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o Livro Dos Espiritos

Nov 05, 2015

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Eddy Bertelli

O livro dos espiritos
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  • O LivrOdOs EspritOs

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  • O Livro dos Espritos: filosofia espiritualista / recolhidos e orga- nizados por Allan Kardec; traduo do original francs por Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011.

    490p.; 21 cm

    ISBN 978-85-7297-346-5

    1. Espiritismo. I. Kardec, Allan, 1804-1869.

    CIP - BRASIL - CATALOGAO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

    L762

    06-2432. CDD 133.9CDU 133.9

    Outras obras do autor editadaspelo CELD:

    A Passagem (Opsculo) APreceSegundooEspiritismo

    TemordaMorte.OCu(Brochura)

    OEvangelhoSegundooEspiritismo

    OEvangelhoSegundooEspiritismo(Bolso)

    AGnese

    ObrasPstumas

    OCueoInferno

    OLivrodosMdiuns

    OQueoEspiritismo

    DaComunhodoPensamento(Opsculo)

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  • O LivrOdOs EspritOs

    Allan Kardec

    Os PrincPiOs da dOutrina EsPritasobre a imortalidade da alma, a natureza dos espritos e suas relaes com os homens; as leis morais, a vida

    presente, a vida futura e o futuro da humanidade

    sEgundO O EnsinamEntO dadOPElOs EsPritOs suPEriOrEs

    cOm O cOncursO dE divErsOs mdiuns

    TraduodeMariaLuciaAlcantaradeCarvalho

    2a Edio

    CELDRio de Janeiro, 2011.

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  • O LIVRO DOS ESPRITOSAllan Kardec

    Ttulo do original francs:LELIVREDESESPRITS

    1a Edio: outubro de 2007;1a tiragem, do 1o ao 10o milheiro.

    2a Edio: julho de 2011;1a tiragem, do 11o ao 16o milheiro.

    L3180906

    Traduo:Maria Lucia Alcantara de Carvalho

    Revisodeoriginais:Homero Dias de Carvalho

    Reviso:Elizabeth Paiva e Teresa Cunha

    Composio:Luiz de Almeida Jr. e Mrcio de Almeida

    Diagramao: Rogrio Mota

    Capa:Roberto Ratti

    Para pedidos de livros, dirija-se aoCentro Esprita Lon Denis

    (Distribuidora)Rua Joo Vicente, 1.445, Bento Ribeiro,

    Rio de Janeiro, RJ. CEP 21610-210Telefax (21) 2452-7700

    E-mail: [email protected]: leondenis.com.br

    Centro Esprita Lon DenisRua Ablio dos Santos, 137, Bento Ribeiro,

    Rio de Janeiro, RJ. CEP 21331-290CNPJ 27.291.931/0001-89

    IE 82.209.980Tel. (21) 2452-1846

    E-mail: [email protected]: www.celd.org.br

    Remessa via Correios e transportadora.

    Todo produto desta edio destinado manuteno das obras sociais do Centro Esprita Lon Denis.

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  • ALLAn KARDEc(1804 -1869)

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  • sUMriO

    Advertncia sobre esta nova edio ...............................................17Introduo ao estudo da Doutrina Esprita .....................................19

    I .................................................................................................19II ................................................................................................20III ..............................................................................................23IV ..............................................................................................26V ................................................................................................28VI ..............................................................................................30VII .............................................................................................35VIII ...........................................................................................39IX ..............................................................................................40X ...............................................................................................42XI ..............................................................................................44XII .............................................................................................45XIII ...........................................................................................47 XIV ...........................................................................................49XV .............................................................................................50XVI ...........................................................................................52XVII ..........................................................................................56

    Prolegmenos .................................................................................59

    primeira parteAs causas primrias

    Captulo i deus

    1. Deus e o infinito ....................................................................652. Provas da existncia de Deus ................................................663. Atributos da divindade ..........................................................674. Pantesmo ..............................................................................69

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  • Captulo ii Elementos gerais do Universo1. Conhecimento do princpio das coisas..................................712. Esprito e matria ..................................................................723. Propriedades da matria ........................................................754. Espao universal ...................................................................77

    Captulo iii Criao1. Formao dos mundos ..........................................................792. Formao dos seres vivos .....................................................803. Povoamento da Terra. Ado ..................................................824. Diversidade das raas humanas ............................................825. Pluralidade dos mundos ........................................................836. Consideraes e concordncias bblicas no tocante Criao .....84

    Captulo iv princpio vital1. Seres orgnicos e inorgnicos ...............................................892. A vida e a morte ....................................................................913. Inteligncia e instinto ............................................................92

    segunda parteMundo esprita ou dos espritos

    Captulo i dos espritos1. Origem e natureza dos espritos ............................................972. Mundo normal primitivo .......................................................993. Forma e ubiquidade dos espritos .......................................1004. Perisprito ............................................................................1015. Diferentes ordens de espritos .............................................1026. Escala esprita .....................................................................103

    Terceira ordem Espritos imperfeitos..............................105Segunda ordem Bons espritos .......................................108Primeira ordem Espritos puros ......................................110

    7. Progresso dos espritos ......................................................1118. Anjos e demnios ................................................................114

    Captulo ii Encarnao dos espritos1. Objetivo da encarnao .......................................................1172. A alma .................................................................................1183. Materialismo .......................................................................122

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  • Captulo iii retorno da vida corporal vida espiritual

    1. A alma aps a morte;... .......................................................1252. Separao da alma e do corpo.............................................1273. Perturbao espiritual .........................................................129

    Captulo iv pluralidade das existncias1. A reencarnao ....................................................................1332. Justia da reencarnao .......................................................1343. Encarnao nos diferentes mundos .....................................1354. Transmigrao progressiva .................................................1405. Sorte das crianas aps a morte ..........................................1446. Sexos nos espritos ..............................................................1457. Parentesco, filiao .............................................................1458. Semelhanas fsicas e morais ..............................................1479. Ideias inatas.........................................................................150

    Captulo v Consideraes sobre a pluralidade das existncias ..............153

    Captulo vi vida esprita1. Espritos errantes.................................................................1632. Mundos transitrios ............................................................1663. Percepes, sensaes e sofrimentos dos espritos .............1684. Ensaio terico sobre a sensao nos espritos .....................1725. Escolha das provas ..............................................................1786. Relaes de alm-tmulo ....................................................185

    7. Relaes simpticas e antipticas entre os espritos. Metades eternas...................................................................188

    8. Recordao da existncia corporal .....................................1919. Comemorao dos mortos. Funerais ...................................195

    Captulo vii retorno vida corporal1. Preldios do retorno ............................................................1992. Unio da alma e do corpo. Aborto ......................................2023. Faculdades morais e intelectuais do homem.......................2064. Influncia do organismo ......................................................208

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  • 5. Idiotia, loucura ....................................................................2096. A infncia ............................................................................212

    7. Simpatias e antipatias terrenas ............................................215

    8. Esquecimento do passado ...................................................216

    Captulo viii Emancipao da alma1. O sono e os sonhos .............................................................2232. Visitas espirituais entre pessoas vivas ................................2293. Transmisso oculta do pensamento ....................................2304. Letargia. Catalepsia. Mortes aparentes ...............................2315. Sonambulismo ....................................................................2326. xtase ..................................................................................2367. Segunda vista ......................................................................2378. Resumo terico do sonambulismo, do xtase e da segunda vista ....239

    Captulo iX interveno dos espritos no mundo corporal

    1. Penetrao dos espritos no nosso pensamento...................247

    2. Influncia oculta dos espritos nos nossos pensamentos e nas nossas aes .........................................248

    3. Possessos .............................................................................2514. Convulsionrios ..................................................................254

    5. Afeio dos espritos por certas pessoas .............................2556. Anjos guardies. Espritos protetores, familiares ou simpticos. ..2567. Pressentimentos ..................................................................2668. Influncia dos espritos nos acontecimentos da vida ..........2679. Ao dos espritos nos fenmenos da Natureza ..................271

    10. Os espritos durante os combates ........................................27311. Pactos ..................................................................................27512. Poder oculto. Talisms. Feiticeiros .....................................27613. Bno e maldio ..............................................................278

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  • Captulo X Ocupaes e misses dos espritos....279

    Captulo Xi Os trs reinos1. Os minerais e as plantas .....................................................2892. Os animais e o homem ........................................................2913. Metempsicose .....................................................................298

    terceira parteleis morais

    Captulo i Lei divina ou natural1. Caracteres da lei natural ......................................................3032. Origem e conhecimento da lei natural ................................3043. O bem e o mal .....................................................................3074. Diviso da lei natural ..........................................................311

    Captulo ii Lei de adorao1. Objetivo da adorao ..........................................................3132. Adorao exterior ................................................................3143. Vida contemplativa .............................................................3154. A prece ................................................................................3165. Politesmo ...........................................................................3196. Sacrifcios ...........................................................................320

    Captulo iii Lei do trabalho1. Necessidade do trabalho .....................................................3252. Limite do trabalho. Repouso ...............................................327

    Captulo iv Lei de reproduo1. Populao do globo .............................................................3292. Sucesso e aperfeioamento das raas ................................3293. Obstculos reproduo .....................................................3314. Casamento e celibato ..........................................................3325. Poligamia ............................................................................333

    Captulo v Lei de conservao1. Instinto de conservao .......................................................3352. Meios de conservao .........................................................3353. Gozo dos bens terrestres .....................................................338

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  • 4. Necessrio e suprfluo ........................................................3395. Privaes voluntrias. Mortificaes ..................................339

    Captulo vi Lei de destruio1. Destruio necessria e destruio abusiva ........................3432. Flagelos destruidores ..........................................................3453. Guerras ................................................................................3484. Assassnio ...........................................................................3485. Crueldade ............................................................................3496. Duelo ...................................................................................3517. Pena de morte......................................................................352

    Captulo vii Lei de sociedade1. Necessidade da vida social .................................................3552. Vida de isolamento. Voto de silncio ..................................3563. Laos de famlia ..................................................................357

    Captulo viii Lei do progresso1. Estado de natureza ..............................................................3592. Marcha do progresso ...........................................................3603. Povos degenerados ..............................................................3624. Civilizao ..........................................................................3655. Progresso da legislao humana .........................................3676. Influncia do Espiritismo no progresso ..............................368

    Captulo iX Lei de igualdade1. Igualdade natural.................................................................3712. Desigualdade das aptides ..................................................3713. Desigualdades sociais .........................................................3724. Desigualdade das riquezas ..................................................3735. Provas da riqueza e da misria ............................................3756. Igualdade dos direitos do homem e da mulher ...................3757. Igualdade diante do tmulo.................................................377

    Captulo X Lei de liberdade1. Liberdade natural ................................................................3792. Escravido ...........................................................................380

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  • 3. Liberdade de pensar ............................................................3814. Liberdade de conscincia ....................................................3825. Livre-arbtrio .......................................................................3836. Fatalidade ............................................................................3857. Conhecimento do futuro .....................................................3918. Resumo terico do mvel das aes do homem .................393

    Captulo Xi Lei de justia, de amor e de caridade1. Justia e direitos naturais ....................................................3972. Direito de propriedade. Roubo............................................3993. Caridade e amor ao prximo ...............................................4014. Amor materno e filial ..........................................................403

    Captulo Xii perfeio moral1. As virtudes e os vcios ........................................................4052. Paixes ................................................................................4103. O egosmo ...........................................................................4124. Caracteres do homem de bem .............................................4155. Conhecimento de si mesmo ................................................416

    Quarta parteEsperanas e consolaes

    Captulo i penas e gozos terrestres1. Felicidade e infelicidade relativas.......................................4212. Perda das pessoas amadas ...................................................4263. Decepes. Ingratido. Afeies destrudas .......................4284. Unies antipticas ...............................................................4295. Temor da morte ...................................................................4306. Desgosto da vida. Suicdio .................................................432

    Captulo ii penas e gozos futuros1. Nada. Vida futura ................................................................4392. Intuio das penas e gozos futuros .....................................4403. Interveno de Deus nas penas e recompensas ...................4414. Natureza das penas e gozos futuros ....................................4425. Penas temporais ..................................................................4496. Expiao e arrependimento .................................................4517. Durao das penas futuras. .................................................455

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  • 8. Ressurreio da carne ....................................................... 4619. Paraso, inferno e purgatrio ...............................................463

    ConclusoI ...............................................................................................469II ..............................................................................................470III ............................................................................................471IV ............................................................................................472V ..............................................................................................474VI ............................................................................................476VII ...........................................................................................478VIII .........................................................................................480IX ............................................................................................482

    Nota Explicativa ...........................................................................485

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  • 17

    Advertncia sobreesta nova edio

    Na primeira edio desta obra, anunciamos uma parte suple-mentar. Esta deveria compor-se de todas as perguntas que no pu-deram encontrar um espao naquela edio ou que as circunstncias ulteriores e novos estudos fizessem surgir; porm, como elas so todas relativas a algumas das partes j tratadas e das quais so o desenvolvimento, sua aplicao isolada no apresentaria sequncia alguma. Preferimos aguardar a reimpresso do livro para fundir o conjunto ao todo, e aproveitamos para dar distribuio dos as-suntos uma ordem muito mais metdica, ao mesmo tempo que nos desembaraamos de tudo o que apresentava repetio. Esta reim-presso pode, portanto, ser considerada como uma obra nova, em-bora os princpios no tenham sofrido mudana alguma, salvo um pequeno nmero de excees, que so muito mais complementos e esclarecimentos do que verdadeiras modificaes. Essa concor-dncia nos princpios emitidos, apesar da diversidade das fontes s quais recorremos, um fato importante para o estabelecimento da cincia esprita. Nossa correspondncia registra, ao contrrio, que comunicaes em todos os pontos idnticas, seno pela forma, pelo menos pelo fundo, foram obtidas em diferentes localidades, e isso antes mesmo da publicao de nosso livro, que veio confirm-las e lhes dar um corpo regular. A Histria, por sua vez, prova que a maio-ria desses princpios foi professada pelos mais eminentes homens dos tempos antigos e modernos, e vem trazer-lhes sua sano.

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  • O Livro dos Espritos

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    O ensino relativo s manifestaes propriamente ditas, e aos mdiuns, forma, de algum modo, uma parte distinta da filosofia, e que pode ser o objeto de um estudo especial. Tendo essa parte re-cebido desenvolvimentos muito considerveis, em consequncia da experincia adquirida, acreditamos ter que fazer um volume distin-to, contendo as respostas dadassobretodasasquestesrelativassmanifestaeseaosmdiuns, assim como numerosas observaes sobre o Espiritismo prtico; essa obra formar a continuidade ou o complemento de OLivrodosEspritos.1

    O Livro dos Espritos

    1 No prelo. (nota do Editor)

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  • 19

    introduo ao estudoda doutrina Esprita

    I

    Para coisas novas, palavras novas so necessrias, assim o requer a clareza da linguagem, para evitar a confuso inseparvel do sentido mltiplo dos mesmos termos. As palavras espiritual,espiritualista, espiritualismo, possuem uma acepo bem definida; dar-lhes uma nova para aplic-las Doutrina dos espritos seria mul-tiplicar as causas j to numerosas de anfibologia. Com efeito, o espiritualismo o oposto do materialismo; quem quer que acredi-te possuir em si outra coisa alm da matria espiritualista; mas da no se conclui que creia na existncia dos espritos ou em suas comunicaes com o mundo visvel. Em lugar das palavras ESPI-RITUAL, ESPIRITUALISMO, empregamos, para designar essa ltima crena, as de espritae de Espiritismo cuja forma lembra a origem e o sentido radical, e que por isso mesmo tm a vantagem de ser perfeitamente inteligveis, reservando palavra espiritualismo sua acepo prpria. Diremos, portanto, que a Doutrina Esprita ou o Espiritismo tem por princpio as relaes do mundo material com os espritos ou seres do mundo invisvel. Os adeptos do Espiritismo sero os espritas, ou, se quiserem, os espiritistas.

    Como especialidade, OLivrodosEspritos contm a Doutrina Esprita; como generalidade, ele se prende Doutrina Espiritualista da qual apresenta uma das fases. Esta a razo pela qual ele traz no topo de seu ttulo as palavras: FilosofiaEspiritualista.

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  • O Livro dos Espritos

    20

    II

    H uma outra palavra sobre a qual convm igualmente se en-tenderem, porque um dos esteios de toda doutrina moral, e porque objeto de numerosas controvrsias por falta de uma acepo bem determinada; a palavra alma. A divergncia de opinies sobre a natureza da alma vem da aplicao particular que cada um faz desta palavra. Uma lngua perfeita, em que cada ideia tivesse sua repre-sentao atravs de um termo prprio, evitaria muitas discusses; com uma palavra para cada coisa, todo o mundo se entenderia.

    Segundo uns, a alma o princpio da vida material orgnica; ela no tem, absolutamente, existncia prpria e termina com a vida: o materialismo puro. Neste sentido, e por comparao, falam de um instrumento rachado que no emite mais som: ele no tem alma. Conforme essa opinio, a alma seria um efeito e no uma causa.

    Outros pensam que a alma o princpio da inteligncia, agen-te universal do qual cada ser absorve uma poro. Segundo eles, no haveria para todo o Universo seno uma alma que distribui centelhas entre os diversos seres inteligentes, durante a vida destes; depois da morte, cada centelha retorna fonte comum onde ela se confunde no todo, como os riachos e os rios retornam ao mar de onde saram. Esta opinio difere da precedente pelo fato de que, nesta hiptese, h em ns mais do que a matria, e de que alguma coisa subsiste aps a morte; mas quase como se nada restasse, visto que, no possuindo mais individualidade, no teramos mais conscincia de ns mes-mos. Conforme esta opinio, a alma universal seria Deus, e cada ser uma poro da Divindade; uma variao do pantesmo.

    Segundo outros, finalmente, a alma um ser moral, distinto, independente da matria e que conserva sua individualidade aps a morte. Esta acepo , certamente, a mais geral, porque, sob um nome ou sob outro, a ideia desse ser que sobrevive ao corpo encon-tra-se no estado de crena instintiva e independente de qualquer en-sino, em todos os povos, qualquer que seja o grau de sua civilizao. Esta doutrina, segundo a qual a alma acausaenooefeito, a dos espiritualistas.

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  • introduo ao estudo da doutrina Esprita

    21

    Sem discutir o mrito destas opinies, e apenas considerando o aspecto lingustico da questo, diremos que estas trs aplicaes da palavra alma constituem trs ideias distintas que pediriam, cada qual, um termo diferente. Esta palavra tem, portanto, uma tripla acepo, e cada qual tem razo, sob seu ponto de vista, na defini-o que lhe d; a dificuldade ocorre porque a lngua possui uma s palavra para trs ideias. Para evitar qualquer equvoco, seria neces-srio restringir a acepo da palavra alma a uma destas trs ideias; a escolha indiferente, o importante que todos se entendam, uma questo de conveno. Acreditamos mais lgico tom-la na sua acepo mais vulgar; por isso que chamamos ALMA oserimate-rialeindividualqueresideemnsequesobreviveaocorpo. Se este ser no existisse, sendo apenas um produto da imaginao, ainda assim, seria preciso um termo para design-lo.

    Por falta de uma palavra especial para cada uma das duas ou-tras acepes ns chamamos:

    Princpiovital o princpio da vida material e orgnica, qual-quer que seja sua fonte e que comum a todos os seres vivos, desde as plantas at o homem. Podendo a vida existir, abstrao feita da faculdade de pensar, o princpio vital uma coisa distinta e inde-pendente. A palavra vitalidade no daria a mesma ideia. Para uns, o princpio vital uma propriedade da matria, um efeito que se pro-duz quando a matria se encontra em dadas circunstncias; segun-do outros, e a ideia mais comum, ele reside num fluido especial, universalmente espalhado e do qual cada ser absorve e assimila uma parte durante a vida, como vemos os corpos inertes absorver a luz; este seria, ento, o fluidovital que, segundo algumas opinies, no seria outro seno o fluido eltrico animalizado, tambm designado sob os nomes de fluidomagntico, fluidonervoso, etc.

    Seja como for, h um fato que no se poderia contestar, pois um resultado de observao, que os seres orgnicos tm em si uma fora ntima que produz o fenmeno da vida, enquanto essa fora existe; que a vida material comum a todos os seres orgnicos e que independente da inteligncia e do pensamento; que a inteli-gncia e o pensamento so faculdades prprias de algumas espcies

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  • O Livro dos Espritos

    22

    orgnicas; finalmente, que, entre as espcies orgnicas dotadas de inteligncia e de pensamento, h uma dotada de um senso moral especial que lhe d uma incontestvel superioridade sobre os outros, a espcie humana.

    Concebe-se que, com um sentido mltiplo, a alma no exclui o materialismo, nem o pantesmo. O prprio espiritualista pode muito bem entender a alma de acordo com uma ou outra das duas primeiras definies, sem-prejuzo do ser imaterial distinto ao qual ele dar, ento, um nome qualquer. Assim, esta palavra no representa uma opinio: um Proteu12 que cada um acomoda sua maneira; da a fonte de interminveis disputas.

    Evitar-se-ia igualmente a confuso, ao empregar a palavra alma nos trs casos, se a ela se acrescentasse um qualificativo que especificaria o ponto de vista sob o qual ela encarada ou a aplica-o que dela se faz. Seria, ento, uma palavra genrica, representan-do, ao mesmo tempo, o princpio da vida material, da inteligncia e do senso moral e que se distinguiria, atravs de um atributo, como os gases, por exemplo, que se distinguem acrescentando as palavras hidrognio,oxignio ou azoto. Portanto, poder-se-ia dizer, e talvez fosse o melhor, a almavital para o princpio da vida material, a almaintelectual para o princpio inteligente, e a almaesprita para o prin-cpio de nossa individualidade aps a morte. Como se v, tudo isso uma questo de palavras, porm uma questo muito importante para que nos entendamos. Desta forma, a almavitalseria comum a todos os seres orgnicos: plantas, animais e homens; a almaintelectual se-ria prpria dos animais e dos homens; e a almaesprita pertenceria apenas ao homem.

    Julgamos necessrio insistir um tanto mais nessas explicaes porque a Doutrina Esprita repousa, naturalmente, sobre a existncia em ns de um ser independente da matria e que sobrevive ao corpo. Devendo a palavra alma se reproduzir frequentemente no decorrer

    2 Proteu: da mitologia grega, filho de Poseidon, que mudava de forma vontade. (Nota do tradutor segundo o DicionrioLarousseIllustr. As suas notas sequentes contero apenas as iniciais n.T.)

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  • introduo ao estudo da doutrina Esprita

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    desta obra, era importante ser fixada no sentido que lhe atribumos, a fim de evitar qualquer engano.

    Passemos, agora, ao objeto principal desta instruo preliminar.

    III

    A Doutrina Esprita, como qualquer coisa nova, tem seus adeptos e seus contraditores. Vamos tentar responder a algumas das objees destes ltimos, examinando o valor dos motivos sobre os quais eles se apoiam, sem ter, entretanto, a pretenso de conven-cer a todos, pois h pessoas que acreditam que a luz foi feita apenas para elas. Ns nos dirigimos s pessoas de boa-f, sem-ideias pre-concebidas ou mesmo inflexveis, porm, sinceramente desejosas de se instruir, e ns lhes demonstraremos que a maioria das objees que se ope doutrina provm de uma observao incompleta dos fatos e de um julgamento emitido com muita leviandade e precipitao.

    Lembremos, primeiramente, em poucas palavras, a srie pro-gressiva dos fenmenos que deram origem a esta Doutrina.

    O primeiro fato observado foi o de objetos diversos postos em movimento; designaram-no, vulgarmente, sob o nome de me-sas girantes ou dana dasmesas. Este fenmeno, que parece ter sido observado primeiramente na Amrica, ou melhor, que se repe-tiu nesse pas, pois a Histria prova que ele remonta mais remota Antiguidade, produziu-se acompanhado de circunstncias estranhas, tais como rudos inslitos, pancadas sem-causa ostensiva conhecida. Da, propagou-se rapidamente pela Europa e por outras partes do mundo; a princpio, despertou muita incredulidade, porm a mul-tiplicidade das experincias, em pouco tempo, no mais permitiu duvidar da realidade.

    Se esse fenmeno se tivesse limitado ao movimento dos ob-jetos materiais, poderia explicar-se por uma causa puramente fsica. Estamos longe de conhecer todos os agentes ocultos na Natureza e todas as propriedades daqueles que conhecemos; a eletricidade, alis, multiplica, diariamente, ao infinito, os recursos que proporciona

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    ao homem e parece ir clarear a Cincia com uma nova luz. Portanto, nada haveria de impossvel em que a eletricidade, modificada por certas circunstncias, ou qualquer outro agente desconhecido, fosse a causa desse movimento. A reunio de vrias pessoas, aumentando o poder de ao, parecia apoiar essa teoria, pois podia-se considerar esse conjunto como uma pilha mltipla cuja potncia estivesse na razo do nmero dos elementos.

    O movimento circular nada apresentava de extraordinrio: ele est na Natureza; todos os astros se movem circularmente; podera-mos, portanto, ter em ponto menor, um reflexo do movimento geral do Universo, ou, melhor dizendo, uma causa at ento desconhecida, podia produzir, acidentalmente, com pequenos objetos, e em dadas circunstncias, uma corrente anloga quela que arrasta os mundos.

    Mas o movimento no era sempre circular; muitas vezes ele era brusco, desordenado; o objeto era violentamente sacudido, re-virado, levado numa direo qualquer e, contrariamente a todas as leis da esttica, suspenso do solo e mantido no espao. Nada nestes fatos que no possa ser explicado pelo poder de um agente fsico in-visvel. No vemos a eletricidade derrubar os edifcios, desenraizar as rvores, lanar a distncia os corpos mais pesados, atra-los ou repeli-los?

    Supondo que os rudos inslitos, as pancadas no fossem um dos efeitos comuns da dilatao da madeira, ou de qualquer outra causa acidental, ainda poderiam muito bem ser produzidos pela acu-mulao do fluido oculto: a eletricidade no produz os rudos mais violentos?

    At aqui, como se v, tudo pode caber no domnio dos fatos puramente fsicos e fisiolgicos. Sem sair deste crculo de ideias, havia ali matria de estudos srios e dignos de prender a ateno dos sbios. Por que no foi assim? penoso diz-lo, mas isto deriva de causas que provam, entre mil fatos semelhantes, a leviandade do esprito humano. Primeiramente, a vulgaridade do objeto principal que serviu de base s primeiras experimentaes talvez no fosse es-tranha para eles. Que influncia uma palavra, muitas vezes, no tem tido sobre as coisas mais graves! Sem considerar que o movimento

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    podia ser impresso a um objeto qualquer, a ideia das mesas prevale-ceu, com certeza, porque era o objeto mais cmodo, e porque mais natural sentar-se em torno de uma mesa do que de qualquer outro mvel. Ora, os homens superiores so algumas vezes to pueris que nada haveria de impossvel em que alguns espritos de elite tenham acreditado ser degradante se ocuparem com o que se convencionara chamar de a danadasmesas. at provvel que, se o fenmeno observado por Galvani o tivesse sido por homens comuns e tivesse permanecido caracterizado por um nome grotesco, ele estaria ainda relegado, junto com a varinha mgica. Com efeito, qual o cientista que no acreditaria rebaixar-se ocupando-se da danadasrs?

    Alguns, no entanto, bastante modestos para convir que a Na-tureza bem poderia no lhes ter dito sua ltima palavra, quiseram ver, para o bem de sua conscincia; mas aconteceu que o fenmeno nem sempre respondeu sua expectativa, e do fato de no se ter pro-duzido sua vontade, e conforme seu modo de experimentao, eles concluram pela negativa; apesar de sua sentena, as mesas, visto que h mesas, continuam a girar, e podemos dizer com Galileu: e todaviaelassemovem! Diremos mais, que os fatos se multiplica-ram de tal forma que, hoje, eles tm o direito de cidade, importando apenas encontrar para eles uma explicao racional. Pode-se con-cluir alguma coisa contra a realidade do fenmeno, pelo fato de que ele no se produz de uma maneira sempre idntica, segundo a von-tade e as exigncias do observador? Os fenmenos de eletricidade e de qumica no esto subordinados a certas condies, e devemos neg-los porque eles no se produzem fora dessas condies? O que h, portanto, de surpreendente em que o fenmeno do movimento dos objetos pelo fluido humano tenha, tambm, suas condies de ocorrer e deixe de se produzir, quando o observador, colocando-se no seu prprio ponto de vista, pretende faz-lo ao sabor de seu ca-pricho, ou sujeit-lo s leis dos fenmenos conhecidos, sem consi-derar que para fatos novos, pode e deve haver leis novas? Ora, para conhecer essas leis, preciso estudar as circunstncias nas quais os fatos se produzem, e este estudo no pode ser seno o fruto de uma observao embasada, atenta e, frequentemente, muito longa.

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    Porm, alegam algumas pessoas, h, com frequncia, fraude evidente. Ns lhes perguntaremos, primeiramente, se elas esto bem certas de que haja fraude, e se elas no tomaram como tal, efeitos que elas no podiam explicar, mais ou menos como aquele campons que considerava um sbio professor de Fsica, que fazia experin-cias, um hbil escamoteador. Supondo at que isso tenha podido acontecer algumas vezes, seria isto uma razo para negar o fato? Ser preciso negar a Fsica, porque h ilusionistas que se decoram com o ttulo de fsicos? Alis, preciso levar em conta o carter das pessoas e o interesse que elas poderiam ter em enganar. Seria, ento, uma brincadeira? Pode-se bem se divertir por um instante, mas uma brincadeira indefinidamente prolongada seria to enfadonha para o mistificador quanto para o mistificado. De resto, haveria numa mis-tificao que se propaga de uma extremidade do mundo outra, e entre as pessoas mais austeras, mais honradas e mais esclarecidas, algo pelo menos to extraordinrio quanto o prprio fenmeno.

    IV

    Se os fenmenos com os quais nos ocupamos se tivessem li-mitado ao movimento dos objetos, eles teriam permanecido, como o dissemos, no domnio das cincias fsicas; mas isto no ocorreu: estava-lhes destinado colocar-nos no caminho de fatos de uma or-dem estranha. Acreditou-se descobrir, no sabemos atravs de que iniciativa, que a impulso dada aos objetos no era somente o pro-duto de uma fora mecnica cega, mas que havia nesse movimento a interveno de uma causa inteligente. Uma vez aberto esse caminho, era um campo totalmente novo de observaes; era o vu levantado de sobre muitos mistrios. Haver, com efeito, um poder inteligen-te? Essa a questo. Se esse poder existe, qual ele, qual a sua na-tureza, sua origem? Est acima da Humanidade? Tais so as outras questes que decorrem da primeira.

    As primeiras manifestaes inteligentes aconteceram por meio de mesas que se levantavam e batiam, com um p, um nmero

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    determinado de pancadas, e respondendo, assim, atravs de sim ou de no, conforme a conveno, a uma pergunta feita. At a nada de convincente, certamente, para os cticos, pois podiam crer num efeito do acaso. Obtiveram-se, em seguida, respostas mais desenvol-vidas atravs das letras do alfabeto: com o objeto mvel batendo um nmero de pancadas correspondente ao nmero de ordem de cada letra, chegava-se, assim, a formular palavras e frases, que respon-diam s questes propostas. A justeza das respostas, sua correlao com a pergunta, causaram espanto. O ser misterioso que assim res-pondia, interrogado sobre sua natureza, declarou que ele era esprito ou gnio, atribuiu-se um nome, e forneceu diversas informaes a seu respeito. Isto uma circunstncia muito importante que deve ser assinalada. Porquanto ningum imaginou os espritos como um meio de explicar o fenmeno, foi o prprio fenmeno que revelou a palavra. Frequentemente, nas cincias exatas, fazem-se hipteses para se ter uma base de raciocnio; ora, aqui no foi, absolutamente, o caso.

    Esse meio de correspondncia era demorado e incmodo. O esprito, e isso ainda uma circunstncia digna de nota, indicou um outro. Foi um desses seres invisveis que deu o conselho de adaptar um lpis a uma cesta ou a um outro objeto. Essa cesta, colocada so-bre uma folha de papel, posta em movimento pela mesma potncia oculta que faz mover as mesas; mas, em vez de um simples movi-mento regular, o lpis traa, por si mesmo, caracteres que formam palavras, frases, e discursos inteiros de vrias pginas, tratando das mais elevadas questes de Filosofia, de Moral, de Metafsica, de Psicologia, etc., e isso com tanta rapidez, como se escrevesse com a mo.

    Esse conselho foi dado, simultaneamente, na Amrica, na Frana e em diversos pases. Eis os termos nos quais ele foi dado em Paris, em 10 de junho de 1853, a um dos mais fervorosos adeptos da Doutrina, que j h vrios anos, e desde 1849, ocupava-se com a evocao dos espritos: Vai pegar, no quarto ao lado, a cestinha; prende-lhe um lpis; coloca-a sobre o papel; pe os dedos sobre a borda. Alguns instantes depois, a cesta ps-se em movimento e o

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    lpis escreveu, muito legvel, esta frase: Probo-vos, expressamen-te, de dizer o que vos digo aqui; da primeira vez que eu escrever, escreverei melhor.

    O objeto ao qual se adapta o lpis, sendo apenas um instru-mento, sua natureza e sua forma so completamente indiferentes; procurou-se a disposio mais cmoda; assim que muitas pessoas se utilizam de uma pequena prancheta.

    A cesta, ou a prancheta, s podem ser postas em movimento sob a influncia de certas pessoas dotadas, para isso, de um poder especial e que designamos sob o nome de mdiuns, isto , meios, ou intermedirios entre os espritos e os homens. As condies que do esse poder remontam a causas, ao mesmo tempo, fsicas e mo-rais ainda imperfeitamente conhecidas, pois encontramos mdiuns de todas as idades, de ambos os sexos e em todos os graus de de-senvolvimento intelectual. Essa faculdade, alis, desenvolve-se pelo exerccio.

    V

    Reconheceu-se, mais tarde, que a cesta e a prancheta, na reali-dade, formavam apenas um apndice da mo, e o mdium, pegando diretamente o lpis, ps-se a escrever atravs de um impulso invo-luntrio e quase febril. Dessa maneira, as comunicaes se tornaram mais rpidas, mais fceis e mais completas; hoje, o meio mais utilizado, tanto mais que o nmero das pessoas dotadas desta apti-do bem considervel e se multiplica todos os dias. Finalmente, a experincia revelou muitas outras variedades na faculdade mediado-ra, e soube-se que as comunicaes podiam, igualmente, acontecer atravs da palavra, da audio, da viso, do tato, etc., e at pela es-crita direta dos espritos, isto , sem o concurso da mo do mdium, nem do lpis.

    Obtido o fato, restava constatar um ponto essencial: o papel do mdium nas respostas, e a parte que nelas pode tomar, mecnica e moralmente. Duas circunstncias capitais que no poderiam escapar

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    a um observador atento, podem resolver a questo. A primeira a maneira pela qual a cesta se move sob sua influncia, unicamente pela imposio dos dedos sobre as bordas; o exame demonstra a impossibilidade de qualquer direcionamento. Esta impossibilidade se torna patente, sobretudo, quando duas ou trs pessoas se colocam, ao mesmo tempo, junto mesma cesta; seria preciso, haver entre elas uma concordncia de movimento verdadeiramente fenomenal; seria preciso, ainda, concordncia de pensamentos para que elas pu-dessem se entender sobre a resposta a dar questo proposta. Um outro fato, no menos singular, vem ainda aumentar a dificuldade: a mudana radical da escrita, conforme o esprito que se manifesta, e toda vez que o mesmo esprito retorna, sua escrita se reproduz. Seria preciso, portanto, que o mdium tivesse treinado a mudana de sua prpria caligrafia de vinte maneiras diferentes e, principalmente, que pudesse lembrar-se daquela que pertence a esse ou quele esprito.

    A segunda circunstncia resulta da prpria natureza das res-postas que esto, na maioria das vezes, sobretudo quando se trata de questes abstratas ou cientficas, notoriamente fora dos conhe- cimentos e, algumas vezes, do alcance intelectual do mdium, que, de resto, mais comumente, no tem conscincia do que se escreve sob sua influncia; que com muita frequncia no entende ou no compreende a pergunta feita, visto que ela o pode ser numa lngua que lhe estranha, ou mesmo mentalmente, e que a resposta pode ser dada nessa lngua. Enfim, acontece com frequncia que a cesta escreva espontaneamente, sem-pergunta preliminar, sobre um assun- to qualquer e inteiramente inesperado.

    Em alguns casos, essas respostas tm um cunho de sabedo-ria, de profundidade e de propsito; elas revelam pensamentos to elevados, to sublimes, que no podem emanar seno de uma inte-ligncia superior, impregnada da moralidade mais pura; de outras vezes, elas so to levianas, to frvolas, to triviais mesmo, que a razo se recusa a acreditar que possam proceder da mesma fonte. Esta diversidade de linguagem s pode se explicar pela diversida-de das inteligncias que se manifestam. Essas inteligncias esto na Humanidade ou fora da Humanidade? Este o ponto a esclarecer,

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    e cuja explicao completa encontrar-se- nesta obra, tal como foi dada pelos prprios espritos.

    Eis, portanto, efeitos patentes que se produzem fora do crculo habitual de nossas observaes, que no ocorrem misteriosamente, mas luz do dia, que todo o mundo pode ver e constatar, que no so privilgio de um nico indivduo, mas que milhares de pessoas re-petem, todos os dias, vontade. Esses efeitos tm, necessariamente, uma causa, e desde o momento em que revelam a ao de uma inte-ligncia e de uma vontade, eles saem do domnio puramente fsico.

    Vrias teorias foram emitidas a esse respeito; ns as exami-naremos em breve, e veremos se elas podem explicar todos os fatos que se produzem. Admitamos, por enquanto, a existncia de seres distintos da Humanidade, uma vez que esta a explicao fornecida pelas inteligncias que se revelam e vejamos o que eles nos dizem.

    VI

    Como o dissemos, os seres que assim se comunicam desig-nam a si prprios pelo nome de espritos ou gnios e como tendo pertencido, pelos menos alguns, aos homens que viveram na Terra. Eles constituem o mundo espiritual, como ns constitumos, durante nossa vida, o mundo corporal.

    Resumimos, aqui, em poucas palavras, os pontos mais mar-cantes da Doutrina que eles nos transmitiram, a fim de responder mais facilmente a algumas objees.

    Deus eterno, imutvel, imaterial, nico, todo-poderoso, so-beranamente justo e bom.

    Criou o Universo que compreende todos os seres animados e inanimados, materiais e imateriais.

    Os seres materiais constituem o mundo visvel ou corporal e os seres imateriais, o mundo invisvel ou esprita, isto , dos espritos.

    O mundo espiritual o mundo normal, primitivo, eterno, pre-existente e que sobrevive a tudo.

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    O mundo corporal apenas secundrio; ele poderia deixar de existir, ou jamais ter existido, sem alterar a essncia do mundo es-piritual.

    Os espritos revestem, temporariamente, um envoltrio mate-rial perecvel, cuja destruio pela morte devolve-os liberdade.

    Entre as diferentes espcies de seres corporais, Deus escolheu a espcie humana para a encarnao dos espritos que chegaram a um certo grau de desenvolvimento, o que lhe d a superioridade moral e intelectual sobre todas as outras.

    A alma um esprito encarnado e o corpo apenas seu en-voltrio.

    H no homem trs coisas: 1o) o corpo ou ser material, anlogo aos animais e animado pelo mesmo princpio vital; 2o) a alma ou ser imaterial, esprito encarnado no corpo; 3o) o elo que une a alma e o corpo, princpio intermedirio entre a matria e o esprito.

    O homem tem, assim, duas naturezas: por seu corpo, ele par-ticipa da natureza dos animais dos quais possui os instintos; pela sua alma, ele participa da natureza dos espritos.

    O elo ou perisprito que une o corpo e o esprito uma esp-cie de envoltrio semimaterial. A morte a destruio do envoltrio mais grosseiro, o esprito conserva o segundo envoltrio que cons-titui para ele um corpo etreo, invisvel para ns no estado normal, mas que pode tornar-se, acidentalmente, visvel e at tangvel, como acontece no fenmeno das aparies.

    Assim, o esprito no , absolutamente, um ser abstrato, in-definido, que apenas o pensamento pode conceber; um ser real, circunscrito, que, em certos casos, aprecivel pelos sentidos da viso, da audio e do tato.

    Os espritos pertencem a diferentes classes e no so iguais nem em poder, nem em inteligncia, nem em saber, nem em mo-ralidade. Os da primeira ordem so os espritos superiores, que se distinguem dos outros por sua perfeio, seus conhecimentos, sua proximidade de Deus, a pureza de seus sentimentos e seu amor pelo bem: so os anjos ou puros espritos. As outras classes afastam-se

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    cada vez mais dessa perfeio: os das ordens inferiores so incli-nados maioria de nossas paixes: o dio, a inveja, o cime, o or-gulho, etc.; eles se comprazem no mal. Entre estes, h os que nem so muito bons, nem muito maus; mais perturbadores e intrigantes do que malvados, a malcia e as inconsequncias parecem ser sua caracterstica: so os espritos inconsequentes ou levianos.

    Os espritos no pertencem perpetuamente mesma ordem. Todos se melhoram, passando pelos diferentes graus da hierarquia esprita. Esta melhora se d pela encarnao que imposta a uns, como expiao e a outros, como misso. A vida material uma pro-va a que devem se submeter, repetidamente, at que tenham atingido a perfeio absoluta; uma espcie de peneira ou filtro de onde saem mais ou menos purificados.

    Deixando o corpo, a alma retorna ao mundo dos espritos de onde tinha sado, para retomar uma nova existncia material, aps um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual ela perma-nece no estado de esprito errante.23

    Devendo o esprito passar por vrias encarnaes, da resulta que todos ns tivemos vrias existncias e que ainda teremos ou-tras, mais ou menos aperfeioadas, seja nesta Terra, seja em outros mundos.

    A encarnao dos espritos sempre aconteceu na espcie hu-mana; seria um erro acreditar que a alma ou esprito pudesse encar-nar-se no corpo de um animal.

    As diferentes existncias corporais do esprito so sempre progressivas e nunca regressivas; porm a rapidez do progresso de-pende dos esforos que fazemos para chegar perfeio.

    As qualidades da alma so as do esprito que est encarnado em ns: assim, o homem de bem a encarnao de um bom esprito e o homem perverso, a de um esprito impuro.

    A alma possua sua individualidade antes de sua encarnao; ela a conserva aps sua separao do corpo.

    3 H entre esta doutrina da reencarnao e a da metempsicose, tal como a admitem algumas seitas, uma diferena caracterstica que explicada na sequncia desta obra.

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    No seu retorno ao mundo dos espritos, a alma a reencontra todos aqueles que conheceu na Terra, e todas as suas existncias anteriores se desenham em sua memria, com a lembrana de todo o bem e de todo o mal que fez.

    O esprito encarnado est sob a influncia da matria; o ho-mem que supera esta influncia, atravs da elevao e depurao de sua alma, aproxima-se dos bons espritos, com os quais estar um dia. Aquele que se deixa dominar pelas ms paixes e coloca todas as alegrias na satisfao dos apetites grosseiros, aproxima-se dos espritos impuros, dando preponderncia natureza animal.

    Os espritos encarnados habitam os diferentes globos do Uni-verso.

    Os espritos no encarnados ou errantes no ocupam uma re-gio determinada e circunscrita: eles esto por toda a parte, no Espa-o e ao nosso lado, vendo-nos e esbarrando em ns incessantemente; toda uma populao invisvel que se agita em torno de ns.

    Os espritos exercem, sobre o mundo moral e at sobre o mundo fsico, uma ao incessante; agem sobre a matria e sobre o pensamento, e constituem uma das potncias da Natureza, causa eficiente de uma multido de fenmenos at ento inexplicados ou mal explicados, e que no encontram uma soluo racional seno no Espiritismo.

    As relaes dos espritos com os homens so constantes. Os bons espritos nos estimulam ao bem, nos sustentam nas provas da vida e nos auxiliam a suport-las com coragem e resignao; os maus nos incitam ao mal: para eles uma satisfao ver-nos sucum-bir e assemelhar-nos a eles.

    As comunicaes dos espritos com os homens so ocultas ou ostensivas. As comunicaes ocultas acontecem pela influncia boa ou m que eles exercem sobre ns, nossa revelia; cabe nossa ra-zo discernir as boas e as ms inspiraes. As comunicaes osten-sivas se do por meio da escrita, da palavra ou outras manifestaes materiais, com mais frequncia por intermdio dos mdiuns que lhes servem de instrumentos.

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    Os espritos se manifestam espontaneamente ou mediante evocao. Podem-se evocar todos os espritos: os que animaram homens obscuros, como os dos personagens mais ilustres, qualquer que seja a poca em que tenham vivido; os de nossos parentes, de nossos amigos ou de nossos inimigos, e deles obter, atravs das co-municaes escritas ou verbais, conselhos, informaes sobre sua situao de alm-tmulo, sobre seus pensamentos a nosso respeito, assim como as revelaes que lhes permitido fazer-nos.

    Os espritos so atrados em razo de sua simpatia pela natu-reza moral do meio que os evoca. Os espritos superiores se compra-zem nas reunies srias, onde dominam o amor do bem e o desejo sincero de se instruir e de se melhorar. Sua presena afasta destas os espritos inferiores que encontram, ao contrrio, um livre acesso e podem agir com toda liberdade, entre as pessoas frvolas ou guiadas apenas pela curiosidade e onde quer que se encontrem maus instin-tos. Longe de obter deles bons conselhos, ou informaes teis, no se deve esperar deles seno futilidades, mentiras, brincadeiras de mau gosto ou mistificaes, pois, frequentemente, tomam nomes venerados para melhor induzir ao erro.

    A distino dos bons e dos maus espritos extremamente fcil; a linguagem dos espritos superiores constantemente digna, nobre, impregnada da mais elevada moralidade, livre de qualquer paixo inferior; seus conselhos exalam a mais pura sabedoria e tm sempre por objetivo nosso melhoramento e o bem da Humanidade. A dos espritos inferiores, ao contrrio, inconsequente, frequen-temente trivial e at grosseira; se eles dizem, s vezes, coisas boas e verdadeiras, dizem-nos, mais frequentemente, coisas falsas e ab-surdas, por malcia ou por ignorncia; zombam da credulidade e se divertem s custas daqueles que os interrogam, lisonjeando sua vai-dade, embalando seus desejos com falsas esperanas. Em resumo, as comunicaes srias, na mais ampla acepo do termo, s se do nos centros srios, naqueles cujos membros esto unidos por uma comunho ntima de pensamentos, objetivando o bem.

    A moral dos espritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta mxima evanglica: Agir para com os outros, como quereramos

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    que os outros agissem para conosco; isto , fazer o bem e no fazer absolutamente o mal. O homem encontra neste princpio a regra uni-versal de conduta para suas pequenas aes.

    Eles nos ensinam que o egosmo, o orgulho, a sensualidade so paixes que nos aproximam da natureza animal, prendendo-nos matria; que o homem que, ainda neste mundo, se desligue da ma-tria atravs do desprezo s futilidades mundanas e do amor ao pr-ximo, aproxima-se da natureza espiritual; que cada um de ns deve se tornar til, conforme as faculdades e os meios que Deus colocou em suas mos para experiment-lo; que o forte e o poderoso devem apoio e proteo ao fraco, pois aquele que abusa de sua fora e de seu poder para oprimir seu semelhante viola a lei de Deus. Ensinam, finalmente, que nada podendo estar oculto, no mundo dos espritos o hipcrita ser desmascarado e todas as suas torpezas reveladas; que a presena inevitvel e de todos os instantes daqueles para com os quais tivermos agido mal um dos castigos que nos esto reserva-dos; que ao estado de inferioridade e de superioridade dos espritos correspondem penas e gozos que nos so desconhecidos na Terra.

    Mas eles nos ensinam, tambm, que no h faltas irremissveis e que no possam ser apagadas pela expiao. Para tal, o homem en-contra o meio nas diferentes existncias que lhe permitem avanar, conforme o seu desejo e seus esforos, no caminho do progresso em direo perfeio, que seu objetivo final.

    Este o resumo da Doutrina Esprita, assim como ela resulta do ensinamento dado pelos espritos superiores. Vejamos, agora, as objees que se lhe opem.

    VII

    Para muita gente, a oposio das corporaes cientficas , seno uma prova, pelo menos uma forte presuno contrria. No somos daqueles que protestam contra os pesquisadores, pois no queremos que digam que escoiceamos; temo-los, ao contrrio, em grande estima e ficaramos muito honrados de nos contar entre eles;

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    porm a opinio deles no poderia representar um julgamento irre-vogvel em todas as circunstncias.

    Caso a Cincia saia da observao material dos fatos, quando se trata de apreciar e explicar estes fatos, o campo fica aberto s conjecturas; cada um apresenta seu sistemazinho que deseja fazer prevalecer e sustenta obstinadamente. No vemos todos os dias as opinies mais divergentes alternadamente preconizadas e rejeita-das? Ora repelidas como erros absurdos, depois proclamadas como verdades incontestveis? Os fatos, eis o verdadeiro critrio de nos-sos julgamentos, o argumento sem-rplica; na ausncia de fatos, a dvida a opinio do homem sensato.

    Para as coisas notrias, a opinio dos estudiosos , com razo, digna de f, porque sabem mais e melhor que o leigo; porm, diante de princpios novos, de coisas desconhecidas, sua maneira de ver sempre apenas hipottica, porque no esto, mais do que outros, isentos de preconceitos; direi mesmo que o sbio talvez tenha mais preconceitos que qualquer outro, porque uma propenso natural o leva a subordinar tudo ao ponto de vista que aprofundou: o matem-tico no v prova seno numa demonstrao algbrica, o qumico refere tudo ao dos elementos, etc. Qualquer homem que se torne especialista a ela fixa todas as suas ideias; tirai-o da, e ele, com frequncia, divaga, porque quer submeter tudo ao mesmo cadinho: uma consequncia da fraqueza humana. Consultarei, portanto, de boa vontade e com toda confiana um qumico sobre uma questo de anlise, um fsico sobre a potncia eltrica, um mecnico sobre uma fora motriz; porm, eles me permitiro, e sem que isso atinja o respeito que seu saber especial lhes confere, no ter a mesma consi-derao por sua opinio negativa acerca do Espiritismo, no mais do que pelo julgamento de um arquiteto sobre uma questo de msica.

    As cincias comuns fundamentam-se nas propriedades da ma-tria que se pode experimentar e manipular vontade; os fenmenos espritas baseiam-se na ao de inteligncias que possuem sua vonta-de, e nos provam, a cada instante, que no se encontram disposio de nossos caprichos. As observaes no podem, portanto, ser feitas da mesma forma: elas requerem condies especiais e um outro

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    ponto de partida; querer submet-las aos nossos procedimentos co-muns de investigao, estabelecer analogias que no existem. A Cincia propriamente dita, , pois, como cincia, incompetente para se pronunciar na questo do Espiritismo: ela no tem que se ocupar com isso, e seu julgamento, qualquer que seja ele, favorvel ou no, no teria peso algum. O Espiritismo o resultado de uma convico pessoal que os sbios podem ter como indivduos, abstrao feita de sua qualidade de sbios; mas querer entregar a questo Cincia, equivaleria a que uma assembleia de fsicos e astrnomos decidisse sobre a existncia da alma; com efeito, o Espiritismo est todo na existncia da alma e no seu estado aps a morte; ora, soberana-mente ilgico pensar que um homem deva ser um grande psiclogo, porque um grande matemtico ou um grande anatomista. O ana-tomista, dissecando o corpo humano, procura a alma e, j que no a encontra sob seu escalpelo, como a encontra um nervo, ou porque no a v evolar-se como um gs, da conclui que ela no existe, porque se coloca do ponto de vista exclusivamente material; disto decorre que ele tenha razo contra a opinio universal? No. Vedes, portanto, que o Espiritismo no da alada da Cincia. Quando as crenas espritas se popularizarem, quando forem aceitas pelas mas-sas e, se julgarmos pela rapidez com a qual elas se propagam, esse tempo no pode estar muito distante, acontecer com elas o que se d com todas ideias novas que tm encontrado oposio: os sbios se rendero evidncia; a isto chegaro, individualmente, pela fora das coisas. At l intempestivo desvi-los de seus trabalhos es-peciais, para constrang-los a se ocuparem com algo estranho, que no est nem nas suas atribuies nem no seu programa. Enquanto isso, aqueles que, sem um estudo prvio e aprofundado da matria, se pronunciam pela negativa e ridicularizam quem quer que no seja de sua opinio, esquecem que aconteceu o mesmo com a maioria das grandes descobertas que honram a Humanidade; expe-se a ver seus nomes aumentarem a lista dos ilustres proscritores das ideias novas e inscritos ao lado daqueles dos membros da douta assembleia que, em 1752, acolheu com uma enorme gargalhada a tese de Franklin sobre os para-raios, julgando-a indigna de figurar entre as comunica-es que lhe eram dirigidas; e daquela outra que fez a Frana perder

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    o benefcio da iniciativa da marinha a vapor, declarando o sistema de Fulton um sonho impraticvel; e, entretanto, eram questes de sua alada. Logo, se essas assembleias, que contavam em seu seio a elite dos sbios do mundo, s tiveram zombarias e sarcasmo pelas ideias que no compreendiam, ideias que, alguns anos mais tarde, revolucionariam a Cincia, os costumes e a indstria, como esperar que uma questo estranha aos seus trabalhos obtenha melhor aco-lhimento?

    Esses erros de alguns, deplorveis para sua memria, no po-deriam retirar nossa considerao por eles em funo dos ttulos que adquiriram a outros respeitos, mas ser necessrio um diploma ofi-cial para se ter bom senso e ser que fora das ctedras acadmicas existem apenas tolos e imbecis? Lancem os olhos sobre os adeptos da Doutrina Esprita, e ver-se- se nela se encontram apenas igno-rantes e se o nmero imenso de homens de mrito que a tm abraa-do permite releg-la ao rol das crenas simplrias. Seu carter e seu saber valem a pena que se diga: j que tais homens afirmam, nisto deve haver pelo menos alguma coisa.

    Repetimos ainda que, se os fatos com os quais nos ocupamos se tivessem limitado ao movimento mecnico dos corpos, a pesquisa da causa fsica desse fenmeno entraria no domnio da Cincia; po-rm desde que se trata de uma manifestao fora das leis da Huma-nidade, ela sai da competncia da Cincia material, pois nem pode ser explicada pelos algarismos nem pelo poder mecnico. Quando surge um fato novo, que no ressalta de nenhuma Cincia conheci-da, o sbio, para estud-lo, deve abstrair-se de sua Cincia, e dizer a si mesmo que para ele um estudo novo e que no pode ser feito com ideias preconcebidas.

    O homem que acredita que sua razo infalvel est bem per-to do erro; at mesmo aqueles que possuem as ideias mais falsas se apoiam em sua razo e em virtude disso que rejeitam tudo o que lhes parece impossvel. Aqueles que outrora repeliram as admirveis descobertas com as quais a Humanidade se honra, apelaram todos a esse juiz para rejeit-las: o que se chama razo no , frequentemen-te, seno o orgulho disfarado e quem quer que se creia infalvel,

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    coloca-se como igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, queles que so bastante ponderados para duvidar do que no viram e que, julgando o futuro pelo passado, no acreditam que o homem tenha chegado ao seu apogeu nem que a Natureza tenha virado para ele a ltima pgina de seu livro.

    VIII

    Acrescentamos que o estudo de uma Doutrina, assim como a Doutrina Esprita, que nos lana, de repente, numa ordem de coisas to nova e to grande, s pode ser feito com proveito por homens srios, perseverantes, isentos de prevenes e animados de firme e sincera vontade de chegar a um resultado. No poderamos dar essa qualificao queles que julgam a priori, levianamente e sem ter visto tudo; que no imprimem aos seus estudos nem a continuidade, nem a regularidade, nem o recolhimento necessrios; no podera-mos d-la, menos ainda, a certas pessoas que, para no perderem sua reputao de homens inteligentes, esforam-se para encontrar um lado cmico nas coisas mais verdadeiras, ou assim consideradas por pessoas, cujo saber, carter e convices tm direito ao respeito de quem quer que tenha pretenso de ser educado. Portanto, que aqueles que no julgam os fatos dignos de si nem de sua ateno se abstenham; ningum pretende violentar-lhes a crena, mas que admitam respeitar a dos outros.

    O que caracteriza um estudo srio a continuidade que se lhe d. Ser de espantar o fato de no se obter, frequentemente, nenhu-ma resposta sensata a questes, graves por si mesmas, quando so feitas ao acaso e lanadas, bruscamente, no meio de uma multido de questes bizarras? Alis, uma questo frequentemente complexa pede, para ser esclarecida, questes preliminares ou complementa-res. Quem quer que deseje adquirir conhecimento de uma cincia deve fazer um estudo metdico, comear pelo princpio e seguir o encadeamento e o desenvolvimento das ideias. Aquele que, por acaso, dirige a um sbio uma questo sobre uma cincia da qual

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    ele no sabe a primeira palavra, progredir com isto? O prprio s-bio poder, com a melhor boa vontade, dar-lhe uma resposta satis-fatria? Esta resposta isolada ser forosamente incompleta e, com frequncia, por isso mesmo, ininteligvel, ou poder parecer absurda e contraditria. Acontece exatamente o mesmo nas relaes que es-tabelecemos com os espritos. Querendo instruir-vos em sua escola, preciso fazer um curso com eles; mas como entre ns, deveis esco-lher vossos professores e trabalhar com assiduidade.

    Dissemos que os espritos superiores s vo s reunies s-rias, e sobretudo quelas em que reine uma perfeita comunho de pensamentos e de sentimentos para o bem. A leviandade e as questes fteis os afastam, como, entre os homens, elas afastam as pessoas sen-satas; o campo fica, ento, livre turba dos espritos mentirosos e frvolos, sempre espreita das ocasies de zombar e de se diver-tir s nossas custas. O que acontece com uma pergunta sria numa reunio como esta? Ser respondida, mas, por quem? como se, no meio de um bando de brincalhes, lansseis estas questes: Que a alma? Que a morte? e outras coisas bem recreativas. Se qui-serdes respostas srias, sede srios vs mesmos, em toda a acepo da palavra e apresentai-vos com todas as condies desejadas; so-mente assim, obtereis grandes coisas. Sede, alm disso, laboriosos e perseverantes nos vossos estudos, sem o que os espritos superiores vos abandonam, como o faz um professor para com os seus alunos negligentes.

    IX

    O movimento dos objetos um fato incontestvel; a questo saber se, nesse movimento, h ou no uma manifestao inteligente, e em caso afirmativo, qual a origem dessa manifestao.

    No falamos do movimento inteligente de certos objetos, nem das comunicaes verbais, nem mesmo daquelas que so escritas di-retamente pelo mdium; esse gnero de manifestao, evidente para

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    aqueles que viram e aprofundaram o assunto, no absolutamente, primeira vista, bastante independente da vontade para convencer um observador novato. Falaremos, portanto, apenas da escrita obti-da com o auxlio de um objeto qualquer: um lpis, uma cesta, pran-cheta, etc.; a maneira como os dedos do mdium repousam sobre o objeto desafia, como o dissemos, a mais consumada habilidade de poder participar, no que quer que seja, do traado dos caracteres. Porm, admitamos ainda, que, atravs de uma maravilhosa destreza, ele possa enganar o olhar mais escrutador; como explicar a natureza das respostas, quando elas esto fora de todas as ideias e de todos os conhecimentos do mdium? E observe-se bem que no se trata de respostas monossilbicas, mas, frequentemente, de vrias pginas escritas com a mais espantosa rapidez, seja espontaneamente, seja sobre um assunto determinado; sob a mo do mdium mais estranho literatura, nascem, s vezes, poesias de uma sublimidade e de uma pureza irrepreensveis, que os melhores poetas humanos no desa-provariam. O que aumenta ainda mais a estranheza desses fatos, que se produzem por toda a parte, e que os mdiuns se multiplicam ao infinito. Esses fatos so reais ou no? Para isso temos somente uma resposta: vede e observai; no vos faltaro oportunidades; mas, sobretudo, observai com frequncia, durante longo tempo e confor-me as condies exigidas.

    O que os antagonistas respondem evidncia? Vs sois, di-zem eles, vtimas do charlatanismo ou o joguete de uma iluso. Di-remos, primeiramente, que preciso afastar a palavra charlatanismo de onde no h lucros; os charlates no exercem o seu ofcio gra-tuitamente. Seria, portanto, quando muito, uma mistificao. Mas, por que estranha coincidncia esses mistificadores aliar-se-iam de um extremo ao outro do mundo para agir do mesmo modo, produzir os mesmos efeitos e dar sobre os mesmos assuntos e em diversas lnguas, respostas idnticas, seno quanto s palavras, pelo menos quanto ao sentido? Como pessoas austeras, srias, honradas, instru-das se prestariam a semelhantes manobras, e com que objetivo? Como encontraramos em crianas, a pacincia e a habilidade neces-srias? Pois se os mdiuns no so instrumentos passivos, so-lhes

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    necessrios habilidade e conhecimentos incompatveis com uma certa idade e certas posies sociais.

    Acrescentam, ento, que se no h fraude, podemos ser vti-mas de uma iluso de ambos os lados. Em boa lgica, a qualidade das testemunhas tem um certo peso; ora, aqui est o caso de pergun-tar se a Doutrina Esprita, que hoje conta adeptos aos milhes, no os recruta seno entre os ignorantes? Os fenmenos sobre os quais ela se apoia so to extraordinrios que concebemos a dvida; mas o que no se poderia admitir, a pretenso de alguns incrdulos ao monoplio do bom senso, que, sem-respeito para com as convenin- cias ou o valor moral de seus adversrios, tacham, sem-cerimnia, de ineptos todos aqueles que no so de sua opinio. Aos olhos de qualquer pessoa judiciosa, a opinio das pessoas esclarecidas que viram durante muito tempo, estudaram e meditaram sobre uma coi-sa, ser sempre, seno uma prova, pelo menos uma presuno em seu favor, visto que ela pde prender a ateno de homens srios, que no tinham interesse algum em propagar um erro nem tempo a perder com futilidades.

    X

    Dentre as objees, h algumas das mais enganosas, pelo me-nos na aparncia, porque se baseiam na observao e so feitas por pessoas austeras.

    Uma dessas objees tirada da linguagem de certos espritos que no parece digna da elevao que se supe em seres sobrenatu-rais. Reportando-se ao resumo da Doutrina que apresentamos acima, ver-se- a que os prprios espritos nos ensinam que eles no so iguais nem em conhecimentos, nem em qualidades morais, e que no se deve levar ao p da letra tudo o que dizem. Cabe s pessoas sensatas separar o bom do mal. Certamente, aqueles que tiram desse fato a concluso de que s nos comunicamos com seres malfazejos, cuja nica ocupao nos mistificar, no conhecem as comunica-es que acontecem nas reunies onde s se manifestam espritos

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    superiores, do contrrio, no pensariam assim. lamentvel que o acaso os tenha to mal servido para s lhes mostrar o lado mau do mundo espiritual, pois no aceitamos supor que uma tendncia sim-ptica atraia muito mais para eles os maus espritos, do que os bons: os espritos mentirosos ou aqueles cuja linguagem de grosseria revoltante. Poder-se-ia, alm do mais, concluir que a solidez de seus princpios no bastante poderosa para afastar o mal e que, encon-trando um certo prazer em satisfazer-lhes a curiosidade a esse res-peito, os maus espritos disso se aproveitem para se insinuar entre eles, enquanto que os bons se afastam.

    Julgar a questo dos espritos por esses fatos, seria to pouco lgico quanto julgar o carter de um povo pelo que se diz e se faz numa reunio de alguns estouvados ou de pessoas de m reputao que no se relacionam nem com os prudentes nem com as pesso-as sensatas. Essas pessoas encontram-se na mesma situao de um estrangeiro que, chegando a uma grande capital pelo mais feio su-brbio, julgasse todos os habitantes pelos costumes e a linguagem desse bairro nfimo. No mundo dos espritos h tambm uma boa e uma m sociedade; que essas pessoas aceitem estudar o que se passa entre os espritos de elite, e se convencero de que a cidade celeste encerra algo alm da ral. Mas, dizem, os espritos de elite vm at ns? A isso ns lhes responderemos: No fiqueis no subrbio; vede, observai e julgareis; os fatos a esto para todo o mundo; a menos que no se apliquem a elas estas palavras de Jesus: Elestmolhosenoveem; ouvidosenoouvem.

    Uma variante dessa opinio consiste em ver, nas comunica-es espritas e em todos os fatos materiais aos quais elas do lugar, apenas a interveno de um poder diablico, novo Proteu que se re-vestiria de todas as formas para melhor nos enganar. No a julgamos suscetvel de um exame srio, por isso que no nos deteremos nela; ela se acha refutada pelo que acabamos de dizer; somente acrescen-taremos que, se assim fosse, seria preciso admitir que o diabo al-gumas vezes bem prudente, bem comedido e, sobretudo, bem moral, ou ento, que h tambm bons diabos.

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    Efetivamente, como acreditar que Deus s permita ao esprito do mal manifestar-se para nos perder, sem dar-nos, como contrapeso, os conselhos dos bons espritos? Se Ele no o pode, impotente; se o pode e no faz isto, incompatvel com sua bondade; uma e outra suposio seriam uma blasfmia. Notai que admitir a comunicao dos maus espritos reconhecer o princpio das manifestaes; ora, desde que elas existam, s pode ser com a permisso de Deus. Como acreditar, sem-impiedade, que ele s permita o mal, com excluso do bem? Uma doutrina assim seria contrria s mais simples noes do bom senso e da religio.

    XI

    Uma coisa estranha, acrescentam, que s se fale de espri-tos de personagens conhecidos, e se perguntam por que eles so os nicos a se manifestar. Aqui est um erro proveniente, como muitos outros, de uma observao superficial. Dentre os espritos que vm espontaneamente, h muito mais desconhecidos para ns do que ilustres, que se designam atravs de um nome qualquer e, frequen-temente, por um nome alegrico ou caracterstico. Quanto queles que se evocam, a menos que no seja um parente ou um amigo, bastante natural dirigir-nos queles que conhecemos, mais do que aos desconhecidos; o nome dos personagens ilustres impacta muito mais, por isso que so mais notados.

    Acham ainda singular que os espritos de homens eminentes acorram, familiarmente, ao nosso apelo, e se ocupem, algumas ve-zes, de coisas minuciosas, em comparao quelas de que trataram durante sua vida. Nada h de surpreendente nisso para os que sabem que o poder ou a considerao de que esses homens gozaram nes-te mundo, no lhes d supremacia alguma no mundo espiritual; os espritos confirmam, neste caso, estas palavras do Evangelho: Os grandes sero rebaixados e os pequenos sero elevados, o que se deve entender como uma referncia ordem que cada um de ns ocupar entre eles; assim que aquele que tenha sido o primeiro na

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    Terra, pode, l, ser um dos ltimos; aquele diante do qual curvva-mos a cabea, durante sua vida, pode, ento, vir entre ns como o mais humilde arteso, pois, deixando a vida, deixou toda a sua gran-deza, e o mais poderoso monarca talvez, l, esteja abaixo do ltimo de seus soldados.

    XII

    Um fato demonstrado pela observao e confirmado pelos prprios espritos que os espritos inferiores, frequentemente, apossam-se de nomes conhecidos e respeitados. Quem, portanto, pode nos assegurar que aqueles que dizem ter sido, por exemplo, S-crates, Jlio Csar, Carlos Magno, Fnelon, Napoleo, Washington, etc., tenham, realmente, animado estas personalidades? Esta dvida existe entre alguns adeptos muito fervorosos da Doutrina Esprita; eles admitem a interveno e a manifestao dos espritos, mas se perguntam que certeza se pode ter de sua identidade. Esse con-trole , com efeito, bastante difcil de se estabelecer: se no pode ser de uma forma to autntica quanto por uma certido de estado civil, pode-o, pelo menos, por presuno, conforme alguns indcios.

    Quando se manifesta o esprito de algum que nos pessoal-mente conhecido, de um parente ou de um amigo, por exemplo, sobretudo se ele morreu h pouco tempo, acontece, geralmente, que sua linguagem est de acordo com o carter que apresentava quando vivo: j um indcio de identidade; a dvida, porm, quase no mais admitida quando este esprito fala de coisas particulares, lem-bra circunstncias de famlia que s so conhecidas do interlocutor. Um filho no se enganar, certamente, com a linguagem de seu pai ou de sua me nem pais com a de seu filho. Acontecem, algumas vezes, nessas espcies de evocaes ntimas, coisas surpreendentes, que convencem o mais incrdulo. O ctico mais endurecido fica, fre-quentemente, aterrado com revelaes inesperadas que lhe so feitas.

    Uma outra circunstncia muito caracterstica vem em apoio da identidade. Dissemos que a caligrafia do mdium, geralmente,

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    muda com o esprito evocado e que esta caligrafia se reproduz, exa-tamente igual, cada vez que o mesmo esprito se apresenta; cons-tatou-se inmeras vezes que, para as pessoas mortas, sobretudo h pouco tempo, essa caligrafia tem uma semelhana impressionante com a da pessoa em vida; tm-se visto assinaturas de uma exatido perfeita! De resto, estamos longe de apontar este fato como regra e, sobretudo, como constante; ns o mencionamos como digno de nota.

    Apenas os espritos que chegaram a um certo grau de purifi-cao esto livres de qualquer influncia corporal; mas quando no esto completamente desmaterializados ( a expresso da qual se servem), conservam a maioria das ideias, dos pendores e at das ma-nias que tinham na Terra, e a est mais um meio de reconhecimento; mas encontramo-los, sobretudo, numa infinidade de fatos minucio-sos que s uma observao atenta e regular pode revelar. Veem-se escritores discutirem suas prprias obras ou suas doutrinas, aprovar ou condenar algumas partes delas; outros espritos lembrarem cir-cunstncias ignoradas ou pouco conhecidas de sua vida ou de sua morte, enfim, coisas que so, pelo menos, provas morais de identida- de, as nicas que podem ser invocadas diante de coisas abstratas.

    Portanto, se a identidade do esprito evocado pode ser, at cer-to ponto, estabelecida em alguns casos, no h razo para que no o seja em outros, e se no se tm, os mesmos meios de controle, para as pessoas cuja morte mais antiga, tem-se sempre o da linguagem e do carter; pois, certamente, o esprito de um homem de bem no falar como o de um homem perverso ou de um depravado. Quanto aos espritos que se apropriam de nomes respeitveis, logo se traem por sua linguagem e suas mximas; aquele que se dissesse Fnelon, por exemplo, e que ferisse, ainda que acidentalmente, o bom senso e a moral, mostraria, por isso mesmo, a mistificao. Se, ao contrrio, os pensamentos que exprime so sempre puros, sem-contradies e continuamente altura do carter de Fnelon, no h motivos para duvidar de sua identidade; de outra forma, seria preciso supor que um esprito que s prega o bem pudesse, conscientemente, utilizar a mentira, e isto, sem-utilidade. A experincia nos ensina que os

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    espritos do mesmo grau, do mesmo carter e animados pelos mes-mos sentimentos renem-se em grupos e em famlias; ora, o nmero dos espritos incalculvel e estamos longe de conhec-los todos: a maioria mesmo no tem nomes para ns. Um esprito da categoria de Fnelon pode, pois, vir em seu lugar, frequentemente at, envia-do por ele como representante; apresenta-se com seu nome, por ser idntico a ele e poder substitu-lo e porque precisamos de um nome para fixar nossas ideias; mas, o que importa, em definitivo, que um esprito seja, realmente ou no, o de Fnelon? Se s disser coisas boas e falar como o teria feito o prprio Fnelon, um bom esprito; o nome sob o qual ele se faz conhecer indiferente e, frequentemente, apenas um meio de fixar nossas ideias. No poderia ser da mesma for-ma nas evocaes ntimas; porm, a, como o dissemos, a identidade pode ser estabelecida atravs das provas, de certo modo, patentes.

    Alm disso, certo que a substituio dos espritos pode dar lugar a uma poro de equvocos, que da podem resultar erros e, com frequncia, mistificaes; a est uma dificuldade do Espiri-tismoprtico; jamais, porm, dissemos que essa cincia fosse uma coisa fcil, nem que se pudesse aprend-la brincando, exatamente como qualquer outra cincia. Nunca ser demais repetir que ela pede um estudo assduo e com constncia prolongada; no se podendo provocar os fatos, preciso esperar que eles se apresentem por si mesmos e, frequentemente, eles decorrem de circunstncias que nem imaginamos. Para o observador atento e paciente, os fatos abun-dam, porque ele descobre milhares de matizes caractersticos que so, para ele, traos de luz. Acontece o mesmo com as cincias comuns; enquanto o homem superficial no v numa flor seno uma forma elegante, o sbio nela descobre tesouros para o pensamento.

    XIII

    As observaes acima nos levam a dizer algumas palavras so-bre uma outra dificuldade, a da divergncia que existe na linguagem dos espritos.

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    Sendo muito diferentes uns dos outros os espritos, do pon-to de vista dos conhecimentos e da moralidade, evidente que a mesma questo pode ser resolvida num sentido oposto, conforme a categoria que ocupem, exatamente como se ela fosse proposta alter-nadamente, entre os homens, a um sbio, a um ignorante ou a um brincalho de mau gosto. O ponto essencial, j o dissemos, saber a quem nos dirigimos.

    Mas, acrescentam, como se explica que os espritos reconhe-cidos por serem superiores, no estejam sempre de acordo? Diremos, primeiramente, que, independentemente da causa que acabamos de assinalar, h outras que podem exercer uma certa influncia sobre a natureza das respostas, abstrao feita da qualidade dos espritos; isto um ponto capital cujo estudo dar a explicao; por isso que dizemos que esses estudos requerem uma ateno demorada, uma observao profunda e, como alis, todas as cincias humanas, sobretudo, continuidade e perseverana. So necessrios anos para formar um mdico medocre, trs quartos da vida para formar um s-bio e se desejaria, em algumas horas, adquirir a cincia do Infinito! Portanto, que ningum se engane: o estudo do Espiritismo imenso; ele tem relao com todas as questes da metafsica e da ordem so-cial; todo um mundo que se abre diante de ns. de admirar que se precise de tempo, de muito tempo para adquiri-lo?

    Alis, a contradio nem sempre to real quanto possa pa-recer. No vemos, todos os dias, homens que professam a mesma cincia variarem na definio que do de uma coisa, seja porque uti-lizam termos diferentes, seja porque a encaram sob um outro ponto de vista, embora a ideia fundamental seja sempre a mesma? Que se conte, se for possvel, o nmero das definies de gramtica que tm sido dadas! Acrescentemos, ainda, que a forma da resposta depende, muitas vezes, da forma da pergunta. Portanto, seria pueril encontrar uma contradio, onde geralmente s h diferena de palavras. Os espritos superiores no se preocupam absolutamente com a forma; para eles, a essncia do pensamento tudo.

    Tomemos, como exemplo a definio de alma. Por no pos-suir esta palavra acepo nica, os espritos podem, assim como

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    ns, divergir na definio que deem dela: um poder dizer que ela o princpio da vida; um outro, cham-la de centelha anmica; um terceiro, dizer que ela interna; um quarto, que ela externa, etc., e todos tero razo nos seus pontos de vista. Poder-se-ia at acre-ditar que alguns deles professem teorias materialistas e, todavia, no ser assim. Acontece o mesmo relativamente a Deus, que ser: o princpio de todas as coisas, o Criador do Universo, a soberana inteligncia, o infinito, o grande esprito, etc., etc. Definitivamente, ser sempre Deus. Citemos, finalmente, a classificao dos espritos. Eles formam uma sequncia ininterrupta, desde o grau inferior at o grau superior. A classificao , portanto, arbitrria; um poder faz-la em trs classes; outro, em cinco, dez ou vinte, vontade, sem que por isso esteja errado; todas as cincias humanas nos do o exemplo disto: cada cientista tem o seu sistema; os sistemas mudam, mas a Cincia no muda. Quer se aprenda a botnica pelo sistema de Linne, de Jussieu, ou de Tournefort, no se saber menos botnica por isso. Deixemos, pois, de dar s coisas puramente convencionais mais importncia do que merecem para nos ater apenas ao que ver-dadeiramente srio e, com frequncia, a reflexo far descobrir no que parece ser o maior disparate, uma similitude que havia escapado a um primeiro exame.

    XIV

    Passaramos, superficialmente, sobre a objeo de alguns c-ticos, a propsito de erros de ortografia cometidos por alguns espri-tos, se ela no possibilitasse a uma observao essencial. A ortografia deles, preciso diz-lo, nem sempre irrepreensvel; mas preciso estar muito carente de razes para fazer disso o objeto de uma crtica sria, dizendo que, j