e os itens da lista de compras que lhe entre-
guei antes. -
Uma sineta tocou na porta da frente quando Gar
empurrou-a e entrou no armazém.
— Leah, já está nevando bastante. Precisamos car-
regar a carroça e seguir para casa o mais rápido pos-
sível. — Com Karen nos braços, ele seguiu até a esposa
e entregou-lhe a menina, enquanto pegava os pacotes
do balcão de madeira escura. — Volto logo para pegar o
resto — prometeu, dirigindo-se a Bonnie, antes de
empurrar Leal’ para a porta.
E estava mesmo nevando lá fora. Leah limpou os
flocos brancos do assento da carroça e subiu
apressadamente, abrindo o casaco para enrolar o tecido
de lã em torno do corpo de Karen e mantê-la aquecida
no trajeto até a fazenda.
Gar tornou a entrar na loja e voltou de lá com o
resto das compras que haviam feito. Assim que se ajei-
tou ao lado de Leah, pegou as rédeas e incitou os ani-
mais a partirem.
— Então, Bonnie não tentou descobrir para que
comprou tanta flanela de uma só vez? — perguntou com
um sorriso caçoísta. — Imagino que não tenha sido nada
fácil esconder a verdade, certo?
Leal’ também sorriu.
— Bem, para ser franca, Bonnie concluiu que o te-
cido era para Karen que está perdendo as roupas de
tanto que cresce, e, claro, eu deixei que continuasse a
pensar assim. Mas Eva Landers descobriu a verdade. Ela
disse que meu rosto e meus olhos estão brilhando de um
jeito especial. Gar, o que acha que Eva quis dizer com
essa história de brilho especial?
— Que você está parecendo uma mulher feliz, que-
rida. O brilho vem de dentro de você e apenas se reflete
em sua pele e em seus olhos. — Esticou o braço para
puxar o cachecol dela um pouco mais para frente, em-
purrando os flocos de neve que haviam se acumulado
ali. — Você é muito bonita com essas maçãs salientes e
o nariz clássico.
— Fico feliz que pense assim — disse Leal’, desli-
zando sobre o banco e aproximando-se mais do corpo
viril que lhe dava tanto prazer nas noites frias do
inverno, nos dias ensolarados de verão, nas manhãs
agradáveis de primavera e também no entardecer ro-
mântico do outono. Enfim, Gar era o homem que a fazia
feliz em todas as estações do ano!
Karen balbuciou alguma coisa na linguagem pecu-
liar dos bebês, enquanto com a mãozinha rechonchuda
pegava um dos flocos de neve e levava-o aos lábios,
lambendo o cristal e rindo deliciada.
— É a primeira tempestade de neve de minha filha.
— Gar comentou, apreciando o encantamento da me-
nina. Seu coração estava cheio de ternura diante da
visão de Leal’ com a menina nos braços. Mais ainda
porque sabia que sob o pesado casaco de lã uma outra
criança, fruto do amor de ambos, estava protegida da
tempestade dentro do ventre da mãe. E, céus, Leal’
mostrara ser mais do que capaz de amar todos os seus
filhos e a ele também, com a mesma ternura e dedi-
cação. Como ela sempre dizia, Kris e Karen não eram
filhos de seu ventre, mas de seu coração. — Vamos ter
que nos apressar se não quisermos ficar presos aqui,
querida. Segure Karen com firmeza. — Mal terminou de
falar, incitou os cavalos a galoparem mais rápido. A
estrada já estava coberta pela neve e a tempestade
tornava-se cada vez mais intensa.
Eles estavam a mais ou menos um quilômetro e
meio da casa da fazenda quando Gar resmungou algo e
apontou para um ponto mais adiante.
— O que é isso? — Leah inclinou-se para frente,
tentando ver melhor, mas mal sendo capaz de discernir
o contorno de uma outra carroça que estava parada
sobre a grama e com uma figura encolhida no assento.
Gar levou os cavalos até a beira da estrada e saltou
rapidamente, suas longas passadas o conduziram a uma
mulher coberta de neve.
— A senhora está bem? Está sozinha aqui? —
interrogou-a.
A estranha ergueu a cabeça, uma expressão
aturdida pairava nos olhos e feições delicadas.
— Sim, meu marido seguiu na frente para tentar
encontrar ajuda, senhor. O arreio quebrou e ele precisou
montar o cavalo e me deixar aqui.
Gar resmungou baixinho enquanto ergueu as mãos
para ajudar a mulher a descer do assento alto.
— Por que seu marido não a levou junto, senhora?
Este não é um bom lugar para se deixar uma mulher
sozinha, ainda mais com toda essa neve!
Então ele espantou-se, pois, pela primeira vez, deu-
se conta de que o pesado casaco que a desconhecida
vestia não era capaz de esconder o tamanho avantajado
de seu abdome.
— Céus, a senhora vai ter um bebê! — exclamou
Gar, a surpresa que sentia pontilhando cada uma de
suas palavras. — Será logo? — quis saber. As mãos
gentis ajudaram-na a descer os degraus e depois se-
guraram-na a seu lado quando ela cambaleou.
— Temo que muito em breve, meu senhor. Stephen,
meu marido, queria que eu montasse no lombo do ani-
mal com ele para irmos em busca de ajuda, porém, eu
não poderia. Disse-lhe que ficaria bem aqui até que
fosse até a fazenda mais próxima buscar socorro. —
Ergueu o rosto e o encarou com ar de quem pede des-
culpas. — Não queria deixá-lo saber que já estava sen-
tindo as dores.
Depois de lhe garantir que encontrariam seu marido
no caminho ou, quem sabe, na Fazenda Lundstrom, Gar
a conduziu cuidadosamente até seu próprio veículo,
parando diante da carroça para olhar para sua esposa.
— Leah, querida, devo colocar esta jovem senhora
na parte de trás, ou está tudo bem se ela for a seu lado?
Parece que está prestes a dar a luz.
Leal’ virou-se, ajeitando um lugar na parte de trás
da carroça. Karen remexia-se impaciente em seu colo.
— Traga-a para cá, Gar. Ela se sentirá melhor se
puder se apoiar na lateral da carroça.
Pela primeira vez em sua vida, Gar Lundstrom obe-
deceu uma ordem sem nem ao menos discutir. Leal’
tinha muito mais experiência nesses assuntos do que
ele, além do que, trabalhos de parto sempre o deixavam
nervoso e incapaz de pensar com clareza.
Quando voltou a incitar os animais a seguirem em
frente, não pôde deixar de imaginar o que as próximas
horas lhe reservavam. Leal’, por certo, iria precisar de
ajuda para trazer mais um bebê ao mundo e ele tremeu
só de pensar no que isso poderia significar. Não seria
capaz de passar por tudo outra vez. A morte de Hulda
ainda estava bem viva em suas lembranças. Mas, talvez,
se tivesse um pouco de sorte, Ruth poderia dar uma
mão e seu trabalho se resumiria a esquentar água e a
separar algumas toalhas e lençóis limpos, além de fazer
um chá e manter-se na cozinha, longe do acontecimento
principal da noite.
Essa última possibilidade o animou.
A casa dos Warshem estava escura e Gar mal freiou
os animais ao passarem diante dela.
— Parece que Ruth não está — disse por sobre os
ombros.
— E, não está mesmo — Leal’ concordou. — Por
certo foi ajudar a irmã.
— Sim, e eu esperava que ela pudesse nos ajudar
também com este novo bebê que decidiu nascer hoje —
suspirou Gar, batendo com as rédeas nas costas dos
animais para obrigá-los a andarem mais depressa.
— Não tem problema, querido. Vamos nos sair bem,
mesmo estando sozinhos — Leal’ garantiu com voz
suave, olhando para a jovem sentada na parte de trás e
sorrindo como se as duas estivessem falando uma
linguagem que apenas elas entendiam.
Por sorte, a ladeira que conduzia à sede da fazenda
estava logo à frente e Gar conduziu os cavalos para lá.
As luzes do celeiro estavam acesas, como se fossem um
brilho de esperança em meio a toda aquela neve que
caía em profusão do céu hibernal.
Assim que ouviu o som dos animais e do veículo do
patrão se aproximando, Benny surgiu na porta do
celeiro.
— Ah, Gar, que bom vê-lo. Por acaso encontrou uma
jovem senhora na estrada enquanto vinha para cá? O
marido dela acaba de chegar e estamos nos preparando
para ir buscá-la porque o arreio deles quebrou.
— A moça está aqui comigo — contou Gar. — Mas
acho que devemos levá-la para casa o mais rápido
possível, do contrário, teremos um bebé nascendo bem
aqui no celeiro.
Só de saber que estavam longe da tempestade e
que a casa estava a poucos passos dali já fazia com que
Gar respirasse mais tranqüilo. A visão de um jovem que
correu em direção à carroça com olhar ansioso para logo
se aproximar da cama improvisada na parte de trás,
onde duas mulheres e uma criança estavam alojadas, o
acalmou ainda mais. Afinal, Leal’ poderia encontrar a
ajuda que precisava para fazer o parto no futuro papai.
— Kristofer está com você? — perguntou a Benny,
preocupando-se com seu filho mais velho.
— Sim, ele está alimentando as galinhas. Ou talvez
já tenha terminado e ido direto para casa a fim de se
aquecer um pouco.
Mais atrás, as vozes se misturavam com vários ou-
tros sons. Leah tentava acalmar o jovem que tinha
ficado atordoado com a notícia de que o parto seria
iminente e, logo, ele já carregava a esposa para a casa,
tendo Leal’, com Karen nos braços, seguindo-o ao mes-
mo tempo em que se curvava para tentar se proteger do
vento e da neve.
— Vou até lá dar uma mão para eles, Benny. Por
favor, cuide dos cavalos e da carroça para mim, sim?
Enquanto o ajudante concordava de pronto, Gar pe-
gou as compras de Leal’ da carroça e também rumou
para a casa. Pretendia cuidar das crianças e preparar
um Jantar leve para todos enquanto Leah dava assis-
tência à jovem que estava para dar a luz.
Mas não foi tudo tão simples e rápido como ele
havia planejado. A noite recobriu a fazenda com seu
manto escuro e, ainda assim, o bebê não tinha dado os
ares de sua graça. Do quarto que ficava no alto das
escadas não se ouvia nenhum som. Mesmo quando Gar
levou os filhos para a cama e acomodou-os sob os
pesados cobertores, a porta permaneceu fechada.
Apenas as ocasionais saídas de Leal’ para pegar mais
água quente ou lençóis limpos quebravam o silêncio
assustador.
Então, a certa altura dos acontecimentos, Stephen,
o marido, desceu as escadas e seguiu para a cozinha.
Seu rosto estava pálido e a boca tremia levemente.
— Não agüento mais vê-la sofrer tanto! — gemeu,
deixando-se cair em uma cadeira e segurando a cabeça
entre a mãos. — Sua esposa pediu que o senhor subisse
e lhe desse uma ajuda.
— Eu?! — Gar levantou-se de um salto, quase der-
rubando a xícara de café que segurava. — O que posso
fazer para ajudá-la?
Os olhos de Sthephen estavam vermelhos quando
se voltou para a expressão aturdida de Gar.
— Não sei, mas por certo mais do que eu. Sharon é
tão jovem. Não deveria tê-la trazido para a cidade hoje.
Moramos há quase dezesseis quilômetros ao norte
daqui, nas terras do velho Burguess, e eu sabia que ela
estava prestes a ter o bebê. Mas minha esposa queria
muito ver o médico para se certificar de que tudo estava
bem, por isso eu a trouxe a casa do doutor.
— Vocês foram à casa do dr. Swenson? — inquiriu
Gar, franzindo o cenho. — Ele não tem a menor condição
de trazer uma criança ao mundo.
Stephen respirou fundo.
— Nós não sabíamos disso. Moramos aqui há
poucos meses e Swenson foi o único médico de quem
ouvimos falar. Imagino que não haja outro num raio de
muitos quilômetros.
Gar se recompôs do susto inicial e começou a seguir
para as escadas.
— Mas vocês deram sorte, meu caro. Acabaram no
lugar certo. Minha esposa irá cuidar de tudo. — E sua
coragem durou apenas até abrir a porta do quarto no
segundo andar e dar um passo adentro. Aquela moça
frágil não era Hulda, lembrou a si mesmo. Mas, apesar
de tudo, ela gemia da mesma maneira que vira Hulda
fazer quando estivera em trabalho de parto.
E, como acontecera naquela ocasião, Leal’ estava
ali, parecendo segura, calma e senhora de todos os seus
movimentos. Ao lado da cama, ela ajoelhou-se junto a
mulher e suas mãos executavam uma tarefa misteriosa
enquanto seus murmúrios tentavam dissipar os medos
da futura mamãe.
— Gar, venha me ajudar aqui — pediu-lhe, lançando
um olhar imperioso em sua direção. — Feche a porta e
sente-se junto à cabeceira. Preciso que erga Sharon e
deixe-a se apoiar em seu peito enquanto ela empurra o
bebê para minhas mãos.
Gar sentiu uma onda de calor, mesclada a um medo
insano, percorrê-lo de alto a baixo.
— Talvez eu não seja a pessoa mais indicada para
esse trabalho — sugeriu com voz embolada. —
Stephen…
— Não tenho tempo para discutir, senhor meu ma-
rido — Leah silenciou-o abruptamente. — Segure Sharon
do jeito que falei e faça isso agora mesmo.
Não havia mesmo outra coisa a fazer a não ser
seguir à risca as instruções de Leal’. Respirando fundo,
ergueu a figura frágil, apoiando-a contra seu peito.
E Sharon era quase uma criança, tão pequena e
delicada, mas, paradoxalmente, dotada do misterioso
dom de dar a vida a um novo ser, embora nesse pro-
cesso a dor parecesse uma constante aterradora.
— Respire fundo, Sharon — Leah aconselhou-a, cur-
vando-se para olhar sob o lençol que cobria as pernas e
a parte inferior do abdome da jovem. — Agora, empurre,
faça força. Muita força!
Em seus braços, Gar sentiu o corpo jovem ficar
tenso, a cabeça da moça apoiada em seu ombro, os
dentes cerrados e as mãos agarradas aos lençóis como
se estivessem a ponto de rasgá-los. Como Leah podia
lhe pedir que presenciasse isso, mesmo sabendo o quão
terríveis eram suas lembranças?
— Outra vez, Sharon! Vamos, respire fundo. Em-
purre! — ela continuou a dizer, alheia aos sentimentos e
emoções que o torturavam.
Sim, como se tivesse em outro mundo, Leal’ estava
totalmente concentrada em sua missão. Ela agachou-se
mais, suas mãos ocupadas sob o lençol, concentrando-
se unicamente na vida, sem jamais pensar na morte.
Talvez fosse esse o segredo…
De repente, não mais que de repente, o ar foi inun-
dado por um choro estridente que, sem sombra de dú-
vida, significava a vitória.
— Oh, meu bebê! — Sharon exclamou triunfante
enquanto seu corpo relaxou de encontro ao de Garlam.
As mãos que até então haviam se enroscado no linho da
roupa de cama agora estavam estendidas em direção ao
pequeno ser vermelho e coberto por uma substância
pegajosa.
— Coloque-a deitada, Gar, e venha me ajudar a cor-
tar o cordão umbilical — pediu Leah.
Ele hesitou por um momento, então, dirigindo um
sorriso de encorajamento para a jovem mamãe que os
observava com os olhos marejados de lágrimas, fez o
que lhe fora dito.
— O que devo fazer?
— Segure-o para mim — Leal’ instruiu, entregando-
lhe o pequeno ser nas mãos enormes.
O bebé era tão escorregadio quanto um daqueles
porquinhos besuntados de gordura que havia nas feiras
de animais de que participava, pensou Gar curvando os
lábios num sorriso ao virar-se pana o rostinho enrugado.
— Ei, é um garoto! — disse ele, observando um pe-
queno jato de urina atingir o ar e depois as mangas
dobradas de sua camisa. Uma gargalhada escapou-lhe
dos lábios. — Olhe só o que esse malandrinho fez
comigo!
— Não se mexa agora, apenas segure-o firme! —
ralhou Leah, olhando para o marido com a criança nos
braços. Ela tinha uma tesoura nas mãos e levou-a até o
cordão brilhante e rosado. As lâminas cortaram no ponto
exato entre duas partes que já haviam sido
anteriormente amarradas com um pedaço de barbante.
No instante seguinte, mãe e filho estavam separados
fisicamente, mas, por certo, unidos para sempre pelos
laços sagrados do amor materno-filial.
O milagre dos milagres. A magia do nascimento.
Com os olhos embaçados por causa das emoções que
explodiam em seu peito, Gar virou-se para mostrar o
menino à mãe.
— Olhe só o que você ganhou — murmurou, segu-
rando o bebé bem ao lado de Sharon e, com cuidado,
colocando-o sobre o lençol.
— Oh, céus, como ele é lindo! — Com a voz embar-
gada, a jovem brindou o filho com seu olhar carinhoso.
De repente, Gar entendeu que aquele era o mesmo
olhar que vira em Leah naquela manhã. Lá no fundo de
seu peito, o coração encheu-se de esperança. Uma
esperança que ele descobrira naquele quarto, quando
colaborara com a mulher que tomara como esposa e
fizera um voto pela vida. Aqui, onde tinham unido forças
em uma tarefa muito mais gloriosa e importante do que
qualquer outra que pudesse imaginar.
Era engraçado, mas Sharon também parecia revi-
gorada, muito embora seu corpo tivesse enfraquecido
com o esforço que fizera para dar a luz.
Entretanto, não era sempre assim, Gar se deu conta
com pesar. Pobre Hulda, ficava fraca e acabada depois
dos partos e, mesmo depois do nascimento de Kristofer,
permanecera na cama durante dias seguidos. Sentiu o
coração comprimir-se em seu peito, e, mais uma vez,
deu graças ao céu por Leal’ ter surgido em sua vida para
lhe mostrar o outro lado da moeda.
Sim, tudo seria diferente na próxima primavera,
quando a hora de Leal’ chegasse. Até mesmo uma jo-
venzinha frágil como Sharon havia sobrevivido ao parto,
que dirá uma mulher de fibra como sua esposa! O som
do riso das mulheres chegou-lhe aos ouvidos e ele
deixou as considerações de lado.
— Seu filho é lindo, Sharon! — Leah estava dizendo,
não parecendo nenhum pouco cansada depois de todo
trabalho que tivera.
— Sim, por favor, deixe-me pegá-lo nos braços.
— Vou limpá-lo primeiro e enrolá-lo numa flanela
para que não tome friagem — Leah explicou, e, em
questão de minutos, já tinha umedecido uma toalha em
água quente, limpado o bebê, enrolado-o em uma das
flanelas e entregado-o nos braços carinhosos da mãe.
Gar aproximou-se e a enlaçou pelos ombros, com
um misto de carinho e orgulho.
— Suas costas devem estar doloridas depois de ter
ficado tanto tempo curvada — comentou suavemente.
— Nem tanto — contradisse-o, observando a cena
que se desenrolava na cama, mãe e filho entretidos um
com o outro. — Quando um bebê nasce, nada mais no
mundo importa. Não estou com dores e nem mesmo
cansada. Hoje estou apenas feliz e excitada ao presen-
ciar, mais uma vez, essa dádiva da vida.
— Eu também, querida — Gar confessou. — Eu
também…
O inverno foi duro, a nevasca cobrindo a paisagem e
os flocos brancos batendo impiedosamente contra as
janelas da casa durante todo o mês de fevereiro.
Durante uma semana inteira, Gar precisou cavar uma
enorme trincheira para poder ir da casa até o celeiro.
Então os tímidos raios de sol começaram a aparecer
e se encarregaram do trabalho de derreter a neve
acumulada por toda parte. Em meados de março, já era
possível ver o solo livre da grossa camada branca que o
revestira durante o mês anterior. Porém, uma
inesperada nevasca em abril tornou a surpreendê-los e
deixou Leal’ ansiosa, pois ela já começava a ouvir os
primeiros sinais que seu corpo pesado emitia
discretamente.
Então, como se Deus tivesse estendido suas mãos e
tirado o grosso manto hibernal de sobre a paisagem de
Kirby Falis, o sol ergueu-se majestoso no horizonte e
secou e aqueceu a terra úmida e gélida. Tílias
floresceram sob as árvores junto ao bosque e lírios-do-
vale brotaram a oeste da varanda dos fundos, im-
pregnando o ar com o perfume delicioso da natureza em
flor.
Era como um presente do céu, concluiu Leal’, ca-
minhando da casa até o celeiro.
Benny ouviu atentamente enquanto a mulher do
patrão lhe dizia o que precisava ser feito.
A idéia a perseguia há dias e estava determinada a
colocá-la em prática na primeira oportunidade que
tivesse, ou seja, assim que o tempo estivesse firme o
bastante para poder fazê-lo. E o momento era esse.
Kristofer ajudou-a carregando a pequena maleta
que ela lhe dera e exclamando deliciado ao ver a grande
variedade de potes de tintas com cores diversas e tam-
bém pincéis.
— Não sabia que pintava, mamãe — o menino co-
mentou, os olhos brilhando de empolgação diante da
novidade. — Posso mesmo ajudá-la?
Ela assentiu, acomodando-se em um barril pequeno
que Benny providenciara. Aliás, o ajudante de Gar
também limpara bem o banco improvisado, então, deu
um passo atrás e ficou a observá-la enquanto Leah
pintava as primeiras flores na lateral da carroça.
Em uma hora, ela já havia terminado uma das la-
terais, o pincel oscilando com leve abandono enquanto a
artista retocava as cores escolhidas.
Kristofer acompanhava-a sem reclamar, mudando o
pequeno barril de lugar cada vez que Leal’ não
conseguia mais alcançar a parte que estava pintando. O
pincel que ele segurava estava impregnado de tinta
verde e seus dedinhos desenharam folhas que nunca
tocavam nos caules, mas que para Leal’ eram as mais
bonitas e perfeitas para combinar com as tulipas e
margaridas que havia criado, pois tudo fora feito com
amor.
Após algum tempo, ela colocou as mãos nas costas
e deu um passo atrás. A criança que carregava no
ventre, estranhamente quieta nessa manhã, fê-la apre-
ciar o visual primaveril que criara na carroça da família
com muito mais entusiasmo do que teria se não
estivesse prestes a florescer também. Sim, florescer, era
assim que vinha definindo o ato mais importante e
primitivo da humanidade, o de dar a luz a um novo ser.
Para Leah, ser mãe era como uma planta que finalmente
floresce e mostra sua beleza e função ao mundo.
— Está lindo! — Ruth disse, aproximando-se para
admirar o trabalho. — Mas você não acha que deveria
deixar o resto para fazer uma outra hora? Eu já preparei
a cama.
Osorriso de Leah chegou-lhe aos olhos e ela voltou-
se para a amiga.
— Sim, mas eu precisava começar o trabalho. Quan-
to aos retoque, Kris e eu poderemos terminá-los dentro
de alguns dias. Quando levarmos o bebê para a cidade
pela primeira vez, quero que seja na carroça pintada e
enfeitada com as cores da primavera para que todos
possam ver que estamos comemorando o aumento da
família.
— Quer que eu chame Garlam nos estábulos? —
Benny indagou, preocupado ao ver a maneira como Leah
olhou para o céu e segurou a barriga pesada com as
mãos.
De repente, ela cerrou os olhos e respirou fundo ao
sentir os músculos se contraírem, avisando-a de que
havia chegado o momento tão esperado.
— Sim, por favor, Benny, diga a meu marido que
chegou a hora — pediu com um sorriso. — Temo que
você terá de cuidar do novo bezerro sozinho, pois Gar
estará muito ocupado cuidando de sua própria cria…
E de fato foi o que aconteceu. Naquele mesmo dia,
antes de o sol se pôr, Garlam Lundstrom segurou o filho
recém-nascido nos braços, com lágrimas escorrendo-lhe
pelas faces angulosas enquanto olhava embevecido
para o bebê que ele próprio ajudara a trazer ao mundo.
— Vamos chamá-lo de Eric — disse, virando-se para
a esposa.
— Ah, mandão como sempre, não, senhor meu ma-
rido? — Leah sussurrou, cansada por causa do trabalho
de parto.
— Ora, não concorda que é um belo nome para se
dar a um filho?
Apesar de tudo, ela assentiu.
— Um nome maravilhoso. Agora embrulhe-o bem e
vá levá-lo para mostrar ao avô e aos irmãos que estão lá
embaixo esperando notícias.
— Eu te amo, sra. Lundstrom. — As palavras vieram
tão naturalmente aos lábios carnudos que soaram como
uma bênção dos céus para Leah.
— Eu também te amo, sr. Lundstrom. Aliás, há mui-
to mais tempo do que pode imaginar. Nossas vidas se
cruzaram de uma maneira inesperada, mas foi a melhor
coisa que já nos aconteceu.
Gar segurou a criança junto ao peito viril e curvou-
se sobre a cama para roçar os lábios ternamente nos da
esposa.
— Ah, minha querida Leah. Você é a mulher da
minha vida, a única capaz de me fazer feliz…
Leah retribuiu o beijo e sorriu, sabendo que, final-
mente, podia descansar. Tinha conseguido tudo o que
sempre sonhara e um pouco mais. Além do amor de Gar,
também ganhara três lindos filhos que completaram sua
felicidade e lhe davam razões de sobra para continuar
acreditando que a vida era bela…