O IMIGRANTE: UM OLHAR ARQUETÍPICO ANA MARÍA SALAZAR VILLEGAS Psicóloga, Especialista em Psicoterapia e em Psicologia Analítica. Atualmente em formação de analista do Instituto Junguiano do Rio de Janeiro I. Introdução a) Tema Relação entre os arquétipos próprios das etapas da viagem do herói e o processo de adaptação dos estudantes estrangeiros no Rio de Janeiro. b) Delimitação do tema Os processos de adaptação dos estrangeiros são diversos e influenciados por muitos fatores. A idade, o sexo, o país de origem, a atividade a desempenhar ou as razões para viajar, a situação emocional, espiritual, econômica, familiar e social antes e depois da viagem, são todos fatores que de alguma maneira determinam a experiência de cada pessoa que enfrenta a situação de ser imigrante.
La experiencia del inmigrante puede ser vista como una vivencia altamente enriquecedora y fundamental en su proceso de individuación. En ese sentido, es posible comparar esta experiencia con el viaje del héroe, como una metáfora sobre el desarrollo psicológico y la búsqueda de la individuación. Este estudio busca explorar el fenómeno de la inmigración por medio de una metodología cualitativa basada en dos estudios de caso, sobre el proceso de adaptación de estudiantes latinoamericanos que viven en Rio de Janeiro. Este trabajo exploratorio permitió observar que, aunque son muchos los arquetipos que están en juego, cuatro de ellos fueron fundamentales en el proceso de adaptación de los entrevistados: el Huérfano, el Buscador, el Gobernante y el Sabio. Los resultados sugieren que la identificación de los arquetipos constelados en el proceso de adaptación, puede ayudar a focalizar las actividades de programas de apoyo dirigidos a inmigrantes en situación de riesgo psicológico.
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O IMIGRANTE: UM OLHAR ARQUETÍPICO
ANA MARÍA SALAZAR VILLEGASPsicóloga, Especialista em Psicoterapia e em Psicologia Analítica.
Atualmente em formação de analista do Instituto Junguiano do Rio de Janeiro
I. Introdução
a) Tema
Relação entre os arquétipos próprios das etapas da viagem do herói e o processo de
adaptação dos estudantes estrangeiros no Rio de Janeiro.
b) Delimitação do tema
Os processos de adaptação dos estrangeiros são diversos e influenciados por muitos
fatores. A idade, o sexo, o país de origem, a atividade a desempenhar ou as razões
para viajar, a situação emocional, espiritual, econômica, familiar e social antes e
depois da viagem, são todos fatores que de alguma maneira determinam a
experiência de cada pessoa que enfrenta a situação de ser imigrante.
A presente monografia pretendeu encontrar as relações entre os arquétipos
relacionados com cada etapa da viagem do herói de Campbell com o processo de
adaptação de estudantes estrangeiros no Rio de Janeiro.
c) Problema
Tendo em vista a diversidade dos processos de adaptação dos estudantes
estrangeiros no Rio de Janeiro:
a) Quais os fatores associados ao êxito ou fracasso desse processo.
b) Como se relacionam os arquétipos das etapas da viagem do herói com esse
processo.
d) Objetivos
Geral
Identificar as relações entre os arquétipos relacionados com cada etapa da viagem do
herói de Campbell com o processo de adaptação dos estudantes estrangeiros no Rio
de Janeiro.
Específicos
Aprofundar nos fatores que facilitam o processo de adaptação dos estudantes
estrangeiros no Rio.
Aprofundar nos fatores que obstaculizam o processo de adaptação dos
estudantes estrangeiros no Rio.
Identificar os arquétipos que são ativados nesse processo.
Identificar as relações entre esses arquétipos e o processo de adaptação.
e) Justificativa
Os processos e situações vividos pelas pessoas que moram num país diferente ao
próprio são tão diversos como os mesmos indivíduos. Porém, existem elementos que
todas as pessoas que têm passado ou estão passando por essa situação encaram.
Esses elementos têm a ver com o sentido de pertencia, o arraigamento e a própria
individuação. Aprofundar nesse fenômeno desde a perspectiva junguiana, pode ajudar a
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compreender os processos psicológicos e espirituais que se experimentam nessa
situação e definir elementos importantes nos programas de apoio para imigrantes.
Tendo em vista a alta porcentagem de estudantes estrangeiros no Rio de Janeiro, se
trabalhou com essa população específica.
f) Metodologia
Pesquisa bibliográfica e pesquisa qualitativa.
Amostra
Foram realizadas duas entrevistas com estudantes estrangeiros da América Latina, que
atualmente se encontram realizando seus estudos no Rio de Janeiro.
Instrumentos
Entrevista semi-estruturada: Se desenhou um instrumento semi-estruturado de
entrevista.
Índice de Mitos Heróicos: Como complemento à informação obtida nas entrevistas,
se aplicou esse questionário, que permite identificar arquétipos ativados,
relacionados com as etapas da viagem do herói.
Análise de resultados
Por se tratar de informação principalmente qualitativa, os resultados foram processados
e analisados utilizando o software Atlas Ti, a partir da definição de categorias
previamente definidas e categorias emergentes.
Os resultados do Índice de Mitos Heróicos foram processados e analisados segundo o
manual do instrumento.
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1. Características do processo de adaptação do imigrante
As complexas problemáticas sociais dos países latino americanos e o desenvolvimento
acelerado da globalização têm levado a que o fenômeno da imigração seja um dos mais
comuns de nosso continente. Anualmente milhares de pessoas transladam-se de seu país
de origem para um novo destino.
As razões que levam às pessoas a imigrar são muitas e compreendem desde
problemáticas de refugiados por causas de guerra, deslocamento pela violência ou crises
políticas, até oportunidades de trabalho e intercambio acadêmico ou cultural.
I.1 Alguns conceitos relacionados
Para começar, é importante definir alguns dos conceitos relacionados com esse
fenômeno. Em primeiro lugar, emigrante e imigrante são duas formas de se referir à
mesma situação, mas desde diferentes pontos de vista. Para uma pessoa nascida e
residente no país de origem do migrante, trata-se de alguém que emigra para outro país,
enquanto para quem tem nascido no país de destino e mora nele, o estrangeiro é um
imigrante.
Além disso, é necessário diferenciar o migrante de outras categorias como viajante ou
turista. Para Grinberg e Grinberg (1994) a migração supõe o deslocamento de um lugar
para outro suficientemente distante, por um tempo suficientemente prolongado como
para morar nele e desenvolver atividades da vida cotidiana.
Segundo esses autores, pode se falar de migrantes voluntários e migrantes forçados,
sendo os primeiros aqueles que viajam pela sua vontade, e os segundos aqueles que
precisam abandonar seu país para proteger a sua integridade ou a de sua família e
pessoas próximas. Dentro da primeira categoria estão os estudantes, tema do presente
estudo.
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Por outra parte, o fenômeno da migração supõe uma serie de processos de adaptação
onde é precisa a negociação e a interação com o novo meio para se ajustar a ele e
desenvolver uma “nova identidade”.
Nesse sentido, a identidade é o “conjunto de auto-representações que permitem que o
indivíduo sinta-se, por uma parte como semelhante e pertencente a determinadas
comunidades de pessoas e por outra parte, diferente e não pertencente a outras”
(Achotegui, 2002: 2).
O processo de adaptação pode implicar altos níveis de estresse no imigrante e
geralmente um doloroso processo de luto frente às pessoas e pertenças deixadas atrás.
Segundo Achotegui (2004), o estresse é um desequilíbrio substancial entre as demandas
ambientais e as capacidades de resposta do sujeito.
À sua vez, o luto é entendido como o processo de reorganização da personalidade que
acontece quando o indivíduo perde algo significativo para ele. Pode se dizer então que o
luto é um estresse prolongado e intenso e sua elaboração envolve a totalidade da
personalidade do indivíduo.
I.2 O luto migratório
Embora os processos de luto causados pela morte de uma pessoa próxima não sejam
totalmente comparáveis ao luto migratório, trata-se em todo caso de um
desprendimento, muitas vezes forçoso, do cotidiano do imigrante.
O luto é necessário para o imigrante, mas não se apresenta do mesmo jeito em cada um
deles. Gonzáles Calvo (2006) chama de “luto migratório” à situação de perdas
psicológicas e sociais que tem que afrontar o imigrante. Esse luto pode ser “simples”
quando a migração é realizada em boas condições para a pessoa, encontrando um
ambiente acolhedor que facilita a inclusão e o desenvolvimento do projeto migratório.
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Mas o luto pode ser também “complicado” quando as circunstâncias pessoais e sociais
dificultam a elaboração das perdas e do projeto migratório. Nesse caso, podem se
apresentar dificuldades de adaptação tão fortes que exista um perigo para a saúde
mental do imigrante.
Segundo Achotegui (2002), o imigrante tem que vivenciar sete lutos: a família, os
amigos, a linguagem, a cultura, a terra, o nível social e o contato com o grupo étnico.
Todos esses elementos estão associados a memórias e afetos que levam a que o
desprendimento seja difícil desde o ponto de vista psicológico.
I.3 Etapas do processo de adaptação
Embora sejam muitas as circunstâncias que vão definir a maneira como se desenvolve o
processo de adaptação ao novo meio, existem características comuns à vivência do
estrangeiro que emigra a um novo país.
Segundo Arnal (2004), a migração como processo de adaptação compreende
necessariamente dois momentos. Em primeiro lugar uma adaptação espacial que visa
preservar a identidade cultural, econômica, familiar, etc. O segundo momento consiste
na integração à nova sociedade ou o ambiente que o recebe.
Trivonovitch (1980), por sua parte, identificou quatro etapas que normalmente
aparecem em pessoas que estão se ajustando em um novo contexto cultural:
Lua de mel: etapa de empolgação, surpresa e felicidade frente às novidades
do ambiente.
Hostilidade: etapa de frustração, raiva, ansiedade, medo, tristeza ou
depressão. A pessoa se sente alheia à nova cultura e julga as diferenças como
algo negativo.
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Integração: A pessoa se sente mais cômoda com seu meio, não tem tantas
dificuldades e sente que pode ter controle sobre as situações, o que traz
consigo um relaxamento frente ao meio.
Lar: A pessoa se adapta exitosamente à nova cultura e começa a se sentir na
sua casa.
Essas etapas se apresentam de diversas maneiras e os tempos em que acontecem mudam
segundo diferentes variáveis e características de cada indivíduo. Algumas pessoas não
vivenciam todas as etapas ou não conseguem se sentir na quarta etapa nunca.
Pela sua parte, Grinberg e Grinberg (1994), desde uma perspectiva mais clínica,
propõem as seguintes etapas:
1. Existem sentimentos de intensa dor associados a tudo o que foi abandonado ou
perdido, o medo ao desconhecido e vivências profundas de solidão, carência e
desamparo. É possível que esta etapa esteja acompanhada ou seja substituída por um
estado maníaco no qual o imigrante magnífica as vantagens da mudança e minimiza
sua transcendência.
2. Depois de um tempo determinado se apresentam sentimentos de saudade e o
imigrante começa a reconhecer sentimentos antes dissociados ou negados por serem
dificilmente tolerados, e a viver sua dor ao mesmo tempo em que começa a ser mais
accessível à incorporação lenta e progressiva dos elementos da nova cultura. A
interação entre o mundo interno e o mundo externo se torna mais fluida.
3. Recuperação do prazer de pensar, desejar e fazer projetos para o futuro, em relação
com o qual o passado já não é vivenciado como “paraíso perdido”, sem que interfira
na possibilidade de viver plenamente o presente. Nessa última etapa pode-se falar de
um “sentimento de identidade remodelado”.
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Embora essas etapas sejam só um intento por compreender o processo de adaptação dos
imigrantes, não se pode afirmar que se apresentem nessa ordem ou de igual forma de
indivíduo a indivíduo. Isso é devido a que existem muitos fatores associados com a
vivência da mudança e assimilação da nova vida.
I.4 Fatores associados
Tendo em vista a complexidade desse fenômeno, poderia se falar de fatores internos,
associados ao indivíduo e fatores externos prévios e posteriores à experiência no novo
país de residência.
Podemos definir os fatores internos como aqueles que estão associados com as
características demográficas tais como idade, sexo, escolaridade, estado civil e
profissão. Além disso, compreendem os recursos pessoais e psicológicos como a
capacidade de responder a situações de estresse, capacidade de estabelecer relações
sociais, maturidade ao nível emocional e intelectual, crenças ou papel da espiritualidade
e situação afetiva atual, entre outros.
Os fatores externos anteriores à viagem têm a ver com o país de origem, a atividade ou
oficio que se desempenha, as razões para viajar, características do grupo familiar,
desempenho profissional ou acadêmico.
Depois da viagem influem, entre outras variáveis, o país de destino, as redes de apoio, o
nível de integração social, as condições de vida, satisfação no trabalho ou estudo ou a
atividade que se desempenhe, a nova língua, a situação econômica, ter a possibilidade
de retorno e ter relações interpessoais satisfatórias.
Alguns dos fatores que facilitam a adaptação serão ampliados no ítem 1.7
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I.5 A síndrome de Ulisses
No nível clínico, a condição do imigrante pode gerar problemas psicológicos diversos,
até o ponto que em países com altos níveis de imigração, alguns pesquisadores têm
começado a trabalhar sobre as incidências clínicas dessa problemática. Nesse sentido,
tem se proposto a Síndrome de Ulisses, como o conjunto de sintomas que se apresentam
nas pessoas em situação de imigração que têm um nível de estresse maior à sua
capacidade de adaptação. Desse jeito, a problemática é agora reconhecida como uma
condição clínica que atinge milhares de imigrantes em situação de risco psicológico e
está começando a se considerar como prioridade de saúde pública.
Embora a apresentação dos sintomas esteja influenciada por aspectos culturais do
imigrante, em geral pode se falar de desequilíbrios na área emocional, na área da
ansiedade, na área da somatização e na área confusional. Tristeza, choro, culpa, idéias
de morte, tensão, nervosismo, preocupações excessivas e recorrentes, irritabilidade,
insônia, dor de cabeça, fatiga, problemas de memória, atenção e desorientação, são
alguns dos sintomas mais comuns nessa situação.
Segundo Gonzáles Calvo (2006) a tristeza é o mais comum dos sintomas, acompanhado
geralmente pelo choro, mas a culpa se apresenta com maior freqüência nos imigrantes
provenientes de países ocidentais e o que tem a ver com que esse sentimento de culpa é
uma relação importante com a religião e o temor ao castigo.
Por outra parte, os problemas confusionais podem até chegar a um nível psicótico,
levando o indivíduo a uma perda do sentimento de identidade e a uma desorientação no
tempo e no espaço, sendo esse o quadro mais comum nos imigrantes hospitalizados
(Grinberg e Grinberg, 1994).
Esses mesmos autores destacam uma das problemáticas mais comuns nos imigrantes
que conseguem uma rápida adaptação ao novo país. Eles parecem se adaptar às
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características, hábitos e demandas pouco depois da sua chegada. Arrumam trabalho,
aprendem o idioma e estabelecem um lugar para morar. Nos primeiros dois ou três anos
de permanência estão num estado de aparente equilíbrio psíquico e físico e até podem
conseguir êxitos profissionais e sociais. Mas depois caem num estado de profunda
tristeza e apatia, quando finalmente poderiam estar desfrutando dos seus sucessos.
Esse quadro é chamado de Síndrome da Depressão Postergada que se apresenta em
alguns casos nos que as defesas maníacas que têm permitido a adaptação inicial,
desaparecem.
Em outros casos, a depressão postergada pode ser substituída por manifestações
somáticas graves de tipo digestivo, respiratório e circulatório.
I.6 Mecanismos de adaptação
Neste ponto é importante falar sobre esses mecanismos que permitem a adaptação do
indivíduo em situação migratória. A psique se protege por meio de defesas de diferentes
tipos, que fazem possível que o indivíduo não perca seu sentido de identidade e o ego
mantenha seus limites apesar das ameaças do ambiente. Com esse fim, a pessoa pode se
aferrar a seus padrões culturais, seus costumes, sua língua, sua comida, sua música, se
negando a incorporar os padrões culturais do novo país. Por exemplo, é comum o caso
das pessoas que não aprendem o novo idioma apesar de ter passado anos no país, ou que
só se relacionam com pessoas de seu país de origem e não geram vínculos com quem
tem nascido no país de residência. Desse jeito, o lugar de origem é sobre-dimensionado,
atrasando a reestruturação necessária da identidade.
Também são comuns os comportamentos regressivos de queixa e raiva frente às
múltiplas situações que experimenta o imigrante. Esses comportamentos regressivos não
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necessariamente são demonstrações de imaturidade mas sim uma reação de proteção da
psique frente às ameaças e o estresse causado pela interação com o ambiente.
Adicionalmente, os objetos inanimados também têm um papel importante na proteção
da identidade, e é por isso que muitos imigrantes viajam com objetos que não são
necessários, mas que possuem um valor emocional. Muitas vezes trata-se de objetos
grandes e difíceis de transportar como móveis, adornos, bonecos, etc.
Achotegui (2002, p. 15) coloca que os mecanismos de defesa ativados no imigrante são
parecidos com os mecanismos de defesa próprios da situação de luto. Esses mecanismos
são:
Negação: Tendência a desconhecer os sentimentos e evitar confrontar a
realidade emocional. Ex.“tudo é igual no meu país”, “as mudanças não me
afetam”.
Projeção: Atribuição de características próprias aos outros. Ex: “aqui a gente é
diferente”, “no meu país não somos tão mal intencionados”.
Idealização: Tendência a olhar de um jeito mais positivo, situações, pessoas,
lugares ou elementos, acrescentando valor a eles. Ex: “Meu país é o mais
bonito do mundo”, “aqui sim se vive bem”.
Animismo: Atribuir uma conotação humana a aspectos ou elementos
inanimados. Ex: “O país está sofrendo”, “O idioma é poético e musical”.
Formação reativa: Fazer o contrário do que demanda o impulso para ser aceito.
Ex. Apresentar atitudes racistas frente a pessoas da mesma origem.
Racionalização: Separar o componente afetivo do cognitivo para evitar o
sofrimento. Ex: “Aqui tenho mais e melhores oportunidades e não existe razão
para voltar”.
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No entanto, existem fatores que facilitam ou dificultam o processo de adaptação. Não é
o mesmo passar por esse processo quando existem condições favoráveis para
desenvolver o projeto migratório.
I.7 A adaptação do imigrante voluntário
A adaptação dos imigrantes que viajam com um projeto acadêmico, difere daqueles que
o fazem por necessidade econômica ou por razões de segurança. Como se falou
anteriormente, os estudantes correspondem à categoria de imigrantes voluntários, que
são nosso eixo de interesse.
Os sintomas da síndrome de Ulisses, mencionados anteriormente, podem apresentar-se
de um jeito muito menos intenso e em alguns deles podem até nem aparecer, quando o
estudante encontra circunstâncias favoráveis de integração e começa a conseguir as
metas de seu projeto migratório. Esses fatores ajudam à reestruturação da identidade de
uma maneira mais tranqüila e simples.
Grinberg e Grinberg (1994, p. 65) mencionam que se a personalidade do imigrante tem
sido sã, as motivações da migração racionais (embora sempre existam motivações
inconscientes), as condições nas que tem-se realizado adequadas e o novo meio
razoavelmente acolhedor, será capaz de aprender o novo da experiência e valorizar os
aspectos positivos do novo país, o que fará possível um enriquecimento psicológico e
um ajuste real ao meio.
Não é que o imigrante voluntário não tenha que passar pelos mesmos lutos do que o
imigrante forçado, mas o processo pode ser totalmente diferente para eles. Pouco a
pouco, o indivíduo começa a se familiarizar com seu novo ambiente e a criar vínculos
com os lugares e pessoas, e começa a sentir como próprios muitos dos aspectos que ao
princípio pareciam alheios e ameaçantes.
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Um fator que marca uma diferença muito importante do nível psicológico entre os
imigrantes voluntários e os imigrantes forçados, é a possibilidade de retorno ao país de
origem. Embora a pessoa não tenha planejado voltar, a certeza de que pode retornar
permite que não se sinta desarraigado. Essa perspectiva é tranqüilizante e permite que o
imigrante possa apreciar e desfrutar do empreendimento de sua nova aventura. O
estabelecimento de um limite de tempo para o retorno também ajuda a viver o processo
de um jeito mais tranqüilo, embora em muitos casos o projeto de viagem tenha uma
duração de vários anos.
Também é importante levar em conta que a idade na que se empreende a emigração
pode influenciar o processo, sendo menos intenso para as pessoas jovens, por ter maior
flexibilidade psicológica e geralmente não possuir responsabilidades de tipo familiar ou
econômico, que dificultem sua partida.
Além do anterior, outro fator que facilita a adaptação do estudante é morar em cidades
pequenas onde as comunidades são muito mais unidas. Nas grandes cidades, a
experiência do imigrante geralmente é totalmente diferente. O fenômeno do crescimento
descontrolado que geralmente se apresenta nessas cidades, leva à urbanização
desmedida, onde é difícil se relacionar com os outros. Ninguém conhece ninguém.
Grandes distâncias são percorridas diariamente para realizar as atividades cotidianas,
através de meios de transporte massivo que movimentam milhares de pessoas anônimas.
Essas características da vida nas grandes cidades podem dificultar ao estudante a criação
de vínculos, a apropriação dos espaços e da cultura e podem até ser ameaçantes para sua
identidade.
Nas cidades pequenas é muito mais fácil gerar redes sociais e fomentar relacionamentos
fortes. As pessoas se conhecem e existe um sentimento muito mais forte de identidade
entre elas, como comunidade e como indivíduos. No entanto, é importante levar em
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conta às circunstancias nas quais o imigrante morava no seu país. Nem todo mundo
gosta de morar em cidades pequenas, especialmente quando a cidade de origem é uma
grande urbe. Nesse caso, o estudante pode-se até sentir limitado em vez de seguro e
confortável.
Por último, é importante mencionar que as condições de migração dos últimos anos tem
tido uma enorme mudança a partir das novas tecnologias de comunicação e informação.
Hoje é possível manter o contato diariamente, a baixo custo, com as pessoas próximas e
os eventos que acontecem no país de origem, o que gera uma sensação de cercania que
alivia muito o processo de adaptação e desprendimento. De alguma maneira, pode se
dizer que a tecnologia facilita ao imigrante manter sua estrutura psicológica e sua
identidade.
Como temos visto, a adaptação do imigrante é um processo de grande complexidade, no
que muitas variáveis influem. Mas é tanta a riqueza que implica a aventura da viagem
que é sem dúvida uma enorme oportunidade de crescimento e desenvolvimento pessoal.
Esse será precisamente o tema do próximo capítulo.
2. A viagem do herói
2.1 Jung e sua obra
Desde seu começo, a psicologia analítica, desenvolvida pelo psiquiatra suíço Carl
Gustav Jung (1875-1961), teve uma influência importante no desenvolvimento da
psicologia e em muitas outras áreas do conhecimento e das ciências sociais. A
profundidade de seus fundamentos levou a reconsiderar o determinismo do inconsciente
individual proposto por Freud, assim como muitas outras concepções da psiquiatria e do
estudo das doenças mentais na época.
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Enumerar as contribuições do pensamento junguiano na área da psicologia e em outras
áreas do conhecimento é uma tarefa muito difícil, considerando as vastas possibilidades
de um trabalho tão profundo. Suas concepções sobre a libido, a neurose, a individuação,
o trabalho com os arquétipos e os complexos, o papel do símbolo, a abordagem dos
sonhos e das bases da psicoterapia, entre outros, não somente foram inovadoras, mas
tocaram os lugares mais profundos do ser humano e da psique.
Considerando que a psicoterapia teve seu maior nível de desenvolvimento no século
XX, não é possível desconhecer a influência de C.G. Jung nas escolas psicológicas que
reconhecem o papel do inconsciente como base ou parte fundamental da sua
epistemologia.
Sobre a natureza dos conteúdos do inconsciente, Jung afastou-se da concepção negativa
freudiana e reconheceu nesta instancia da psique, uma fonte inesgotável de criatividade
desde onde o indivíduo pode “se curar”. Neste sentido, a neurose é compreendida como
uma tentativa de sarar, que procura restabelecer o equilíbrio psíquico. Para Jung, a
neurose deve ser tratada com as ferramentas que cada indivíduo tem em seu momento
atual, segundo seu desenvolvimento psicológico. Desde esse ponto de vista, considerou
que a Psicanálise não funciona para as neuroses que aparecem na segunda metade da
vida, é dizer no momento da chamada “psicologia do entardecer”.
Adicionalmente, ao incluir a concepção de um desenvolvimento psicológico que não se
centra unicamente nos anos da infância, mas durante a vida toda e incluso após da
morte, Jung gerou uma verdadeira diferença frente à concepção da psicologia
contemporânea e construiu as primeiras colunas da psicologia transpessoal, que inclui a
dimensão espiritual na psicologia do indivíduo. A maneira de se aproximar às
experiências psicológicas como se fossem tão reais como as experimentadas fisicamente
pelo corpo, deu um novo sentido a esse tipo de conteúdos, que até o momento
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consideravam-se fantasias, mas cujo poder e força nunca tinham sido vistas desde uma
perspectiva psicológica.
Jung fez também grandes contribuições ao preparar o campo para o uso de novas
ferramentas terapêuticas a partir de seu método da imaginação ativa, no que uma cena
ou imagem de um sonho ou pensamento, são o ponto de partida para a fantasia. Daqui
depreendem-se possibilidades ilimitadas de trabalho corporal e manual (dança, desenho,
escultura, etc.), atualmente usados em diferentes correntes terapêuticas.
2.2 Alguns conceitos fundamentais da psicologia analítica
Jung considerou à psique como um modelo em constante dinamismo movimentado pela
libido ou energia psíquica. Essa energia é neutra e não se trata somente de uma energia
sexual, como Freud propôs. Neste modelo, o inconsciente e o consciente têm uma
relação de compensação baseada no princípio de auto-regulação da psique.
Adicionalmente, no modelo junguiano não existe só o inconsciente onde estão os
conteúdos pessoais do individuo. Jung propôs o conceito de inconsciente coletivo como
uma instância ainda mais profunda da psique, que não corresponde à historia pessoal do
individuo, mas a uma dimensão coletiva do humano. Ele contém toda a herança
espiritual da evolução da humanidade e seus conteúdos aparecem constantemente na
mitologia, no folclore, nos sonhos e expressões artísticas de diversas culturas em
diferentes momentos da história universal.
Esses motivos recorrentes do inconsciente coletivo são os elementos estruturais e
primordiais da psique humana e são chamados de arquétipos. Não se consideram idéias
herdadas, mas sim possibilidades de que essas idéias ou imagens se apresentem. Os
arquétipos são tendências psíquicas da espécie e podem se manifestar através dos
complexos a nível pessoal.
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Os complexos são grupos de idéias ou imagens que têm uma forte carga emocional.
Quando os complexos são incompatíveis com a atitude consciente, são constelados,
gerando reações no comportamento do indivíduo. Jung não considerava que os
complexos fossem por si mesmos negativos, mas seus efeitos geralmente são
problemáticos para o indivíduo. Seu efeito negativo geralmente se apresenta como uma
distorção em alguma das funções psicológicas (sentimento, pensamento, sensação,
intuição).
Enquanto não se tenha consciência dos complexos, estamos expostos a ser dominados
por eles. (Jung, Vol. 8 pár. 5). A identificação do ego com um complexo produz
freqüentemente neuroses e comportamentos dissonantes com a atitude consciente.
Desta maneira, pode-se dizer que os complexos são a personificação dos arquétipos.
Embora existam muitos, o modelo junguiano da psique possui alguns complexos
relacionados diretamente com o desenvolvimento pessoal. Eles são a persona, a sombra,
a anima, o animus e o ego.
2.3 Os complexos pessoais
2.3.1 A Persona
Assim como no teatro os atores usam máscaras para fazer as representações dos
personagens, Jung propõe que todos nós possuímos uma máscara própria que chamou
de persona. Trata-se de todos esses papéis que desempenhamos na vida diária e que
parecem definir quem somos nós, mas não são realmente nossa essência, mas uma
personagem que permite nosso movimento no mundo.
A persona não é uma criação de nossa consciência. Sua formação depende de múltiplos
fatores e começa mesmo desde a infância. As expectativas dos pais, o número de
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irmãos, o lugar na sua família, são todos determinantes, entre muitos outros, dos fatores
que levam a atuar de um ou de outro jeito na vida. (Stein, 1998)
É assim como a persona não tem origem somente na individualidade, mas também na
coletividade. Jung fala de duas fontes da persona:
“De acordo com as condições e os requisitos sociais, o caráter social é
orientado, por uma parte, pelas expectativas e demandas da sociedade, e
por outra, pelos objetivos e aspirações do individuo” (Jung, Vol. VI. Par.
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Tendo em vista o anterior, o meio social da pessoa tem um valor fundamental, não só na
formação, mas também na permanência da persona. Isso quer dizer que sem a referência
social, o papel da persona não sobrevive, porque precisa ser reconhecida pelos outros
para continuar atuando sua personagem.
Quando a persona tem muito reconhecimento e logra ter êxito no seu entorno, é possível
que o ego se identifique com ela. Neste caso, o ego se identifica com os papéis que
desempenha e a persona vira protagonista da identidade. Essa identificação do ego com
a persona pode levar a certa “sensação de segurança” na que o indivíduo sente que tem
tudo sob controle. Mas o risco de permanecer identificado com a persona é alto,
enquanto essa identificação se opõe ao processo natural do ego de buscar sua
individualidade por meio da individuação.
No entanto, terminar essa identificação não é tarefa fácil e precisa da integração dos
conteúdos da sombra para abrir o caminho para a individuação. O reconhecimento
desses elementos que não fazem parte de nossa máscara social pode mudar o jeito em
que o individuo se relaciona consigo mesmo e com o entorno, dando passo ao
surgimento de uma nova identidade.
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2.3.2 A Sombra
O complexo da sombra abarca aqueles aspetos de nós mesmos que se encontram
reprimidos pelo ego, e por tanto permanecem inconscientes e não são reconhecidos
como próprios. Geralmente se trata de desejos reprimidos, fantasias, motivações
moralmente inferiores e todo aquilo pelo qual o indivíduo não se orgulha.
Tendo em vista que esses conteúdos não são reconhecidos como próprios, geralmente
são projetados em outros indivíduos de maneira que não sejam ameaçantes para a
persona. É por isso que a sombra e a persona têm uma relação compensatória, e seu
conflito geralmente é fonte de neurose.
“A sombra é aquela personalidade oculta, reprimida, quase sempre de
inferior valor que estende suas últimas ramificações até o reino dos
pressentimentos animais e abarca, assim, todo o aspecto histórico do
inconsciente”. (Jung, Vol. IX-2 p. 359)
Não entanto, não se trata só de conteúdos negativos ou moralmente reprováveis, mas
também de instintos, habilidades positivas e impulsos criativos que, por alguma razão,
não estão em sintonia com o ego.
A integração dos conteúdos da sombra é um dos principais objetivos da análise e parte
fundamental do processo de individuação, que será tratado depois.
Jung diferenciou a sombra pessoal da sombra coletiva e a sombra arquetípica. Enquanto
a primeira se relaciona com os conteúdos pessoais, a sombra coletiva tem a ver com os
mandatos culturais em termos de moralidade e regulação social. Assim mesmo, a
sombra arquetípica se refere à maldade própria da natureza humana, geralmente
personificada na figura do diabo, e seus conteúdos obedecem às idéias do mal
expressadas desde os primórdios da humanidade.
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2.3.3 A Sizígia – Anima e Animus
A anima e o animus são tanto complexos pessoais como imagens arquetípicas. A anima
é a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na psique de um
homem. Ela é personificada em sonhos através de mulheres que podem jogar um papel
desde sedutor até de guia espiritual (Sharp, 1994). Pode ser a mãe, a deusa, a amada, a
mulher infernal ou a feiticeira.
A anima é a mediadora dos elementos da psique com o self. Segundo Jung se relaciona
com sentimentos e estados de humor vagos, suspeitas proféticas, captação do irracional,
capacidade para o amor pessoal, sensibilidade para a natureza e relação com o
inconsciente.
Por sua vez, o animus é a personificação de todas as tendências psicológicas masculinas
no inconsciente de uma mulher. O animus é o depósito de todas as experiências
ancestrais de homem que tem a mulher. Na sua expressão negativa pode levar à
obstinação, frialdade e inacessibilidade. Se expressa em opiniões fortes que não podem
ser contraditas porque geralmente tem a razão. No entanto, desde seu aspecto positivo,
possui uma grande qualidade criadora, iniciativa, objetividade, sabedoria espiritual e
entendimento.
O animus é geralmente projetado em pessoas espirituais, ou em homens que tem
conseguido sucesso em suas áreas, como esportistas ou artistas destacados.
Anima e animus tem um papel importante no caminho para o self. A anima tenta
unificar e vincular, em quanto o animus quer diferenciar e reconhecer.
2.3.4 O Ego e a identidade
20
O ego é considerado o complexo que surge a partir do arquétipo do Self e está
diretamente relacionado com o senso de identidade. É o centro da consciência e o
organizador das quatro funções psicológicas.
Por ser o centro da consciência o ego “acredita” ser o centro da psique, mas não é assim.
Como se mostrou anteriormente, os complexos são relativamente autônomos do ego,
gerando um conflito com a atitude consciente do indivíduo, o que pode desencadear
uma neurose. Quanto menos consciente seja um complexo, maior será sua autonomia.
O grande perigo do ego é a identificação com os complexos ou sua projeção, o que
levará à conseqüente perda de equilíbrio com respeito aos conteúdos inconscientes.
No entanto, a função do ego é fundamental para o desenvolvimento da psique e o
funcionamento do indivíduo no mundo. Ele é quem permite ao indivíduo ter um senso
de identidade e conhecer seus limites, quem é ele e quem são os outros. Quais são as
características da sua personalidade, suas fortalezas e seus defeitos.
Embora se trate só de um olhar parcial da personalidade, é graças a esse senso de
identidade que o indivíduo consegue se desenvolver psicologicamente e se relacionar
com outros.
Mas esse desenvolvimento do ego faz parte da primeira metade da vida segundo Jung,
tendo em vista que a psique, uma vez diferenciada, procura integrar os elementos ao
redor de um novo centro, na segunda metade da vida. Esse centro integrador é o Self.
2.4 O Self e a individuação
O self é o arquétipo da totalidade e o centro regulador da psique. É o núcleo que abarca
o consciente e o inconsciente. Sua natureza, como a de todo arquétipo, não se pode
conhecer, mas suas manifestações aparecem repetidamente em mitos, contos de fadas,
lendas, sonhos e fantasias. Sua personificação pode tomar diversas formas tais como
21
salvador, herói, rei, profeta e velho sábio. Como símbolo da totalidade pode aparecer
em diversas formas de mandalas circulares ou quadrados e na cruz. Também se
apresenta como pares de opostos ou a dualidade unificada. (Jung, Vol. VI. par 790).
A meta do self é a unidade e manter o sistema psíquico em equilíbrio. É por isso que
gera símbolos compensatórios de integração quando existe o perigo de que o sistema
psíquico se fragmente (Stain, p.144).
No entanto, o ego, como centro da consciência, não aceita facilmente a “intromissão” do
inconsciente nos seus domínios. Desse jeito, a atitude consciente vai-se afastando do
inconsciente, gerando o desequilíbrio próprio da luta do ego por continuar sendo o
centro.
A reação do inconsciente é compensatória, para manter o equilíbrio frente à
unilateralidade da consciência. Com o tempo, e a partir do trabalho com os diferentes
complexos, essas compensações têm uma influência importante no funcionamento
psíquico, desenvolvendo o que Jung chama de processo de individuação.
Como seu nome o indica, a individuação é chegar a ser indivíduo, por meio da
integração dos elementos da psique e de sua unificação. Quando o ego já não se
reconhece mais como o centro da psique, o self assume esse papel. Poder-se-ia dizer
então que a individuação é a realização da potencialidade do self.
Mas não se trata de um estado de iluminação espiritual como alguns acham, mas de um
processo vital que procura a unificação da psique por meio da conciliação dos opostos.
O enfrentamento entre os opostos gera uma tensão carregada de energia que cria um
terceiro elemento onde os opostos podem se unir através da chamada função
transcendente.
Assim, a individuação é um processo que toma a vida toda e que tem sido ilustrado por
múltiplas culturas e tradições como um caminho de trabalho pessoal e espiritual.
22
2.5 O caminho do herói
O escritor, filósofo e historiador Joseph Campbell, a partir dos seus estudos sobre
religiões comparadas, mitologia e simbologia, identificou as etapas do que ele chama o
caminho do herói. Essas etapas, que aparecem repetidamente em múltiplas expressões
culturais da história da humanidade, representam a luta contra o ego em procura do
desenvolvimento espiritual.
As seguintes são as etapas apresentadas por Campbell no seu livro O Herói de Mil
Faces.
A Partida: No começo da viagem, o herói recebe o chamado para a aventura que é
freqüentemente rejeitado no inicio. O herói que aceita o chamado começa seu
caminho, geralmente com a ajuda sobrenatural de uma figura que lhe dá
ferramentas, conselhos e as vezes objetos que o ajudarão na sua viagem, como
armas ou amuletos. O herói então empreende a aventura e cruza o primeiro umbral,
entre seu mundo conhecido e o mundo desconhecido. Esse cruzamento implica o
enfrentamento com o guarda do umbral que deve ser encontrado para continuar a
passagem. O passo ao novo mundo representa renascimento. O ventre da baleia é
um símbolo da prova de transformação necessária para o começo da aventura.
“O herói mitológico, saindo de sua cabana ou castelo cotidianos, é atraído,
levado ou se dirige voluntariamente para o limiar da aventura. Ali,
encontra uma presença sombria que guarda a passagem. O herói pode
derrotar essa força, assim como pode fazer um acordo com ela, e penetrar
com vida no reino das trevas (batalha com o irmão, batalha com o dragão;
oferenda, encantamento); pode, da mesma maneira, ser morto pelo
oponente e descer morto (desmembramento, crucifixão)”. (Campbell, 1949.
p. 223)
23
A Iniciação: Uma vez o herói cruza o umbral, tem que afrontar e sobreviver a uma
série de provas, que permitem a ampliação da sua consciência. Neste ponto
geralmente recebe auxílio de um ajudante sobrenatural ou descobre poderes que o
protegem. Geralmente aparece o casamento com a princesa, o encontro com a deusa,
simbolizando o poder feminino da força vital e o domínio total da vida por parte do
herói. Mas aparece também a mulher como a tentação que deve ser superada para
continuar o caminho. Além disso, é preciso que o herói se reconcilie com a figura de
autoridade do pai e seus aspectos protetores e tiranos, para se compreender a si
mesmo. Finalmente chega o momento da apoteose, onde o ego do herói é
desintegrado dando passo à expansão da consciência. Essa experiência muda seu
olhar do mundo e o leva a descobrir novas habilidades que antes não foram
reveladas. Agora ele está pronto para obter o objeto da sua busca e retornar obtendo
benções para ele e para seu povo.
“Além do limiar, então, o herói inicia uma jornada por um mundo de forças
desconhecidas e, não obstante, estranhamente íntimas, algumas das quais o
ameaçam fortemente (provas), ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda
mágica (auxiliares). Quando chega ao nadir da jornada mitológica, o herói
passa pela suprema provação e obtém sua recompensa. Seu triunfo pode ser
representado pela união sexual com a deusa-mãe (casamento sagrado),
pelo reconhecimento por parte do pai-criador (sintonia com o pai), pela sua
própria divinização (apoteose) ou, mais uma vez — se as forças se tiverem
mantido hostis a ele -—, pelo roubo, por parte do herói, da bênção que ele
foi buscar (rapto da noiva, roubo do fogo); intrinsecamente, trata-se de
uma expansão da consciência e, por conseguinte, do ser (iluminação,
transfiguração, libertação)”.
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O Retorno: Depois de encontrar a iluminação naquele mundo desconhecido, o herói
pode recusar o retorno ao mundo conhecido, que agora se torna mundano demais
para ele. Se o herói decide voltar e recebe a benção das forças mágicas que o
acompanharam, seu regresso se realizará através de algum elixir mágico fechando o
ciclo com as benções e os poderes ganhados dos deuses. Mas se ele não conta com a
aprovação deles, terá que vencer novas provas para conseguir chegar a casa. O herói
cruza de novo o umbral que o levará a seu mundo e perde seu ego, sendo agora
senhor dos dois mundos. Com as experiências vivenciadas e as benções e poderes
recebidos, o herói chega ao final da sua viagem, agora com liberdade para viver.
“O trabalho final é o do retorno. Se as forças abençoaram o herói, ele
agora retorna sob sua proteção (emissário); se não for esse o caso, ele
empreende uma fuga e é perseguido (fuga de transformação, fuga de
obstáculos). No limiar de retorno, as forças transcendentais devem ficar
para trás; o herói reemerge do reino do terror (retorno, ressurreição). A
bênção que ele traz consigo restaura o mundo (elixir)”
A aventura do herói se resume no seguinte diagrama:
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Umbral da aventura
Elixir
Chamado à aventura
Provas
AuxiliaresFuga
RegressoRessurreiçãoResgateLuta no umbral
Cruzamento do umbral Luta com o irmãoLuta com o dragãoDesmembramentoCrucifixãoAbduçãoJornada do mar e a noiteJornada do assombroVentre da baleia
1. Casamento sagrado2. Reconciliação com o pai3. Apoteose4. Roubo do elixir
Figura 1. A viagem do herói
Como se falou anteriormente, a viagem do herói simboliza o caminho de
desenvolvimento e integração da psique no self. A individuação como processo de
diferenciação psicológica visa a conseguir o desenvolvimento da personalidade
individual. Nesse sentido, herói é aquele que consegue assumir a responsabilidade por
seu destino e por sua realidade.
“O objetivo não é dominar à psicologia pessoal, chegar a ser perfeito, mas
se familiarizar com ela. Assim, a individuação implica uma crescente
percepção de nossa realidade psicológica única, incluindo fortalezas e
limitações pessoais, e ao mesmo tempo uma apreciação mais profunda da
humanidade em geral.” (Sharp, 1994. p. 107)
3. Os arquétipos no processo de adaptação do imigrante
3.1 Ulisses o herói migrante
Ulisses é a máxima expressão do viajante que sempre está desejando seu paraíso
perdido: Ítaca. Não é por acaso que a síndrome que descreve a condição clínica dos
imigrantes que não conseguem se adaptar a seu novo entorno, descrito no capítulo 1,
leve seu nome.
A Odisséia ilustra de um jeito único a travessia no caminho do autoconhecimento.
Embora Ulisses não se estabelecesse num lugar só durante sua longa viagem, é possível
fazer um paralelo entre as etapas de adaptação do imigrante e a jornada que ele viveu.
A impossibilidade de voltar e os obstáculos cada vez maiores levam Ulisses a
constantes episódios de desespero e tristeza. Mas, apesar dessas dificuldades, ele nunca
perde a esperança do retorno.
26
No início da sua jornada, Ulisses chega à terra dos lotófagos, onde tudo é esquecido
para quem come lótus. Esse capítulo é especialmente significativo na viagem do
imigrante, tendo em vista que os problemas de memória, atenção e desorientação são
típicos da síndrome, também relacionados com um momento de negação das raízes e da
origem. As vezes é preferível o anestésico esquecimento à confrontação com a
realidade.
Mas Ulisses não cai na armadilha de comer lótus, equivalente a usar drogas para fugir
do sofrimento, comum em alguns casos de imigrantes que, embora nunca antes tivessem
consumido esse tipo de substâncias, começam a fazê-lo sob situações de pressão e de
perda de identidade.
É por essa lucidez que Ulisses sofre a maior parte do tempo e mostra todos aqueles
sintomas próprios da síndrome que leva seu nome. Tristeza, tensão, idéias de morte,
nervosismo, preocupações excessivas e recorrentes, são algumas das manifestações que
aparecem constantemente na Odisséia.
Mas também surge o sentimento de culpa, próprio de certas etapas da adaptação do
estrangeiro, especialmente quando as condições nas que ficaram seus seres queridos no
país de origem não são as melhores. Ulisses sente essa culpa (Vernant, J.P, 2000, p.121)
na ilha de Calipso, onde vive anos de idílico romance com a ninfa:
Hermes, porém, não encontrou dentro ao magnânimo Ulisses; ele estava a chorar,
assentado na praia, onde, já antes, lágrimas, suspiros e aflições lhe tinham consumido
o peito. (A Odisséia, Canto V)
Por outro lado, é interessante observar que um dos fatores associados ao êxito da
adaptação do estrangeiro é a possibilidade de voltar ao seu país. Essa esperança nunca
abandona Ulisses e é personificada na figura de Tirésias, o vidente – cego (dualidade
27
maravilhosamente representada por Borges em nossos dias), que lhe anuncia seu retorno
a Ítaca e seu reencontro com Penélope.
No entanto, para Ulisses essa é uma possibilidade cada vez mais remota e parte do seu
desespero tem a ver com o regresso frustrado que acontece, em seu caso, em duas
situações. Neste ponto, é importante dizer que assim como a possibilidade de voltar é
um fator de êxito na adaptação do estrangeiro, a impossibilidade de fazê-lo é um fator
de risco.
A primeira vez que essa impossibilidade se apresenta na Odisséia, Ulisses, ao deixar a
terra dos lotófagos, consegue olhar as costas de Ítaca, mas uma repentina e forte
tempestade o leva a regiões desconhecidas muito longe de seu lar. A segunda vez
acontece ao abandoar a ilha de Éolo, quem entrega-lhe um odre onde estão guardadas as
fontes dos ventos e as tempestades. Ulisses confiado acha que agora voltará a casa e cai
num profundo sonho, em quanto seus companheiros, curiosos com o presente de Éolo,
abrem o odre, levando o barco se afastar de novo de Ítaca em meio da tempestade.
Estas duas situações provocam no Ulisses a mais profunda frustração.
Eu, que despertara, reflecti se devia morrer nas ondas, saltando da nau, ou suportar
tudo em silêncio e ficar entre os vivos. Resolvi sofrer e ficar. Recobrindo-me, continuei
deitado na minha nau. Entretanto, o sopro funesto do vento levava-nos todos de novo
para a ilha Eólia, enquanto os companheiros se iam lamentando. (A Odisséia, Canto X)
Mas nem tudo é desesperança na jornada de Odisseu assim como na jornada do
imigrante. Em várias ocasiões ele encontra alivio e felicidade, como é o caso do
encontro com Circe e Calipso. Essas etapas da viagem correspondem ao momento em
que descem as defesas do estrangeiro e ele começa a viver no presente e a desfrutar das
novas possibilidades que o contexto lhe oferece. Neste ponto pode-se falar de um
“sentimento de identidade remodelado” (Grinberg e Grinberg,1994).
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E é precisamente essa nova identidade quem vai dificultar o retorno ao país de origem,
como o propõe Campbell na última etapa da viagem do herói.
Essa problemática do retorno é belamente ilustrada por Homero, quando Ulisses recebe
a maldição do Ciclope de voltar como um estrangeiro à sua terra. E é assim como
Ulisses volta finalmente a Ítaca, como um desconhecido e disfarçado de mendigo.
Esse simbolismo de quem tem mudado tanto que já não se encaixa no lugar de origem,
também é uma metáfora sobre o processo de individuação e o crescimento espiritual
vivenciado na viagem. Quer dizer, quem volta ao ponto de início da aventura já não
volta igual. Embora pareça que se retorna ao mesmo lugar, o retorno é feito por uma
pessoa diferente e o ponto de chegada é, como numa espiral, o mesmo ponto, mas agora
localizado num lugar mais elevado.
Dessa maneira, a viagem do herói simboliza o caminho de desenvolvimento e
integração da psique no self, a individuação como processo de diferenciação psicológica
em busca do desenvolvimento da personalidade individual.
Como temos visto, a adaptação do imigrante é um processo de grande complexidade, no
que muitas variáveis influem. Mas a riqueza da viagem é uma enorme oportunidade de
desenvolvimento pessoal. Ulisses representa o exilo mas também o herói que volta a
casa depois de se transformar. Ele nunca esquece sua origem nem sua pátria.
Dito isto, a deusa dissipou o nevoeiro e deixou aparecer a terra; e o paciente e egrégio
Ulisses regozijou-se com a vista da sua pátria, cujo solo fecundo beijou. (A Odisséia,
Canto XIII)
3.2 Os arquétipos associados às etapas da viagem do herói
29
Como se falou no capítulo anterior, a jornada do herói é uma metáfora sobre o
desenvolvimento psicológico e a busca da individuação. As três grandes etapas descritas
por Campbell mostram um caminho associado a vários arquétipos. A presencia desses
arquétipos e a forma na que se encontram constelados vai ter uma influência importante
no desenvolvimento da jornada.
Embora sejam muitos os arquétipos que poderiam se relacionar com a viagem heróica,
centrar-nos-emos em doze deles, cujas características básicas, em seus aspectos
luminosos (criadores e motivadores) e seus aspectos sombrios (problemáticos,
inibidores), se descrevem a seguir (Pearson, C. Seivert, S. Leonard, M. Marr, H.,1990).
3.2.1 A partida
3.2.1.1 O Inocente:
Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade de confiar em si e nos
outros Recusa ao crescimento e
desenvolvimento Fidelidade ao ideal Recusa em aceitar uma verdade que
contraria o que ele acredita ser a verdade
Otimismo inquebrantável Negação dos próprios atos Lealdade à promessa feita, ao grupo e
ao compromisso assumido Recusa em assumir uma parcela de
responsabilidade pelos problemas; dificuldade em assumir imperfeições
Fé nos processos que se iniciam Negação de inadequações Entusiasmo. Vale a pena tentar de
novo Sentimentos velados de culpa
Perseverança Medo de se expor ao ridículo Capacidade de estar no presente, aqui
e agora Projeção dos próprios erros sobre os
outros Espontaneidade autêntica Repressão de verdadeiros sentimentos Vitalidade e jovialidade Excessiva dependência à autoridade
exterior Sinceridade de intenções Necessidade excessiva de aceitação e
reconhecimento
Desde o ponto de vista da viagem do herói, o arquétipo do Inocente está relacionado
com a confiança nos outros e na perfeição do universo. O Inocente afronta as provas de
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um jeito positivo porque sabe que “as coisas serão como têm que ser”. O arquétipo do
Inocente aparece também nas pessoas que têm um olhar otimista sobre seu entorno e
encontram sempre o positivo das situações.
3.1.1.2 O Órfão:
Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade de processar dificuldades
e desafios positivamente Cinismo e ceticismo que impedem o
líder de atrair, influenciar e cativar pessoas
Consciência de interdependência: estamos todos juntos numa experiência comum
Mentalidade de escassez, crença na falta
Capacidade de ver a realidade sem distorções – “com os dois pés no chão”
Atitude critica constante, depreciativa de si mesmo e dos outros
Capacidade de suportar e aceitar as incoerências em si mesmo e na sociedade
Atitude de vítima autojustificada, utilizada para manipular o ambiente e as pessoas
Libertação de qualquer estado de dependência
Incapacidade de olhar para dentro de si mesmo
Solidariedade Atitude isolacionista que gera antipatias
Capacidade de recuperar integridade pessoas diante do fracasso auto-infligido
Traição de princípios de grupo ou de si mesmo
Capacidade de comunicar com clareza suas necessidades
Pessimismo resultante da não-elaboração do sofrimento
Capacidade de desenvolver expectativas realistas
Utilização de válvulas de escape por meio do vício e da dependência.
Condições de recuperar a confiança em si e nos outros
Impotência, perda de esperança e da confiança
Na viagem do herói o Órfão está relacionado com assumir a idade adulta, o que quer
dizer, se fazer cargo de si mesmo. No aspecto luminoso o Órfão afronta a jornada com
independência e consciente de que estará sozinho no caminho, mas sem assumir o papel
de vítima.
3.1.1.3 O Guerreiro:
Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios
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Capacidade de estabelecer metas e cumpri-las
Necessidade obsessiva de vencer sempre mesmo que por meios inescrupulosos
Capacidade de autodisciplinar-se Uso do poder para dominar e subjugar pessoas
Capacidade de lutar por princípios e verdades
Desumanidade, crueldade na conquista de poder
Coragem, destemor diante de desafios e dificuldades
Competitividade exacerbada: toda diferença é uma ameaça
Capacidade de catalisar ação e apoio para causas nobres e justas
Uso de capacidade para ganho pessoal
Capacidade de ir além do interesse pessoal
Comportamento antiético, ego centrado
Capacidade de focar a atenção que realmente importa
Indiferença, frieza em relação ao sentimento naquilo dos outros
Habilidade para definir e criar estratégias
Sentimento de estar sendo constantemente ameaçado pelo “inimigo” (concorrência / colegas)
Habilidade para resolver conflitos e preferência por soluções ganha-ganha
Combatividade desmesurada
Facilidade de tomar decisões rápidas Manipulação da realidade por medo da perda do poder
O Guerreiro é fundamental para empreender o caminho, estabelecer metas e cumpri-las.
Sua fortaleza tem que estar presente na viagem do herói, pois ele terá que se enfrentar a
múltiplas provas sem se render. A coragem e a característica mais importante do
Guerreiro.
3.1.1.4 O Servidor:
Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade de ajudar e servir por
meio de cuidado amoroso e do sacrifício
Capacidade de atrair situações em que está sempre no papel do mártir/sofredor
Atitude generosa e compassiva Comportamento controlado e repressor que gera dependência e incompetência
Capacidade de identificar e desenvolver os talentos/habilidades de pessoas e grupos
Manipulação por meio de fazer os outros se sentirem culpados de seu fracasso
Atitude de ser “educador” em qualquer circunstancia
Dá de si, porém sempre esperando algo em troca
Habilidades em criar ambientes onde as pessoas se sentem seguras e à vontade
Preocupação excessiva em ser o “salvador da pátria’”.
Facilitador de relacionamentos Incapacidade de dizer não por medo
32
cooperativos e do sentido de comunidade
de afetar a auto-imagem de “bonzinho/boazinha”
Disponibilidade para assumir responsabilidade pela geração de bem-estar
Incompetência, ineficiência por assumir mais do que pode realmente cumprir
Atenção às pequenas coisas que fazem a grande diferença
Dificuldade de reconhecer e aceitar os entraves de uma emocionalidade excessiva
Eficiência em fazer cumprir tarefas Sentimento de dever/obrigação de fazer as coisas com prazer
Modéstia, paciência e perseverança Baixa auto-estima – jamais conseguirá o que deseja ou precisa do grupo
Embora o herói esteja sozinho para cumprir sua jornada, terá encontros e desencontros
no seu caminho. A interação com as pessoas poderá ser de grande valor ou, pelo
contrário, poderá atrapalhar a viagem. Enquanto o Servidor, unido com outros
arquétipos como o Amante, estiver constelado desde o lado luminoso, o processo será
muito mais enriquecedor para o herói. O Servidor luminoso não só está sempre pronto a
ajudar, mas também a receber a ajuda dos outros.
3.2.2 A iniciação
3.2.2.1 O Buscador:
Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Receptividade a novas idéias e
experiências que proporcionem uma vivência de espiritualidade
Ambição obsessiva e implacável
Aspiração profunda, desejo de aprender mais sobre si mesmo e sobre a realidade mais abrangente
Orgulho e imprudência
Capacidade de ir além do que é conhecido
Perfeccionismo exagerado e persecutório
Habilidade para reconhecer o momento certo e agir adequadamente
Dificuldade de assumir compromissos ou envolver-se em processos de aprendizagem
Valorização do esforço e das iniciativas individuais que fortalecem o grupo
Busca, investigação, exploração vazia, sem direção clara
Necessidade de expandir a consciência para além das fronteiras do ego – desejo de transformação
Idéias/pessoas são descartáveis quando não satisfazem o ego
Atitudes pioneiras inovadoras motivadas pela necessidade de
Discurso dissociado da ação
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explorar novos horizontes Busca de encontro com a verdadeira
vocação Incapacidade de ser pragmático na
realização Inquietude saudável que questiona
todo tipo de acomodação/conformismo
Conhecimento buscado em fontes exclusivamente externas
Disponibilidade de assumir compromissos e criar vínculos verdadeiros; autenticidade
Incapacidade de refletir sobre as próprias ações e seu impacto no grupo/ambiente
Comparando a viagem do herói com o processo de individuação, é claro que o arquétipo
do Buscador tem um papel fundamental. É ele quem sempre está procurando o
desenvolvimento espiritual e quem encontra em cada experiência uma razão para
crescer. É seu desejo de transformação quem leva à pessoa a empreender novos
caminhos e ir além do evidente para encontrar significado nas diferentes situações da
vida.
3.2.2.2 O Amante:
Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade aplicada de amar ao
próximo como a si mesmo. Auto-aceitação e auto-estima
Ciúme, inveja resultante de insegurança pessoal
Capacidade de combinar prudência, respeito e paixões no trabalho e na vida
Fixações e compulsões atitudinais que levam à manipulação de pessoas
Capacidade de resolver conflitos entre vida familiar e vida profissional
Paixão cega, promiscuidade ou puritanismos excessivos
Compreensão ampla e irrestrita do sentido de complexidade/diversidade. Capacidade de fazer síntese
Sedução como instrumento de manipulação
Ausência do medo em se mostrar como realmente é
Negação do poder pessoal, timidez paralisante
Capacidade de correr riscos movidos por entusiasmo apaixonado e vitalidade
Incoerência entre discurso e ação. Prega-se uma coisa (fundamentalismo) e pratica-se outra
Carisma resultante de atitudes compassivas e amorosas
Assédio sexual e violência estrutural
Capacidade de conviver com paradoxos e polaridades. Equilíbrio entre corpo e espírito
Narcisismo que leva à dominação e à ausência de reverência pela vida
Capacidade de formar vínculos e assumir compromissos autênticos
Confronto e desequilíbrio entre valores masculinos e femininos
Capacidade autêntica de perdoar erros e fracassos interpessoais
Antagonismo, frieza, ausência de afeto nas relações
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Facilitador de clima harmonioso e afetuoso no ambiente onde atua
Objetificação do indivíduo, desvitalização
O herói Amante é aquele que se mostra como ele é e que consegue lidar com as
situações sem agressividade nem violência. O entusiasmo pela viagem é fundamental
para não recuar frente às situações. O arquétipo do Amante está relacionado também
com boas capacidades de interação e relacionamento e boa auto-estima.
3.2.2.3 O Destruidor:
Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade de operar transformações
no si mesmo que causam impacto no ambiente em que atua
Comportamentos destruidores de si mesmos em dos outros no ambiente em que atua
Capacidade de exercer a vontade para dissolver impedimentos e por fim a questões dúbias
Vícios, compulsões, dependência e uso de drogas
Unidirecionalidade, certeza interior de saber aonde quer chegar
Descuido, negligência e indiferença levados ao extremo nas questões pessoais e organizacionais
Habilidade para romper e por fim a estruturas limitantes
Despreocupação com o resultado de ações que afetam o bem-estar das pessoas e do meio ambiente/organização
Prontidão em soltar, desapegar-se e dar a volta por cima
Grosseria, impolidez, abuso de posição de autoridade
Aceitação construtiva de tudo que chega ao fim
Recusa ao reconhecimento da existência da “morte” e dificuldade de aceitar o transcendente
Aceitação do transcendente, do mistério, daquilo que a mente racional não explica
Autodestrutividade
Humildade, resignação; capacidade de lidar com a adversidade e a transitoriedade do sucesso e da fama
Ausência de qualquer preocupação com questões éticas, caráter duvidoso
O arquétipo do Destruidor é necessário para empreender novos caminhos e deixar atrás
o lar. É o Destruidor luminoso quem permite o desapego necessário para cortar os
vínculos e as cargas do passado e entender que todo ciclo chega a seu fim. Não há
transformação sem destruição. Esse arquétipo é também importante nas etapas da
35
partida e o retorno, devido a que nessas etapas o herói deverá deixar atrás seu lar, para
reacomodar-se num novo lugar.
3.2.2.4 O Criador:
Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Responsabilidade pela maximização
do próprio poder pessoal Criar sem senso de responsabilidade
Capacidade de Ter uma visão e de comunicá-la aos outros
Inércia mental e emocional/incapacidade de tomar iniciativas
Criatividade pessoal em sintonia com a criatividade universal
Deixar-se limitar excessivamente por normas e regras impostas e auto-impostas
Capacidade de enxergar o futuro no presente
Rigidez conceitual/racionalismo reducionista que não oferece brechas à intuição
Intuição aplicada e predominante à lógica
Sentimento de impotência auto-justificada por não estar no controle do que acontece no ambiente onde atua
Consciência abrangente do seu papel na criação global
Desorganização generalizada
Capacidade de transformar o sonho em realidade
Falta de imaginação e indiferença à beleza
Consciência clara do valor e do impacto de suas escolhas e decisões no ambiente onde atua
Alienação, tédio e recusa de buscar significados mais profundos ao que lhe acontece
Equilíbrio entre experiência do ego e valores da alma
Trabalhar compulsivamente
Senso de identidade (sabe quem é) e vocação (sabe o que quer verdadeiramente) para ser o verdadeiro artista social
Criar obsessivamente infinitas possibilidades que não se concretizam
Sinceridade e autenticidade. Catalisador de aprendizagem coletiva.
Impedir que sua energia criativa flua e deixar de estimular a energia criativa de outros para manter status quo.
O Criador consegue transformar problemas em soluções e idéias em realidades. Sua
intuição e criatividade estão presentes na resolução de cada obstáculo do caminho. O
criador conhece seu talento e consegue aplicá-lo nas situações mais inesperadas. Os
problemas são vistos pelo criador luminoso como oportunidades a desfrutar,
enfrentando a situações difíceis porque sabe que pode superá-las.
36
3.2.3 O Retorno
3.2.3.1 O Mago:
Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade de transformar a
realidade/condição/situações por meio da transformação da consciência
Tendência a transformar ocorrências positivas em negativas. Negatividade generalizada
Capacidade de curar/reverter condições não saudáveis ao todo de uma pessoa ou organização
Uso do poder para causar o mal das pessoas/situações
Tolerância e afirmação/visualização do que precisa acontecer
Negação de realidades subjetivas e sutis no interior da consciência
Capacidade de influenciar e de ajudar os outros a se transformarem pela irradiação do próprio exemplo vivo
Apego excessivo à materialidade, ao lucro indiscriminado
Percepção da ordem sagrada (interior e exterior) que atrai “coincidências” significativas às experiências
Atitudes hostis e nocivas ao ambiente
Capacidade de compreender o todo de qualquer questão/situação e evento. Visão sistêmica
Tendência a ignorar o fato de que tudo está interligado – uma ação prejudicial localizada tem efeitos globalizantes
Consciência do Propósito Maior, da motivação espiritual de uma pessoa/organização ou nação
Desconfiança/Falta de tato
Capacidade de atuar com os dois hemisférios do cérebro em equilíbrio
Frieza/Desqualificação do sofrimento alheio
Equilíbrio entre consciente e inconsciente imaginação e racionalização que conduzem palpites corretos
Toda forma de ajuda implica uma forma de controle/manipulação
Habilidades com a palavra: não só para nomear e criar identidade mas para comunicar-se com eficácia
Distorção da realidade, reducionismo e manipulação da escolha humana através da publicidade abusiva
Poder-se-ia dizer que o Mago consegue fazer no espiritual, o que o Criador faz no
mundo material. Ele também é um transformador de situações, obtendo proveito pessoal
dos retos e obstáculos. Além disso, o mago consegue enxergar o futuro e planejar o
presente. Sua intuição está presente durante a jornada toda.
3.2.3.2 O Governante:
Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Humildade, empatia, competência Comportamentos dominadores e
rígidos com tirania e abuso de posição
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de autoridade Conhecimento dos desafios
enfrentados por pessoas comuns Ira, arrogância e distanciamento das
pessoas que fracassam Jovialidade interior independente de
idade física Crença no valor do escalonamento
hierárquico como fonte de poder Equilíbrio interior de polaridades,
manifestado na capacidade de expressar eficazmente valores e verdades universais
Desordem e desorganização resultantes da incapacidade de lidar com situações autocriadas
Responsabilidades exercidas com excelência
Incapacidade de identificar as reais necessidades das pessoas/egoísmo
Vida interior e exterior em equilíbrio dinâmico
Incapacidade de confiar nos processos
Habilidade em promover a ordem, a paz e a prosperidade
Perda de autenticidade
Talento especial em lidar e gostar de pessoas, realçando-lhes o melhor
Mentalidade de escassez acreditando que não há o suficiente para todos
Uso sábio e amoroso do poder pessoal Intolerância/”cortar cabeças” quando contrariado
Capacidade de organizar, delegar, influenciar e dirigir com eficácia e excelência
Contrastes entre indolência e auto-indulgência e/ou rigidez espartana e intolerância
Humildade criadora de ver várias faces/aspectos da realidade
Arrogância destrutiva que aprisiona na atitude de ver apenas aquilo que quer ver
As qualidades de liderança do Governante fazem do herói um bom planejador e um bom
executor de planos. As pessoas ao redor lhe seguem naturalmente, pois parece ter um
ímã para atraí-los. O governante luminoso sabe tomar decisões não só pensando no seu
próprio bem-estar, mas num ganho coletivo.
3.2.3.3 O Sábio:
Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Profundo interesse em participar na
dissipação de todo o tipo de ignorância
Postura de quem “sabe tudo” e fica acima de qualquer questionamento. Atitude de Superioridade
Habilidade em aplicar conhecimento e transformá-lo em sabedoria
Ausência de sentimento por isolar-se numa “torre de marfim”
Capacidade extraordinária de compreensão que transcende necessidade de controlar ou modificar o mundo
Causador de “confusões” por excesso de dúvidas ou opções
Dedicação à descoberta da “verdade que liberta”
Inconsciente dos preconceitos que carrega acerca da realidade
Capacidade de fazer diagnósticos Entorpecimento do intelecto e do
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precisos e indicar caminhos adequados
coração
Capacidade de identificar as causas reais, pontos fortes e oportunidades de crescimento de pessoas e organizações
Esforço em excesso para ser perfeito e estar sempre certo
Habilidades extraordinárias em “dissolver confusões”. Calma
Crítica e intolerância: nada lhe parece suficientemente bom
Capacidade de adequar a metodologia à tarefa
Ceticismo devido à incapacidade de saber alguma coisa com segurança
Reflexão imparcial Pensamentos obsessivos na tentativa de entender
Capacidade de lidar com complexidade e aceitação da subjetividade e relatividade da condição humana. Sabedoria
Tentativa de explicar tudo pelo método científico limitando o número de maneiras aceitáveis de perceber a realidade
A capacidade de ver além das situações específicas e imediatas de um jeito objetivo, e
dar um sentido a experiências que parecem isoladas e que não se relacionam entre si,
são características próprias do Sábio desde seu lado luminoso. Esse arquétipo apresenta-
se especialmente na etapa do retorno da viagem, quando o herói tem acabado sua
jornada.
3.2.3.4 O Louco:
Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade de mostrar a verdade sem
ser uma ameaça para ninguém Auto-indulgência, falsidade
Capacidade de mudar o curso das coisas por meio do bom humor ou da alegria contagiante
Preguiça, desinteresse
Ausência total de medo Irresponsabilidade baseada na crença de que nada vale a pena e de que não existe saída
Senso de liberdade e soltura que não ameaça ou intimida
Clandestinidade, marginalização do potencial criativo
Capacidade de fazer tudo com fruição, prazer e vivacidade
Gula e parasitismo: perda do sentido de dignidade e autocontrole
Crença de que “a gente nasceu para ser feliz”
Vida dupla. Dupla personalidade
Visão inclusiva da totalidade – mente abarcante
Ações que levam ao escândalo envolvendo outras pessoas
Capacidade de dissolver barreiras e quebrar o gelo pela irreverência
Corrupção
Capacidade de viver integralmente o Exageros que levam à insanidade e à
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momento presente autodestruição Capacidade de lidar com absurdos do
mundo e suas burocracias mecânicas e amorfas
Estupidez – incapacidade de enxergar o que está fazendo de errado.
Embora sejam muitas as características do arquétipo do Louco que contribuem na
viagem do herói, são a falta de medo e a espontaneidade as mais relevantes. O herói
deve ser Louco tanto para empreender sua jornada como para empreender o retorno. E
deve ser impulsivo para continuar o caminho apesar das dificuldades. O Louco vive
aqui e agora e não se paralisa frente às barreiras do caminho. Toma decisões que nem
sempre são informadas ou racionais, mas que de outro jeito não teriam sido feitas.
3.3 Entrevistas
Para aprofundar sobre o fenômeno da migração e o processo de adaptação dos
imigrantes voluntários, foco do presente trabalho, foram realizadas duas entrevistas
(anexo 1) a estudantes latino-americanos que moram no Rio de Janeiro.
Adicionalmente, foi aplicado o questionário Índice de Mitos Heróicos (anexo 2), como
um complemento à informação obtida nas entrevistas. O IMH visa a identificar o nível
de influência de cada um dos arquétipos relacionados com as etapas da viagem do herói.
A seguir se apresentam os apartes mais significativos das entrevistas realizadas1.
3.3.1 Dados gerais
Manuel é engenheiro mecânico, peruano, está com 27 anos e chegou ao Rio há dois
anos, para fazer um mestrado em engenharia mecânica na PUC. É o caçula de três
irmãos, sendo ele o único homem.
1 Para proteger a identidade dos entrevistados seus nomes têm sido modificados.
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Ângela é engenheira metalúrgica, colombiana, está com 34 anos, e está há um ano e
meio no Rio. Veio para fazer um doutorado na UFRJ. Ela têm um irmão mais novo e
seu pai morreu há alguns anos.
Os dois entrevistados são solteiros e vieram sozinhos ao Rio, sem conhecer ninguém
pessoalmente, mas com alguns contactos realizados por e-mail antes da sua viagem.
Na entrevista, realizada individualmente, foram abordados diferentes aspectos
relacionados com seu processo de adaptação até o momento atual.
Os entrevistados foram selecionados por se tratar de casos muito diferentes na sua
experiência de adaptação no Rio.
È interessante observar especialmente essas diferencias que se relacionam com os
arquétipos constelados em cada um deles.
3.3.2 Resultados das entrevistas
A seguir se apresentam os principais pontos de vista frente aos diferentes conteúdos
tratados na entrevista:
Razões para vir ao Rio
Manuel Ângela
Eu estava me preparando para ir a Puerto Rico ou USA. Um amigo meu, que estava fazendo doutorado aqui me falou sobre a PUC. Eu nem sabia que existia. Me falou sobre as bolsas, que para mim era uma ajuda importante, e acabei por enviar meus papéis para aqui.
Vim com a intenção de ver como era a experiência. Mas não tinha deixado de lado as outras opções, Não sabia se ia acabar o mestrado no Brasil e continuei o
Quando acabei o mestrado na Argentina e voltei à Colômbia tinha todas as expectativas de ficar lá. Mas as condições não me permitiram ficar e apareceu a oportunidade de viajar ao Brasil. Ganhei uma bolsa e decidi vir para fazer o doutorado.Foi muito inesperado, tudo aconteceu muito rápido.
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processo de seleção em USA durante o primeiro ano.No final do primeiro ano decidi ficar e acabar o mestrado na PUC. Fui conhecendo a PUC e quando vi as possibilidades, os laboratórios, os professores, as conexões, decidi ficar.
Situação antes da viagem
Manuel Ângela
Morava longe de meus pais, em outra cidade. Estava fazendo a faculdade.Desde essa época estava com minha namorada atual que mora lá.
Trabalhava na Universidade de Antioquia, mas meu contrato acabou. Morava com minha mãe e dois tios. As vezes meu irmão ficava em casa com a gente.
No aspecto afetivo, não tinha nenhuma relação. Estava sozinha e com dificuldades, sanando alguns processos que ainda estão sanando.
O que foi o mais difícil de deixar
Manuel Ângela
Acho que o difícil foi deixar à minha namorada. Mas na verdade o resto não foi muito difícil. Como não morava com minha família há um tempo, não senti tristeza por deixá-los.
O mais difícil foi deixar minha família, a possibilidade de compartilhar tudo com eles. Queria ficar trabalhando na Colômbia e não consegui fazê-lo, foi um pouco frustrante. Obviamente foi bom pela oportunidade, mas não era o que estava procurando nem planejando fazer, simplesmente chegou à minha vida.
Os primeiros meses no Rio
Manuel Ângela
Quando você chega e passa por as coisas que têm que passar, tudo parece muito difícil. Mas depois de um ou dois anos acho que não foi tão difícil assim.
Cheguei a morar num apartamento com sete desconhecidos. Não é fácil conviver com pessoas com as quais você não tem
Foi muito difícil, especialmente no primeiro mês, porque morava com umas pessoas muito difíceis e diferentes a mim. No entanto essas pessoas me mostraram a cidade e me ajudaram com os trâmites iniciais.
Além disso a barreira do idioma é muito
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nenhuma afinidade. Não conseguia dormir porque meu companheiro de quarto saía de festa e fazia muito barulho ao voltar. O mesmo acontecia com os outros.
Estive morando lá o primeiro semestre. Fui ao Peru de férias e quando voltei fiquei mais dois meses. Procurei muito até encontrar um quarto com banheiro, perto da universidade, num prédio bonito e tranqüilo.
grande. Eu sou uma pessoa que gosta muito de falar e de repente me vi na condição de não conseguir me comunicar. Passei muito tempo isolada, no laboratório da universidade, que era onde passava a maior parte do dia. À noite, quando chegava a casa, o ambiente ficava tenso e foi muito difícil. Depois de um mês fui morar sozinha e fiquei mais tranqüila com meu espaço.Mas no princípio foi muito difícil emocionalmente e chorei muito. Perguntava-me freqüentemente o que estou fazendo aqui?
Também foi muito difícil porque no meu projeto de vida eu queria trabalhar. Ser estudante de novo não era o que eu estava procurando, porque era seguir no mesmo e eu não queria ficar nesse papel. Isso foi muito difícil.
Tempo planejado VS tempo real
Manuel Ângela
Não tinha nada planejado. Ao final do primeiro ano decidi ficar por mais um ano, até acabar o mestrado. Agora que acabei vou voltar para o Peru na próxima semana.
Tinha planejado vir por quatro anos, mas não vou cumprir esse tempo porque vou embora, depois de um ano e quatro meses. Se apresentou uma situação familiar que me obriga a enviar algum aporte econômico e já que tinha tantas dúvidas sobre o que estou fazendo no Rio, decidi ir embora e trabalhar, que era o que realmente queria fazer.
Estou com um sentimento de felicidade e tristeza ao mesmo tempo, porque gerei uns vínculos afetivos importantes. É provável que não volte a ver essas pessoas ou que passe muito tempo para vê-las. Mas estou contente porque finalmente vou fazer o que queria e deixar de ser estudante e ser profissional. Acho que agora estou preparada para enfrentar esse papel.
Não tenho uma sensação de frustração de estar deixando algo que não quero deixar.
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Estou deixando algo que é importante e que também não foi tão ruim assim, mas eu nuca fiquei satisfeita.
É um alívio ir embora sem me sentir fracassada.
O processo de adaptação
Manuel Ângela
Não sabia nada de português quando cheguei. Mas como minhas aulas eram técnicas, com as matemáticas a gente se entende. Por isso, meu desempenho acadêmico não foi afetado pelo idioma.
Mas para conseguir me comunicar sofri pelo menos dois meses.Tomei a aula de português para estrangeiros da PUC e me ajudou muito. Mas durante os dois primeiros meses só me comunicava com peruanos que conheci na PUC.
O mais difícil foi conseguir onde morar. Isso é muito complicado numa cidade como o Rio, porque tudo é velho e feio e a gente está acostumada com outros padrões totalmente diferentes. Por exemplo na Colômbia ninguém aluga um apartamento com umidade ou sujo. Embora seja velho, o dono o conserta e o arruma antes de alugá-lo. Mas aqui é assim e você o toma ou o deixa.Também toma tempo conhecer os bairros e saber mais ou menos onde gostaria de viver e encontrar algo que se acomode ao orçamento de um estudante não é fácil.Isso tudo teve uma incidência emocional em mim, especialmente durante o primeiro mês. Depois consegui um apartamento mobiliado, mas era muito caro e tive que procurar um mais barato e comprar os móveis.
Acho que me adaptar, me sentir cômoda na cidade, com as pessoas, com os ritmos, me tomou 6 meses mais o menos.Porque os primeiros 3 meses foram de total falta de comunicação e aos 6 meses já conseguia sair pela cidade, pegar o ônibus sem me sentir insegura e essas coisas.
O desempenho acadêmico foi sempre bom porque o português era técnico e é muito mais fácil de entender. Eu entendia tudo nas aulas e na rua não entendia nada. Mas aprendi rápido.
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Rede social
Manuel Ângela
Quando cheguei ao Rio estava estressado e não tinha muitas opções para me relaxar. Com as pessoas que conhecia só tinha duas opções, ficar bêbado ou procurar mulheres todas as noites. Não era nada disso o que eu queria. Não conhecia às pessoas adequadas para ir à praia, ao cinema, beber alguma coisa, bater papo, ouvir música. No Peru eu fazia muito essas coisas.Tomou-me mais o menos um ano conhecer amigos. Tenho boas amizades peruanas e de outros países de América Latina. Tenho alguns amigos brasileiros, mas são poucos, a maior parte dos brasileiros que conheço não os considero meus amigos.
Só conhecia umas pessoas por e-mail quando cheguei aqui. Foi na casa dessas pessoas onde morei o primeiro mês. Durante todo o tempo que tenho morado no Rio não fiz amigos brasileiros. Fiz quatro bons amigos colombianos e um amigo chileno e um argentino. Mas os brasileiros que conheço não sinto que sejam meus amigos. Só são pessoas com quem compartilhei algumas coisas, mas não os sinto amigos. Isso pode se relacionar com o idioma. Além disso, tem diferencias culturais importantes que não facilitam se relacionar com eles. Por exemplo, eu nunca consegui ter um papo transcendente com um brasileiro, porque eles estão pensando mais na festa e levar uma vida mais leviana. Isso não quer dizer que não se perguntem certos temas, mas não dá para falar com eles sobre um tema pessoal ou de atualidade mundial. É por isso que não temos muito em comum. O tempo todo tive contacto com minha família pela internet. Falava quase todos os dias com minha mãe. Essa possibilidade é ótima porque você não se sente tão sozinho nem tão longe. A gente continua conectada e isso facilita muito as coisas, em comparação com ler uma carta cada três meses quando já as notícias nem sequer continuam vigentes. Isso faz uma diferença importantíssima.
A saudade
Manuel Ângela
O que mais me fez falta não era nada complicado. Eram as coisas simples. Por exemplo, a comida, meu cachorro.Também minha namorada e as possibilidades de me distrair e relaxar.
Sinto falta das pessoas mais do que qualquer outra coisa. A comida também.
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Saúde
Manuel Ângela
Tenho um problema na coluna e precisei de atendimento médico. Tinha uma hérnia há muito tempo mas nunca tinha me incomodado até que vim para o Brasil.Mas acho que estar aqui me tem ajudado com a coluna. Estou medicado, no Peru tomava mais o menos 10 comprimidos diários. Mas aqui cheguei a tomar um comprimido a cada dois dias. Em parte se devia à tensão que tinha antes de vir e aqui eu administrava meu tempo e meus horários. Mas eu tinha que fazer fisioterapia e não a fiz porque não tinha seguro médico. Aqui o doutor me permitiu voltar a fazer exercício e comecei a nadar e a malhar, mas por isso apareceu a hérnia e tive que deixar o exercício. Decidi esperar para voltar ao Peru e fazer a cirurgia. Mas tive que voltar a me medicar.Tudo isso foi um pouco difícil emocionalmente, mas não demais na verdade.
Tive várias crises de alergias e resfriados. Uma vez estive uma semana de cama. Também ha mudanças no tipo de tempero me caiu mal e eu sofro de cólon irritável.Mas depois me acostumei. Não sei se adoecer era uma resposta a essas mudanças emocionais e das dúvidas que tinha. Quando ficava doente tinha muito tempo para pensar e então me questionava se valia a pena ficar aqui. Mas no fundo sabia que sim valia a pena estar longe, sim valia a pena estar só, sim valia a pena continuar sendo estudante pobre e tudo isso. Quando você fica doente está muito mais vulnerável e emocionalmente fraco.
Momentos de crise
Manuel Ângela
Tenho tido momentos difíceis, mas depois do primeiro ano nunca pensei seriamente em voltar ao meu país sem acabar o mestrado, quando decidi fazê-lo aqui.
Depois de mais ou menos 2 ou 3 meses de ter chegado tive a primeira crise do doutorado e quis voltar. Perguntava-me o que estava fazendo aqui, para que vim, queria ir embora. Não fui embora porque me custa muito abandonar as coisas que começo. E também porque essas são sensações que vivi em outro momento e que muitas vezes correspondem a um estado de ânimo específico e não a um desejo real. O que acontece é que nesse momento você fica mais susceptível por ficar longe das pessoas que quer e do entorno. Se sente uma vontade de ir embora logo. Mas acho que têm muito a perder quando deixa tudo por um impulso.
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Acho que isso é válido e que se a pessoa acha que não quer ficar mais tempo pode ir embora. Mas acho que isso não pode acontecer frente a um impulso, mas frente a algo mais elaborado. Só agora tenho a sensação real de ter que ir embora, pela situação familiar, porque isso não só tem a ver comigo mas também com minha mãe e meu irmão. Eu vou embora porque ha outras prioridades, não só por mim.
Situação econômica
Manuel ÂngelaA bolsa era suficiente alugando um quarto só e obviamente sem nenhum luxo.Não tive dificuldades nesse sentido.
Tive uma bolsa que dava para o básico. Mas pelo menos consegui morar sozinha o tempo todo, nunca recebi dinheiro da Colômbia.
Acho que agente tem que se reconhecer como estudante no exterior, e que não vai morar numa casa como a que tem no seu país, nem vai ter comodidades nem luxos. Como estudante tem que viver com o básico e se você não entende isso não vai conseguir se adaptar e vai se frustrar.
Opinião do Brasil
Manuel Ângela
As pessoas são muito amáveis, mas obviamente tem todo tipo de gente. É claro que a PUC é outro Brasil. Há pessoas com muito dinheiro e que nem falam com você pelo fato de ser estrangeiro. Mas também tem gente muito amigável e sem preconceitos.
Em outros aspectos, gosto muito da música e da comida.
Mas só posso falar do Rio porque não conheço outras cidades.
Gosto da alegria das pessoas. Sempre estão contentes, é difícil vê-los tristes, não importa a situação, sempre riem. É um povo mais feliz, pelo menos aparentemente.
Brasil é um país muito rico em muitos aspectos. Musicalmente conheci muitos ritmos que não sabia que existiam.Gosto também da variedade da comida.
Rio é uma cidade linda, mas também é uma cidade violenta, agressiva. O jeito como as pessoas conduzem seus carros, os ônibus, por exemplo. “Por favor” não existe no vocabulário carioca, quase que nem “obrigado”, não respondem uma saudação. Isso é um
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choque para agente.
Outras coisas como a sujeira, e o comportamento das pessoas. Sinto o Rio sujo e acho isso agressivo e faz que me sinta violentada. Pela formalidade que a gente tem na Colômbia, tem muitas coisas que incomodam como a impontualidade, isso é agressivo para mim.
As aprendizagens
Manuel Ângela
Foi uma experiência muito boa para mim. Aprendi a me relaxar um pouco e não ficar tão preocupado com as coisas.
No Peru alguma coisa sai mal e se forma um grande problema com as pessoas. Mas aqui é muito mais relaxado e isso me tem tranqüilizado muito.
Fiz boas amizades e essas ficam comigo.Voltaria a fazer tudo de novo se tivesse que eleger.
Vou embora muito agradecido com o Rio e com o Brasil pela oportunidade.
Espiritualmente têm acontecido muitas coisas. Tenho tido vários encontros comigo mesma. Fiz terapia e percebi que tenho problemas de relacionamento. Não tinha percebido isso porque sou muito sociável. Aqui descobri muitas barreiras que tenho e comecei a trabalhar nelas.
Além disso, foi muito bom reafirmar que o que eu queria realmente era trabalhar, que era meu desejo desde vários anos atrás.
No emocional e no profissional foi muito importante.
3.3.3 Análise das entrevistas
São muitos os aspectos nos quais os entrevistados se diferenciam frente à sua
experiência no Rio.
É interessante observar que as razões para viajar ao Brasil são muito diferentes nos dois
casos. Manuel estava procurando opções de mestrado em outros países e fazendo os
processos necessários. Ele não tinha planejado vir ao Brasil, mas decidiu tentar e acabou
por ficar.
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Ângela, por outro lado, não tinha planejado continuar estudando e a opção de fazer um
doutorado no Brasil foi inesperada, mas aceita frente à situação de ficar sem trabalho no
seu país.
Antes da viagem Manuel já morava sozinho, enquanto a Ângela morava com sua
família, o que pôde influir no fato de que Manuel se mostrar mais independente
enquanto Ângela menciona que a família foi o mais difícil de deixar.
Por outro lado, frente à experiência dos primeiros meses no Rio, ambos os entrevistados
falam sobre as dificuldades, mas são claras as diferenças sobre a experiência do ponto
de vista emocional.
Manuel acha que sua dificuldade principal foi conseguir um lugar para morar, mas
lembrando a situação acha que emocionalmente não foi tão difícil assim. No entanto
Ângela fala de várias dificuldades (moradia, conflitos interpessoais, idioma, projeto de
vida) acompanhadas de uma situação emocional muito difícil. Ela se mostra muito
dependente de sua família e vínculos pessoais.
Assim mesmo, Manuel nunca teve uma crise na qual pensasse em voltar a seu país e
deixar o mestrado. No caso da Ângela as crises foram várias, razão pela qual não é uma
surpresa que Manuel ficou no Rio até acabar o mestrado, enquanto Ângela deixou o
doutorado um ano e quatro meses depois de iniciá-lo. Embora tenha razões de caráter
familiar, ela mesma acha que não estava satisfeita e que não teria deixado o doutorado
por si mesma, quer dizer, sem uma razão externa que a obrigasse a deixá-lo. Desse jeito
ela sente que não fracassou, segundo o falado na entrevista.
É interessante neste ponto o sentimento de culpa que aparece em Ângela e que não lhe
teria permitido voltar a seu país antes de acabar o doutorado, enquanto não fosse por
razões externas e especialmente de caráter familiar.
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Como se viu no primeiro capítulo, segundo Gonzáles Calvo (2006), a culpa é um
sintoma freqüente em muitos imigrantes. Adicionalmente, a tristeza acompanhada
geralmente pelo choro, são também sintomas muito comuns, que aparecem na Ângela
freqüentemente.
Por outro lado, centrando-nos agora nos diferentes aspectos do processo de adaptação, é
interessante que ambos os entrevistados fizeram amizade principalmente com pessoas
de seu país ou de sua mesma língua e não consideram os brasileiros que conhecem
como seus amigos. Esse fenômeno pode estar relacionado com um mecanismo de
defesa próprio do imigrante, onde a pessoa se aferra a seus padrões culturais, seus
costumes, sua língua, sua comida, sua música, se negando a incorporar os padrões
culturais do novo país.
Frente aos problemas de saúde, os dois entrevistados tiveram dificuldades nesse sentido,
afetando-os emocionalmente. Porém, mais uma vez o olhar sobre essa experiência é
muito mais prático no caso do Manuel e muito mais emocional no caso da Ângela.
É interessante observar que Ângela fala ao longo da entrevista sobre aspectos negativos
do Rio (sujeira, agressividade, violência, falta de educação das pessoas,
impontualidade). Evidentemente sua experiência de adaptação não foi tão boa e são
poucos os aspectos positivos que consegue resgatar do Brasil. Essa atitude pode ter a
ver com a etapa de adaptação correspondente à hostilidade descrita por Trivonovich
(1980), onde a pessoa se sente alheia à nova cultura e julga as diferenças como algo
negativo.
Adicionalmente, o mecanismo de defesa dos comportamentos regressivos de queixa e
raiva frente às múltiplas situações que experimenta o imigrante, pode se relacionar com
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essa atitude, como uma reação de proteção da psique frente às ameaças e o estresse
causado pela interação com o ambiente.
No caso da Ângela, dado o alto nível de ansiedade e do abandono do projeto da viagem,
pode-se falar de um luto migratório complicado (Calvo, 2006), que não chegou a
alcançar as etapas de adaptação de integração e lar (Trivonovich,1980).
No caso do Manuel, o luto migratório foi elaborado de um jeito positivo, o que permitiu
um desenvolvimento bem sucedido do processo de adaptação. Nesse sentido Grinberg e
Grinberg (1994) mencionam que se a personalidade do imigrante tem sido sã, as
motivações da migração racionais, as condições nas que tem-se realizado adequadas e o
novo meio razoavelmente acolhedor, o imigrante será capaz de aprender o novo da
experiência e valorizar os aspectos positivos do novo país, o que fará possível um
enriquecimento psicológico e um ajuste real ao meio.
Sobre as aprendizagens, ambos coincidem em que foi uma experiência muito
enriquecedora como pessoas e falam de aspectos de si mesmos que descobriram graças
ao tempo que passaram no Brasil.
3.3.4 Os arquétipos presentes no processo de adaptação
Os seguintes são os resultados do questionário IMH, aplicado no final da entrevista. É
importante esclarecer que essa informação só é utilizada no presente estudo como um
complemento à informação obtida nas entrevistas e não como uma descrição exaustiva
do momento psicológico dos entrevistados.
Tendo em vista o anterior, é interessante observar os valores maiores e menores, como
Embora sejam muitos os arquétipos que estão em jogo, a partir da informação obtida é
possível enxergar a influência de alguns deles relacionados com o processo de
adaptação.
Manuel apresenta traços característicos do arquétipo do Órfão, que tem a ver com a
sensação de empreender os caminhos com uma independência sadia, e se fazer cargo de
si mesmo como adulto. Nesse sentido, em Manuel o Órfão aparece desde o luminoso, na
sua capacidade de afrontar os desafios positivamente e na independência para
empreender o caminho sozinho.
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Por outra parte, o arquétipo do Buscador aparece em Manuel, como uma pessoa
interessada no crescimento espiritual e em se enriquecer de cada situação afrontada.
Esse arquétipo é fundamental para uma boa adaptação na situação do imigrante, pois o
desejo de transformação é uma das razões mais importantes para empreender a viagem.
Por outro lado, as qualidades de liderança são fundamentais para planejar e executar as
idéias. Manuel conseguiu realizar seu projeto migratório realizando o mestrado. Sem
essa liderança própria do governante luminoso, o herói fica perdido em meio da
travessia, sem saber para onde ir, e muitas vezes abandonando a jornada.
Manuel se comprometeu com seu projeto de mestrado até o final e as dificuldades foram
confrontadas com otimismo. Deixou com tranqüilidade sua vida no Peru e empreendeu
uma nova jornada sem as dificuldades do apego neurótico. O Sábio aparece em Manuel,
especialmente na avaliação de sua viagem ao Brasil, tranqüilo e dando valor à sua
experiência e aos aprendizados no Rio. Agora que sua viagem acabou, se sente
agradecido pela oportunidade e vai embora com a satisfação do objetivo cumprido.
No caso da Ângela, o processo de adaptação e o desenvolvimento da viagem foram
diferentes.
Ela decidiu abandonar o doutorado e voltar ao seu país muito antes do planejado
inicialmente. Embora essa opção possa ser totalmente válida, ao longo da entrevista
Ângela mostra sentimentos negativos frente a sua experiência e seu balanço não é
otimista. Nesse caso o Inocente pode se apresentar desde seu aspecto sombrio, por meio
da projeção dos problemas pessoais no entorno, e os sentimentos velados de culpa, que
se encontram tráz a decisão de deixar o doutorado “para ajudar à família”. Ela mesma
considera que essa é uma forma de deixar tudo sem se sentir fracassada.
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Por outro lado, essa atitude também está relacionada com o aspecto sombrio do
Servidor, onde a pessoa auto-justifica suas decisões como um sacrifício por outros que
precisam de sua ajuda, enquanto atrai situações em que assume o papel de mártir o
vítima.
Nas dificuldades de relacionamento e nos conflitos interpessoais que acompanharam a
Ângela durante sua viagem, aparece o Amante desde seu aspecto sombrio, não sendo
possível o contato genuíno e desprevenido com as pessoas e o entorno.
Não entanto, é claro que também estão presentes aspectos luminosos, que permitiram a
Ângela, obter um crescimento e um aprendizado pessoal no tempo que permaneceu no
Brasil.
A necessidade de se enfrentar à experiência de morar sozinha e de se virar numa cidade
desconhecida e de ter que aprender outra língua para se comunicar, provavelmente
ajudaram a constelar o Órfão luminoso, para começar a desenvolver a independência
necessária.
Por outro lado, como vimos antes, o Buscador é um arquétipo fundamental na jornada
do herói. É ele quem ajuda a encontrar sentido nas novas situações e a procurar o
crescimento espiritual nas experiências vividas. A Ângela começou a fazer terapia
durante sua experiência no Rio e teve um processo pessoal que ela mesma classifica
como muito enriquecedor. O desejo de aprender sobre si- mesma e sobre a realidade, a
busca pelo sentido e o desejo de transformação, acompanharam a Ângela durante sua
jornada.
É interessante observar que Ângela tem muito presente o arquétipo do Destruidor, sem o
qual, não tivesse conseguido deixar o doutorado para voltar a seu país. Tanto na partida
como no retorno, o Destruidor ajudou a promover a viagem de ida e de regresso.
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Finalmente, o Governante luminoso se faz presente na Ângela, possivelmente desde sua
claridade de querer trabalhar e não continuar sua vida de estudante. Para ela, essa é uma
claridade que tinha há muito tempo, e que não deveu deixar pela oportunidade de
estudar de novo. A lucidez de saber o caminho, embora às vezes se tomem desvios, é
fundamental na viagem do herói.
4. Conclusões
O processo de adaptação de imigrantes voluntários tem múltiplas variáveis a considerar.
Todo imigrante passa por um luto migratório de cujo desenvolvimento vai depender, em
grande medida, uma adaptação positiva no novo ambiente.
As etapas desse processo podem variar de pessoa a pessoa e se apresentar de jeitos
diferentes em cada caso. Isso acontece porque existem múltiplos fatores associados no
processo de adaptação, entre os que se encontram fatores internos e externos antes e
depois da viagem.
O estresse produzido pela situação do imigrante pode até chegar a gerar problemas
clínicos como acontece no caso da síndrome de Ulisses. O individuo em situação de
imigrante desenvolve mecanismos de defesa que ajudam a sua psique a lidar com a
ameaça do entorno desconhecido.
Alguns dos fatores associados a uma adaptação exitosa são a possibilidade de voltar ao
país de origem, a idade do imigrante, a estabilidade do projeto migratório e a
possibilidade de manter contacto com a rede social do país de origem.
Por tudo o anterior, a experiência do imigrante pode ser uma vivência altamente
enriquecedora do ponto de vista pessoal. A viagem do imigrante pode ser fundamental
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no caminho empreendido no processo de individuação. Nesse sentido, pode se comparar
a viagem do imigrante com a viagem do herói.
Nessa jornada, são muitos os arquétipos que têm um papel importante, mas alguns deles
tem maior relação com as diferentes etapas da viagem do herói.
O presente estudo permitiu observar que, nos casos observados, o lado luminoso dos
arquétipos do Órfão, Buscador, Governante, Sábio, Destruidor e Governante, foram
fundamentais no processo de adaptação dos imigrantes entrevistados.
O aspecto sombrio do Inocente, o Servidor e o Amante, também apareceram
obstaculizando o processo.
Embora o estudo realizado não permita de jeito nenhum tirar generalizações dos
resultados obtidos, por se tratar de um estudo principalmente qualitativo e com uma
mostra reduzida, é interessante observar que é possível encontrar relações entre o
processo de adaptação dos imigrantes voluntários e os arquétipos constelados.
Tendo em vista o grande número de imigrantes numa cidade como Rio de Janeiro, a
maneira de sugestão, a presente monografia poderia ser uma base para futuros estudos
sobre o desenvolvimento da adaptação e sua relação com o processo de individuação.
A jornada do herói se constitui numa metáfora sobre o desenvolvimento espiritual da
jornada empreendida pelo imigrante. Aprofundar nessa relação, desde a perspectiva
junguiana, poderia dar luzes sobre programas de apoio aos imigrantes em situação de
risco psicológico.
A jornada é longa e difícil, mas tarde o cedo Ulisses retornará a Ítaca.
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5. Bibliografia
ACHOTEGUI, Joseba (2002). La depresión en los inmigrantes: una perspectiva transcultural. En: Mayo ediciones.
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6. Anexos
6.1 Formato da entrevista
Dados gerais
1. Idade2. Sexo3. Tempo no Rio4. Escolaridade5. Estado Civil6. Profissão7. Nacionalidade
Perguntas entrevista
1. Quais as razões para vir ao Rio?
2. Como era a vida antes da viagem?
Características do grupo familiar Situação afetiva Saúde
3. O que foi o mais difícil de deixar?
4. Como foram os primeiros meses (desde o emocional)?
5. Por quanto tempo tinha planejado vir? Se cumpriu esse tempo?
8. Mantém o contato com sua família e amigos? De que maneira isso influí na vida aqui?
9. Em algum momento pensou em voltar? Por que?
10. De que sente mais falta de seu país?
11. Quanto tempo lhe tomou se adaptar?
12. O que acha do Brasil? do Rio?
- Comida
- Cultura
- Geografia
- Pessoas
13. De onde são seus amigos?
14. Qual a aprendizagem que tem deixado a experiência até agora?
6.2 IMH – Indice de Mitos Heróicos
El “índice de mitos heroicos” (IMH) ha sido diseñado para ayudar a las personas a que se comprendan mejor a sí mismas y a los demás, a identificarse con los diferentes arquetipos activos de su vida. Cada persona recibe un valor numérico que indica su nivel de identificación con los arquetipos descritos. Los doce arquetipos son valiosos y cada uno tiene una importante contribución que hacer en nuestras vidas. Ninguno es mejor o peor, por consiguiente, no hay respuestas correctas e incorrectas.
Instrucciones Puntuar cada una de las 72 oraciones que componen el índice, según el grado en el cual describan su propia personalidad, tomando como referencia la siguiente puntuación:
1= Casi nunca me describe 2= Rara vez me describe 3= A veces me describe
59
4= En general me describe 5= Casi siempre me describe
Es importante hacerlo tan rápido como sea posible, la primera reacción es frecuentemente el mejor indicador. Se ruega no omitir ninguno de los puntos, pues ello invalidaría los resultados. Si no se está seguro, marcar el valor que más se acerque y proseguir.
Cuestionario
1) Recojo información sin emitir juicios.
2) Me desoriento con tantos cambios en mi vida.
3) Mi proceso de autocuración me permite sanar a otros.
4) He decepcionado a los demás.
5) Me siento seguro/a.
6) Dejo el miedo de lado y hago lo que debe hacerse.
7) Antepongo las necesidades de los demás a las mías.
8) Intento ser auténtico/a donde me encuentre.
9) Cuando la vida se vuelve monótona, me gusta hacer cambios radicales.
10) Me satisface cuidar de los demás.
11) Los demás me encuentran divertido/a.
12) Me siento atractivo/a.
13) Creo que las personas en realidad no quieren herirse unas a otras.
14) De niño/a me descuidaron o engañaron.
15) Me siento más feliz cuando doy que cuando recibo.
16) Estoy de acuerdo con la frase: “Es mejor haber amado y perdido que no haber amado nunca”.
17) Vivo la vida plenamente.
18) Mantengo un sentido de perspectiva intentando tener una visión de largo plazo.
19) Me encuentro en pleno proceso de crear mi propia vida.
60
20) Creo que existen muchas maneras positivas de examinar la misma cosa.
21) Ya no soy la persona que creí ser.
22) La vida es una angustia tras otra.
23) Lo espiritual me ayuda a explicar mi realidad.
24) Me resulta más fácil hacer cosas por los demás que por mí mismo/a.
25) Me siento pleno en las relaciones.
26) Las personas me buscan para orientarse.
27) Temo a los que tienen autoridad.
28) No me tomo las reglas muy en serio.
29) Me gusta ayudar a las personas a vincularse con otras.
30) Me siento abandonado/a.
31) Tengo momentos de grandes logros, en los que siento que los he conseguido sin esfuerzo.
32) Tengo cualidades de líder.
33) Estoy buscando maneras de mejorarme a mí mismo.
34) Puedo confiar en otros para cuidar de mí.
35) Prefiero estar al mando de las situaciones.
36) Intento buscar verdades detrás de las apariencias.
37) Mi vida exterior cambia cuando cambian mis pensamientos.
38) Desarrollo recursos, humanos o naturales.
39) Estoy dispuesto/a a correr riesgos personales para defender mis creencias.
40) No estoy cómodo/a si dejo pasar una injusticia sin desafiarla.
41) Me esfuerzo por encontrar objetividad.
61
42) Mi presencia es a menudo un catalizador para el cambio.
43) Me divierto haciendo reír a la gente.
44) Utilizo la disciplina para alcanzar las metas.
45) Siento cariño por las personas en general.
46) Soy hábil para asignar tareas según las habilidades de cada persona.
47) Me resulta esencial mantener mi independencia.
48) Creo que todo y todos en el mundo están interrelacionados.
49) El mundo es un lugar seguro.
50) Personas en las que he confiado me han abandonado.
51) Me siento intranquilo/a.
52) Me desprendo de las cosas que ya no me sirven.
53) Me gusta animar a las personas demasiado serias.
54) Un poco de confusión es bueno para el alma.
55) Haberme sacrificado por otros me ha hecho ser una mejor persona.
56) Soy tranquilo/a.
57) Acostumbro enfrentarme con personas ofensivas.
58) Me gusta transformar situaciones.
59) La disciplina es la clave del éxito en todos los aspectos de la vida.
60) No me cuesta inspirarme.
61) No estoy a la altura de las expectativas que tenía para mí mismo.
62) Presiento que en algún sitio me espera un mundo mejor.
63) Doy por sentado que las personas que conozco son dignas de confianza.
64) Estoy intentando hacer realidad mis sueños.
65) Sé que mis necesidades serán resueltas.
62
66) Tengo ganas de romper algo.
67) Intento manejar situaciones teniendo en cuenta el bien general.
68) Me cuesta decir que no.
69) Tengo muchas buenas ideas, pero poco tiempo para realizarlas.
70) Estoy buscando mejorar mi vida.
71) Personas importantes en mi vida me han decepcionado.
72) Buscar algo es tan importante para mí como encontrarlo.