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ISSN 2176-1396 O JOGO DE PAPÉIS COMO ATIVIDADE PRINCIPAL DO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DAS CRIANÇAS: AÇÕES NO CONTEXTO DA BRINQUEDOTECA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Luana Carolina Cruz Leite 1 - UEL Emily Francisco Leandro 2 - UEL Loren Machado C. S. Silva 3 - CMEI LAURA VERGÍNEA Cassiana Magalhães 4 - UEL Eixo Educação da Infância Agência Financiadora: Capes Resumo Compreende-se a criança como ser social e dependente das condições de vida e educação. Desse modo, as instituições de Educação Infantil assumem um lugar essencial na promoção do desenvolvimento das crianças. Reconhece-se o jogo de papéis como atividade principal das crianças de aproximadamente quatro a seis anos de idade. No entanto, nem sempre essa atividade é valorizada e percebida como fundamental nas instituições de Educação Infantil. Por isso, compreendendo a importância da brincadeira para a criança e levando em consideração o tempo que a mesma permanece na instituição questionamos: Como o (a) professor (a) pode contribuir para promover a brincadeira na Educação Infantil? Pretendendo responder ao questionamento, elegemos como objetivo geral analisar o jogo de papéis como atividade principal das crianças de aproximadamente quatro a seis anos de idade da Educação Infantil. Como objetivo específico pretendeu-se verificar o modo como a organização da rotina criava condições (ou não) de tempo e espaço para brincar, o modo de interação das professoras durante tal atividade e ainda, a contribuição dos jogos de papéis para o desenvolvimento da linguagem das crianças. A pesquisa aconteceu em um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) da cidade de Londrina Paraná, atrelada ao Pibid (Programa Institucional de Bolsas à Iniciação à Docência), do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Os dados revelaram que a concepção da professora e o modo de organização do espaço e tempo são fatores essenciais para a promoção da brincadeira na Educação Infantil. Foi possível ainda perceber a ampliação do repertório linguístico das 1 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina Bolsista no Programa Institucional de Bolsas à Iniciação à Docencia (PIBID). E-mail: [email protected] 2 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina Bolsista no Programa Institucional de Bolsas à Iniciação à Docencia (PIBID). E-mail: [email protected] 3 Pós-graduada em Psicopedagogia- Faculdade Catuaí Cambé- Graduada em Pedagogia-UEL.Docente do CMEI Laura Vergínia. Supervisora do PIBID-Pedagogia. E-mail: [email protected]. 4 Pós-doutora em Educação pela Universidade de Évora Portugal. Doutora em Educação pela UNESP Marília SP. Docente do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina. Coordenadora do Feipar Pé-Vermelho GT 10. Membro do MIEIB Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil. E- mail: [email protected]
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O JOGO DE PAPÉIS COMO ATIVIDADE PRINCIPAL …A atividade do jogo de papéis tem grande importância para o desenvolvimento da criança, mas na escola, quando planejada, seus objetivos

Jun 09, 2020

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ISSN 2176-1396

O JOGO DE PAPÉIS COMO ATIVIDADE PRINCIPAL DO

DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DAS CRIANÇAS: AÇÕES NO

CONTEXTO DA BRINQUEDOTECA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Luana Carolina Cruz Leite1 - UEL

Emily Francisco Leandro2 - UEL

Loren Machado C. S. Silva3- CMEI LAURA VERGÍNEA

Cassiana Magalhães4 - UEL

Eixo – Educação da Infância

Agência Financiadora: Capes

Resumo

Compreende-se a criança como ser social e dependente das condições de vida e educação.

Desse modo, as instituições de Educação Infantil assumem um lugar essencial na promoção

do desenvolvimento das crianças. Reconhece-se o jogo de papéis como atividade principal

das crianças de aproximadamente quatro a seis anos de idade. No entanto, nem sempre essa

atividade é valorizada e percebida como fundamental nas instituições de Educação Infantil.

Por isso, compreendendo a importância da brincadeira para a criança e levando em

consideração o tempo que a mesma permanece na instituição questionamos: Como o (a)

professor (a) pode contribuir para promover a brincadeira na Educação Infantil? Pretendendo

responder ao questionamento, elegemos como objetivo geral analisar o jogo de papéis como

atividade principal das crianças de aproximadamente quatro a seis anos de idade da Educação

Infantil. Como objetivo específico pretendeu-se verificar o modo como a organização da

rotina criava condições (ou não) de tempo e espaço para brincar, o modo de interação das

professoras durante tal atividade e ainda, a contribuição dos jogos de papéis para o

desenvolvimento da linguagem das crianças. A pesquisa aconteceu em um Centro Municipal

de Educação Infantil (CMEI) da cidade de Londrina – Paraná, atrelada ao Pibid (Programa

Institucional de Bolsas à Iniciação à Docência), do curso de Pedagogia da Universidade

Estadual de Londrina (UEL). Os dados revelaram que a concepção da professora e o modo de

organização do espaço e tempo são fatores essenciais para a promoção da brincadeira na

Educação Infantil. Foi possível ainda perceber a ampliação do repertório linguístico das

1 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina – Bolsista no Programa Institucional de

Bolsas à Iniciação à Docencia (PIBID). E-mail: [email protected] 2 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina – Bolsista no Programa Institucional de

Bolsas à Iniciação à Docencia (PIBID). E-mail: [email protected] 3 Pós-graduada em Psicopedagogia- Faculdade Catuaí – Cambé- Graduada em Pedagogia-UEL.Docente do

CMEI Laura Vergínia. Supervisora do PIBID-Pedagogia. E-mail: [email protected]. 4 Pós-doutora em Educação pela Universidade de Évora – Portugal. Doutora em Educação pela UNESP –

Marília – SP. Docente do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina. Coordenadora do

Feipar Pé-Vermelho GT 10. Membro do MIEIB – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil. E-

mail: [email protected]

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crianças por meio do jogo de papéis, especialmente quando enriquecidos com a participação

da professora e bolsistas do programa.

Palavras-chave: Jogo de Papéis. Brinquedoteca. Educação Infantil. Linguagem.

Introdução

Pode-se considerar que a infância em grande parte é marcada pelo brincar, que faz

parte de gerações e atividades típicas culturais que traçam momentos livres e de escolhas para

as crianças quando brincam. Ao brincar a criança transforma-se, vivencia, adquire e interage

com diversos objetos, expressa comportamentos e muitas vezes, reproduz a realidade.

Deste modo, o brincar deve ser contemplado no planejamento voltado para o

desenvolvimento máximo das potencialidades infantis, ao despertar interesses e criar novas

necessidades, pode ser considerado uma ferramenta essencial para aprender, pois, por meio do

brincar as crianças tem a possibilidade de desenvolver sua identidade, autonomia, cooperação,

criar, experimentar o mundo dos adultos, por isso, a importância da sua intencionalidade na

Educação Infantil.

No entanto, nem sempre essa atividade é valorizada e percebida como fundamental

nas instituições de Educação Infantil. Por isso, compreendendo a importância da brincadeira

para a criança e levando em consideração o tempo que a mesma permanece na instituição

questionamos: Como o (a) professor (a) pode contribuir para promover a brincadeira na

Educação Infantil? Pretendendo responder ao questionamento, elegemos como objetivo geral

analisar o jogo de papéis como atividade principal das crianças de aproximadamente quatro a

seis anos de idade na Educação Infantil. Como objetivo específico pretendeu-se verificar o

modo como a organização da rotina criava condições (ou não) de tempo e espaço para brincar,

o modo de interação das professoras durante tal atividade e ainda, a contribuição dos jogos de

papéis para o desenvolvimento da linguagem das crianças.

Para responder ao questionamento este trabalho pautou-se em uma abordagem

qualitativa por meio de pesquisas bibliográficas e ainda, observação em um CMEI (Centro

Municipal de Educação Infantil) localizado na cidade de Londrina-PR, por meio de atividades

e intervenções realizadas durante o Programa Institucional de Bolsas à Iniciação à Docência –

PIBID. As observações ocorreram no período de dois meses, com crianças de quatro anos de

idade e suas respectivas professoras.

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O interesse pelo estudo surgiu durante a participação no projeto PIBID que envolveu

bolsistas e supervisora na realização de planejamentos e atividades na brinquedoteca da

instituição, valorizando assim, diversas formas de brincar e promover o desenvolvimento

infantil amplamente estudado pelos autores.

O Jogo de Papéis e a participação das crianças

As crianças em suas brincadeiras pautam-se muitas vezes em uma reprodução da

realidade e deixam claro que há conceitos da atividade de jogo de papéis, pois existe uma

grande relação criança-adultos e meio social, onde o principal é que a criança se aproprie das

relações humanas e assim reproduza o comportamento humano em suas brincadeiras. Este

brincar denomina uma das mudanças mais significativas provocadas em relação ao

desenvolvimento da criança na primeira infância que fundamenta a nova atividade dominante,

que segundo Pasqualini e Eidt (2016, p.3) consiste em ser “responsável pela formação e

reorganização dos processos psíquicos centrais de um dado período do desenvolvimento. Isso

significa que em cada período do desenvolvimento uma atividade diferente guia o

desenvolvimento psíquico”.

A Teoria Histórico-Cultural não sinaliza uma idade exata, aponta aproximadamente

um período de desenvolvimento que pode ser traduzido aqui por 4-5 anos de idade onde é

engendrada a atividade do jogo de papéis, ou jogos de faz-de-conta.

Nesse período do desenvolvimento as crianças começam a envolver-se em jogos

protagonizados elementares, centrados essencialmente no uso de objetos da vida cotidiana. O

jogo de papéis nasce, portanto, no interior da atividade objetal manipulatória, ou seja, na

atividade que a criança estava vivenciando anteriormente com aproximadamente 2-3 anos de

idade.

Como explica Elkonin (1998, apud Pasqualini e Eidt, p. 22), “o que caracteriza as

ações que dão origem ao jogo de papéis são as ações com os objetos que têm importância

social e evidenciam os [...] modos sociais de utilizá-los que se formaram ao longo da

história”. Deste modo o foco da brincadeira está voltado para as representações da realidade

do mundo da criança e das pessoas, onde reproduzir por meio da brincadeira o que o adulto

faz será muitas vezes, o tema do jogo de papéis.

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O conhecimento conquistado pela criança faz com que ela seja mais independente.

Essa atividade se refere ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores, a

transformação do psiquismo e inclui o desenvolvimento da personalidade. Na Educação

Infantil, a influência da brincadeira é muito importante no desenvolvimento psíquico, da

personalidade e de sua consciência.

De acordo com Vigotski (2008, p.35):

A brincadeira cria uma zona de desenvolvimento iminente na criança. Na

brincadeira, a criança está sempre acima da média da sua idade, acima de seu

comportamento cotidiano; na brincadeira, é como se a criança estivesse numa altura

equivalente a uma cabeça acima da sua própria altura. A brincadeira em forma

condensada contém em si, como na mágica de uma lente de aumento, todas as

tendências do desenvolvimento; ela parece tentar dar um salto acima do seu

comportamento comum. A relação entre a brincadeira e o desenvolvimento deve ser

comparada com a relação entre a instrução e o desenvolvimento. Por trás da

brincadeira estão as alterações das necessidades e as alterações de caráter mais geral

da consciência. A brincadeira é fonte do desenvolvimento e cria a zona de

desenvolvimento iminente. A ação num campo imaginário, numa situação

imaginária, a criação de uma intenção voluntária, a formação de um plano de vida,

de motivos volitivos – tudo isso surge na brincadeira, colocando-a num nível

superior de desenvolvimento, elevando-a para a crista da onda e fazendo dela a onda

decúmana do desenvolvimento na idade pré-escolar, que se eleva das águas mais

profundas, porém relativamente calmas.

Neste processo, a criança quando brinca define um caminho da compreensão da

realidade, dos papéis sociais, do mundo em que vivem, as pessoas, os comportamentos sociais

e que posteriormente serão transformados por elas e vivenciados. Por meio do jogo, as

crianças reproduzem as relações e as atividades sociais e de trabalho dos adultos de forma

lúdica e passam, assim, a conhecer a vida social dos adultos, compreendendo melhor as

funções sociais e as regras pelas quais os adultos regem suas relações (MUKHINA, 1996

apud PASQUALINI E EIDT, 2016).

Quando a criança assume o papel de uma pessoa adulta e suas funções sociais de

trabalho, assim por diante, ela modela na brincadeira as relações entre as pessoas em meio a

uma sociedade. Na primeira infância, as crianças aprendem a ação com o objeto, sua função e

destino social. Esses destinos não se encontram no objeto, somente quando o objeto se inclui

no sistema das relações humanas, onde encontra-se o verdadeiro sentido social. Estes destinos

estão presentes na brincadeira.

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Antes da idade pré-escolar, a brincadeira é a atividade secundária e a transição para a

atividade dominante, mudança do lugar ocupado pela criança nas relações entre os demais. A

mudança está ligada ao mundo objetivo da criança que continuamente expande-se, onde a

brincadeira vem com a necessidade não somente dos objetos acessíveis a ela, mas em relação

ao mundo amplo dos adultos.

Um mundo que ultrapassa os objetos em relação as crianças e os objetos que os

adultos atuam e a criança não está em condições para atuar também. Nascimento de uma

contradição, onde a criança não se contenta em participar, ela precisa agir ou comandar as

operações das condições objetivas reais.

Na transição da ação com os objetos para o jogo de papéis, a criança não tem

consciência das relações e funções do adulto. Ela atua conforme deseja em relação ao adulto,

e ao mesmo tempo uma orientação eficiente de emotividade nas relações e sentidos de seu

procedimento.

O jogo de papéis surge como atividade que traz a orientação da criança nos sentidos

mais gerais da atividade humana. Se formando na criança pequena o desejo de realizar uma

atividade socialmente significativa e de valor, com o princípio de preparação para a

aprendizagem escolar. Consistindo uma importância básica da brincadeira para o

desenvolvimento psíquico, e a função dominante.

Segundo Marcolino et al (2016, p.125),

A brincadeira como atividade-guia da criança pré-escolar tem seu desenvolvimento

condicionado às possibilidades que a realidade social oferece. Quando crianças

brincam fora do espaço escolar, podem ou não encontrar as condições necessárias

para que as ações e as relações sejam estabelecidas com qualidade para que a

atividade evolua. Na escola de Educação Infantil, essa atividade deve ser

intencionalmente planejada para garantir tais condições.

A atividade do jogo de papéis tem grande importância para o desenvolvimento da

criança, mas na escola, quando planejada, seus objetivos se tornam maiores ainda, por isso

essa atividade deve ser intencionalmente planejada, criando condições para que essas

atividades aconteçam. É importante também que o professor brinque com a criança.

A relação particular que a criança atribui ao sentido e o significado do brinquedo não

estão presentes em todas as crianças em qualquer situação, mas apenas surge ao longo do

jogo, no próprio processo de brincar e envolver-se com a situação lúdica. Assim, a fantasia

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não está posta no brinquedo, mas é construída “no mundo imaginário da brincadeira infantil; a

própria fantasia é necessariamente engendrada pelo jogo” (LEONTIEV, 1994, p. 130).

O Brincar e a Rotina na Educação Infantil

Quando se fala em brincar algumas pessoas pensam em simplesmente dar um

brinquedo ou dispor alguma coisa que a criança passe o tempo e fique com este objeto, mas

na realidade o brincar é muito mais do que um simples passar do tempo com algum objeto, o

que inclui procedimentos, organização, regras e materiais que a criança possa criar e recriar

com ele, em outras palavras, são necessárias condições para que as crianças possam brincar.

Partindo dessas necessidades e compreendendo a importância da brincadeira para o

desenvolvimento infantil, algumas brincadeiras foram organizadas para as crianças em um

CMEI de Londrina-PR, por uma professora (supervisora do Pibid, juntamente com as alunas

bolsistas do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina). No CMEI há um

espaço, uma sala destinada a brinquedoteca, onde os brinquedos estão dispostos em categorias

e pequenos cantos, porém a brinquedoteca também se caracteriza como itinerante, pois

permite o caminhar pela escola e os espaços de referência das próprias crianças. Ao propor a

brincadeira para as crianças a professora sempre faz uma breve análise sobre como, onde,

quais elementos e também o tempo para cada atividade, pois a brinquedoteca todos os dias

atende turmas diferentes ou até duas turmas no mesmo dia conforme a rotina do CMEI e se

destina com o tempo máximo de uma hora, portanto muitas propostas são interrompidas

devido ao tempo e a rotina.

A primeira atividade a ser destacada e observada, estava organizada e disposta fora

da sala da brinquedoteca, onde a professora organizou diversos brinquedos que foram

disponibilizados em um espaço coberto do pátio do CMEI. Dentre esses brinquedos, estavam

bonecas, carrinhos, uma cabana, ferramentas de trabalho, uma casinha de plástico, panelinhas,

fogão, máquina de lavar roupa, roupas de boneca, entre outros. Com a organização do espaço

já há uma projeção do que as crianças podem realizar e brincar neste espaço pensado pela

professora ao dispor os materiais. Não queremos dizer que as brincadeiras precisam sempre

ser direcionadas, mas que, ao propor e organizar o espaço com diversos elementos pode haver

uma ampliação das possibilidades de exploração por parte das crianças. Ou seja, foi

organizado um convite para brincar.

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O objetivo de tal proposta era brincar e interagir com os diversos brinquedos, brincar

em grupos, aprender a dividir e compartilhar, reproduzir a imitação, reprodução dos jogos de

papéis na Educação Infantil. Dentro desta proposta alguns aspectos puderam ser analisados

diante do brincar, a primeira percepção foi a delimitação do espaço e a disposição dos

brinquedos que foram respeitados pelas crianças, perante um acordo que este espaço

significava a casa e era lá que estavam todos os brinquedos e iria acontecer toda a brincadeira.

Outro aspecto elencado foi à percepção de uma das crianças ao brincar com uma

boneca quase do tamanho dela onde a mesma considerava a boneca como uma parceira e

deitava ao lado dela, olhava, fazia carinho, beijava e ao decorrer da brincadeira pegou outra

boneca menor e a considerou como uma filha, cujo o pai era a criança e a mãe a boneca

maior. Nesta brincadeira foi perceptível uma possível interação da criança com os brinquedos

e a proposta, além da classificação do jogo de papéis escolhida por ela e qual papel tomou-se

para si.

Fonte: Arquivo das autoras

Sobre o jogo de papéis foram desenvolvidas outras reproduções como: operários que

consertavam a casinha de plástico com as ferramentas, havia os cozinheiros, os motoristas de

carros que corriam para lá e para cá, as crianças que brincaram de faz-de-conta, entre outras.

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Ficam evidentes a participação e envolvimento das crianças, na criação de novas ações, nem

sempre aquelas previstas pela professora.

Outra possibilidade observada foi em relação a uma proposta da brinquedoteca que

estava voltada para fantasias e máscaras. Para este dia foi organizado um espaço novamente

pensado pela professora com diversas máscaras, fantasias, uma amarelinha, bonecas,

carrinhos, ursos de pelúcia, bolsas e uma tenda de guarda-chuva. A proposta era se fantasiar e

brincar com todos os elementos, criando formas de explorá-los.

Fonte: Arquivo das autoras

Durante as brincadeiras foram observadas a participação das crianças, o modo como

incorporavam novos personagens, montavam e desmontavam com pedaços de papel,

construíam pipas com linhas imaginárias e transformavam o espaço em castelos, estradas,

princesas e príncipes.

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Fonte: Arquivo das autoras

Dentre estas propostas pode-se observar que a organização do espaço foi fundamental

para as brincadeiras e incorporação da mesma pelas crianças, e que não foram colocados

quaisquer elementos e materiais, mas aqueles elencados para tal proposta e organizados com

intuito de fomentar a brincadeira. Como na imagem a seguir com elementos naturais:

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Fonte: Arquivo das autoras

Durante essa proposta foram disponibilizados diversos elementos naturais, como a

terra, areia, pedra, casca de árvores, pó de cerra e folhas, e uma caixa de animais, onde o

objetivo era propor as crianças caracterizar os espaços em que os animais vivem. Foi uma

atividade que proporcionou o manuseio desses elementos naturais, sendo de grande interesse

das crianças. Portanto, objetos reais foram trazidos para a brincadeira, criando condições para

manipulação e novas criações.

A importância dos Jogos de Papéis no desenvolvimento da Linguagem

O brincar tem grande importância para o desenvolvimento infantil. O jogo de papéis

tem início na primeira infância, mais se torna mais evidente na infância. Assim como relatam

Pasqualini e Eidt (2016) sobre a primeira infância, sendo ela por volta dos dois aos três anos

de idade:

No interior da atividade objetal manipulatória, começa a ser gestada uma nova

atividade: o faz- de- conta, a brincadeira de papéis. Quando dizemos que ao dominar

a ação com o objeto, a criança vai se emancipando das condições particulares da

aprendizagem na direção de um uso livre, até que surge a substituição do objeto,

podemos perceber que as premissas para o jogo de papéis estão sendo formadas. É o

início da ação lúdica. Já nesse período do desenvolvimento as crianças começam a

envolver-se em jogos protagonizados elementares, centrados essencialmente no uso

de objetos da vida cotidiana. O jogo de papéis nasce, portanto, no interior da

atividade objetal manipulatória, inicialmente como linha acessória do

desenvolvimento. A atividade objetal vai se esgotando como fonte de

desenvolvimento: não basta mais à criança apropriar-se dos procedimentos sociais

de ação com o objeto. Ela passa a interessar-se pelo sentido social das ações com os

objetos, pelas relações sociais no interior das quais os objetos da cultura são

utilizados pelos adultos.

Elkonin (1998, p. 216), destaca que “o que caracteriza as ações que dão origem ao

jogo de papéis são as ações com os objetos que têm importância social e evidenciam os “[...]

modos sociais de utilizá-los que se formaram ao longo da história (...)”. O principal foco está

relacionado com o mundo adulto, a imitação do fazer adulto, dos pais, dos professores, etc.

O jogo de papéis torna-se mais evidente na Infância, a chamada idade pré-escolar.

Pasqualini e Eidt (2016, p. 26) destacam ainda que,

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Nessa linha, a idade pré-escolar do desenvolvimento é um período do

desenvolvimento em que a relação da criança com o mundo das pessoas volta a ter

proeminência. A atividade que guia o desenvolvimento do psiquismo nesse período

é o jogo de papéis ou jogo protagonizado.

O jogo de papeis está totalmente interligado com o desenvolvimento da linguagem.

Vygotsky (1984, p.63) focalizou, especialmente, que a brincadeira implica uma situação

imaginária. Toda situação imaginária favorece o uso da linguagem.

Segundo Góes (2001) no espaço do jogo imaginário, a criança elabora sobre a

realidade, suas vivências e conhecimentos do cotidiano, reproduz modos culturais de ação

com ou sobre objetos e modos de relação interpessoal, enuncia discursos prototípicos de

personagens, conforme o papel social implicado. Mas não se subordina inteiramente,

elegendo a forma de ser o outro, de agir numa cena ou de manusear objetos; atribui, assim,

velhos e novos significados a situações. Não apenas as revive. Imprime nelas sua marca e atua

projetivamente na cultura.

Tudo isso ajuda na promoção da linguagem da criança no período pré-escolar. É

evidente durante as brincadeiras, o jogo de papéis, onde as crianças reproduzem o que vêem

no mundo dos adultos. O jogo proporciona uma comunicação por meio de personagens

imaginários e, contudo, esse aspecto do jogo de papeis promove as comunicações lingüísticas

mediadas pelo universo pessoal por meio do faz-de-conta.

Contudo, a linguagem interpõe-se sobre o processo de aprendizagem nos jogos de

papéis, sendo de extrema importância para o desenvolvimento infantil. Por meio dos jogos de

papéis, há possibilidade do desenvolvimento da imaginação, A criança tem a oportunidade de

ampliar seu repertório, expressar seus desejos e necessidades, interagir com seus pares e com

os adultos.

Considerações finais

A brincadeira possibilita inúmeras aprendizagens e descobertas para as crianças que

criam e transformam os objetos de diferentes maneiras e ampliam repertórios linguísticos por

meio da reprodução de papéis sociais.

É claro que reconhecemos que as crianças brincam em diferentes espaços, no entanto,

ressaltamos a necessidade do planejamento na Educação Infantil, voltado para a organização

do espaço e criação de condições para as crianças explorarem o universo da brincadeira.

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Pensar na brincadeira como fundamental para o desenvolvimento das crianças, requer

no mínimo um professor que compreenda essa importância e a relevância da sua organização

para que isso se concretize. A valorização da brincadeira para o desenvolvimento infantil foi

verificada inclusive no fato de a organização da rotina da instituição contemplar o tempo da

brinquedoteca, não apenas um lugar para brincar ou passar o tempo, mas um espaço por vezes

itinerante, rico em possibilidades.

As observações e o estudo bibliográfico apontaram para saltos no desenvolvimento

das crianças, tanto nas interações com outras crianças, com a professora e com as bolsistas do

programa, como na ampliação da linguagem, uma vez que, ao se apropriarem das ações do

mundo adulto por meio da brincadeira, apropriam-se também dos repertórios da fala, dos

nomes das coisas, enfim das inúmeras possibilidades reproduzidas nas brincadeiras.

REFERÊNCIAS

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infância. In: DAVIDOV, V.; SHUARE, M. (Org.). La psicologia evolutiva y pedagógica enla

URSS: antologia. Moscou: Editorial Progresso, 1987. p. 104- 124.

______. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

GÓES, Maria Cecília Rafael de. O jogo imaginário na infância: a linguagem e a criação de

personagens. UNIMEP, 2001.

LEONTIEV, Alexis N. Os Princípios Psicológicos da Brincadeira Pré-escolar. In: LURIA,

Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alexis N.; VIGOTSKII, Lev Semenovich. Linguagem,

desenvolvimento e aprendizagem. Tradução: Maria da Penha Villalobos. São Paulo: Ícone

Editora Ltda, 1994. p. 119-140.

MARCOLINO, Suzane; MELLO, Suely Amaral; FOLQUE, Maria Assunção. Brincar juntos

na Escola da Infância: a brincadeira entre crianças de idades diferentes na Proposta do

Movimento da Escola Moderna Portuguesa. Crítica Educativa (Sorocaba/SP), v. 2, n. 2, p.

123-135, jul./dez.2016.

PASQUALINI, Juliana C; EIDT, Nadia Mara. Periodização do desenvolvimento infantil e

ações educativas. In: Proposta Pedagógica para a Educação Infantil do Sistema Municipal de

Ensino de Bauru. Organizadoras: Juliana C. Pasqualini; Yaeko N. Tsuhako. Bauru, Secretaria

Municipal de Educação, 2016.

VYGOTSKY, L.S., (1984). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.

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VIGOTSKI, L.S. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da criança.

Tradução: Zóia Prestes. Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais. ISSN: 1808- 6535

publicada em Junho de 2008. p. 23-36.