UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS O Gosto Público que sustenta o Teatro Subsídios para o estudo da vulgarização do pensamento teatral oitocentista em Portugal Volume 1 José Guilherme Mora Filipe (Guilherme Filipe) Orientadora: Profª Doutora Maria Helena Serôdio Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo de Estudos Artísticos, na especialidade de Estudos de Teatro Júri: Presidente: Doutora Maria Cristina de Castro Maia de Sousa Pimentel, Professora Catedrática e Membro do Conselho Científico, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Vogais: - Doutora Maria Eugénia Miranda Afonso Vasques, Professora Coordenadora da Escola Superior de Teatro e Cinema, do Instituto Politécnico de Lisboa; - Doutora Ana Isabel Pereira Teixeira de Vasconcelos, Professora Auxiliar do Departamento de Humanidades da Universidade Aberta; - Doutora Maria Helena Zaira Dinis de Ayala Serôdio Pereira, Professora Catedrática Aposentada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; - Doutora Maria João Monteiro Brilhante, Professora Associada com Agregação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; - Doutora Maria João Oliveira Carvalho de Almeida, Professora Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 2017
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O Gosto Público que sustenta o Teatro · 2018-09-13 · 1.2. Teatro para diletantes dramáticos (1821 1823) 221 1.3. Teatro de grande público (1839 1854) 256 2. A ilustração geral
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
O Gosto Público que sustenta o Teatro
Subsídios para o estudo da vulgarização do pensamento teatral
oitocentista em Portugal
Volume 1
José Guilherme Mora Filipe (Guilherme Filipe)
Orientadora: Profª Doutora Maria Helena Serôdio
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo
de Estudos Artí sticos, na especialidade de Estudos de Teatro
Júri:
P residente: Doutora Maria Cristina de Cast ro Maia de Sousa P imentel,
P rofessora Catedrática e Membro do Conselho Cientí fico, da Faculdade de
Let ras da Universidade de Lisboa.
Vogais:
- Doutora Maria Eugénia Miranda Afonso Vasques, P rofessora Coordenadora
da Escola Superior de Teat ro e Cinema, do Inst ituto Politécnico de Lisboa;
- Doutora Ana Isabel Perei ra Teixei ra de Vasconcelos, P rofessora Auxil iar do
Departamento de Humanidades da Universidade Aberta;
- Doutora Maria Helena Zai ra Dinis de Ayala Serôdio Perei ra, P rofessora
Catedrática Aposentada da Faculdade de Let ras da Universidade de Lisboa;
- Doutora Maria João Montei ro Brilhante, P rofessora Associada com
Agregação da Faculdade de Let ras da Universidade de Lisboa;
- Doutora Maria João Olivei ra Carvalho de Almeida, P rofessora A uxil iar da
Faculdade de Let ras da Universidade de Lisboa .
2017
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Declaração
Eu, José Guilherme Mora Filipe, a luno nº 33303, autor da tese de
Doutoramento, submetida à Faculdade de Letras da Univer sidade de
Lisboa, intitu lada O Gosto Público que sustenta o Teatro: Subsídios para
o estudo da vulgarização do pensamento teatral o itocentista em Portugal
e orientada pela Professora Doutora Maria Helena Serôdio, declaro ser o
autor deste trabalho original, que não foi antes submetido a outra
institu ição para efeitos de ob tenção de grau. Declaro ainda que toda s as
fontes de informação usadas nesta t ese fora m devidamente referidas.
Lisboa, 26 de novembro de 2016
i
Agradecimentos
À minha orientadora, Professora Doutora Maria Helena Serôdio, pela
disponibilidade, dedicação e motivação com que sempre me orientou,
quer como li cenciando, nos idos de 1976, quer no posterior reencontro,
desde 2004, como mestrando e doutorando.
Aos Professores Doutores Maria João Brilhante, Maria João Almeida e
Fernando Guerreiro, por t erem acreditado nas minhas capa cida des e dado
oportunidade de leccionar História do Teatro em Portugal e Análi se do
Texto Dramático, que em muito contribuiu para a consistência desta tese,
e na abertura de possibilidades de escrita a lém -fronteiras.
Aos Professores Doutores Maria Alexandre Lou sada, António Ventura ,
Ernesto Castro Leal e Ernesto Rodrigues, pelos ensinamentos, amizade e
sábias orientações.
Aos doutores José Carlos Alvarez, Paulo Ribeiro Bapti sta e Sofia Patrão,
pela amizade e apoio de investigação, no Museu Nacio nal de Teatro.
Aos doutores Cri stina Faria , Ana Catarina Pereira e Ricardo Cabaça,
pelo apoio de invest igação, na Biblioteca -Arquivo do Teatro Nacional D.
Maria II .
À doutora Luísa Marques, pela amizade e grande apoio de investigação
no Arquivo Histórico da Biblioteca da Escola Superior de Teatro e
Cinema.
Aos meu s colegas do Centro de Estudos de Teatro, F ilipe F igueiredo,
Paula Magalhães, Cláudia Oliveira , pela a mizade e disponibi lidade em
partilhar saberes.
Aos meus amigos António José Morgado, Paulo Lages e David Casimiro,
pela amizade e abnegada di sponibilidade em servir em de cobaias na
leitura desta t ese e no levantamento de questões pertinentes.
À minha família – Ana Cristina , Maria Ana, Zé Franci sco, Hugo Jorge – ,
pelo afecto com que me sustêm em momentos de dúvida s exi stenciais .
A todos quantos de alguma forma me serviram de fonte de inspiração e
refl exão.
E, sobre tudo, à memória sempre viva de meu Pai e minha Mãe, pela
grande dádiva de me ter em feito ver o mundo de forma inteligente e
positiva.
ii
iii
Resumo
Idealizou Almeida Garrett , que o gosto público formaria hábitos e, com
eles, a necessidade de t eatro, como meio de civ ilização. O plano cultural,
que equacionou, englobou a formação competente de dramaturgos e de
actores, e a ilustração crítica do público. Essa preocupação educativa
serviu de fundamento interrogativo a esta t ese sobre o pensa mento t eatral
oitocentista na construção de um “mercado factício”. De que forma se
relacionaram os di ferentes sectores da criação dra mático -teatral? Com o
advento da bu rguesia , o teatro, seu género de eleição, constitu iu -se como
um veículo demopédico ideal de ilu stração e entr etenimento. Em torno
do t eatro público, cujo negócio se ampli ou ao longo de Oitocentos, a
esfera semiprivada dos teatros parti culares criou relaçõe s interativas, que
dinamizaram a qualidade da produção dramática, da realização do
espectáculo, com o objectivo de desenvolver o espírito críti co da receção
estéti ca e a ilustração popular. Tal como a imprensa, o teatro funcionou
como veículo divulgador de ideias políti cas, sociai s e estética s, na
recriação de quotidianos e na ilustração de comportamentos adequados
que pretenderam formar tanto a consciência individual, como a coletiva.
Arte Dramática e Arte Teatral evoluíram a par, no apuramento dos
modelos lit erário, estético e crítico. Enquanto o público era conduzido
na leitura da cena como u m manual de civilidade, os produtores de
conteúdos dramáticos -teatrais foram apurando o seu sentido crítico, no
palco e na redação de obras de divulgação t écnico -artísti ca , destinada s a
melhorar o entendimento estético do público que acorria aos teatros
públicos e parti culares, e dos atores amadores, n o florescente campo do
associativi smo, de a cademias, clubes, e sociedades dramática s.
Palavras-chave:
História do Teatro – Espetáculo – Palcos públicos e particulares – Arte e
técnica – Folhetos e manuais – Lisboa – Século XIX.
iv
Abstract
Almeida Garrett idealised that general good ta ste would structure
consumption habits , which would make -up the need of theatre as a means
of civili zation. The cultural plan he outlined compri sed both the accurate
tra ining of playwright s and actor s, a s wel l as the tu toring of audiences.
This enlightening concern served as the inquisitive foundation of thi s
thesi s on the nineteenth-century theatrical yearning for a "facti tious
market". In what way did the di ffer ent sector s of drama and theatri cal
creation and propagation interact with one another? Wi th the advent of
the bourgeoi sie, theatre became it s favourite genre, and constitu ted a
supreme medium for democratic education and jubilant enterta inment.
Outside the theatre industry, whose bu siness expanded throu ghout the
19t h
century, the private theatre sphere created in teractive r elationship
which str eamlined the quality of dra matic production and of
per formance. This process a imed the development of critici sm on poeti cs
and aesthetic expertise by playwrights a nd actor s, as well as the
audience awareness of performance. Like the press, theatre served as a
propagation vehicle for politi cal, social and a estheti c ideas, by
recreating identi fiable characters and situations, and by i llustrating
appropriate behaviours to form both individual and collective
consciousness. Drama studies and Theatrical Art evolved together with
the establishment of li t erary, aesthetic and critical models. Since
audiences were l ed to under stand the content of plays as manuals of
civility and citizenship, both playwright s and producer s developed
critical sense in the technique of dra ma writing and staging to enlighten
the audiences. Alongside came the need to publi sh pocket book s that
delivered general under standing of theatre a estheti cs to those who
attended public and private theatres, and for a mateur actors in the
flourishing associative field of academies, clubs and drama groups .
Keywords:
History of Theatre – Per formance studies – Public and private stages –
Art and techné – Booklets and manuals – Lisbon – 19t h
1.2. Teat ro para diletantes d ramáticos (1821 – 1823) 221
1.3. Teat ro de grande público (1839 – 1854) 256
2. A ilust ração geral e proveitosa das grandes massas 296
2.1. Uma época que i rradiou da scena 296
2.2. P ropagação de ideias fecundas de uti lidade 300
2.3. A necessidade de uma escola de teat ro 303
2.4. Arte de declamação ou arte cénica: ensinar a representar com
natural idade 306
3. Inte ligência e sentimento: o culto da Verdade e a realização do Bem -
comum 314
3.1. Ciência ao a lcance de todos: Biblioteca do Povo e das Escolas 317
3.2. A d ivulgação teat ral na Biblioteca do Povo e das Escolas 319
4. Das palavras aos a tos: a Arte Teat ral afi rma o naturali smo -real i smo na
cena 322
Índice remissivo 342
viii
ix
Introdução
1. Contexto
O nosso interesse pelo teatro popular não é uma questão acidental.
Não nos referimos à vertente do drama popular, da realidade pré-l iterária
de transmissão oral, na s suas tradicionai s modalidades r eligiosas ou
etnográficas, mas ao teatro fomentado pelo espírito da industri a lização e
pelo cr escimento das c idades no século XIX. A construção de grandes
teatros destinados ao entretenimento das grandes massa s explorou
comercialmente as potencialidades mecânicas do espetáculo cénico,
manipulou o sensacionalismo emocional das plateias e criou a figura do
ator “alforriado”, ofi ciante la ico do ritual teatral, de um púlpito feito
palco. Para a elite li terata , fomentar o gosto das classes labor iosa s pelo
teatro funcionaria como um meio de evolução individual e coletiva , na
medida em que “o nível mental dos povos é sempre garantia ou negação
do seu progredimento moral e ma teria l” (Vidal 1881 apud Ribeiro 2011:
7). Destronando o gosto trágico do Ancien Régime , procurou despertar a
consciência social adormecida , pelo melodrama, “a simple a nd sincere
drama of action and feeling” (Sha w 1932: I , 93), um género capaz de
exprimir uma lógica democrática , que tanto servia as aspi rações do
filósofo como do operário, que viria também a deleitar-se com a ilusão
cómica de um mundo per feito de vaudeville .
2. Motivação e objetivo
A partir da investigação que levámos a cabo a propósito da ú ltima
companhia de província em Portugal1, ficá mos despertos para a
exi stência de outras realidades artí stica s da atividade t eatral, para a lém
da tradicional a tividade profissional, mas dela sendo subsidiárias. Esse
estudo teve o condão de nos revelar mod os de interliga ção entre o
univer so do teatro profi ssional e o amador, ao longo de Oitocentos, não
só ao nível de Li sboa, Porto ou Coimbra, ma s das pequenas cidades
provinciai s do Continente e da s Ilha s , a lcançando as colónia s africana s e 1 F ILIP E , José Gui lherme Mora (2007), Percursos it inerantes : A companhia d e Rafael
d e Ol iveira , Ar ti stas associados. Dissertação de mes t rado em Es tudos de Teat ro .
Li sboa: Faculdade de Let ras/ Univers idade de Lisboa (FLUL).
x
asiáticas, e o mercado brasil eiro. Abordar o fenómeno teatral,
sublinhando apena s o papel da obra dramática, ou o da função
espeta cular, seria tomar uma parte pelo todo. A tradicional h istória do
teatro cimentou -se na análise da obra dramática, canonizou um corpus
l i terário e constru iu sucessivas teorias logocêntricas, mesmo quando
pretendeu romper com a lógica aristotéli ca e conduzir à re leitura da
tradição e à assunção de formas t eatrais suportadas por outras
linguagens, verbais ou não verbais .
Sendo o t exto dramático popular , por natureza , fl exível , ele
dist ende-se ao sabor da s necessidades do espetá culo que serve, segundo
uma fórmula tão tradicionalmente antiga quanto a apologia da Arte nova
de fazer comédias , de Lope de Vega. O texto cénico surge naturalmente
híbrido, plural, ta l como a vida quotidiana em todos os tempos,
entendível por toda s as cla sses de espectadores, não se eximindo a uma
mais ou menos clara pedagogia social. Por outro lado, a composição
dramática monotemática, veiculando a demonstração de u ma ideia ,
fomenta uma ideologia , torna -se didática , quod erat demonstrandum ,
forma e serve uma elit e. Ao longo da hi stória do espetáculo, a exi stência
de di ferentes classes de público, que partilham uma vivência dramática
comum em espa ços de teatro popular, torna difí cil , para não dizer
impossível, uma releçã o unívoca entr e a produção dramática e o público
destinatário. Não obstante, evidencia o carácter totali zante do fenómeno
e objetiva a necessidade de conhecer o objeto teatral dent ro de um
contexto mais abrangente. Por tudo isto, O Gosto Público que sustenta o
Teatro pretende constitu ir -se como um estudo da vulgarização do
pensamento teatral oitocenti sta , a través dos múltiplos fazedores que
materia lizam o fenómeno teatral e promovem a sua evolução crítica .
Ainda que dividida em três partes autónoma s, pretende qu e o leitor
interligue pessoas, espaços e repertórios, numa vi são panorâmica de uma
sociedade, para quem o teatro serviu como cultura de massa - agente de
ideologia e de formação de bom gosto - e como indústria cultural .
xi
3. Metodologia de desenvolvimento do trabalho
O fenómeno teatral assume-se como uma forma panorâmica de um
poli ssi st ema cultural, composto por um património vasto, materia l e
imateria l, feito não só de grandes obras, de grandes momentos, de
grandes atos públicos, mas também de obras menores, de factos
secundários, que estimulam um olhar dialético, capa z de despertar outras
formas de sentir . Enquanto fenómeno semiótico, ou seja , enquanto
modelo de comunicação humana regido por signos, a a tivida de t eatral
ganhará em ser entendida como um si st ema dinâ mico de r elações, em v ez
de uma recolha positivi sta de elementos organizados como dados, num
si stema estru tural está tico. Ainda que cada elemento do fenómeno teatral
possua uma função própria dentro da rede de relações sincrónica s, na
realidade, será o continuum temporal, o fa tor diacrónico, que explicará
as mudanças e as variantes que forem detetada s.
Ao analisar a obra dramática, a teoria da literatura privilegia a
“correlação entr e estru turas estilí stico -formais e estru turas semântica s e
temáticas” (Silva 2010: 340). Ao anali sar a obra cénica, uma teoria
crítica do espetáculo terá de per spetivá -la numa interpretaçã o própria ,
dialética , entr e a produção de u m objeto dramático, a realiza ção de um
objeto artí stico e a r eceção de um objeto estéti co, e o todo, enquanto
modo de comunicação da sociedade coeva. Estas a tividades in telectuais,
que podemos r econhecer como organi smos independentes dotados de
vida, estabelecem u ma relação harmónica entr e si , durante e para a lém da
efemeridade do momento t eatral, inter fere m na vida social. Para ju lgar
este fenómeno, preci samos entender os elementos caracterí sticos da vida
social no momento em que ocorre, e como se articulam as diferentes
dimensões estru turais da sociedade: economia, política , cultura e
ideologia . Compreender o fenómeno teatral é compreender de que forma
o processo comunicacional articulou di ferentes dimensões sociais, e qual
o papel que desempenhou na estru turação entre elas.
Na segunda metade de Oitocentos, em L’Histo ire par le théâtre ,
Théodore Muret conclu ía que o texto dra mático refl etia e traduzia
histórias das “ manifestações do espírito público”, e , para a lém dele, os
xii
“aplausos, apupos, récitas tr iunfais ou calamitosas” constitu íam o
“manancial de r evelações, de sinais curiosos, que permaneceriam
desconhecidos” (1865: I ; tradução nossa ), se não lhes fosse da da voz em
espaços menos formais de divulgação. A per spetiva de Muret admite a
exi stência de uma sociedade do espetáculo, cujos elementos se
encontra riam presentes na s característi cas da vida social e n as prática s
culturais e de socia bilidade. O espetáculo não se centra ria
exclusiva mente no que se produz em palco, mas na relação social que
estabelece entre pessoas, mediada por imagens, sons e movimentos, que
se prolongam para além da própria sala de espe táculo.
O espectador, enquanto partic ipante a tivo da produção do sentido
do espetáculo, apropria -se, por esta via , da intencionalidade do drama ,
a través da oralidade de uma segunda leitura , criando uma interpreta ção
harmónica dos di ferentes elementos narr ativos que a cena lhe
proporciona . A reali zação do espetá culo cénico r evela assim duas
unidades de medida do fenómeno teatral: a unidade de interesse, ou de
plurissonância do palco, e a unidade de monotonia , ou de unissonância
do auditório. Qualquer dramaturgo, ou qualquer a tor, que exercesse a sua
atividade profi ssionalmente, r econheceria a exi stência de uma
proporcionalidade dir eta nesta corr elação, e do seu bom desempenho
dependeria o sucesso individual de cada um deles. A fruição do
espetá culo balizava -se, por um lado, pela apetência ( intelectual ,
sensorial, etc.) do público e, por outro, pelo seu desejo de sociabilidade
festiva, conjugados pelo prazer estimulante da novidade que em palco se
representava .
A teatralidade social quotidiana de Oitocentos revia-se tanto na
teatralidade cénica, como na decoração de interior das áreas sociais do
edi fí cio do t eatro, que a mpliavam a função da sua doméstica sala de
visita s. Para que uma hi stória do teatro fosse “real e vigorosa, sem se
levar por abstrações fi losó fi cas ou estéti cas” (Gautier 1858: I , i ;
tradução nossa ), segundo os editores da Histoire de l’art dramatique en
France , seria necessário que ela fosse redigida o mais possível sobre o
xiii
acontecimento , assumindo o narrador o papel de t estemunha desse mundo
oú l’on s’amuse, ou oú l’on s’ennui2:
L’histoi re du théât re chez un peuple mobile e t passionné […], qui veut
de la variété , ou, tout au moins, le semblant de la varié té dans ses
plaisi rs intel lectuels, […] c’est, à proprement parler, l’histoi re des
goûts e t des engouements l ittérai res de la fo ule. […] Notre théâtre a
donc ses modes, capricieuses e t fugi tives comme toutes les modes; e t où
faut -il chercher l’histoi re sinon dans ses chroniques hebdomadai res qui
sont une des spéciali tés du journal i sme […]? (Gautier 1858 : I, i -i i)
A interligação do s processos comunicacionai s, sociai s e hi stóricos ,
permite definir uma moldura mental, a través da qual qualquer época
exprime e organiza a sua experiência (James 1980: 4). O século XIX
exprimiu-se através do melodra ma, uma modalidade cénico -dramática
que colocou em relevo a dialética de duas “absolute forces in conflict
towards a resolution” ( ib id .: ib id .):
The “good” heroine against the “bad” villain, […] the c lass conflic t of
Worker against Capita li st of Marx and Engels, or Darwin’ s natural
selection of species (James 1980: 4 -5).
O estudo do teatro popular convoca a capacidade de entendimento
da atividade teatral de profi ssionais e amadores, observados pelo ângulo
da atividade espetacular, uma realidade tão ou mais complexa , do que a
análise da obra dramática:
Popular d rama can be a t once clichéd and professionally expert,
escapist and re lat ing to deep levels of audience experience, ephemeral
yet able to capture our attention with moments of complete conviction
(Bradby/James/Sharrat t 1980: 2 ).
4. Organização do trabalho
A nossa investigação pretendeu constitu ir -se como tomada de
consciência sobre elementos que caracteri z em a exi stência de u m espírito
2 Tí tu lo de duas comédias de Edouard Pai ll eron (1834 – 1899). A primei ra, de 1868,
em u m ato , sati r i za a l eviandade do d emi -mond e . A peça representa o seu primei ro
sucesso públ ico . A segunda, de 1881, em t rês atos , sati r i za de forma mordaz o
mundo pedante e hipócri t a dos salões l it erários , que promo via m as reputações
l it erárias e pol ít i cas. Pai ll eron pertence à p lêiade de autores que cul tivara m as
múl t ip las facetas da comédia, ent re a sáti ra e o moral i smo, abordando temas
domést icos e sociai s , em a mbientes d iversos e cujas personagens apresentam t raços
ps icológicos de mat iz l igei ro.
xiv
teatral popular no Portugal de Oitocentos, a través da pesquisa de
situações parti culares que conduzi ssem ao entendimento do conceito
garrettiano sobre o “mercado factí cio” do teatro: “ Creado o gosto
público , o gosto públ ico sustenta o teatro” (Garrett 1904: I , 627). Estaria
Garrett aplicando os princípios cartesianos sobre ideias feita s ou
inventadas pelo ser humano, para constru ir uma estru tura ao nível dos
factos, uma facti cidade, matizada pel o ju ízo estéti co de Kant , em Kritik
der Urteilskta ft (1790, Crítica do Poder do Juízo )? A ilustração do
público de t eatro conferir -lhe-ia o poder de ju lgar, de elaborar o
ju lgamento estéti co, especulativo e prático. A universalidade deste
ju lgamento presumia que os fr equentadores de teatro parti lhassem a
mesma avaliação mora l livre que estabelece a avaliação estéti ca . Parece
vislumbrar-se em Garrett u m pensamento próximo do professado pelo
filósofo alemão Heidegger , um século mais tarde, definindo a facticidade
do mercado como um modo de ser do próprio homem, na compreensão
emotiva dos factos, ou coi sas u tilizávei s, segundo as situações em que se
encontra , conduzindo à criação de uma identidade e de um sistema de
valores, sobre a qual constrói a decisão pessoal que define a sua
exi stência (Sá 2012 : passim) . A enuncia ção desta norma geral, que
reconhece no fenómeno teatral um processo de produção e de consumo de
um bem materia l e cultural, conduziu à identi ficação de alguns dos
modos práticos e teóricos que nortearam a produção de espetá culos para
a lém do âmbito dos teatros públicos – a inda que se interl igando – ,
a través da análise de obra s de ilustração geral sobre a missão constru tiva
da arte dra mática e teatral . A indagação do particular serviu de guia na
escrita dos capítu los que constituem esta tese, procurando criar uma
leitura crítica entre os tr ês momentos do fenómeno teatral .
A Parte I , incidindo sobre pessoa s, espaços e repertórios, volt a -se
para a compreensão do papel da burguesia na constitu ição de um
mercado teatral, desde as goradas tentativas dos Árcades, na criação de
um Teatro Novo , a té ao movimento r egenerador, que as implement ou
segundo as novas luzes do liberalismo. A constatação da exi stência de
um grupo alargado de teatros particulares, superando largamente o
xv
número de t eatros públicos, e que repli cavam os espetáculos
profissionais , para entretenimento de “ família e amigos”, conduziu ao
estudo da publicação de obras dramática s, coligidas por editores
inter essados em fornecer entr etenimento lit erário à generalidade dos
leitores, e também às sociedades dramáticas a madoras, que se
constitu íram à luz de um espírito associativo. Estando as obras literárias
intima mente ligada s ao tempo e aos autores que as produzir a m, sendo
“reflexo e imagem” do seu tempo, podemos perguntar de que modo foram
elas “ instru mentos intervenientes no devir da hi stória e fautores desta”
(Belchior 1980: 102).
A Parte II procura entender a ideia que subjaz ao modelo de
Garrett , na missão constru tiva da Arte Dramática. Procuramos ler a sua
obra dramática na per spetiva do destinatário e da sua pretens ão de
formador de dramaturgos, a tores e público. Mais do qu e ser um
dramaturgo profi ssional, a tividade que Garrett delegou em outros, como
Mendes L eal, ele constitu iu -se como ideólogo da arte dramática, com
maior refl exo na atividade dos grupos a madores do seu tempo, a quem o
seu l egado serviu como modelo. O r econhecimento do papel da educação
e forma ção do grande público fomentou o desenvolvimento da Escola do
Conservatório, que t eve r eflexo evidente na consciencial ização da
atividade t eatral e dos seus agentes, e que fomentou o aparecimento de
obras de vulgarização teatral, como “ciência” ao alcance do povo,
a través de opúsculos na Biblioteca do Pov o e das Escolas, de David
Corazzi. A arte teatral, entendida como “segurança da tradição”, “refúgio
das consciências”, “caudal de todos os progressos, morais, económicos e
a té políti cos” (Ortigão 2006: 108), adopta o naturalismo-realismo da
cena para difundir no povo o gosto “para distinguir o bom do mau, o belo
do vulgar” (Lima 1872: 1).
A Parte I II recenseia quatro teorizadores da atividade tea tral ,
a través da s obra s que editaram no último quartel de Oitocentos. Manuel
de Macedo, Augusto de Mello, Lu ís da Costa Pereira e Augusto Garraio
apresenta m vi sões particulares do fenómeno teatral, enquanto
cenógra fos, a tores, encenadores, professores e formadores de atores e
xvi
públicos. Sinteticamente analisados por Eugénia Va sques, como
contributo especí fico Para a História da Encenação em Portugal (2010),
pareceu-nos igualmente interessante a sua leitura como contr ibuto para
formação do grande público, que a todos norteia , valorizando o trabalho
individual de cada um e criando assim uma perspet iva analíti ca da Arte
de Palco. Além di sso, pareceu -nos importante desvendar as bibliogra fias
por eles consultadas, fontes essenciais do seu pensamento cr ítico, que
constituem uma espécie de palimpsesto da cultura teatral coeva . A sua
atitude pedagógica vulgarizou a importância do conhecimento da história
do teatro, da dramaturgia , da consciência cient ífi ca na formação do ator,
e do aspeto social na construção do papel. As suas preocupações
surgiram idênticas às que Constantin Stani slavski demonstrará mais tarde
sobre a vida no teatro , e que constitu irá um “método” de trabalho, que
sustentará a produção de diver sas abordagens sobre a técnica do ator,
tanto em palco, como no audiovi sual.
Este estudo é fru to da atividade ligada à docência e à pesquisa ,
enquanto professor de História do Teatro em Portugal, de Dramaturgia e
de Interpreta ção, bem como da vontade de contribuir para o estudo de
uma indústria teatral que floresceu no Portugal oitocenti st a , e cujo
pendor polí tico, facilmente detectado nas suas obra s dra mática s, r efletiu
o desejo de formação de u ma opinião pública ilustrada. A primeira
Regeneração, do Setembri smo, pretendeu formar o Cidadão ideal,
publicitado pela figura do grande herói hi stórico . O pensamento
grandioso com que é apresentado surge como uma luz iluminadora que, à
passagem pelo prisma ótico da expressão cénica, se expande na
pluralidade do espectro cromático das impressões do público. Numa
per spetiva newtoniana, o t eatro surge como um pri sma, ao mesmo tempo,
disper sivo, refl etivo e polarizador. A evolução da sociedade e a
complexa afirmação da burguesia fazem surgir no t eatro r etra tos de
outros protagonista s e de dilemas sociais , envolvendo as cla sses
laboriosas e as profi ssões liberais . A burguesia fini ssecular, favorecida
pela expansão económica da política regenerativa de 1850, tornou -se
dinâmica, e com objetivos mais consentâneos com a mudança dos
xvii
tempos. A evolução do fenómeno teatral , perante os novos fatores da
cultura urbana , refl ete a s palavras de Almeida Garrett : “a sociedade já
não é o que foi, não pode tornar a ser o que era” (1904: II , 271) . Esta
desceu à rua e apresentou -se no t eatro, no concerto, no ca fé, no clube, na
associação políti ca , cultural, recreativa ou profi ssional, sendo
publicitada pelo palco , pelo livro, pelos jornai s, pelas r evi stas.
Identi fi car, col igir e r elacionar estas múltiplas fases de produção e
reprodução cultural representa uma tarefa agreste, ma s a petecível, para
um investigador que pretenda inquirir sobre o pensamento humano
através da Arte. Seguindo a provocação lançada por Natália Correia , fa ce
ao “horror do popular pelo grande embasbacamento […] perante uma
cultura que não sendo vivi fi cada pela experiência , redunda em erudição”
(Sousa 2004: 28), procurar na filosofia das artes per formativas e das
artes plá stica s a contribuição para a compreensão do desenvolvimento da
mente humana:
We need to bring past effort s in the art s and the humanit ies into the mix
and a lso use the current cont ribut ions of art i st s and phi losophers to
understand this most compl icated process that i s the human mind […] to
help develop the mind’s architecture so that i t can create c itizens
(António Damásio em ent revista a Kathleen M ILES, 2014).
1
Parte I – Pessoas, espaços e repertórios
Todos nós vamos ao teat ro para assist i r a
um mi lagre: ao milagre da t ransposição
de toda a obra de arte. […] E os poetas
fa lam pela nossa boca, que é a dos
actores, uma linguagem que nos serve, e a
esses sent imentos, melhor do que a nossa
própria voz.
António Pedro, Antígona (1954), Prólogo.
Quando as pessoas começaram a fazer,
música e reci tai s de poesia – por
exemplo, nas arenas da Grécia -, estavam,
de facto, a questionar acerca da mente
humana, e de forma mui to incisiva. Eram
curiosos e levados à aventura da sua
curiosidade. […] A filosofia , o teat ro e a
música propocionaram-nos boa parte das
primeiras incursões a sério na mente
humana, um meio para nos
compreendermos a nós próprios e ao
out ro.
António Damásio, Uma fábrica para a
c idadania , 2015
2
1. No teatro não só escuto o que se diz, mas vejo o que se faz
Alterando a s formas tradicionais de sociabilidade, o espírito
iluminista criou novos espaços, para a sua divulgação, e fez emergir uma
noção de espaço público enquanto categoria política hi storicamente
organizada3. A mudança de sensibilidades alterou as r elações sociais e a
vida políti ca nas sociedades europeias ; uma nova “economia emocional”
demarcou a exi stência de uma esfera privada e outra pública . Aquela
resguardou os sentimentos e as emoções, e esta os mostrou sob formas
socia lmente aceites. Autónoma em relação ao espaço da corte, a
aristocracia a largou os seus círculos de convívio , onde a cultura letrada
ganhou espaço de pensa mento próprio. A politiza ção da cri ada esfera
literária gerou uma esfera pública política e a transformação cultural da
sociedade, fru to da associação natural de indivíduos que produzem
julgamentos, e debatem temas de interesse geral pelo uso da razão. Os
novos modos de escrita , de cir culação das notícias – gazeta s e cartas – e
a emergência e consolidação de “forma s de sociabilidade literária e
mundana” – academia s, salões e cafés – serviram como estru tura
propagadora do moderno espaço público (Lousada 2011: 424).
O centro da esfera pública deslocou -se da figura do rei, enquanto
Estado, para o “domínio privado da família e dos indivíduos” , baseado
no “princípio da igualdade no uso da razão […] e na partilha e circulação
da informação fora dos cír culos tradicionais (colégios e univer sidades no
caso dos sábios, eruditos e filósofos, e corte e os meios diplomáticos no
caso da políti ca)” ( id., ibid.: 425). As “modernas ciência s empíricas, a
autonomização das artes e as teorias da moral e do dir eito” geraram
“esfera s cu l turais de valores que possibilitaram processos de
aprendizagem, segundo as l eis internas dos problemas t eóricos, estéti cos
ou prático -morais, respectivamente” (Habermas 1990: 13). A meritocracia
intelectual li terata de uma “sociedade marcada por padrões de referência
3 Ainda que sem ut il i zar a designação de opinião pública, em Beantwor tung d er
Frage: Was i s t Aufklärung? (1783) e out ras obras , Kant enuncia esse concei to ,
enquanto uso públ ico da razão. Cf . L IMA , F ranci sco Jozivan Guedes de (2011), “A
concepção Kant iana de Opinião Públ ica: sua relação com a guerra e a c orrupção do
poder públ ico”, Kines is 3 (6); HA BER MA S , Jürgen (1981), His tor ia y cr i ti ca d e la
opinión públ ica. La t ransformación cultural de la vida públ ica .
3
formal e hierárquica” criou novos valores que reforçaram o poder das
elites ari stocráticas, na medida em que a “vanguarda burguesa das
classes médias instru ídas apre ndeu a arte do raciocínio público […] com
o mundo elegante” da autonomizada aristocracia (Haberma s 1986: 67 -
68).
Os estrangeirados foram preponderantes na di fusão do espírito da s
Luzes em Portugal. Francisco Xavier de Oliveira , o Cavaleiro de
Oliveira , que se tornara num burguês europeu em Londres, valorizava , no
Amusement périodique (1751), a importância de “uma burguesia rica
[relativamente] a uma nobreza indigente” , enquanto Ribeiro Sanches
defendia uma monarquia moderna ou burguesa, assente no trabalho e na
indústria , numa igualdade política e civil , em que o comércio tr aria a
justiça , a ordem e a liberdade , num progressi smo que ultrapassava o
espírito pombalino. Não obstante o comentário pouco abonatório de
alguns visitantes estrangeiros, o Portugal fine -setecentista viveu um
“cosmopolit ismo culto” (Lousada 2011: 428). De forma livresca, a elit e
mundana l etrada sofreu a influência da cultura das Luzes, pela leitura de
obras inglesas e francesas, que tanto escapavam ao controlo
alfandegário, como provinha m do contrabando de livreiros, para depois
serem discutidas em anima da s assembleias, em diver sas c idades de
província , para a lém de Lisboa, Porto ou Coimbra4. Não só se l eram e
discutiram textos de Voltair e , Diderot e Rousseau , como se
representaram tragédia s censuradas. O espírito de academia , que então se
vivia , contribuiu para a criação de um público capaz de interpretar,
avaliar e expressar o seu ju ízo crítico, a inda que a polí tica de P ombal
procurasse cercear uma opinião pública ampla e esclarecida.
O aparecimento do movimento árcade, com o objetivo de restaurar
as letras portuguesas, evidencia o advento de uma classe média letrada
para quem a arte li terária se r eveste de uma função de entr etenimento
intelectual, ou de ocupação de momentos de ócio. Apesar de contarem
com o apoio de elementos da aristocracia , as academia s árcades são
4 Cf. ARA Ú J O , Ana Cris tina (2003), A cul tura das Luzes em Portugal . Temas e
problemas . Lisboa: Livros Horizonte ( ci t . Lousada 2011: 248 )
4
fundada s por elementos da burguesia . A Arcádia Lusitana teve origem
em tr ês “ juristas em busca de integração no funciona lismo público”
(Anastácio 2007: 2). A Cruz e Silva , Gomes de Carvalho e Esteves
Negrão, juntaram-se Reis Quita , Manuel de Figueir edo e Correia
Garção5, em cuja casa da Fonte Santa decorriam as a ssembleias
6. O grupo
da Ribeira das Naus reunia-se em ca sa do padre Francisco Manuel do
Nascimento, e no escritório do advogado J erónimo Estoquete, da Casa da
Suplicação (Lousada 2011: 437-38).
Os Árcades possuíam a profunda consciência t eórica , de que o poder
da razão e da vontade permitia “plani ficar as produções do espírito”
(Saraiva 1982b: VII) . O preâmbulo aos Estatu tos da Arcádia Lusitana
expõe a necessidade de um trabalho coletivo, estru turado, na pluralidade
de opiniões sapientes, reunidas em academia, numa clara exposição da
“ideia fundamental da moderna organização do trabalho cientí fico” ( id .,
ib id . : IX) , segundo um espírito cartesian o:
Communiquer fidèlement au public tout le peu que j 'aurais t rouvé, e t de
convier les bons esprit s à tâcher de passer plus out re , en cont ribuant,
chacun selon son inclination et son pouvoi r, aux expériences qu'i l
faudrait fai re, et communiquant aussi au p ubl ic toutes les choses qu'i l s
apprendraient, afin que les derniers commençant où les précédents
auraient achevé, e t ainsi , joignant les vies e t les t ravaux de plusieurs,
nous a l lassions tous ensemble beaucoup plus loin que chacun en
particulier ne saurait fai re (Descartes 1637: 63).
A Arcádia Lusitana fundou-se para “adiantamento das Belas Letras,
e não para fazer ostenta ção de ta lentos, para divertir o público ou para
dar que fazer aos prelos” (Garção 1982: II, 217). Assumiu um papel
5 Correia Garção , Manuel de Figuei redo e F rancisco José F rei re (Cândido Lus i tano)
pertenceram à Acade mia dos Ocul tos (1745), que t erminou em 17 55, após o
Terra moto , quando os seus me mbros se di spersaram (Saraiva 1982a: XV II- XV II I ; Anas tácio 2007 : 6). 6 A Fonte Santa, nos arrabaldes de Lisboa, aparece frequentemente mencionada na
obra poética de Garção. O “Long room da Fonte Santa” (soneto LI) “tornou -se um
curioso cent ro social”, após o Terra moto , quando “a ausência de espectáculos
públ icos e a t ransferência de mui tas famí l i as para os arredores da cidade foram a
origem do furor das reuniões casei ras e das pequenas festas com chá, torradas ,
reci t ais , bail aricos e ‘modinhas’ bras il ei ras” (Saraiva 1982a:x). Do cí rculo de
ami gos , constava o arqui teto húngaro Carlos Mardel , os oficiai s aus t r í acos
Weinhol tz, encarregados de organizar o Exército , sob a d i reção do Conde de Lippe , e
o coronel inglês Forbes MacBean, intendente de arti lhari a, ent re out ros es t rangei ros ,
a quem Garç ão dedicou algumas composições poét icas.
5
nacional e público , l ivre de sujeições ao poder oficia l ; o espírito de
crítica foi o instrumento essencial da reforma (Saraiva 1982b: XXV ) . Se a
poesia apresentava uma utilidade social, como “ forma particular de
exprimir proposições lógicas” (Saraiva 1982b: XXXIV ) , o género
dramático, gra ças ao seu papel pedagógico, possuí a a força de
impressionar direta mente o público, incutindo sentimentos e ideias. Por
essa razão, os Árcades definiram que a restauração de um teatro
português era um objetivo de cariz nacional . A ideia prolongou -se pelo
Romanti smo, influenciando o espírito de Garrett7.
De muito lhes serviu L’Art poétique (1674) de Boileau8, o apodado
législa teur du Parnasse , e a Poética o reglas de la poesia en general
(1737) , de Ignácio de Luzán, mais do que a adaptação ao gosto português
do George Dandin , de Molière, por Alexandre de Gusmão , que o fez
representar por amadores de Li sboa, em 17379. A exagera da moda
ita lianizante foi sendo progressivamente substitu ída pelo espírito
francês, mais consentâneo com o ideal neoclássico. A “tradução em
vulgar” de Le bourgeois gentilhomme , pelo capitão Manuel de Sousa10
,
em 1769, passou a ser objeto de atenção dos imitadores portu gueses. A
sociedade culta percebeu a importância do impacto social do teatro, que,
acima de qualquer outro divertimento, apresentava um poder de
comunicação capaz de emocionar a té o público anal fabeto. A reforma do
teatro apresent ou-se como um investimento importante de uma burguesia
em ascensão, quer como ocupa ção do tempo de ócio, quer como forma de
negócio , ou ainda como forma de “negócio” polít ico .
7 Cf. Parte II – A missão const ru tiva da Arte Dra mát ica.
8 Te ve t radução portuguesa por D. F rancisco Xavier de Meneses , 4 º conde da
Ericei ra, em 1697. Foi publ icada no Almanak d as Musas , o ferecido ao Genio
Por tuguez , apenas em 1793. Cf . MO NT EIRO , Ofél i a Paiva (1965), No alvorecer do
“Iluminismo” em Portugal . D. Franci sco Xavier d e Meneses , 4 º cond e da Er iceira .
Coimbra: Coimbra. 9 Cf. MA RT IN S , António Coimbra (1969), “A propósi to de uma t radução de George
Dandin , at ribuída a Alexandre de Gusmão”, Arquivos d o Centro Cultural Por tuguês
(Paris ) , vol . 1 , 1969, pp . 216 -235; R EBE LLO , Luiz F ranci sco (1973), “Sobre Molière
em Portugal” , Colóquio/ Letras, nº 16 (nove mbro 1973). Li sboa: Fundação Calous te
Gulbenkian , pp . 22 -29. 10
Ta mbé m autor da t radução de Tartuf fo, ou o Hypocri ta (1868) , dada à es tampa e m
Lisboa, na Oficina de José da S ilva Nazaré .
6
A afiançada burguesia virtuosa , que tanto apontara o dedo ao vício
sumptuário da aristocracia , como ao trabalho por necessidade do povo,
acabou por questionar , em finai s de Setecentos, o ideal de frugalidade e
de zelo, e criou doutrinas que valoriza ram os prazeres. Ó cio e negócio
tornaram-se doi s modos de consumo do tempo livre. Bailes, jogos e
saraus dançantes, formas de passatempo aristocrático, fora m igualmente
adotados pela burguesia . O trabalho, enquanto fonte de r endimento,
fundamentou a éti ca da burguesia: o negócio validou o ócio como forma
de r estaurar as energias despendidas quotidianamente. A nova classe
emergente rev ia-se no retrato que lhe traça va o romance de ambiente
plebeu . A fi cção condensava uma análise de caracteres e de ambientes,
ta l como nas artes plá stica s o faziam William Hogarth, em Inglaterra , ou
Jean-Bapti st e Chardin, em França. O teatro não podia deixar de
acompanhar a observação r ealista de tipos e ambientes, expondo
conflitos domésticos, com tendência s sentimentali stas, como defendia
Diderot , em França, ou Lessing , na Alemanha. A arte dramática prov ou
ser, tanto um excelente meio de ocupação do t empo livre, como uma
forma culta , na esfera privada do s teatros de salas, e na esfera dos
teatros públicos.
Abonando o serviço público da arte dramática, o projeto árcade não
podia deixar de valor izar uma sustentação t eórica na criação de um
repertório. Todavia , teoria e prática teatral constitu íram um binómio de
difí cil harmonização, na medida em que o público se habituara à exibição
dos géneros tradicionais, apelando ao “deslumbramento do ver e ouvir ” .
A magia verbal e vi sual do teatro barroco, “verdadeiro caleidoscópio de
imagens”, sobrepunha -se à essência textual (Barata 1991: 241), tanto na
erudita ópera ita liana , com na produção popular de entremezes, farsas e
mogigangas, de gosto fácil . Ora o modelo ari stotélico -horaciano,
preconizado pela Arcádia , defendia a clareza expositiva e est ilísti ca do
aspeto literário, o respeito pela verosimilhança, o tra tamento do caracter
psicológico da per sonagem como um todo consequente, assim como o
encadeamento ló gico da fábula , sem recurso a efeitos teatrais e
mecânicos para a resolução dos desfechos dramáticos.
7
A verosimilhança constitu ía -se como força motriz de um drama que
se pretendia de atualidade. Apresentava-se como um elo entre a
per spetiva da receção estéti ca do espectador e a da produção l iterária do
dramaturgo, incentivado a inventar uma fábula e motivações capazes de
produzir em um efeito e uma ilusão de realidade. O verosímil interliga a
“teatralidade da ilusão teatral e a realidade da coi sa imitada pel o teatro”
(Pavis 2003: 428-29), na vontade de expressar uma verdade aceitável,
individual ou coletivamente. O que se a ceita como verdade e se
representa como tal deriva de “uma crença colectiva no que é normal, no
que é r egra , no que é a boa opinião e a op inião correcta , ortodoxa, sendo
essa normalidade indissociável da experiência do grupo ou da
comunidade” (Borralho 2011: 57). Explica -se a ssim a relatividade
histórica do conceito, dependente de uma mutante noção de verdade e de
uma evolutiva noção de parecença. A realidade é anali sada segundo os
padrões do pensamento dominante , e cada escola procura descrevê-la
segundo o seu ju ízo crítico. O cla ssici smo procurou demonstrar “a
verdade da s relações hu manas e das boas r egra s”, e o naturalismo
utilizou a realidade como objeto de descrição. No drama e no palco, a
realidade é contextualizada através do di scurso ficcional adequa do ao
descrito. Ser verosímil equivale à técnica artísti ca que imita , i .e . que
“põe em signo” uma realidade (Pavi s 2003: 429), que tanto serve o
dramaturgo e o a tor – enquanto produtores de signos dra máticos e
teatrais – , como o espectador, enquanto intérprete da competência
pragmática daqueles.
A preferência que a burguesia demonstr ou pela comédia e pelo
drama realis ta revel ou a importância que conferia à função t eatral : Hic
mores hominum castigantur11. O palco publicitava os ideai s fi losóficos
sobre arte de forma mais poderosa do que um artigo na Gazeta . A ação
do espetáculo teatral sobre o público vi sa o amor à virtude e o ódio ao
vício, mobili zando a razão e transformando a sensibilidade. O papel do
poeta dramático imita o do filósofo que disserta sobre a natureza
humana:
11
Aqui serão cas tigados os cos tumes dos homens . Divi sa mandada inscrever no
frontão do teat ro das Laranjei ras , por Joaquim Pedro Quintela , conde de Farrobo.
8
Il parsèmera son récit de petites ci rconstances si l i ées à la chose , de
t rait s si simples, si naturels, et toutefois si di ffic iles à imaginer, que
vous serez forcé de vous d i re en vous-même: Ma foi, cela est vra i: on
n’invente pas ces choses- là. C’est ainsi qu’i l sauvera l’ exagération de
l’ éloquence e t de la poésie; que la vérité de la nature couvri ra le prest ige
de l’art; et qu’ il sati sfera à deux condi tions qui semblent cont radic toi res,
d’ê t re en même temps historien e t poète, vérid ique et menteur (Diderot
1819: 636).
Entre os árcades, Manuel de Figueiredo foi dos que mais trabalhou
para a reforma da arte dramática, muito embora a sua obra careça de
“uma mais estreita relação com […] a projecção cénica do dramático
enquanto lit eratura” (Barata 1993: 314)12
. Garrett tanto reconheceu nele
o “instincto de descobrir assumptos dramáticos nacionais” , a capacidade
para “desenhar bem o seu quadro”, para organizar bem a s figuras, como a
inépcia para a construção do diálogo, que se torna em “semsaboria
irremediável” . Todavia , na imensa produção dramática , que deixou,
encontra -lhe a possibilidade de ser “arranjada e apropriada à scena”,
tornando-se nu ma “mina tão rica e fértil para qualquer mediano
dramático!” (Garrett 1904: II, 171). Os seus prólogos demonstram um
sentido autocrítico e revelam uma vi são teórica teatral que proporcionará
a construção do modelo dramático garrettiano.
Em prol da verosimilhança, Figueiredo r ecusava o artifi cia lismo
teatral de solilóquios, apartes e personagens confidentes (Figueiredo
1804-1815: XIII , xvi) . Defendia uma consciência autoral difí cil de
conseguir , em que “os Autores se não [retra tassem] nas suas obras,
principalmente anali sando costumes e tra tando da anatomia do coração”
( id . , ib id . : IX , 444). O seu teatro trágico tende, por isso , a ser mais
“filósofo” do que “poeta” , mas a sua vontade de escrever “dramas útei s e
verosímeis” ( id . , ib id . : I, v) demonstra o desejo de refl etir sobre
conceitos paradoxais de Inverosimilhança e Verda de, Arte e Realidade,
Literatura e Dramaturgia (Borralho 2011: 49):
12
Cf . B A RAT A , José Ol ivei ra (1993), “A Poét ica de Manuel de F iguei redo”,
Hvmanitas , vol .XLV, pp.313 -334.
9
Onde está o poeta que hei -de imitar, onde os originais que hei -de segui r?
Hei -de mover o ri so, o ri so crítico. E onde encont rarei os c aracteres?
(Figuei redo 1804 -1815: I, v)
Propondo-se criar uma comédia de costumes nacionais, uma
comédia burguesa, o palco a firma -se como uma “espécie de púlpito
efi caz donde prega o filósofo” (Saraiva [s .d.]: 626), e a cena como um
quadro vivo que “pinta os homens como são” (Figueiredo 1804 -1815:
VII I , xlvi) . Dramaturgo e a tor, servindo -se da liberdade poéti ca do faz de
conta , constroem um mundo falso e fantasi sta , que carece da aceitação
do espectador, para que a Arte ganhe uma d imensão virtual (Borralho
2011: 50). Figueiredo r econheceu que as regras dos géneros
espeta culares – tragicomédias, óperas trágicas e cómicas, far sas,
burletas, entremezes, sainetes e divertimentos por música – não se
encontravam nas preceptiva s clá ssicas, mas “no Theatro, na Musica e no
Povo; e no verniz que lhes [dava] um ou outro Comico” (Figueiredo
1805b: VIII , xlv). O seu constante desejo de encontrar novos conceitos
conforma uma propen são para a experimentação inspirada nas lições de
Voltaire ou de Diderot sobre o drama burguês. No Discurso que antecede
A mulher que não parece , além das tradicionais terminologia s –
“comédia larmoyante”, “ tragédia bourgeoise” – , propõe a novidade de
uma “natural representação da vida humana” (Figueiredo 1804 -1815: IX ,
26).
É indi scutível a importância que atribui ao u so de didascálias, quer
para especi fi car o quadro cenográfico e o figurino, quer a prosódia
indi spensável à cena – vozes a ssu stadas, palavras su ssurradas . Quando a
referência denotativa lhe falta , transforma -a em metáfora de
comportamento – “em ar de tocar -lhe o fogo”. Na esteira de Diderot ,
Figueiredo compreende o valor do silêncio enquanto linguagem cénica,
que valoriza o gesto que se executa entr ementes:
Esta he a tercei ra vez que deixo o theat ro em silencio neste Dramma; e
como cahi no mesmo defei to em out ros por sacri fício à Ver i simelhança
[…] devo adverti r os Cómicos de que, nestes momentos, não só a ffe item
a pantomima e a carreguem, como dizem os i ta l ianos, quanto o permi ti r o
Caracter das personagens e a paixão; mas encurtem quanto for possivel
10
aquelles momentos em que o teat ro fica em silencio (Figuei redo13, apud
Borralho 2003: 145 ) .
Perigos da Educação , única peça r epresentada, no Teatro do Bairro
Alto, a 8 de maio de 1774, desagradou ao público, sendo retirada de
cena . Esse conflito di fí cil de aceitar l evou-o a escrever O dramático
afinado ou Crítica aos Perigos da Educação14. Para quem considerava
necessário “ introduzir o bom gosto neste povo bárbaro” (Figueiredo
1804-1815: XII, xi) com precaução, o público pagava com estranheza a
novidade de um teatro que parecia demasiado verdadeiro:
Reagiam, de certa manei ra, à t raição que é um teat ro que se pode
confundi r com a vida comum, a vida que no fundo desprezavam. Iam ao
teat ro por dele ite , por desejo de fantasia , pela di ferença que o Teat ro
t inha da Vida. […] A Vida , sabiam eles o que era (ou pensavam ser): não
iam ao Teat ro ver a sua Vida, mas a Vida que n ão podiam ter (Borralho
2011: 52).
Correia Garção, condenando a tradução, recomendava aos confrades
árcades o modelo horaciano , de imitação dos antigos, “nas fá bulas, nas
imagens, nos pensamentos, no estilo”, porque “quem imita deve fazer seu
o que imita” (Garção 1982: II, 135). O conceito servia ao teatro, e muito
sabería mos sobre a sua aplicação, se não se tivessem perdido Régulo e
Sofonisba , as duas tragédias de assunto romano que ter á escrito.
Ironica mente, de que m di ssertou sobre as r egras do t eatro trágico grego,
apenas conhecemos os “dramas” cómicos, Teatro Novo (1766) e
Assembleia ou Part ida (1770) , que não alcançaram o sucesso
ambicionado, sobretudo aquele, vaiado pelo público do teatro do Bairro
Alto, sem que a representação termina sse15
. Em ambos se desenrola um
13
F IG UE IRED O , Manuel, Poez ias e out ros t extos , BNL. , COD 12925, s.p ., fo lha sol ta,
cortada em oi tavo. 14
Em maio de 1990, a Cornucópia apresentou o espetáculo Um Poeta Af inad o, uma colage m de t rês comédias de Manuel de Figuei redo que se relacionam ent re si –
Ensaio Cómico, Per igos da Educação e O Dramático af inado – , que, segundo Luís
Miguel Cint ra, revela m o confl ito de F iguei redo “com os cómicos , com o próprio
t exto e com o mundo e m geral”. Todas elas havia m s ido escri t as em Ma io de 1774,
no espaço de escassos dez dias . [Teat ro da Corn ucópia. Historial . 40 – Um Poeta
Af inado . http :/ /t eat ro -cornucopia.p t ] (consultado 25/02/2015) 15
Assembleia ou part ida , em adaptação de Gus tavo de Matos Sequei ra , fo i l evada à
cena do Teat ro Nacional Almeida Garret t , encenada pelo ator -encenador António
P inhei ro , a 1 de junho de 1915. Pertenceu ao repertório da empresa Rey Colaço –
Robles Montei ro , que a fez representar , no mes mo teat ro , a 4 de fever ei ro de 1933,
ent re 6 e 20 de março de 1937 (4 récit as ) e a 13 e 20 de abri l de 1940 (2 réci t as ) .
O público não entendeu Garção desse modo. Na sua subtil
dissertação dialógica sobre as t endência s teatrais do século, satir izando
“na diver sidade das per sonagens escolhidas […] o complicado xadrez de
influência s dra máticas que entr e nós se mani festava m” (Barata 1991:
246), o público não percebeu a proposta de uma nova dramaturgia para
um novo tempo e para uma nova socieda de, que se refazia a inda da
24
violência do terramoto, e que procurava novos valores de ident idade.
Essa sociedade que, ta l como Artur B igodes, estaria tonta de ouvir tantas
teorias novas, não entendeu as razões que desaconselhavam assi stir à s
comédias espanholas, que tanto “gosto” e “prazer” haviam da do a tanta
gente, sobretudo aos aristocratas, cujo exemplo deveria ser seguido. Por
que razão seriam estes os “asnos” e os novos os a ju izados, armados em
“Colombos e Gamas denodados para achar novos climas, novos mares”?
Ironica mente, Garção desloca o ónus da conclusão para o parecer de
Aldonça, que, diga o que di sser, t em o destino traçado pela tragédia da
vida que lhe gizou o pai e a irmã: tomar estado, ser dona de sua casa e
rodar pela s ruas de Li sboa em dourado carrinho. Cumpre -se nela o voto
que legitima o teatro novo e, metaforicamente, na escolha da peça, ser
Ifigénia , a heroína que se sacri fi ca pelo sucesso do empreendimento:
Neste acto único esconde -se um drama complexo sobre o casamento entre
a arte e comércio (na época da burguesia em ascensão). É fascinante a
forma como Garção interliga o tema ‘wahre Kunst ’ (arte verdadei ra) com
o tema de ‘Kunst al s Ware’ (arte como mercadoria), como se fosse uma
forma antecipada do debate sobre o ‘Warencharak ter der Kunst’ (caracter
da arte como mercadoria) (Thorau 2015: 35).
Tudo estaria bem, se a cabasse bem, ma s, apesar do hu mor, não é
uma comédia, é um drama, e o inesperado ataque de ciúmes de Artur
Bigodes contra Jofre Gavino cria uma peripécia qu e desconst rói todo o
enredo traçado, sem apelo nem agravo para os convivas que vão saindo
desanimados, deixando Aprígio Fafes decla mando o monólogo
conclusivo, que “resu me o voto dos Árcades” (Garção 1982: II , 39 , nota)
e retoma o t ema da Ode I , aos fidalgos protetores do t eatro, a quem se
exorta proteger o t eatro nacional.
Garção tem plena consciência de não t er chegado ainda “a época
fel iz e suspirada/ de lançar do teatro alheias Musas, de restaurar a cena
portuguesa”. Augurará o tempo de ver “vingados” e “ soltos” do
esquecimento os “manes” de António Ferreira , de Sá de Miranda e de Gil
Vicente; u m tempo em que vingarão as lusitanas mu sas, que “ publicarão
[…] os grandes fei tos, que eternos soarão em seus escritos”, se for
defendido o seu “paterno ninho” e com honra forem “agasalhadas” ( ib id .:
25
II, 39). Preanuncia -se um projeto de teatro nacional letrado, bem di stinto
das muitas obra s traduzidas ou “acomodadas ao gosto português”, que
vagamente remetiam para a obra original, mas criavam cenários e
situações tipica mente lusa s, e que constitu íram um “vasto repertório que
alimentou os palcos portugueses” (Barata 1991: 251), circulando em
folhetos, ditos de literatura de cor del . Era a baixa comédia, que exprimia
uma “atonia do sentimento da dignidade humana” (Braga 1871: III , 3), na
figura do fidalgo pobre, símbolo de uma sociedade que vivia um espírito
decandenti sta , à sombra de tradições heróicas, porém de forma miserável
e anulada ( ib id .: ib id .):
A renovação do teat ro […] nasce do espí ri to de revol ta suscitado pela
pressão moral […]. Alguns homens procuraram descobrir a t radição
dramát ica do século XVI […]; procuraram o velocino e não o acharam; a
Antonio José [da Silva] faltava a noção da realidade, observava
caprichosamente, via os rid ículos porque só viu os cont rastes; Manoel de
Figuei redo, creava a ideia mas não sabia popularizar a forma; Nicolau
Luiz concebia o typo, tinha a fecundidade da creação, Antonio Xavier
[Ferre i ra de Azevedo], apesar da sua rudeza tinha o dom da
popularidade; Sebastião Xavier Botelho queria restaurar o teat ro pela
imitação de Racine, Molière e Metastasio. Todos estes minei ros, que
procuravam recompor o edi fício, ajustavam pacientemente as pedras,
primit ivamente faceadas. Descobriram os grandes lavores, o plano, a
eurythmia da obra, mas fal tou-lhes uma faculdade – o senso phi losophico
(Braga 1871: III, 3 ).
Os Árcades propu seram um teatro que aferi sse “os cri térios
necessários para , pela crítica , resolver a crise que […] acabava […] por
se revelar no viver de uma sociedade civil que […] se revia
burguesmente no espelho da Lisboa pombalina toda ela igualmente
dividida entre tradição, cri se, inovação, religiosidade e secularização”
(Barata 1993: 315). Apelando à corr eção moral , na cena, pretendia -se um
teatro-instrumento de uma “ paideia social” , de uma “escola de costumes”
( id . , ib id . : 319), que per seguisse o “vector pedagógico de uma estéctica”,
pela “composição correcta e regular das fábulas assentes na invenção
poét ica , a través de uma mimese verosímil, enquanto refl exo da natureza”
( id . , ib id . : 320). A comédia, “natural representação da vida humana”
(Figueiredo 1804 -1815: IX , 26), mostrava -se de grande u tilidade à
sociedade, como “correctivo do vício”, empregando o ridículo ( id ., ib id . :
26
I, 5). Serviria como divertimento racional, instru indo e deleitando ao
mesmo tempo, ma s cujos intu itos pedagógicos se confrontavam “com a
impossibilidade de um diálogo directo com o «vulgo», arredado que
estava dos valores de um teatro edi fi cante, preferindo claramente o
teatro de ilusão onde […] se sacri fi cava a correcção ao deleit e e o
recreio dos sábios ao ri so dos ignorantes” (Barata 1993: 323):
Progressivamente a arte abandonará a esfera rest rita do simples
comprazimento para se tornar reflexo de uma est rei ta art iculação com a
experiência , a verdade e a natureza. […] O longínquo conceito barroco
de engenho agora visto e teorizado como natureza e o gosto deixa de ser
indefinido […] para se tornar numa faculdade inerente ao homem comum
(Barata 1993: 333-34; itá licos originais).
2. Sociedades de vizinhos, divertimento útil e propagação das
Luzes
2.1 . A esfera pública e privada: teatros públicos e particulares
No alvor de Oitocentos, Li sboa contava apena s três t eatros públicos,
situados na zona central, no eixo que unia o Chiado ao Passeio Público.
Na zona baixa da cidade, doi s teatros de tipologia setecenti sta – o Teatro
velho da Rua dos Condes (1770 – 1882)26
e o Teatro do Salitre (1782 –
1879)27
– constitu íam os teatros populares , “raras vezes fr equentados
pela primeira sociedade” (Ruder s 2002: I , 96). Segundo Ruder s, o Teatro
da Rua dos Condes era fr equentado pela classe média , embora na plateia
se vi ssem espectadores com aspecto de “ínfimos operários”, qu e aplaudia
o baixo cómico do “enredo e interpreta ção”, de algumas tr agédias e
comédias, e, sobretudo, dos “dramas, cujo assunto [era] tirado da vida
ordinária” , a ternando o sério e o rid ículo ( ib id .: ib id .) .
26
O primei ro edi f í cio , o Teat ro novo da rua dos Condes ou Pát io dos Condes (1738 – 1755), sucumbiu ao t erramoto , dando lugar a out ro , igualmente acanhado, seguindo a
t ipologia dos t eat ros de ópera, qu e se manteve e m at i vidade durante um século . A
modernização arqui tetónica ocorreu t ardiamente, e m 1888, dando lugar a um tercei ro
t eat ro do mesmo nome, que durou até 1951, quando fo i t ransformado em cinema. Cf .
CARNEIRO, Luís Soares (2002), Teatros por tugu eses de raiz i tal iana. Tese de
doutoramento em Arqui tetura. Porto: Faculdade de Arquitectura/ Univers idade do
Porto . 27
Será vulgar mente conhecido por es te nome, apesar das denominações que fo i t endo
ao longo da sua exi stência. A sua exi s tência foi posta em causa pela necess idade de
cons t rução da Avenida da Liberdade, idealizada por Rosa Araújo , que poria t ermo
defini tivo ao Passeio Públ ico, marco da velha Lisboa pombal ina.
27
Na colina do Chia do, o Teatro de S. Carlos (1793) correspondia ao
novo ideal de modernização e de abertura de pensamento, num contexto
políti co hostil às ideias iluminista s, levado a cabo por uma sociedade de
quarenta homens de negócios de Li sboa, entre os quais se contava
Joaquim Pedro Quintela , 1º barão deste nome28
, que participara já na
Sociedade Estabelecida para a Subsistência dos Teatros Públicos da
Corte (1771), no consulado de Pombal, quando uma “burguesia comercial
[passou] a considerar o teatro como coi sa sua” (Carvalho 1993: 44) e a
definir u m monopólio para si.
O Teatro de S. Carlos, o maior de todos os teatros, incluindo os de
Corte, recuperava, com a sua imponência e luxo, a função prest igiante da
efémera Ópera do Tejo . Pina Manique, ao compreender a eficá cia
políti ca de col ocar o teatro “ao serviço da representa ção do próprio
Poder” ( id ., ib id . : 55), relegou para segundo plano os objetivos
iluministas de divertimento, e privil egiou uma cultura do Eu. Até 1818,
pelo menos, este teatro alternou espetáculos de teatro decla mado e de
teatro lír ico , vindo a perder a caracterí sti ca de instrumento de educação
do liberalismo, quando se converteu no “Passeio Pú blico do
Romanti smo” ( id ., ib id . : 71) da grande burguesia e do almejado
refinamento social.
A hi stória dos teatros públicos teve sempre mais cultores do que a
dos espaços privados, fru to possível do seu menor número e de maior
docu mentação impressa, com destaque para a importância a tribuída pelos
periódicos. Desde Teófilo Braga a Duarte Ivo Cruz, muitos autores
traçaram o retrato dos t eatros principai s, fixando a s suas caracterí stica s,
a evolução de repertórios e de públicos, tomando em consideração o
modelo empresaria l destinado às grandes massas. Todavia , c onforme
refere a autora de Teatros particulares em Lisboa no in ício de
Oitocentos , desde os finai s do século XVIII que se conhece a exi stência
deste tipo de t ea tros, sem que se lhes tenha dada qualquer relevância , à
exceção do Teatro das Laranjeira s , do Conde de Farrobo, pelo papel que
28
Trata-se do segundo baronato f inancei ro at ribuído pela rainha D. Maria I, a 17 de
agos to de 1805. Dois dias antes , Jacin to Fernandes Bandei ra recebera o t í tu lo de
Barão de Porto Covo Bandei ra.
28
desempenhou, enquanto polo de vida cultural e mundana ext ramuros29
.
Segundo Júlio César Machado, aqui se assi stiu , pela primeira vez, à
“graça do dizer natural, a declamação nova” ( cit. Rebello 2010: 411).
Os diver sos t eatros particulares em Lisboa e arrabaldes estenderam
a prática dos saraus pelas primeiras década s de Oitocentos, determinando
uma sociabilidade privada de entretenimento t eatral. Nas residência s
aristocrática s, há notícia de representações em ca sa de Diogo Noronha
Coutinho, marquês de Marialva, na década de 1780, dos marqueses de
Angeja e de Fronteira , dos condes de Rio Maior, Sampaio , Redondo e
Almada, do barão de Quintela e dos Câ mara Coutinho, fu turos condes de
Taipa (Lousada 1995: 297). Em 1822, na obra seminal sobre a situação
socioeconómica, Essai s ta tis tique sur le royaume du Portugal , o
geógrafo Adriano Balbi coloca em destaque os t eatros particulares dos
condes da Anadia , às Amoreiras, e de Franci sco de Paula Cardoso do
Amaral e Gaula , o célebre morgado de Assentiz , prolí fi co autor, membro
do Conservatório, e tradutor de Al fieri , Pixérécourt e Beaumarchais, cujo
Barbeiro de Sevilha foi representado no seu teatro particular (Rebello
2010: 410) . A casa de Lisboa deste ilustre amigo de Bocage , “uma
vivenda quase rústica com um largo quintalão” (Sequeira 1967: 495),
ficava situada na praça da Alegria de Baixo, paredes meias com o
chafariz no topo norte do Passeio Público, e nela se constru iu um belo
teatro:
On y donna des représentations pendant plusieurs années avant le départ
du roi pour le Brési l [1807], et l’on continua à en donner plusieurs
années après. Les décorations avaient été exécutés par les meil leurs
peint res de Lisbonne, e t le célèbre da Costa y avait travai llé beaucoup.
Une société d’amateurs d ist ingués y jouai les meilleurs pièces
portugaises, et presque tous les auteurs y faisa ient représenter leurs
pièces pour juger de leur effet avant de les fai re jouer devant le publ ic
(Balbi 1822: II, ccxxiv).
29
O Conde de Farrobo mandou também cons t ru i r um teat ro , poss ivel mente de sala,
no palácio da Herdade do Farrobo, em Vi la F ranca de Xi ra. Dado que se des tinava a
res idência de caça, as referências a saraus nes te espaço são todavia desconhecidas ,
em co mpara ção com os hábi tos palacianos da famí l ia Quintela Farrobo, t anto em
Lisboa, como no seu espaço de vi l egiatura nas Laranjei ras . A respeito da Herdade do
Farrobo cf. QUEIRO Z, J . F ranci sco Ferrei ra/ SO A RES , Catarina Sousa Couto (2011 -
2013), “Os túmulos românt icos da famí l ia Quintela Farrobo”, CIRA Boletim Cul tural
11, Do patr imónio à His tória .
29
Vários anos após, a inda a Descripção geral de Lisboa em 1839, de
Paulo Perestrelo da Câmara , o definia como o mais célebre e o melhor
teatro particular da Lisboa, a funcionar como balão de ensaio
dramatúrgico (apud Sequeira 1967: II , 463). O próprio morgado de
Assentiz escreveu muitas obras dra máticas originais , imitadas ou
traduzidas, nunca dadas à esta mpa, que, após a sua morte, se
encontravam na posse de um dos seu s amigos íntimos. Segundo a
biogra fia traçada por Inocêncio da Silva , no Archivo Pittoresco (1857: I ,
300-303; 307-309), o conjunto da obra compunha cinco volumes, entr e
dramas, comédia s, farsa s e mág icas, cujos títu los ci ta (Silva 1858-1911:
II I, 21).
Nestes teatros de sala , desempenhava -se um repertório heterogéneo
de qualidade, entre a ópera e a comédia, que permitia o conv ívio da
sociedade “mais a legre e divertida da capita l” , não se coibindo os
promotores dos gastos necessários à procla mação do seu bom nome,
conforme regi sta o Marquês da Fronteira , a propósito das “assembleia s”
em ca sa de D. João de Noronha Sousa Moniz , 6º Marquês de Angeja ,
entre 1818 e 1819 . As “companhias” amadoras eram compostas por
damas e cavalheiros da melhor sociedade aristocrática lisbonense, a que,
por vezes, se juntavam prestigiados ator es profi ssionai s (Lousada 1995:
297).
A par dos espaços ari stocráticos, r egi sta -se a exi stência de vinte e
sei s teatros particulares30
em funcionamento, no período compreendido
entre 1818 e 1831 . Disseminados pelos bairros da peri feria ,
correspondem a um desejo de ascensão da burguesia por mimeti smo
sociocultural, bem como pela difi culdade de acesso ao centro
cosmopolita , numa cidade essencialmente pedestr e. Uma circular da
Intendência -geral da Polícia , de 8 de ju lho de 1820, coloca em evidência
a existência de tipos e funções distintas destes t eatros pa rticulares
burgueses, quando mandou que os ministros dos bairros “fizessem
constar aos Donos dos t eatros parti culares que existissem nos seu s
30
Cf . Apêndice 1. Teat ros part i culares não ari stocráti cos em Lisboa no primei ro
quartel de Oi tocentos .
30
Bairros, e fossem de natureza daqueles para que era necessária licença da
Polícia , que desmancha ssem tais teatros” (apud Lousada 1995: 307). Se
aos de sala , constru ídos em casa dos seus proprietários, ou em casa
alugada, correspondia m representações t eatrais privadas, aos que se
assemelhava m a teatros públicos corr espondia a exi stência de um
comércio cultural de natureza pública , su jeito, por i sso, ao licenciamento
oficia l.
Pelos pedidos de licenciamento para espetáculos privados perpassa
a necessidade de l egitimação da atividade, pondo em destaque a
“probidade” dos intervenientes, defensores dos valores fa mil iares e d e
vizinhança, com o objetivo de fomentar o “divertimento útil e
propagação das luzes” , bem como o de prevenir a tenta ção dos jogos de
azar (Lousada 1995: 299). Entre Maio de 1822 e Setembro do ano
seguinte, o “mercador de livros com loja ao Chiado”, José A ntónio de
Figueiredo , fez r epresentar “comédia s e peças li cenciadas”, num
“pequeno teatro” que alugou na rua das Escolas Gerai s nº 24. O
desempenho por uma sociedade de “cidadãos amantes da s belas artes”
sublinhava o valor do “divertimento inocente e lícito” entre “amigos,
família s conhecida s de probidade”, a lém de celebrar o real aniversário de
D. João VI ( id ., ib id . : 301).
A função t eatral privada enobrecia -se na s prática s de cidadania
patriótica , e de solidariedade social. Em 1825, João Manuel Carvalho
propôs-se organizar representações teatrais à noit e, no t eatro particular
da rua do Colégio dos Nobres, e , como contrapartida, promet eu um
“donativo de 4$800 réis à Casa Pia” ( id ., ib id . : 299). Todavia , esta forma
de altru ísmo parece esconder um subter fúgio para obtenção de
licencia mento. Em dezembro de 1829, Dâmaso Gonçalves Chaves
Carreira , a judante de soli citador da Bula da Cruzada, viu indeferido o
pedido de licenciamento para representar um drama, como divertimento
em festa de Natal. Sete meses depois, o mesmo suplicante, à cabeça de
uma sociedade de catorze amigos e nove músicos soli citou que lhe fos se
autorizado representar o drama O parricíd io frustrado , de António
Ricardo, destinado a entreter, como “ evitação de funestos deboches", um
31
público composto maioritariamente por “empregados públicos” e ma is
sessenta convidados ( id . , ib id . : 303). A licença requerida dest inava -se a
“doze representações, uma por mês (no fim de cada mês)” e o requerente
prometia também um donativo à Casa Pia , a obra de predileção do já
fa lecido Intendente -geral Pina Manique, cuja memória possivelmente
estaria celebrando.
As sociedades dramáticas burguesa s, embora apresent assem uma
variação ampla do número de participantes – entre cinco e catorze – ,
eram composta s por elementos ma sculinos, que assumiam os papéis
femininos, indiciando a exi stência de preconceito social em relação ao
papel da mulher não -atriz na cena. Ao belo sexo caberia desfruta r a
representação cénica , enquanto jogo de homens, excet o numa situação
particular . O alfaiate José Amaro de Jesus , em novembro de 1820, a lugou
um teatro na calçada dos Barbadinhos , nº 1 , para fazer representar uma
comédia, para amigos e família dos sócios”, por uma “sociedade de
vizinhos, incluindo duas senhoras que tinham sido a ctrizes em teatros
públicos” ( id ., ib id . : 300).
Este univer so de curiosos dramáticos, que mistura as classes
laboriosas, o “ mundo artesanal ” com os “empregados da admini stração
central” (Lousada 1995: 308), nem sempre se organizou em sociedades
formais. Em 1826, o teatro da rua da Fábrica das Sedas era propriedade
de uma sociedade, possivelmente irregular, composta por doze pessoas,
dos quais dez eram artesãos ou fabricantes ( ib id . : ib id .) , e, em 1829, no
teatro da rua do Loureiro , funcionava uma sociedade composta
maioritariamente por funcionários públicos . Se sobre esta s sociedades
paira a dúvida institucional, o mesmo não acontece em rela ção ao t eatro
particular que “em 1818 funcionou na rua do Olival, às Janelas Verdes, e
que a partir de 1822, passou para a rua de S. Francisco Borja” ( id ., ib id . :
309). O requerimento que a sociedade de José Maria Codina envia ,
soli citando a aprovação dos respetivos estatu tos, evidencia a
preocupação de digni fi car a a tividade d esta sociedade, exi stente desde
1818, pondo em relevo os motivos de ordem moral que haviam presidido
32
à sua const itu ição, indicando as designações sociais que tivera e
anexando os seus estatu tos ou regulamentos ( ib id . : ib id .):
Diz José Maria Gervasio Codina , e mais Sócios, constantes do
Documento junto, que sendo moradores nas Freguesias da Lapa e Santos,
e ficando-lhes mui to longe os T heat ros públ icos se lembrarão à sinco
para seis anos d’arranjar hum piqueno Theat ro para seo l icito
divertimento e de suas famíl ias; e porque a hum só ou a dois ficava
oneroso, associarão desde logo out ros Amigos, Pessoas de probidade, o
que tem sempre continuado fazer e derão a esta sociedade vários t í tulos
conforme as vic issi tudes que tem sofrido chamando -a – Concordia –
Amizade – P razer e Alegria – Bons Amigos; e ul timamente P razer
Regenerado por que cessando esta por a lguns tempos de novo se reuni rão
seus mais ant igos Sócios; e admitindo outros arrendarão a Caza nº 49 na
Rua de S. Francisco de Borja, às Janelas Verdes, e ali se tem conservado
à mais d’um anno, d ivertindo -se [o] que podião, pelo não poderem fazer
quantas representações desejavam. Antes por em de o fazer requeriam
sempre à Intendência a necessária licença […]. Este o modo Real Senhor
por que esta piquena porção d’Amigos se reúnem, e se divertem,
preferindo este passatempo ao jogo ou qualquer out ro, que fazendo -lhes
perder o tempo, e est ragand o-lhes a fazenda, poderia infelizmente cobri -
los de oprobrio e torna -los indignos (apud Lousada 1995: 310)31.
Os onze artigos, que constituem o regulamento da sociedade,
preceituam “a manutenção e arranjo do Teatro” e o valor das quotas do s
sócios, em 480 réis por mês. A sociedade , que possuía contabilidade
organizada, propunha -se representa r comédias e entr emezes, u ma ou duas
noites por mês, sendo o “divertimento gratuito para as pessoas
convidada s, […] as família s dos sócios”. Em cada 8 a 10 dias posteriores
à representação de cada comédia, proceder -se-ia à eleição de u m Diretor,
de um Caixa, de um Secretário e de um Procurador. O regulamento
seguiu os trâmites legais, t endo o corregedor aprovad o a Sociedade
Teatral Prazer Regenerado (Lousada 1995: 312).
Alugar casa para representações era situação comum nesse tempo.
Joaquim Alves do Couto, em 1823 , a lugou uma casa fronteira à sua
residência na rua da Verónica, para “com seu s amigos recitar todas as
vezes que se poderem [sic ] juntar os Dramas que já [estivessem]
l icenciados”32
(apud Lousada 1995: 312). Muitos destes teatros
31
ANTT, Minis tério do Reino, Polícia, mç.462, cx.578, doc. s .n. 32
ANTT, IGP , CMB, mç.92, docs .230 -231.
33
particulares a lbergava m di ferentes grupos, como o teatr o da rua direita
do Colégio dos Nobres e o da rua do Loureiro ( ib id .: ib id .) . Se a maioria
dos ca sos r efere tra tar -se de teatros de sala de modesta envergadura,
casos há em que a realidade se tornou mais aparatosa, para espanto dos
oficia is admini stra tivos. Na travessa do Despacho, uma sociedade de
carpinteiros, pintores e arquitetos constru iu uma sala de t eatro , “em
ponto piqueno”, num armazém arrendado, que apresentava duas ordens
de varandas, uma para homens e outra para senhoras, e um camarote para
o mini stro do bairro, segundo o critério de “hum teatro com asseio, e
grandeza, exceto vestidos, que os a lugão quando r epresentã o”33
(apud
Lousada 1995: 313).
Os teatros particulares di stinguem, portanto, duas tipologia s: os que
se constroem em salas, não sendo forçosamente em piso térreo, e os
espaços constru ídos de raiz segundo o modelo dos t eatros pú blicos, em
escala reduzida. Neste caso, imitam o espírito da nova ari stocracia , como
são os casos do Teatro das Laranjeiras , ou o do Conde de Burnay, à
Junqueira34
, que funcionaram como dependência s anexa s aos r espetivos
palácios. Segundo Lousada ( ib id .: ib id .) , os requerimentos de
licencia mento indiciam teatros particulares, que, embora se a presentem
como de amadores, são na realidade fonte de r endimento tanto das
sociedades gestoras, como de pequenos empresários. O Requer imento de
junho de 182035
(apud Lousada 1995: 314), de João Lício Borralho ,
capitão de navios da carreira da Índia , morador no segundo andar da rua
de S. Paulo, nº 68 A, que erigira um pequeno teatro numa sala da sua
residência , em 1819, é sintomá tico na denúncia destes casos:
33
ANTT, IGP , CMB, mç. 110, doc. 141. 34
Em 1880, o Palácio do Conde Monte Cris to, do capi tal is t a Manuel António da
Fonseca (o Monte Cri sto , de alcunha), à Junquei ra, foi adqui rido pelo conde
Henrique de Burnay, que int roduziu grandes renovações no seu in terior , res taurando ,
ampl iando e decorando as salas e salões com obras de arte, porcelanas e mobi li ár io
d iverso . Foram cont ratados arti st as portugueses e es t rangei ros , como Malhoa , que
p intou o t eto da sala de j antar (1886), o es tucador Rod rigues Pi ta, o pin tor i t ali ano
Carlo Grossi , e o escultor Paolo Sozzi . No teat ro, organizaram-se espetáculos de
beneficência, onde o conde chegou a part i cipar como ator , à image m do conde de
Farrobo , cujo es ti lo emulou. O teto da sala de t eat ro é da autoria do pintor Ordoñes .
(Albino, 2003) Atualmente, a sala enc ont ra-se em es tado de degradação. 35
ANTT, IGP , CMB, mç. 225, docs. 116 -117.
34
[Ao] suppl icante consta que V. Sª [o intendente geral da Polícia] tem
cohibido a continuação de alguns teat ros chamados particulares, mas que
pela sua localidade, e pelas suas manei ras o não pareciam, ou fosse por
serem estabelecidos em planos baixos e da Porta para a Rua, ou fosse
pelo uso dos Bilhetes para concurso dos espectadores, e o Theatro do
Supplicante está muito longe destas Ci rcunstâncias, (1º ) porque he na
substancia, e no modo rigorosamente particular, tendo a nat ureza de
out ro qualquer divertimento, que he líc ito ao Chefe de Família na sua
própria Caza (2º ), porque he estabelecido em huma sala do segundo andar
da habitação, e residencia do Supplicante (3º ) porque não há o uso de
Bi lhetes (apud Lousada 1995: 314 ).
A bem da moral e dos bons costumes, a Intendência Geral de Polícia
decretou três medidas funda mentais: (1) autorizar apenas a representação
de peça s já licenciada s e apresentada s nos t eatros públicos; (2 ) limitar o
tempo da autorização, normalmente a três meses, r enováveis quando
houvesse novo pedido; (3) e enviar um oficial ao bairro para assistir aos
ensaios e representações. Todavia , sendo escassa s as referências à
proibição de di stribuição, ou venda de bilhetes ( id , ib id . .: 314), torna-se
contraditório o comentário de Diogo António Correia de Sequins Pinto ,
Ju iz do crime do Castelo e também no bairro do Andaluz . No ofício que
fez sobre o teatro particular da Travessa do Despacho , em setembro de
1820, desvaloriza a postura da Intendência , depreciando a repercussão
comercial que estes teatros pudessem ter na di sputa com os públicos,
considerando que não influenciava m a concorrência de espectadore s36
(Lousada 1995: 315).
Estes teatros particulares procuravam colmatar a d ifí cil
acessibilidade ao centro de Lisboa, que Carl Ruder s refere em Viagem em
Portugal (1798 – 1802). Instalado numa hospedaria do Arco do Marquês,
ao Cais do Sodré, este pa stor sueco invocava essa razão para a sua pouca
assiduidade ao Teatro da R ua dos Condes. A geografia dos t eatros
particulares evidencia assim um aspeto alternativo fa ce a os t eatros
públicos, em zona s desprovida s de espaços de cultura , e d i stantes da
concentração dos espaços de sociabilidade mundana, políti ca e cultural
de elite:
36
ANTT, IGP , CMB, mç. 110, doc. 141.
35
Os teat ros particulares encont ravam-se dispersos pela cidade […]. O
gosto popular pelo teat ro e as caracterí sticas dos teat ros públicos […] –
local ização e repertório, para a lém dos preços dos bilhetes – , combinados
com os menores recursos das classes média e populares e o peso da
distância numa cidade pedest re , explicam pr ecisamente esta geografia
dos teat ros particulares de cariz popular (Lousada 1995: 315).
O repertório l evado à cena nos t eatros particulares contemplava
comédias, far sas e dramas, que associavam o gosto do t eatro de cordel ao
sabor dos melodramas. Em 1823 , o militar António Joaquim de Beça
Bettencourt fez representar o drama original Sensibilidade no crime , de
António Xavier Ferreira de Azevedo37
, e as far sas O Hespanhol e
Astúcias de Zanguizarra, de Ricardo José Fortuna , por um grupo de
parentes e amigos, por ocasião do aniver sário de sua mãe ( id ., ib id . :
301). O novo espírito romântico do sentimentali smo exacerbado povoa os
palcos amadores, cujas plateias sofrem com os revezes dos herói s do
melodrama sentimental e de aventura , por influência de Kotzebue e
Pixérécourt . O sucesso de António Xavier nos t eatros públicos prolonga -
se pelos amador es. Sensibilidade no crime e Manuel Mendes Enxúdia
surgem em diversos pedidos de licenciamento particular, ta l como as
suas traduções de Camila ou O subterrâneo, de Vivetièr es, ou de Roberto
chefe dos salteadores , versão da obra de Schiller, por J . Lamartelièr e .
Também o madeirense Luís José Baiardo surge r epresentado, em
setembro de 1826, no teatro da rua da Fábrica das Sedas, por uma
sociedade de doze amadores, que l eva à cena Cristiano rei da
Dinamarca38.
A escolha destas obras de sentimentali smo excessivo, r epletas de
imbróglios pungentes e di scursos patéticos, evidencia uma ruptura com a
37
Braz Martins modernizou a obra com o t í tulo Pecad os da mocid ad e, e, posteriormente, sofreu nova versão, Nuvem negra em ceu azul , por Manuel José de
Araújo , para o Teat ro da Rua dos Condes (Bastos 1898:95), edi tada por F rancisco
F ranco, na B iblioteca dramát ica popular , 121. 38
Tratar-se-ia do drama Chris ti erno Rei da Dinamarca ou a Sed ução punida, cujo
manuscri to se encont ra na Biblioteca Jorge de Faria, na Univers idade de Coimbra,
em cuja fo lha de rosto se l ê: “Ficção original escripta sem algu m fundamento
h i stórico , e inventada to talmente por Luiz Joze Baiardo em Setbrº de 1824.” ( LEMO S ,
Maria Luísa (1974), Secção de manuscr itos da Bibl ioteca Geral d a Univers idad e de
Coimbra, Coimbra, p .37) Te ve edição impressa com o t í tu lo Chris ti erno, rei d a
Dinamarca, via jando incógnito pelos seus estados ou A cons tância e heroísmo d e
uma mulher . Lisboa: Tipografia de J . A. S . Rodrigue s [rua da Condessa] , em 1841.
36
cultura aristocrática do Ancien Régime, do “imobi lismo paralisante da
tragédia neo -clá ssica” e do “convencionalismo dos elogios dramáticos”,
ainda vigente em alguns círculos (Rebello 1980: 28). Em dezembro de
1828, o furriel Teotónio Correia do Coito e Aguiar , do 4º batalhão Corpo
de Voluntários Realistas39
, fez representar no Palácio Loulé, à Graça, um
divertimento para “melhoras do Rei” , levando à cena um Elogio a D.
Miguel , seguido de Roberto chefe dos ladrões e da farsa Aviso na
Gazeta . A índole tradicional do r epertório r eflete o deficiente grau de
politi zação permitido, num período r epressivo, que proibia manifestações
culturais e a juntamentos, fora da iniciativa oficia l, nos quatro anos que
durou a governação migueli sta (1828 – 1832).
Entre o t eatro tradicional, contar -se-ia também a obra do
cabeleireiro António Joaquim de Carvalho , que trocou a profissão pela
de mestr e de dança (Silva 1858-1911: I , 159). Escreveu ampla obra
poét ica , cujo estro Ca stilho elogiou, na Epísto la ao morgado de Assentiz ,
publicada em Escavações poéticas : “O Carvalho, em que discordes/
Natureza e fortuna andaram sempre” ( id ., ib id . : I , 160). Desenvolveu
Carvalho o estilo joco -sério, muito aplaudido no seu tempo. A sua
Collecção de obras dramáticas (Lisboa: T ip. Lacerdiana, 1813) , em
prosa, compunha -se da comédia A ribeira do peixe, ou a Peixeira
virtuosa , e das farsas A velhice namorada , A aula dos toureiros to los , e
o Galego bruto e moco ( ib id .: ib id .) .
Em 1818, para um anónimo articulista do Jornal de Coimbra (v.12,
n.LX II , p.44), “os theatros, a lém de aper feiçoarem a s línguas, [eram] as
melhores eschola s de costumes; mas [ era] necessário para a ilusão ser
per feita , que o edi fi cio [ fosse] apropriado, bons comicos, e que os
Espectadores [ estivessem] a cómmodo”. A sociedade burguesa,
assi stindo à transformação da vida económica e social portuguesa,
procla mou a restauração da liberdade em 1820, pondo fim ao Antigo
39
Organização mi l i ciana, cr i ada por D. Miguel para defender o regime a bsoluti st a,
por Decreto de 26 de maio de 1828, na sequência da re vol ta l iberal do Porto . O
Duque de Cadaval fo i comandante deste escalão de eli t e no seio da s Mil ícias do
Reino, t endo tomado parte nas guerras liberais . In icialmente const itu ído pelos
batalhões de Lisboa, fo i alargado ao res to do paí s, devido à forte afluência de
voluntários.
37
Regime, promoveu as primeiras eleições para as Cortes, em 1822, redigiu
a Constitu ição liberal, assistiu às vitórias e derrota s de liberais e
absolutis tas na guerra civil , à agitação política , a té à vitória da
Revolu ção de Setembro de 1836, sem que o t eatro que subia à cena nos
seu s palcos particulares se afasta sse da visão tradicionalis ta do velho
repertório. Será preci so que o espírito do experimentali smo idealista de
Garrett e a sua noção de estadi sta estru turem uma nova linha de
pensamento, para que o cír culo amador popular se transforme pelo
caracter do repertório e pela técnica da representação.
2.2 . Elites e c lasses médias: ascensão burguesa pelo teatro
A nobreza lisboeta oitocenti sta , anterior à Regeneração, qu e F ialho
de Almeida descreveu como “uma fina flor de mundo requintado, podre
de chique, frenét ica de elegância” (1993: 155), comportava-se como u ma
elite intelectual, i .e . como uma classe no topo da pirâmide social ,
exercendo funções importantes, valoriza das e reconhecidas por
privilégios, prest ígios e outros b enefícios de direito e de facto (Fonseca
1998a: 393). A partir da capita l do reino, esta elite emanou a sua
mundividência cosmopolita , influenci ou a realidade regional,
constitu indo-se como referência e polo de atração, como uma nova
nobreza . Definia -se “muito menos pelo seu volume do que pela sua
densidade social” , e media -se “pelo dina mismo […], num jogo de
representações sociai s, que a torna m objecto de conc orrência e/ou de
imitação” ( id ., ib id . : 394). Interligando -se com ela , a classe média , feita
de funcionários administra tivos e judiciais, militares, professores,
negociantes, comerciantes, e pequenos proprietários, sustent ou o
processo da modi fi cação socia l originário de Setecentos, acelerado pela
Revolu ção Liberal.
Os conceitos de elit e polí ti ca e intelectual interpenetra ram-se. Com
a vitória do Constitucionalismo, em 1834, a própria Câmara dos Pares,
sofr eu modi fi cações, acolhendo no seu círculo notabilid ades não
titu ladas. Esta elit e materia lmente independente do Trono evidenciou -se
por mérito e pela “ capacidade para o exercício do cargo” ( id ., ib id . :
38
399) . Segundo Fialho de Almeida, era m os “nababos”, que haviam
exercido “ásperos esforços […] para acumul ar for tuna, soldo a soldo” .
Era a “geração de finança e brasil eirismo”, dos “imperadores da alpaca
ou da farinha”, que acabou por aprender “na arte de viver, o grande
estilo, e o dom de encontrar nos meandros da sumptuosidade o justo
meio de bom gosto”. A sociedade enobrecida pelo liberalismo compunha -
se de “indivíduos de nervos educados e espírito eleito , […] almas doidas,
joviais, intrépida s, bem formadas, sua pontinha de herói s em sua
levedura de cabotinos, […] duma embriaguez comovida para todos os
assuntos de força, de arte e selecção” ( Almeida 1993 : 157-58). A ironia
fia lhina serve o retra to descomprometido desta sociedade de dilettanti ,
cultivando música, canto e teatro como artistas consumados:
Em 1840, a sociedade, esquecida já das guerras civis, dera rebate ao
prazer, num tantã de opulência […] : e no seu requinte empenhava -se em
continuar do grande século aquela t radição de graça e d esenvoltura , que
todos os anos ent rava em Portugal, nas bagagens dos e legantes vindos de
Paris – desde o marquês de Nisa , fundador da Sociedade do Delí rio [40],
arremedo dos Treze , de Balzac, a té aos marqueses de Viana e seus
congéneres na arte estonteadora de dest ragar ( Almeida 1993: 181).
A comédia de sala serviu múltiplos fins. Não só como di st ração
artística e estéti ca , mas como desenvolvimento das capacidades de
memória e como manual prático de conver sação em sociedade, ensinando
às jovens menina s as subtilezas necessárias ao são convívio em público.
Prestava-se, a lém disso, como forma cortês, em que o jovem podia
corte jar a sua dama, a coberto de um alheio di scurso eloquente e de uma
dicção aprimorada e deli codoce, que o transformava m invariavelmente
em amador cabotino. Todavia , quando bem executado, o t eatro de sala
não representava uma empresa fácil para os intervenientes. Em
40
Espí ri to boémio ret ratado por Eduardo Noronha , em A Sociedad e do Del ír io
(1921), que versa sobre a vida de Domingos F ranci sco Silvei ra e Sousa, 9º Marquês
de Nisa, e cont inua O Cond e d e Farrobo e a sua época , sobre Joaquim Pedro
Quintela. Era resul tado di reto da influência dos salões pari sienses , que os serões
l i sboetas reproduziam. A s i tuação perpetuou -se ao longo de todo o século , como
referiu Eça de Quei rós , em Correspond ência : “A nossa arte e a nossa l i t eratura vê m-
nos fei t as de F rança, pelo paquete, e cus tam-nos caríssimo com os d i rei tos de
al fândega”. Cf. RA FA EL, Ul i sses (2010), Sociedad e do Delí rio: Boémia e l i t eratura
portuguesa no século XIX. Coimbra: Cent ro de Es tudos Sociais . FEUC (Faculdade de
Economia/ Univers idade de Coimbra). ]
39
Oitocentos, o compor tamento do público dos salões da eli te não se
afastaria do descrito pela condessa Du Barri , nas suas Mémoires :
En général , le public des salons est fort indulgent tout le temps que dure
la représentation qu’on lui donne; mais si tôt la toile tombe, il devient
plus sévère que l’aut re public, pour se dédommager de sa poli tesse (Du
Barri 1829 -34: I I I , 23).
Um curioso -dra mático da sociedade elegante não poderia nunca
aproximar o seu estilo de representação do dos atores de profi ssã o. Para
aquelas plateia s selecionada s, quem se apreciava era a di stinta figura da
sociedade, que interpretava o papel de servidor. Esta parti cularidade
criava um paradoxo ao comediante amador: como conseguir imprimir ao
papel o r ealismo exigível , tornando -o vivo e inter essante em termos de
ilusão teatral? Jamais poderiam cair na prosódia enfática do velho t eatro
de declamação do estilo melodramático e enfadonho de ais e suspiros,
que, de resto , Émile Doux, Garrett e o a tor Epifânio procuravam extirpar
nos atores de profi ssão. O teatro de sala visava desenvolver a arte de
bem dizer, a partir da compreensão da s situações da comédia ou do
drama:
[Estas] representações de amadores, gente dist inta , a maior parte da qual
vi ra em Paris as soirées dramáticas de Bouffé , da du Plessy, de Régnier e
de madame Favart […] estas representações eram uma cont raprova
artí stica oferecida pela classe de eli te aos nossos actores, uma espécie de
levantador de nível , susceptível de exercer influência na arte dos nossos
teat ros, e de corrigi r nela , por l ições de elegância e dist inção, as
hesi tações e chatezas de arti stas quase todos e les t i rados dos bas-fond da
sociedade (Almeida 1993: 184).
Entendem-se, por i sso, as objeções levantadas por Garrett à
representação de Frei Luís de Sousa no Teatro Nacional da rua dos
Condes, onde subiram à cena as suas proposta s de renova ção do teatro
português: Um Auto de Gil Vicente e O Alfageme de Santarém . A obra
foi estr eada no teatro particular da Quinta do Pinheiro, na s imediações
das Laranjeiras, propriedade da fa mília de Duarte de Sá , não sem antes
ter passado pelo crivo do salão lit erário de D. Maria Kru s , na rua
Formosa, a “corbeille de todas as ambições políti cas” ( id . , ib id. : 185). O
drama foi lido nu ma dessas soirées elegantes, em que l iteratos e
40
jornalista s se misturavam, e a li mesmo se decidiu da representação e da
distribuição dos papéis:
Rambois e Cinatt i encarregaram-se de pintar as vistas; as aguarelas dos
t rajos fizeram-se no próprio salão, aos serões, sendo a Levail lant […], se
não me engano, a encarregada de sobre os desenhos cortar os vestuários
para a mulher e fi lha de Manuel de Sousa (Almeida 1993: 185; itálico
original ).
O drama garrettiano teve estr eia absoluta no pequeno teatro de sala
da Quinta do Pinheiro, em tão ilustre conclave de damas e cavalheiros da
primeira sociedade, que “esbarrondava” a sala ( id . ,ib id . : 188). No seu
estilo ampli fi cador, a inda que fundamentado n a leitura dos jornais
coevos, Fialho afiança que a lotação desse dia teria a tingido quase o
quíntuplo dos duzentos lugares que o espaço comportaria :
O teat ro da quinta do Pinhei ro era pequeno, e apesar dos adornos de que
fora revestido, das pi râmides de ar bustos, das serpentinas e lust res
carregados de velas, das colgaduras da Índia e da China caindo em
artí sticas draperies a cada banda dos porta is, e fazendo uma espécie de
baldaquino por cima da boca do palco, revestia um meio aspecto de
capela rica e de boudoir, onde diziam frei ra ticamente os rost inhos das
l indas senhoras que o enchiam (Almeida 1993: 188 ).
A exiguidade do palco, sem condições técnicas para a cenografia
segundo as didascálias garrettiana s, permite conjeturar uma ampliação da
leitura inicia l , de gabinete, para uma espécie de “leitura encenada”. A
qualidade do desempenho r egi stou níveis de qualidade, sobretudo no
papel de D. Madalena, em que D. Emília Krus de Azevedo demonstrou
ser uma “grande actriz, que sabia dizer com rara pureza de intenção, e
dosear os efeitos dramáticos por forma a não sacri ficar a verdade à
ênfase”, secundada por José Joaquim de Azevedo , interpretando a
impetuosidade de Manuel de Sousa Coutinho com a “veemência dum
talento ta lvez amaneirado, porém largo de arrancos” ( id ., ib id . : 190).
Aquém das expectativa s, fi caram as interpretações da jovem D . Maria da
Conceição e Sá , no papel de Maria de Noronha, e do autor do dra ma ,
substitu indo à ú ltima hora no papel de Telmo. A filha do anfitr ião Duarte
de Sá carecia de experiência , e embora “possuidora de raça”, fa ltava -lhe
a força da expressão necessária . O seu inexpressivo “ filete de voz cheio
41
de dolência” coadunou -se com as cenas de “ingénua nos doi s primeiros
a tos”, mas “deixou imenso a desejar” no lance patéti co da cena da morte
no derradeiro momento. Quanto ao próprio autor, que todos esperavam
ver dar uma “figura cheia de carácter, e desdo brasse no actor o
cori scante génio” de dramaturgo (Almeida 1993: 191) :
Erro profundo! Garret t , em primeiro lugar, sabia mal o papel ; e o seu
recita tivo, particularmente empenhado em fazer belezas l iterárias,
imprimiu à criação um empolado de mau gosto, e ti rou ao personagem
precisamente aquilo que sobre a cena poderia individualizá -la: a
ded icação de um velho servidor que vacila ent re a lembrança de um amo
morto e a afectuosa nobreza de um amo vivo, e teimando em guardar ao
primeiro a fé jurada, mercê de um pressentimento inexpl icável ( Almeida
1993: 191).
Por toda a Lisboa elegante, o teatro , a mú sica, a dança, ou os bailes
ocupavam a atenção da primeira sociedade, ta l como os ga binetes de
leitura41
. Oitocentos é o século das musas – Euterpe, Tália , Melpómene e
Terpsícore, música, comédia, tragédia e dança – , que trazem consigo a
memória do arcadi smo em tempo revolucionário. Não será por isso de
estranhar que as sociedades particulares, que surgem graça s ao espírito
do liberalismo, se apropriem ainda dos ilustr es nomes, identi ficando um
possível objetivo da sua razão de ser na designação onomástica d o
agrupamento. Quando as musas cairam em desuso, o seu lugar no templo
da arte foi tomado por semideu ses de carne e osso da cena portuguesa, e,
em finais de século, por designações de simboli smo republicano.
A burguesia filha de Euterpe a ssenhoreou -se dos hábitos musicai s
da aristocracia . O cravo deu lugar ao piano, importado da Europa, que
invadiu as casas abastadas da média -burguesia comercial42
. C riou-se a
monomania musical e, com ela , o “ tipo nacional” do “fila rmónico”,
descrito por Lopes de Mendonça :
41
Cf . EST EVES , Rosa (1984), “Gabinetes de l ei tura em Portugal no séc. XIX (1815 –
1853)”, RUA-L: Revis ta d a Universid ad e d e Aveiro . Let ras . Avei ro: UA; ___(1986),
Aspectos d a sociabil idad e oi tocenti s ta: “O Jornal f rancês” L ’Abeil l e (1840 a 1841).
Separata de Revis ta d e His tór ia das Ideias , vol . 8. Coimbra: Faculdade de Let ras . 42
A part i r de meados do século o seu predomínio é indiscut ível ; ent re 1861 e 1890,
as al fândegas regi stam uma média de ent rada de 500 pianos por ano (Cascão 1998:
445).
42
Desde o dandy imponente, que est raga o fôlego robusto, assoprando
numa t rompa, até ao ignorado fadista, que arranha nas hortas as cordas
de um cavaquinho, o género é numeroso, e insinua -se em todas as
camadas sociais, em todas as profissões conhecidas (Mendonça 1852: II,
junho).
Idêntico ao do t eatro, o poder social da música promovia a
distração, “[renovava] as forças do entendimento, [combatia] o tédio e
[prevenia] a ociosidade viciosa” (Cascão 1998: 445). Academias,
grémios, clubes, sociedades, ou assembleia s designam vu lgarmente
entidades, que se organizavam como espaços de sociabilidade artística , e
se constitu íam formalmente, com estatu tos e regulamentos aprovados
pelo poder central. A Regeneração f omentou o espírito associativo e a
criação de espaços de instrução, cultura e recreação, como forma de
evitar a influência perniciosa do jogo e do alcooli smo. O ideário liberal
fazia florescer a boa intencionalidade dos “anseios de fraternidade e de
associação” (Maçarico 2010: 16)43
. Guilherme Cossoul , Lopes de
Mendonça ou o republicano Sousa Brandão pugnaram pelas causas
mutualistas e pelo associativi smo operário, como forma de melhoramento
das cla sses laboriosas, ta l como José Cipriano Costa Goodolphim, para
quem a s associações deveriam ser espa ços em que o op erário usufruísse
da leitura de obras apropriadas à sua inteligência e saber44
.
A 15 de agosto de 1855, António Pedro , então ainda ator amador,
Ricardo Sestelo e Júlio Silva fundaram a Academia Recreio Artíst ico,
com sede num primeiro andar, do número 286, da Rua dos Fanqueiros,
paredes meias com o Teatro de D. Fernando45
. A academia formou desde
logo o seu grupo dramático, que promovia saraus dramático -musicai s, em
que convidava outros amadores d e r econhecido mérito. António Pedro
gozava já de “muita fama, entre os a madores da época” (Sousa 1908: 3),
43
Cf . MA ÇA RIC O , Luís F il ipe (1998), “O problema cul tural da ident idade como factor
de desenvol vi mento e be m-es tar social”, comunicação em 1º Encontro da Associação
para a Recuperação do Patr imónio de Arruda, Arruda dos Vinhos , maio , 1998;
C O RD EIRO , Gr aça Índias (1991), “Espaço Associativo Urbano: Bases ét i cas para
prát icas lúdicas: Associat ivi smo e Sociabilidade numa Colect ividade de Lis boa”, em
B RIT O , J . Pais de/ O’NEILL, Brian (eds) , Lugares d e aqui , Actas do seminár io
Terrenos Por tugueses . Lisboa: D. Quixote. 44
Cf. C O RBA IN , Alain (2001), A His tór ia dos t empos l i vres . Lisboa: Teorema. 45
A associação ainda hoje exi ste e mantém at i vidade divers i f i cada.
43
após a estreia no teatro particular da calçada do Ca scão , e da passagem
pelo t eatro particular da Graça , “reputado o melhor dos pa rticulares”
( ib id .: ib id .) . Graças a essa dinâmica, a Academia chegou a fazer
representar operetas nas suas instalações. Em 1883, fundou uma
publicação própria , O Argo: tosador efectivo das to lices da Academia
Recreio Artís tico (Lisboa: [ s.n.]) , continuado por O Piparote e por O
Recreio (1921) (Rafael/ Santos 2001: 66).
Os grupos musicais e os dramáticos, criados dentro dessas
associações, evidenciam uma cultura popular urbana heterogénea, que
pretende evoluir pelas artes, formando o gosto público. A escolha dos
repertórios dos t eatros particulares, segundo a sua localização geográfica
na cidade, permite aferir da qualidade dos frequentadores. O teatro do
Cascão l evara à cena em estreia a farsa O primo de Imbófia , do ator
amador e livreiro José António Coimbra, cujo estilo se aproxima do
Manuel Mendes Enxúndia , que integrava o r epertório do teatro particular
da Graça. Ainda que este teatro levasse à cena dramas como Afonso III
ou o Valido de El -Rei, de Henrique Guilherme de Sou sa, o repertório
amador compunha -se maioritariamente de comédia s e farsa s, abundando
esta s nos teatros particulares dos bairros populares.
O Teatro Thalia , constru ído cerca de 1840, no Palácio dos Condes
de Resende, ao Campo de Santa Clara (Câncio 1962: 258), constitu i um
caso curioso de evolução de um teatro particular de elit e, para um teatro
público de bair ro, sofr endo obras de ampliação, para se tornar no Teatro
Popular de Al fama , em 1872. Naquele teatro, a Sociedade Thalia (ou
Sociedade Dramática Thaliense) r epresentara , pela primeira vez, duas
comédias que o seu vice-presidente Almeida Garrett imitara , para os
associados: o Tio Simplício , a 11 de abril de 1844, e Falar verdade a
mentir , a 7 de abril do ano seguinte. Para esta sociedade , composta pela
a lta sociedade li sbonense46
, escreveu também Júlio César M achado o
46
Sousa Bastos regi s ta a composição do elenco da réci t a, a 11 de feverei r o de 1848,
em que se representou, em francês , o vaud evi ll e de Bayard , La lect rice, e se es t reou
a comédia de Mendes Leal , Quem por fia mata caça : D. Emí l ia Krus , a primei ra D.
Madalena de Garret t, D. Maria da Madre de Deus Aze vedo Coutinho, a Condessa da
Lapa, Duarte de Sá , Ernesto Bies ter, Conde de Mello , Conde de Farrobo , Alexandre
de Cas ti lho e António Maria Berquó (Bas tos 1898: 67).
44
provérbio Amigos… amigos… (1863) , que subiu à cena “magistralmente
executado”, para um “público escolhido” que o “applaudio devera s”
(Machado 1854: 7). Após dez anos de inatividade, o teatro ressurgiu por
iniciativa de Joaquim José Alves, vereador do Pelouro da s Obras, na
Câmara Municipal de Li sboa, tendo a Sociedade Thaliense levado à cena,
a 26 de fevereiro de 1872, as comédias Os dois inseparáveis , de Pedro
Maria da Silva Costa , Mestre Jerónimo, de Rangel de Lima e Ari stides
Abranches, e Joaquim, o Terra Nova, de José Carlos dos Santos, todas
elas do repertório do t eatro do Giná sio Dramático .
A 22 de Junho desse ano, começaram as obras para a amplifi cação
do r enovado teatro, que t erminam a 18 do mês seguinte. Foram
empresários Campeão & Cª, e fi cou encarregado da obra o Assunção,
antigo maquini sta do Teatro de Variedades. Além de sala de espetáculos,
constru iu -se um salão de bail es e um botequim. Foi seu dir etor técnico
Franci sco da Costa Braga . T inha estreia prevista para 14 de Setembro,
anunciando o cartaz Um Homem do Povo, drama em 2 atos, de Eduardo
Martins, e a comédia O Vestido Rasgado, do próprio Costa Braga .
Todavia , a 10 de Outubro, a empresa suspendeu a inauguração do teatro ,
ao fim de três meses de ensaios, e exonerou os artistas das suas
escrituras. Terminava assim, sem grandes explicações em per iódicos, a
tentativa de criação de um teatro público em Alfa ma, para se manter a
a tividade amadora, levando a antiga Sociedade Dramática Thaliense à
cena, a 19 de Outubro, a peça em 1 ato A carteira perdida, dos atores
Isidoro Ferreira e Queir ós Sarmento, a peça em 3 atos, de José Maria
Braz Martins, Os Pecados da mocidade, e a comédia em 1 ato Sempre o
mesmo tio Torquato47, de Al fredo Ataíde (Matos-Cruz 2010: passim ) . Os
47
A co média f i cou conhecida por es te nome, ainda que originalmente se t enha chamado Rosário, batina e chambre, editada pela Livraria Económica de Domingos
Fernandes , em Teat ro dos Curiosos: Colecção de peças para sala e t eat ros
part i culares , nº 50 . Al fredo Ataíde escreveu propos itadamente a comédia em u m ato ,
Uma excentricidad e, para ser representada no teat ro part i cular do Marquês de
Al vi to , D. José Lobo da S ilvei ra Quaresma , na noi te de 2 d e abri l de 1866. Na edição
impressa da obra, no ano seguinte, imprime u ma dedicatória a D. Margarida de
Vasconcelos : “A excent ricidade nasceu em berço humi lde, e era dest inada a não
t rajar os atavios de corte, a V. Exª que a elevou, de ve a sua gloria. //A pobre f lor do
ca mpo, quási murcha e coberta pelo gelado manto do inverno, tocou -a um raio de sol
que lhe deu vida. //Conceda -lhe V. Exª um modes to lugar ent re os louros da sua corôa
de art is t a”. O fo lheto inscreve t a mbé m a d i st r ibuição: Felicidade da Si lva: D.
45
autores destas comédias eram atores de nomeada, que partilhavam com
os a madores a s suas obras e a di sponibilida de para as representar48
.
O gosto sofria nitida mente a influência dos t eatros públicos –
Ginásio, Condes, Variedades, Príncipe Real – , pelo estilo e pelos autores
da moda, a liás ampla mente di fundidos pelas coleções dramáticas em
voga. A Academia Fenians seguiu o exemplo. Em 1865, o mestr e de
dança Justino Soares compôs uma quadrilha a que chamou Os Fenians. O
êxito da dança, que chegou inclusive a Paris quatro anos depois, levou o
seu autor a abrir uma academia para quem quisesse aprender a dançar, e
que foi muito concorrida durante vários anos. Chegou a possuir teatro
próprio, onde se representaram comédia s de José Bento de Araúj o
Assi s49
, do jornalista Eduardo Coelho50
e do empresário Baptista
Machado51
, di fundidas em folhetos das coleções dra máticas populares.
Margarida de Vasconcelos ; Henrique de Mendonça : Al fredo Ataíde ; Um criado:
Jorge de Cabedo. 48
No ano de 1872, regi s ta -se a atividade de t eat ros part i culares: Teat ro Popular , ou
Teat ro Novo Ginás io , no Pátio do Ti jolo , à Pat r i arcal , inaugurado a 1 de agos to , e
para o qual F ranci sco Duarte de Almeida Araújo anunciou ter escrito o dra ma Vasco
da Gama e a Descober ta d a Índia, para aí ser representado (Matos -Cruz, 2010); Teat ro da rua Formo sa; Teat ro do Quartel de Infantaria 2 , cons t ru ído por subscrição
de oficiai s e sargentos , cujo pano de boca foi pin tado pelo sargento F razão
( id .: ibid . ) ; e o Teat ro do Cas ti lho , na t ravessa das Terras de Santana. O teat ro de
sala cont inua a exi st i r em casa do Conselhei ro Constâncio , na de D. Franci sco de
Al meida e na de André Ludgero Mendes , em Lisboa, cujas peças e elencos são
publ icit ados pelo Diár io d e Notícias . 49
Indus t ri al e comerciante, fo i fundador da Companhia Lisbonense de Es tamparia , e
secretário da Companhia das Lezí r i as . Foi um dos primei ros emp resários do
comércio de carnes de Lisboa, possuindo diversos t alhos. Foi ator amador de
nomeada, t endo chegado a ser con vidado para se tornar ator profiss ional. Colaborou
em di versos periódicos da capital, e produziu diversas obras dramát icas de sucesso .
Foi redactor da Crónica dos Theatros . 50
Natural de Coimbra, veio para Lisboa, para t rabalhar no comércio , após t er f i cado
órfão de pai . Aprendeu o ofíc io de tipógrafo e ingressou na imprensa Nacional como
Oficial Composi tor de Textos . Colaborou em vários jornais e fo i secretário de
António Fel iciano da Cas ti lho e de José Es têvão de Magalhães . Aos 29 anos , fundou
o jornal Diár io d e Not ícias , que di rigiu até à sua morte. Era i rmão do f ilólogo
F rancisco Adol fo Coelho e amigo ín t imo de Eça de Quei rós . A sua produção l i t erária é vas ta, t anto na f i cção, como no teat ro , de que t ambém fez t raduções . O seu drama
Opressão e L iberd ade foi expressamente escri to a convi te da d i reção do teat ro de D.
Luís , em Coimbra, onde subiu à cena a 11 de j anei ro de 1862. Cf. C UN HA , Alfredo da
(1904), Ed uardo Coelho. A sua vida e a sua obra. Alguns factos para a h i stória do
jornali smo português contemporâneo . Li sboa: Tipografia Universal . 51
Foi amador dramát ico nas sociedades part i culares. A sua comédia de est reia, Uma
exper iência , representou-se no Teat ro da Rua dos Condes , com música de F rancisco
de F rei t as Gazul . Era um autor que redigia com rapidez, todos os géneros , sobretudo
no domínio da comédia, que “escrevia a brincar” (Bas tos 1898: 365). Escreveu
també m mui tos monólogos e cenas cómicas , género mui to em voga na segunda
metade do século . Foi um ensaiador de grande competência em vários t eat ros, e
46
Os serões culturais interligavam o teatro e a música, cujos
repertórios definia m assim di ferentes grandezas de cultura artística . No
teatro da Sociedade Assembleia Fa miliar , situada na rua do Alecrim, em
1872, representaram-se comédias -imitações do francês, ma s também
subiu à cena, a 4 de maio, a ópera de Bellini , Os Puritanos, e a 26 de
outubro, o Rigoletto , de Verdi . No seu periódico A Arte Dramática ,
Sousa Bastos noticiou que estes “distinctos curiosos dramáticos” ( AD,
01/11/1873: 4) eram ensaiados pelo ator Taborda, em cuja noite d e
benefício, lhe foi oferecido, como prova de gratidão, o a lfinete de peito
que pertencera ao ator Tasso ( AD, 24/12/1873: 2).
Alguns teatros particulares funcionaram como espaços mistos de
entretenimento popular, onde di ferentes estra tos convergiam pelo
espírito boémio. O teatro particular do Pátio do Maldonado (1855), na
Costa do Castelo, o Teatro T herpsicore (1857), a S. Bento, e o Teatro
Garrett (1860), aos Anjos, exempli fi cam espaços populares de amadores,
em que o teatro se misturava com a mú sica e a dança, nos célebres
“bailes campestres”, em “tempos de picaresca folia” de bailes de negros,
da Rainha Jacinta (Sequeira 1967: II , 20)52
. Os doi s ú ltimos viriam a
tornar-se viveiro de dramaturgos, a tores e a trizes populares, entre 1850 e
o fim de século, estabelecendo uma ponte entre o dil etante e o
profissional, bastas vezes com assomos de pretensiosi smo amador,
regi stado em críti cas jornalísti cas arrasadoras.
Não cabendo aqui a história de todos estes t eatros, fica toda via a
memória daqueles que tiveram importância no seu tempo, não só como
espaços de sociabilidade burguesa , ma s também como escolas populares
chegou a ser empresário no Teat ro do P ríncipe Real . Vi timado pela doença, que o
cegou, faleceu no hospi tal de Ri lhafoles , no es tado de loucura (Bas tos 1908: 238). 52
Em 1862, F ranci sco Rocha , empresário do Teat ro da Rua dos Condes , de parceria
com Gui lherme Celes tino e out ros , decid iu organizar no Therps icore um benefício
em ho menage m à negra Jacin ta, que “se finava à penúria” (Sequei ra 1967: II,21).
Organizara m-lhe um ca marote, ao qual foi conduzida com toda a so lenidade, para
ass is ti r ao espetáculo em sua honra, que começou pela “marcha dos pretos de S .
Jorge que a Rainha e os seus d ignitários ouvi ram de pé” ( ibid . : ibid. ) . També m
Francisco Palha lhe organizou “uma cor t e de duques , marqueses , condes e out ros
t ítu los”, ent re os quai s se encont rava António Fel iciano de Cast ilho , “duque de
Catumbela”, e Cami lo Castelo Branco , “marquês”, ent re out ros (Bastos 1947: 125).
47
de arte dramática, cujos pequenos palcos melhor se adequavam ao estilo
das peça s íntimas:
Os teat ros pequenos são os melhores […]; deixam observar bem os
arti stas, o jogo da sua physionomia, o mais leve olhar, o mais leve
sorri so, o mais leve gesto, todo o t rabalho delicado e fino que consti tue a
arte do actor e que em distancia se perde! Dispensam de gritar, deixam
ouvir phrase por phrase , e servem até para d isfarçar melhor… nas récitas
em que não teem publ ico! (Machado 1871: 44).
Na travessa do Forno, aos Anjos, o T eatro Garrett era propriedade
de António Cândido da Cruz , o Cruz do Guarda -roupa, que além de
comerciante também foi empresário do Teatro do Ginásio , na temporada
de 1870/71. O teatro estreou a 12 de maio de 1860, com a comédia em
um ato, ornada de copla s, A paixão de André Gonçalves, de Luís de
Araújo Júnior , por um grupo de amadores. Pelo seu palco passaram todas
as sociedades a madoras – Sociedade Recreio Fa miliar , Sociedade César
Polla , Troupe Carlos de Almeida , entre tantas – , e se estr earam, ou
tiveram reprises, peças de autores populares como Júlio Rocha , Júlio
Howorth, Domingos Manuel Fernandes (aliás Roberto Valença ), ou
Frederico Napoleão da Victoria , de quem falaremos a devido tempo. A
frequência do t eatro era diversi fi cada, sendo concorrido por estudantes,
entre os quais Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro , “que fazia espirituosos
‘croquis’ dos amadores” (Ferr eira 1943: 126). Estaria seguindo as
peugadas de Rafael Bordalo Pin heiro, seu pai, que também aí r epresentou
como a mador, assim como no Teatro Taborda , na encosta do Ca stelo.
Este teatro deveu -se à Sociedade Taborda , consti tu ída a 16 de
janeiro de 1870, em homenagem ao ator do mesmo nome, por iniciativa
de João Augusto Vieira da Silva , que o mandou edi ficar. As obras foram
dirigida s pelo arquiteto da Câmara M unicipal de Lisboa, Domingos
Parente da Silva , que também esteve a ssociado à construção do Teatro do
Príncipe Real , de Li sboa. A inauguração ocorreu a 31 de dezembro do
mesmo ano, com um espetáculo ensaiado pelo ator Portu lez, em que se
ouviu o Hino da Sociedade , de autoria do professor Augusto José de
Carvalho, pela recitação do poema de José Inácio de Araújo, A Sociedade
aos seus convidados , e pela representação do drama de Tomás Lino da
48
Assunção53
, O mundo e o c laustro , pela sua comédia -imitaçã o de La
grammaire (A gramática ), de Eugène Labiche , e pela comédia O
Morgado (Bastos 1994: 371). O teatro foi dirigido pela sociedade até ao
seu desmembra mento, acolhendo vári os grupos amadores, que exibiam
um repertório selecionado de dramas, comédia s e operetas. Pelo seu
palco, passaram vultos do t eatro e da imprensa: Taborda , que
abrilhantava as festas com monólogos e cenas cómicas, tão do agrado do
público em geral, mas também António de Menezes (o gazetilheiro
Argus, autor de revista s), o a tor Carlos Posser , os jornali stas Henrique
Chaves e Avelino Baptista , ou o empregado de comércio Gervásio
Correia , que aí brilharam como intérpretes da s óperas -cómicas A
Perichole , de Jacques Offenbach, em tradução de Cardoso Leoni , e Os
sinos de Corneville , versão de Les cloches de Corneville , de Robert
Planquette . Foi considerado o melhor t eatro de amadores de Li sboa, pelo
rigor de representação dos grupos dramáticos que aí a tuavam.
Quando a Sociedade Taborda se desfez, a lguns dos seus sócios
constitu íram uma nova academia de amadores dra máticos, que decidiram
homenagear um ator, cuja fa ma influenciou a designação do próprio
espaço, o Teatro Teodorico , na calçada de Santo Andr é, no solar
quinhenti sta que aí exi stiu , junto ao arco54
. Este pequeno teatro ,
inaugurado em 1890, era constitu ído por uma sala modesta e uma cerca
exterior, em socalcos, pela encosta do Castelo , onde era costume jogar -
se ao chinquilho. Chamara -se anteriormente Teatro Jacobet ty . A
53
Completou o curso de condutor de obras públicas no Ins t ituto Indust r i al e
frequentou o Curso Superior de Let ras . No Bras il , d i rigiu a const rução do caminho -
de-ferro de S . Paulo ao Rio de Janei ro. Colaborou em jornais e re vi s tas , escreveu
teat ro e t raduziu obras de Georges Ohnet e de Eckermann -Chat rian (pseud. ) . Foi
redator do periódico O Dia, fundado por António Enes , e secretári o da Inspeção -
Geral das B ibl io tecas (29/12/1887). Pos it ivi s ta e anticlerical , dedicou -se a es tudos h i stóricos, fruto da consul ta de arquivos conventuai s (S ilva 1858 -1911: XIX , 278). 54
O ator Teodorico começou a sua carrei ra em teat ros parti culares , em papéi s de
baixa comédia, com os quais grangeou grande sucesso . Ins tado por amigos , decidiu -
se a segui r carrei ra nos t eat ros públicos, ingressando no Teat ro do Sal it re . Em 1838,
in tegrou a companhia do Teat ro da Rua dos Condes , onde se mante ve at é 1843, nas
empresas de E mí l io Doux e do Conde de Farrobo. Teodorico fez parte da sociedade
de art is t as que tomara m a exploração deste t eat ro , até que, em 1846, fo i nomeado
societário de primei ra classe do Teat ro de D. Maria II . Foi um ator versát il , que
possuía uma excelente me mória, e dotes h is t riónicos , e um espí r ito capaz de geri r a
adminis t ração de um teat ro . Cf . a sua biografia, no jornal crí ti co -li t erário Galeria
Theatral , nº 20, 30/12/1849, pp .2 -3 .
49
sociedade de amadores, que o inaugurara , fora dirigida pelo ta lentoso
sapateiro Vitorino Gomes, porém péssimo empresário teatr al (Santos
1921: 31). Foi ta l o preju ízo, que o empresário o trespassou a António
Martins dos Santos, que procedeu a melhorias no espaço, durante um
ano. O pequeno teatro parti cular reabriu portas em 1891, e tornou -se num
local elegante. Chegou a possuir um considerá vel conjunto cenográfico
de t elões, mobil iário e adereços, várias vezes cedido ao empresário Luís
Ruas, do Teatro do Príncipe Real . Pelo palco do Teodorico passaram
muitos profi ssionais: Armando Vasconcelos, Delfina Vítor , Jaime
Venâncio (o autor da ópera cómica popular Processo do Rasga ) , Cecília
Machado , Palmira Torres (a Severa de Júlio Dantas)55
, e Alfr edo Silva ,
entre muitos outros (Santos 1921: 31-32). O teatro desapa receu, em
1913, quando foi demolido o arco existente nessa rua, junto ao qual se
situava.
No bairro do Mocambo, a tual Madragoa, ficava situado o Teatro da
rua das Trinas de Moca mbo, também conhecido por Clube Recreativo da
Lapa, propriedade de um indivíduo de apel ido Gomes56
. A sua fachada
assemelhava -se à de um teatro público, servindo a população do bairro,
gente ligada ao mar, pescadores e varinas peixeira s, sendo o seu
ambiente peculiar ; comia -se e bebia -se durante a função, por lá
circulando a fava -rica , as pevides, o burrié cozido e ou tros acepipes. O s
desacatos frequentes na assist ência l evavam à intervenção da guarda
municipal. O teatro possuía grande quantidade de adereços, que o seu
proprietário cedia de empréstimo a outras salas parti culares. No início de
Novecentos, foi destru ído por um incêndio, dando lugar ao animatógra fo
Salão das Trinas, após obras de remodela ção (Santos 1921: 34-35). Não
teve grupo dramático próprio, servindo como teatro de acolhimento a
55
A at r i z, que se es t reou aos 15 anos , no Teat ro da Avenida, es teve l igada à
modernidade t eat ral do reali smo -natural ismo, in iciada em fi m-d e-século e
continuada nas décadas seguintes de Novecentos . Além de t er desempenhado o papel
t itu lar em Severa, de Júli o Dantas , esteve l igada ao projecto art ís ti co de Araújo
Perei ra e Luciano de Cast ro , no Teat ro Livre (1902), além de t er di r igido uma
companhia de t eat ro infant il , no Teat ro da Avenida . 56
Apresenta várias designações : Teat ro da rua das Trinas de Mocambo (1888),
Teat ro Recreat ivo da Lapa (1890), Teat ro das Trinas (1894), Clube Recreat ivo da
Lapa (1894) e Salão das Trinas (1919-1940), quando passou a funcionar como
animatógrafo .
50
outros grupos : Grémio Dramático Bapti sta Machado , Grupo Dramático
Eduardo Brazão, Grupo Dramático António Portugal , Grupo Dramático
Mocidade , Grupo Dramático Almeida Garrett , ou Grupo Dramático Pedro
de Sousa , entre outros. As r écitas surgem publicitadas nos per iódicos de
amadores, O Amador Dramático e A Scena .
Na freguesia de Santa Isabel , ao Rato, para a lém do Teatro
particular do Ca stilho, exi stiu , na rua da Arrábida, nº 110, um teatro
particular elegante e bem frequentado, designado Teatro particular
Almeida Garrett , e que funcionou com o Animatógra fo da Arrábida , a té
ser destru ído por um incêndio, em 1912. As r écita s eram concorrida s, o
repertório variado, e a s críti cas do Amador Dramático sublinhavam a
qualidade dos intérpretes, verdadeiras vedeta s amadoras, capazes de se
dividir em entr e o t eatro declamado e o musicado, r evela ndo a mestria
dos ensaiadores e dos chefes de orquestra dos clubes recreativos.
No bairro de Alcântara exi stiram várias sociedades r ecreativas57
, e,
na rua do Alvito, uma sociedade de quatro membros mandou edi fi car o
Teatro Apolo, inaugurado a 3 ª de dezembro de 1896, com o drama
marítimo Jerónimo, o marinheiro , com música de Franci sco da Silva
Corado (Bastos 1994: 317-18). No largo do Calvário existiu o Clube de
Lisboa , nas instalações atualmente ocupadas pela Sociedade Promotora
de Educação Popular . Teve grupo dramático, que se estreou a 18 de
junho de 1896, com a peça lír ica original, em 3 atos, de Artur Marinho
da Silva , com música do maestro Felipe Duarte58
, A lancha favorita , que
teve edição impressa na coleção de obra s dramáticas do clube. As duas
récitas foram apoteót icas, correspondendo à vontade artística da
sociedade, em que ponti fi cava Mari nho da Silva, professor e diretor do
Asilo da Ajuda, e João Mendes , professor do Conservatór io, e seu
57
Em 10 de março de 1946, d a fusão da Sociedade F ilarmónica Esperança e Alegria
(1865) com a Sociedade F ilarmónica Alunos de Har monia (1868), no Al to de Santo
Amaro, e do Grupo Dra mát ico e Musical Apolo (1915) surgiu a Acade mia de Santo
Amaro , vulgo ASA, que possui t eat ro próprio e t em produção teat ral regular , t endo
educado amadores para o t eat ro profi ss ional, como Carlos Areias , ou Miguel Dias ,
ent re out ros . 58
A respei to des te maes t ro -composi tor cf . C O ELHO , R i ta Fi lipe Trindade (2004), O
Texto d a Opereta A Leiteira de Entre -Arroios o composi tor Felipe Duarte. Relatório
de es tágio, Mes t rado em Linguís ti ca. Li sboa: Faculdade de Let ras, Univers idade de
Lisboa (FLUL).
51
ensaiador. Para que se analise da qualidade exigida aos amadores, em
finai s de Oitocentos, transcrevemos u m excerto da críti ca public ada em A
Scena (11/07/1896: 4) , a propósito da estreia de A lancha favorita :
Os numerosos e se le tos espectadores que enchiam a vasta sa la ,
aplaudi ram sem reserva a nova parti tura de Fil ipe Duarte. E o entusiasmo
subia de valor e mais se acentuava nos que s abiam que aquela inspi rada
produção fora fei ta em poucos meses e nas horas dest inadas ao repouso
duma vida afad igosa do arti sta que t rabalha para viver. Fi lipe Duarte tem
espontaneidade na conceção e perseverante intuição, dotado de um
talento maleável, ora exprime o sentimento que nos comove, ora nos
desperta a expansibil idade que nos alegra. […] O Sr. Artur Marinho é um
professor d istinto e um poeta correto. Os seus versos são em geral
sonoros e bem metri ficados, achamos, porém, a ação da sua peça um
tanto monótona, concorrendo para i sso a fal ta de uma personagem alegre
e o facto de fazer passar 3 a tos só no mesmo recinto, ent re pescadores. O
que em boa verdade lhe dá vida são os descantes populares int roduzidos
pelo autor na música. Fil ipe Duarte recebeu, pois, a consagração de
composi tor inspi rado de todos aqueles que já lhe conheciam o seu grand e
mérito como violonceli sta e o prestígio da sua batuta . […] As récitas da
Lancha favorita foram duas noites de glória para os seus au tores,
cont ribuindo poderosamente a esplêndida interpretação dada pelas sras.
D. Maria Leite Diniz , D. Maria dos Santos Be lo, e pelos srs. Paulo do
Quental , Alfredo Hansen, Henrique dos Santos, Alfredo de Barros, e bem
assim os sr s Gui lherme Borja de Araújo, que ensaiou os coros, e
Hermenegildo Blanc, que se encarregou das partes cenográficas. Os coros
podem considerar-se de primeira ordem.
Muitos palcos particulares, muitas a cademias, grupos dramáticos
fica m por r eferir . Na r ealidade, em finais do século XIX, o movimento
de teatro amador é forte, cu mprindo o objetivo r ecreativo e espiritual a
que se propusera desde o início da centúria . Os curiosos dramáticos –
qualificados de “furiosos dra máticos” se exagerava m na representação – ,
correspondiam também ao ideário pelo qual Garrett pugnara na formação
do gosto popular , e que a ideologia republicana r etomou, a partir da
década de 1870, a través da atividade das sociedades ama doras nos
centros e clubes republicanos. Em Lisboa, muita gente empregada em
oficina s, em lojas, ou na função pública , pertencia a a lguma associação,
formando uma “sociedade de associações” para o povo, tão r espeitável e
patriótica , quanto a sociedade da s elit es (Ramos 2001: 79). O teatro
enquanto espaço de sociabilidade e de desenvolvimento literário cumpria
52
a sua função civili zadora intercla ssista . Almeida Garrett , Cami lo Castelo
Branco, Júlio Diniz, Eça de Queirós, e muitos outros, pi saram como
atores não só os palcos académicos, como os dos t eatros particulares, o
“modesto t eatro”, a quem Marcelino Mesquita prestou homenagem, nas
páginas de A Comédia Portuguesa (nº2 , 13/10/1888: 7):
Parou é certo; mas como “ vielle roche” fi rme no seu ideal . Usa a inda a
cabel lei ra sol ta , o casaco de veludo, a bota à Frederico, manto negro,
mas tudo limpo. Pode incomodar a alma simples do povo, mas não
re laxa; pode ser banal, ant iquado, piegas, perante as exigê ncias
phi losophicas do nosso espí rito moderno; mas não é nunca ordinário,
imoral , corrupto.
Na segunda metade do século, o a tor perdia definitiva mente o
estatu to de “proscrito”, e ganhava a fama, “graças à civilizaçã o, que com
poder assombroso, um throno deu à rasão”, tornando -se sinónimo de
“liberdade, [e] i lustração”, como o definiu o ator Correia da Si lva , em O
Actor e a Civilização (Silva 1865: 5):
O actor é qual o poeta / n’a lma, vida e no senti r; / Dá-lhe Deus a
excel lencia, / n’um olhar, ou n’um sorri r; / Inspi ra -lhe a mente ousada, / e
na fronte laureada/ do condão de sua gloria, / imprime vivos signaes: / e
no templo da memoria , / vive a par dos immortaes! ( Si lva 1865: 5)
3. Para que esta Nação tenha com que o Povo se entretenha
3.1 . Arquivos, bibliotecas, álbuns e galerias
A França, “civili zação di stribuidora” no sul europeu, e
particularmente na Península Ibérica , ganhou o estatu to de “filtro da
Europa” (Nemésio 2008: 24). Se Herculano ou Garrett preteriram a
cultura francófona, para contemplarem a germânica e a anglo -saxónica,
“o comum dos mortais estava ilaqueado pelos medianeiros franceses na
exploração desses mundos” ( ib id .: ib id .) , a través do “livro culto –
l i teratura , vulgarização, ciência” ( id . , ib id . : 25) – , oriundo dos prelos
gálicos. Pa ssada a importância da Impressão Régia , a indústri a editoria l
diver si fi cou-se em pequena s tipografias, que compunham, imprimiam e
comercializavam “o in -16.º das obra s dos árcades, o fo lheto das ópera s
ita lianas, o caderno da didacidade setecenti sta e da publicação polémica,
53
políti ca e rel igiosa, dos começos do século XIX” ( ib id . : ib id .). As loja s
de l ivros convertera m-se em verdadeiras livrarias, em que apelidos
franceses – Rolland, Planti er, Bertrand, Moré, Aillaud, Orcel, Chardron
– , dominaram tanto o comércio, como o fabrico dos liv ros, em Lisboa,
Porto e Coimbra59
.
Entre 1825 e 1840, entre o desabrochar e o enraiza mento do
romanti smo português, a prática dos hábitos de l eitura contribuiu para o
desenvolvimento da economia nacional. O livro tornou -se objeto de
consumo da sociedade, veiculando ideia s, comunicando mensagens, e
a lfabeti zando as massas populare s (Ribeiro 1999: 188). A forte
consciência que a classe média ganhou de si fê -la autodefinir -se, não só
pelos rendimentos, mas também pela ilustração e costumes (Fonseca
1998a: 401). Em 1851, quando da convenção literária entre Portugal e a
França, Garrett concluía que os livros “bons, os ú tei s, os civi lizadores”
provinham direta mente de França, em “edições l egítimas sem prejuízo
dos seus proprietários” (Amorim 1881 -84: II, 491). A revolução
romântica assu miu o papel r eformador sonhado pelos árcades. Adoptou
os valores civili zacionais de educação e de di fu são de nova s ideias, e
veiculou-os pela imprensa periódica e pelo teatro, enquanto “escola da
boa e lídima linguagem”, “da moral sã e pura”, “ incentivo da glória e
gérmen das virtudes sociais” (Garrett 1984e: 416).
As coleções dramáticas em Oitocentos marcam “uma tónica
releva nte da realidade cultural” . O seu número expressivo e a sua
abrangência na cional contribui ram “para a di fusão de modelos e estéti ca s
dramáticas a o longo do século” (Santos 2012: 75). Estabelecendo uma
ligação entr e o t eatro que se representava e o teatro que se lia ,
favoreceram o desenvolvimento editoria l e a formação do gosto do
público , numa vi são ampliada entre Portugal e a Europa culturalmente
desenvolvida. O setor editoria l l igado ao teatro constitu iu -se como um
dinamizador da ambicionada reforma do t eatro nacional, determinando “o
59
Sobre os livrei ros franceses , que viera m ins talar -se em Portugal , cf. GUED E S ,
Fernando (2012), Livrei ros Franceses do Del finado em Por tugal no Séc. XVIII .
Edição reelaborada e acrescentada. Li sboa: Edi torial P resença. Sobre a at ividade
l ivrei ra e m geral , cf . GUED ES , Fernando (1993), Os L ivrei ros em Por tugal e as suas
associações d esd e o século XV até aos nossos d ias . Mem Mart ins : Verbo.
54
papel relevante dado à prática de tradução” ( id ., ib id : 76), tanto quanto à
figura do imitador, estádio intermédio entre o autor e o tradutor. O go sto
pelo “teatro encenado e declamado à francesa” deveria agora desterrar a
sensaboria de “dramalhões incolores e das farsa s grosseiras […] muitas
vezes a climatados […] por aqueles de quem se esperava o remédio
(Nemésio 2008: 27) .
Em 1787-88, o impressor -livreiro Franci sco Rolland60
(T ip.
Rollandiana) editou “Theatro estrangeiro” , uma coleção de sei s volu mes
de autores franceses de r eferência . As obra s de Corneille (Le Cid/ O
Cid ) , Molière (L’avare/ O avarento ) , Regnard (Le joueur/ O jo gador ) ,
Diderot (Le père de famille / O pai de família ) , Beaumarchais (Os dous
amigos ou o negociante de Lião ) e Voltaire (Alzire , ou les Américains/
Alzira , ou os Americanos)61
promoviam o valor educativo da l eitura da
obra dramática, para “refrear as desordenadas paixões dos homens”.
Mandando traduzir “as melhores peça s trágicas e cómicas dos mais
afamados autores”, Rolland contribuía para que “esta na ção [tivesse]
com que o Povo se [ entr etivesse] em coi sa de que [pudesse] tirar
u tilidade, imitando a s Nações cultas da Europa, que toda s [tinham]
colecções de escritos t eatrais” ( apud Santos 2012: 81,nota 5). É
mani festa a consideração dada à centralidade do leitor no mundo dos
livros, que se comporta como um viajante que cir cula por “ terras
a lheias”, caçando “como nómadas no meio de camp os que não
escreveram” em busca do “ paraíso perdido” (Certeau 1998: 269-70).
Os editores responsávei s pelas coleções dramáticas conduzem o
leitor, a través da sua experiência de l eitura e da sua vivência social, a
repensar a obra como objeto de uma estética da receção : “ ler é estar
a lhures, onde não se está , em outro mundo” ( ib id . : ib id .) . Há um convite
implícito ao diálogo com o t exto, num processo de compreensão e de
interpretação da obra, enquanto literatura dramática, e de vi sualização de
uma dinâmica espacial, enquanto lit eratura cénica. A escolha de Rol land
60
Ta mbé m ident i f i cado pelo acrónimo F .R.I.L.E.L. , nas obras que t raduzia ou
compi la va, e que Inocêncio da S ilva in terpreta como F [ranci sco] R[oland]
Em 1805, F ranci sco Rol land acrescentou uma sét ima obra, a t ragédia Atreo e
Thies tes , de Crébil lon , em t radução de Manuel Mat ias Viei ra Fialho de Mendonça .
55
encontrava-se em relação dir eta com o espírito do seu tempo . A literatura
contribuia para a vida social, pela edição de obras provocadoras de
“derrocada de tabus da moral dominante” ou que brindavam o leitor com
“novas soluções para a casuísti ca moral da sua praxis de vida” (Jauss
1994: 57).
As ideia s liberais inculcadas pela cultura dos livros e jornais
franceses formaram a base do espírito revolucionário de 1820 (Herculano
1982: 295-296). O seu paradigma sociopolíti co expressou -se na contínua
vontade de divulgação de ideai s e de desenvolvimento das massa s
populares, que a experiência da prática comercial da “literatura de
cordel” iniciara no século anterior. Oitocentos será tanto “o século do
livro”, quanto “o século da imprensa”. O público heterogéneo que
compra folhetos e o mercado lit erário que os edita desenvolvem -se em
proporção direta , “através da organização do jornalismo e do teatro em
moldes empresaria is” e do incremento de ambas a s a tividade s (Santos
1983b: 12). A liberdade de imprensa, após a Revolução de 1820, apesar
das v ici ssitudes sofridas posteriormente, e a conscienciali zação do poder
da palavra na formação de opinião pública , constitu íram a força do
movimento periodístico político, l i t erário e cientí fico, em que se incluiu
o folheto avulso ou em miscelânea . O literato oitocenti sta acabou por
criar uma dependência , em relação a uma nova entidade, o “grande
público”, a través da imprensa, e de um “novo tipo de profi ssional de
letras, o au tor de folhetins”, e a través do t eatro, e de “outro profi ssional
de l etras, o dramaturgo”, que “tornava mais espectaculares e imediatos
os sucessos e insucessos” ( id ., ib id : 14-15).
As miscelânea s dramáticas, organizadas segundo o espírito de
catalogação, divulgavam um património cultural, destinado a instru ir62
. A
formação do gosto dramático , interligando o instinto individual e a
liberdade espiritual, produzia um juízo intelectual fundamentado.
Ambicionava-se que o público adquir i sse uma consciência de diferença,
de escolha consciente e ponderada, que o convert esse em sociedade
62
Cf . S A NT O S , Maria de Lourdes Lima dos (1985), “As penas de vi ve r da pena
(aspectos do mercado nacional do l ivro no século XIX)”, Anál ise Social , vol .
XXI(86), 1985 -2º , pp .187-227.
56
instru ída, ou seja , que o dist ingui sse do vulgo. Sendo um espaço de
sociabilidade, associa ndo ao conceito de gosto o de moda, a função
teatral, enquanto momento de sociali zação univer sal , transfigurou -se em
realidade promocional de uma burguesia em ascensão. O objetivo de
aprendizagem pela arte dramática assemelhou -se ao do manual de
civilidade, na “imitação voluntarista de modelos propostos a través de um
discurso” (Santos 1983a: 53), que tanto confirmava a efetiva ascensão
social, como veiculava o imaginário burguês, na articulação entr e o
“interesse materia l e o interesse simbólico”, na evolução social do
acúmulo do “capita l económico” para o do “capita l simból ico” ( id ., ib id . :
54). Definindo um código de conduta democrática , ba seado no mérito do
saber, a lmejava -se o sentido crítico e a melhoria de comporta mentos. O
desenvolvimento do teatro, enquanto empreendimento cultural e
comercial, vem evidenciar a heterog eneidade do público e “as
descoincidências de gosto entr e as di ferentes fracções” que o constituem ;
por um lado, o público dos teatros privados, “meia dúzia de famílias de
aristocratas liberali zados ou de liberais ari stocratizados”, que legitimava
autores e o bom gosto elegante, e, por outro, o público dos t eatros
comerciais, espectadores anónimos, “ indispensávei s para encher a casa”.
Como resultado do conflito , a fração aristocrática depreciava os sucessos
de bilheteira , e a fração alargada não encontrava interesse na produção
literária sancionada pela anterior (Santos 1983b: 15).
As miscelâneas dramáticas expõem uma moda teatral coeva63
, ao
mesmo tempo que afirmam a expressão de uma preferência , que
salvaguarda a superioridade normativa de uma sociedade ide al. Gosto
aperfeiçoado, equivalente a forma de conhecimento, promoveria junto
das massas o consumo do folheto dramático , objeto de série,
aproximando o leitor do drama escrito e da sua recriação cénica.
Princípio l egitimado por Garrett , quando a firma que, uma vez criado o
63
Uma real idade presente na recolha de F ranci sco Vaz Lobo , na primei ra coleção de
obras dramát icas do século XVIII, Flor d e Entremeses , escolhidos dos mayores
engenhos d e Por tugal e Cas tel la (Lisboa: na Officina de José Lopez Ferrei ra, 1718 ).
Trata-se de um conjunto de catorze pequenas peças anónimas , que, “pelo número de
personagens , pela simpl icidade do enredo, e pela baixeza da l inguagem e fal t a de
gos to , bem re vela m que seriam representadas por Titereros , nas fei ras , nos adros das
igrejas e nos arraes” (Braga 1871: III, 84).
57
gosto público, ele sustentaria o teat ro (1904: I, 627). O editor de
miscelânea s dramáticas cumpre o papel de um colecionador
especializado, que classi fi ca as obras segundo convicções pessoais . A
catalogação expressa o espírito de colecioni smo característico da
sociedade burguesa que pretende afirmar -se e na qual se insere. Sob a
designação de “obras” ou “teatro” de autor individualizado, ou em
miscelânea s autorais – “arquivos”, “bibliotecas”, “álbuns” ou “galerias”
– , o tí tu lo da coleção evidencia tanto a perspetiva do gosto do editor -
compilador, como o seu objetivo de produção de u m sentido crítico ;
tanto refl ete a maneira como as obras foram lidas, como define o modo
como o destinatário as deverá entender . O teatro atraía os “home ns de
letras pela popularidade e acesso ao meio intelectual urbano a que dava
lugar, particularmente depois da criação do Conservatório” (Santos
1983b: 16) :
Para além d isso, o teat ro não deixava de ser também uma fonte de
dividendos – ganhava-se algum dinhei ro escrevendo, não apenas obras
originais, mas adaptações e t raduções, feitas, nalguns casos, por escribas
anónimos, mas, nout ros, por escritores já com certo renome ( Santos
1983b: 16 ).
A afirmação de um “mercado factí cio” encontra -se presente em três
coleções dramáticas: o Jornal de Comédias e Variedades (1835 -36; 1840-
41), o “Archivo Teatral ou coleção seleta dos mais modernos dramas do
teatro francês” (1838-45) e o “Recreio T heatral dedicado ao belo sexo”
(1839). Entre 1835 e 1840, divulgou -se teatro traduzido, por influência
da estadia da companhia francesa de Mr. Paul, e pela circulação das
publicações congéneres, amba s apresentando ao público l isboeta a
“novidade do drama romântico , do melodrama e do vaudeville importado
dos palcos dos t eatros do Boulevard” (Santos 2012: 82-83).
Émile Souvestr e balizara a sociedade em ricos e proletários, entre
cujos extr emos colocou a numerosa classe média , flu tuando entre uns e
outros, entr e a finura dos ri cos e o rude gosto do proletário (Souvestre
1832: 20). Enquanto este carecia de emoções fortes, de cenas autênticas,
retiradas da vida árdua que conhecia , aqueles preferiam ser embalados
pela sonoridade dos grupos corais, pelas romanzas e pelas a legres
58
barcarolas. Ao povo, destinava -se Richard d’Arlington e Antony ; ao rico,
o Guillaume Tell e o Robert- le-diable . O drama e a ópera constitu íam as
“puissances moralizantes” da sociedade ( id . , ib id . : 21), e o vaudeville
estabelecia a ponte entr e eles, produzindo u m efeito benéfico sobre a
população volúvel da classe média , assim como a pantomima, a féerie e o
melodrama. Os projetos editoria is li sbonenses do segundo quartel de
Oitocentos evidenciam modos de entr etenimento, de divulgaçã o cultural
e de educação popular:
L’ imagination e lle -même ne conçoit pas la possibil ité de placer un
t raducteur ent re le Théât re et le parterre, et le d rame doit êt re énoncé
dans le langage que tout le monde entend , sous peine de n’êt re entendu
de personne (Nodier 1841: I, xi ).
Na realidade, na primeira metade da centúria , divulgou-se o género
melodramático, estilo eminentemente teatral (o seu lugar é o palco). A
leitura da obra impressa repetiria , numa primeira instância , o a to de
fru ição do espetáculo, a través da memória que dele se guardasse. O bom
gosto da razão crítica , avesso ao espetáculo melodramático, anteviu a
decadência da arte dramática e procurou contrariar o gosto, “ toujours
porté vers le nouveau, quand le nouveau l’amuse”, da s pla teias qu e,
“trop bla sés, se livrent aux liqueurs fortes pour trouver une ivresse plu s
prompte” (Duval 1822 -23: VIII , 7-8). Em 1834, ao iniciar -se o “reinado
da burguesia” sobre as outras cla sses, escreveu-se em moldes românticos
franceses, “fez -se muito drama sem sabor, muita comédia inclassifi cável,
mas escreveu -se” (Matos 1850: 2), produziram-se “obras literárias
percur soras da acção lenta e progressiva dos espíritos”, e outras “que
[explicaram] e [caracteri zaram] os próprios movimento s l i terários”
(Ferreira 1871 -72: II , 160):
O amor das t radições nacionais, os desejos de emancipação pol ítica
t raduzindo-se no espí rito da independencia litteraria que se sol tava das
pêas da imi tação c lássica , a analyse desassombrada da historia, e, com
essa analyse , a apreciação e muitas vezes a c ondemnação dos erros e
demasias dos antigos príncipes, e d’ahi i lações e inferências de censura
para atos presentes ou pouco remotos, todo este complexo enfim de
intuitos, pensamentos e vôos de fantasia poética, ao de longe aquecidos e
est imulados pelo impulso da polí tica mili tante, forma, em geral, a
natureza da literatura dramática d’esse tempo, tempo ainda de t ransição,
59
mas de t ransição que já acusava os largos e profundos t raços que depois
lhe formaram a physionomia (Ferrei ra 1871 -72: II, 160 ).
A ética melodramática veiculada pelas coleções miti fi c ou o
quotidiano e materia liz ou o desejo democrático de todas a s camadas da
população. As classes populares identi fi caram -se com o espetáculo da
virtude oprimida que triunfa, e à burguesia , “depois de batalhar pelas
suas regalias” ( ib id .: ib id .) , agradou cultivar as noções de vi rtude e de
família , de defesa do sentido de propriedade e dos valores tr adicionais,
segundo padrões sociai s muito preci sos, regidos por virtu des civi s,
militares e familiares. A estéti ca do melodrama, o “ sans -cullote de l’art”
(Melai 2013: 18), pretendeu r econciliar ideologias, na reconstrução
nacional e no forta lecimento das institu ições sociais, morais e religiosa s.
Crista lizou os desejos e ambições da s classes populares, mas satisfez a
imaginação da sua “moralité de la Révolution” :
Il fa llai t lui rappeler [au peuple], dans un thème toujours nouveau de
contexture, toujours uni forme de résultat s, cette grande leçon dans
laquel le se résument toutes les philosophies appuyées sur toutes les
re ligions, que même ici -bas, la ve rtu n’est jamais sans châtiment (Nodier
1841: I, VIII).
Jornal de Comédias e Variedades (1835 -36; 1840-41)
Da responsabilidade do livreiro -editor José Joaquim Nepomuceno
Arsejas64
, esta coleção de obras dramática s seguidas de variedades
(poemas, adivinha s, charadas, anedotas e curiosidades históricas), surgiu
em 1835-36, e continuou em 1840-4165
. Importava que o “jornal” fosse
“mais curioso”, e, daí, a inserção de artigos que delei ta ssem, e
instru íssem, sabendo que apenas a s produções dramáticas não satisfariam
64
P ropriedade e d i reção suas , vendia -se na sua lo ja, na rua Augus ta, n º 137, ao preço de 160 réi s (avulso) e 120 réi s (assinatura) . In icialmente impressa na Tipografia de
Luiz Maigre Res tier ( tv. de S. Nicolau , 30), p assou para a da Viúva S ilva e F i lhos
(cç. de Santa Ana, nº 74); a part i r de 1840, os impressores são diversos : Tipografia
da Acade mia de Belas Artes (r . São José, 8), Imprensa Lus i tana (antiga Viúva S i lva) ,
Tipografia de J . J. de Salles (r . São José, 3) e Tipografia Act ividade (r . São Lázaro ,
43). 65
Jú l io de Cast ilho regi s ta que, por al tura da const itu ição do Conservatório
Nacional , Garret t , Herculano , Cast ilho e César Perini haviam redigido um progra ma,
que o primei ro ass inou, para criar uma e mpresa que publ icasse dramas e fa rsas
portuguesas , o Reper tório Dramát ico Portuguez , que não chegou a concret i zar -se
(Cas tilho 1826 -34: II I,318)
60
a todos, a inda que publicasse aquelas de “reconhecida acei tação nos
Theatros Portuguezes, e a té hoje não impressas (Arsejas 1836: 52).
Inocêncio da Silva (1858-1911: IV, 178) regista a existência de 27
números, in-8º pequeno, tornados raros e di fícei s de encontrar, tra tando -
se, na sua maioria , de originais e traduções/imitações de António Xavier
Ferreira de Azevedo, dados à estampa “pela primeira e única vez”, e
pesando sobre grande parte a dúvida de autoria . No primeiro momento,
editaram-se originai s deste autor – os dramas O delinquente sem culpa
ou o Patrio ta Escocês (nº 4 , 1835)66, Santo António livrando o pai do
patíbulo (1836?)67
, e traduções/imitações suas de As minas de Polónia
(nº 5 , 1835)68, O marido mandrião (1835?)
69, Roberto chefe de ladrões
(nº 11, 1836)70
e A tomada da ilha de Santa Luzia (nº 13, 1836)71
. Além
66
Ta mbé m gr afado como O d el inquente honrado ou o Patr io ta escocez (advertência
em Jornal d e comédias e va ried ades , nº 8, 1836). 67
Te ma popular alusivo à b i locação do Santo de Pádua para Lisboa, representado
inclusiva mente e m telas do século XVIII. Sousa Bastos (1947b: 159 -60) recorda que
es te t ítulo era dos mais procurados junto dos “folhetei ros” ou “l ivrei ro s ambulantes”
que abancava m nas ruas do Arsenal e Augus ta ( ibid .: 164), o ú lt imo resquício da
l it eratura de cordel , juntamente com a His tór ia verd ad eira d a pr incesa Magalona,
f ilha d ’El -Rei d e Nápoles (Lisboa: Tip . António Joaquim da Cos ta, 1851) , a His tór ia d e João d e Calais , His tória d a Imperatr iz Porcina, mulher d o imperador Lod onio ou
a Conf issão d e marujo, ent re t antas out ras. Sobre a t emát ica de Santo António cf .
S A NT O S , Isabel Maria Dâmaso de Aze vedo Vaz (2014), Do altar ao palco: Santo
António na t rad ição l it erá r ia , art ís ti ca e t eatral em Portugal e em Espanha. Tese de
doutoramento em Es tudos de Li teratura e de Cultura, especialidade em Es tudos
Portugueses . Li sboa: FLUL; sobre de fo lhetos de cordel cf. B O RG ES , Helena Paula
(2015), “Os fo lhetos de cordel na l it era tura popular madei rense séculos XVI a XX”,
em Dicionário Enciclopéd ico da Mad eira.
[h t tps: //ucp.academia.edu/HelenaBi rges /Teaching -Documents ] . (consul tado
29/05/2016). 68
Poss ível imi tação do melodrama de P ixerécourt , Les mines d e Pologne, es t reado no
Théât re de L’ Ambigue -Comique, em 1803. Cf . B O UILLY , “Not ice sur Les mines d e
Pologne”, Théâtre Choisi d e G. d e Pixerécour t , Pari s: Trese, 1841, I, pp . 341 -345. 69
Para José Agos t inho de Macedo (1812: 15) t ratar-se- ia da t radução de Le mari
insouciant . Seria uma poss ível t radução francesa da comédia inglesa The careless
husband (1704), de Col ley C ibber , comédia de sucesso popular , graças à vi vacidade
e elegância do diálogo? Cf . B LA IR , H. (1821), Leçons d e réthorique et d e bel les -
let tres . Tradui tes de l ’anglai s par J . P . Quénot. Tome t ro i s ième. Pari s : L efèvre, 1821, p.241. 70
Para Luiz F ranci sco Rebello (1980: 28), Ferrei ra de Aze vedo t er i a “imi tado do
alemão e t raduzido ao gosto do Teat ro Nacional”. P arece-nos que a t radução l it eral
do t ítulo indicia uma fi l i ação a Rober t , chef d es br igands (Paris : Maradan, 1793) , de
Jean-Henri -Ferdinand La martel i ère , que havia i mi tado, por sua vez, Die Räuber , de
Schi ll er . O herói ger mânico const itu ía uma referência do ideal republ icano, t al como
o F ígaro de Beaumarchai s . Ta mbé m Garret t não lhe fo i indi ferente, como vere mos a
propós ito de Os namorad os extravagantes . 71
Possível t radução/ imi tação do drama La pri se d e Sainte Lucie (Lausanne: F rançois
Grasset , 1781), do dramaturgo suíço Karl Müller von F riedberg . De todos os tí tu los
mencionados , es ta é a única obra do primei ro ano, que conhecemos . Es tá datada de
61
destes títu los, surge Tartuffo ou o Hypocrita (1835)72, possível reedição
da tradução de Manuel de Sousa , a lém de inominadas traduções – As
consequências de um desafio (nº 9 , 1836) , imitação do dra ma em 3 atos,
Storb et Verner ou les Suites d’un duel (1805) , de Bonel e Boirie73
; o
drama jocoso em 1 ato, O cinto enganoso, ou a Experiência mathematica
(nº 10, 1836) , imitação da comédia La ceinture magique (1701), de Jean -
Baptiste Rousseau ; o drama em 2 atos, Henrique o Justiceiro , ou o
Senhor d’Alcala (nº 12, 1836) , imitação em prosa da Comedia famosa El
valiente justic iero , y e l r ico ho mbre de Alcala74, de Agustín Moreto y
Cabaña; e o drama trágico em 3 atos, Os salteadores ou a Floresta
medonha (nº 18, 1836) , possível imitação de um drama espa nhol, cuja
ação decorre na Catalunha.
Quatro anos depois, o edi tor Arsejas, filho de “um di stinto actor
dramático dos teatros da rua dos Condes e Salitre” (Bastos 1947b: 1 66)75
,
sublinha a cont inuidade da edição e r eitera o propósito de publicar
mensalmente uma comédia e, esporadicamente, uma farsa76
. Além da s
farsas O frenesim das senhoras (nº 25, 1840) e Parteira anatómica (nº
27, 1841), de António Xavier, surge a sigla de outro autor – M. B. M. D.
– , de quem se publica m os dra ma s Dever de filho e amante ou os
Caprichos de Nobreza (nº 21, 1840) e Santo António (nº 23, 1840).
1836, com o número 13, do Volume IV, des ta coleção, contendo apenas a primei ra
parte do cit ado drama. 72
Mencionado na “advertência” do nº 8 , do Jornal d e comédias e var iedades . 73
Do repertório do Théât re de l a Porte -Saint -Martin , onde subiu à cena a “16
ger minal an 13” (6 de abri l de 1805). 74
Reescrit a de El Rey Don Ped ro en Mad rid y el in fanzón d e I ll escas (1626) ,
at r ibuido a Lope de Vega . 75
O ator-empresário José Joaquim Arsejas deixou um fi lho [José Joaquim Nepomuceno Arsejas ] que “foi empregado da B ibl io teca Nacional , edi tor do
Almanaque Arsejas e proprietário de uma pequena l ivraria da rua Augus ta, onde
havia gabinete de l eitura por assinatura, a exemplo do que j á fazia Joaqui m José
Bordalo . Dessa l ivraria f i cou herdei ro o neto, José Inácio Rufino Arsejas , grande
amador de t eat ro, que depois a passou ao encadernador Lisboa, com oficinas n a rua
da Rosa e Largo do Car mo. Por ú lt imo foi dono da Livraria Arsejas o “di s tinto
escri tor Salvador Marques , t ão hones to e t alentoso , como infeli z em todas as suas
t entat ivas” (Bas tos 1898:14; Bas tos 1947b: 166). 76
Passa a ser impressa na Tipografia da Academia de Belas -Artes , rua de S . José, nº
8 , na Imprensa Lus i tana, calçada de Santana, nº 74 (1840) e na Tipografia
Act i vidade (1841).
62
Apesar da abrangência titu lar da coleção, o critério edi toria l
a lvitrado por Inocêncio parece di stinguir o prolífico António Xavier77
,
fa lecido jovem, cujo sucesso se prolongou por todo o século , junto de
plateias apreciadoras deste tipo de lit eratura “solta e desbragada”
(Fortes/ Sa mpaio 1936: 322). Não possuindo mais do que “rudimentos de
instrução primária” e um “ conhecimento medíocre das línguas francesa e
espanhola” (Silva 1858 -1911: I , 297), compôs peças que o grande
público , maioritariamente iletrado, aplaudiu , porque as entendia , apesar
do chi ste “obsceno, desbragado, insultuoso” constitu ir uma “provocação
de quem se r ebaixa e cha furda em comparações grosseira s”, sem ousar
“bolir nos cancros seculares das institu ições caducas” (Braga 1871: III ,
61). Fosse como fosse, as suas obras tr ansitaram da esfera do teatro
público para o particular, como repertório de curiosos dramáticos,
sobretudo as farsa s de agrado certo, como Os doidos, ou O doido por
amor e Manuel Mendes78. Inocêncio r egi sta a exi stência de um grande
volume de cópias manu scritas cir culando em “poder de curiosos” ( Silva
1858-1911: I , 298), a lgumas da s quais ele próprio possuía . O povo
cont inuava a rir da baixa comédia, ta l como haviam feito os seu s avós,
na centúria anterior, pelo lado “travesso, impertinente”, que a proveitava
os tipos portugueses, fa lando em ver so de redondilha, “não precisando de
grandes aparatos scenicos, e ao alcance de quaisquer curiosos” (Braga
1871: III , 81). Apesar da apontada ausência de originalidade e
verosimilhança na construção de enredos, na di sposição e escolha dos
caracteres, no colorido local e na u tili zação dos costumes nacionais,
António Xavier inventou “lances e situações de grande efeito teatral” ,
77
José Maria da Costa e S ilva dedicou-lhe um poema pós tumo, Epicédio I , À mor te
do elegante Poeta Dramático António Xavier Ferrei ra d e Azevedo (Poesias d e José Maria d a Cos ta e Si l va, III, Li sboa: Tipografia de António José da Rocha, 1844, p .
265). 78
E m 1877, Manuel Mend es integra va ainda a coleção “ Theat ro Popular”, do edi tor
portuense João E. da Cruz Cout inho . À exceção do drama Pal fox em Barcelona ,
edi tado na Baía (Bras il ) , em vida do autor (S ilva 1858 -1911: I, 297), todas as suas
obras tivera m edições póstumas ao longo de Oitocentos , o que demo nst ra o seu
agrado popular . Em 1868, na Typ. de Mathias José Marques da S ilva, edi tou -se o
Acto int itulado Santo Antonio l i vrando seu pae do pat íbulo ; em 1896, a Livraria
Portuguesa-Edi tora, de Joaquim Maria da Costa, do Porto , editou -o como o dra ma
sacro Verdad eiro Auto d e Santo António l i vrando o seu pai do patíbulo , com u ma
suges t iva nota de “novíssima edição aumentada”.
63
escreveu diálogos vivos e fluentes “com a eloquência patética dos
afectos”, e tornou-se o “ introdutor” do “género sentimental”:
Quem se não lembra ainda da Sensibilidade no crime , da Camilla no
subterrâneo , da Preta de talentos e out ros dramas de angust iosa lucta de
paixões? […] Os t rabalhos de Soares de Azevedo , Fernando José de
Quei roz e vários, não passam de imitações de peças francesas, pouco
mais ou menos no mesmo género de António Xavier, porém mais frouxas
(Ferre i ra 1871 -72: I I , 150 ; i tálicos originais).
As imitações livres da s peças francesas e castelhanas, que ele
tomava por modelos, eram acomodada s, “para lisonjear o gosto e
aprovação daqueles para quem escrevia” (Silva 1858 -1911: I, 297). O
“Jornal de comédia s e variedades” perpetua assim a “tradição chocarreira
da far sa de cordel setecenti sta” (Rebello 1980: 30), chamariz de cartaz,
satir izado nas Pateadas do Theatro , de José Agostinho de Macedo:
Estes mesmos génios raros, estes Fi losofos penet rantí ssimos se
contentarião eguaes a Zero, ou a Braz Badalo, se se a t revessem a
penet rar, ou a querer profanar os mysterios, e os arcanos da int riga
teat ra l. Apezar d isto, a Natureza, e a Fortuna ás vezes brincão, e o que se
negou a Tacito, talvez se conceda a Manoel Mendes (Macedo 1825: 45).
Archivo Theatral ou Collecção selecta dos mais modernos
dramas do theatro francez (1838 - 1845)
Outra lógica presidiu à publicação do “ Archivo Theatral” pela
“Sociedade para a publicação de bons dra mas”79
, ao editar mensalmente
um fa scículo, paginado sequencialmente, para constitu ir um volume
anual, com a s “melhores Comedia s dos principaes Authores Dramaticos
Francezes”. Representada s na sua maioria nos teatros da rua dos Condes
e do Salitre, quer em ver sõe s originais, quer em tradução por tuguesa, a
sua autoria omite -se por vezes, e a do tradutor sempre80
. Uma coleção
79
A es te respei to , cf . S A NT O S , Ana Clara (2012), “A colecção Arquivo teat ral ou a
importação do repertório t eat ral pari s iense”, em C A RVA LHO , Manuela e P A SQ UA LE ,
Daniela d i (org. ) , Depois do labi rin to: Teatro e Tradução. Lisboa: Vega, pp .75 -98. 80
A in ves t igação desenvol vida por Ana Clara Santos e Ana Isabel Vasconcelos
apurou a identi f i cação de vários t radutores, em que f iguram os nomes do Conde de
Farrobo , João Bapti sta Ferrei ra , Luís José Baiardo, Inácio Pizarro de Morai s
Sarmento , Rodrigo de Aze vedo Sousa da Câmara , Pedro C i ríaco da S ilva , Car valho e
Melo, P. G. S. Mart ins , Adriano de Cast ilho , Roberto , José Maria Costa e S ilva , João
Duarte Lisboa Serra , e José Mendes Leal . Veja-se quadros sinópticos da coleção por
S A NT O S , Ana Clara (2012), “A colecção Arquivo teatral ou a importação do
64
eclética de literatura dramática francesa, “porque o genio nacional […]
extenuado pela s fadiga s e opressões da pa ssada lucta pol ítica , mal
acordava e coligia força s para acudir aos novos reclamos” (Ferreira
1871-72: II, 160), o que mani festava a moda da sociedade elegante
lisbonense . Identi fi ca-se o r epertório romântico francês – A torre de
Nesle , de Alexandre Dumas, e a Lucrécia Borgia , de Victor Hu go81
– e os
sucessos de boulevard, melodrama s, comédias e vaudeville dos teatros
parisienses da Porte -Saint -Martin, Variétées, Gymna se Dra matique e
Gaîté. O alcance da coleção é amplo, a tendendo ao número de locais de
venda dos folhetos, que vão aumentando, em Lisboa, Porto, e Coimbra82
.
O teatro é indi scutivelmente uma Arte, u ma Indústria e um Comércio, ao
preço de 120 réis por obra , “no qual a tradução funciona como vínculo
de edi fi cação da cena na cional” , i mportando o modelo estrangeiro
(Santos 2012: 85) :
Esta importação e vulgarização […] representam para o si stema da
cultura receptora uma transgressão da ordem que põe em causa […] a sua
própria autonomia (Santos 2012: 85).
O “Archivo Teatral” colige obra s de melodramaturgos da fase
clássica do melodra ma (1800 – 1823) e da fase romântica (1823 – 1848).
À primeira , correspondem os nomes de Guilbert de Pixérécourt , o
Corneille des boulevards, ou o Shakespéricourt (segundo Nodier), de
quem se traduz Le pélerin b lanc ou Les enfants du hameau (1801, O
peregrino branco ou Os meninos da aldeia ) , Le monastère abandonné ou
La malédiction paternelle (1815, O mosteiro abandonado ou A maldição
paterna ); de Jean -Baptist e Augustin Hapdé, Le pont du Diable (1806, A
ponte do diabo ) e La tête de bronze ou Le déserteur hongrois (1808, O
desertor Hungaro); e de Frédéric Dupetit -Méré, La valée du Torrent ou
repertório t eat ral pari siens e”, in C A RVA LHO , Manuela e P A SQ UA LE , Daniela d i (org. )
(2012), Depois d o labi r in to: Teatro e Tradução. Lisboa: Vega, pp .90 -97. 81
A es te respeito , cf . S AN T O S , Ana Clara (2006), “Le Drame Ro mant ique F rançais
sur l ’espace péninsulai re: de Victor Hugo a Alexan dre Dumas”, e m LA FA RG A ,
F rancisco & P EG EN A UT E , Luis (eds) (2006), Traducción y traductores, d el
Romant ici smo al Reali smo. Bern: Peter Lang, pp .447 -462. 82
Li sboa: Loja de Livros aos Paul is tas , 54 e 55, e mais Lojas de Livrei ro , e na Casa
dos Camarotes do Th eat ro da rua dos Condes . Porto : Loja de J. P . de Quei roz Bas tos .
Coimbra: Loja da Imprensa da Univers idade. Em 1841, referenciam-se novos locai s
no Porto – lo ja de António Rodrigues da Cruz Coutinho – em Coimbra – lo ja de
António Lourenço Coelho - , e em Santarém – casa de João Jacinto .
65
l’Orphelin e t le meurtrier (1816, O Vale de Torrente ) e Paoli, ou les
Corses e t les Génois (1822, Paulino ou Os corsos e os genoveses ) .
Divulgando ideais didáticos e sociais, crendo que o sentimento
purifica o ser humano, sati sfa zendo a necessidade de educação de um
povo após uma guerra civil , a cena exaltou a abnegação, a noção do
dever, a capacidade de sofrimento, a generosidade, a dedicação, e a
humanidade. Era forçoso crer no otimismo e na Providência , na moral
defensora da fa mília , da pátria , do respeito da hierarquia social, da
dedicação incondicional do empregado ao patrão, do soldado ao seu
superior. O espectáculo dos melodramas hi stóricos, “ouvrages vraiment
classiques” (Nodier 1841: I , III) , proclamou o patrioti smo, a través de
modelos de heroí smo, de bravura, de fidelidade, e de no breza de alma:
C’est qu’à cette époque di ffic ile , où le peuple ne pouvait recommencer
son éducat ion rel igieuse et sociale qu’au théât re , il y avait dans
l’ application du mélodrame au développement des principes
fondamentaux de toute espèce de c ivil i sation une vue provident ielle
(Nodier 1841 : I, I I I).
Da fase romântica do melodrama, para a lém de Hugo e Dumas ,
destacam-se a s traduções de Le sonneur de Saint Paul (1838, O sineiro
de São Paulo) , de Joseph Bouchardy; La Madonne (1839, O quadro) , Le
Chevreuil, ou le fermier anglais (1831, O cabrito montez ou O rendeiro
inglês ) , Monsieur Mouflet ou un Duel au troisième étag e (1833, Um
duelo no terceiro andar) de Léon Halévy, ma s também autores como
Victor Ducange, Auguste Anicet -Bourgeoi s, J ean-Françoi s Bayard,
Casimir Delavigne e Julien de Mallian.
A influência da coleção ultrapassou o t empo e as fronteiras
intelectuais da urbe lisbonense83
. Camilo Castelo Branco , no prólogo à
segunda edição de Agostinho de Ceuta , referencia ironicamente a sua
experiência de “rapaz sem leitura , sem meditação, sem crítica , nem gosto
83
No catálogo da exposição de Folhetos de cordel e Folhas Volantes , da Escola
Superior de Educação de Coimbra, surge um exemplar , in tegrado no acervo
part i cular de Paulino Mota Ta vares , co m data de 1861, referente à peça O Cigano,
em cuja capa f igura o nº 73 , e, na b ibl ioteca do Teat ro de D. Maria, encont ra -se um
exemplar de Capitão Paulo , de 1858, com o nº 76, correspondentes a reedições
posteriores do Archivo Theat ral .
66
[escrevendo] um drama para ser representado em theatro de província”, o
de João Pinto da Cunha84
, em Vila Real de Trás-os-Montes. De teatro
“lera quatro dramas originais portugueses, e a lguns do Archivo Theatral”
(Branco 1858: 3). A sua experiência dramatúrgica acompanhou a moda e
o elogiado gosto romântico , respondendo às solicita ções do momento,
dialogando com a norma estéti ca , e, enquanto resposta “à moda dos
melodrama s hi stóricos, imperante na década de 40”, produz iu Agostinho
de Ceuta e O marquês de Torres Novas (Corradin 2005: 365).
O vasto e inovador “Archivo Theatral” , de “voca ção estét ica e
dramatúrgica evidente” (Santos 2012: 83), demonstra a inda um pendor
didático, quando prefacia o volu me 1 º com a “Historia da origem,
desenvolvimento, e progressos da Arte Dramatica entre as principaes
Nações da Europa”, “oferecida” pelos r edatores, a part ir da “Historia
Geral da Arte Dramatica, extrahida pelo erudito Escocez Sir Walter
Scott85
, da grande Encyclopedia Britannica”, de que m se su blinha a
clareza e conci são e, sobretudo, a “críti ca judiciosa”. Scott é ava lizado
pelo estudo profundo da dramaturgia ocidental, “de todos os países, e
todas as escolas” , exposto em duas partes – “teatro dos antigos”86
, e
“teatro moderno”87
. A ele, a Sociedade para a Publicações de Bons
Dramas acrescenta um oitavo capítu lo sobre a arte dramática em
Portugal, fru to da s “ investigações scienti fica s de um Illustr e e Douto
Portuguez” , de omitida autoria . Trata-se, contudo, da Memória sobre o
theatro portuguez (1816), de Francisco Manuel Trigoso de Aragão
84
Foi , posteriormente, representada no Porto , no Tea t ro de Camões , a 30 de
dezembro de 1848. 85
Trata-se de An Essay on the d rama , publ icado originalmente na Enclycopedia
Br itannica, em 1819, e contido em Miscellaneous prose works , volume V I, Essays on
Chivalry, Romance and the Drama, Edinburgh/ London: Robert Cadell / Whi t t aker,
1834, pp .217 – 395. 86
I – Teat ro dos Ant igos, II – Nascimento da Arte Dra mát ica na Grécia, III – Do
Theat ro Grego, e de seus Actores , IV – Caracter part i cular do Drama Gre go, V –
P rincipaes Authores Trágicos de Athenas , VI – Comédia Gre ga – Comédia Ant iga –
Comédia Nova – Caracter geral da co média no va; VII – Theat r o Lat ino –
Avi l t amento da profi ssão de Actor – Decadência e avi l t amento do Theat ro Ant igo. 87
I – Represen tações Dramát icas da Idade Média – Moral idades – Peças l at inas –
Peças h is tóricas , II – Dramas românt icos, III – Tragédia It al i ana – Comédia i t al i ana,
IV – Theat ro francês – Exame des ta dout rina – Corneil l e – Racine – Vol tai re, V –
Comédia F ranceza, VI – Theat ro Inglez – Shakespeare – Ben Jonson – Messinger –
Beaumont e Fletcher – Shi r l ey e out ros, VII – Theat ro Al lemão – Caracter geral do
Drama Al lemão, VIII – Theat ro Portuguez.
67
Morato, elogiada por José Silvestre Ribeiro , em Primeiros Traços d’uma
Resenha da Litteratura Portugueza (1853)88
, como “digna do seu illustre
Author”, por conter “mui judiciosas e apuradas notícias sobre a historia
da nossa Litt eratura Dramatica” (Ribeiro 1853: I , 61).
Sobre o valor da s traduções, a inda que não sendo “modelos de
linguagem pura e correcta”, Inocêncio considera que não deslustram os
seu s anónimos autores, havendo até “cousas muito peiores [ sic ] do que
ellas” (Silva 1858-1911: I , 304). As obras cir cularam pelo País , na forma
impressa, e na de repertório de companhia s itinerantes e d e sociedades
de curiosos dramáticos, conforme alud iu Serpa Pimentel , na Revista
Académica89. O “Archivo Theatral” destinava -se, quer à burguesia
lisbonense, frequentadora dos teatros na cionai s da rua dos Condes e do
Salitre, que testemunhara os espetáculos da companhia fr ancesa de
Monsieur Paul e Madame Charton, dirigida por Emílio Doux, quer a
burguesia provincial, a quem se providenciava uma r evoada de ar fresco
do panorama teatral da capita l, no intu ito de lhe morigerar o gosto ,
segundo padrões cosmopolitas mimetizávei s.
Ainda que o gabarito da companhia francesa não fosse dos mais
elevados, os efeitos da sua permanência fi zera m -se sentir na formação de
autores, a tores e público. O “Archivo” constitu i -se simultaneamente
como um repositório literário do bom gosto dra mático, como álbum de
recordações do cosmopoliti smo social, e como instrumento de educação
cívica, espécie de livro de t extos sublimes com ilustrações humanas
fantásti cas. O melodrama reproduzia uma moral conserva dora, que
mantinha a estabil idade política e social, promovendo o culto da virtude,
88
In tegra os art igos de “A Li t t eratura”, publicados na Revis ta Universal Li sbo nense,
em 1849. 89
O Archi vo Theat ral , de Lisboa, segue o modelo das publ icações francesas congéneres – Chefs -d 'oeuvre du répertoi re d es mélodrames joués à d i ff érent s
théât res (Pari s: chez Mm e
Veuve Dabo), Le Magazin Théâtral . Choix d e Pièces
Nouvel les jouées sur l es Théâtres d e Pari s (Pari s: chez Marchant/ Bruxelles:
Augus te Jouhaud), La France Dramatique au d ix -neuvième s iècle (Paris : J . -N.
Barba), La France Dramatique au d ix -neuvième siècle. Choix d e p ièces mod ernes
(Paris : chez Tress ) – , ou os seus prolongamentos belgas (Bruxel les : W. de T retz) e
alemães (Schles inger, Adolphe Martin (Berl in): Réper toi re du Théâtre f rançais à
Ber lin , Berlin: chez Adolphe Martin Schles inger) , a part i r das quai s cons t itui o seu
corpus . O edi tor-l ivrei ro paris iense Marchant , do Boulevard Saint -Mart in , publicou,
ent re 1834 e 1846, um to tal de 42 volumes , e m que se encont ram alguns dos
originais edi tados pelo “Archivo Theat ral”.
68
que o romanti smo transformou posteriormente com a reabilitação liberal
da marginalidade.
Recreio Theatral dedicado ao bello sexo (1839)
De objetivo e destinatário evidentes, esta publicação propõe -se
editar mensalmente um “dos melhores vaudevill es do Theatro Francez”,
ao preço módico de 80 réi s. Este género elá stico de di fí cil catalogação,
baseado em hi stórias simples quotidianas, peças de circunstância , e a -
propósitos, pontuados de canções, procura demonstrar de forma inocente
e ideali zada, que o amor é possível dentro dos códigos adoptados. O
primitivo carácter episódico transforma -se, em Oitocentos, com o
contributo de Scribe, r eforçando o interesse de um enredo r egular, de
uma comédia de situação, que r etrata os hábitos e a moral da cla sse
média. “Recreio Teatral ” promove a i lustração de um idealizado “belo
sexo”, a través de peça s, que formam “plataformas de fixação de ideias” e
de “mentalidades e dinâmicas sociai s” (Salvador 2009: 95)90
. A
“experiência quotidiana e doméstica” superava “os mais bem traçados
discursos”, demonstrando a s “delícia s da uma família” , quando tinha “em
seu seio huma Dama de hum espírito cultivado, e de hu m coração bem
formado e virtuoso” (Gazeta das Damas, nº1, 29/11/1822: 2).
A coleção a ssocia o “recreio” literário91
e o “processo de
autoconsciencialização da condição da mulher” (Salvador 2009: 104)
pela arte dramática, enquanto exempl o de uma burguesia qu e realça a
importância da institu ição familiar. Os títu los publicados, entr e Janeiro e
Abril de 1839 , caracterizam a ideia: O capricho de huma mulher , Os
primeiros amores ou Lembranças da mocidade , As despedidas ao balcão
90
Cf . S A LVA D O R , Teresa (2009), “Em torno dos periódicos femininos”, em AN D RA D E ,
Luís (d i r . ) , Cultura . Revis ta d e História e Teoria das Id eias , Vol . 26/ 2009, II série:
O Te mpo das Ideias . Li sboa: FCSH, UN L, CHC, pp. 95 -117.
[h t tp :/ / cul tura. revues .org/425] (consultado em 15 /04/2015) 91
Na mes ma década, out ras publicações part ilham o mes mo ideal de i lus t ração do
belo sexo pela “li t eratura amena”: Colecção d e Novas Modinhas para honesto
recreio das mad amas e apaixonad as d o harmonioso canto (1836), Tardes d e Verão
ou o Diver timento das Damas (1836), O Bei ja -Flor . Semanário de inst rução
d edicado ao belo s exo (1838-39; 1842), O Romancista. Jornal d e recreio . Dedicado
em especial ao belo sexo (1839), ent re out ros. Cf . S A LVA D O R , Teresa (2009), op.
ci t . , Anexo – A Imprensa fe minista (1807 – 1974), pp .108 -115.
69
e Mademoiselle Bernard, ou o Poder Paterno . T rata-se de comédias -
vaudevill e, em 1 ato, igualmente em tradução anónima, em que se
reconhecem os românticos autores da moda, da s “ fábricas pari sienses de
[…] fi siologia s morais e imorais” (Herculano 1873 -1908: II, 104) –
Scribe, Mélesville e Auger – e as comédia s do Gymnase D ramatique e da
Porte-Saint-Martin, de Paris, de que o “Archivo Theatral” já havia
editado O urso e o Pachá (L’ours e t le Pacha ) , Um erro (Une faute) ,
Estela (Le cheval de bronze ) , O copo de água ou Os efeitos e as causas
(Le verre d’eau ou Les effe ts e t les causes) , Bertrand e Raton ou A arte
de conspirar (Bertrand et Raton ou l’Art de conspirer ) , e O ambicioso
(L’ambitieux ) , de Eugène Scribe, e A câmara ardente (La chambre
ardente ) , Miguel Pérrin (Michel Perrin ) , O bobo do príncipe (Le bouffon
du prince ) e Os desafios (Le mariage impossible) , de Mélesville e
Carmouche. E, a inda que a escrita t eatral possa ser “um exercício de
pura técnica, despido de pretensões estéti cas ou ideológicas” (Rebello
2010: 52, nota 15), estes enredos simples e verdadeiros funcionam como
“miroir fidèle où se r eflètent l es moeurs, les vices et l es ridicules de la
société” (Moulin 1862: 1):
Si […] le jeune Scribe sut si bien fai re parler les femmes, s’ i l donna la
vie à tant de fraîches e t chastes héroïnes qui charmèrent le monde entier
et le charment encore; si , en un mot , i l est avant tout le poète de l’amour,
c’est qu’i l avait bien lu dans le cœur maternel . On croi ra qu’i l invente!
Non pas, il se souvient ! (Moulin 1862: 1 )
A coleção apela ao sentido crítico de uma burguesia que r eforç ara o
esta tu to social , convertendo-se em nova aristocracia . Misturando o
espírito com o capita l, aspirou à elegância do convívio social, sofr endo
apenas as grandes paixões dos seus interesses esp ecí fi cos. Tal como o
manual de civi lidade, a comédia, “sem os lances violentos, que só
pertencem ao drama” (Mendes -Leal 1865: I) , arrogou-se um papel
ilustrativo e formador de valores morais e sentimentais , apresentando um
“repertório de norma s e valores peculiares ao público vi sado” . Através
de herói s e heroínas, a sua perspetiva em relação ao leitor “acaba sendo
apenas a a lternativa entr e aceitação e negação” (Iser 1979: 138). A
seleçã o dos títu los remete para a comédia d e situação, para o romance de
70
salão, para a intriga de alcova, e para as desventuras conjugais. O
capricho de uma mulher (La haine d’une femme ou le jeune homme a
marier, 1824) revela o estudo do coração feminino, a lembrar Marivaux
(Moulin 1862 : 52); Os primeiros amores (Les premières amours, ou les
souvenirs d’enfance, 1825), representada no espetáculo inaugural da
companhia francesa de Émile Doux , no Teatro da Rua dos Condes, em
1835, aborda o mesmo assunto, seguindo a ópera -cómica de Dupaty,
Félicie ou la fil le romanesque (1815), a que Scribe conferiu “ l’ésprit des
couplets, l’habilit é avec laquelle il fa it passer sur les invraisemblances,
enfin le charme pri ntanier des détail s et des idées” ( id ., ib id . : 56).
Em As despedidas ao balcão (Les adieux au comptoir , 1824),
coescrita com Mélesville , criti ca -se a pretensão da petite -bourgeoisie
comerciante em ca sar as filha s com aristocratas, fugindo à ética e ordem
social, sobre as quais se funda menta a própria noção de Estado, enquanto
família em ponto grande. O tema do casamento surge também abordado
na peça de Auger, Mademoiselle Bernard (Mademoiselle Bernard ou
l’autorité paternelle , 1838), retra to de um univer so doméstico em
mudança, em que a autoridade do pater familias se põe em causa, pela
recusa do filho em casar apenas para satisfação paterna. Desva lorizado o
papel da nobreza de sangue, realça -se o da nobreza de carácter , em que a
família representa a célula -base da sociedade e um “projecto de
aspirações” (Vaquinha s/Cascão 1998: 387).
É explícita a intenção demopédica da comédia sobre o papel da
mulher na sociedade. A produção dra mática funciona como instrumento
de socialização na esfera privada, com uma força superior à da família e
da própria escola . Estando à mulher vedada a “carreira pública”, seria a
“carreira artística […] quasi a única que lhe é permitida, e a inda assim
tantos preju ízos a cercam que, a nã o ter nascido nesse estado,
difi cultosamente se resolverá uma mulher a abraçal -a” (A Esmeralda,
nº7, 17/06/1850: 51). A exemplaridade narrativa contesta a velha ordem
social e indica novos hábitos de classe, a través da sobrep osição dos
discursos racionalizador e imaginário, que agindo per suasivamente
tornam o teatro num dos mais propícios elementos de civilização (Santos
71
1983a: 90). Quando se denuncia a avidez do lucro, o poder do dinheiro, e
a desumanidade das r elações sociai s do velho r egime, desenha -se a
apologia dos novos valores da pátria , do trabalho e do progresso, sem
deixar de referir os males inerentes ; acalenta -se “o sonho de harmonia
social” , que o drama social irá abordar “na linha de socialismos
pequeno-burgueses e utópicos” ( id ., ib id . : 92).
3.2 . Entre o antigo e o moderno
O Dramaturgo Portuguez ou Colecção de dramas originais
portugueses (1841 – 42)
O propósito da empresa fundada em Dezembro de 1841, por [José
Maria da] Silva Leal92
, secretário de Garrett nos primeiros tempos do
Conservatório, surge evidente na folha -programa:
O Amor da pát ria, das let ras, e da restauração do Theat ro Portuguez, que
ha seculos amortecido, tendo começado por dar ao mundo a primeira
Comedia de caracter e a segunda Tragedia , d os tempos modernos, parece
agora querer ressurgi r bri lhante, se , infelizmente , causas mesquinhas o
não empecerem.. .; suscitou a uma Sociedade, amante da Littera tura -
nacional, a ideia de publicação d’um Jornal com o t í tulo que acima se lê.
Este Jornal sahi rá impreterivelmente no dia 1º de cada mez, e cada
numero ha de conter um Drama original portuguez, que não tenha sido
a inda publicado. Na Int roducção que preceder o primeiro Drama a
Sociedade desenvolverá o seu plano, o pensamento que predomina n’esta
empreza, que certamente nenhum Portuguez que se prése de o ser,
deixará de auxi liar com a sua protecção. A Edição será nítida , e
escrupulosamente revista (itálico original ).
Sente-se transparecer o espírito de Garrett na defesa do
melhoramento da arte dramática, precisa mente no ano em que “causas
92
A e mpresa t inha sede na rua l arga e S. Roque, nº 48 – 2º , em Lisboa. A coleção era
l egi t imada pela sua assinatura, na cont racapa, advert indo -se que a sua inexi stência
configurava que os fo lhetos seriam “reputados como furto”. Os locais de ass inatura e
venda s ituava m-se e m Lisboa, na rua Augus ta, Viúva Henriques , n º1 – Arsejas,
n º126 – Si lva, nº140 – na rua do Oi ro , Pl ant ier , nº62 -63 – na rua nova do Almada,
Lenglet , n º78 – ao Chiado, rua das Portas de Santa Catharina, Mart in ; em Coimbra,
com J . M. S. de Paulo, Loja da Imprensa da Univers idade; no Porto , Tra vessa da
Fábrica do Tabaco nº29 -30, em Casa de José Rodrigues dos Santos. Em 1842, na
edição do nº5 , acrescenta -se novo ponto de venda, e m Vi la Real de Trás -os-Montes ,
em Casa do S r. José Gomes Carnei ro Júnior. Nesta altura, o preço das ass inaturas
varia ent re 2$880 réis (ano), 1$440 (semes t re) , $720 ( t rimes t re) e $24 0 (mensal ) .
72
mesquinhas” o haviam exonerado das suas funções de I nspetor -geral dos
Teatros e Espetáculos. O editor estaria presta ndo um bom serviço às
letras portuguesas, em “época de verdadeira regeneração lit teraria” ,
(Herculano, apud Garrett 1904: I , LIX ) . “O Amor da pátria , das letras, e
da restauração do Theatro Portuguez” a que se propõe o “Dramaturgo
portuguez” ecoa o vinti smo l iberal, no momento em que se assist e à
instauração da política cartista , que redundaria no cabralismo (1842 –
1851), e em que Garrett r everbera as causas da decadência do teatro
português, no prefácio d e Um Auto de Gil Vicente . Ao pretender
privilegiar a publicação de drama s originai s e inéditos, a empresa evoca
um objetivo idêntico ao de Paulo Midosi , César Perini e António
Feli ciano de Castilho, fundando a Associaçã o Gil Vicente, para
exploração de peças originai s no t eatro do Salitre .
Torna-se pertinente a “Introdução” ao primeiro volume, – “Panem et
c ircenses é a divisa de todos os povos (diz Voltaire) ” – , assinada pelo
editor S. L. (Silva Leal) , enquanto vi são teórica sobre o teatro. Elogia -se
a superioridade do português sobre o europeu, e a escolha dos autores de
obras de “ forma hi stórica”, ou de “pensamento , desentranha ndo-se do
seio dos monumentos e chronicas do passado” (Ferreira 1871 -72: II,
161): o próprio José Maria da Silva Leal que coescreve com o jurista
Manuel Maria da Silva Bruschy o drama hi stórico D. João I (nº1 ,
dezembro, 1841), e individualmente adapta o Othelo , de Shakespeare, em
O Intrigante de Veneza (nº3 , fevereiro , 1842); César Perini de Lucca,
com o dra ma O Cigano (nº2 , janeiro, 1842) e o drama histórico O
Marquês de Pombal ou Vinte e um anos de sua administração (nº 5 ,
outubro, 1842) , e Paulo Midosi, com duas far sas, Um noivado em Frielas
ou Os dois patacões e Os logros n’uma hospedaria .
O editor evoca os créditos artísti cos de Perini de Lucca e de Paulo
Midosi. Aquele, enquanto Membro do Conservatório Real de L isboa e do
Institu to Dramático de Coimbra, cujo drama, premiado por aquela
institu ição, se representara no Teatro da Rua dos Condes, em Novembro
de 1840; este, pr emiado na s prova s públicas do mesmo Conservatório,
t ivera as suas farsas em cena, no mesmo teatro, em junho e ju lho de
73
1841, respetiva mente, e cujos pareceres da Inspeção -geral dos Teatros e
Espetáculos para Os logros n’uma hospe daria se incluem. Paulo Midosi,
a lém de dedicar a obra ao Duque de Palmela, elabora um prefácio sobre a
poesia dra mática em Portugal, na esteira de Garrett . É um espírito
patriótico que norteia a breve coleção.
Ullysseia dramática (1842 – 43)
Em contraponto ao espírito da anterior, esta coleção continua a
moda da literatura francesa dos teatros do boulevard , cujo tradutor
anónimo apenas se ident ifi ca como proprietário da obra em português .
Uma efémera biblioteca, que parece partilhar o mesmo espírito do
“Archivo Theatral” , e que, possivelmente, não terá tido a esperada
aceitação, editando apenas a s traduções livres dos dramas A noite do
homicídio (La nuit du meurtre , 1839), de Albert e F. Labrousse93
, do
repertório do teatro de l’Ambigu -Comique , de Paris, e Edith ou a viúva
de Southampton (Edith ou la Veuve de Southampton , 1840) , de Antony
Béraud e Alfonse Brot , do repertório do teatro da Gaîté, publicado em Le
Magazin Théâtral: Choix de p ièces nouvelles jouées sur tous les théâtres
de Paris .
Ainda que sob a designação de drama, qualquer das peças
corresponde ao género melodramático, tão ao gosto popular. Expurgad o
do costumeiro aparato cenográfico que se transformava à vi sta do
espectador para lhe provocar u ma emoção vi sual, o enredo mantém as
característi cas da moralidade ao alcance da classe média . A escolha de
cenários estrangeiros funciona ria como “estratégia exótica” de agradar a
um público que “ [considerava] como triviais a s personagens que não
[eram] antiga s ou principesca s” (Thiesse 2000: 139). Em A noite do
homicídio , cuja ação se desenrola no momento da Revolução Francesa,
entre 1789 e 1794, entre a queda do Ancien Rég ime e La Grande Terreur,
não esta mos perante um drama hi stórico, mas para o qual a História
93
Des tes autores, o Archivo Theat ral (A. T.) edi tou a t radução dos dramas Fleurette
ou l e premier amour d e Henr i IV (1835, Os amores d e Henr ique IV, A.T. , 1843), e
Prêtez -moi 5 f rancs (1834, Empres ta -me dois pintos, A.T. , 1844).
74
serve como pano de fundo de análi se social de um a hi stória ocorr ida na
Bretanha, palco de grande conflitualidade n este período sangrento. O
protagonista Remouald é médico; porém, o altru ísmo que se esperaria de
um salvador de vida s é substitu ído pela ausência de escrúpulos, pela
ambição desmedida, que o torna m num vilão capa z de matar para se
a ltear socialmente. A revolução cria o clima que permite a sua ascensão
a Comissário da Convenção, função que exerce como tirano, dando -lhe
meios para se livrar em definitivo daqueles que conhecem as suas
tramoias.
A obra segue os tropos do género: r ivalidades passionais, mortes
com punhai s e venenos, amores contrariados, frustrados, tra ições
conjugai s e filhos naturais. A natureza , em sintonia com a essência
humana, sublinha dramaticamente as paixões violentas, a o som de
tempestades, que trazem consigo os fantasmas do remorso. Nada demove,
porém, o protagonista de seguir o destino que traçou por obstinação, a té
ao suicídio, se for ca so di sso, mas de forma inesperada, t eatral, tão
rápido quanto um raio que o fu lminasse, com o confessa: “un homme
comme moi fa it dr esser l’écha faud, mais il n’y monte pas” (ato V, cena
viii) . A população toma consciência da opressão, sob a prepotência de
um caciqui smo políti co. A justiça faz -se sem alardes, fru to da qualidade
humana do próprio r egime que se instala , como proclama o velho Jérôme,
convertido à nova ordem: “Thermidor a bri sé l e joug de la t erreur… La
Convention r epousse l es assassins” ( ib id .) . Perdido o duelo com Arthur
Saint-Valry, e sem possibilidade de fuga, Remouald suicida -se com o
punhal que escondera na roupa, junto ao peito, perante uma estupefacta
assi stência , dentro e fora de cena. A tranquilidade r egressa na crença de
que “il s’ est fa it justi ce!” ( ib id .) .
Também Edith ou a v iúva de Southampton segue o mesmo modelo ,
desta vez desenrolando -se a ação, em Inglaterra , entr e o fim do
Protetorado de Cromwell e a restauração da monarquia com Carlos II .
Refletindo um período dita toria l, que antecede em cem anos a Revolu ção
Francesa, a escolha das obras traduzida s parece sugerir uma ilustração
teatral do espírito de revolta que uma fação da sociedade li sboeta nutria
75
pela ditadura cabralista , num “reinado da frase e do tiro” (Oliveira
Martins, apud Sardica 1997: 280). Tanto Fabrice Labrousse como Antony
Béraud eram autores que havia m professado a causa liberal e vivido a
revolução de 1830, cujas ideias ganhavam sentido nos meios
oposicionista s li sbonenses:
L’époque ou nous vivons est une époque de t ransition […]; car, dans la
si tuation où nous sommes placés, il n’y a rien de fini, par conséquent
rien de stable . On a fa it de t rès belles phrases sur les révolut ions
comprimées, sur les volcans éteints, sur l’hydre de l’anarchie. Que
signi fie tout cela? […] Il y a quelque chose de plus réel, c’est que tout ce
que nous avons vu et ressenti depuis 89 doit avoi r une fin plus large et
plus conséquente aux principes révolutionnai res (Labrousse 1833: 3).
Com a queda do Império napoleónico, a escrita melodra mática
expressou outra mentalidade. Os valores tradicionai s, cívicos e militar es
deixaram de fazer sentido numa sociedade em processo de
hierarquização. O teatro de boulevard perdeu público para outras formas
de entretenimento. Todavia , a r eescrita de L’Auberge des Adrets (1823) ,
de Benjamin Antier , Saint -Amand e Paulyanthe94
, onze anos mais tarde,
como drama burlesco, com o títu lo Robert Macaire , ce sin istre Scapin du
crime95 (1834) , para as Folies -Dramatiques, veio marcar o aparecimento
de u m novo tipo de dra ma, em que o protagonista , graças à interpreta ção
e parceria de escrita do jovem ator Frédéric Lemaître , de 2 3 anos, se
emancipava do estatu to de personagem lit erária para se tornar num mito
da cena. Théophile Gautier considerou -o “le grand triomphe de l’art
révolutionnaire qui succéda a la Révolution de Juillet” , na medida em
que encarnava “la revanche des misérables sur les ri ches” (Melai 2013:
18). Assi ste -se a uma inver são de valores, que introduz um novo
elemento dramático na tipologia do melodra ma . O dra ma burlesco vem
transformar as personagens dos bandidos Macaire e Ber trand em
per sonagens de comédia de costumes , em tipos dramát icos, que
representam per sonagens reais tornadas cómicas pela caricatura . A sua 94
P seudónimos de Benjamin Chevri l lon , Jean-Armand Lacos te e Alexandre
Chaponnier , respetiva mente. 95
Te ve t radução portuguesa por Joaquim José Anaia , para o Teat ro das Variedades
Dramát icas (ant igo Sali t re), a 25 de j anei ro de 1868, com música de Alexandre
Alcântara Ferrei ra. Te ve edição impressa, em 1869, na coleção Biblio theca
Lisbonense , de que falaremos pos teriormente.
76
exuberância cénica corr esponde ao facto de serem simultaneamente
caracteres e má scaras. O marginal, anteriormente proscrito no final da
peça, tornou -se em novo tipo de herói, e o melodrama, que, a té a í, fora o
defensor da s convenções burguesas, adotou, progressivamente, a ousadia
e o excesso, proclamando a tolerância do vício. James Rousseau , em
Physiologie du Robert Macaire (1842), viu nesse “enfant du siècle”
“l’incarnation de notr e époque positive, égoïste, avare , menteu se,
vantarde… essentiell ement bl agueuse” (Rousseau 1842: 5). Théodore de
Banville viu nele “le Cid et l e Scapin de la comédie moderne” ( Banville
1882: 213). A denúncia de uma sociedade corrupta , feita a través de uma
comédia, exibia , segundo Gautier, “ l’audace et l’a ttaque désespérée
contr e l’ordre social ou contr e l’homme” ( apud Descotes 1980: 244)96
.
A Providência deu lugar à Fatalidade que pass ou a matar o herói,
deixa ndo sobreviver os tra idores. As inclinações amorosas,
anteriormente di scretas, expandi ram-se em arroubos pa ssionais. A
moralidade final transformou-se em desa fio social, levando Pixérécourt a
renegar o género que criara . As Dernières réflexions de l’auteur sur le
melodrame (1843) acusam a geração responsável pelo género romântico
de não possuir ideias, diálogo, ou sequer elaborar o plano da intriga. O
pai do melodra ma, que havia estudado as obras de Mercier e de Sedaine,
que elaborara as regras da per feita composição, baseada em assu nto
dramático e moral, a través de um diálogo natural, de estilo simples e
verdadeiro, portador de sentimentos deli cados, probos, sensívei s,
recompensando a virtude e punindo o vício, não se revia na nova geração
“si orgueilleux et si pauvre de coeur, d’âme et sent iment” (Pixérécourt
1841-43: IV, 493-94):
96
A incompreensão deste espí r ito l evou a crí ti ca a não acei tar a comédia de Scribe,
Le f il s d e Cromwell ou une Res taurat ion (O fi lho d e Cromwel l ou uma Res tauração) ,
em t radução de João Bapti sta Ferrei ra , representada no Teat ro da Rua dos Condes ,
em 1843. A peça fo i cons iderada “despida de in teresse”, sem “in t r iga chis tosa”, sem
moral idade: “a boa fé, a consciencia, o pudor – tudo se vende e m me rcado, no
concei to de Scribe; não há home m puro no meio d’aquella a thmosfera de
prost itu ição. […] É vergonhoso! É u m scept icismo à Soulié, que faz mal aos
nervos !” (O Raio Theatral , n.1 , 08/10/1843:6). Di ficilmente se aceit ava que o
protagonis ta proclamasse “je su is pour l a paix , l a vraie vé ri t é et l e bonheur
d’Angleterre! C’es t vous d i re que j e ne suis d’aucun des parti es actuel s !” (ato I,
cena IV) .
77
Tous les personnages modernes sont fondues dans le même moule; jamais
de naturel ou de gaîté […]. Il me semble entendre toujours et
incessamment , un professeur de rhétorique […] son langage est le même
partout. Or ce n’est point là le théât re, que n’est aut re , selon moi, qu’une
représenta tion exacte et vérid ique de la nature ( Pixérécourt 1841 -43 : IV,
493-94).
Em princípio , a di ferença entre o drama e o melodra ma româ nticos
não é abi ssal. Autores, t eatro e a tores são -lhes comuns. Qualquer dos
géneros se baseia nos enredos propostos pelo melodrama clá ssico, que
inovou no tom e na temática, retomando à sua maneira o gosto dos
efeitos e da cor local, do ritmo narrativo, da expectativa e da encenação,
do contraste maniqueí sta entre as forças do bem e do mal, e da
composição de per sonagens que representavam valores morais . Trata -se,
no fundo, de um estilo dramático que se deixa l evar pelas suas próprias
invenções e pela sua própria lógica, mais do que pela noção d e reali smo
e de verosimilhança.
A expressão da sensibilidade tornou -se mais viva e ganhou as cores
da revolta social, e o drama expôs a inteligência escandalizada com a
mediocridade dos oportuni stas e dos poderes político e económico. O
tédio e o cansa ço de viver tornaram-se t ema s dramáticos. Os herói s
tentaram o suicídio, quando a fa ta lidade lhes bateu à porta; a morte já
não correspondia ao desenlace do tra idor , mas à exposição cénica das
múltiplas saídas para os problemas. O ca samento , s ímbolo da união
familiar, deu lugar a outro tipo de relacionamentos menos estávei s e
mais passionais. O adultério, raramente abordado, subiu à cena, que
revelou uma população de filhos ba stardos, de mães sol teiras, de
crianças perdidas e r eencontradas, de pais capazes de e xercer violência
sobre os filhos, de lhes lançar a té a sua maldição.
Victor Ducange provocou a opinião pública , que, após as barricadas
de 1830, se tornara mais violenta e com pendor anti cleri ca l, quando
coescreve com Pixérécourt Le Jésuite (1830) , cujo protagonista , um
clérigo sórdido e lúbrico, conduz uma jovem ao suicídio. Os dra mas
tornaram-se anárquicos, violentos e sanguinolentos, servindo como
veículo de propaganda e de ressurgimento dos ideais liberais, e, ta lvez,
por isso, interessa sse à inteligência portuguesa a tradução destas obras,
78
cuja ação, no final da década de 1840, se torna mais palpitante. Grande
parte dos melodramaturgos eram também jornalis tas, escreviam em
periódicos, publicava m os romances em folhetins, cuja distribuição pelo
espaço do jornal, corr espondia , em grande parte, à noção das fu turas
adaptações à cena. As ver sões dos romances de Eugène Sue e os
melodrama s de Félix Pyat veiculam a força de um ideário socialista , em
que a violência dá lugar à descrição reali sta . Para Pyat, o melodrama é o
teatro do povo e é sobre este que escreve. Em 1847, em Le Chiffonnier
de Paris (O Trapeiro de Paris )97
, o protagonista representava a ideia do
revolucionário de 1848, daquilo que viria a ser a Segunda República
Francesa. As per sonagens Robert o Macário e João o Trapeiro
demarcaram o espaço do herói melodramático romântico. As obras
traduzidas nesta s coleções da primeira metade do lusitano Oitocentos
integram um repertór io r evolucionário , que, durante o cabralismo,
glori fica a anarquia dos sentimentos e dos comportamentos (Descotes
1980: 81).
3.3 . Ser útil aos compatriotas e à nação que lhes deu berço
Não será apena s na tradução das obras célebres que se veri fica a
u tilidade deste género popular. Ele representa um novo modo de encarar
a realidade, serve de inspiração a novos produtos dramáticos, fru tos do
desejo de “ser ú til aos […] compatriotas e à nação que […] [lhes] deu
berço”, como se l ê no prefácio de Os Dois Renegados (Mendes-Leal
1839: V) . Todavia , a “deformante interpreta ção” (Picchio 1969: 257) das
“ideias profunda s e arrebatadora s de Victor Hugo” e das “ricas e
formosas cenas de Dumas” (Mendes -Leal 1839: VI) mantém a produção
dramática de Mendes Leal dentro da fórmula maniqueí sta do melodrama,
viciado por um “nacionalismo patrioteiro”, sem as “moderní ssimas
anotações psicológicas” com que Garrett “conferira universal
humanidade às paixões r epresentada s” (Picchio 1969: ib id .) . Apesar da
“inclinação à Poesia”, Mendes Leal reconhec ia ter sido a leitura e o “uso
97
Representou -se pela primei ra ve z e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II , a 19 de
ma rço de 1848. Teve d i versas reposições até 1875, sendo mui to usado em
espetáculos de benefício .
79
que depois [t eve] dos Theatros, conquanto pequeno que fosse, que o
dirigiu e apli cou” (Mendes-Leal 1839: VI) . A influência do modelo torna -
se, então, clara , quando identi fica a “magn i fi cência e sublimidade de
Casimir Delavigne” como fator de produção de um “desejo indistinto” e
de um “ sentimento indefinível” na alma ( ib id .: ib id .) .
O melodramaturgo reconhece o valor da comunicação que surge de
uma técnica de escrita adequada. Mendes L eal não explica as razões que
o levaram a redigir os Dois Renegados – “executei -o como o concebi, e a
execução é a tradução do pensa mento” ( id ., ib id . : VII) – , mas admite que,
no momento em que prefacia a obra impressa, poucos meses após a sua
estr eia , “ ta lvez” a “reconstruí sse, lhe alterasse as formas”, por razões
diferentes daquelas que o público “sancionou com a sua aprovação” .
Mais do que o esti lo literário, conta a capacidade de influenciar a
receção, consciente da qualidade do público que assi ste e do próprio ato
de comunicação: “o espectador apraz -se em conservar a ú ltima sensação
recebida, e esta perde -se, esfria , morre, se a enterram em longas
narrações” ( ib id . : ib id .) . É o conceito u tili tário intrínseco ao “efeito
dramático” que o dramaturgo utiliza para manipular a leitura do
espectador, mantê -lo a tento à narrativa, despertar -lhe novos interesses,
levá-lo por ca minhos do pensamento , intranquili zá -lo , para o fazer
regressar à paci fi cação emocional na moralidade do desenlace. Uma
espécie de “comboio fantasma” de feira , de jogo de crianças crescidas,
subtilmente u tilizado na atualidade pelas indústrias do cinema e da
televisão, fundamentado em estudos de psicologias de massa s e de
mercado.
Ainda que Mendes Leal possa ter escrito um melodrama, não o
admite enquanto ta l – o termo tornara -se pejorativo – , e a obra configura
antes a justi fi cação de nova t erminologia: o drama – “o estilo que
emprego pode t er, e é possível que tenha – desigualdades, imper feições,
fa lhas e erros” (Mendes-Leal 1839: VIII) . O argumento que servirá a
Garrett para defender a u tilização da prosa no Frei Luís de Sousa , usa-o
Mendes Leal em seu favor: “a poesia não consi ste no verso. [ . . .] A prosa
é poi s suscept ível de sublimidades, de magni fi cências, de poesia” ( ib id .:
80
ib id .) . Os Dois Renegados pretendem “a representação fi el da vida” ( id .,
ib id . : IX) , que sensibili za a compaixão do espectador, e o faz puxar do
lenço, para nele conter a furtiva lágrima. Tal como o quadro, “cópia
exacta do objecto que representa”, que varia segundo a per spectiva do
observador, também o drama assume contornos di ferentes, consoante a
“distância do nosso modo de Ser ”, sendo, por i sso “necessário
apresentál -o de um modo diverso do vulgar, de u m modo capaz de
produzir impressão no público costumado às sensa ções usuais” . Atores e
espectadores representam o “mundo ideal” e o “ mundo exi stente”,
respetivamente, de um espetáculo que põe “em face a verdade e a fi cção,
o pensa mento e a realidade”. A plat eia fa la da “vida comum” e o palco
“da vida extraordinária” , das paixões “grandes, fortes e sublimes”, que
comovem corações e abalam as a lmas, e chegam à inteligência , porque é
o “nexo do drama” que interessa e prende, ferindo as corda s do
sentimento ( ib id . : ib id .) . Em defesa do autor, Mendes -Leal esta belece um
conceito de sublimidade para o fazedor da obra dramática , a quem Deus
“colocou na mão direita a virtude e na esquerda o vício” ( id ., ib id . : XI):
Arremessar uma e out ra à mult idão; o vício em toda a sua torpitude; a
vi rtude em todo o resplendor de sua beleza , porque todo este públ ico, que
um dia lhe pedi rá contas da porção de vício ou de vi rtude que d’ele
receberam, enterre uma em seu coração, e repulse o out ro a té dos seus
lábios (Mendes-Leal 1839: XI).
A consciência técnica da sua escrita refle te os t ema s, comuns ao
drama e ao melodrama, convencionados nas per sonagens que conduzem a
perceção da trama (o herói – “o homem lutando com o homem [ . . .] tudo o
que é forte e poderoso” – , o tra idor – “o homem de alma perver sa e
coração danado”, “o malvado aumentando o sofrimento” – , e a v ítima – “a
mulher que sofr e e que morre [ . . .] , a criança su stentando o sofrimento
expirante” – , mas também na epi fania das vivências – “derramar todos os
amores, o a mor de pai, o amor de filho e de irmão, o a mor de religião, o
amor de mulher, o mais forte e o mais ardente de todos os amores” ( id . ,
ib id . : XII) .
O enredo expressa uma realidade entendível à luz do seu temp o.
Fica claro que se tra ta de um exemplo hi stórico , e que tudo o “ mais é um
81
drama de imaginação” ( id ., ib id . : XIII) . E quanta! O erro hi stór ico é mais
que evidente . Que importa? Não é História servida como consciência de
um Tempo passado, ma s iguaria servida, apetitosamente, com sabores e
cores locais, como metáfora de um tempo presente idealizado. O herói
“ franco, honrado e extremoso” , quando cai em erros, “ mostra que é
homem” ( ib id .: ib id .) , como os que se encontram na plateia , como todos
nós, di spostos a meditar na s costas a lheias a observação das nossas;
afori smos populares, consciência s primordiai s, tentativas de
naturalismos anteriores a Zola e ao behaviori smo cientí fico,
fundamentam-se na autoridade aristotél ica invocada de que nenhum herói
será só vício ou só virtude, para que não seja causa de comiseração , ma s
de piedade.
Nesses “anos de loucura”, a educação devia sustentar “a civilização
ardentemente desejada ” (França 1999: 70). A sala de teatro não era a inda
o espelho de uma sociedade em espetáculo de si própria , mas um lugar
em que se comungava na ilu são t eatral que atingia o fascínio. O
melodrama propagador da moral convencional e burguesa era veículo de
ideias política s, sociais e sociali stas, de ideais huma nitários e
humanista s, e sustentava a esperança no triunfo das qualidades humanas
sobre os poderosos. Uma década após a estr eia de Dois Renegados ,
quando o paí s adotou um regime liberal -democrático, o dramalhão
ultrarromântico, esva ziado o sentido da fórmula histórica , tornou -se
obsoleto. Seria tempo do modelo social e dos heróis das cla sses média s e
laboriosas.
4. Seja o teatro escola e templo
A queda do cabralismo, na sequência da Revolução da Maria da
Fonte, foi “o sossego dos capi ta listas” (Branco 1983: 153). A burguesia
aumentou em número, fru to da conjuntura que lhe garantiu o cr escimento
dos negócios e consolidou o poder (Vaquinha s/Cascão 1998: 381). O
espírito da Regeneração promoveu a expansão industria l, financeira e
mercantil , dinamizou a evolução da s profissões liberais , consolid ou uma
burguesia in telectual em lugar destacado da sociedade, e criou uma
82
civili zação de consumo e ostentação. O Estado liberal promoveu o acesso
da burguesia a uma “aristocracia monetária” , como forma de “coroar”
carreiras pol íticas ou militares prestigiadas, ou as de atividades
comerciais ( id . , ib id . : 385). Oitocentos foi o “século de ouro da
burguesia”, que para se di stinguir enquanto categoria social, constru iu
modelos de conduta e de comportamento social, que a di ferenciavam da
velha ari stocracia e dos estratos inferiores, segundo três vetores: a
família e suas rela ções como célula -base da sociedade, a educação e a s
boas maneiras, e, por fim, a valorização do ócio e do lazer (Santos
1983a: passim ) . Se o dramalhão hi stórico e a ópera cómica serviam a
espeta cularidade do gosto pelas emoções fortes, um novo olhar sobre os
modelos colhidos no quotidiano r evelava, conforme notou Bea umarchais,
que a grandeza de um homem na terra “n’appartient pa s à [son] éta t; ell e
est toute à [son] charactère” (1809: II, 614-15), e que o teatro cont inuava
a ser “un géant qui blesse à mort tout ce qu’il frappe” ( ib id .: II , 9). A par
daqueles géneros surgiu em meados de Oitocentos o drama social, que
regi stou várias designa ções – comédia-dra ma98
, drama de atualidade,
drama realista – e pretendeu ser tão r eformador, quanto emp enhado em
“educar e moralizar um público envenenado pelo mau teatro” (Santos
1983b: 64) e também em digni ficar as classes laboriosas , para que o
teatro fosse “escola e t emplo” (Silva 1867: V) :
Escola onde todos recebam pão de espí rito, abundante, nut ritivo , claro e
bom. Seja templo onde todas as profissões vejam altares erguidos para
todas as virtudes, para todas as acções nobres ( Silva 1867: V).
Afirmada a fórmula social, os dramas de t ese, ta l como a s comédias
de enredo, de caracteres ou de costumes (Mendes-Leal 1865: I) , expõem
os mesmos sentimentos virtuosos, sem os paroxi smos românticos,
segundo a contenção advogada pela moral burguesa, a través de
per sonagens procedentes de um quotidiano “ambíguo e burguês” (Picchio
1980: 259).
98
Nos Livros de Regis to de Repertório do Teat ro Nacional de D. Maria II (TNDMII),
es te género surge referenciado pela primei ra ve z, e m 1850, a propós ito da es t reia da
comédia-dra ma e m 5 atos , Os dois f lorent inos.
83
4.1 . Publicações dramáticas de António José Fernandes Lopes
Este editor -livreiro foi proprietário de uma tipografia ao Arco
Bandeira , onde se imprimiu o jornal li t erário e instru tivo O Panorama ,
de que foi proprietário, entr e 1846 e 185899
, e de A Illustração Luso -
Brasile ira (1856, 1858, 1859 )100
, onde t eve como colaboradores a nova
geração de autores do romance social. Dada a escassez de editores de
peças de teatro, “ todos os bons autores iam cair” na sua loja , onde ele os
esperava, “sentado na sua cadeira e encostado a uma grossa bengala”
(Bastos 1947b: 172). Usava a mão esquerda como balança para aferir o
peso da obra, e pagar por ela “uns tostões para o jantar” do literato. À
exceção do Santo António101, de Braz Martins, dos Márt ires da
Germânia , de José Romano, ou da Mulher que deita cartas (La tireuse de
cartes) , de Victor Séjour102
, em tradução de Biester , “pechinchas” de
outros editores, tudo o mais considerava “porcaria” , sem préstimo:
99
3 ª série, volumes IX -XIII (1846 – 1856) e 4 ª série, volumes XIV -X V (1857 –
1858). No início de Setembro de 1846, A. J . Fernandes relançou es te jornal , que,
devido à Patuleia, t eve vida at r ibulada até j anei ro d e 1853, prosseguindo cons tante
até 1858. Inocêncio da S ilva sugere que a d i reção do periódico seria da responsabil idade de Luís Augus to Rebelo da Si lva . Em 1866, O Panorama vol tou a
ressurgi r , em parceria da e mpresa do Panorama, de Fernandes Lopes , e da Tipografia
F ranco-Portuguesa, durando dois anos, até que fo i suspenso defini tiva me nte. 100
A re vi s ta t erminou por ques tões pessoais dramát icas , expostas em nota de rodapé
da ú lt ima página: a morte da esposa, e a necess idade de tomar conta dos o ito fi lhos
órfãos (nº 52 , vol . I I I, 31/12/1859:412). Nela t inham s ido publ icadas , em dra ma -
folhet im, A Herança d o Chanceler , comédia e m 3 atos , e m verso l í r i co de Mendes
Leal , O sapatei ro d e escad a, comédia de cos tumes de Luís Augus to Palmei rim ,
ambas no volume 1º (1856), e À tard e, entre a murta , al ta comédia em 3 atos de João
de Aboim, no volume 2º (1858). A publ icação rematou com uma página dedicada à
poes ia, publ icando A qued a do A respei to des te periódico cf. S AN T ’AN NA , Benedi ta
de Cáss ia Lima (2007-08), “A Ilus t ração Luso -Brasi l ei ra (1856 e 1858 -1859): uma
l ei tura apresentativa”, e m Triceversa . Revis ta do Cent ro Ít alo -Luso-Bras i l ei ro de
Es tudos Linguis ti cos e Culturais (CILBELC), v.1 , n .2 , nov.2007 -abr.2008, pp . 96 -
111 . 101
Es te drama sacro in t itulou -se originalmente Gabriel e Lusbel ou o Thaumaturgo
Santo António. Foi representado pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro do Ginás io ,
a 3 de abri l de 1854, com gr ande sucesso e edição impressa no mes mo ano. O seu êxi to perpetuou -se pelo século XX, graças às co mpanhias de província, que o t inham
em repertório , e o representava m pela provínci a em tempo de fei ras e romarias
populares , mot ivando os amadores locai s a l evar à cena es tas obras de gos to popular .
Cf . F ILIPE , José Gui lherme Mora (2007), Percursos i tinerantes ; a companhia d e
Rafael d e Olivei ra – Art is tas associados. Dissertação de mes t rado. Li sboa:
Faculdade de Let ras , Univers idade de Lisboa. 102
O melodra ma original , La t ireuse d e cartes , es t reado no Théât re de l a Porte -Saint -
Mart in , a 22 de dezembro de 1860, t eve edição impressa no mesmo an o em Pari s :
Michel Lé vy F rères . E m Portugal t eve es t reia no Teat ro de D. Maria II, a 16 de
ma rço de 1861, sendo reposto várias vezes até 1878 (Livros de Registo de Repertório
do TNDMII).
84
- Você está enganado. Isto que aqui lhe t rago é uma bela peça.
- Como se chama?
- A máscara social .
- Olhem que tí tulo esse! Quem diabo há -de comprar uma peça com ta l
nome?
- Você é uma besta!
- Burro quere você fazer -me; mas eu já não caio! Olhe, seu Alfredo
Hogan, se quere , dou-lhe t rês pintos, se não quere, leve, que me faz
mui to favor.
E queria logo devolver a peça ao autor, que, não tendo mais a quem
vender, se resignava e d izia:
- Bom, i sso é um ovo por um real; mas, enfim, dê cá os t rês pin tos .
(Bastos 1947b: 172; itál icos originais)
Apesar do diálogo pouco abonatório, Sousa Ba stos r econhece que o
“Lopes da rua do Ouro” editara grande número de obras dra máticas [103
]
quando poucos o fazia m, mesmo pagando por um drama consa grado, em
três a tos, 1 .440 réis, quando no t eatro do Ginásio , em dir eitos, o mesmo
autor recebia em cada noite 1 .800104
. Fora assim que “por meia dúzia de
cruzados novos t inha as gavetas abarrotadas de originais”105
( id ., ib id . :
173; itá licos originais). Entr e 1854 e 1867, A. J . F. Lopes publicou
periodica mente peça s dos “nomes liter ários da nova geração” (Biester
1856a: I , 63), cujo mérito se firmava então no drama social – Bulhão
Pato, Ernesto Biester , Al fredo Hogan, Henrique Van-Deiter s106
e Avelar
Machado , entr e outros –, a par dos “dois escriptores eminentes que
[marchavam] à testa da novíssima geração lit teraria” ( ib id .: ib id .) –
Mendes Leal , iniciando a sua fase do drama de tese, e Rebello da Silva ,
revi sitando a tragédia shakespeariana do Mouro de Veneza ou criando
com Biester a ver são cénica da Mocidade de D. João V – , e t ambém do
não menos célebre Inácio Maria Feijó , rei terando sempre a autoria do
Camões do Rocio . Ainda que sem consti tu ir uma coleção específica , a
catalogação das publicações, divulgada nos ver sos de capas e
103
Cf. Apêndices – 3 . Tabela de publ icações dramát icas do edi tor A. J . F. Lopes . 104
O Teat ro da Rua dos Condes , o de D. Fernando e o Variedades (Sali t re) paga va m
os atos a quat rocentos e oi t enta réis (Bastos 1947b:173). 105
As obras eram impressas na sua designada Tipografia do Panorama, à rua do Arco
do Bandei ra, e comercial i zadas na sua l ivraria da rua Áurea, nº 132 -133. 106
Faleceu aos 27 anos de idade, de t ís i ca pulmonar. As suas obras dramát icas foram
todas publicadas por A. J. F . Lopes. Foi t ambém autor do poema O Judeu Errante,
paraphrase da lenda alemã d e Schubart , dedicado a Júlio César Machado e
publ icado na Revis ta contemporanea d e Por tugal e Brazi l , vol . III, n º7 , 1861: 362 -
372.
85
contra capas, e em coluna pró pria da Illustração Luso -Brasile ira ,
configura uma ecléti ca biblioteca de cento e vinte e nove obras
dramáticas de autores de sucesso107
. Ao longo dos anos, a lguns
regi staram maior presença, enquanto outros tiveram entrada isolada,
numa mistura de géneros de agrado popular, levados à cena nos t eatros
de D. Maria II , do Ginásio, de D. Fernando e da Rua dos Condes.
Entre o drama social, a comédia de costumes, as mágicas e as
paródias burlescas, este repositório demonstra que o teatro continuava a
ser “para a liberdade burgueza o mesmo que as Cathedraes na edade
media” (Braga 1871: IV , 2), expondo a nova revolução liberal, com
idênticas ovações políti cas e desabafando os sentimentos da nova
liberdade. O drama social e a comédia de costumes, que coloca m em cena
per sonagens e situações de atualidade, a liam a “ironia com a
vehemencia , o sarcasmo acerbo com a eloquência audaz”, fazendo vibrar
todas a s cordas da “attenção e do coração”, segundo um “ espír ito móbil,
per scrutador e inquieto de u ma sociedade que é toda el la acção”
(Mendes-Leal 1856: XXII):
A sociedade actua sobre o teat ro, porque o teat ro lhe pede continuamente
os seus typos, e esta reproducção é um verdadei ro reflexo d’ella. O teat ro
actua sobre a sociedade, pela influencia da sensação , influencia que se
não pode negar […], porque não pode negar-se o poder das impressões, e
o teat ro, em todos os tempos, tem vivido d’ellas. […] É assim a scena,
espelho a que a sociedade se chega, no intuito de um desenfado, na vaga
esperança de um sorri so ou de uma li sonja , e que muitas vezes lhe
corresponde e redargue com o gérmen de uma idéa grave […]. Há ahi
mui ta acção, sem haver acção exclusiva. […] Mas, exactamente porque
tal acção se exerce , e pelo modo por que é exercida, a scena e o teat ro
modificam a sua expressão, conforme a inspi ração e a manei ra de ser de
cada seculo, ou antes de cada cyclo de c ivil ização (Mendes-Leal 1856:
IX-X ; i tálicos originias).
Na criação do r eal representado, a linguagem do drama social e da
comédia de costu mes guardou o tom sério, por vezes grandiloquente,
107
Subl inham-se, como ent radas únicas, a cena dramát ica Camões e Jao (1856), do
poeta brasi l ei ro Cas imi ro de Abreu , in iciando a sua at ividade l it erária e m Lisboa,
nos seus quat ro anos de residência; e a comédia -dra ma Amor e per f íd ia (1866) , de
Maria Cândida de Assi s Viana , que apresenta uma “declaração” f inal , cedendo os
di reitos autorai s “a fa vor da Associação da meninas pobres”, caso a peça fosse
l evada à cena e m teat ro público .
86
fru to do peso de uma herança clássica , e de um “di scurso didático e
prosaico que se sobrepunha ao di scurso do imaginário”, levantando
problemas críticos para “definir as relações entr e o artístico e o políti co”
(Santos 1983a: 64). A apreciação críti ca de Rebello da S ilva a Os
Homens de Mármore sublinha o “risco” de Mendes Leal ao desprezar a
“antiga regra”, para privilegiar a “unidad e filosófica” do drama108
. Em
vez de desfechar a ação no t erceiro ato, após “os lances ma goados da
reconciliação”, o autor fá -la prolongar por mais doi s a tos, “puros
complementos philosophicos, necessários à s conclusões da peça, ma s
estranhos ao pathetico e ao nó sentimental, que a enreda” (Silva 1862:
vi):
Desde que desprezou com decisão velhos e est re itos moldes, arrostou
com elle, e levou a pintura até onde devia , para a fazer completa […]; a
platéa, juiz supremo n’estes pontos, pode iludi r -se com os rasgos de
paixão, mas nunca as combinações mais frias de verdade phi losophica a
enganarão (Silva 1862: vi ).
Trata-se da defesa de uma literatura dramática “humanitária”, que
pretende “ilustrar, nas r egiões da imaginação, os confli tos e os
problemas da soc iedade” (Mendonça 1862: 81), sem dogmatismos, nem
didatismos , “dentro dos limites, que separam a arte das outras formas,
em que se vasa o espírito da investigação e da analyse”. O naturalismo-
realismo cénico deveria “apropriar a nua realidade da vida humana aos
assumptos dra máticos” ( id ., ib id . : 82-83):
Os personagens são creaturas humanas que se agi tam nos l imi tes de uma
acção calculada, e não typos que obedeçam cegamente às intenções de um
problema humanitário. […] As invenções scenicas vivem sobre tudo da
ind ividualidade, e […] às fó rmulas histó ricas ou phi losophicas […]
cumpre absorverem o homem na idéa (Mendonça 1862: 81).
Os ideais do sociali smo utópico encontraram eco dramático nos
enredos que espelhava m a vida dos estratos inferiores da sociedade
urbana, adaptando as intrigas familiares tradicionai s ao contexto coevo.
108
A comédia-dra ma de Mendes Leal fo i representada pela primei ra vez e m Lisboa,
no Teat ro de D. Maria II , a 13 de julho de 1854. As mulheres d e mármore (Les fi ll es
d e marbre), de Barriére e Lambert -Thiboust , em t radução de César de Lacerda , t eve
es t reia a 14 de março do ano seguinte (Livros de Regis to de Repertório do TNDMII).
87
Defendiam-se soluções reformistas e moralistas, visando a regeneração
do operariado, cuja integração na nova ordem políti ca e económica
evitaria os conflitos sociais. Em 1850, a nova geração que chegou ao
poder; “cansada da guerra e das lu tas ideológica s”, apostou no
desenvolvimento dos “melhoramentos materia is” (Castro 19 99: 16). O
público de t eatro, a quem bastara um desenlace providencial,
confrontava -se agora com aspetos sociais, que salientavam a s diferença s
entre ricos e pobres e a r elação entre dinheiro e poder. A representação
teatral funcionou como um novo entretenimento para as emergentes
classes laboriosas:
Despite it s frequently popul i st sentiments, i t s e thos was for the most part
bourgeois or petty-bourgeois and seldom subversive in any serious way.
It s moral values reflected the codes to whic h the petty-bourgeoisie
aspi red (McCormick 2002: 225).
A forma apologética como a cena representava as ditas classes,
sobretudo o operariado, suscitava divergência crítica , nu ma dialética
entre a “vi são liberal individualista e a nova vi são sociali sta” (Ribeiro
1990a: 158), eco da revolução francesa de 1848. Se algu mas vozes
defendia m a legi timidade exemplar do trabalho, como fonte de riqueza e
de felicidade, ergo de progresso , exaltando o papel do operário e do
associativi smo – Fortuna e Trabalho (1863)109
e Os operários (1865), de
Biester, ou O operário e a associação (1867), de Silva e Albu querque110
– , outras precaviam contra o efeito perver so da miti fi cação da figura do
operário, “homem como outro qualquer, su jeito às fraquezas e paixões de
todos os filhos de Eva” (Vidal 1863, apud Santos 1983a: 65). O conceito
de “ consciência de cla sse” apresenta um “sentido universalista e
consubstancia uma dimensão moral” (Ribeiro 1990a: 158). As doutrinas
saint -simonistas e fourieri stas encontra ram eco nos operários,
enaltecendo a sociabilidade, como princípio de fraternidade e
109
Cf. crí ti ca ao espetáculo em C HA G A S , Pinhei ro (1863) , “Folhet im: Revis ta da
semana”, Gazeta de Por tugal , nº 256, 04 .10.1863, pp .1 -2 . 110
Cf . F RA NÇ A , José-Augusto (1976), “A «fi s io logia» do capi tal is t a no t eat ro do
primei ro período do Font i smo”, em Revis ta Colóquio/ Let ras . Ensaio , nº 30, março
1976, Li sboa: Fundação Calous te Gulbenkian , pp.52 -60.
88
solidariedade111
. O teatro e o jornali smo, lit eratura para muitos,
constituem veículos propagadores de direitos humanos e do pensamento
social, segundo um “ideário romântico matizado […] dos a nseios de
reformismo social e materia l” ( id ., ib id . : 167).
Neste teatro popular, a “a ctualidade” substi tu ía o “solar da idade
média” (Chagas 1864: 5), o grande herói da História dava lugar ao herói
comum, ao homem de bem, de origem modesta , que a scendia na vida por
trabalho esforçado e mérito pessoal. Fortuna e trabalho fez desvanecer
de orgulho a cla sse dos tipógrafos112
, a quem a obra foi dedicada, ao
mesmo tempo que provocou a “raiva dos noticiaris tas” (Ribeiro 1990a:
167). Se Francisco Gomes, o jovem protagonista de Biester , o “honesto e
inteligente typographo”, favorecia um retrato laboral idealizado, António
Vieira , o jovem “noticiarista” que escondia a origem aristocrática ,
provocou o “ressentimento” de uma classe que se sentiu expos ta à
“irrisão pública na pessoa de uma das figuras da peça” ( ib id .: ib id .)113.
Os jornalistas, a par dos dramaturgos, viam -se como uma influência
benéfica nos “bons instintos do povo”, propagando a “sã doutrina para
um melhor fu turo de bem estar materia l e m oral” (Matos 1850: 2). O
jornal a tingia o grande público , de forma barata , e o teatro, a tingia o
mesmo público de forma fa scinante. A instrução e o recreio associavam -
se, transmitindo “de forma rápida e fácil , o verniz cultural necessário a
uma pequena burguesia promocional” (Santos 1985: 188):
[O] teat ro tem l iberdade ampla e il imi tada, excepto quando descer às
personalidades; o autor d ramát ico chama a sua época ao t ribunal da
publ icidade, profere a sentença, e as platéas depois confi rmam ou
annullam. […] Esta zanga de noticiari stas é o maior elogio que se pode
fazer à peça do sr. Biester. Peças más não incomodam ninguem (Chagas
1863: 2 ).
111
Lopes de Mendonça e Sousa Brandão fundam o periódico social is t a Eco d os
Operár ios , em 1850. Lat ino Coelho e F rancisco Palha , em Lisboa em 1850, primei ra
re vi s ta que subiu à cena no Teat ro do Ginásio , abrem o 1º quadro , do 1º ato , com u m
diálogo ent re doi s candeei ros da capital – o candeei ro de azei te e o de gás – que
i ronizam sobre as novas ideias social i zantes , com indicação explíci t a das t eorias
fourieri s tas , que aquele jornal veiculava. 112
Bies ter foi coroado em cena por uma comissão de t ipógrafos ( Gazeta d e Por tuga l ,
nº260, 27 .09.1863:3). 113
A própria crí ti ca de P inhei ro Chagas (1864:6) desvalorizou o referido papel , que
“nem che ga va a ser um esboceto”, apenas “um pretexto para uma scena engraçada”,
de efei to falhado por “insufficiencia do actor encarregado d’esse papel”.
89
Grosso modo, procurava -se transmitir um modelo de herói, cujos
traços morais e comporta mentais se pauta vam por uma consciência
responsável no desenvolvimento do “bem da Pátria” , no respeito pela
hierarquia , segundo o padrão dos novos interesses sociai s, e por uma
competência , fru to da sua inteligência , perseverança e iniciativa,
a tributos que trazem o reconhecimento público do mérito, como defende
Biester , pela boca de António Vieira:
[Antes] de ser António Viei ra, o revisor, o músico, o jornalista , o
soldado obscuro das modernas lutas da inteligência, era António Viei ra
de Cast ro e Almada, descendente de duas casas mais nobres de Portugal.
Se t roquei os dois appel lidos que atestavam a minha fidalguia, pelos
t ítulos que representavam o meu amor pelo t rabalho e a minha veneração
pelo ta lento, foi porque os appell idos eram uma herança, e o s títulos uma
conquista. Faltava -me riqueza para sustentar com dignidade a herança,
sobrava-me animo para tentar a conquista . Queria acrescentar à velha
nobreza dos meus antepassados a moderna nobreza, e esta ganha por mim
(ato v, cena ix, Biester 1863: 95).
A par do trabalho, a família fomenta também a integração social do
herói. Ser escravo do trabalho e da família é uma “abençoada
escravidão" – “ser escravo do trabalho é glória ; ser escravo da família é
dever” – , é ser respeitado pelos homens e por Deus : “viver ama do é viver
duas vezes” (Biester 1863: 5). A família , fonte de feli cidade, define uma
esfera social de “sentimentos puros” perante a “corrupção de um mundo
dominado pela cobiça do ouro” (Santos 1983a: 72). Enquanto o herói
trabalha para fazer carreira , contribuindo para o progresso da Nação, a
heroína fá -lo por necessidade – a ela está r eservado o trabalho de costura
no domicílio, para colmatar vici ssitudes de insu fici entes proventos ou de
desastr es financeiros que se abatem sobre a família . Am bos a presentam
os mesmos atributos morai s; são desinteressados, generosos, e não se
deixa m seduzir por privil égios materia is ou sociai s: o seu “ verdadeiro
capita l é o do coração e da inteligência” (Mendes -Leal 1858: 83). Ser
pobre favorece o aspeto desinteresseiro de um contrato ma trimonial,
sublinha, “n’uma acção dramática, terrível e commum, pathetica e
verosímil” ( id ., ib id . : 247), a força do amor romântico, a inda que em
plano subalterno, frisando “contradições que o u ltrapassa m em
90
importância e a mplitud e” (Santos 1983a: 74). O par amoroso vive uma
relação exemplar, segundo u ma missão social transformadora, capaz de
vencer o eterno dil ema entre o casa mento por amor e por conveniência ,
através da “livre escolha”, pelo “sentimento e inclinação mútuos” ( ib id .:
ib id .):
Denuncia -se a hipocrisia e a cupidez do casamento concertado pela
famíl ia sem participação das partes interessadas; repetem -se as
prevenções contra os matrimónios sem amor, focos de destruição das
famíl ias, dos casais, dos ind ivíduos, que assim foram privados da sua
autent icidade (Santos 1983a: 74 ).
O drama social valoriza o amor romântico, enquanto sentimento e
espontaneidade, segundo regra s que conciliam o “coração” e o “dever”, e
repudia as a titudes contestatárias, a lvo de justa punição. Contrário ao
melodrama, as per sonagens negativas são apresentada s como vítimas das
circunstância s, evi tando sublinhar o aspeto pér fido característico da
figura do tra idor. As r eações negativa s são justi ficada s como fruto de
ações negativa s, numa rela ção de cau sa-efei to; as mulheres seduzidas, a
quem se reservava a vida monásti ca , surgem com o vítimas do fascínio do
sedutor, indivíduo ambicioso e hipócrita , cujo desfecho já não encontra o
punhal que trespassa o coração, ma s o mandato judicial, que o conduz à
prisão. Na t ensão dialética dos drama s de t ese, os impulsos emocionais
de autojustiça são substi tu ídos pela legalidade racional do dir ei to.
Os enredos dramáticos veiculam um ideal regenerador, procurando
demonstrar uma capacidade de r esposta positiva face à adver sidade. Em
Fortuna e Trabalho, Biester contraria a regra punitiva e redime o sedutor
Estêvão Miranda, tornando -o num “homem di stinto”, que supera as suas
fraqueza s e, contrariando a a ristocrática vontade paterna, desposa a
seduzida Eugénia . Em cena, os relaciona mentos sociais demonstram, por
um lado, uma “afirmação de consciência de cla sse v isando a realização
(simbólica)” dos seus interesses ( id ., ib id . : 78), e, por outro, o
“reconhec imento da maturidade do jovem adulto, vi sando a sua
consagração enquanto protagonista privilegiado (herói) do confli to”
( ib id .: ib id .) .
91
O drama social r etra ta de forma dicotómica uma sociedade dividida
entre ricos e pobres, identi fi cados como per sonagens a nt ipáticas e
per sonagens simpáticas, respetivamente. Esta visão maniqu eísta , que
ilustra a possibilidade da r ecompensa pelo esforço, pela competência
profissional e pelo cumprimento do dever, representa “um passo
importante na documentação e interpretação do longo processo de
modernização económica e social do País” (Cruz 1986: 75-6), uma
imagem da “vida coeva na s suas condições mais característi cas”
(Mendes-Leal 1857: [s.p.]) , que o dra maturgo devolve à sociedade,
depois de transformada em lição. Esta vi sã o moral da ascensão social
repudia o enriquecimento ilícito, a agiotagem, a especulação, a
escravatura branca, todas as a tividades que se constitu í ssem como
agentes de degradação social, fru to do poder do dinheiro – o ouro é o
único rei – símbolo “da falta de escrúpulos e da fri eza inerente às
relações sociai s sujeitas a esse poder” (Santos 1983a: 79), de uma
sociedade potencialmente corrupta , em que “o trabalho raras vezes é
coadjuvado pela fortuna, e que são quasi sempre os que mais lidam que
menos aprove i tam” (Biester 1863: vi) . Ainda que visto com
desconfiança, este realismo ideali zante, antagónico ao realismo cínico
professado pelos contemporâneos Murger e Champfleury (Agu iar e Silva
1965: 22), acaba por legitimar a riqueza pela forma honesta como a ela
se aceda; o trabalho, intelectual ou braçal, associado à instrução,
garantiria o progresso da indú stria e do País, como proclama Paulo, o
herói -operário de Biester, fu turo empresário, decla mando As novas
conquistas, de Tomás Ribeiro , “o cantor do D. Jayme” (Ribeiro 1864:
VII):
As nobrezas d’out rora, são da histó ria,
Que em let ras d’oi ro ilust ra acções de guerra .
Correram tempos; t ransformou-se a gloria;
Mais val que a luz do incendio, a que ilumina;
mais faz que espada ou lança, escopro e serra;
mais que mil arsenais, uma oficina.
Hoje é t rabalho o campo da bata lha;
A indust ria faz plantão faxina e guarda;
Soldado e general é quem t rabalha;
É mais condecorado, o que mais faz;
92
É-lhe bandei ra, a sc iencia; a blusa, farda;
E santo e senha, - di ligencia e paz .
(Biester 1865: 212)
O teatro servia , poi s, como instrumento de normal socialização,
“como “escola de sentimentos honrados, de doutrinas sãs e fecundas, de
aferro aos deveres, de amor ao t rabalho, de beneficência mutua enfim em
toda a amplí ssima e variadíssima a cepção d’esta s palavras, ci fra e
epílogo d’uma ideia indi sivel” ( Castilho apud Biester 1865: 222). Tanto
a edição cénica, como a impressa, partilham uma função demopédica ,
que vai a lém da competência da fa mília ou da escola . O “poeta
civili sador” sabe que a interligação entre os di scursos racionalizador e
imaginário, “sem emphases de socialismos, nem li sonjas perigosa s” ( id .,
ib id . : 223) , cria um poder persuasivo, “uma pro fecia do novo século”
( id . , ib id . : 226), que opera uma “regulamentação de condutas
subordinada ao ideal de uma democracia de pequenos produtore s
autónomos” (Santos 1983a: 90) . Os artistas dramáticos, possu idores das
“duas únicas espécies de fidalguia , que o mundo acata” – “a do ta lento e
a do coração”, aquela colhida nos aplausos e tr iunfos públicos, esta fru to
da “próvida mão da natureza” (Barros 1864: 5) – , eram credores da
gratidão autoral pelas “noites de verdadeiro prazer” que tr ansmi tiam,
animando a a rte de Talma (Lacerda 1855: [s.p.]):
Não é verdade […] que há ent re os homens certos laços que é quasi
impossível quebral -os? Não é verdade que os da arte são os que mais
prendem aquellas almas que Deus fadou arti stas? ( Lacerda 1855: [s.p. ])
4.2 . Edições baratas de literatura dramática para todos
O jornal e o teatro possuíam vantagens em rela ção ao livro,
a tingindo de forma económica u m público alargado. A tentativa de
edições “baratas de boa literatura” , por parte do Estado e de
particulares, remonta va a um empreendimento que, em 1821, congregara
o vinti sta Leonel Tavares Cabral114
, o editor Rolland e os intelectuais
Inácio António da Fonseca Benevides e Pedro José de Figueiredo , da
114
Foi editor do Almanak art ís ti co para 1858 , di rigido e ilust rado por F rancisco
Augus to Noguei ra da S ilva .
93
Academia das Ciências (Santos 1985: 188), com o objetivo de publicar
traduções de obras célebres estrangeiras e clássicos portugueses, em
edição económica. Ainda que contasse com o apoio do Governo e do
Parlamento, o projeto não chegou a concretizar -se, t a l como,
posteriormente, o de Castilho e Pereira Marecos, em 1842.
Procurava-se que esta forma de transferência da esfera erudita para
a popular fosse feita de forma fácil e agradável, segundo cr itérios de
bom senso e bom gosto censório, vi sando alcançar um público não
literato, desejoso de instrução e , cada vez ma is, de passatempo. Se,
inicialmente, as t entativas tinha m visado autores clássicos, col igidos por
autores coevos, que se comportavam como “organizadores e
coordenadores, e não como produtores” ( id ., ib id . : 189)115
, a partir da
segunda Regeneração, as iniciativas editoria is começaram a dar relevo
aos autores coetâneo s, a través de edições, não só a preços acessívei s,
como, em alguns casos, com aliciantes prémios de fidelidade à compra
dos folhetos. No panorama autoral do circuito popular da segunda
metade do século, os dramaturgos surgiram “ favorecidos t a lvez pela
garantia que podiam oferecer aos editores a través dos sucessos t eatrais
experimentados” ( ib id . : ib id .) .
A expansão do cir cuito popular motivou o “surto da literatura
industria l, […] de uma produ ção lit erária em série destinada a tirar o
melhor partido do mercado” (Santos 1985: 192). E, se os edi tores e os
empresários se identi fi cavam como patrões da indústria e do comércio,
os escritores autodefiniam -se como “operários da pena”, e, quais
115
Em 1859, surgi ram coleções li t erárias populares – “Biblio theca Portugueza” ,
“Bibl io theca Li t t erária” , “Bibl io theca das Damas” e “Bibl iotheca Económica” – ,
ed i t ando obras i lus t radas , ass im como coleções d ivulgadoras de conhecimentos ú tei s ,
que associava m o baixo cus to ao formato de brochura de apresentação cuidada. Em Lisboa, no mes mo ano, A. A. Teixei ra de Vasconcelos , l ançou “Livros para o Povo”,
projeto edi torial de 100 volumes , de 128 páginas , pelo preço de 120 réis . Em 1870,
P inhei ro Chagas di rigiu a “Educação Popular”, uma coleção mensal , de 13 volumes ,
ao mes mo t empo que surgia a “Bibliotheca Popular ou Ins t rução para todas as
classes”. No Porto, no ano anterior , surgi ra a “Biblio theca de algibeira, Lei turas
selectas”, composta por folhetos de l it eratura d ivers i f i cada: romances , contos breves
e l it eratura de viagens . A es te mo vi mento edi torial de ilust ração popular associou -se
t ambé m a i mprensa periódica; o Diár io d e Notícias publicou, ent re 1866 e 1898, uma
coleção de 22 volumes de romance h i s tórico , contos , me mórias e folhet ins , ent re
originais e t raduções .
94
arlequins servidores de doi s amos, careciam da boa apreciação do
público , para o desenvolvimento da sua produção e fomento da
divulgação das obras. Tanto os editores, como os empresários teatrais,
defendia m as suas empresas com a escolha de obras traduzidas e
originai s, que tivessem sido do agrado público, ou sido êxitos de
bilheteira . “Maldita raça de operários a nossa, onde se negoceia com a
inteligencia que Deos nos deu”, desaba fou Júlio César Machado em
“Carta a Francisco Palha” (1854: 30), troando a Garrett :
[Creio] pouco no futuro lit terario d’este paiz . Vejo tudo encaminhar -se a
um terrível estado, para as let ras e para o teat ro. Para o teat ro sobretudo,
pois que só obras est rangeiras são est imadas, e pois que há uma tão
decidida antipathia n’esta terra para tudo que nasce n’ella . […] Ao
menos nós os t roncos desta árvore grandiosa a que se chama geração
nova, não desistamos já da v ictoria sem emprehendermos o combate. A
lucta ta lvez não dê gloria, e todavia felizes os que não tem de ent rar
n’ella por necessidade (Machado 1854: 30 ).
A natural disposição do português, “ tímido”, “medroso”,
“prudente”, subjugado pela “hypocresia das institu ições”, impedindo
“criticar sem ofender susceptilidades”, conduzia , segundo ele, ao
desaparecimento da verdadeira comédia, da molier esca “eschola de
fi losofia e de moral” ( id ., ib id . : 27). Colocar os pares e os Barões
constitucionai s em lugar dos marqueses de Molière, comprometeria
politi camente qualquer autor, “sem honra nem proveito”, porque se “os
indivíduos que forma m a nação escutam e percebem, não se esquecem
nunca” ( id . , ib id : 28). A comédia Manuel Mendes, de António Xavier, e a
anónima farsa ornada de mú sica, A castanheira , do repertório da rua dos
Condes e do Salitre, r espetivamente, havia m aberto o ca minho da
comédia portuguesa, que o Giraldo sem sabor, ou uma noite de Santo
António na praça da Fig ueira , de Joaquim da Costa Cascais, fechava no
Teatro de D. Maria ( id . , ib id . : 29)116
.
116
Es ta comédia e m 3 atos , escri t a em 1843, fo i representada no Teat ro de D. Maria
II, a 31 de ju lho de 1846, com o t í tulo Uma noite d e Santo António na Praça da
Figuei ra (Bastos 1994: 301). As obras de Joaquim da Cos ta Cascai s , escritor e
oficial do Exérci to, de cunho acentuadamente português , foram edi tadas
postuma men te, e m 1904, por Maximi l iano de Aze vedo , em quat ro volumes da “Nova
Coleção Portuguesa”, à exceção de um excerto do drama Lei d os morgados (1869),
publ icado no Almanach Taborda para 1871 (Lisboa: Imprensa Nacional ) . Dessa
95
Perdidas as “pretensões de ser escutada no teatro”, a comédia de
bom gosto estaria destinada à leitura de gabinete, ou aos palcos das
sociedades dra máticas amadoras mais requintadas. Para esta esfera
privada, ter -se-ia inventado a comédia -provérbio, “um in t ermédio do
drama à comédia, sem maldições, e sem punhaes, com puresa de estilo,
com belesa de ideia , e elegância de forma, primando mais a forma que a
ideia” (Machado 1854 : 30-31). O espírito de Musset coadunava -se com o
espírito do teatro de sala , onde se desculpava “a falta de acção, e onde
mais que tudo se [apreciava] o diálogo” ( id ., ib id . : 31), e o género
“aprimorado e mimoso” se harmonizava com um público selecionado,
como o da Sociedade Thaliense, para quem César Machado escreve u
Amigos… amigos (1853), ta l como o seu vice-presidente Almeida Garrett
havia escrito o Tio S implício e o Falar verdade a mentir . O estilo da
comédia deveria ser, segundo a s Leçons de rhétorique et des belles -
le ttres, do escocês Hugh Blair :
[Pur], élégant et vi f, rarement plus é levé que celui de la conversat ion
ordinnai re , mais jamais dégradé par des expressions grossières ou
t riviales. […] Une des plus grandes di fficultés pour un auteur comique,
celle qui a peut -être le plus d’i nfluence sur le succès d’un ouvrage,
consiste à conserver pendant toute la pièce un dialogue coulant, a i sé,
gracieux, sans roideur, et sans affectation de bel -espri t (Blai r 1845: I I ,
295).
As coleções económicas, que para implementar a venda de
assinaturas seduzia m os l eitores com brindes apelativos, a largavam
naturalmente o mercado do livro -folheto, a lém dos limites urbanos da
capita l, e, no ca so da obra dramática, forneciam materia l para as récitas
dos amadores dramáticos nas cidades de província , qu e de espectadores
se tornava m leitores, para se meta mor fosearem em atores. A vida cultural
das academias e assembleia s provinciais a limentava -se, pela rede postal,
dos êxitos dramáticos r epresentados pelas compa nhias i tinerantes ,
a lmocreves da arte de Talma, nos teatros locai s. A imateria lidade do
génio da representação em palco criava desejos de recriações à sua
natureza portuguesa dão testemunho os tí tu los dos dramas O Alcaid e d e Faro (1848) ,
O Castelo d e Faria (1843) , ou das comédias O Carnid e ou um camarada d e Marquês
d e Pombal , Nem Russo nem Turco ou o fanat ismo poli ti co (1854) , ou Nem César nem
João Fernand es ou os ext remos tocam -se (1865) .
96
dimensão físi ca . Os palcos constitu íam -se como diora mas teat rais, como
montras tr idimensionai s de novidades literárias – comédia s, entreatos,
cenas cómica s, comédias -vaudeville , operetas – , uma imensa literatura
dramática de divertimento apelativo, capaz de fazer sobressa ir ta lentos
locais , tanto no domínio da interpreta ção, como no desenvolvimento da
própria produção de escrita provincial.
O folheto dramático impõe-se cada vez mais como mercador ia . O
crescimento do número de coleções dramáticas denuncia a exi stência do
mercado factí cio enunciado por Garrett , em que a variedade nem sempre
correspondia a qualidade, ma s que permi tiu que novos dramaturgos
fossem publicados, fru to da publicidade obtida em palco, da críti ca
teatral periodí sti ca , e, posteriormente, da recensão à obra, nos folhetins -
crónicas. Para o êxito do lançamento editoria l da obra con corr ia , por um
lado, o uso da dedicatória autoral, sem a legitimidade de “instrumento
para a captação de benefícios em dinheiro” (Santos 1985: 214), ao estilo
do século anterior, mas salva guardando uma “eficácia e validade como
meio de aquisição de capita l simbólico” ( id . , ib id . : 215), e, por outro, a
preocupação editoria l de servir as aspirações do público destinatário,
“dignos portuguezes, amigos das produções do nosso poét ico, e bello Paiz ”,
com a “ bella l inguagem portugueza, ataviada da assás d i fficil ( hoje)
original idade dramatica, que já se julgava exgotada nas Escó las Germanica,
Ita lica, Franceza” (apud Aragão 1853: [78]). É disto exemplo, a advertência
fei ta aos a ssinantes, na edição do drama de António Aragão , D. Pedro,
Duque de Coimbra :
[A empresa da Galeria Dramática] profundamente penhorada para com os
seus Assignantes (a maior parte dos quaes, laboriosos e honrados
Arti stas, cujo pão é fructo de hum improbo, mas honesto t rabalho) lhes
agradece a grande coadjuvação, que lhe hão prestado; sem o que este
Drama, verdadei ramente portuguez, e sem mescla de est rangei ro, nunca
veria a creadora luz. Todavia , não obstante apparecer ent re vós, Snrs.
Assignantes, já ataviado, e ufano, com a vida , que vós lhe déstes, á custa
do fructo de vossas fadigas, a mesma Empreza vos pede, Snrs., desculpa,
e indulgencia, pela falta de ordem e regularidade, que tem havido na
dest ribuição deste primeiro Drama, cuja falta ha sido mot ivada por
obstaculos, que infelizmente são mui to communs e t riviaes em todas as
emprezas l itterarias, desherdadas das grandes pro tecções e bens da
97
fortuna: no ent retanto ingentes di fficuldades estão já vencidas (apud
Aragão 1853: [77-78]).
Este conjunto de fatores contribuía para a angariação de
subscritores, cujo conhecimento atempado salvaguardava o sucesso da
atividade editoria l , sobretudo no caso da lit eratura dramática, cujo
consumo se alargava a grupos especí fi cos, para a lém do públ ico leitor:
os curiosos dramáticos na s representações de t eatro de sala e dos teatros
particulares117
. Na década de 1850, o número de coleções (ou de
tentativas) duplica o número exi stente nas duas década s anteriores ,
incluindo a s coleções dos próprios t eatros públicos118
. Entre 1860 e 1879,
veri fica -se a explosão de empresas que apostam na comerciali zação dos
folhetos dra máticos, quer em forma de miscel âneas autorais, quer de um
único dra maturgo.
Jornal de comédias e dramas (1853)
Em 1853, a empresa do t eatro do Ginásio, pretendendo corresponder
ao “desejo que muitas pessoas mostram de possuir comedia s do sobredito
Theatro, tanto por mera curiosidade, como para representarem em
Theatros particulares, tanto em Lisboa, como das províncias”, criou o
“Jornal de comédias e dramas”, com o objetivo de publicar as peças “qu e
no mesmo Theatro [tinha m] merecido do publico, maior e mais decidida
aceitação”, crendo que este, enquanto “verdadeiro ju iz […] [decidia]
imparcialmente do mérito das mesmas obras” (advertência , apud Midosi
1853: contracapa). O preço avulso de 160 réis r eduzia -se a 120, por
assinatura , devendo esta ser endereçada, franca de porte , a Izidoro José
da Silva Lima , camaroteiro do dito teatro. Apesar das boa s in tenções, a
coleção não t erá passado dos tr ês número s, publicando obras imitadas do
francês, por Paulo Midosi júnior – O misantropo – e por Ricardo José de
Sousa Neto – As pequenas misérias e À porta da rua119. Com a saída de
117
A es te sector artí st i co se des tinou o periódico Neorama: jornal dos t eatros
públ icos e par ti culares, assembleias e acad emias phi larmónicas . Li sboa: Typ. de F .
A. da Rocha (nº 1 , 16/09/1843 – n º 10, 25/10/1843). 118
Cf. Apêndices – 2 . Tabela de coleções dramát icas no século XIX. 119
Esta comédia será reedi tada na coleção “Teat ro para r i r”, do edi tor António Maria
Perei ra, em 1860.
98
Émile Doux, em 1848, e a transformação do repertório por influência do
maestro Miró, o Teatro do Ginásio, a “ópera dos pobres”, um dos
epít etos do templo da comédia (Sequeira 1939-41: III, 313), passou a
ditar o mote do sucesso de entr etenimento dramático de vaudevilles e
ópera s cómicas. O mercado editoria l não podia deixar de glosar o estilo
em outras tentativas: o “ Álbum theatral” , de Joaquim Augusto de
Oliveira , o da s mágicas, encetando a sua própria “colecção de comedias
accommodada s ao theatro portuguez”, que não foi a lém de dois números,
Útil e agradável (1857) e Izidoro o vaqueiro (1857) ; o “Theatro para rir”
(1857–1867), do editor António Maria Pereira , o “Theatro Moderno”
(1857–59; 1863-), do livreiro Miguel Cobellos , filho do velho ator
Teodorico (dos t eatros do Salitre e da rua dos Condes), e de Franci sco
Palha , e daquele o “Theatro de sala” (1858–1861).
Theatro para rir (1857 – 1861; 1867)
Em 1857, a Livraria Pereira , da rua Augusta nº 50 -52120
, lançou esta
“collecção de peça s jocosas tanto inéditas como já applaudidas nos
theatros públicos e própria para récitas de qualquer teatro particular ”, a
cujo sucesso se associou a edição do “romance contemporâneo”, de Júlio
César Ma chado, A vida em Lisboa (1858) , que fez prosperar o modesto
editor António Maria Pereira , e que levou o folhetini sta , em colaboração
de escrita com Al fredo Hogan , a criar a versão cénica da obra, que o
supracitado A. J . F. Lopes editou em 1861.
“Theatro para rir” compreendeu quatro séries121
, entre 1857 e 1861,
e uma quinta , em 1867, que apenas publicou a comédia -imitação O
século XVIII e o século XIX, de Guiomar Torrezão. Ainda qu e referida
super fi cia lmente no Dicionário b ibliográfico , de Inocêncio da Silva , a
coleção encontra -se documentada no espaço promocional r eservado no
120
Foi fundada em 184 8. Por morte do fundador, sucedeu -lhe seu f ilho António Maria
Perei ra , que fez expandi r o negócio , quer em ter mos de ins talações , quer na
produção editorial . A respeito do hi storial des t a casa editora, cf. C ORR E IA , R i ta
(2012), “Branco e Negro , semanário ilus t rado”, f i cha h is tórica da He meroteca
Digi tal [hemerotecadigi tal .cm-l i sboa.pt /FichasHistoricas /BrancoeNegro.pdf]
(consul tado em 29/05/2016). 121
Cf . Apêndices – 4. Tabela de publicações dramát icas de “Theat ro para r i r”, de
António Maria Perei ra (1857 – 61; 1867).
99
ver so da capa das di ferentes obras, definindo como padrão a publicação
de dez obras, a 100 réis, a que acresce uma décima primeira , como
“suplemento”, com menos página s, e, por i sso, mais económica, a 60
réis. O comprador de uma série completa recebia grátis o respetivo
suplemento . Num total de 45 obras, divulgaram -se as obras de
dramaturgos populares coevos – Luís António de Araújo122
, sénior e
júnior , Jú lio César Machado, Ricardo José de Sousa Neto123
, José de
Torres124
, José Carlos dos Santos, Pedro Carlos de Alcântara Chaves e
Joaquim Augusto de Oliveira – , associados aos t eatros do Giná sio , da rua
dos Condes e da s Variedades (Salitre), entre comédias em um ato,
originai s e imitações, comédias vaudeville , farsas e, pela primeira vez,
modalidades espetaculares breves, como entr eatos e cenas cómica s, que
permitiam constitu ir o típico r epertório da s récitas de teatros
particulares, ou de soirées beneficentes, imitando a s do Ginásio. Em
1867, o Boletim do governo de Macau e Timor noticiava uma
representação dada por sargentos do batalhão de linha de Macau, a 29 de
setembro, a favor de um projetado a silo de ór fãs e desvalidas, que se
transcreve, pela curiosidade informativa:
Os actores, sob os auspic ios do intel igente al feres Carvalho, o qual fora
guiado pelos conselhos do benemérito commandante do bata lhão,
122
Formado em Di rei to pela Univers idade de Coimbra, Luís de Araújo sénior era
f i lho de out ro Luís António de Araújo , que t raduziu a His tória cr ít i ca do Teatro na
qual se t ratão as causas d a d ecad ência d o seu verd ad eiro gosto (1779), obra
des tinada a “servi r de cont inuação no Theat ro de Manoel de F i guei redo” e oferecida
ao rei -consorte D. Pedro III. Escre veu obras dramát icas de costumes populares ,
ornadas de couplets , como o Juiz elei to , que Garret t cons iderou ser a primei ra cena
de cos tumes salo ios em Portugal . Seu fi lho , Luís António de Araújo júnior foi
empre gado público e in iciou a sua carrei ra li t erária aos vin te anos. Foi colaborador
de d iversos periódicos e autor de vários almanaques ; revi veu o de José Daniel
Rodrigues da Cos ta , como Novo almocreve d as petas (1871) , além do Almanach d e
Luís d e Araújo (1871 – 1902) . Foi um fiel observador dos costumes populares , de
que se serviu para os fo lhetins e para os enredos das suas peças , a s quais
al imentaram o Teat ro do Ginás io na segunda metade de Oitocentos 123
Era oficial da secretaria da câmara dos deputados , dedicando -se à l it eratura
dramát ica nas horas va gas . Apenas imi tou comédias , que foram represent adas no
teat ro do Ginás io , sendo bastante aplaudido. (S ilva 1906: XV II, 274) 124
Natural de Ponta Delgada (Açores) , fo i desde mui to cedo funcionário do Es tado,
primei ro como a manuense da Contadoria da Fazenda e, depois, como oficial da
secretaria da Câmara Municipal da sua cidade, e como oficial do Governo Civi l .
Quando viajou para o Continente, empregou -se no Ministério das Obras Públ icas .
Dedicou-se ao jornali smo pol ít i co e l i t erário em di versos periódicos , t anto
açorianos , como cont inentai s . Foi colaborador de O Panorama, A Il lustração Luso -
Brasi lei ra , Archivo Pi ttoresco e Archivo Universal , ent re out ros (Si lva 1858 -1911:
V , 175).
100
desempenharam-se com muita habi lidade dos papeis de que se
encarregaram. O expectaculo compoz-se das comedias: Amasonas
piemontesas, A costureira, O marido v ictima das modas, O capelão do
regimento, e Cada um no seu lugar. Nos intervalos houve a scena cómica
O meu amigo banana, e umas variações sobre a Somnambula , obrigadas a
cornetim. A so irée teat ra l acabou assim bastante tarde, mas o publ ico
conservou-se até ao fim da noite animado e sat i sfe ito com o desempenho
do expectaculo (1867: XIII , nº39, 231).
Este repertório, baseado na comédia de costumes, procura va trazer
para a ribalta a ironia crítica da hi stória social do seu tempo, tornando -se
popular pela forma como o público se identi fica va com os tipos
retra tados, constru ídos a partir de traços externos e super fic ia is do
modelo social representado. Se, nas peças em tr ês a tos, a estru tura
narrativa contempla a apresentação das personagens e da situação, no
primeiro ato, para as desenvolver e problematizar no segundo, e a tingir
um desfecho plausível, no t ercei ro, nas peças de ato único, a crónica
social condensa -se num epi sódio momentâneo, que expõe u ma intriga
ligeira , sem pretensões intelectuais, importada do vaudeville francês, ao
estilo de Scribe. O teatro era vi sto “apenas como di stração”, afirmava
Biester na “chronica semanal” da Illustração Luso -Brasile ira
(28/06/1856: 8):
Houve tempo em que se compraziam de i r chorar para o t heat ro,
apreciavam as comoções fortes, hoje só querem rir. […] O romant ismo
passou. P referem o posi t ivo à idealidade. Os burlescos são os que mais
agradam à pla téa . Triumfa a gargalhada; só esta os enthusiasma
(Illustração Luso-Brasilei ra , 28/06/1856: 8 ).
Os dramaturgos, oriundos da cla sse média trabalha dora,
transformavam a realidade que conheciam numa ilusão, sentida pelo
público como realidade exemplar, como uma pequena provoca ção que o
satisfazia . Assi stia -se à exibição de uma vivacidade e à exaltação de um
sentido popular, equivalente “na vida real ao que o boneco articulado é
para o homem que anda: um exagero assaz artif icia l duma certa rigidez
natural das coisa s” (Bergson 1993 : 77). A popularidade de algumas obra s
deu ensejo ao prolonga mento da intriga, em sequelas dramáticas
folhetinescas, quer do mesmo autor, co mo Alcântara Chaves,
101
desenvolvendo a história do Desca sca -milho, quer de autores diferentes,
como Luís de Araújo sénior, cujo Mestre Igreja muito em cima cont inuou
o sucesso cómico de Por causa de um algarismo, de seu filho Luís de
Araújo júnior . Para desempenhar com “muita habilidade” os papéi s, os
“curiosos dramáticos” sofr iam o escrutínio severo do público, que exig ia
o desenvolvimento das suas capacidades de observação e a propriação
formal dos modelos sociai s, pilares interpretativos do “bom
desempenho”125
.
Theatro Moderno (1857 – 1859; 1863)
Miguel Cobellos, enquanto representante e gerente da Livraria da
Viúva Marques & Fi lha fundou, como editor li t erário, esta “collecção de
obras dra máticas r epresentada s com aplauso publico nos theatros
nacionais” , com o objetivo de proporcionar aos amadores da literatura
dramática uma seleção de peça s “ já sancionada s pelo voto público, por
preço tão diminuto quanto possível, e de emancipar ao mesmo tempo os
autores da tu tela que ordinariamente sobre eles e xercem os editores”
(Silva 1858-1911: VII, 298-99). A coleção, que se propunha “publicar as
obras dos nossos melhores authores”126
, organizou-se em séries de sei s
folhetos ordenados sequencialmente127
. Vici ssi tudes d iversas levaram
Cobel los a ceder a responsabilidade editoria l a Francisco Palha , que
cont inuou, enquanto Empresa do Theatro Moderno , a té ao número 36, da
sexta série, em que terminou ( ib id . : ib id .) . Em 1863, o livrei ro Manuel
Campos júnior adquiriu a coleção, cuja estru tura manteve, acrescentando
três novas séries, a té 1864, em que deixou de graf ar a data de
publicação, embora continuasse publicando obra s dramática s sob esse
títu lo, contando então com António de Sousa Bastos , como editor
li terário.
125
A es te respeito cf . Parte III – Quat ro t eorizadores da práti ca t eat ral. 4 – Augus to
Garraio : o alarga mento da es fera de a ção do teat ro . 4 .1. – Um “guia prát i co” de
formação de atores : o Manual do Cur ioso -dramático . 126
Indicação do prospeto in icial , reit erado no verso da capa das d i ferentes edições. 127
Cf . Apêndices – 5. Tabela de publ icações dramát icas de “Theat ro Moderno”, de
Miguel Cobellos e F rancisco Palha (1857 – 1859).
102
Em 1857, apontam-se indícios de que a empresa não estive sse a
correr nas melhores condições editoria is, por um lado atribuído ao surto
epidémico que assolou Lisboa, e, por outro, denunciando problema s com
a tipografia , e com os assina ntes, a quem se roga va sist ematicamente que
procedessem ao pagamento aprazado das subscrições a través dos
correspondentes regionais, em lista impressa128
, evitando a “ interrupção
na remessa”129
. Na realidade, a exi stência de edições duplicadas, em 1857
e 1858, na primeira e segunda série da coleção, indicia a rutura entre
Franci sco Palha, Miguel Cobellos e a própria livraria , a inda que os
folhetos a í continuassem a ser vendidos. Este assumiu então a
responsabilidade do Teatro de Sala130
.
O títu lo da coleção aponta para nova forma de representação do
pensamento através da obra dramática, identi fi cando -a com o tempo em
que se vive, e se figura na cena. Um conceito que desloca a estru tura
percetiva da ilusão fanta siosa da r ealidade melodramática para uma
análise da realidade social, pela observação da “comédia humana” fora
de cena. O di scurso sustentado por imagens, metá fora s e analogias,
converte -se em conceptual, quantita tivo e rigoroso, exigindo qualidades
128
Joaquim José Antunes da Si lva Montei ro , Braga; Claudino Augus to César Ga rcia ,
Bragança; Ol ímpio Nicolau Rui Fernandes , Coimbra; Pedro de Medei ros e
Albuquerque , Figuei ra da Foz; Luís Joaquim Lei tão , Lei r i a; F rancisco Palha e
Miguel Cobelos , Li sboa; Jacin to António P into da S ilva , Porto e Joaquim José de
Al meida, Vidiguei ra. 129
Não se t rata de uma coleção económica, con venha mos . Em 1858, na ediç ão de O
Mordomo d’ Harvill e (II – 4 ª série – nº 20) , de Correia Leal , o catálogo informa que
a coleção pode ser adqui rida por ass inatura de sei s números , estampi lhados
(província) ou a vulsos . A 1ª série apresenta preços de 500, 570 e 900 réi s ,
respetiva mente; a segunda sofre um aumento de 15% (660, 760 e 1120 réi s ); a
t ercei ra si tua-se em valores próximos dos in iciais (560, 630 e 900 réis ) . 130
Esta “colecção de comédias , de apuradíssima escolha” (Gazeta d e Portugal , nº 1 ,
09/11/1862:4) saiu “com largas e indeterminadas in terrupções” (S ilva 1858 -1911: V II, 300), t endo s ido apenas impressas cinco obras , duas das quais t raduzidas pelo
próprio Cobelos – uma peça ant iga de sucesso , o Romance d e uma hora (Roman
d ’une heure, de Hoffmann) e Graças a Deus! Es tá a mesa posta (Dieu merci ! Le
couver t es t mis , de Léon Gozlan ). Foi t ambé m publ icado o provérbio t raduzido por
A. P . Lopes de Mendonça, Uma por ta d eve estar aber ta ou fechada (Il faut qu’une
porte soi t ouver te ou f ermée, de Al fred de Musset ), e as comédias de José Gui lherme
de Santos Lima, Rochedo d e constância e Zizania entre o tr igo . Cobelos t raduziu
Invraisemblance ou His to ire d ’un mort racontée par lui même (Um morto narrando a
sua hi stór ia: uma inverosimilhança , Lisboa, 1856) , de Dumas pai , e dedi cou-se à
Li teratura para caminho -de-ferro , em Contos elect r icos , na estei ra dos Contos a
vapor, de J . César Machado, ambos edi tados p elo edi tor Manuel Campos júnior .
103
de objetividade, análise e profundidade, “doutrina” que Mendes Leal
prescreveu a partir do “castigat mores do teatro antigo”:
[O] escriptor deve ser como um sacerdote , que a nenhuma classe ha de
cotejar nem incensar, e a cada uma t ransmi te a palavra de Deus, i sto é, a
verdade! Seja qual for a forma de arte que se adopte , é só com este facho
e terno, com este sol de sabedoria, como lhe chamam os l ivros ant igos,
que verdadei ramente se il lumina e illust ra o mundo. […] Aspi rando a
pintar a sociedade como el la é, não podia levantar um patíbulo a cada
desenlace, para sati sfazer os que imaginam que só no cadafalso há
moralidade. Para o author está mais alta e vem de c ima: pensa que
também a ignominia e a humilhação é castigo às vezes mais eficaz e
poem a recompensa das vi rtudes na est ima que estas inspi ram do que nas
remunerações palpáveis (Mendes-Leal 1858a: 3).
Idêntico “principio de consciência , acima de todas a s t eorias
estheti cas” ( ib id . : ib id .) enunciado por Mendes Leal em O tio André que
veio do Brasil (1857)131
, aplicava “a sátira social aos vícios da minha
época e da minha pátria […] trabalhar no melhoramento desta ”. O teatro
pretende t er a mesma força que o panfleto políti co. As “veementes
discussões na imprensa política”, sobre a “praga da aliciação” e o
“sist ema de engajados”, promovendo um “imo ralíssimo tráfico”
(Mendes-Leal 1857a: 3), não de colonos, mas de escravos, serviam de
motivo para a denúncia dramática da escravatura branca, tão vergonhosa
para Portugal, quanto para o Brasil132
; as mesmas preocupações que Braz
Martins manifestará em Bons frutos de ruins árvores (1858), Francisco
da Costa Braga , em Paulo e Maria ou a Escravatura branca (1859), e
Gomes de Amorim, em Alei jões sociais (escrita em 1860) – que subiu à
cena com o títu lo A escravatura branca. Todos pretendem reviver
impressões dolorosa s, sob a forma dra mática:
Não se cohiba que cada um possa ent rar ou sai r do paiz, como e qua ndo
lhe aprouver; mas inst rua -se o povo, por todos os meios possíveis, acerca
da infe liz sorte que tem o maior numero dos que emigram. […] É preciso
dizerem-se estas verdades bem alto na imprensa e na t ribuna, para que
131
Peça de reabertura do novo Teat ro do Ginásio , em 1852, juntamente com a
imi tação de Paulo Midos i júnior, O Misantropo, editado pelo Jornal de comédias e
dramas (nº1) , e a comédia de Braz Martins , O Homem d as botas ( inédita) (Sequei ra
1939-41: I I I,322). 132
A es te respei to cf. B A RBO S A , Rosana (2003), “Um panora ma hi s tórico da
imigração portuguesa para o Bras il ”, revi s ta Arquipélago. História, 2ª série, VII
(2003), pp .173 -196.
104
cheguem ao conhecimento de todos, afi m de que ellas suppram a
difficiencia das lei s. N’este d rama, escripto sem a menor idéia de ofender
portuguezes ou brazile iros, não há um único facto, que não possa provar -
se com documentos públicos. […] O meu fim é corrigi r e não difamar
(Amorim 1870: 13-14).
O palco refl ete experiências de vida, arvora -se em simultâneo
crónica de jornalismo e caricatura pictórica , “arma terrível, mas não
desleal” , “espelho que engrossa as feições e torna os objectos mais
salientes” (Queirós [s.d.]: I , 248, apud Carvalho 2013: 36), e e labora um
discurso sobre o indivíduo, para evitar a tentação da falsidade. Da fusão
desses doi s elementos surge a efi cácia da função t eatral, veículo de uma
cultura à la porté de tout le monde . Nessa perspetiva, a qualidade
interpretativa do s atores assumia um papel importante enquanto
intérpretes -transmissores dos sentimentos autorais e dos espectadores .
Quando o “principal merecimento derivasse no diálogo”, deveria o
desempenho ser “estudado esmerada mente e r ealisado com primor”
(Vasconcelos 1871: IV) . Nisso residia a apreciação do mérito em cena,
sustentado por Almeida Garrett133
, e defendido mais tarde por Luís da
Costa Pereira – que também fora do grupo do Trovador – , ao adaptar a
teoria darwini sta sobre a expressão dos sentimentos à metodologia de
trabalho do aprendiz a a tor134
. Se exi ste uma filosofia que sustenta a arte
dramática, então ela também estará contida na arte de representar.
A modernidade de “Theatro Moderno” revela -se a inda na relação
temporal próxima entr e a edição cénica da obra dramática e a sua versão
impressa, indicando uma rutura com os princípios arquivi sta s da primeira
metade da centúria , para convocar o sucesso teatral na memór ia recente
do espectador -le itor. As tr ês primeiras obras – a ópera-cómica Palavra
de Rei!, do novel ari stocrata -actor César de Lacerda135
, as comédias O
133
Cf. Parte II – A missão const ru tiva da Arte Dra mát ica. 134
Cf. Parte III – Quat ro t eorizadores da prát i ca t ea t ral – 3. Luís da Costa Perei ra: a
defesa de um sent ido pedagógico. 135
De ascendência ari s tocrata, César de Lacerda co meçou co mo aspi rante da Escola
Na val . E m 1846, aderiu à Junta Revolucionária, na re volução do Minho, ou da Maria
da Fonte. Regressando à Escola Na val , fo i perseguido pelas suas con vicções
polí ti cas , ingressando então no Exército (Regimento de Art i lharia Montada).
Parti cipou cont ra vontade na re vol ta de 6 de outubro, que l evaria ao reacendimento
da guerra ci vi l , a Patu leia. Após a convenção de Gra mido, Lac erda deixou o exérci to
105
anjo da Paz, de José Carlos Santos, e A República das Letras, de
Franci sco Palha – eram obras de sucesso, r epresentada s no ano anterior
ao da sua impressão, aquelas no teatro de D. Fernando , e esta no
Ginásio. A edição de Um noivado no Dafundo vem expor a esfera privada
do t eatro de sala , para colmatar as v ici ssitudes e fazer vingar a empresa
“à sombra do nome ilustre do Visconde d’Almeida Garrett ” . Esta a titude
controversa, face à vontade do seu falecido autor, a testa o desejo de
pagar “com muito respeito e muito entusiasmo” o “peregrino t a lento” do
“Divino” (Palha 1858: 3), que apontara o caminho da irreverência .
A coleção r eúne autores da escola romântica que partilha vam o
mesmo denominador comum anti -cabralista . Franci sco Palha , o “poeta
humorí stico” (Fortes/Sa mpaio 1936: 426), é o único desta geração que
passa impune na apreciação mordaz da Sombra de Cícero (pseud.) , que
elogia a sua compreensão da época e da terra , que conseguiu fazer “da
asneira o degrau para ascender ao capitólio”, e de Fábia e da Morte de
Catimbao “dois padrões lit erários de imorredoura glória” (Cícero 1987:
267). O autor da Verdadeira luz derramada na questão literária e
supremo remate a ela (1866) é pródigo; dedica -lhe um “epitáfio
deslumbrante”, em futuro “que os deuses para longe reservem”:
Ao de Palha Chico extinto
Homem de pilhas de graça ,
Que só na vida achou sério
O méri to da chalaça,
Sagra a Pát ria agradecida
Em paga dos disparates
Para Panteão um nicho
No palácio dos orates.
(Cícero 1987: 267)
Franci sco Palha, com João de Lemos, havia pertencido ao grupo
coimbrão de O Trovador (1844 – 1848), com especial destaque para este,
e ent rou para o Teat ro de D.Maria II , como di scípulo do ator Epi fânio, es t reando -se,
em 1850, na peça O herdeiro do Czar. A sua es t rei a como dramaturgo f ez -se com a
comédia A ass inatura d e El -Rei , a 1 de j anei ro de 1853, no mes mo teat ro . Foi
empresário , autor , ensaiador, e escreveu todos os géneros dramát ico s . Duas das suas
peças foram i mi tadas em cas telhano, por José Inácio de Araújo e representadas em
Madrid : A probidad e , como La fragata Belona (Madrid: Imprenta Viuda y Hi jos de
D. José Cues ta, 1862) e Dois mundos, como Los pecados d el sig lo XIX (Madrid:
Imprenta T. Fortanet , 1863)
106
que fora colaborador dir eto de António Xavier Rodrigues Cordeiro ,
principal redator desse “órgão renovador do r omanti smo ga rrettiano”
(Fortes/Sampaio 1936: 417). Palha escrevera duas tragédias heroi -
cómica s e uma paródia à ópera Lucia de Lamermoor – Fábia (1848) [136
] ,
A morte de Catimbao (1850) , e O andador das a lmas (1850)
respetivamente – , “obscuros e humildes escritos”, que o autor colige sob
o títu lo genérico de Paródias (1859) , no derradeiro folheto da coleção:
Ahi vão as t rês manas de acerta o passo. Nunca se pi lharam tão janotas;
é a primeira vez que saem de capa. Quem as vi r ha -de dizer que vão
todas presumpçosas. Pois enganam-se: – não as conhecem. Nenhuma
déllas é vaidosa, – coitaditas; nem janelle i ras – e mais é esse o sest ro das
raparigas de agora. // Deixem-nas i r com os olhos baixos andando o seu
caminho, e não contendam com as pobres envergonhadas. Se lhes
jogassem a mais pequena cufa – tínhamos faniquito. Mas costumadas,
pela delicadeza e bondade com que as t ra tou aquella santa gente do
theat ro do Gymnasio – qualquer beli scãosito que lhes pespegassem hoje
era caso para eterna chorade i ra , tenham dó d’estas creanças (Palha 1859:
3; itálico original ).
O seu espírito esfusiante abriu caminho à introdução de novos
géneros: a r evi sta do ano, Lisboa em 1850, coescrita com Latino Coelho,
e as parodí sticas óperas -cómica s de Offenbach, de quem foi tradutor.
“Theatro Moderno” , que principiara com uma obra musica da, editou
ainda a farsa -lír ica de Duarte de Sá, Os trabalhos em vão , e revelou a
cena-cómica de Paulo Midosi júnior, O senhor José do Capote assistindo
à representação do Torrador (1857), paródia burlesca à ópera do
Trovador, coroa de glória do ator Taborda , dedicatário da obra, e a sátira
aos poetas romântico s, do mesmo autor, Entre a b igorna e o martelo . O
ecleti smo da coleção não esquece a moda feita de importações francesas:
a féerie ou melodrama -fantásti co, dita “mágica” – A loteria do diabo ,
possível “acomodação” à cena portuguesa, em coloração de escrita com
Palha , de Les pilu les du diable (1839), de Anicet -Bourgeoi s, Laloue e
136
Foi representada pela primei ra vez por u ma sociedade part i cular , em 13 de
outubro de 1848. Em 1850, subiu à cena do Teat ro do Ginásio e do Teat ro
Acadé mico de Coimbra. (Palha 1859: 5)
107
Laurent137
– , a comédie mélée de vaudevilles ou comédia -vaudeville – A
coroa de louro – , e a revista do ano – Revista de 1858 – , que privilegia m
o mesmo autor popular, Joaquim Augusto de Oliveira , o célebre Ol iveira
das mágica s, representada s no Teatro da s Variedades (Salitre).
Originária dos bailados de corte dos séculos XVI e XVII, a féerie
caracteriza um género híbrido, cuja ação funde uma fábula
melodramática com o desejo de fantasia e espetáculo. Os efei tos das
pantomima s dos atores ita lianos contratados por Cat arina de Medici s
para distração da corte de Henri IV, que apreciava a magia das
transformações, prolongaram -se no tempo, l evando à construção de
teatros apropriados e de obras dramática s cada vez mais e laboradas. No
século XVIII, o género encontrou no públ ico de feira o aplauso que fez
definir regras especí fi cas de um repertório , que atraiu autores como
Marivaux – Arlequin poli par l’amour (1720)138
– , ou Favart e Duni,
transmutando o conto de Voltaire , Ce qui p la it aux dames e o de
Chaucer , The wife o f Bath , em La fée Urgèle: comédie mélée d’ariettes
(1765) , ou mesmo Beaumarchai s , cujo Tarare, com música de Sali eri ,
ecoa os mesmos t ema s políti cos, subversivos e r evolucionários que
granjearam fama à La fo lle journée ou le mariage de figaro (Lévy
1992)139
. O prodígio do univer so das fadas, sonhos de noites de Oberon e
T itânia , conquistou a cena, surpreendendo a s plateias com fábulas
europeia s – La belle au bois dormant (1799) (Pérault/ Caigniez) – , e
contos orientais – Ali-Baba (1833) (Mélesville / Scribe/ Chérubini) ou
Les mille e t une nuits (1843) , dos irmãos Cognard (Charles -Théodore/
Jean-Hippolye) .
Em grande parte da s féeries (mágicas), o enredo serve como
pretexto para o desenrolar cénico da vi sualidade cenográfica , cuja
multiplicidade de quadros permite viajar a través do espaço e do tempo, 137
Es ta parceria é composta por um escri tor , um e mpresário -autor e um a tor -autor ,
respetiva mente. Torna -se claro que a escri t a para cena, como no caso destas obras de
grande espetáculo , congrega m vários saberes , d i recionados para o mes mo objet ivo . 138
Cf. RO BERT , Raymond (2007), “Marivaux lecteur de Mme Durand”, Féer ies , 4,
1858a: 4) , como na vi são de “um curioso observador”144
, que assina a
“comédia satír ica e fantasmagórica” Os melhoramentos materia is , ou
Revista do ano de 1859 , levada à cena no Teatro do Giná sio , e proibida
pela autoridade após alguns dias de r epresentação.
Não sendo objetivo dá -la à esta mpa, Andrade Ferreira sent iu-se na
obrigação moral de expor a obra , para que o público -leitor a ju izasse dos
motivos que haviam levado os “insofridos e picho sos fi scai s da
moralidade publica”, os “zelosos almotacés dos melindres pessoaes” a
“correrem ao mini stério do r eino a bradarem que no Gymna sio se estava
crucifi cando […] os caracteres mais honestos e intemeratos da republica”
(Ferreira 1860: III -IV) . Em abono do seu bom nome, prefaci ou a obra,
transcrevendo o parecer do censor Silva Tullio :
Sendo o argumento de taes composições e chamamento a juizo de todos
os sucessos notáveis durante o anno, personi ficados e m diversas figuras
que fa lam, e julgados pelo lado comico, cumpre que o poeta, visto não
ter que fabular, jamais descaia para o terreno em que Aristophanes tão
escandalosamente li sonjeou a insolencia democrática dos at henienses,
escarnecendo e calumniando, perante o povo, os homens mais d ignos e
benemeritos da Grecia (Ferrei ra 1860: IV-V).
Apesar de se ter desviado do “escolho”, foram -lhe indicadas as
correções necessárias à representação em teatro de segunda ordem. Após
a estreia , uma portaria denunciou a duvidosa qualidade da obra, “cheia
de personalidades, grosseria s e ditos de mau gosto” ( id . , ib id . : vi) . A
representação foi suspensa e o autor veio defender o seu bom nome e a s
boas intenções, invocando um possível complot de Franci sco Palha , já
que a portaria surgira em papel usado na sua repartição. Andrade
144
Pseudónimo do jornali st a pol ít i co e l it erário José Maria de Andrade Ferrei ra .
P roduziu crí ti ca dramát ica e l i t erária na I lus tração Luso -Bras ilei ra e em A Pátr ia ,
em 1858, que comp i lou em Li t t eratura , mús ica e bel las ar tes (1871-72) . Publicou
també m biografias de atores e at ri zes na Galeria Ar tí s ti ca (1859) e na Revista
Contemporânea d e Por tugal e Bras il ( tomos II e IV) .
110
Ferreira levou a defesa ao extr emo de analisar a qualidade parodí stica
das obras de Franci sco Palha, e de r edigir uma breve resenha sobre “o
que é u ma revi sta do ano” ( Ferreira 1860 : VIII) , os exemplos
estrangeiros, ingleses e franceses, e nacionais, especiali zando as revi stas
de Braz Martins e de Joaquim Augusto de Oliveira . O seu melindre
contra os “inquisidores” políti cos e li t erários a testava a “ levia ndade” de
todo o processo. O público – o eterno “respeitável público” evocado em
Lisboa em 1850 – que lesse e v isse quem tinha razão em apelar para a
imprensa, “se os Tartufos mexeriqueiros, se o auctor” ( id ., ib id . : XI) .
Fosse como fosse, as paródias oscilavam entre a “fa cecia antiga
portuguesa, sinceramente lorpa e boa” e a “ ironia moderna, o r iso
amargo da decadência que espuma fel pelos lábios lívidos” (Branco
1887: I , xv), consubstanciado numa citação de Léon La Forêt145
, por
Castelo Branco:
On ne rit plus aujourd’hui , on ricane. Si l’on fait parfois de l’espri t,
c’est de l’espri t facile , aux dépens du prochain. On ne ri t plus que pour
mordre, et le plus grand poëte de not re t ri ste temps pourra it lui appl iquer
ce vers, où il ne voit dans le ri re qu’une menace: d’une bouche qui rit on
voi t toutes les dents (Forêt, apud Branco 1887: I, xv).
Irreverente, irónica, subver siva, como se constata , a pa ródia
retomava o espírito antigo de r ebeldia contra o institucional, sem nada
respeitar e fa lando “das coi sas que o indivíduo mais a ma” (Queirós
[s.d.]: I , 139, apud Carvalho 2013: 56), a través daqueles que o público
mais ama, fossem atores, autores, ou obra s de sucesso, êxitos de
bilheteira . A sátira que “amassa com o seu fel e a sua cólera ” torna-se
“épica”, de acordo com o “mais a lto princípio da inspiração […], o culto
da beleza moral, da espiritualidade hu mana” , afirmava Antero (apud Pato
1894-1907: I, 327). A irisão, despertando medos, não podia ser de
aceitação consentânea , por razões que Rebelo da Silva enunciou :
A risada, que esta la satí rica e motejadora sobre uma obra séria,
sa lpicando as severas roupagens da arte , de lantejoulas e ouropéis, não
nos a legra, nem nos a t rai . Há o que quer que é de i rreverente e de
145
Trata-se de u m excerto da cr í t i ca de Léon La Forêt , publ icada originariamente no
periódico Le T intamarre, em 1861, inclu ida na edição de Les Contes Rémois , do
Comte de Chevigné (Pari s: Michel Le vy, 1864, 6ª edição, pp.265 -68) .
111
forçado nessas contorções burlescas do belo, que indispõe cont r a elas
(apud. Lima 1930: 5 ).
A paródia “ transforma ironicamente um texto preexi stente” (Pavis
2003: 278), nunca esquecendo nessa relação de di stância crít ica o a lvo
parodiado. Prefaciando Les poètes parodistes , Paul Madières (1912: I)
cita o Dictionnaire de Trévoux (1771) , sobre a s espécies de paródia:
(1) Mudança duma só palavra num verso. (2 ) Mudança duma só le tra
numa palavra . (3 ) Aplicação, fe ita sem mudança, mas maligna, de alguns
versos conhecidos. (4 ) Versos no gosto e no estilo do autor que se
pretende parodiar. (5) Trechos, em prosa ou verso, dum autor, que se
aplicam a um out ro assunto e a um out ro sent ido por meio de qualquer
mudança.
Em qualquer dos casos, verifi ca -se a c itação de um di scurso original
deformado, em que o recetor é permanentemente convidado a fazer um
exercício de r econstitu ição cria tiva, numa relação intertextual, que não
despreza, senão demonstra um reconhecimento do parodiante pelo
parodiado. A paródia autonomiza -se, ganha foros de género e de técnica
artística , que resgata a teatralidade e rompe com a ilusão, exibindo as
marcas do jogo teatral. A dialéti ca comparatista e comentarista da
paródia teatral constitu i um “ metadi scurso crítico”, vi sando a própria
tradição literária e teatral, que pode transformar a sua dramaturgia e a
sua ideologia , negando os seus valores estéticos e filosóficos ( Pavi s
2003: 279). Sendo a sensibilidade humana como a água, com seus pontos
de congela mento e de ebulição, a paródia pode inflamar ânimos e, para
evitar susceptilidades, já Favart advertira os parodi stas , que o sal das
boas palavras deveria excitar a consciência , sem nunca a ferir :
Corrigez en amusant / et soyez mains plaisant / qu’ut ile . / Que le t ra it de
l’ épigramme/ frappe l’ espri t, jamais l’âme; / épargnez, / éloignez/ la
sa t ire; / […]/ Et ‘éclat de son flambeau/ loin d’offusquer le beau, /
l’ écla i re (Favart 1809: I I I , 382-83).
A prefação de A morte de Catimbao é ela própria uma paródia
prefacial, panegírico de um herói trágico que os editores avi sam não se
tra tar de uma fantasia do autor:
112
O Cat imbao exist iu – e foi cavallo, como se nos apresenta nas scenas
palpitantes de interesse , nos lances patheticos que nos acordam a piedade
e nos arranca as lágrimas durante a leitura , ou a representação, d’esta
obra sublime. – Amoroso fanático da litteratura hespanhola a coroa da
sua ambição era o poder rivalizar um dia com o celebrado Rocinante do
Cavallei ro da Mancha: à custa de vigílias, e de j ejuns, conseguiu não só
imital -o – mas excedêl -o – Ver o Catimbao era ver um fio de re troz cor
de castanha! […] Para chegar a este estado, tinha , além dos esforços
próprios, os esforços do dono, que n’esse tempo se most rava com certas
fumaças a poeta , e queria um Pegaso natural de bom génio, que lhe não
esmurrasse os narizes cont ra algum frade de pedra do seu Parnaso, que
era o Chiado , por i sso o bardo não cantou nunca; - chiou sempre. Poeta e
Pegaso foram dignos um do out ro, e ambos do Parnaso que escolheram.
Com o derradeiro suspi ro do Catimbao estalou a últ ima corda da sanfona
ao insigne vate; as suas ú l timas notas ahi vão. Que as compreendem as
a lmas ternas! Aos insensíveis não se di rige o Shakespeare lusitano (Palha
1859: 87).
Palha apropriava -se do espírito parodísti co parisi ense, na
dessacralização dos mitos146
, para desafiar o cânone clássico e o
contemporâneo. Mais do que um mero entretenimento da esfera privada,
o agrado com que foram recebidas a s composições abriu a cena da esfera
pública . Fábia , a Morte de Catimbao e o Andador das a lmas tornaram-se
regi stos de uma cultura , que transformava as referência s simbólicas do
pensamento coletivo tradicional, criando um novo imaginário, novos
arquétipos, novos padrões de representação cultural:
Toute lit téra ture romantique a comme naturel lement et presque
fa talement sa lit téra ture précieuse et sa li ttéra ture burlesque. Les groupes
romantiques ont toujours eu des précieux et des burlesques, et t rès
souvent même, dans un seul poète romantique, i l y a un précieux e t un
burlesque qui font t rès bon ménage avec l’homme d’imagination
grandiose et grandiloquente . […] L’ imaginat ion du grand , l’imagination
du rare, l’ imaginat ion de l’excent rique sont comme t rois degrés, e t si
l’on ne monte pas facilement du dernier au premier, on descend t rès
facilement du premier au dernier en ces moments de product ion faci le où
l’on fléchit, sans doute, mais sans se dépayser et en restant encore dans
sa nature propre et dans son propre tour d’esprit (Faguet 1910: 3 -4).
146
O Hernani , de Victor Hugo , fo i parodiado por Augus te de Lauzanne, Harnal i ou
la contraente par Cor (1830); Pierre Carmouche , Charles Varin e Louis Huart
escre vara m o Ruy-Blag, quadro da revi s ta Le puf f (1838). A Dame aux camél ias , de
Alexandre Dumas f i lho , deu aso a Dame aux Gobéas, dos i rmãos Cogniard (Madières
1912: VII I) .
113
A arte da paródia , enquanto instrumento impulsionador de um
pensamento críti co, deci fra segredos da sabedoria , entrecruza níveis
culturais e contribui para a permuta de conhecimento, para o crescimento
social, l egitimando de algu ma forma o comentário de Eça : “o povo está
cansado de ver qu e não adiantámos nada desde o século XVIII” (Queirós
[s.d.]:II , 171 -72, apud Carvalho 2013: 53). Se Palha reinventou o
motejo, outros lhe glosaram o filão: Gomes de Amorim , que parodiou o
gosto melodramático em Fígados de Tigre , levado à cena com o títu lo
Melodrama dos melodramas (1857) e Luís de Araújo , que tanto parodiou
o gosto das ópera s-cómicas, em In trigas no bairro (1864) e na sequela
Novas in trigas no bairro (1865), como o sucesso do coevo Teixeira de
Vasconcelos, cujo Dente da Baronesa lhe deu aso à sua Baronesa dos
dentes . Inevitavelmente, qual arroseur arrosé, Palha foi também vi sado.
Franci sco Jacobetty compôs a opereta -paródia Os dragões de Chaves
(1885) a partir da obra que ele escrevera em colaboração com Eduardo
Garrido, Os dragões de El-Rei, por sua vez, adaptação da ópera -cómica
Les mousquetaires au couvent (1881) , de Ferri er , Prével e Varney147
.
Com Garrett , Franci sco Palha abrira a porta do teatro de sala , e a
est e r egressava, publicando o Cavalheiro de São Jorge (Le chevalier de
Saint-Georges), tradução do vaudeville de Mélesvill e e Beauvoir , por
Alexandre Magno de Castilho “em obséquio” a D. Constança Lodi , para
um representação no teatro das Laranjeiras , em 1847, em que atuou a
família do Conde de Farrobo e o próprio tradutor. O agrado da peça,
“uma das que mais voga hão t ido em Paris” , deu aso à exibiçã o posterior
147
Não fal t aram paródias a Garret t , q uer por estudantes de Coimbra, quer por out ros
(Li ma 1930: pass im ). José P into Rebelo de Carvalho foi quem primei ro lhe parodiou
o Monumento , o epicédio à morte do l ente J . F. A. Fortuna. També m An tónio Maria
do Couto Montei ro parodiou o poema Camões, em A Cábula -Canção, inserida na parte primei ra de A Cabulogia ou Moral em acção, e reproduzida na Revi s ta
Universal L isbonense, ent re out ras publicações . Amori m descre ve a reação de
Garret t ao ou vi r declamar esse t recho (Amori m 1881 -84: III,542-44). Ta mbé m As
fo lhas caíd as deram o mote para que u m suposto Amaro Mendes Ga veta (pseud. )
edi tasse As fo lhas cahidas apanhadas a d ente e publ icadas em nome d a moral idad e
(1854), e As fo lhas cahidas apanhad as a dente e pescad as no Por to (1855), que
Cami lo , no Cancionei ro Alegre, identi f i cou como Pedro Diniz , guarda-l ivros de José
Is idoro Guedes : “Deplorável ! Todo o paiz e as colonias e o Brazil se r i ram das
Folhas cahid as de Garret t , desde que a satyra de Pedro Diniz as abaixou ao raso da
mordacidade que escancara sempre uma gargalhada quando topa um a mor seni l a
carpi r -se com lást imas de criança amuada” (Cami lo 1887: II,153)
114
em teatros públicos148
. Palha e Cobellos prefacia m a obra, abonando a
qualidade do tradutor, pela facilidade com que transporta para a língua
portuguesa as situações do enredo, escrito em “estilo elegante, jocoso,
[e] elevado” (Palha/Cobellos 1857: 3). Estreada em Paris, em 1840,
quando se debat ia a abolição da escravatura , a “comédie mêlée de
chant” , adaptava à cena o romance do próprio Roger de Beauvoir , sobre a
vida do músico mulato setecenti sta Joseph de Boulogne , natural do
Guadalupe, conhecido por Chevalier de Saint -Georges, e por Mozart
Negro. Vivia -se a emergência dos primeiros heróis negros românticos,
que tornavam a s obras populares junto do grande público, ma s que
levantavam reti cência s da críti ca , into lerante à exi st ência de ca sais inter -
raciais. O espírito r eformador liberal, tornando os dramaturgos em
refletores da s preocupações da sociedade, expunha as injustiça s que
urgia combater, a través de trágicos enredos de fundo. Em Portugal, o
decreto de 1854 libertara os e scravos do Estado, e o de 1856, os da
Igreja , e o “Theatro Moderno” dava à luz do prelo, o que já fora visto à
luz da ribalta – impressões de vida s sofrida s que não se esgota vam nu ma
só obra, e que viriam depois, quando em 1869 se aboliu defin itivamente
a escravatura em território português : Ernesto Biester , Cora ou a
escravatura (1862)149, tradução de Cora ou l’Esclavage, de Jules Barbier ;
Ari stides Abranches, A mãe dos escravos ou a Vida dos negreiros da
América (1864), versão cénica de A cabana do pai Tomás, de Harriet
Beecher Stowe150
, e Diogo José Seromenho, Scenas do Brasil ou os
Escravos e senhores (1873) e O escravo (1891).
O convite ao confrade João de Lemos, o celebrizado autor do poema
Lua de Londres , que Braz Martins r eci tava como “intervalo poético”, no
avant-scène do Ginásio (Sequeira 1939 -41: III, 315), e do drama Maria
148
A obra foi est reada no Teat ro de D. Maria II , a 13 de j anei ro de 1848 (Li vros de
Regis to de Espectáculos , TNDMII). 149
Representou-se pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II , a 22 de
maio de 1862, t endo como cenário o famoso panorama do Missi ss i p i , de Rambois e
C inat ti (Livros de Regis to de Espectáculos , TNDMII). 150
A obra de Harriet Beecher S towe surge t raduzida anonima mente e m 1853, como A
cabana d o Pai Thomaz ou os negros na América (Lisboa: Tip . do Cent ro
Commercial ) , e, no mes mo ano, co m t radução de F ranci sco Ladislau Álvares de
Andrada, como A cabana d o Pai Thomaz ou a vida dos pretos na América: romance
moral (Pari s: Rey e Belhat te). Na temporada de 1889 -90, o Teat ro do P ríncipe Real ,
de Lisboa, l evou à cena a versão de Dumanoi r e Dennery, em 8 atos.
115
Pais Ribeira (1844) , representado em Coimbra e não impresso, trouxe a
público Um susto fe liz , comédia prometida para a reabertura do t eatro
Académico, a 16 de maio de 1855, após obra s de melhoramento. Um
teatro de amadores dramáticos académicos, que se divulga , com os
mesmos pruridos autorais mani festados por Garrett quanto ao escrutínio
do “theatro da imprensa, onde vae ser ju lgado” (Lemos 1857: 7) pelo
público-l eitor, quando a obra é “composição ligeirí ssima, cousa escripta
a correr” ( id ., ib id . : 6). João de Lemos possuía uma “educação
primorosa, a lma rasgada” (Pato 1894 -1907: II , 153), cujos “primeiros
ver sos prenunciavam u m grande poeta” ( id . , ib id . : 154), que não caiu em
“exageros românticos” ( id ., ib id . : 155). Louvado em Coimbra, Um susto
fe liz recebera iguais aplausos no “elegante t eatro” particular do Conde da
Redinha151
, “diante de uma escolhidí ssima plat ea […] tendo por
intérpretes duas senhoras e um cavalheiro da nossa melhor sociedade, e
dos que entre nós melhor compreendem e executam a arte scénica”
(Lemos 1857: 7). O empenho que a sociedade elegante colocava na
qualidade da s representações particulare s, que publicita m a esfera
privada, perpetua a marca de prestígio social, ao mesmo tempo que se
afirma como uma nova esfera aristocráti ca .
“Theatro moderno” traz à colação o teatro de gabinete, publica ndo A
fada (La fée ) e Receita para curar saudades (L’urne ) , em tradução de
Rebelo da Silva e adaptação de Mendes Leal , respetivamente. Duas
comédias de Octave Feuillet , pertencentes às Scénes et comédies ,
abordando um enredo de atualidade – La fée – e um antigo, um pastel , na
designação do próprio autor. Obras dramática s destinadas à lei tura , mais
do que à cena, por poetas, diria Théophile Gautier , cultivadores “de ce
bel art du langage rythmé”, “d’une prose travaillé , délicate et fantasque”
(Moniteur Universelle , 14/12/1863, apud Berthier 2015).
151
António Maria da Luz de Carva lho Daun e Lorena (1822 – 1905), 5 º conde da
Redinha, descendente do Marquês de Pombal , pertenceu ao partido l egi timis ta, t al
como João de Le mos . O P alácio si tuava-se junto à Igreja de S . Vicente, na atual rua
do mesmo no me, esquina com a rua da Voz do Operário .
116
Ao teatro de gabinete152
(o closet drama inglês) corresponderiam as
obras dramáticas que havia m sido escritas com o obj etivo da sua leitura ,
ou , por cir cunstância s especí fi cas, não tinham visto a luz da r ibalta . Na
primeira situação, estariam contidas obras que, pela sua extensão, pela
característi ca romanesca da narrativa e pelo número excessivo de
per sonagens, seriam imp ossívei s de fazer representar no seu tempo,
constitu indo-se como poemas dramáticos. Encontra m-se exemplos ao
longo da hi stória do teatro153
, que privil egiam o carácter didá tico, ou
resultam de momentos em que a liberdade de expressão se encontrou
cerceada154
. Seria uma “lesson in the guise of play”, segundo a
setecentista Hannah More155
, que sublinhava o ato de ler como forma de
motivar o interesse pelo diálogo e ideias, l evando o leitor a compreender
a retórica e a estilí stica . Em An enquiry in to the present s ta te o f polite
learning (1759), o médico Oliver Goldsmith chegou mesmo a preconizar
vantagens para a “virtude”, se as representações fossem lidas e não
representadas:
152
Não confundi r o t eat ro de gabinete com o teat ro de sala. As obras dramát icas que
se representam nesse tipo de funções t eat rai s amadoras apre sentam ca racterí st i cas
s intéti cas , t anto a n ível da narrat iva, co mo da u t i li zação do espaço de representação,
e vi tando mutações de cena próprias das condições t écnicas dos t eat ros , mes mo dos
part i culares . 153
Nes tas ci rcunstâncias , encont ra -se a peninsular Comedia d e Cal ixto e Mel ibea
(Burgos , 1499), vulgo Celes tina , de Fernando de Rojas , cons iderada como uma
“novela” dra mát ica por Menéndez y Pelayo ( Orígenes d e la Novela , 1910), cujo
subt ítu lo adverte para as “ muchas sentencias f ilosofales e a vi sos muy necesarios
para mancebos , mos t rándoles los engaños que es tán encerrados en s i rvientes y
alcahuetas”, conferindo à obra um e minente caracter d idático . Out ros exemplos
encont ram-se em Samson agonistes (1671), de Mi lton , ou o Faust , de Goethe, j amais
pensados para a cena, ainda que sob forma dialogada. Todavia , o desenvolvi mento da
at ividade t eat ral, a parti r do século XX, ve m quebrar a t radicional convenção e
provar que é poss ível representar o supostamente i rrepresentável , como a reescrit a
de The Cenci (1819) , de Percey Shel ley, por Antonin Artaud , em 1935, ou a
produção da versão original , pelo Newcas tle People’s Theat re, no mesmo ano, com
di reção de Cecil McGivern . Do mes mo modo, e m Portugal , a companhia do Teat ro Nacional de D. Maria II (e mpresa Re y Colaço – Robles Montei ro ) l evou à cena a
Celest ina , em 1970, no Teat ro Capi tó lio (Lisboa) . 154
No Reino Unido, no período des ignado por Interregnum, correspondente ao
período republ icano do P rotetorado de Ol iver Cromwel l , r eemer giu a escri t a do
closet drama, por escri toras , versando temas pol ít i cos . Cf . B URRO UG H S , Catherine
(2007), “The pers i stence of closet drama: Theory, His tory, Form”, in DA V IS , T. /
HO LLA N D , P . (eds . ) , The performing century:Ninetenth -century Theatre’s history.
UK: Palgrave Mac mi l lan , pp .213 -235. 155
Escritora inglesa que escreveu pas toral p lays , editadas, em 1773, sob o t ítu lo The
Search af t er Happiness: a pastoral. In three d ia logues (Dubl in: Wil son/ Grai sberry/
B lack).
117
[For] al l must allow that the reader receives more benefit by pursuing a
wel l writ ten play, than by seeing it ac ted (apud Burroughs 2007: 220)156.
A segunda circunstância englobaria obras a lvo de a lgum
condicionali smo de natureza censória , externo ou interno, que as
confinaria inevitavelmente ao universo da leitura157
. Neste caso, estaria
cont ida a comédia de Al fred de Mu sset , La nuit vénitienne ou les Noces
de Laurette , cuja estreia , no Théâtre de L’Odéon, a 1 de dezembro de
1830, redundara num fracasso imprevisível para o empresário, e criara no
autor um sent imento de injusti ça . Estando em plena querela entre
clássicos e românticos, a obra foi ju lgada demasiado poéti ca para ser
teatral. A partir desse momento, Mu sset escreveu dramas destinados à
leitura , que designou genericamente por théâtre dans un fauteuil , porto
de abrigo contra o fanta sma da derrota que sentia per segui -lo; um
pessimismo nostálgico com que epigrafou o drama La coupe et les
lèvres : “entre la coupe et les l èvres, i l r est e encore la p lace pour un
malheur” (1833: [21]) . Durante dezassete anos, a s suas obra s dramáticas
– Lorenzaccio , Les caprices de Marianne , ou On ne badine pas avec
l’amour – , em vez do palco, terão na Revue des Deux Mondes os
principais r ecetores do t eatro que publica . Ser -lhe-á necessário voltar a
acreditar nas potencialidades da cena, com o sucesso de Un caprice , na
Comédie Française , em novembro de 1847, para que retome as peça s
anteriormente escritas e lhes dê uma forma cénica158
. No soneto “au
156
Seria possivel mente a mes ma in tenção dos ensaios dramát icos de Cami lo Castelo
Branco: Crês ou morres (1849) , provérbio dramát ico , em 11 cenas , publi cado no
Nacional ; O noivado (1855) , drama e m 1 ato , como capí tulo XIX de A f i lha do
Arced iago, como mise-en-abyme narrat iva, incrus tando o drama na no vel a; Patologia
do casamento (1855) , comédia em 3 atos , em Cenas contemporâneas ; e O t io egresso
e o sobr inho bacharel (1849) e Dois murros ú tei s (1849) , em Noites d e Lamego
(1863). A es te respeito cf . CO RRA D ÍN , F lávia Maria (2005), “Dois exercícios
dramát icos de Cami lo Castelo Branco”, Forma breve, nº 3 . Avei ro : Cent ro de línguas e Culturas/ UA, pp.359 -368. A comédia Patologia d o casamento subiu à cena, e m
1989, com o t í tulo Trocam-se mulheres , máximo sigi lo! , pelo Persona – Teat ro de
Comédia, encenação de Gui lherme F i lipe, no P rimei ro Acto – C lube de Teat ro , e m
Algés . 157
John Gay edi tou a ópera Pol ly (1729), após o Lord Chamberlain t er censurado a
sua representação. No prefácio , o autor salva guardou a in tenção de a t er escri to para
a cena, e instou a que o l ei tor a l esse enquanto t al , como sequela da Beggar’s Opera
(1728). Até 1777, ano em que, por f i m, subiu à ce na, numa adaptação t runcada de
George Colman , a obra pertenceu ao closet d rama. 158
À exceção de Lorenzaccio , que cont inuará a ser u m texto para ser l ido , confor me
vontade do seu autor , que não encont rava condições cénicas no seu t empo para a
118
lecteur” com que prefacia Le théâtre dans un fauteil (1833: 1), Musset
deixa claro os seu s propósitos:
Figure-toi, Lecteur, que ton mauvais génie
T’a fa it prendre ce soi r un billet d’Opéra.
Te voilà devenu parterre ou galerie
Et tu ne sais pas t rop ce qu’on te chantera.
Il se peut qu’on t’amuse, il se peut qu’ on t’ennuie;
Il se peut que l’on pleure, à moins que l’on ne rie ;
Et le terme moyen, c’est que l’on bâil lera .
Qu’importe? c’est la mode, et le temps passera.
Mon livre , ami Lecteur, t’offre une chance égale ;
Il te coute à peu près c e que coute une stalle;
Ouvre-le sans colère, et li s- le d’un bon œil .
Qu’il te déplaise ou non, ferme -le sans rancune;
Un spectacle ennuyeux est chose assez commune,
Et tu verras le mien sans quitter ton fauteuil .
Mendes Leal não partilharia por certo esta crença mais do que
aristotéli ca das potencialidades vi sualizadores do leitor. A sua Receita
para curar saudades , que o Teatro Moderno publica , aproveita a “ ideia
e, em parte, a contextura” da obra de Feuillet , escrita “exclu sivamente
para a leitura” e não “talhada” para a cena ( Mendes-Leal 1857b: [3]),
para ser representada no Teatro do Ginásio, tendo como títu lo inicial
Epitaphio e Epithalamio . Após revisão e correção, entr e o elogio
funerário e o matrimonial, decidiu alte rar o títu lo, torná -lo “menos
vaidoso, mais popular, mais perceptível, mais característi co” ( ib id .:
ib id .) . Na realidade a comédia de Feuillet , não poderia servir como lever
real i zação espetacular. A obra fora escrit a segundo uma fórmula romanesca,
contendo um sem número de di f i culdades t écnicas e de arrojos temát icos e es t il ís ti cos. A didascália apresenta 38 lugares de cena di ferentes, que, segundo os
cri t ér ios cenográficos da época, corresponderiam a out ros t antos cenários, em
sucessão cont ínua, sem qualquer relação de palco com os interiores e os exteriores .
No século XIX, tornava -se mais cómodo, e menos oneroso, exi s ti r apenas um c enário
único, ou, pelo menos , um cenário por ato , em vez de u ma c enografia em quadros .
Alé m di sso, Lorenzaccio cont inha um desmedido número de personagens, principai s
e secundárias , s imul taneamente arquet íp icas e comp lexas , que at ravessa m u m enredo
extenso. Todavia, o t exto dramárico contém o elemento t eat ral, que permi te que o
l ei tor vi sual ize um espectáculo at ravés da l ei tura das d idascálias . Lorenzaccio subiu
à cena apenas e m 1896, no Théât re de l a Renai ssance, t end o Sarah Bernhardt no
protagonis ta.
119
de rideau, como havia m sido Le pour et le contre e Le cheveu blanc , na
Comédie-Françai se (Bernheim 1913: 218).
L’urne é um retrato de costu mes, um pastel de tempos antigos; mais
do que uma peça de t eatro é um petit roman dia logado, que explora os
problemas sentimentais de uma aristocracia convenciona l, e os ciú mes
por causa da urna funerária que cont ém a s cinzas do primeiro marido da
Marquesa (em Lisboa, torna -se Condessa). Uma sociedade idea lizada por
Feuillet , que Mendes Leal recria , afastando -se da “contextura” gálica ,
como defendera Casti lho159
, para conferir u m estilo português,
privilegiando os papéi s dos criados, em que a ação ganha gra ça e maior
dinâmica em relação ao modelo francês, cuja “pruderie” acomodava-se
“mieux du marivaudage”:
[Elle] s’ accommode surtout mieux du genre sentimental qui envahi t de
temps en temps le Gymnase quand M. E. Scribe en est absent (Pichot
1854: 251-52).
Feuillet publicara inicialmente estas obras, “un genre mixte, qui a
sa grace et ses tra its heureux” ( ib id .: ib id .) , nas página s da Revue des
Deux Mondes160, ta l como Musset . E, do mesmo modo, guardou implícito
o convite ao leitor, para que imaginasse o espetáculo sem sair da
poltrona:
Une pelouse devant un château. Belle matinée de printemps. Les fenêt res
du château sont ouvertes et aspi rent le soleil. En face du perron, une
avenue; derrière les arbres en éventai l qui encadrent la cour, on aperçoit
à droite les bosquets d’un parc baignés dans les vapeurs du mat in, des
sta tues dans leurs niches de charmi lles, les eaux ja ill i ssantes dans les
c lai rières (Feuille t 1854: 245).
L’urne apresenta uma disfarçada divi são cénica, uma vaga aparência
que utiliza o tempo presente como modo descritivo de locai s e de ações
das personagens, a evocar didascálias. Mendes Leal reelabora a ação,
privilegia a essência da trama sentimental, um quipr oquó em linguagem
159
“O estudo da verdadei ra índole e cons t rução da nossa língua é indi spensável a
todos os escritores que, obrigados a fazer grandes l eituras de obras francesas , toma m
insens ivelmente a contextura daquela l íngua, t ão opos ta à nossa” (António Fel iciano
de Cas ti lho , Restauração, 14/01/1845). 160
L’urne fo i publ icada a 1 de junho de 1852, e La fée , a 15 de abril de 1854.
120
ironica mente fluente de alta -comédia, e reduz o local de ação a uma
única cenografia : uma “ sala elegante”, “estilo Pompadour”, com
mobiliário a condizer. Agora sim, temos entr eato, ou comédia de sala ,
com a tradicional “entrada geral” pel o fundo, a saída para o in terior pela
direita – os quartos da senhora – , e uma fugaz visão do exterior, à
esquerda, pelas janelas. Tudo, segundo o modelo clássico de encenação
francesa – côté cour, côté jardin – , para uma cena fechada, com ponto de
fuga óti co ao fundo, permitindo que o espectador aprecie a entrada das
per sonagens. Impossível apena s, fazer entrar em cena o Marquis , de
Feuillet (Conde, em Lisboa), “en pia ffant” e “fai sant volter et pirouetter
son cheval” (Feuillet 1854: 292), que ficaria na imaginação do leitor. O
grande aparato cénico fora -lhe r eservado no t eatro Normal, na encenação
de O templo de Salomão (31/07/1849), pelo ator Teodorico.
Às críticas sobre a originalidade da obra, respondeu com um convite
aos “Tartufos da musa” , para que se tornassem “homens sérios e
verdadeiramente instru ídos”, e não fi cassem adstritos à leitura do
“Magazin Théâtral, único repertório de conhecimentos dramáticos dos
almotacés oficiosos, que tudo toma m por contrabando, porque nunca
vendera m fazenda lí cita” ( Mendes-Leal 1857b: [3]). Eis a difícil
conciliação entre o teatro como ação moral e como agente comercial
(Galeria theatral 21/10/1849: 1), que a coleção dirigida por Francisco
Palha parecia propor como objetivo editoria l, tão longe do moderni smo
evocado pelo “ Archivo Theatral” , vinte anos antes.
5. Editor não é comerciante, é amigo… poeta… um pombo!
A relação dos autores dra máticos com o editor poderia ser, por um
lado, de grande dependência , causando uma revolta interior, ta l como
acontecia com os empresários t eatrais, quaisquer deles dominados pela
sede do lucro e pela ausência de escrúpulos, ou , po r outro, de grande
independência , sendo o editor considerado um protetor da s letras, um
por Lopes de Mendonça (Pato 1894-1907: III, 191), soube usar
“cumulativamente as suas relações no meio tipográ fico e no meio
121
l i terário” (Santos 1985: 216), para editar o seu romance Cláudio ; revelou
a relação autor -editor no posfá cio à 2 ª edição, Aquele Tempo (1875: 280)
e ironizou-a , em “phra ses de tari fa” , em Trechos de fo lhetim (1863: 56):
Seriam poucos os louvores quando se t ra ta do ed itor desta recomendável
obra: não é um comerciante, é um amigo; não é um amigo, é um poeta;
não é um poeta , é um pombo! Nenhuma ideia de interesse preside aos
seus cont ratos; é puramente o amor das belas-le t ras que di ta ao seu
famoso carácter o nobre desejo do nosso engrandecimento ( Machado
1863: 58).
Existia um envolvimento dos autores no processo edi toria l, tanto da
parte daqueles que viviam da escrita , como daqueles que ambi cionavam
alcançar esse estatu to. Será razão possível para o aumento do número de
coleções publicadas entre 1860 e 1870. O ator Isidoro Sabino Ferreira
constitu iu a coleção “Theatro Económico” (1863) com sei s comédias da
sua autoria , e Xavier da Silva editou obra s suas a coberto da
“Bibliotheca Pinto Bastos” (1867) , que invoca o empresário do T eatro
das Variedades como guia161
. A intermitente “Bibliotheca dos actores”
(1866 – 1870) divulgou o trabalho dos atores António Pedro e Carlos
O’Sullivand . O produto lit erário dramático r ecebia uma vantagem
promocional do sucesso das obras “representadas com aplausos nos
teatros públicos”, da crítica favorável dos public ista s, e da possibilid ade
de divulgação no espaço do drama -folhetim. Andrade Corvo editou os
dramas O alic iador e O astrólogo no Archivo Universal , antes de os dar
161
Pin to Bastos foi um caso de sucesso pessoal e empresarial . Natural do Porto , veio
para Lisboa t rabalhar como marçano de uma lo ja de fazendas . Tinha como hobby a
pres tid igit ação, art e que estudou afincadamente, influenciado pela vinda a Portugal
do célebre mágico Her mann. Es t reou -se no Teat ro -Ci rco de P rice , a 27 de setembro
de 1863, encetando digressões pelo país , t endo como secretário Cos ta Braga. Em
1865, de regresso à capi tal , tomou o Teat ro das Variedades , que reabriu com a
má gica Amores d o d iabo , de J . A. de Ol ivei ra . Dois anos depois , associado a José
Carlos Santos , tomou o Teat ro do P ríncipe Real , onde fez representara “as mais arro jadas ideias de progresso e bri lhanti smo dramát ico” (Bas tos 1898:235).
Inaugurou es te t eat ro com o drama de Boucica ul t e Nus , João, o cartei ro (1867),
t endo pagado a resci são dos cont ratos de Emí l ia Let roublon e António Pedro com
Francisco Palha , no Teat ro da Trindade . Graças a Pinto Basto , desenvol veu -se a
melo mania de Offenbach, e os li sboetas puderam ass i s ti r à representação de
companhias es t rangei ras célebres : a do t rágico Ernes to Rossi , a de Paladini, a de D.
Juan Mol ina, a de Dominici , a de P rezios i e Marie Denis , e a de Giacin ta Pezzana , a
vanguardi s ta at ri z it ali ana (Bas tos 1898:235 -237). Sobre es ta at r i z cf. MA RIA N I,
Laura (2004), “Port rai t of Giacin ta Pezzana, act ress of emancipat ionism (1841 –
1919)”, European Journal of Women’s studies, August 2004, vol . 11, nº3, pp .365 -
379.
122
à estampa, no mesmo ano, como primeiro volume do seu “Teatro de João
Andrade Corvo”162
. A public idade antecipada criava mais -valia para uma
boa entreprise conjointe , um viver de glória , entre autor e editor, como
ironizou o autor de Vinte horas de lite ira :
Nenhum dos livros que correm com o meu nome é meu. São todos dos
ed itores. […] Descobri em mim um segundo apparelho digestivo, que
elabora, em substancia nutritiva, a glória (Branco 1864: 19-20).
Os dramaturgos conhecidos vendia m as obras a diversos edi tores,
surgindo em di ferentes coleções ao longo da segunda metade de
Oitocentos. O teatro progredia , ma s “o progresso [ era] uma voragem”
(Branco 1864 : I) . O livre mercado literário permitia que os au tores
tirassem partido da proli feração das empresa s editoria i s . Mu itas foram
criadas para publica ção de jornal, e stando, por isso, su jeita s à lei da
efemeridade, e da concorrência , sem qualquer garantia de fu turo (Santos
1985: 226). Os editores demonstravam afinidades com os produtores de
cultura a través da atividade literária , recusando o “estatu to de
comerciante ou de empresário”, para o substitu ir pelo de “ difu sor de
cultura” ( ib id .: ib id .) . Menos sorte, t eriam os obscuros “plu mitivos” do
teatro, sem qua lquer referência que os guindasse ao palco da fama, senão
custear a edição da sua obra, esperando que ela servi sse de t rampolim,
pelo menos, para um qualquer palco particular de menor exigência críti ca
e, com i sso, fomenta sse o desejo de fu turas composiçõe s dra máticas, ou
que conseguisse um contrato “vantajoso, no Rio de Janeiro, para escrever
peças de t eatro, que deviam ser representadas pela primei ra vez no
Brazil” , como ocorrera a Mendes Leal (Pato 1894-1907: II, 185).
O tempo das lu tas violentas, do drama hi stórico, do melodra ma de
paixão e de peripécia s levadas ao absurdo exi stencial t inha atingido o
l imite da cr edibilidade, a té do “gosto depravado das platêa s grosseira s”
(Ferreira 1871 -72: II, 164):
Os tyrannos já não horrorizavam; os algozes podiam também passar ao
fundo da scena, que o povo ria -se d’el les; a própria escala dos desenlaces
162
Edição conjunta em Lisboa: Tipografia Uni versal . O Archivo Universal edi tou , em
1860, o “provérbio” Amor com amor se paga (1849) e a comédia Um conto ao serão
(1852).
123
assombrosos estava toda percorrida: já não havia t ranse afflict ivo que
não fosse uma lamuria conhecida, nem final de ato, por mais arrojo com
que fossem injuriadas as lei s da verosimilhança, que não houvesse cahido
em t rivia lidade (Ferre i ra 1871 -72: II, 164 ).
O público apreciava agora o sossego que “os escriptores sensívei s,
os ta lentos elegíacos, os partidári os do madrigal na scena” lhe ofereciam
no drama íntimo, que lhes fazia vibrar a corda sensível do coração, e
levava “as mães amorávei s e as filhas de temperamento sensitivo ” a
tomar lugar nos camarotes ( ib id .: ib id . ; i tá lico original ) e, em pou co
tempo, o “sobressalto” deu lugar à “pieguice”. O tirano, o grande herói
do melodrama, morreu , para nascer a ingénua, a “filha legítima do drama
íntimo”:
D’aqui em diante o teatro põe na rua todos os personagens sinist ros das
antigas composições a terradoras, e apena s admite o pae-nobre, o galan
ext remoso e a i rmã dedicada; e quando muito, para fazer sobressai r os
dotes cândidos da a lma pura e simples da ingenua , coloca-lhe ao lado
uma tia rí spida ou um tutor onzenei ro, que, em matéria de consórcios,
não conhecem senão as conveniências sociaes ou as le i s do interesse
(Ferre i ra 1871 -72: II, 164-65; itálicos originais).
A simples ingénua, imaculada expressão de inocência juveni l,
esta mpada no riso diáfano que lhe brinca nos lábios, é seduzida pelo
cínico, e sobre ela abate-se o amor funesto, “assunto capita l d’estes
quadros de affecto intimo” ( id . , ib id . : II , 165). A profundidade do t ema,
“história do coração da mulher” e, por sua vez, “hi stória moral de três
partes da sociedade”, confrontou -se com a di ficuldade de manter a
pureza dos elementos narrativos. Sofreu com o desejo de novidade das
plateias e do exacerbamento cria tivo dos autores, e exagerou,
hiperbolizou as paixões, no “desejo insist ente de investigar e achar nos
epi sódios da vida real as lastimáveis excepçõe s que são o opprobrio das
sociedades e do coração hu mano”, e as ingénuas tornaram -se “heroína s
impossívei s” ( ib id .: ib id .) . O drama lacrimejante regressou com A
pobreza envergonhada (1858) , de Mendes Leal , adaptando Les pauvres
124
de Paris (1856) , de Brisebarre e Eugène Nus163
. Em França ou Portugal,
os problema s sociai s equival iam-se. A sociedade despreza va os meios
ilícitos, mas curvava -se diante dos r esultados, do dinheiro sujo, que,
“quando o colhe às mãos nem sequer lhe limpa as nódoa s” ( Mendes-Leal
1858: 2). Os sete a tos originais r eduziram-se a cinco; Bordéus e Paris
vestiram-se de Li sboa; os banqueiros franceses domestic aram-se em ricos
negociantes li sbonenses – a fa lta de escrúpulos mant êve-se – ; e a igreja
de Saint -Étiènne du Mont converteu-se na Igreja das Chagas, s ímb olo do
sofrimento dos que foram aba stados e se v iam na miséria , fru to dos
revezes da fortuna, que encontra ram no altru ísmo social a redenção – “a
desgraça não envergonha senão quando é merecida” ( id ., ib id . : 23):
Se quisermos que não haja pobreza envergonhada… a mais dolorosa de
todas as pobrezas… proporcionemos os recursos às necessidades, e
vamos procurar ent re as sombras a miséria que lá se oculta! (cae o
panno) (Mendes-Leal 1858: 245).
Bibliotheca Theatral. Collecção de peças jocosas representadas
com applauso nos theatros públicos (1861 – 1882)
A década de 1860 começara com talento produtivo, mas de
inspiração “frouxa”, sem criar “fru tos […] sempre maduros e
appetitosos” (Ferreira 1871 -72: I, 218). Um relance pela s obras de
referência francesa s – L’année lit téraire e t dramatique, de Gustave
Vapereau , ou o Almanach de la lit térature, du théâtre e t des beaux -arts ,
de Jules Janin – , ou pelas r evi stas li terárias a lemã s e austríacas
evidenciava “igual pobreza”:
O gosto público, como os paladares est ragados, excita -se unicamente
com fortes est ímulos; e são os enredos compl icados, as peripécias
imprevistas, os espectaculos deslumbrantes que enchem as platêas e
preocupam os espectadores (Ferre i ra 1871-72: I, 227).
O teatro cedia ao “gosto do público” e das “peça s jocosas
representadas com a plauso nos teatros públicos”, que o editor -livreiro
163
Les pauvres d e Par is subiu à cena no théât re de l ’Ambigu -Comique, a 3 de
setembro de 1856, e A pobreza envergonhada fo i no t eat ro de D. Maria II, a 12 de
ma rço de 1857. Apenas sei s meses medeiam as es t reias .
125
João Marques da Silva organizou em “Bibliotheca Theatral” (1861 –
1882)164
. Irregular a princípio – publicou oito títu los nos primei ros doi s
anos – , a coleção atingiu os 91 folhetos, divididos em doze séries de
oito165
. Na modesta e exígua loja da rua do Carmo, “sem ter livros para
vender, nem dinheiro para os comprar” (Bastos 1947b: 174), Marques da
Silva su stentava a numerosa família com a venda das comédias, cena s
cómica s, poesias e cançonetas, e, mesmo quando mudou para a travessa
de S. Domingos, a antiga cli entela de “ furiosos dramáticos” ( ib id .: ib id .)
cont inuou a procurá -lo.
Era para esta “freguesia” que a maioria das coleções populares se
orientava. A quase metade dos vinte e quatro autores que compõem a
“Bibliotheca Theatral” pertence ao teatro profi ssional, entr etecendo uma
rede cultural entr e as sociedades particulares, os teatros de sala , os
pequenos teatros de bairro e os teatros de feira166
. A coleção abre com a
reedição da s traduções de comédia s em um ato, A compadrice (La
camarader ie ou la Courte échelle ) , Os primeiros amores (Les premières
amours ) , de Scribe, e O papa-jantares (Monsieur le p ique -assiette ) , de
Dartois e Gabriel , pelo tradutor oficia l dos t eatros da rua dos Condes e
de D. Maria II , João Baptista Ferreira . A par do público lei tor, surge o
público “ fazedor”, frequentador de academias, grémios, clubes e
associações r ecreativas, em cujos palcos brilham os “curiosos
dramáticos”, representando quadro s de costumes, comédias de
entretenimento, cenas cómica s e intervalos poéti cos, imitando as récitas
dos t eatros públicos, e os a tores populares, sobre os quais r einava
164
Cf. Apêndices – 6. Tabela de publicações dramát icas de “Bibl io theca Theat ral :
col lecção de peças jocosas representadas com aplauso nos theat ros pubicos”, da
Li vraria J . Marques da S ilva (1861 - 1882). 165
Veri f i ca-se um in terregno de aproximadamente dez anos ent re a 11ª e a 12ª série. 166
João Bapt i sta Ferrei ra, t radutor oficial dos t eat ros d a rua dos Condes e de D.
Maria II (Palmei ri m 1891: 345 -353); F rancisco Xavier Perei ra da Si lva , o “Xavier
dos cartazes” ( id . , ibid . : 251-256; S ilva 1859: I I I, 93-94); F rancisco Joaquim da
Costa Braga , cont rarregra, empresário ; Pedro Carlos de Alcântara Chaves ; Carlos
Al meida, ator; Eduardo Garrido , ator , empresário, ensaiador; Manuel José de Araújo ,
empresário fei rante, proprietário do t eat ro Chalet , que ocupou o espaço do Teat ro da
Rua dos Condes , quando fo i demol ido; Augus to Garraio , ator , empresário, ensaiador;
António Pedro Bapti sta Machado , ator , empresário , ensaiador; Augus to César de
Lacerda, ator; António Sousa Bas tos , empresário, ensaiador; Joaquim José Garcia
Alagari m, músico .
126
Taborda167
, o tipógrafo que viera do t eatro particular do T imbre para o
Ginásio, e constru íra uma galeria de característicos Zés -Povinho avant
Bordalo: o Senhor José do Capote assistindo à representação do
Torrador , de Paulo Midosi , em que Taborda relata uma ida à ópera,
arremedando árias, ou o entusiasmado Francisco, do entr eato Que circo!
Que amazona! Que palhaço! , de Luís de Araújo, contando à esposa uma
visita ao Teatro-Circo de Price . A monomania de Taborda fica patente na
comédia Taborda no Pombal168, em que Sousa Bastos teatraliza uma
situação ocorrida realmente, que demonstra a adoração popular por este
a tor169
. O aristocrata provincial e furioso dramático barão de Carvalhais,
que impõe o casamento da filha Carolina com o primo Alberto, desde que
este frequente o Conservatório dramático e se torne ator, manda raptar o
fazendeiro Taborda s. Convencido de que se tra ta do célebre ator, de
passagem pela vila de Pombal , pretende que este lhe recite o seu
monólogo favorito. O pobre fazendeiro, sem conseguir di ssuadir o barão
do equívoco, a foita -se, julgando a seu favor as “ teatradas” feitas na
terra , em que representara o “Zé Cosme” e o “Alto Vareta”. O
atrevimento sai gorado, e Tabordas perde um futuro como barão por não
saber r epresentar. Tudo termina a contento com um couplet final para o
público , de quem sempre se espera o aplauso.
Várias crónicas de quotidiano, transformadas em cenas cómica s,
revela m os excessos da vida li sboeta , que atraem deslumbrados
fora steiros. Alcântara Chaves partilha, pela boca do senhor T ibúrcio, em
Um provinciano em Lisboa (2 ªsérie, nº2), a lguma aver são ao progresso
materia l, e quando regressa a casa na província profere um rotundo Não
volto a Lisboa (5 ªsérie, nº6). A interpretação bem-humorada do senhor
167
Cf. MA C HA D O , Júl io César (1871), Esboço biográfico do actor Taborda. 168
Editada na coleção Theat ro Escolhido , em 1870. 169
Trindade Coelho relata o caso , em In i l lo t empore, estudantes , l entes e fu t ricas
(1902: 300 -01, nota 1) . Taborda fo i raptado por es tudantes de Coimbra, cerca de
1858, no Sardão, quando a carruagem parou na mala -pos ta, para mudar de ca valos ,
na viage m do Porto a Lisboa. Taborda acabou por parti cipar de uma réci t a de
benefício de um es tudante, t endo dec lamado duas cenas cómicas . Como todas as
es t relas t eat rai s que representaram na Acade mia Dra mát ica, Taborda recebeu o
d iploma de sócio de méri to .
127
Tibúrcio pelo ator Joaquim Bento170
, do Teatro da Rua dos Condes, levou
Sousa Bastos a criar para e le a figura do senhor Ramalho de Fr eixo de
Espada à Cinta , de visita à capita l do Reino, em busca de um compadre
desaparecido. Assim se desenvolvem paradoxos da urbanidade
comentados por provincianos, entr e a cidade e a s serras, prosaicas cena s
inocentes da lusa comédia humana. O sucesso do Senhor Ramalho em
Lisboa teve continuidade em A volta do senhor Ramalho , todos editados
na Biblioteca Teatral, evocando a tipologia do caracterí sti co Morgado de
Fafe, de Camilo Castelo Branco, nascido no ano de 1861 .
O espírito do folhetim subiu ao palco, mas não exclusiva mente
oriundo dos grandes romances. Alcântara Chaves, que era tipógra fo,
colaborador de jornai s e procedia dos t eatros particulares, criou uma
saga teatral, uma série de momentos cómicos sobre o Desca sca -Milho,
que se r epresentaram no Teatro da Rua dos Condes, entr e 1861 e 1865, e
que percorreram o país no r epertório da s companhias itinerantes –
Luizinha a le ite ira (2 ªsérie, nº1 ), O Descasca-milho (2 ªsérie, nº1) , O
casamento do Descasca -milho (2 ªsérie, nº7) , O baptizado do filho do
Descasca-milho , A morte do Descasca -milho (4 ªsérie, nº2) e Ainda o
Descasca-milho, ou lamentações de um pai de família (5 ªsérie, nº7) :
E o publico ri com o fi lho como riu com o pae, e como há de ri r com o
neto, se a lgum auctor consciencioso fizer às pred ilecções l itterarias da
plebe o que os t ribunos fazem às políticas… exploral -as (Chagas 1865:
103; itálico original ) .
Era a dinastia dos Descasca -milho, que sucedia à do Manel
d’Abalada (1855) , iniciada por José Romano, e continuada por Alcântara
Chaves, no Manel d’Abalada, assistindo à representação da
“Probidade” (7 ªsérie, nº3 ), ou do Mestre Gaspar Caveira , seguido do
Mestre Gaspar Caveira assistindo aos feste jos reai s (1858) do enlace de
D. Pedro e D. Estefânia . É o comentário polí tico de um socialista
u tópico, colaborador do Eco dos Operários , que sai transformado em
rábula de característi cos cidadãos comuns, que usam o seu speaker’s 170
Foi funilei ro de profissão até ao f im da vida, de vido à instabil idade profi ss ional
no t eat ro . O seu t empo áu reo de grande popularidade correspondeu ao período em
que esteve escri turado no Teat ro da Rua dos Condes , na empresa P into Bastos, após
t er deixado o Teat ro do Sali t re (Bas tos 1898: 28).
128
corner do teatro para desaba far mágoa s171
: o Meeting promovido pelo
cidadão Leão Pantaleão no Circo Price (5 ªsérie, nº8 ), o Mestre Jaquim,
ou história de um funile iro contada por ele mesmo (1868), e sobretudo O
senhor João Fernandes à procura de uma posição social (1868). São
epi sódios quotidianos, questões prosaica s li sbonenses a lheias às
académicas conimbricenses.
E é também a poesia de sala , o intervalo poéti co avant-scène, que
celebra o altru ísmo – A arte não tem país , Dai aos pobres , ou Relig ião e
Arte (4 ªsérie, nº7) , recitada no teatro particular dos Anjos, por ocasião
de um benefício a favor da construção do monumento a os artistas
dramáticos – e a canção, “ língua sempre clara e fácil para ensinar e
mover a s cla sses populares” (Queirós [ s.d.]: I , 245, apud Carvalho 2013:
57), ou a cançoneta , cuja música se associa à palavra, expondo o
ridículo, e sendo mais efi caz que o panfleto, exceto quando este se torna
cena-cómica, monólogo cómico ou dramático, r evelando o raciocínio
fei to de factos argumentados:
Os pensamentos que é necessário colocar na alma do povo devem -lhe ser
apresentados como uma fórmula viva , nít ida , ou de uma manei ra
insinuante: por i sso os dois meios mais fecundos da propaganda são a
canção viva e concisa , e o panfleto, pela sua manei ra insi nuante. […] O
panfleto é um raciocínio, a canção é um grito ( Quei rós apud Carvalho
2013: 57 ).
O padrão da “Bibliotheca Theatral” repete-se na s coleções coevas.
“Theatro para todos” (1862 – 68), da Livraria Verol e Verol júnior,
publica quinze títu los, entre comédia s, entr eatos, cenas -cómica s e
cançonetas “representada s com aplauso em teatros públicos e
particulares”, do ourives José Inácio de Araújo , colaborador de
periódicos e tradutor da s fábulas de La Fontaine; do contrarregra
Franci sco da Costa Braga , tradutor de Achard e Saunière, de Vitor Hugo
171
Cf . o quadro a óleo de Édouard Dantan (1848 – 1897) Un entracte à la Coméd ie -
Française un soir d e première en 1885 (1886), que ret rata o a mbiente turbulento de
uma plateia de t eat ro ; e o de Paul -Albert Besnard (1849 – 1934), La première
d ’Hernani (1903), que recria o ambiente de es t reia dessa obra contundente, em 1830,
na sala Richel ieu, do Théât re -F rançais , e aproxima o observador do ambiente
descrito por Téophi le Gauthier , em His toi re du romanti sme (1872).
129
e Bouchardy172
; de Silva Pessoa e José Romano, publicados em coleções
anteriores, mas também do ensaiador J . A. Rodrigues Rolão173
, do Teatro
da Rua dos Condes , de quem apenas se conhece a cançoneta cómica O
asilado, representada pelo ator Augusto no mesmo teatro174
.
A “Galeria Theatral” (1862 – 64) , da sociedade tipográfica Franco -
Portuguesa, edita em duas séries, de forma irregular entre o que publicita
e o que publica , co médias em um ato do s jornalista s Eduardo Coelho e
Franci sco Serra , cofundador do Eco literário (Silva 1858-1911: IX , 299) ,
e do novel poeta -contabilista Alfr edo de Ataíde , a “ensaiar -se na carreira
das letras” ( id ., ib id . : I , 41), que se coadunam com o repertório do t eatro
de sala , que todos frequenta m, enquanto dilettanti (Ferreira 2011: 49).
O “Theatro Escolhido” (1864 – 1872) , tendo o jovem Sousa Bastos
como editor li terário – inicia lmente para a livraria de Campos júnior ,
depois para a Agência Literária e Teatral , e, por fim, para a sua Livraria
Económica de Bastos & irmão – , publicou 36 espécies, em seis séries,
entre drama s, comédias, cena s cómica s e poesia s, dos tr adiciona is
autores populares – Costa Braga , Romano, Alcântara Chaves e Garrido – ,
a que se adita o a tor Queiroz (Raimundo de Queiroz Sarmento ), o
jornalista -conti sta Franci sco Leite Bastos e o próprio editor li terário,
que hegemoniza a coleção, a partir da 4 ª série , com as suas “ tentativas
literárias” . Os t eatros do Príncipe Real , do Cir co de Price, da Floresta
Egípcia , de Belém, e de Alhandra são as fontes recentes de realização
172
Cons ti tu íu a Empresa Edi tora Matos j únior & F. C. Braga, que edi tou a Galeria
dramática: col lecção d e dramas , coméd ias , scenas cómicas e poesias representadas
nos t eatros portuguezes (1865 – 1868), que publicou apenas oi to folhetos, com obras
suas , sendo o ú lt imo a comédia -imi tação Maldi ta campainha, do jove m a utor Thomaz
Lino de Assunção , que havia escri to anteriormente duas comédias – O cr iado de
minha mulher e Dormir acord ado -, quando es tudava Let ras em Coimbra, e aí
representadas . A segunda comédia, originalmente in ti tu lada Boni fácio , o sonâmbulo ,
chegou ao palco do teat ro do Ginás io a 16 de março de 1866. 173
Foi ensaiador do drama hi s tórico 1640 ou a Restauração d e Por tugal , “a rainha
das peças sobre a re vol ução de Sei scentos” (Perei ra 2004:78), de F ranci sco Duarte
de Al meida e Ar aújo e F ranci sco Joaquim da Cos ta Braga , que o censor li t erário
S ilva Tul l io aprovou enquanto obra l it erária, ressalvando o caracter pol ít i co da
mes ma. O drama subiu para conhecimento do governo e ap reciação do Conselho
Superior de Ins t rução Pública que recomendou al t erações t extuai s. Cf . a es te respei to
P ERE IRA , Maria da Conceição Mei reles (2004), “A pena em vez da espada: t eat ro e
ques tão ibérica”, Li teratura e His tór ia – Actas d o Colóquio Internacional . Porto,
vol . II, pp .78 -79 . 174
Cf . Apêndices – 7. Tabela de publicações dramát icas de “Theat ro para todos”, da
Li vraria Verol e Verol júnior (1862 – 1868).
130
espeta cular das obra s editadas. Uma coleção que especializa o gosto dos
profissionais de teatro por composições ligeiras – à exceção da s
comédias-dra ma de Leite Bastos – , destinadas ao grande público, em
tudo opostas ao gosto cultivado nos t eatros de sala175
.
O univer so comum espelha -se nos enredos dos quiproquós de humor
ingénuo que delicia m as salas populares. Comédias breves, que mais
parecem entr eatos cómicos, poesias dramáticas, a fins dos eternos elogios
ao público, cenas -cómica s feitas crónica s de quotidi anos simples, tudo
serve o divertimento. Sousa Bastos, então com vinte anos, dá à estampa
as suas primeiras composições para o teatro profi ssional – a poesia
dramática Ao público , recitada pelo ator Soares, e a cena -cómica O
tabaco livre , desempenhada pelo ator Queir ós, a mbas no Teat ro da Rua
dos Condes – , e para o teatro de amadores – a comédia As figuras de
cera , escrita para a Sociedade Curiosidade Dramática , do teatro
particular da rua de Vicente Borga , à Esperança, de que faziam parte o
autor, seu condiscípulo Leopoldo de Carvalho176
, ensaiador do grupo, o
a inda amador Ca rlos Bayard177
, o fu turo empresário de espetáculos
Ernesto Desforges178
, e as a trizes a inda amadora s Amélia Vieira179
e
175
Cf . Apêndices – 8. Tabela de publicações dramát icas de “Theat ro escolhido:
Col lecção de dramas e comédias”, da Livraria de Campos júnior (1864 – 1872). 176
Actor e ensaiador t eat ral, principiou pela carrei ra comercial , frequentando,
posteriormente, a Academia de Belas -Artes , onde estudou desenho de f igura.
Aprendeu també m a gra vação e m madei ra. Como a mador de t eat ro , frequentou
diversas sociedades parti culares . Optou pela carrei ra dramát ica, em 1864. Tendo t ido
como professor Duarte de Sá, concluiu o curso de Arte Dramát ica, co mo pens ioni sta,
pres tando prova públ ica no Teat ro de D. Maria II , e m 22 de Maio de 1867, nas peças
O mealhei ro e Viagem à China, sem consegui r obter class i fi cação pos it iva. Percorreu
as sociedades amadoras da província, acabando por ser escri turado, em 1869 , pelo
actor José Carlos dos Santos , para o Teat ro do P ríncipe Real , de Lisboa, onde se
mante ve até 1870, t rans it ando para o do Ginás io , donde nunca mais saiu , a não ser
no ano em que fo i ensaiador no Porto . Traduziu e imi tou diversas co médias para o
repertório do Ginásio (Bastos 1898: 74 -75). 177
Ator que, no t eat ro amador e no in ício de sua carrei ra profissional , em 1865, na inauguração do teat ro do P ríncipe Real , promet ia ser uma re velação, ao ponto de
F rancisco Palha o cont ratar para o t eat ro da Trindade , mas que não correspondeu às
expectativas . Es teve cont ratado no teat ro do Ginásio em pos ição sat is fatória, mas ,
devido a doença, fo i sendo relegado para segundo plano. Seu amigo Desforges
apoiou-o , cont ratando -o para o Teat ro da Avenida , onde pouco fez. Posteriormente,
fo i escriturado no Teat ro de D. Maria II , dese mpenhando mod es tos papéi s na
Empresa Rosas e Brazão, com a qual t rans itou para o t eat ro de D. Amé l ia . Acabou
por se ret i rar da cena, por razões de saúde (Bas tos 1898: 348 -49; id . 1908: 202). 178
Escritor e empresário t eat ral , d i rigiu em diversas épocas os vários teat ros de
Lisboa, além de out ros recin tos de diversão. P rimei ra mente, foi empresário do
Teat ro da Rua dos Condes , de sociedade com seu cunhado José Torres .
131
Jesuína Marques, entr e outros que não seguiram a profi ssã o, nem
atingiram o prestígio destes no panorama teatral popular da segunda
metade de Oitocentos .
Desta nova geração t eatral, esperar -se-ia a lgo mais do que o
prolongamento do gosto dos teatros de bairro, mas ta l não acontece. O
teatro assume-se como forma comercial, como “ mercado factí cio”
perver samente contrário à ideologia garrettiana. Na realidade, o gosto
público formara hábitos, a necessidade su stentava o teatro, ma s não era o
“grande meio de civili zação”, que o setembri smo aspirara; eram tempos
de melhora mentos materia is, época moderna de liberdade de escolha de
assuntos, sem a verdade dos sent imentos e afetos da geração romântica,
nem o “estudo microscópico da forma” (Silva 1848b: 107). Ainda que
apelidadas de comédias, estas peças curtas d e sabor naturalista ,
retra tando tipos populares, sem preocupações de estru tura dramática
elaborada, nem desenvolvimento de enredos para a lém de uma mera
realidade facilmente identi ficável a través das suas caracterí stica s
elementares, l embram os – tão em voga – sa inetes.
As comédias de Sousa Bastos cu mprem a r egra dos quiproquós, dos
equívocos amorosos provocados por ciú mes e confusões de ident idade,
“riscos e perigos do casamento em geral” (Bastos 1871: 11), a coberto do
escuro da noi te, como em Figuras de cera , ou às claras, como em Lição
às mulheres . Estas tiranias do amor, guerra de sexos, tra ições conjugai s,
pretendendo demonstrar a “coragem para suportar a desgraça dos outros”
( id . , ib id . : 15), e que os “maridos não são tão tapados como os
apresenta m no teatro” ( id . , ib id . : 23), reproduzem um quotidiano
pequeno-burguês, sem a dimensão dramática de flaubertianas Bovarys ou
de queirosianos Basílios.
Posteriormente, alugou o Tea t ro do Ginásio , onde apresentou a primei ra companhia
de opereta i t al i ana em Lisboa, a co mpanhia F rigerio , que não teve o sucesso
previ s to . Di rigiu o Teat ro -Ci rco de P rice nos úl timos anos de exi stência deste
edi f í cio , onde promo veu espetáculos que at raíam grande públ ico, mes mo da
província. De sociedade com os cavalei ros Enrique Díaz , Alexandre Mó e o palhaço
Whi ttoyne, explorou o Teat ro dos Recreios . Foi um dos fundadores do Teat ro da
Avenida, e promotor das batalhas de flores nessa nova artéria da capi tal. Para o
t eat ro escreveu obra d iversa, que subiu à cena com sucesso (Bas tos 1898: 302 -3). 179
Casou com o ator José Carlos dos Santos , o Santos pi torra, sendo fru to da relação
o ator Carlos Santos .
132
O enredo imitado de Figuras de cera , com entradas, por janelas, de
protagonistas em fu ga por t elhados, a lembrar um epi sódio de boulevard
de um aportuguesado Roberto Macário, mistura no mesmo equívoco a
metateatralidade, o divertimento de feira das “peças pantomímica s”
(Bastos 1864: 26) – bonecos de cera tão credivelmente reais que
despertam medos – , e a crítica aos “dramas de punhal” do Teatro-Circo
de Price. Nesse apelativo gosto macabro, encontrou Sousa Bastos a
possibilidade de adaptação do enredo a um carnavalesco Traupmann e
seus cúmplices . Nesta comédia, que segue li teralmente o texto da
primeira , t irou -se partido do efeito jornalísti co em torno do massacre de
Pantin, em que o jovem Jean -Bapti st e Traupmann (ou Tropmann) fo i
guilhotinado pelo assa ssínio da fa mília Kinck. O caso francês,
amplamente relatado fez o sensacionalista Petit Journal tr iplicar as
vendas à sua custa e mobili zar a opinião pública europeia . Condenado a
30 de dezembro de 1869, o autor confesso do crime foi executado em
janeiro do ano seguinte, e Sousa Bastos fez subir a su a comédia, no
teatro das Variedades, a 19 de dezembro daquele ano, em pleno clima
truculento180
. O horror, que Ivan Turgueniev r egi stou no artigo Kazn’
Tropmana (A execução de Troppmann ) , a propósi to da gente que,
desrespeitando a dignida de humana, exultava com o espetá culo público
da execução, confronta -se com a ligeir eza com que a comédia portuguesa
explora esse fa it d ivers, criando um equívoco onomá stico, passível de
signi ficados antagónicos, entre o nobre móbi l anarquista e o vil
assassino a soldo. Faltou a Bastos o que Camilo colocou em O
condenado : a lembrança elevada de um “pungente a contecimento” coevo,
180
Cf. GRA MFO RT , Véronique (1997), «Les cri mes de Pant in: quand Traupmann défrayai t l a chronique», Romant i sme : Revue d u Dix-neuvième s iècle, vo l . 27, n ª 97 ,
Le fai t d ivers , pp . 17 -30. [ht tp :/ /www.persee. fr / i ssue/ roman_0048 -
8593_1997_num_27_97 ]. Segundo a ensaís ta, o caso apresenta contornos dúbios ,
sobretudo numa época de contes tação ao regime pol í t i co do Segundo Imp ério . A
celeridade com que o processo se resolveu i mpl icou sobretudo uma operação de
credibil idade do poder pol icial. Ent re o crime soli t ário , movido pela âns ia de
d inhei ro, o crime pol í ti co e a poss ível exi stência de cúmpl ices, os di ferentes setores
da opinião pública – “la rumeur et l es canaux populai res de l a chanson, des
brochures et des cabaret s , l es résonances […] chez l es hommes de l et t res ou de
pensée” (1997: 30) – tornaram o caso numa das mais re veladoras est ru turas do
ima ginário criminal oi tocenti s ta ( id . : ibid . ).
“drama de angústias e de sofrimento”, que provoca sse um “calafrio, um
estr emecimento” no auditório (Vidal 1871: 11).
Deste acervo de comédias assentes em mot ivações de banalidade,
badinages, segundo Eduardo Vidal (1871: 20), tão contrárias ao espírito
de independência nacional vivido neste t erceiro quartel de Oitocentos,
guarda-se a sensação de uma vontade de r epresenta ção dramática popular
apolítica , em contraciclo com a literatura que entrava “mass ivamente na
políti ca” (Pereira 2004: 71), quando se fabricavam memória s
legitimadora s dos interesses presentes que antevissem rumos futuros
( ib id .: ib id .) , contrariando o sentimento de decadência nacional .
Bibliotheca Lisbonense (1865 – 1873)
Outras coleções prosseguem interesses de l eitura menos
imediatista s, embora retomem a tradução de obras francesas recentes,
como este repositório híbrido, iniciado em Outubro de 1865, por Joaquim
José Anaia181
, professor do ensino livre, que falava fluentemente francês,
inglês e la tim, e a quem se deveu a tradução de romances e de muitas
peças populares para os t eatros públicos de Li sboa, na segunda metade
de Oitocentos (Pato 1894-1907: I , 58). A “Bibliotheca Lisbonense”182
publicou mensalmente dra mas, comédias e romances183
, em traduções e
imitações do seu editor l i terário, de Rangel de Lima , de Henrique de
181
Era f i lho do b rigadei ro Anaia, l iberal que prescindiu de mordomias , por col id i rem
com as suas convicções pol í ti cas . Segundo o seu amigo de infância Bulhão Pato
(1894-1907: I,58), Joaquim José tinha t anto de fo lgazão como de alt ru ís ta. Em 1847,
ano da febre-amarela, t rabalhou como voluntário nos batalhões organizados cont ra
esse f l agelo. Em 1849, cons ti tuiu famí l ia com Emí l ia de Sá do Amaral , e fundou o
Ins t i tu to Li terário , na rua de Buenos Ai res , em Lisboa, de onde saí ram nomes
i lus t res , como José Tomás de Sousa Mart ins . Em 1855, quando o colégio encerrou
portas, J . J . Anaia t rans itou para a Escola Acadé mica, onde se conservou até 1882.
Foi proprietário , em conjunto com Carlos Borges , do periódico O Ensino L ivre
(1871). 182
Cf. Apêndices – 9. Tabela de publicações dramát icas de “Bibl io theca Lisbonense”,
de Joaquim José Annaya (1865 – 1873). 183
A coleção teve d i ferentes impressoras : Li sboa: Tipografia de Vicente Alberto
Go mes dos Santos , rua d a Vinha, 51 -53 (1865-6; 1867); Li sboa: Tipografia da
B iblio teca Cláss ica, Rua do Norte, 112 (1866); Li sboa: Tipografia Lus itana, Largo
de S. Roque, 7 (1866); Li sboa: Tipografia Comercial , Largo de S . Domingos , 12
(1867-68); Li sboa: Tipografia da Bibliothec a Lisbonense, rua do Duque, ao Carmo,
36-38 (1868-9); Li sboa: Tipografia Lus itana, Rua Nova da Palma, 89 -93 (1870);
Li sboa: Tipografia Comercial , rua do Cruci fixo , 62 -66 (1870-1); Li sboa: Tipografia
do «Ensino Livre », rua do Cruci fixo, 62 -66 (1872); Li sboa : Imprensa Come rcial , rua
do Cruci fixo , 62 -66 (1873) .
134
Oliveira júnior e de Carlos Borges, entre outros, enunciados na edição de
ju lho de 1866:
Outubro 1865, Jorge, o marinheiro , comédia em 1 acto. Novembro –
Dezembro, A Vida de um rapaz pobre, comédia-drama em 5 actos e 7
quadros. Janei ro – 1866, Tribulações de um Herdeiro , comédia em 3
actos, Adriana , romance. Feverei ro - Uma lição aos maridos, comédia em
1 acto, Ilusões e Dores, romance. Março - Um naufrágio nas costas da
Bretanha, drama em 4 actos, O Segredo da Confissão, romance. Abri l -
Um Naufrágio (32 pp), O Segredo (32 pp). Maio – Um Naufrágio
(conclusão), O Segredo (conclusão), Um Creado Amo, comédia em 1
acto. Junho – Matheus, o braço de ferro , comédia em 2 actos, Uma noite
de martyrio, romance. Julho – Hade [sic ] servir-me de lição, comédia em
1 acto, A Promessa, romance.
A dir eção motiva o interesse dos assinantes, a tribuindo br indes
tr imestrais. Partituras musicai s de conhecidas polcas, mazurcas e valsas,
para piano, flauta ou canto, entre as quais se contavam composições do
próprio Anaia , despertam outros inter esses para a lém da l eitura das
obras, convocam ao convívio no domicílio e à propagação e
desenvolvimento de atributos artísticos de uma cla sse média i lustrada a
preços módicos:
A Bibl iotheca Lisbonense vencendo todos os obstáculos que sempre se
opõem ao progresso de empresas desta ordem, tem conseg uido sati sfazer,
quanto em suas forças cabe, aos desejos de seus assinantes, excedendo
sempre os compromissos que se impusera no seu 1 º número. A
Bibliotheca Lisbonense publ ica todos os meses um acto de comédia ou
drama representado em algum dos teat ros da capi tal , e duas ou t rês folhas
de romance, ao todo 64 páginas, pelo diminuto preço de 100 réis. Em
Junho foi dist ribuída aos srs assinantes, como brinde, uma Polka inglesa,
em Setembro uma Valsa, e em Dezembro será dist ribuída uma boni ta
Mazurca . Nos mese s de Março, Junho, Setembro e Dezembro – os sr s
assinantes receberão sempre, como brinde, uma Valsa – Polka – Mazurca,
e tc. Esta Bibl iotheca tem conseguido publicar por menos de 200 ré is,
romances, que, em França, onde são muito mais cómodas as despesas de
impressão, custam 3 fr e em Lisboa 600 ré is (Anaia 1867: cont racapa) .
O modus operandi ter-se-á demonstrado proveitoso, influ indo, a
partir de 1871, na qualidade dos brindes, a cujo aspeto in telectual se
acrescentou um melhoramento materia l. Com a publicação da ú ltima
folha dos romances pa ssou a ser distribuído um bilhete com tr ês
números, definidores do prémio, segundo a loteria da Miser icórdia de
135
Lisboa, após publicação do referido folheto. Ao primeiro prémio
corresponderia um “broche de ouro ou um par de botões de ouro para
punhos”, e ao prémio imediato, “uma bol sa de prata”.
A coleção ret oma o espírito das traduções/imitações. E se, na sua
maioria , as imitações publicadas diluem na quase totalidade a referência
às obras originais, as traduções deixa m bem claro a proveniência autoral,
e o apreço qu e J . J . Anaia lhes dedica, mesmo que inomin ados: Octave
Feuillet, Le roman d’un jeune homme pauvre (A vida de um rapaz
pobre )184
, Victor Séjou r, André Gérard (André Gérard ) , Eugène Sue, Les
mystères de Paris (Os mistérios de Paris )185
, Antier, Saint -Amand e
Lemaître , Robert Macaire (Roberto Macário ) , Desnoyer e Dennery, La
bergère des Alpes (A pastora dos Alpes ) , Dennery, Le château de
Pontalec (As fidalgas de Pontalec ) , Pierre Berton, Le vertue de ma
femme (Uma ideia imprudente ) e Eugène Scribe, L’artis te (O artis ta ) .
As escolhas de Castilho e Mello: Theatro contemporaneo (1869 –
1873) e Bibliotheca theatral (1874 – 1875)
Dirigida por Augusto Ernesto de Castilho e Melo e pelo Dr.
Guilherme Celestino, a publicação “Theatro Contemporâneo” , em quatro
volumes186
, com periodicidade anual, pretende ser a lgo mais do que u m
repositório de obras dramáticas187
. No “cavaco aos sr s. Assignantes”, qu e
184
A respei to da sua es t reia no Teat ro de D. Maria II , cf . C HA G A S , Manuel P inhei ro ,
“Artes e Let ras”, Annuar io do Archivo Pi t toresco, nº 16, Abri l, 1865: 126. 185
Anaia refere t ratar -se de uma t radução a part i r de versão espanhola. Poderia ser a
versão dra mát ica Los mis térios d e Par i s , de Vicente Lalama, edi tada em duas partes ,
em 1848 (Rubio Cremades , 2008). 186
Cada série de 4 volumes , por ass inatura, cus tava 1$800 réi s ; avulso , 2$250. Cada
volu me a vulso s imples orçava 500 réi s ; com biografia e ret rato val ia 600, e com
duas subia para 700 réi s. Adqui riam-se na Li vraria de S i lva Júnior & Cª, e na de
Campos Júnior, em Lisboa. As livrarias do Porto e das províncias for am anunciadas
posteriormente pela imprensa. As cont racapas da coletânea são preenchidas com charadas assinadas por Duarte de Sá , o senhor calembourg al i ciando os assinantes
com quebra-cabeças , cuja resolução e remessa aos edi tores conferia aos t rês
primei ros “abelhudos” o di rei to à receção grát i s do volume seguinte. O prémio
es tendia-se a quem en viasse as t rês melhores charadas ou logogri fos dent ro do
mes mo prazo. 187
Quando o solicit ador e cami l iani s ta Diogo José Seromenho assumiu a sua
continuidade, em 1874, a empresa passou a configurar o modelo das coleções avulsas
congéneres . E ainda que referi sse o ano de 1869 como dat a fundadora, a nova
b ibl io teca passou a designar -se “Theat ro contemporâneo de Diogo José Seromenho”.
Quer individualmente, quer em sociedade com A. Rebelo Palhai s , ou A. César de
Vasconcelos , indica-se, em catálogo de cont racapa, que “todas as peças são próprias
136
prefacia o 1º volu me (1869), os editores lit erários desculpam -se pelo
incumprimento do prospeto, o a traso de um mês, e apelam à
condescendência dos leitores, com promessas r etorcida s de benesses
fu turas que, todavia , se não desvendam. Golpe publicitário, dando com
uma mão e r etirando com outra , para justifi car a ausência da biografia do
ator José Carlos dos Santos, r edigida por Manuel Roussado , autor de
Fossilismo e progresso, entretanto nomeado cônsul em Cádis, pelo
marquês de Sá da Bandeira .
Eis a novidade da empresa. Além das obras dra máticas,
acrescentava a aprecia ção críti ca do a no t eatral antecedente e divulgava
o registo biográfico, a companhado de retrato, de um ator de primeiro
plano da cena portuguesa coeva. Em tempo de vedetas da cen a, a sua
importância era reconhecida como mais -valia promocional, e u tilizada
pelos periódicos nos seus propósitos divulgadores, criando u m sist ema
que interligava os di fer entes setores da produção dramática, da
realização do espetáculo e da receção estéti ca. “Theatro contemporâneo”
prometeu as biografia s de Emília das Neves e de João Anastácio Rosa
(pai) , por doi s colaboradores, de que guardava o “incognito”.
Todavia , a Linda Emília nunca consentiu em ser biogra fada.
Debalde o t entaram Júlio César Machado e António Fel iciano de
Castilho, e só Luís da Câmara Leme , acobertado como “um dos seus
admiradores”, se permitiu coligir documentos para a biografia da mulher
amada. Como tal, o segundo volume publicou a fotogra fia conjunta dos
atores Rosa, pai e filho, cabendo ao polemista Ed uardo Vidal , autor de
Guelfos e g ibelinos , redigir a biografia daquele que se retira va da cena
para se dedicar à escultura188
, deixando que o filho prolonga sse a escola
paterna na r ealização plásti ca do espetáculo, numa transmissão de
para representar em teat ros públ icos e part i culares”. Sem a preocupação de const itu i r
volu mes anuai s , a coleção at ingiu mais de um centenar de fo lhetos: Diogo José
Seromenho (71 tí tu los) , Augusto César de Vasconcelos (12), Al fredo de Sarmento
(8) , António José Rodrigues Lourei ro (6) , Pedro Cabral (3) , Júl io Rocha (3) , José
Romano (1) , A. Rebelo Palhai s (1) , Jú lio Howorth (1) , Jorge Salguei ro (1) , J. R.
Chaves (1) , Carlos de Almeida (1) , F ranci sco Jacobet ty (2), Eugénio Rocha (1) . 188
É de sua autoria o bus to em már more de Al meida Garret t , que se encont ra no át r io
do Teat ro de D. Maria II, inaugurado a 9 de nove mbro de 1868.
137
testemunho intergeracional, confessadas na s Recordações de scena e de
fora de scena , de Augusto Rosa .
Para contentamento dos l eitores, ficava a promessa para o t er ceiro
volume do r etrato e biogra fia de outra Emília , a Adelaide P imentel , a
quem se reconhecia m “profundas qualidades de averiguação e de estudo”,
com Duarte de Sá , na Escola do Conservatório, e na viagem a Paris, onde
aprendera novos recursos e meios inéditos de interessar e de comover,
dando à produção artísti ca o “ toque final e veemente que é em todas as
criações da arte como aquelle clarão supremo […], o mystico segredo
d’essa luz estranha e deslumbrante que assignala as obras primas aos
olhos da multidão offuscada” (Ortigão 1871: 15). Todavia , Ramalho vai
a lém dos limites biográficos per sonalizados, debuxando o retrato da
mulher -atriz, na defesa de uma emancipação femini sta , à Dumas filho,
dessas mulheres “equívocas”, para quem o t eatro funciona como “espécie
de clausura”, quando o mundo lhes fecha a porta:
A vida de uma at riz é um título para que não há obra, assim como a vida
particular da act riz é quasi sempre também uma obra para que não há
t itulo. […] A sociedade divorcia -se de todas as mulheres de ta lento
que esposam a arte (Ortigão 1871 : 3 ).
O teatro, onde a “mulher artista” compra a liberdade com o “preço
da solidão”, é o “ cenóbio melancólico” da sua independência . Negando -
lhe as “cousa s suaves, á speras ou pungentes” da s outras mulheres, a
sociedade condena a a triz, tão “fraca, débil, inexperiente” qu anto as
outras mulheres, a “rasgar com o trabalho a s entranha s duras da terra em
que se semeia o pão dos fortes” ( id . , ib id . : 4 ); “poderá vir a ser mulher
de algum homem, ma s não poderá mais deixar de ser para todo o sempre
o homem de si mesma”. O teatro passa a ser a pátria , a famíl ia e o lar.
Ela será a “esposa do público”, um marido caprichoso e volúvel, que
tanto ama com entusia smo, como a apostrofa com raiva. Ela será a
“escrava da glória” , que procura durante metade da vida, e da qual foge
na outra me tade. E a glória , que “está para o ta lento dos artist as, como a
sede para a febre dos enfermos”, consome -a por dentro, nu ma “espécie
de convenção a que está presa a feli cidade e de que depende a
138
exi stência” ( id ., ib id . : 5 ). Qual Arlequim, a a triz serve doi s amantes: o
homem de espírito que a acompanha solí cito e a presenteia , e que a
requesta tanto quanto o outro, o público, o “querido anonymo eleito do
seu cora ção”, que “nem aprecia nem agradece” ( id . , ib id . : 8-9), mas por
quem ela sacri fi ca tudo.
A le itura amena das obras dramáticas do “Theatro contemporâneo”
complementa -se com a crónica de Eduardo Vidal , o defensor de Castilho,
que, na secção “Revista Theatral” , faz “apreciação críti ca , destinada a
memorar os sucessos t eatrais” do passado recente , reconhecendo que a
vida lit erária se achava “debi litada por fa lta de alimento próprio”, sem
“favores convidativos, nem incita mentos honrosos”, daí resultando o
“esmorecimento inevitável” . Os escritores ocupavam -se com a políti ca , e
as fileiras li terárias fi cavam desertas, para g rande prejuízo do t eatro
(Vidal 1869: 241-42):
Não teremos nós la tê te dramat ique , como os franceses l ’épique? –
perguntava há quarenta e sete anos o nosso primeiro dramaturgo, no
prologo de uma das suas composições notáveis. Eu creio que a não temos
fecunda; além d isso o povo educado pelo gosto das peças est rangei ras,
afoito ao sabor dos manjares de um contexto e special , nem sempre se
regala com os pratos da casa, apezar de toda a sua nacionalidade de
pregões ou de inst inctos (Vidal 1869: 242).
A ausência de produção dramática nacional justif icaria , a té certo
ponto, a necessidade de obras traduzidas, dando -se primazia ao bom
gosto do teatro francês, pela “vivacidade do diálogo e pelo enredado do
contexto” ( ib id . : ib id .) , “ índole” do povo, capaz de “borboletear” , de
“construir um drama sobre o bico de um al finete”, tão di ferente do
andamento português “sobre bases mais seguras” ( id . , ib id . : 243):
Sardou anda ha não sei quantos anos a queimar maços de cartas para
esquentar a verve; e o publico de cá e o de lá ainda se não cansou de
Esta condescendência seria razão suficiente para que uma proveitosa
“comunicação de ideia s” ( ib id .: ib id .) intercultural animasse os editores
do “Theatro Contemporaneo” a criar uma compilação de obras traduzidas
do francês, tão ao gosto da atacada escola coimbr ã, umas inédi tas, outras
139
representadas no teatro de D. Maria II , ao tempo gerido pela mão hábil
de José Carlos dos Santos. O primeiro volu me (1869) edita duas das
primeiras obras de Edmond Gondinet189
, O Conde Jacques (Le Comte
Jacques , 1868) , traduzida pelo editor li t erário Castilho e Mello , e A
gravata branca (La cravate b lanche , 1867) , por Pinheiro Cha gas190
; e a
comédia-vaudevill e Dois perdigueiros n’um rasto (Deux nez sur une
piste ) , de Marc Michel e Adolphe Choler191
, por Lavínia de Ca stilho e
Mello (L .C.M.). Para o segundo tomo (1870), Guilherme Celestino
traduz livremente o drama de Anicet -Bourgeois e Michel Masson, Marie-
Rose (A doida de Montemayor ) , e Castilho e Mello, o grande sucesso
parisiense de Jules Moineaux192
, Os dois surdos (Les deux sourds) . O
terceiro volume (1871) integra apenas a tradução livre do drama em
cinco atos Les amours de Paris (Os amores de Paris ) , de Dennery e
Lambert -Thiboust (pseud.) , por Castilho e Mello . O último volume
(1873) contém apena s traduções pelo editor principal e por Lavínia de
Castilho e Mello: o drama Júlia (Julie ) , de Octave Feuillet , a s comédias
Meninos grandes (Los niños grandes ) , de Henriqu e Gaspar e História
antiga (Histoire ancienne ) , de Edmond About e Émile Nanjac , pelo
primeiro, e a comédia Em casa da avó (On demande una lectrice )193, de
Paul Siraudin e Al fr ed Delacour (pseud.) , pela segunda.
Terminada a publicação do “Theatro contemporâneo” , Casti lho e
Melo associou -se a Ari stides Abranches na constitu ição da “Bibliotheca
Theatral” , com escritório na editora Carvalho & Cª, com o objetivo de
publicar textos dramáticos originais ou traduzidos, prolongando o
espírito da anterior. A a ssinatura previa séri es de tr ês volumes, que
“para garantia e comodidade” dos a ssinantes podia ser paga por folha s,
189
Foi in icialmente funcionário público em Li moges , t al co mo seu pai , carrei ra que abandonou quando era funcionário do Ministério das Finanças , para se dedicar
in tei ramente à escri t a dramát ica. Escreveu peça sobre a vida pari siense, com especial
relevo para a descrição dos funcionários públ icos que bem conhecia. Escreveu e m
colaboração com Alphon se Daudet e Eugène Labiche, ent re out ros . 190
As cenas I e II fora m edi tadas no Almanach Tabord a para 1869 (Lisboa: Tip .
Uni versal de Thomaz Quintino Antunes) , pp .162 -169. 191
Di retor do Théât re du Palais -Royal , ent re 1868 e 1879. 192
Pai do escri tor Georges Courteline , com quem part i lha o mesmo gos to pela
comédia de s ituação, em que t i ra partido da comicidade de s imples quiproquós. 193
Es te original francês t eve t radução -imi tação pos terior por Penha Coutinho, com o
t ítu lo A costurei ra .
140
fascículos ou volumes. As obra s foram editadas ao ritmo de “duas folhas
por semana”, imediatamente di stribuídas aos a ssinantes de Li sboa, Porto
e Coimbra. Para outras localidades do reino, ilhas e Brasil , a remessa
fazia-se por fascículos, compondo uma peça completa , cujo custo seria
consoante as folha s que contivesse. Nas localidades em que existi sse
correspondente , seria da sua responsabilidade a entr ega e cobrança das
obras. Em outras circunstância s, estas seriam remetida s por corr eio,
contra o pagamento por vales ou estampilhas194
.
Como forma de ali ciamento a quem promovesse a venda de doze
assinaturas realizávei s, a empresa oferecia um exemplar grátis e as
regalias dos assinantes. Demonstrando maior ousadia , foi incrementado
um concurso entre os assinantes, a tribu indo prémios por cada série. A 1ª
compreendeu 3 prémios, equivalentes a cada volume editado: um bilhete
de loteria de Lisboa, um estojo de garfos e facas de sobremesa com
cabos de prata , uma inscrição da Junta de Crédito Público no valor
nominal de 100$000 réis, respetiva mente195
. Não terá sido por fa lta de
incentivos materia i s que a coleção não pa ssou desta primeira séri e,
quando tanto prometia pela qualidade dos colaboradores.
Para a lém dos editores literários Castilho e Melo e Ari stides
Abranches, ampliou -se a variedade de tradutores/imitadores e de
repertório publicado, rela tiva mente à coleção “Theatro contemporâneo”,
mantendo-se, porém, o ju ízo de compendiar obras de r efe rência ,
194
A es t ratégia promocional u ti li za o verso de capa e de cont racapa para indicar as
condições de venda, no cont inente e i lhas , e para o Brasi l. Para os ass inantes do
Cont inente e Ilhas cada volume cus tava 500 réi s . Por fascículo , varia va consoante o
número de fo lhas , custando 20 réi s «cada [fo lha] de 16 páginas». Em mo do avulso , o
volu me brochado, cus tava 600 réi s . O preç ário para o Brasi l , pago adiantadamente,
es t ipulava 1 $250 réi s , por volume, e 3 $600 réi s , por série. As remessas para o reino
e para o es t rangei ro seriam «francas de porte» para os ass inantes . Aos l ivrei ros e
cobradores a empresa oferecia uma co missão de 1 0 por cento , ou o dobro, no caso de se sujei t arem às cont ingências da cobrança, pagando as ass inaturas adiantadamente
ou no ato da receção dos exemplares . 195
Os prémios para o 2º e 3º volume era m at r ibuídos ao assinante que t ivesse
subscri to os volumes ante riores . No 2º fascículo, do 3º volume, surge o nome do
contemplado no sorteio do 1º volu me: José Maria Ferrei ra Al mendro , da vi l a de
F rontei ra. Esta informação permi te a val iar a abrangência geográfica da Bibl io teca
Teatral . Na cont racapa, do 5º fascículo , do 3º volume, anuncia -se o ven cedor do 2º
prémio, o “s r . José Lopes de Olivei ra Velho , thesourei ro da câmara municipal de
Lisboa”. Não tendo passado des te ú lt imo volume, desconhece mos o feli z
contemplado com os forçosamente t ão ambicionados 100$000 réi s do Crédito
Públ ico .
141
constitu indo u ma biblioteca de leitura doméstica , espécie de álbum de
família , que denota a moda conservadora da burguesia letr ada. Entre
originai s e traduções/imitações, a seleção exala uma espécie de ú ltimo
suspiro da “sociedade do elogio mútuo” (Martocq 1975: 39), perante as
nova s regra s de bom gosto reali sta . Os intervenientes na coletânea
encontram-se d iretamente ligados ao grupo de Ca stilho , t endo o sarcasmo
de Biester, em Os sabichões , a primazia de fascículo de a bertura do
primeiro volume.
A peça, representada no t eatro de D. Maria II , a 21 de dezembro de
1872, durante a gerência da empresa Santos & Cª , era uma “espécie de
máquina de guerra montada em palco” (Medina 1974: 51), possivelmente
instigada pelo próprio Castilho (Martocq 1975: 43), que trazia à memória
a polémica em torno da Conferência do Casin o, no ano anterior196
.
T ratar-se-ia de uma “peça capita l no processo movido cont ra Teófilo
Braga” (Medina 1974: 49), a “cabeça visível da federação dos moços
‘germânicos’” ( id ., ib id . : 52), a geração antagonista de 1865 -66, que,
volvidos cinco anos, se tornara mais aguerrida. A peça passou à margem
da crítica dos hi storiadores de teatro, salvo a referência de Sampaio
Bruno, em A geração nova (1886), e do próprio Teófilo , acu sando a lu ta
de Biester, em As modernas ideias da literatura portuguesa (1892, II) . O
títu lo da comédia alude ao epíteto com que A Nação classi fi cara o grupo
do Ca sino, em artigo a ssinado por “um inimigo dos sabichões” (Medina
1974: 53).
A picardia ganha contorno inci sivo, se tivermos em conta que a
tradução libérrima de Les femmes savantes , por Castilho , em 1867, foi
publicada no mesmo ano da comédia de Biester , com o títu lo As
sabichonas . Se o molier esco pedante Trissotin, travestido em castilhiano
Pancrácio, arenga sobre poesia , academia s, gabinetes cientí fi cos e bela
linguagem, caricatura das novas r egras do bom gosto, qu e Castilho
reprova, em especial quando oriundas da Alemanha, t ambém o
196
A es te respei to cf. MED IN A , João (1974), “Uma peça cont ra a geração de 70: Os
Sabichões, de Ernesto Bies ter”, Colóquio Let ras , nº 21 (set. 1974), pp. 48-64.
142
“sabichão” Gaspar Moreira , de Biester, com ressonâncias caricaturais de
Teófilo, elogia as obra s de Herder , Schlegel , Muller, Michelet e Hegel ,
como “labirintos ideai s” donde saem “doudos sublimes” (Biester 1872:
9). A conclu são preceptiva , enunciada pelo conciliador médico Basílio
Feio, parece querer definir os objetivos da coleção de Castilho e Melo:
Não se cria uma nova l iteratura amesquinhando unicamente a velha. […]
Sejam operários das le t ras e não malsins unicamente . […] Levantem o
que julgam decadente, mas subst i tuindo às obras condenadas out ras obras
mais val iosas. […] Apresentem quadros conscientemente estudados em
tais modelos. […] Assim forma -se uma literatura; […] assim a geração
actual e levar-se-á acima das passadas gerações (Biester 1872: 114).
As escolhas de Castilho e Melo tra zem à colação novos vultos da
literatura francesa, entr e o romantismo e o realismo, enredos que
retratam os problemas sent imentai s da alta burguesia , intrigas
deliberadament e sucinta s, sem grande profundidade psicológica, por
per sonagens convencionais. Scribe, fa lecido em 1861, fora o
representante do espírito burguês da Monarquia de ju lho (1830); Octave
Feuillet e Théodore de Banvill e r epresenta m o mundo elegante do
Segundo Império (1852) e da Terceira República (1870). São os
herdeiros da t écnica da pièce-bien-fa ite , que moldou as obra s de Dumas
filho, e de Augier , abordando os conflitos burgueses de forma mais
detalhada, ma s continuando a procurar apenas a confirmação dos valores
morais do público, segundo a escola do bom senso burguês, da sanidade
e ponderação. Teatro dos “enredos honestos, da comédia sem farçantes,
dos diálogos sem ret icências obscenas, das scenas sem estoiros e
fascinações de decla mação ambígua”, divertimento de plateias seletas,
apreciadoras do “delicado, brando, límpido e met iculoso”, mas qu e
entediava as grandes massas (Cordeiro 1874: 75).
Pinheiro Chagas traduz Les sonnettes (As campainhas ) , de Meilhac
e Halévy, dando a conhecer uma faceta séri e dos comediógra fos,
largamente reconhecidos como libreti stas das operetas de Offenbach .
Sem perder o humor vivo, mas co locando de parte o instinto parodísti co,
eles r epresenta m o pintor de costumes, das figuras reai s, que percorrem a
cidade, e, sobretudo, da mulher, da petite femme , que Henr i Lavedan
143
definiu como a “gentille marionete de la vie, poupée à caprices d’un jour
et à passions d’une nuit”197
. O autor do Poema da mocidade traduz ainda
Le cas de conscience (O caso de consciência ) , de Octave Feuillet , visão
lúcida e elegante da vida, numa prosa fluente e espirituosa.
O espírito de Hugo revive em Gringoire , de Théodore de Banville,
que Ferreira de Mesquita traduz como Luis XI e o poeta . Avesso à poesia
realista e ao ultrarromanti smo, Banvill e procura a função formal no culto
da beleza, cuja poéti ca precursora do parnasiani smo desenvolve em Petit
tra ité de la poésie française (1870), influenciando Mallarmé, Verlaine,
Coppée e Daudet . Gringoire , considerada a sua melhor peça, em prosa,
apropria -se da figura do jovem poeta mal -afamado de Notre Dame de
Paris , de Hugo, a quem é dedicada esta comédia hi stórica . E sta figura
irreverente serve para Banville denunciar o abuso de um poder tirânico
face à miséria de um povo. Ao alterar o títu lo da peça em português, o
tradutor transfere o ónu s da ação, do protagonista para a própria situação
em que se encontra Pierre Gringoire, em casa de S imon Fourniez, onde
participa de um banquete, entr e cujos convivas se encontra Lu ís XI,
silencioso e desapercebido, a té ao momento em que expressa a sua
crueldade e o prazer de di spor de uma vida, legitimando que a lei deve
ser apli cada como exemplo, como exemplo da inju stiça do poder.
Todavia , enquanto comédia, tudo se resolve pela re denção de Gringoire
pelo amor da jovem Lo yse Fourniez, a contento do público:
[Tandis] qu’on l’ accuse niaisement de ne se plai re qu’aux farces viles et
aux écœurantes apothéoses des féeries l es plus sot tes, c’est lui qui
s’ enthousiasme aux vers énergiques et vrais, c’est lui qui pleure devant
les misères sincèrement racontées, et qui a l’amour et l’ ardente soi f de la
poésie, dont la source éternel lement pure et vive peut seule rafraîchi r les
âmes (Banvil le 1866: v).
197
Henri La vedan sucedeu na cadei ra deixada vaga pela morte de Henri Mei lhac. A
28 de dezembro de 1899, proferiu o d iscurso de receção na Acade mia, e m que teceu
o elogio do antecessor. Cf . “Discours de récept ion de Henri La vedan” , Acadé mie
françai se, Les immortel s . [h ttp: //www.acade mie -francai se. fr /di scours -de-recept ion-
Ao sentirem-se per seguidos pela nova sociedade literári a , os
adeptos da arte pela arte, do grupo de Castilho, retribuem, r ejeitando -a.
A escolha de Banvill e, e do poeta Gringoir e, enuncia o martírio do poeta
como sinal de redenção: “ le poète n’est plus chez lu i un profete ou un
guide, mais un clown au destin tragique” (Mortelett e 2006: 384). A
classe dos poeta s, enquanto operários da escrita , aproxima r -se-ia da
classe laboriosa – “aux pauvres gens tout est peine et misère” (Banville
1896: 67) – , retra tada por Charles Deslys , em Le casseur de p ierres,
traduzido por Castilho e Mello como João, o britador. Amba s possuíam
uma grandeza de alma, capaz de entender a essência poéti ca , e estavam
condenadas ao peso do progresso, essa l ei div ina “qui sacri fie partout la
poésie du passé aux réalités du présent” , conforme afirmava Sardou
(1863: 77).
Se a s traduções referencia m a autoria original, as imitações
distanciam-se de ta l modo da obra de origem, que se perde a
possibilidade de ident ifi cação, como no caso de A mosca branca, de
Duarte Joaquim dos Santos , cuja fra se final faz lembrar La Papillonne ,
de Sardou , que, na esteira de Scribe , trouxe para a cena o debate sobre o
progresso, abordando com grande liberdade os problemas da história
social. A “Bibliotheca Theatral” manifesta inclusive a vontade de
publicar a ópera -cómica O rouxinol das salas, adaptação, em 2 atos, de
Monsieur Garat (1860) , por Ari stides Abranches, estreada em 1871 , no
Teatro da Trindade198
. A coleção continua di scretamente o êxito de
Victorien Sardou em Portugal, cujo esti lo, bebido em Scribe,
combinando os tr ês modos de comédia – per sonagem, costumes e intriga
– com o drama burguês, desenvolve u m conflito nuclear, que conduz a
um clímax intenso, que emociona o público199
.
198
Eduardo Vidal escreveu u m apontamento de crít i ca t eat ral , na rúbrica “Revis ta
t eat ral”, publicado em Theatro contemporâneo, vol . I I I, p .20 . 199
Traduções de Sardou por ordem cronológica. Les pat tes d e mouche (1860) , por
Rodrigo Montei ro (Por causa d e uma carta, 1863), e Acácio Antunes (Por causa d e
uma carta ,1885); Monsieur Garat (1860) , por Ari s tides Abranches (O rouxinol das
salas , 1870); Nos int imes (1861) , por Luís Augus to Palmei rim (Os amigos ín timos ,
1863); La papil lonne (1862) , por Rodrigo Montei ro (Uma l ição d e f el i cidad e, 1862);
Les ganaches (1862) , por Lat ino Coelho (Os caturras , 1864), t al como Les vieux
garçons (1863) (Os sol tei rões , 1867); La famil l e Benoiton (1865), por Ernesto
B ies ter (Famíl ia Benoi ton, 1866); Nos bons vil lageois (1866) , por P inhei ro Chagas
145
6. Peças fáceis de representar em sociedades particulares e em
família
O censo teatral levado a cabo pela Direção -Geral de Inst rução
Pública do Mini stério do Reino, em 1862, identifi cando os t eatros nas
cidades de província do território nacional, não só particulares, como
públicos200
, as suas característi cas e respetivos fr equentadores, tornou
patente a exi stência de uma r ede de exploração t eatral, que o poder
central necessitava controlar. As tradicionais indicações fornecidas com
valor promocional, nos fronti spícios dos folhetos, pa tenteiam uma face
do desenvolvimento indu stria l trazido pel o fonti smo. Em 1884, as
coleções vendem-se por subscrição e nas principais lojas de livros do
país, e chega m mesmo ao mercado brasil eiro , afri cano e asiá tico. As
informa ções sobre as representações das obras não se l imitam à
indicação do seu debute; surgem referência s aos di ferentes t eatros, em
Portugal e a lém-fronteiras, ampliando o espaço geográfico de circulação.
Se as obras estrangeiras continuam a induzir as imitações lusas – a
zarzuela Cazado y soltero , representada no T eatro dos Recreios, inspira
uma imitação homónima de Diogo Seromenho – , também as comédia s
deste autor, A noite dos noivados , Por causa de um retrato ou O que faz
medo, traduzidas para espanhol por Augu sto César de Vasconcelos , são
representadas nos teatros Circo, Luzón, Bretón e Variedades, de Madrid.
A circulação dos espetáculos não se restringe aos teatros públicos do
centro li sboeta; expande -se aos da peri feria , das feiras de Belém e
Alcântara – Chalet , D. Afonso, D. Augusto, Li sbonense – , aos
particulares de bairro – Garrett , Therpsicore, Castilho, Trinas – , às
assembleia s de curiosos dra máticos – Sociedade Recreio Dramático ,
(Uma conspiração na ald eia , 1871); Séraphine (1868) , por Lu ís F il ipe Lei te (Seraphina, 1870); Patr ie (1869) , por Bernardino Sena F rei t as (Pátr ia, 1872);
Fernand e (1870) , por Ernes to B ies ter (Fernanda, 1871); L’oncle Sam (1873), por
F rancisco Palha (Uma famíl ia americana, 1877); Divorçons (1880) , por P inhei ro
Chagas (Divorciemo-nos, 1881), e Furtado Coelho ( id ., 1883); Od et te (1881), por
Eduardo Brazão (Odete, 1882); Féd ora (1883), por Aris tides Abranches e Eduardo
Brazão (Fedora, 1883); La Tosca (1887) , por Maximi l iano de Aze vedo ( id . , 1917), e
Eduardo Nascimento . Ferrei ra (Tosca, 1924); Bel le maman (1889) , por Maximi l iano
de Aze vedo (A mãe da minha mulher , 1890); Madame Sans -Gêne (1893) , por Carlos
Moura Cabral ; Marcel le (1895) , por Guiomar Torrezão (Marcel la, 1897); La pis te
(1906), por Amadeu Cunha (A pis ta , 1909). 200
C f. Parte III – Visões de t eat ro ent re t eoria e práti ca.
146
Sociedade União Dramática , ou Academia Lisbonense. A produção
dramática tanto serve os grandes t eatros, como surge expressamente
destinada aos particulares: Diogo Seromenho escreve Doidos… políticos ,
“expressamente para ser representada em casa da Exma. Sra . D. M. J . da
Silveira”. O teatro cumpria a função a que se propunha , de espaço de
sociabilidade nas esferas pública , privada e semiprivada – no teatro, em
família , e na sociedade de r ecreio – , e os autores tomava m consciência
da adequação dos repertórios à monomania teatral dos amadores
dramáticos, satir izada no Theatro cazeiro , de José Inácio de Araújo:
Em casa de burguez, sério e pacato,
Faz-se o “ panno de bocca” de cortinas,
Arvoram-se os lençoes em “bambolinas” ,
Toca um piano qualquer. Começa o acto.
Entra o “galan” e diz em tom gaia to
O que estudou melhor que as sabbatinas;
A “ingenua” assaralhupa phrases finas. ..
E na cozinha ent ra a miar o gato.
Vem o “pae nobre”, que arremeda os Talmas, ´
Destampa de moral uma estopada,
Que chega até a commover as a lmas!. . .
Finda a peça. .. e tão bem representada
Que não faltam os bravos, nem as palmas
De t res primos, da avó, e da criada.
(Araújo 1904: 59)
Álbum teatral. Publicação de peças fáceis de representar em
sociedades particulares e em família (1872)
António Fel iciano Castilho redige uma “ Introdução” promocional
para esta empresa de gente desconhecida, pelo “invejável defeito da sua
muita mocidade”, mas em quem reconhece “a fecunda a mbição de
granjear nome e estima por boa s obras”201
. O introito a este “periódico -
201
Rangel de Lima publicit a a coleção nas páginas da revi s ta Artes e Let ras (1872:
95), corroborando os conselhos de Cast ilho: “todos sabem que em assumptos
l it t erarios n inguem os da melhores”.
147
l ivro”202
serve de texto programático a o empreendimento bibliográfico , e,
sobretudo, constata a necessidade de publicações de qualida de, para o
teatro amador, na realização de espetáculos nos teatros parti culares:
As obras, cujos edi tores e lles hão de ser, e que já começaõ a a juntar -se
nas suas pastas, foram escritas umas, estão -n’o sendo out ras (e out ras
muitas o vi rão a ser) por homens de reputação já grandemente ganha na
nossa l i ttera tura theat ral contemporanea. Raro ou nenhum será o nome,
justamente applaudido das pla téas, que alguma vez não haja de figurar
n’esta collecção.
Propunha o sentido críti co de Castilho, que a coleção valesse pelas
“multíplices vantagens” do teatro, como “eschola de moral, como cadeira
de história para o vulgo, que nada sabe”, salvando “para a convivência
delicada de ambos os sexos, horas furtadas a o aborrecimento do ócio
estupido e corruptor” , ensinando na prática a “polidez no tr actar e no
dizer” , e servindo de exemplo contra “quedas e enganos”. O valor de
ilustração atribuído à função t eatral supria “algumas pagina s de estudo
aos que nem estudaõ, nem poderiaõ estudar, porque não sabem ler” :
O senso comum, que todas estas cousas d iz, é (se nos não enganamos) o
que explica naturalmente não só a concorrencia do povo aos theat ros em
todas as terras onde os há , mas tambem o gosto cada vez mais
general i sado de theat rinhos particulares, festas máximas das famí lias
para todos os indivíduos d’ellas e da sua convivencia .
Este género de representaçes domesticas para as quaes todos os d ias se
formam novas sociedades ent re a ari stocracia, ent re os burgueses, e nt re
os arti fices e a té já ent re os rust icos, talvez esteja ainda fadado a
produzi r um consideravel beneficio. Assim como são já espelhos mais ou
menos acanhados, mais ou menos imprefeitos dos theat ros grandes e
professos, est ’out ros mais humildes, bem pod e ser, que tornados
seminariosinhos de ta lentos art i sticos cheguem a dar de si, para os palcos
publ icos, actores e act rizes de merito, que por enquanto lhes não
abundam.
Temos que não é temeraria a conjectura. Quantos e quantas não avul taõ
hoje nas nossas scenas de tercei ra ordem, ou de segunda, ou de primeira ,
que se est re iaraõ e aprenderaõ os rudimentos da arte em the at ritos sem
nome nem importancia alguma ponderavel !
202
Pela primei ra vez se configura uma des ignação para esta espécie bibliográfica,
ainda que ambígua; t anto pode indicar o fo lheto em s i próprio, produzido
periodicamente, como re meter para o conjunto de folhetos des tinados a uma
encadernação conjunta, o l ivro const itu ído por fascículos , como e m casos anteriores .
148
Depois outra consideração em que se poderá insist i r, mas que pelo menos
se hade apontar aqui: quanto mais se forem propagando as representações
particulares e a consequente subida de curiosos para actores professos,
tanto mais nos i remos aproximando á completa abolição do milenário e
estereli sador preconceito, que fazia dos art i stas scenicos – párias,
leprosos, excommungados e precitos; o mais d’essa tontaria barbara já lá
vae, Deus louvado!
O representar já não infama, nem degrada, mas (força é confessal -o)
a lguma cousa (e muito) resta ainda que fazer para que os art i stas
d ramat icos decentes, se nivelem desenganadamente com os out ros
arti stas seus i rmãos, o poeta , o pintor, o esculptor, o architecto e o
musico de talento; e não d igo só com os arti stas, mas com todos os mais
ind ividuos, que igualmente servem a sociedade nos d iversos officios,
havidos por nobres; e de a servi r é que subsistem.
Cousas são estas, que uma philosophia já hoje t rivial está repet indo aos
ouvidos da plebe, a alguma vez também hade ter di to ao espí rito dos
magnates.
Como quer que seja, se se concede que a moda, que por ent re nós vae
crescendo, de representações particulares é boa, e por boa e civi li sadora
merece ser coadjuvada, segue -se logo por di rei ta razão, que muito bem
fazem e muito merecem o favor publico estes moços, que tomaram a si a
pat riótica di ligencia de abri r, tomando das melhores fontes, um
manancia l de peças theat raes de todo o genero, onde os curiosos possam
fartar as suas sêdes e escolher o que mais e melhor se lhes conchave com
o gosto, com as forças e com as posses. Para todos e de tudo se espera
que haja ahi abundancia : d ramas, melodramas, t ragedias, comedias das
di fferentes graduações, farças, operetas, scenas comicas.
A constatação da exi stência da esfera de t eatro amador, cuja
dinâmica se reconhecia a nível do t erritório português, criava a
necessidade intelectual de escrutínio de obra s dramáticas edifi cantes,
que pudessem ser “folheados em serões e sesta s da cidade e do campo”,
que enriquecessem a vernaculidade, e aboli ssem o “ soleci smo
gramatical” , o “galici smo bruto” e o “amphiguri peda nte”, que
enfermavam a literatura dramática coeva. “Fugir de torpezas” era o
“requerimento” que Castilho interpunha, solicitando dos editores e do
leitor um “ponctualissimo como pede, e […] um constante cumprimento”.
Os colaboradores anunciados dão conta do ponderad o sinónimo de
qualidade, encabeçando a li sta o próprio António Feliciano de Castilho ,
seguido por Al fredo de Ataíde , Ari stides Abranches, o livreiro -editor
149
Avelar Machado203
, A. Rocha , Al fr edo Caleia , Al fredo de Melo, Barão de
Roussado, Bapti sta Machado, o comendador Manuel de Ara újo Porto -
Alegre, cônsul-geral do Brasil em Lisboa, Cláudio José Nunes , César de
Lacerda , Duarte de Sá , Eduardo Vidal , Eduardo Coelho, Eça Leal ,
Ernesto Biester , Ferreira de Mesqu ita , Franci sco Serra , Garcia Alagarim,
Higino Augusto da Costa Paulino , Joaquim Augusto de Oliveira , Jú lio
César Machado, João Salvador Marques da Silva (Salvador Marques) ,
José Ignácio de Araújo , José Guilherme dos Santos Lima , José Bento de
Araújo Assi s, I sidoro Sabino Ferreira , Leite Bastos, Luís Augusto
Palmeirim, Luís Filipe Leite , Ramalho Ortigão e Rangel de Lima .
Seriam estes “nossos primeiros escriptores”, os “ fornecedores” de
uma “publicação de peças fácei s de representar em sociedades
particulares e em famí lia” , cujas condições de venda implicavam a
publicação de 36 atos por ano, ou 3 séries de 12 atos. Em cada mês
sairiam 3 atos, broxados, a que correspondiam 3 brindes por volume, ou
um brinde no final de cada série. A pessoa que obtivesse 8 a ssinat uras
realizávei s seria considerada assinante gratu ito da coleção204
.
O “Álbum Teatral” propunha -se acolher obras provenientes dos
teatros públicos, como o Ditoso Fado, de Manuel Roussado – atrasado na
publicação porque a empresa do Teatro da Trindade não a possuía em
arquivo –, e obras originais, “exclusivamente destinadas a esta
publicação”, como o provérbio Antes que cases, de Luís Augusto
Palmeirim, que se anunciava, com gáudio, ser dedicado pelo autor ao
empreendimento:
203
A sua comédia-dra ma de cos tumes populares Homens d o povo fo i es treada, em
primei ro lugar, pela Sociedade Dramát ica Recreio Phi lcorense, a 22 de junho de
1864, no Teat ro da Rua dos Condes , e só depois , a 22 de setembro do mesmo ano, a
companhia do d ito t eat ro a l evou à cena. Teve edição impressa em 1867. 204
Como e m qualquer publ icação do género , a informação co mercial encont ra -se no
espaço da capa, perdendo -se todas as referências a parti r do momento em que a obra
se encaderna. Na edição de O d itoso fad o (nº 5) , o espaço l ivre das duas páginas
f inais , o “expediente”, é aprovei tado para informar os cli entes sobre o andamento da
coleção. Em Lisboa, cada ato era vendido a 50 réis , pagos ao di s t ribuidor. Nos
arrabaldes , províncias e i lhas , cada série, ou 12 atos , cus tava 660 réi s; no Bras il ,
Africa e India, cada 3 séries (36 atos) , 2$600 réis (moeda forte) . Acei tava -se o
paga mento das ass inaturas de fora de Lisboa, em vales do correio ou em es tampi lhas.
O preço avulso , para Lisboa, províncias , ilhas e arrabaldes , era de 100 réi s por ato ;
para o Bras il , África e Índia, 120 réi s .
150
Aproveitamos a occasião para protestar a nossa indelevel gra tidão aos
escriptores d ramat icos que à porfia se tem esmer ado em obsequiar-nos.
Não estremamos nomes. O fidalgo procedimento d e todos enche -nos de
legítimo orgulho, e antes que offendamos a sua modest ia não podemos
eximir-nos a fazer publico os favores que nos têem dispensado, e a boa
vontade com que o fazem . Também somos devedores à imprensa que,
com rarí ssimas excepções, tem auxiliado cavalhei rosamente os nossos
esforços, endereçando-nos palavras de muito affecto, e feito just iça a
esta publ icação . Aos nosso assignantes e ao publ ico agradecemos tambem
a sua coadjuvação importante.
Não obstante o entu siasmo patente, a r ealidade vem demonst rar a
instabilidade deste tipo de movimento editoria l, com frequentes a trasos
na publicação da s obras, fru to da falta de coordenação dos próprios
autores, obrigando à troca de t ítu los, para cumprir o contr ato com o
público . Talvez por i sso, a empresa, a quem Castilho auspiciara tantas
benesses, acabe por se restringir à primeira série de oito números,
principiando pela comédia -imitação Duas lições n’uma só , de Duarte de
Sá205
, seguindo-se a tradução livre Um anjinho na pele do Diabo, por
Feli ciano Castilho206
, A boceta de Pandora, traduzida por Francisco
Serra , Enquanto ladra o Tobias, tradução da obra de Edmond About , por
Júlio César Ma chado , O ditoso fado, original de Manuel Roussado, O que
fazem as rosas, tradução da obra de Leopold Laluyé , por Eduardo
Vidal207
, A corda do enforcado, imitação por Alfredo Caleia , e Amores de
leoa , original de Ferreira de Mesquita . Prometidos, e não devidos,
ficaram a citada obra de Palmeirim e O casacão do Sousa, do deputado
progressi sta Vitoriano Braga , que se anunciava no prelo.
7. “Todos os negócios que digam respeito ao teatro”
O aparecimento, em 1869, da Agência L iterária e Teatral ,
pertencente à Livraria Teatral, sita na rua do Arco, à Graça, onde Sousa
205
Representada pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II, em 22 de
maio de 1867 (Livros de Registo de Espectáculos , TNDMII). 206
Representada em Lisboa, no Teat ro de D. Maria II, e m 26 de j anei ro de 1900
(Li vros de Registo de Espectáculos , TNDMII). 207
Representada pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II, em 3 de
dezembro de 1870 (Livros de Registo de Espectáculos, TNDMII).
151
Bastos publicou diversos títu los, no referido “Theatro escolhido”208
,
refl ete uma nova dinâmica da indú stria do teatro. O considerável impulso
do movimento amador é fru to da proli feração das agremiações de cultura
e recreio, cujas sociedades dramáticas mimetizavam os êxitos do teatro
profissional que mais se a dequavam ao modus operandi dos pequenos
palcos de teatro de sala . A burguesia laboriosa, replicando os hábitos de
sociabilidade aris tocrática , procurava com essa atitude desenvolver a
ilustração dos seus pares, ao mesmo tempo que justi fi cava a necessidade
de uma litera tura dramática apropriada às suas récitas. O teatro assume-
se como indústria dinamizadora de a mpla atividade, entre profi ssionai s e
curiosos dramáticos, entr e os palcos públicos e os privados. A
constitu ição de uma agência de teatro cumpria uma função intermediária
entre o produtor de conteúdos e o seu consumidor. Os próprios editores -
livreiros foram levados a publicitar as caracterí sti cas da obra dramática
editada: género, número de atos, e a tores necessários, especializando o
número de pa péi s masculinos e femininos. O espaço l ivre dos folhetos –
capas e contracapas, r espetivos versos, e páginas finais não impressas –
servia como catálogo da s obras que podiam ser adquiridas.
A dinâmica social conduziu à comercial, fazendo surgir l ivrarias
que se diziam “especializada s em lit eratura dramática”. Os seus editores
eram curiosos dramáticos que escrevia m dra mas, e dirigia m teatros
particulares, criando uma teia multidi sciplinar de saberes e competência s
práticas, de pessoas, espaços e repertórios, que se prolongo u pela
centúria seguinte. As sociedades dramáticas representaram uma fonte
208
António de Sousa Bas tos desenvolveu mui to cedo u ma at i vidade l i t erária
d ivers i f i cada. Aos 19 anos, in iciou a sua atividade jornal ís ti ca, como di retor do
hebdomadário t eat ral , O Palco (1863) , em colaboração com Pedro Alcântara Chaves ,
como redator; em 18 73, fo i redator de A arte d ramát ica, fo lha inst rut iva, cr í t i ca e
noticiosa; em 1889, fo i d i retor do Tim-t im por t im-tim: assumptos theat raes , que vi gorou até 1893. Fez t radução de romances de sucesso , a que não podia falt ar o
novel i s ta Henri de Kock , O amor corcunda (L ’amour bossu) (1870). Exerceu
at ividade de editor - livrei ro , com seu i rmão José, na Livraria Económica de Bas tos &
i rmão , na rua de S . José, para, posteriormente, abri r a Livraria Bas tos , na rua de S.
Bento . Sobejamente conhecido pela sua at ividade como e mpresário t eat ral , pertence
a um pequeno grupo de pessoas l igadas à atividade t eat ral , que produzi ram
bibl iografia sobre a h is tória do t eat ro, a crónica de co stumes t eat rais, e sobre a
vulgarização de conhecimentos t écnico -artí st i cos . Será impulsionador da mudança de
es t ilo da revi s ta do ano, cr iando a primei ra re vi s ta t r imes t ral , Entre as broas e as
amênd oas (1874), e desenvolvendo o es t ilo fantást i co de um espetáculo musical de
grande aparato cénico , as revi s tas fantasia.
152
paralela de formação de profi ssionai s de espetáculo, pequenos
conservatórios bairri stas donde saíam “promessa s artísti cas”, para as
quais se escreviam obras de vulgarização didáti ca das artes de palco209
. O
espírito regenerador havia criado as condições para o desenvolvimento
da atividade t eatral, cujo modelo, em finai s de século, se r evelava bem
diver so do espírito do vinti smo idealista de Garrett .
No início do último quartel de Oitocentos, Calisto José de Araújo ,
Franci sco Franco e Frederico Napoleã o da Vitória , amadores dramáticos
das sociedades particulares, de quem falaremos a devido t empo, fundam
a Agência Teatral, sita na rua da Madalena (vulgo calçada do Caldas),
que se encarregava de “todos os negócios que [di ssessem] respeito a
teatro”, discriminados em folhetos promocionais, e a quem recorria m
tanto artistas como dil etantes:
Inculca damas para theat ros particulares de Lisboa e províncias; promove
benefíc ios, dist ribuição de bilhetes e cobrança dos mesmos; t i ragem de
papéis e cópias de peças; fornece part ituras e partes cavadas para
orchest ra, banda, fanfarra, e sol -e-do , musicas para piano, canto, etc.,
aprompta guarda -roupas, scenarios, orchest ras, cabellei ras e
caracteri sações. Cobra di reitos de auctor, quando para i sso esteja
auctori sada. Vende e incumbe -se de remetter para a provincia, franco de
porte, todas as peças theatr aes, a inda as mais raras. Manda vi r do
est rangei ro, havendo previo deposi to, peças theat raes, musicas ou mesmo
l ivros, etc . Compra e vende livros em todos os generos. Descontos para
revender.
Uma agência multi facetada, que possuía um catálogo de peças de
teatro, entre 1 e 5 a tos, a ssim como operetas, cenas cómicas, poesia s,
cançonetas, entr eatos cómicos e dramáticos, e criou, em 1883, a
“Bibliotheca Progresso Theatral: Theatro de sala ” , cuja assinatura se
pretendia de forma permanente, para os êxitos de teatro dos “mais
festejados autores”. Cada “folha” semanal, de 16 páginas, custava 30
réis, sendo que para a província , 5 folhas paga s adiantadamente orçavam
160 réis, auferindo os assinantes um desconto de 10%, quando
comprassem dir etamente à agência , e 20%, nas músicas para piano.
A es te respei to cf. Parte III – Quat ro t eorizadores da prát i ca t eat ral .
153
guarda-roupa, orchestras, et c, por preços sem competência [ sic ]” , às
sociedades dra máticas de Li sboa e província , por encomenda, com o
franco de porte, “em sellos ou valles de correio”.
A “Bibliotheca Progresso Theatral” prometia publica r os
consagrados autores da s coleções anteriores – Guiomar Torrezão,
Pinheiro Chaga s, Costa Braga , César de Lacerda , Maximiliano de
Azevedo, Ludgero Viana e Gervá sio Lobato – , cujos nomes serviam
como t imbre de qualidade. Todavia , à exceção de Aristides Abranches
(Os filhos de Adão ) , a empresa começou por editar autores coetâneos,
diretamente associados aos teatros particulares: o “sociali sta ignorado”
Manuel Luís de Figueiredo (Os Jesuitas, drama de propaganda liberal,
1883)210
, o tipógrafo Frederico Napoleão da Victoria (Milagres de Santo
António , estreado no Teatro particular Garrett , aos Anjos, pela Sociedade
Dramática Polla , a 18 de Março de 1883), e o a tor António Martins dos
Santos, cuja Casa de Babel foi representada por amadores no novel
Teatro do Rato, também conhecido por Novo Teatro das Variedades . A
empresa parece ter cessado no quinto folheto, A Crisálida, imitação do
ita liano por Guiomar Torrezão , fi cando expressa a intenção dos editores
de publicar mais obras dos referidos “consagrados” (algumas
supostamente no prelo), a que se juntavam outros nomes: o a tor -autor
Henrique Peixoto211
, E. Veloso e o r ecém-falecido críti co dramático Silva
Viana212
, autor do opúsculo Decadência da arte dramática em Portugal
(1880).
210
Sobre este autor cf . MÓ N IC A , Maria F ilomena/ MA T IA S , Maria Goret ti (pref .,
in t rod. e org. ) (1986), Manuel Luís d e Figueired o: Um sociali sta ignorado. Lisboa:
Ins t i tu to de Ciências Sociais . Col. Estudos e documentos ICS; 14. Arquivo hi s tórico
das classes t rabalhadoras . 211
Começou como amador, aos 16 anos, sendo marcenei ro de profissão . Em 1880, es t reou-se como discípulo no Teat ro Luís de Camões , em Belém. Representou no
Teat ro do P ríncipe Real , de Lisboa, especial i zando -se no drama sério . Para o t eat ro
escre veu vários dramas e comédias , nos quais tomou parte t ambé m. Em 1890,
escre veu, e m colaboração com João Coelho Dias, Verdad es amargas , re vi s ta do
primei ro t r imes t re do ano, para os t eat ros populares. 212
Sousa Bas tos defin iu -o como u m “excel lente rapaz, bastante in teligente e mui to
dedicado ao t eat ro” (1898:392), que f i zera crít i ca dramát ica em periódicos e falecera
mui to novo. Foi r edator do Correio dos Dois Mund os : Semanário polí ti co , not icioso
e recreativo (1867 – 69), juntamente com Franci sco T. Valdez . Para o t eat ro t raduziu
e imi tou d iversas comédias , que foram representadas nos t eat ros de D. Maria ,
Ginás io e P ríncipe Real , de Lisboa.
154
O espírito liberal oitocenti sta sublimava -se na ideia de um estado
cívico, constitu ído por cidadãos educados, que punham o bem comum
acima dos interesses parti culares, na melhoria da condiçã o humana
(Ramos 2001: 47), sendo o cultivo das letras sinónimo de “qualificação
de todo o cavalheiro prendado” ( id . , ib id . : 49). Ainda que os escritores
pudessem queixar -se, como o fez Júlio César Machado ou Fialho de
Almeida , na realidade, em finais do século, era possível viver da escrita .
Embora a tiragem de uma obra pudesse ascender a dois mil exemplares –
o que corr esponderia ao número de alfabetizados, o “sexto da populaç ão
total” que sabia l er – , considerava o autor de Os Gatos que esse número
impedia a existência de uma “literatura ou arte, independentes” (Almeida
1992a: 117). A atividade de editor tornou -se r entável, havendo casas que
disputavam os autores consagrados; a Livraria de António Maria Pereira
(1848), em Lisboa, e a Livraria Chardron (1868), dos irmãos Lello, no
Porto, correspondiam ao padrão de livreiros cultivados, com bom
relacionamento no meio lit erário.
Todavia , a a tividade livreira poderia também ser comparada a um
comércio de “mercearia da literatura” (Ramos 2001: 50). A própria
proveniência social dos livreiros indicia que a competência destes
comerciantes não derivava dir etamente da escola literária : “eram uns
encadernadores, outros mercadores, a lguns vendilhões, estes criados de
servir , aqueles tendeiros, e a té um ferrado r” (Bastos 1947: 177). Não
admira, poi s, que as livrarias vendessem todo o género de produção
livreira: l i teratura romanesca e lír ica , para as classes mais li t eratas, e a
li teratura para o povo, que contemplava os contos, a s hi stórias, a
produção dramática de autos, farsas, entremezes e loa s, e toda a espécie
de manuais de u tilidade prática , destinados a colmatar o novo
conhecimento, em tempo de industria lização. As obras eram englobadas
segundo critérios de “útil e instr u tiva”, de espírito cientí fico, e de “útil e
recreativa”, abrangendo tanto a literatura epistolar, como os manuais de
cozinha e de magia . Para a lém da já praticada políti ca de subscrição por
assinatura , o aparecimento do Almanaque burocrático , de Aristides
Abranches, que reunia os nomes e moradas de funcionários públicos,
155
comerciantes e profi ssionais liberais, servia como um a boa fonte de
possívei s compradores de livros, por três razões de ordem prát ica: serem
educados, t erem bons r endimentos, e aspirarem a uma ascensão social,
que as l etras lhe s podiam conferir (Ra mos 2001: 51).
Além di sso, o eterno sucesso dos almanaques, parodiado em Lisboa
em 1850213, de Franci sco Palha e Latino Coelho, correspondia ao
“alargamento do universo da alfabeti zação e a oferta de lit er atura par a
públicos especí fi cos”, baseada em critérios de economia (acessível) , de
dimensão (de bol so), de entendimento (fácil) e de fru i ção (ú til ,
instru tiva , recreativa), para “toda a família”:
Ao percorrer uma colecção […] de a lmanaques, colhe -se a impressão de
i r desdobrando as pregas de uma sociedade multi facetada, de lidar com
um caleidoscópio que a cada pequena passagem apresentasse um novo
quadro de gentes, de géneros, de interesses e de gostos e que aos poucos
fosse t racejando, mesmo se caótico e esfarrapad o, um fresco social
(Radich [s.d. ]: 8, apud Galvão/ Lisboa 2002: 22).
Publicações como o Almanach de Gargalhadas (1861)214, o
Almanach Taborda (1866)215, fundado por Aristides Abranches, o
Almanach dos Palcos e das Salas (1888)216, fundado por Joaquim José
213
No f im da 4 ª cena e durante a seguinte, chove m al manaques vindos da teia, sobre
o piquenique li t erário dos vários periódicos, como “praga” e “cas t igo dos grandes
pecados” do Respei tável Público . 214
Edi tado pela l ivraria Verol , segue grafica mente, a part i r de 1874, o es t ilo de
Boldalo Pinhei ro, i lust rando narrativas . Conta com a part i cipação de José Inácio de
Araújo , Cami lo Mariano F roes , José Romano , Vi riato Sertório Luso , Luís de Araújo,
ent re out ros. Publica cenas -cómicas , cançonetas e poesias próprias para t eat ros de
sala. 215
Da responsabi lidade de Ari st ides Abranches , apresenta, na Parte II , “art igos
humorí s ti cos”, “poesias”, “teat ro”, “anedotas e calembourgs ”, “jogos de prendas”,
“sortes de f ís i ca e de química” e “adi vinhações”. Tem co mo colaboradores Júl io
César Machado , Santos Nazareth , Batalha Reis , nos artigos humorí s t i cos, Duarte de
Sá, Manuel Roussado ou F rancisco Palha , nas poes ias, e Eduardo Garrido , Pedro
Vidoei ra , Joaquim Augus to de Ol ivei ra ou Rangel de Lima , no t eat ro. 216
Editado pelo edi tor - livrei ro Arnaldo Bordalo , que t ambém ass ina obras para
t eat ro , enquanto A. Ar mando e Naraldo . Conta com grande colaboração de art is t as ,
não só portugueses, como espanhóis e franceses: Mercedes B lasco , Acácio Antunes ,
Eça Leal , Ger vás io Lobato , Jú lio Howorth , Júl io Rocha , Maximi l iano de Aze vedo ,
ass im como Victor Cherbul iez , Edouard Pail l eron , Jean Dolent ou Xavier de
Montépin , de quem se t raduzem excertos . Sendo o seu edi tor um a mador dramát ico , é
natural que o avant -propos expl ique o tí tu lo escolhido para o almanaque: “aos
Palcos , a par do ret rato e biografia de um art i s t a de méri to”, se i rá “buscar as mais
notávei s coplas e cançonetas das peças que maior suce sso alcançare m”, tudo
met iculosamente escolhido para que o anuário pudesse t er “ent rada franca nos
boudoirs das senhoras mais honestas e inteligentes”.
156
Bordalo e Franci sco Pinto , o Almanach dos Theatros (1889)217, fundado
por Franci sco António de Matos , entr e outros, perpetuavam os sucessos
teatrais do ano anter ior , e antecipava m edições de obras dramáticas,
publicando excertos que se pretendiam apelativos e de u tilidade
sociocultural , como refere José Inácio de Araújo , em soneto elogioso “ao
ilustre editor” , no Almanach Palcos e Salas de 1906 :
Pode a menina ser muito galante,
Chegar mesmo a prodígio de bondade;
Mas não bri lha em qualquer Sociedade
Se lhe falta uma prenda relevante.
Vale-lhe muito a prenda de dançante,
Se n’ella most ra a sua ai rosidade;
Se apresenta em bordados novidade
Nunca lhe fa ltará louvor bastante .
Se adivinhar charadas das gazetas
De lit tera ta alcançará as galas,
Chegará a ter nome ent re as discretas.. .
Porém de inveja att rahi rá as balas,
Quando cantar as lindas cançonetas
Do ALMANAC H primor – P ALC OS E SALAS .
De leitura fá cil , o a lmanaque r egi stava hi stória s diver sas, divulgava
conhecimentos sobre a arte dramática, entretinha com charadas,
logogri fos, e poesias várias de pendor crítico, como os “ju ízos do ano”,
regi stando a a tivida de dos teatros públicos. A ilustração de gravuras em
metal r eproduzindo retratos de arti stas e figuras célebres nacionais
constitu ía uma mais -valia para os leitores, nu ma guerra edi toria l das
empresas editoras, que Franci sco António de Matos218
denuncia no
“antelóquio” ao primeiro nú mero do Almanach dos Theatros (1888):
217
Fundado e d i rigido por F ranci sco António de Matos , e editado por João Romano
Torres , que retomara a sua at ividade edi torial , em 1885, com o se manário l i t erário O
Recreio . Segue o modelo dos congéneres , edi tando ret ratos e perfi s biográficos de
atores e at r i zes, e co ntendo variedade de monólogos , cançonetas , poes ias e
produções humorí s t i cas , ent re out ros géneros de li t eratura amena. Após a morte do
fundador, em 1902, o “antelóquio” de sua autoria desaparece. O seu nome inscrever -
se-á apenas na capa, até 1912, sendo su bs ti tu ído por Jú lio de Menezes , d i retor da
B iblio teca do Povo, que, em 1910, toma o seu lugar na empresa Romano Torres . 218
Jornali st a e comediógrafo . Foi funcionário do Minis tério da Fazenda e escrivão da
Fazenda. Por es te facto , dinamizou grupos de t eat ro amadores , e chegou a cons t ru i r
157
Mais um Almanach ! //E porque não? A época é de a lmanaques, como é de
sindicatos. Atualmente em let ra o que mais rende são t retas, como em
pol ítica o que mais deixa são arranjos; que i sto – é bom que se diga –
não é só de hoje ; já vem mui to de longe. // […] Mas sa ibam os que este
l ivrinho vi rem e lerem, que o vil meta l não é o móbi l que t rouxe à l iça o
Almanach dos Theatros. Credo!// Quem aprese nta di ferentes acepipes
teat ra is, e out ros de vários sabores, mas todos de comer e chorar por
mais, como os que se contêm neste dito livrinho, pelo módico preço de
um tostão, não quer, por certo, o suor a lheio, nem pode ser alcunhado de
interessei ro, e muito menos acusado de impingi r gato por lebre . // O
único interesse a que se mira é ser agradável […]. // Agradecemos – é
nosso dever – com o maior conhecimento, a amável e gent il coadjuvação
que recebemos por parte daqueles a quem pedimos alguns frutos do seu
talento para enriquecer o presente anuário, coadjuvação que ousamos
esperar se repeti rá . // E agora que o Almanach dos Theatros viva e reine
por mui tos anos e bons, sempre bem fadado pela benevolência públ ica,
que nunca abandona os que nela confiam, como nós [i tál icos e negri tos
originais] .
Alguns dos mercadores da literatura popular encontrava m -se ligados
à produção de literatura dramática e à a tividade t eat ral, tanto
profissional, como amadora. Domingos Fernandes , Frederico Napoleão
da Victoria , Franci sco Franco e Arnaldo Bordalo asseguraram a
exi stência de coleções dramáticas para as sociedades amadoras,
constitu indo-se inicialmente como copistas manuais das “partes” dos
atores, evoluindo para a impressão tipográ fica das mesmas. A Livraria
Económica, a mais antiga especializada em literatura dramática, a
Livraria Popular , ambas na travessa de São Domingos, e a Livraria
Bordalo, na rua da Vitória , espe cializaram-se como repositórios de peça s
de teatro de todos os géneros ( comédias, dramas, cenas cómica s e
dramáticas), de lit eratura teatral (monólogos, poesias de sala e
cançonetas) e de manuais didáticos. À exceção da Livraria Bordalo , os
restantes descendiam uns dos outros, fazendo lembrar ao espíri to irónico
de Sousa Bastos, “uma cadeia de fuzi s” ( Bastos 1947: 176).
t eat ros e a melhorar os exis tentes nas pequenas local idades de província. Part i cipou
nesses grupos como ator, ensaiador, cenógrafo , adereci sta, ponto , e qualquer função
necessária ao es petáculos . Graças à sua amizade co m Sousa Bas tos e Salvador
Marques, foi secretário do Teat ro dos Recreios , em Lisboa. Escreveu dr amas ,
comédias e uma opereta, que foram representados em Lisboa e na província. ( GEPB,
XVI: 597)
158
Tudo começou quando Domingos Manuel Fernandes foi contr atado
como caixeiro de uma diminuta loja de venda de tabaco e lotari a , paredes
meia s com as traseira s da igreja de São Domingos. Oriundo da província ,
t inha a paixão da leitura , passatempo que lhe ocupava o tempo de
marasmo na loja . De cada vez que acabava a lei tura de uma obra,
colocava -a na montra , e a contecia que lha compravam. Ao fim de algum
tempo, tomou o negócio do primitivo proprietário e transformou -o numa
pequena livraria . Em 1876, inaugur ou a Livraria Económica219
, que
editou literatura dramática, em duas coleções: “Theatro cómico: colecção
de peça s jocosas” , e “Theatro dos curiosos: colecção de peças para salas
e teatros particulares”220
. Segundo Sousa Ba stos, o muito que lera ,
colmatara a sua pouca instruçã o, e deu-lhe a ousadia de escrever em
jornais e publicar livros. Sob o pseudónimo de Roberto Valença,
publicou, em 1873, o “poema realista” Podridões modernas , que Camilo
Castelo Branco elogiou, e cuja carta serviu de prefácio à obra. A este
autodidata se ficou devendo uma Biographia politico -litteraria do
Visconde de Almeida Garrett (1880) , dedicada ao “batalhão lit terario que
opera actualmente no campo das letra s portugueza s”. Embora
desaconselhado por Alexandre Herculano , Domingos Fernandes afoitou -
se na obra memorialista , antecedendo a do biógrafo oficia l, Gomes de
Amorim, com a plena consciência das di fi culdades inerentes e da s
lacunas, de que se penitencia na “Prefacção”.
A morte extemporânea de Domingos Fernandes trouxe como
sucessor da propriedade o t ipógrafo Frederico Napoleão da Victoria ,
sócio da Agência Teatral . A Livraria Económica passou a ser publicitada
como a “primeira casa do Paí s em Litt era tura Theatral” desde a sua
fundação. Este autor dramático e livreiro -editor iniciou a vida
profissional aos dez anos de idade, como aprendiz numa oficina, e
219
Anteriormente, exis ti ra uma out ra Livraria Económica, na rua de S . José,
propriedade dos i rmãos Sousa Bas tos , de que se falou anteriormente. A de Domingos
Manuel Fernandes , após a sua morte, fo i adqui rida por F rederico Napoleão da
Victoria, e, pelas mes mas razões , pela empresa J . Andrade & Lino de Sousa, e, por
f im, por es te ú l t imo e f i lhos . Atualmente, o espaço da antiga l ivraria es tá
t ransformado em lo ja de venda de souvenirs turís ti cos . 220
Cf . Apêndices – 12 . Tabela de publ icações dramát icas da Livraria Económica de
Domingos Fernandes (1876 – 1882?).
159
acabou por se tornar num gráfico di stinto, chefi ando várias tipogra fias.
Em 1894, foi nomeado subchefe da s oficina s grá fica s do Diário de
Notícias, onde se manteve durante vários anos . Colaborador de diver sas
folhas literárias, a grande atração pelo teatro fê -lo ensaiador em várias
coletividades amadoras, para as quais escreveu, adaptou221
e imitou
muitas obras, a lgumas das quais a lcançaram êxito nos teatros públicos.
Inicialmente, o novo empresário prolongou a venda das coleções de
Domingos Fernandes, a tualizando alguns títu los, em detrimento de
outros, porém mantendo o espírito editoria l das mesmas. A Livraria
Económica permaneceu fi el ao “sortimento de drama s, comédias,
operetas, cenas cómicas, cançonetas, poesia s cómicas e dramáticas”,
a través da coleção de “Theatro escolhido, próprio para amadores e de
agrado certo” , e da “Collecção de coplas de diver sas óperas cómicas”222
.
Estas compilações defin em, por um lado, um conjunto de autores
assumidamente populares – muitos integrando outras coleções, como a
mencionada “Bibliotheca Theatral” – , e, por outro, a exi stência de
modalidades que servem a função t eatr al, – o monólogo dra mático e a
cançoneta – , oriundas quer de espaços de teatro, quer dos de
divertimento dançante, como o s cafés-concerto, onde o couplet reinava
no Baile Nacional , na rua de S. Vicente à Guia, no Jardim Chinês, na rua
nova da Alegria , ou no Casino Lisbonense, no largo da Abegoaria ,
famoso pela polémica em torno da s interditada s Conferência s
Democrática s, em 1871.
O final do século XIX marcou um tempo de transiçã o, de
lançamento das ba ses que transformaram a centúria seguinte. O sist ema
de valores burguês que fez nascer a democracia , fez evoluir a perceção
do próprio burguês, cuja forma de pensar o notabilizou perante a
sociedade, mas, ao mesmo tempo, o sujeitou ao ju ízo crítico dos seus
contemporâneos: “ sa qualifi cation théâtrale est une disqualification
221
O seu drama-i mi tação, em 4 atos, Jocelyn , o pescad or d e baleias , publ icado na
coleção “Theat ro escolhido, p róprio para amadores e de agrado certo”, da sua
l ivraria, explici t a, no prefácio, que se t rata de uma acomodação “às exigências de
sociedades dramát icas de poucos recursos e de pequenos palcos”. 222
Cf . Apêndices – 13 . Tabela de publ icações dramát icas da Livraria Económica de
F rederico Napoleão da Victoria.
160
social. […] Il demeure un matériau de choi x pour su scit er l e rir e” (Dubor
2004: 8). O monólogo dramático e a cançoneta corresponderam à voz
democrática dos pequenos herói s do quotidia no – bombeiros, costureiras,
guardas-noturnos, andadores, e tantos outros, das pequenas miséria s
humanas – , e à exposição irónica dos seus drama s íntimos, em tempo de
desfrutadores de polémicas, que acreditaram na arte como criação de
caracteres humanos e como rejuvenescimento moral e intelectual.
Vivia m-se tempos de boémia literata e “ tresnoitadora”, em que esses
“ratos cerebrais” (Fialho 1992b: 31) contertu liavam nos espaços de
sociabilidade coscuvilheira e r evolucionária , discorr endo sobre o “dia
psíquico, li t eratura , política , boas mulheres, quintilhas e chalaças” ( id .,
ib id . : 32). Na teia dos antros de boémia intelectual, brotava “vida de
imaginação” ( id . , ib id . : 34), “contra o mal do individualismo tíbio, do
espírito de caserna, da cobardia dos chefes perante a miséria e a dor
univer sais, com que a s grandes nações polí ticas arruínam a saúde do
mundo” ( id ., ib id . : 41). O ser boémio comportava -se como uma
“refracção moral ou mental” , que o aproximava de Nietzsche, quando
procla mara que nada era verdadeiro, e tudo era permitido223. O espírito
observador conduziu ao desenvolvimento do espírito r et ra tista de
quotidianos, fixando uma reali dade fotográfica , em substi tu ição da
ilustração gráfica , constitu indo bases para a elaboração de perceções
veri stas. No exacerbamento patriótico finissecular, ser intelectual era
expressão de nacionalidade, num período em que se veri ficou um apogeu
cria tivo da indústria teatral, cuja abundância produtiva nem sempre
encontrou equivalência qualita tiva:
O mal que se discute é antigo. A sorte do teat ro, como a das empresas e
como a dos actores, acha -se em toda a parte indissoluvelmente l igada ao
dest ino da li te ra tura dramát ica . Ora este ramo das le tras portuguesas não
tem feito senão decai r desde que Garret t se reti rou a té aos nossos d ias
(Ortigão 1908: X).
O monólogo dramático e a cançoneta são “pure blague, sans
prétention, ni ambition”, que se constituem como forma primordial de
223
A es te respei to cf . B LO N D E L, Éric (2015), Le problème moral . Paris : P resses
Uni vers i t ai res de F rance (PUF).
161
teatro, “ inventi f dans sa mécanique comique” (Dubor 2006). São
excertos do quotidiano, numa kodakização do real224
, sem poética , qu e se
tornaram moda, e suscitaram o aparecimento de autores oca sionais, a
edição de coleções de folhetos, a sustentação de nova s modalidades do
espetá culo e de novos espaços de t eatralidade, desde os cabarets e ca fés
concertos, às matinés teatrais e aos espetá culos de benefício225
. Modo
mínimo de arte teatral, su stentado por um texto paradoxal (contraditório,
absurdo, disparatado), permitia o encontro de um poeta , um intérprete e
um público . Constitu íram plataforma s de sucesso de muitos artistas e
uma reflexão sobre a arte dramática e sobre a sociedade, fa lando da
contemporaneidade, a inda que de forma frívola , enquanto “literatura” de
qualidade irregular. Modalidades de carácter urbano, ecoaram o seu
contexto socio-hi stórico, a través de poucos meios para a sua
representação. Por outro lado, a aparente pobreza poética do texto
permitiu uma maior liberdade interpretativa do ator ou do ca nçonetista ,
que extravasavam as suas capacidades hi striónica s e galvanizaram as
plateias; tanto serviram para lançar um estr eante , como enalteceram a
popularidade do consagrado. Trata -se de um produto que vita lizou o
domínio da s vedeta s populares, profi ssionai s e amadoras, porque a sua
passagem do t eatro público para o particular, e para as salas domést icas,
se fez à velocidade da m oda:
La spéci fic ité de tel s textes se l it en premier lieu dans les condi tions
d’exercice e t de développement propres à la mode dont il s font l’objet :
leur inscript ion sociologique les fonde en objet spectaculai re, puisqu’i l s
t raversent tous les é tages de la société , et consti tuent un lien solide en
créant une certaine homogénéité des publics a insi fédérés autour d’un
spectacle réjouissant. Il s répondent en cela à la mise en œuvre d’un
fonctionnement proprement démocratique dans le domai ne art ist ique
(Dubor 2004: 13).
224
A es te respeito cf . M A T EUS , Isabel Cri st ina Pinto (2008), «Kodakização» e
Despolari zação do Real : Para uma poética d o grotesco na obra d e Fialho d e
Almeida . Li sboa: Caminho. 225
Na réci t a a favor da Sociedade P romotora das Creches de Santa Eulál i a, real i zada
no Teat ro da Rua dos Condes , a 10 de abril de 1891, apenas se representou a farsa Zé
Palonço, escri t a proposi tadamente para o efei to , por Ger vás io Lobato , Lopes de
Mendonça e D. João da Câmara . O res tante espetáculo , em que part i cipara m mui tos
dos primei ros atores de t eat ro , compôs -se de monólogos, cenas cómicas , ár i as,
cançonetas e poes ias : A órfã (Augus to de Melo ), O melro (Augus to Rosa), O r iso
(Vi rgin ia) , Job (Ferrei ra da S ilva) , Solo d e f lauta (Si lva P erei ra) , Um pând ego d e
t rês assobios (Pepa Ruiz) , ent re mui tos out ros (Bastos 1898: 142).
162
Para o desenvolvimento da prática do monólogo dramático , em
Portugal f in-de-siècle , muito contribuiu a influência dos atores Coquelin:
Constant , vulgarmente conhecido por Coquelin a iné , e do seu irmão mais
novo, Ernest , dito Coquelin cadet226. No repertório de Molière , enquanto
aquele representava as figuras da alta comédia, este e speciali zou-se na s
figuras dos baixos-cómicos. Todavia , a forma de r epresentação de
Coquelin cadet assentava na requintada utilização do jogo mímico,
associado a uma voz maliciosa, pontuando o fraseado com notas de
ternura e deli cada sensibilidade. Estas c aracterí stica s coadunavam-se
com as necessidades in terpretativas do monólogo fumiste , que ele
inventou: uma composição cómica, curta , de ritmo rápido, para uma só
per sonagem. Virtudes encontradas no poema de Charles Cros , Le hareng
saur, que Coquelin ouvira recitar pelo próprio autor, num jantar de
amigos227
e que decidiu apresentar na Comédie Française :
226
Coquelin ainé (Benoit Constant Coquel in) es teve por quat ro vezes em Lisboa.
Ent re 21 de abril e 5 de maio de 1887, no Teat ro de D. Maria II , com a sua
companhia, onde representou teat ro francês , em 10 réci t as . “Foi a coqueluche dessa Prima vera l i sboeta. […] Os seus monólogos , reci t ados quase todas as noites , eram
recebidos com o vações entus iást i cas . Foi uma jornada t riunfal (Sequei ra 1955:
II,377). No ano seguinte, em maio , de passage m para a América, reci tou monólogo s ,
no in tervalo das récit es da companhia Rosas & Brazão, e tomou parte, a t ítulo
gracioso , num espetáculo de homenage m ao maes t ro Ci ríaco Cardoso, na cidade do
Porto . Ent re 28 de abri l e 5 de maio de 1903, com a sua própria companhia, na qual
se encont rava seu i r mão Coquel in cadet (Ernest -Alexandre-Honoré Coquel in) e seu
f i lho Jean Coquel in , representou no Teat ro de D. Amél ia (empresa Rosas & Brazão),
ao qual regressou, no mes mo ano, ent re 24 e 29 de Nove mbro. Rafael Bordalo
P inhei ro regi s tou -o em Pontos nos ii . Os i rmãos Coquel in escrever am també m
monólogos , e produzi ram l i t eratura t eórica sobre t eat ro – L’ar t et le coméd ien
(Cons tant Coquel in , Pari s, 1880) e L’ar t du coméd ien (Constant Coquel in, Paris ,
1894) – e sobre o monólogo: Recueil d e monologues d i ts par l es frères Coquelin
(Cons te & Ernes t Coquelin , Pari s , 1880), Le monologue mod erne (Ernes t Coquelin ,
Paris , 1881), e L’ar t d e d i re l e monologue (Cons tant & Ernest Coquel in, Paris ,
1884). Sobre a importância que tivera m os i r mãos Coquel in , cf . P LUN KE T T , Jacques
de (1946), Fantômes et souvenirs d u théât re d e la Por te -Saint -Martin (1781 – 1941).
Paris : Ariane; NÖ EL, Benoit/ DELA C RO IX , F rancine/ KA LEN IT C H EN KO , Li l i ane (1998), Les Coquel ins , t roi s générat ions d e comédiens . Société h is torique de Rueil -
Malmaison. 227
Charles Cros t inha por hábito recit ar publicamente a sua poesia, t anto em casa de
part i culares , como em cafés ou cabaret s de Paris . O poeta Laurent Tai l lade regi s tou
uma sessão de poesia de Cros , em sete mbro de 1883, no seu livro Quelques fantômes
d e jadis : “Sur un divan pi sseux, entouré de sous -d iacres, l a p lupart imberbes et tous
d’une évidente malpropreté, Cros , t rês allumé, réci t ai t des vers . Des che veux de
nègre et ce t ein t bi tumeux que M. Péladan devai t quali f i er p lus t ard d’«indo -
provençal», en parlant de sa personne; des yeux bénins d’enfant ou de poète à qui l a
vie cacha ses t r i st esses et ses devoi rs , l es mains déjà séni les et t rembl otant de l a
f i èvre des alcools […] [Cros] délectait l es curieux d’art , cependant que ses
163
Le monologue ent re de plus en plus dans nos mœurs. Je parle du
monologue dont Charles Cros est la mère , et moi, si j 'ose m'exprimer
a insi, la sage -femme; de ce monologue particulier, enfant bizarrement
conformé, dont le premier bégaiement a été le Hareng saur . [ ... ] Le
monologue est une des expressions les plus originales de la gaieté
moderne; d 'un ragoût ext raord inai rement pari sien, où la farce française
fumiste et la sc ie s'a ll ient à la violente conception américaine , où
l 'invraisemblable e t l ' imprévu s'ébattent avec t ranquill ité s ur une idée
sérieuse, où la réali té e t l ' impossible se fondent dans une froide
fantaisie . [. .. ] Je vis là l 'aurore du monologue moderne, et jamais
impression plus curieuse ne me fut donnée qu'en écoutant Cros di re, avec
le sérieux d 'un homme qui réciterai t du Châteaubriand ou du Lamennais,
son impayable Hareng saur . Je ne me doutais pas, à cette époque, que ce
petit poisson deviendrai t aussi grand, qu'il serai t goûté par les foules qui
fréquentent les cafés-concerts, e t qu'il charmerait cette mer qui s'appe lle
Paris (Coquel in 1881: 11-15).
Constant Coquelin dividiu os monólogos em cinco modalidades,
segundo as circunstâncias narradas – monólogo trist e, a legre, indeci so ,
verdadeiro, excessivo (Coquelin 1884 : 115) – , e teorizou a sua recitação
em L’Art de d ire le monologue . Os irmãos Coquelin promovera m o
monólogo moderno228
, dos poeta s fumistas, das ideias antiburguesa s e
libertár ias, como Rimbaud, Charles Cros ou Verlaine , tanto quanto
divulgaram a poesia de autores como Mallarmé ou Villier s de l’Isle -
Ada m, transfigurados em “monologadores”:
Dans les soi rées, dans les mat inées, dans les conférences ou dans les
fê tes, partout à peu près où l’on se réunit pour chercher en commun
quelque plaisi r, — en dépit des vieux c lichés rail leurs, — on dit de plus
en plus des vers. […] Si l’on veut, en effet , que la vie soi t quelque chose
de plus relevé que la concurrence des appéti t s, il faut bien lui donner un
charme: or, ce charme -là, la poésie le met partout: dans le plaisi r, qu'e lle
affine, et dans la douleur même; pour cela, nous devons l’ aimer; pour
cela , la répandre (Coquel in 1884 : 5 ).
monologues , colportés au jour para l a fantais ie de MM. Coquelin , évei l l aient dans l e grand publ ic l e goût de l a drôlerie infini t ésimale. À chaque s t rophe de ses p ièces ,
connues pourtant et rabâchées dans l ’entourage du grand homme, un fr i sson
d’enthousiasme secouait l a buée du pétun et l es n idoreuses émanat ions de
l ’assemblé. In tarissablement , Charles Cros ressassai t quelques poèmes , d’une voix
brève et mate, dont l e t i mbre découpai t non sans vigueur l a grâce un peu ét r iquée de
ses composit ions” (1913: 56). 228
Constant Coquelin escreveu duas obras sobre poetas que se dedicaram à arte de
monologar: Un poète d u foyer: Eugène Manuel (1881) e Un poète philosophe: Sully
Proud homme (1882) . Muitos out ros o f i zeram, seguindo o conselho que preconi zou:
«Al lez et monologuez! Que le succès vous acco mpagne, c’es t l a grâce que j e vous
souhai te” (Coquelin 1884:113)
164
Do repertório de monólogos dos Coquelin, João Coelho Dias
traduziu L’Hareng saur (Arenque seco ) , oferecido ao ator Augusto de
Melo229
, que o recitou pela primeira vez na noite da festa artística de
Guilherme da Silveira230
, no teatro do Ginásio , a 28 de maio de 1885. A
obra teve edição pela Livraria Popular de Franci sco Franco, na
“Collecção de peças theatraes para salas e theatros particulares” (nº 58),
referenciando a estr eia absoluta na Comédie Française , por Coquelin
ainé, e um extracto da apreciação crítica , contida em L’Art de d ire le
monologue . O sucesso da obra está patente na exi stência de u ma segunda
edição da mesma, e na sua paráfrase, por Oniba s231
, Fiasco , um
“monólogo maçador”, editado no Almanach dos palcos e salas para
1908, por Arnaldo Bordalo .
Também o gazetilheiro Acácio Antunes , prolí fico autor de
monólogos, traduziu livremente a fantaisie en vers , Les écrevisses
(1879) , de Jacques Normand (Os camarões, 1888) , dedicado ao mesmo
ator, e Le hanneton (O besouro ) , de Paul Bilhaud232
, dedicado a Eduardo
Brazão233
. Outras tentativas individualizadas surgem com Fernando
Caldeira , que imitou La mouche (A mosca), de Émile Guiard234
, Machado
229
João Coelho Dias escreveu out ros monó logos impressos pelo mes mo edi tor: O
gaiato d as cautelas e Não é verd ade, menina? 230
Gui lherme da S i lvei ra fo i ator e empresário de uma co mpanhia de t eat ro no Rio de
Janei ro. No Brasi l fez fortuna, e regressou a Portugal com o sonho de inves t i r . Em
Lisboa, const ituiu uma sociedade com o vi sconde São Luiz Braga , Celes tino da
S ilva, Al fredo Miranda , Al fredo Waddington e António Ramos , ent re out ros , para
fundar o Teat ro de D. Amél ia , inaugurado a 22 de maio de 1894. Gui lherme da
S ilvei ra d i r igiu com espí r ito de modernidade es ta sala de espetáculos do dandismo
l i sboeta. Em 1900, pouco tempo antes de falecer , passou o t es temunho ao vi sconde
São Luiz Braga, que o d i r igiu a té 1917, ass is tindo à t ransformação do seu nome para
Teat ro da Repúbl ica , aquando da mudança de regime, e ao incêndio que quase o
des t ruiu, em 1914. Em 1916, quando reabriu portas , o t eat ro foi renomeado, em
homenage m, ao seu empresário , com o nome de Teat ro de São Luís . 231
Es te anagrama poderá ser pseudónimo de Sabino de Sousa . 232
Editado em colectânea: B ILHA UD , Paul (1890), Les gens qui r i ent : choses à d i re .
P réface par Coquelin cadet . Pari s : Barbré édi teur. [1899, 3ª edição]. 233
Toda via, a sua coroa de glória fo i o monólogo original O es tud ante Alsaciano ,
in terpretado por vários atores - Diniz , Vale , Augus to de Melo e Chaby P inhei ro - ,
que reflete a t emát ica do pat r io ti smo popular , l embrando da ocupação da Alsácia -
Lorena, na Guerra F ranco -P russiana de 1870. 234
Tal como em França, onde, em 1903, o monólogo contava co m 55 ed ições
impressas , o seu sucesso em Portugal antecedeu a presença de qualquer dos
Coquelin , em Lisboa (1887, 1888, 1903). A imi tação de Fernando Caldei ra t eve
cinco edições impressas, ent re 1881 e 1883, e uma sexta, e m 1912, em conjunto com
o monólogo original A congressi sta . Augusto Garraio t ambém fez u ma t radução do
165
Correia , que traduziu Les lunettes de ma grand -mère (Os óculos da
minha avó), de Hippolyte Matabon235
, e Eça Leal236
Le naufragé (O
náufrago), de Françoi s Coppée, o poeta popular e sentimental de Pari s,
dos quadros íntimos do univer so dos humildes237
.
Com alguma timidez inicial, as nova s modalidades teatrais foram
integrando as coleções da Livraria Económica, e amplamente editada s
pela Livraria Bordalo238
, cujo proprietário, coligiu a sua obra em dois
monólogo de Émi le Guiard , La mouche (1898), que, em Portugal , foi reci t ado por
Eduardo Brazão. 235
Te ve edição impressa, na colectânea Après la journée (Marseil l e: Camo in, 1874).
O impressor marselhês Matabon , t eve sonetos publicados na Gazette d u midi (1856,
1858, 1859) e na Revue d e Marseil l e (1858, 1859) (Veyrières , 1869:166). No
Rapport sur l es concours d e l ’année 1875 , de Henri Patin , secretário da Acad émie
Française, são apreciados os seus versos : “applaudis dans des réunions populai res
i l s l e furent bientôt dans l es cercles l ett rés de l a poétique Marsei ll e; deux pièces
[…] d’él it e, expression agréable et touchante d’affect ions , de souveni rs
domest iques , l e vieux fauteil , l es lunettes d e ma grand -mère, s ’aventurent au dehors
[…]” (www.acade mie-françai se. fr) . Em Portugal , surge edi tado no Almanach d os
palcos e das salas para 1890 (Lisboa: Arnaldo Bordalo) , e, em folheto, em 1902, no
mes mo edi tor . Es te monólogo para senhora foi recit ado em França, na Coméd ie
Française, pela at r i z Suzanne Reichenberg e, em Portugal , por Lucinda do Carmo no
Teat ro da Trindade , e nos principai s t eat ros . Deste autor, Coquelin reci tou Une
sour i s. 236
Como dra maturgo, escre veu bas tantes originai s e t raduções , em colaboração co m
Ger vás io Lobato, seu cunhado, Eduardo Schwal lbach , Al fredo de Ataíde , ou António
Batalha Reis , ent re out ros , e princip iou a escre ver a co média O vul to que rouba as
dálias, em colaboração com o seu primo Eça de Quei rós . Este monólogo dramát ico
fo i recit ado por Eduardo Brazão, e editado por F ranci sco F ranco , na Colecção de
peças t eat rai s para salas e t eat ros parti culares, nº 554. 237
Le naufragé foi igualmente t raduzido por Luís Fi lipe Leite (1897). A obra de
Coppée teve d i ferentes t raduções : Acácio Antunes , Zanet to, D. João da Câmara , Dor
bend ita, Coelho de Carvalho , O violeiro d e Cremona (1895), Joaquim Pedro Alves
Crespo , O sonho (1905), Augus to de Lacerda , A greve d os f erreirros (poema-
monólogo), Margarida Sequei ra , O Pater , Jaime Victor/ Macedo Papança , Conde de
Monsaraz, Severo Torel li (1885). 238
Es ta livraria fo i fundada em 1835, na rua Augus ta, em Lisboa, por Joaquim José
Bordalo , fi lho de um professor primário elvense, José Joaquim Bordalo , e i rmão dos
escri tores F ranci sco Maria e Luís Maria Bordalo. Todos eles escreve ra m para o
t eat ro . Joaquim José escreveu algu mas peças e m verso e prosa, ent re quais a t ragédia
Jesualdo , que recebeu o louvor da Acade mia das C iências , em 1798. F rancisco
Maria, ent re obras incompletas ou que se perderam, viu subi r à cena o dra ma Rei ou impos tor , no Teat ro de D. Maria II , e m 1847, que susci tou vi va po lémica ent re o
autor e a Inspeção dos Teat ros , e t eve edição impressa no mesmo ano, que inclui os
principais artigos jornalí s ti cos publicados . Luís Maria escreveu o drama O Jud eu,
representado pel a primei ra vez no Teat ro do Sali t re . Teve grande p opularidade,
sendo, por i sso , in tegrado no repertório das sociedades dramát icas da época,
passando a ser conhecido por O Jud eu Jónatas , e t rês edições impressas . Deixou
inédi tos quat ro dramas . Em 1894, Arnaldo Bordalo assumiu a exploração da l ivraria
de seu pai , t ransferida para um pri mei ro andar da rua da Vi tória, passando a edi tar
mui tas das primei ras obras dos nóvei s escritores dramát icos . Escreveu várias peças ,
monólogos e cançonetas para o t eat ro de amadores dramát icos , alguma s das quai s
chegara m aos t eat ros públ icos , como a opereta D’Artagnan , escri t a em colaboração
166
volumes, intitu lados Monólogos e cançonetas (1895) sob pseudónimo A.
Armando. Outros autores foram editados de forma avulsa . Também a
Livraria Popular de Francisco Franco integrou os monólogos e
cançonetas no repositório híbrido “Collecção de peças thea traes para
salas e theatros particulares” . Apenas no início de Novecentos, a Livraria
do Povo, de Si lva & Carneiro , editou uma “Colecção de monólogos e
cançonetas”. Entre o ú ltimo quartel de Oitocentos e meados da centúria
seguinte, esta li teratura espetacular breve galvaniz ou profi ssionai s e
diletantes, sobretudo estes, e o desejo de ascender socialmente pelo
intelecto. Da vasta produção impressa239
, mais de três centenas de nome s
se inscrevem na lis ta de autores t eatrais, “ folhetinista s” de u m teatro de
quotidiano burguês. Se alguns u ltrapassaram a barreira do tempo, a
maioria recebeu apenas os louros do momento, sem jamais ascender ao
cânone lit erário.
Estas obras breves viera m destronar a cena -cómica, com pesar dos
saudosi sta s do repertório de António Pedro , Silva Pereira , Leoni, ou
Vale, dos sucessos de Solo de flauta , imitação do Solo de flu te , de
Bilhaud, por Gervá sio Lobato, Um alho ou Aldighieri júnior , ambos de
Eduardo Garrido, a té que Júlio de Meneses correspondeu aos anseios dos
tradicionali stas, escrevendo a cena -cómica original, Uma conferência ,
representada pelo ator -imitador Varga s, no Teatro do Ginásio, em 1909.
Na Lisboa finissecular abalada pelos efeitos do Ultimatum , e onde
o ativismo republicano ganha voz em O Mundo, de França Borges ,
Franci sco Franco fundou na travessa de S. Domingos, nº 60, a Livraria
Popular, que converteu na primeira casa do país no género teatral,
fornecedora das principais livr arias (na especialidade) e das principais
sociedades e grupos dramáticos de Portugal, África e Brasil240
. Ao
com Artur da S i lva , co m música de P lácido St ichini , est reada no Teat ro da Trindade ,
com Ana Perei ra , como protagonis ta. 239
Cf. Apêndice – 14 . Tabela de autores de monólogos dramát icos e cançonetas . 240
Em 1903, o catálogo tem por t ítulo Catálogo de romances, obras scient if i cas e
l it t erarias, manuaes utei s d e d iversas Artes e Ind us tr ias e Almanachs . A part i r de
1905, com a mudança de ins talações , passa a exi s ti r um catálogo de t eat ro
especí f i co: Catálogo geral d e peças d e t eatro d a L ivraria Popular de Franci sco
Franco. Publ ici t ava edições t eat rai s próprias , assinaladas com arteri sco (*) , e de
out ras proveniências não mencionadas, vendidas ao mesmo preço. A l ivraria
continuava a negociar livros de es tudo, manuais t écnicos, «útei s e indispensávei s a
167
assumir a “especialidade em peça s theatraes, próprias para salas e
theatros particulares, taes como: drama s, comedias, scena s comica s e
dramaticas, monologos e poesia s comica s e dra maticas, t anto para
homem como para senhoras”, o editor -livreiro publicitou as edições no
espaço livre dos folhetos – Colecção de peças theatraes pa ra salas e
theatros particulares, Biblioteca Dramática Popular e Colecção de copla s
de diver sas óperas -cómicas – , e cri ou um “Catálogo geral de peça s de
teatro”, enviado gratuitamente aos curiosos dr amáticos. As obras surgem
por ordem numérica sequencial dentro da coleção, maioritariamente sem
designação autoral, indicando apenas o títu lo, o género, o número de
executantes necessários à cena, e o preço241
. Em 17 de janeiro de 1905, a
Livraria Popular inaugurou as suas nova s e ampla s instalações.
Transfer iu-se para os números 30 a 34 da mesma rua , e editou um novo
Catálogo Geral, uma brochura de 64 páginas, i lustrada, de aspeto
cuidado, que passou a incluir o hi storia l da empresa, r edigido por L. C.,
e uma resenha de artigos elogiosos saídos na imprensa li sbonense.
Franci sco Franco, oriundo de uma família de fracos recursos,
estudara para ser condutor de obras pública s, ao mesmo tempo que
exercia o ofício de dourador. O teatro ocupava -lhe as horas de ócio,
primeiro como espectador, e depois como amador nas sociedades
dramáticas, onde chegou a ensaiador, dir etor e gerente do Teatro
particular Garrett , aos Anjos, sendo “a alma d’aquelle modesto templo da
arte” (Franco 1907: 3). Se muitos dos seus companheiros da arte
dramática seguiram a via profissional, Franci sco Franco preferiu a de
livreiro, trabalhando para Domingos Fernandes, que lhe chegou a propor
o posto de gerente da sua Livraria Económica :
diversas artes e indúst r i as», almanaques , álbuns de bordados e cos tura para uso
domést ico , e material de papelaria, anunciado em catálogo di st in to. 241
A formatação não se apresenta constante. Fora as colecções propriame nte di t as ,
tudo indicia que, a parti r do mo mento em que a produção editorial se ampl iou
quanti t at iva mente, as obras foram publ ici t adas segundo géneros t eat rai s oi tocent is tas
– drama, co média, ent reactos , opereta , etc – , subdivididos de acordo com o número
de actos , e nunca descurando o número de part i cipantes masculinos e femininos. Para
as modal idades t eat rais – cenas cómicas , monólogos, poes ias , e cançonetas –,
especi f i ca-se uma divi são de género , consoante o i ntérprete (para home m, para
senhora) .
168
Descobrindo nos al farrábios peças ant igas, adqui rindo as modernas que
sucessivamente se iam publ icando, colecionando, lendo, e estudando em
todas el las, adqui riu assim o fino tacto de lhes conhecer o valor e exito.
[…] Animado por esse condão […] escolheu a sua profissão, e conforme
poude estabeleceu uma agencia teat ral em sociedade com dois a migos, a
primeira talvez, ainda que modesta, mas a melhor di rigida e que melhor
sa t i sfazia as exigências do seu tempo ( Franco 1907: 3 -4).
Aproveitou as economias acumuladas e a a juda de amigos, e de seu
irmão Emílio Franco, para criar a sua própria livraria , a 2 de agosto de
1890, um pequeno espa ço onde se manteve durante quinze anos. A
prosperidade comercial trouxe a necessidade de a mpliação das
instalações. A r elação de amizade que mantinha com “os melhores
auctores dramáticos” tornou-o em “editor preferido”. A nova loja tornou-
se num espaço de cultura , “decorado com dois grandes panneaux a óleo
[do cenógrafo Luís Salvador ], representando em diver sas apotheoses a
l i teratura dramática” ( id . , ib id . : 4 ). A imprensa reconheceu unanime a
modernidade do estabelecimento, i luminado a luz elétrica , fru to da
diligência de “um homem de acção, na scido da bohemi a e quasi do nada”
(A Epocha , 18/01/1905) ( id ., ib id . : 6):
Apertado na vést ia d’uma educação deprimente e fatali sta , o nosso meio
já não está para as antigas energias, para as grandes iniciativas que, em
todos os ramos da actividade, foram a maior caracterí stica do povo
português. // Uma ideia, uma obra , uma tentativa de valor, que, de quando
em quando, por ahi aparecem, t razem sempre a chancela dúm
est rangei ro. // Por seu motu-proprio, a imaginação e o capital indígena,
raro se abalançam a um empreendimento incerto. Tolham -n’os a
cobardia , o receio mutuo, de que todos nos de ixamos annul lar. Nã o
pomos fé uns nos out ros, nem confiança em nós mesmo. D’ahi uma
fa lência geral e individual , que leva á quebra de todas as fi rmas e de
todos os homens. // Um portuguez corajoso, tentando um negocio,
lançando-se resolutamente á execução do plano mais simples, assume,
pois, no momento ac tual , as proporções de um gigantezinho. Elevam-n’o
e impõem-n’o a excepção e o exemplo (Franco 1907: 6 ).
A nova livraria “a valer” ampli ou as possibilidades de “laboratório
de actividade” ; era frequentada por escritores de renome, que aí
“passavam algumas hora s em agradávei s palestra s, concertando a s suas
edições” ( id ., ib id . : 8). O trabalho persi st ente de F ranci sco Franco, e a
sua capacidade administra tiva, dota ram a capita l de um estabelecimento
169
comercial que emparceirava com os congéneres locai s, e com as editoras
musicai s estrangeiras – Choudens (1845), de Paris, e Casa Ricordi
(1840), de Milão – enquanto editor e “copistaria” de partituras.
Após a morte do fundador, a livraria continu ou pela mão de seu
filho Francisco, mantendo a especialidade teatral. O Catálogo Geral de
1939242
continuou a inventaria r as obras editadas, segundo o critério
formal de entreatos, comédia s, dramas – ordem crescente de número de
atos, subdividida segundo o núm ero de intérpretes ma sculinos e
femininos – , opereta s, duetos, t ercetos, quartetos, canções e cançonetas.
Os títu los ordenam-se al fabeti camente, sem indicação de autor, à
exceção dos consagrados pelo gosto popular243
: Eduardo Schwallbach
(13), D. João da Câmara (5), Marcelino Mesquita (4), Gervásio Lobato
(2), Ibsen (2), Gomes de Amorim (1) e o anti -iberi sta padre Soares
Franco júnior (1) , que colaborara na Illustração Luso -Brasile ira .
Organizadas grosso modo em três secções fundamentais – comédia,
drama, e teatro musicado – , em 1939, o Catálogo Geral regista um total
de 1465 títu los, l iderados pelo género musicado, nas suas múltiplas
vertentes, e sendo o drama o menos r epresentativo.
Tabela 1 - Géneros t eat rais publ icados
Entre a s modalidades t eatrais, o entr eato individualiza -se, sofre a
autonomia própria de uma peça que deriva da sua função dentro do
242
Com o falecimento do editor -l ivrei ro Arnaldo Bordalo, o espólio t eat ral da
Li vraria Bordalo t erá s ido comprado por F rancisco F ranco, passando a in tegrar o seu Catálogo Geral , após 1921. As coleções de t eat ro infant i l daquela l ivraria não es tão
inclu ídas na análi se que se faz à Livraria Popular , porque não correspondem ao
espí ri to in icial des te editor . 243
Ent re feverei ro de 1896 e julho de 1898, a revi s ta de t eat ro A Cena procedeu a um
inquéri to para apurar da populari dade de personal idades do meio t eat ral , ent re
autores, atores , mús icos , crí ti cos e empresários. O gos to dos l eitores elegeu D. João
da Câmara co mo o melhor autor dramát ico , seguido de Eduardo Schwal lbach,
Marcel ino Mesqui ta, Henrique Lopes Mendonça e Antón io Enes. Ent re os atores ,
sobressaiu Eduardo Brazão, sobre João e Augus to Rosa. Sousa Bas tos fo i elei to
como o melhor autor de t eat ro l igei ro, com o epíteto de “revi s tei ro”.
Comédias 371
Dramas 163
Teat ro musicado 619
Monólogos 312
170
espetá culo. Seja de comédia ou dra mático, tra ta -se de uma composição
breve, destinada a entreter o público entr e actos, enquanto se proced ia à
mutação cenográfica da peça principal. O entracte francês acomodara -se
à cena portuguesa como “intervalo cómico”, por José de Abranches , para
caracter izar É forte b irra te imar (1865) , por Luís António de Araújo , em
Picadores de portas (1870), ou Luís Francisco Lopes , em A Grande-
duquesa de Gerolste in e o Sereníssimo Barba Azul no meio da rua
(1870). Na sua qualidade de dramatículo funcional do espectá culo, t inha
correspondência com o “ lever de rideau”, o antea to, ou l i teralmente “ao
levantar do pano”, cuja execução ocorria logo após a sinfonia de abertura
pela orquestra do teatro, com que tradicionalmente principiava a função
teatral . O anteato atrasava propositadamente a apresentaçã o da obra
principal, entret endo os espectadores presentes, que aguardavam os
retardatários.
O tempo encarregou-se de conferir a estas composições o estatu to
equivalente a peças em um ato, complementando os espetáculos da s
sociedades dramática s particulares. Todavi a , em 1939, o ca tálogo da
Livraria Popular apena s publicita entreatos para homens, com
prevalência para os de comédia. Entre os autores catalogados destacam -
se Franci sco Palha , Câmara Manuel , José Inácio de Araújo , Veloso da
Costa , Ferreira de Mesquita , Eduardo Garrido, T ito Martins, Diogo José
Seromenho, João de Sousa , Bapti sta Diniz e Dupont de Sousa .
Designação genérica Parti cipantes Obras
Ent reacto cómico 2 homens 13
Ent reacto dramát ico 2 homens 6
Total 19
Tabela 2 - Ent reactos
Indi scutivelmente, as comédia s corr espondem ao género fa vorito
dos espectáculos populares. Dominando Francisco Franco o meio dos
amadores dramáticos, é compreensível o seu cuidado em editar obras
adequadas às suas possibilidades interpretativas e ao melhor benefício
das récitas. Toda s as comédias em vários a tos apresenta m elencos
dramáticos mistos.
171
Tabela 3 – Comédias I
Contudo, r egi sta -se um grande número de comédia s em 1 ato que
apresenta m a particularidade de individualizar um dos sexos,
veri ficando-se que as comédia s destinada s a homens superam, em larga
escala , as destinadas a senhoras, facilitando a composição de elencos nos
grupos dramáticos dos grémios e academias r ecreativas, conhecendo -se a
sua dificuldade em encontrar intérpretes femininos. O elevad o número de
comédias, que se oferecem ao escrutínio dos compradores, entre 1 e 3
a tos, espelha a tipologia das récitas, compostas por vários momentos de
representação, tocando uma escala variada de sentimentos, numa
combinação ecléti ca destinada a preenche r quatro a cinco horas de
convívio.
Tabela 4 - Comédias II
Do volume de obras, as comédias mistas apresentam a maioria dos
títu los, seguindo -se as masculinas (45) e as femininas (5). Os drama s
correspondem a menos de metade da oferta cómica, previligiando -se as
peças em 3 atos, seguidas das em 1 ato.
Comédias em 1 acto Ho mens , senhoras e mis tas 291
Comédias em 2 actos Mistas 27
Comédias em 3 actos Mistas 44
Comédias em 4 actos Mistas 4
Comédias em 5 actos Mistas 5
Total 371
Comédias em 1 acto
3 homens 14
45
4 homens 11
5 homens 6
6 homens 8
7 homens 6
2 senhoras 2
5
3 senhoras 2
4 senhoras 1
mis tas 241
172
Tabela 5 - Dramas
O repertório cantado é outra grande aposta de Franci sco Franco,
denotando a grande popularidade da opereta de costumes populares, da
ópera cómica, dos quadros musicados – duetos, t ercetos e quartetos -,
bastas vezes provenientes da s revistas, e da s cançoneta s.
Tabela 6 - Teat ro musicado
Outro tanto se pode dizer das composições poéti cas monologadas,
destinada s a ambos os sexos, prevalecendo, como anteriormente, os
monólogos masculinos, com especial relevo para os cómicos.
Monólogos (homens) Cómicos 226
267 Dramát icos 41
Monologos (senhoras) 25
Cenas cómicas (homens) 20
Total 312
Tabela 7 - Monólogos e cenas cómicas
Dramas e m 1 acto Mistos 51
Dramas e m 2 actos Mistos 6
Dramas e m 3 actos Mistos 67
Dramas e m 4 actos Mistos 13
Dramas e m 5 actos Mistos 22
Dramas e m 6 actos Mistos 4
Total 163
Operetas em 1 acto 48
Operetas em 2 actos 4
Operetas em 3 actos 11
Operetas em 4 actos 2
Duetos 53
Tercetos 19
Quartetos 4
Canções 27
Cançonetas para homens 388
Cançonetas para senhoras 63
Total 619
173
7.1 . As coleções da Livraria Popular de Francisco Franco
Trata-se da s ú ltima s grandes coleções oitocenti stas, que prolongam
o ideal liberal de ilu stração popular pela centúria seguinte, englobando
obras pertencentes à s correntes dramáticas populares dominantes, o
drama hi stórico e o de atualidade, dentro de uma estéti ca realista -
naturalista , e onde surge esporadicamente o drama simboli sta , numa
“introdução e potencia ção da modernidade” (Cruz 2001: 189), e na
defesa moderada de propaganda da “nova utopia e superior religião”
republicana (Albuquerque 1908: 253), co nducente à evolução social,
missão de “todos os intelectuais nos seus diferentes ramos sociai s”
(Gomes 2006: 45). Apesar de os livros e poema s poderem ser “armas de
combate mil vezes mais enérgicas que a dynamite e o punhal”
(Albuquerque 1908: 253), o esti lo de conversão r epublicana do “velho
desconfiado que se chama o povo português” (Quental 1989: 189) das
coleções da Livraria Popular traz à memória as palavras de Fabrício de
Matos, em O Marquez de Bacalhoa :
E queres tu pregar anarchismo, individual i smo, falar da internacional, do
amor l ivre, da supressão de família e da herança, a todas estas bestas!
Estás louco, meu pobre amigo. Trabalha por uma republicazinha
hed iondamente burguesa, t ransige com o capita l, com o logista, e o
financei ro, se queres viver, d’out ra forma és um homem perd ido
(Albuquerque 1908: 123).
Quer a “Collecção de peças theatraes para salas e theatros
particulares” , quer a “Bibliotheca Dramatica Popular” foram editadas em
simultâneo, a inda que aquela pareça ter tido a primazia editoria l244
,
divulgando comédias, dramas, e cenas cómica s com regularidade até ao
número 12, e esporadicamente dai em diante, da ndo preferência aos
géneros breves: monólogos, poesias, cançonetas e outras composições
“por música” ; será a clara separação entre géneros breves e longos que
indicia a origem da segunda cole ção. Em tempo de cri se de valores,
qualquer das coleções denota o intu ito de fazer pedagogia social, quer
pelo drama, cujos títu los seguem a dialética crítica da sociedade, quer 244
Na edição de Scenas d o Braz il , nº 4 desta colecção, publicit a -se o Novo Código
Commercial Portuguez , de Veiga Bei rão, em vigor desde 1888.
174
pela comédia, levando ao absurdo o ridículo da mentalidade coeva,
sobretudo nas cançonetas e nas poesia s parodísti cas.
A amplitude da “Collecção de peça s theatraes”245
é vasta , u ltrapassa
o século de origem246
e integra títu los que constituem os repertórios da s
sociedades dramática s amadoras provinciais247
. Entre a inauguração da
Livraria Popular , em 1890, e a tr ansferência para a nova morada, em
1905, foram editados 443 títu los, a lguns dos quais contaram com
múltiplas edições248
; desde esta a ltura a té 1926, regista -se a edição das
restantes obras. Constitu iu abertura da coleção, a comédia -imitação de
Joaquim Augusto de Oliveira , Uma mulher no seguro, do repertório do
Teatro do Ginásio. Não sendo frequente surgirem prefácios, ou notas
expl icativas sobre a s obras publicada s por Franci sco Fra nco , nesta
coleção ganha particular inter esse a transcrição da carta -prefácio enviada
por Diogo José Seromenho, que testemunha as r elações ent re autor e
editor, e as motivações para a “acomodação libérrima à cena portuguesa”
do dra ma O escravo (nº 49):
Pedes-me que te faça uma imitação, accomodação, arreg lo , ou como lhe
quei ras chamar, do bonito drama em um acto O escravo , escripto ha
annos, não se i por quem, e impresso em Coimbra, i sto em face da peça
que me envias. […] Tinha […] fei to o protesto de não tornar a escrever
para o theat ro […] com a ultima peça que publiquei , no meu Theatro
Contemporaneo. Mas não te fazer este pequeno favor, seria most rar -me
ingrato, a quem tantas provas d’amizade me tem dado, sendo a ultima, o
fazeres reviver do esquecimento publico algumas peças minhas, que tem
245
Cf. Apêndice 17.1 . Collecção de peças theat raes para salas e theat ros part i culares . 246
Conhece-se a exi stência de um presumí vel derradei ro nº 679, a cançoneta A l ição
d e p iano, de Al fredo de Albu querque júnior . Na inventariação a que procedemos
sobre a “Collecção de peças theat raes” encont rámos lacunas ent re os núme ros 534 e
678, totali zando 90 tí tu los omissos. 247
A es te respeito , cf . VA Z, José Fernando Olivei ra (2011), Teatro em Avintes : O
Grupo Méri to Dramático Avintense e o Grupo Dramático d os Plebeus Avintenses
(1910 – 1974). Dissertação de Mest rado em His tória Contemporânea. Porto : Faculdade de Let ras/ Univers idade do Porto . Os quadro s s inópt icos do repertório
des tes agrupamentos dramát icos regi stam grande parte das obras edi tadas por
F rancisco F ranco. 248
Dado que as obras nunca ostentam a data de edição – t rata-se de edições com
in tu ito comercial e não li t erário –, serviu -nos de referência a morada impressa nas
capas e fo lhas de ros to, e pos teriores alt erações . In icialmente designada por
Tra vessa de São Domingos , es ta artéria tomou o nome de Rua Barros Quei rós , por
Edital camarário de 21 de junho de 1926, para homenagear To mé José de Ba rros
Quei roz, vereador da 1 ª Câmara Municipal Republ icana de Lisboa. Em 19 de maio de
1950, a Comissão Municipal de Toponímia alt erou a des ignação para Rua de Barros
Quei rós , que ainda hoje mantém.
175
[sic ] as edições esgotadas. […] Sinto, visto a peça que me envias não o
dizer, não saber quem seja o auctor do drama, que acabo de imi tar,
acommodando a l ingoagem á actual idade, unico t rabalho que me
pertence, pois lhe desejava estampar aqui o nome como homenagem pelo
seu valioso t rabalho. Escrevi para Coimbra, […] vi sto o drama ser lá
impresso para fazerem as respectivas indagações, se o souber antes do
drama estar impresso, assim o decla rarei, passando para o dicto auctor as
honras da paternidade d’este t rabalho, que Monet oblectando . // Teu velho
amigo, // 8 de março de 1891. // Seromenho (itá licos originais).
Entre 110 escritores identi fi cados, a coleção mantém um equilíbrio
entre autores dramáticos (50), aqueles que se cir cunscrevem à área
musical, enquanto letri stas (35), e aqueles que fazem incursão em
qualquer dos ca mpos artísti cos (25). Além de Luís Ferreira de Ca stro
Seromenho, Diogo Seromenho , Joaquim Augusto de Oliveira , Henrique
Carlos Ferreira , J . A. de Oliveira Ma scarenhas , Henrique Peixoto ou
António Cândido de Oliveira , a lguns dos quais publicados em anteriores
coleções, que Franci sco Franco “faz reviver do esquecimento público”, a
prevalência dos re stantes autores indica a moda das sociedades
particu lares, sendo encabeçada pelo r ealce dado ao ator-cantor -
compositor Nicolau Tolentino Leroy (N. T . Leroy), quer a tuando em
palcos públicos, quer em récitas particulares com o seu Trio Paulus249
.
Deste músico, a coleção edita 1 64 títu los, entr e monólogos, cançonetas e
outras composições musicais , deixando para a “Bibliotheca dramática
popular” a edição das suas opereta s . A hibridez da coleção faz prevalecer
a vertente musical – cançonetas (316), duetos (22), tercetos (12) e
de-século (147) e poesias (9) – e pela dramática – drama s (8), comédia s
(31), farsas (4), cena s cómicas (18) e dramáticas (2)250
.
249
Grupo de operetas e cançonet i stas, único no seu género e m Portugal, ao qual
pertenceu, como dama honorária, e atuou a at ri z Jesuina Saraiva. As opereteas de N.
T. Leroy t i vera m grande sucesso nos palcos parti culares e públicos , t endo
posteriormente in tegrado os repertórios das companhias de província. Trata -se de
obras populares , originai s e imi tadas , em ato único , para elencos reduzidos . Foram
part i cularmente populares Os amores do Coronel , O Bibi , Boccacio na rua, Carvão e
bolas , e A viúva alegre em Cascais , edi tadas na coleção “Bibl io theca Dramát ica
Popular”, da Livraria Popular de F ranci sco F ranco . 250
Dos 110 autores identi f i cados, cit emos aqueles que maior número de obras se
edi ta: Nicolau Tolent ino Leroy (164), Al fredo Albuquerque júnior (42), Celest ino
Gaspar da S ilva (40), Augus to Garraio (35), Fe rnando Schwal lbach (20), Bessa
176
A pluralidade de componentes – dramática, musical e li terá ria –
corresponde às necessidades das récitas populares, das sociedades
amadoras, promovendo o recreio e a convivialidade, e, a través do
entretenimento, “veicular ideai s e enformar consciências” (Ribeiro 2011:
224), em tempo de profusão de clubes e associa ções l igados ao
movimento republicano. As companhias de t eatro amadoras era m
convidada s, a par das profi ssionais, para as récitas nos teatros públicos,
com o object ivo de angariar fundos para os organi smos partidár ios.
Aspirando à materia lização da repúbli ca de Platão, defendia o
positivi smo teofilino, que a apresentação de “altos caracteres” a serem
imitados, fornecia a “ lição , objectiva ndo os grandes sucessos como uma
animada experiência sociológica” (Braga 1907: VII) . Nesta perspectiva a
coleção promove o drama militar inspirado na História Francesa, O filho
da República , de A. Cândido de Oliveira , o drama histórico Portugal
restaurado – 1640 , de Luís F. Castro Seromenho , e os dramas sociais
Scenas do Brazil ou os Escravos e Senhores , e O escravo , de Diogo José
Seromenho, Os ladrões da honra e Cenas do mundo , de Henrique
Peixoto, e Sombras e coloridos, de Joaquim Augu sto de Oliveira
Mascarenha s.
A programação variada dos saraus populares, intercalando o teor
ideológico dos dramas com a sátira social das comédias de costumes, dos
monólogos de sala e da s cançonetas, celebrava a exaltação emocional dos
valores da vida, e traçava o retrato da vida cívica segundo o modelo
demopédico ilumini sta e positivi sta defendido pela nova ordem pol ítica ,
que se vinha afirmando a partir da penúltima década o itocentista e
conduziria à implanta ção da República:
Dramas, comédias, operetas, cançonetas, monólogos, poesias, tudo i sso
pode ser escolhido ou proposi tadamente fe ito de forma a fornecer -nos
ideas ou emoções convincentes do ideal privat ivo de cada um de n ós – os
de esquerda – ou do ideal comum de que nos juntemos fra ternalmente
(Salgado 1904: 1 ).
Munné (16), Artur Arriegas (Rei Sagara) (13), J . Câmara Manuel (10), Gui lherme da
S ilva Lisboa (10), e Laurent ino M. Simões (10).
177
No diário Vanguarda (18/12/1904: 1) , Heliodoro Salgado , em
“Recreio e propaganda”, contrariou “o excesso do rigorosi smo
revolucionário”, que condenava as “diversões a legres” capazes de
desanuviar o espírito do proletariado, para ressalvar o papel positivo do
“divertimento” nos saraus associativos, favorecendo a troca de “ideias e
impressões sugestivas”, que aperfeiçoam a “e ducação moral”: “a
diver são li t teraria , artística , musical ou dançante , é um correctivo
duplamente hygienico, para o espírito dolorido e para o corpo
alquebrado” ( ib id .: ib id .) . A nota social serviu de pano de fundo aos
dramas e comédias da segunda metade do século XIX, fru to das ideias
progressi stas da Geração de 70, e a escolha das obras dadas à estampa
nestas coleções vem refletir uma ideia estética , moral e pol ítica , e o
gosto de um público de índole tradicionalista apreciador do veri smo
cénico.
Se a “Collecção de peças theatraes” se r eveste de um a speto
funcional, como repertório de obras breves próprias para espectáculos de
salas e de t eatros particulares, a “Bibliotheca Dramática Popular”
assume, pela própria designação, um caracter de modelo di scipli nar do
gosto do público das sociedades de curiosos dramáticos, e dinamizador
das suas prática s teatrais, apresentando obras longas, que valorizam a s
vertentes hi stóricas, sociais e lír i cas. Das 383 obras que const ituem esta
coleção251
, as obra s jocosas – comédia s (230) e farsas (10) – suplantam
as obras séria s – tragédia (1), dramas (89) e comédia s -dramas (14) – ; o
quadro geral completa -se com entr eatos cómicos e dramát icos (23),
operetas (29) e apenas uma cançoneta . Entre 152 autores, editam -se
obras origina is (261), traduzidas (52) e imitadas, arregladas,
acomodadas, adaptadas ou verões livres (68), cujo conjunto esboça um
retrato de objetivos estéti cos e ideológicos do editor Franci sco Franco .
Em finais de Oitocentos, o reaparecimento do modelo do drama de
temática histórica sugere o “apelo artí stico -patrióti co” de Almeida
Garrett . Ele, que procurara “ressuscitar uma literatura popular, criar uma
251
Cf. Apêndice 17.2. Bibl io theca dramát ica Popular . Apenas se desconhece m dois
t ítu los , correspondentes aos números 349 e 350.
178
consciência literária nacional, étnica, folclórica” (Saraiva 1996: I, 43), e
alinhara a produção dramática na s suas duas “nebulosas”, a do “velho
receituário histórico”, e a da “atualidade socioeconómica e política”
sobre os “princípios estéti cos e ideológicos do Romanti smo teatral”
(Cruz 2001: 161), assinava a coleção com os drama s Alfageme de
Santarém, Frei Luís de Sousa , e com as comédia s de amadores, Falar
verdade a mentir , Tio S implício , As profecias de Bandarra e o provérbio
Um noivado no Dafundo . No momento da tr íplice crise fini ssecular, a
exigir uma forte consciência nacional (Barata 2001: 72), as figuras de
Fernão Vaz e de Manuel de Sousa Coutinho permanecia m pol iticamente
rebeldes, no seu interesse pela res publica .
A elas, se juntou, no panteão dramático de Franci sco Franco, o
espírito evocativo dos dramas hi stóricos Duque de Vizeu , Miguel de
Vasconcelos , e da tragédia Viriato 252, do prolí fico Joaquim Au gusto de
Oliveira Ma scarenhas, ou a Leonor Teles, de Marcelino Mesquita253
.
Ainda que Alexandre Herculano tivesse minimizado a relação entr e
lusitanos e portugueses, os efeitos do Ultimatum e da crise políti ca
interna, pondo em causa a independência nacional, despertaram o
sentimento patriótico, como “imperativo de cidadania” (Guerra/Fabião
1992: 17). A sombra de Viria to surgiu como um mito de r efundação
nacional anti -dinásti co , ao mesmo tempo símbolo e arquétipo nacional,
um herói “puro e justo” (Mattoso 2006) a lteado ao altar republicano do
culto dos grandes mortos do heroi smo popular, pela ousadia de recusa r
ser Príncipe da Lusitânia , defendendo uma terra sem rei s254
. Despertando
252
Antecedendo o drama, o autor reflete sobre o aspecto cenográfico ou “theat ro dos
atos”, cuja descrição pormenoriza em cada u m. De igual modo expl ica os “cos tumes
dos Lusi tanos” e os “cos tumes dos Romanos”, cujo ves tuário mascul ino e feminino
detalha. Em nota de rodapé, regi sta -se informação de u l t erior in teresse: “O auctor acaba d’ext rahi r d’esta t ragédia um drama symbol ico em t rez actos (escola
naturali st a) , a que deu o tí tu lo de Lusi tania . É um t rabalho completamente no vo.
Es ta t ragedia Vir iato foi ensaiada ha t empo, pela companhia do ext incto theat ro dos
Recreios Wythoine; mas não se chegou a representar por mot ivos de força maior”. 253
Representado pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II (empresa
Rosas & Brzão), a 3 de outubro de 1889. 254
A es te respei to cf . o art igo de P EREIRA , Maria da Conceição Mei reles (2011), “A
etno-epo-his tória e os mi tos fundacionais da Nação – ‘Vi riato’ de Teófi lo Braga”,
em Li vro de Atas da Conf erência In ternacional “Identidade Nacional : Ent re o
d i scurso e a prát i ca”. Porto : CEPESE/ F rontei ra do Caos , pp .141 -164.
[h t tp :/ /www.cepesepubl icacoes .pt ] (consul tado em 10/03/2016)
179
a “evocação da Raça”, pretendia -se que o “ sentir da fibra nacional”
a tivasse os “germes e impulsos da missão hi stórica e da s criações
artísticas que [refl etissem] a consciência da col etividade” (Braga 2010 -
12: 6) e funda ssem uma alma nacional.
A História serviu como veículo de propaganda ideológica, como
exemplo moralizador e excitador da consciência social e política das
plateias. Mais do que hi stória que se lia , revivia -a o espectador na
história que se contava, fosse relato, fi cção ou mito (Gomes 2006: 5).
Para a lém da mera representação do r eal, o teatro agia como meio efi caz
de intervenção social. A publicação de Maria Antonieta (tradução de
Biester, do dra ma de Paul Giacommeti) , ou A morte de Marat, drama
original de Penha Coutinho, ambos convocando acontecimentos
emblemáticos da Revolução Francesa, sublinham o papel de mártires da
revolução, e evidencia m as divergências e os conflitos internos que
podem minar um processo revolucionário, ta l como o drama de
Henriquete Peixoto, A voz do povo, cuja ação se situa durante a revolta
da Maria da Fonte. Um século depois, as palavras do pintor Jacques -
Louis David , apresentando o Marat assassiné , à Convention Nationale ,
poderiam ainda fazer sentido na consciência revolucionária dos anti -
dinásti cos da políti ca portuguesa – “Posterité , tu le vengera s”:
Citoyens, […] Aujourd’hui les vertus, les effort s du Peuple ont dét rui t le
prest ige; la véri té se montre , devant el le la gloi re de l’ami des rois se
dissipe comme une ombre, que le vice , que l’imposture fuient du
Panthéon; le peuple y appel le celui qui ne le t rompa jamais (David 1793:
3 ).
Garrett comungara o mesmo conceito, que Rebelo da Si lva partilha
no prefácio de Ghigi, de Gomes de Amorim, e este, na “Introdução” a
Ódio de Raça , na defesa da unidade entre a ideia moral e a dramática,
para obtenção de efeito seguro e profundidade de pensamento:
Os nomes e as obras de hoje se brilham, podem apagar -se cedo. […]
Outros mais fe lizes ti raram d’el las a epopeia moderna, e as novas formas
da arte. […] As gerações futuras sorrindo do que nos admira , como nas
primeiras vaidades da nossa revolução incompleta nós zombamos dos
imitadores clássicos, vi rão julgar-nos pelos fructos e não pelas
promessas. […] Atemos a t radição out ra vez; cheguemo -nos ao povo e às
180
origens nacionais, aonde el le refresca as suas memórias; e façamos por
ser nós (Silva 1852: XVI-XXIII).
A geração neogarrettiana de 1890, que fez surgir a corr ente lit erária
nacionalista expansionista , evocando a sociedade galante de antanho,
“em personagens e fa tos de opereta” (Saraiva 1996: 53), perdera a
“emoção humana diant e do espectáculo” ( id ., ib id . : 54), e iso lara -se da
vida coletiva nacional. Todavia , na escolha dramática de Franci sco
Franco para a “Bibliotheca Dramática”, obras como a ver são cénica da
obra de Júlio Diniz, Os Fidalgos da Casa Mourisca , por Carlos
Borges255
, ou a tradução de Joaquim José Anaia , da obra de Feuillet , A
vida de um rapaz pobre256, exprimem hábitos, tradições, in teresses
materia is e morai s, e formam a consciência de uma cla sse média baseada
no trabalho, “origem da riqueza e da feli cidade em geral” (Saraiva
1996c: 66)257
.
Concluído o t empo do António Maria (1898) e no advento de A
Paródia (1900), quando o fonti smo cedeu lugar à revoluçã o de João
Franco, e à noção do coletivo proveniente das transformações
económicas, da explosão demográ fica acelerada, e do aceleramento das
comunicações através de milhares de quilómetros de vias férreas e de
l inhas telegrá fica s, a “Bibliotheca Dramática Popular” parece querer
demonstrar uma via concertada de politi zação da vida portuguesa pelo
teatro, para que o drama, pa ssado do t eatro ao livro, continue a ser
filosofia viva (Amorim 1869: 12) de um dra ma humanitário e social que
faça apelo à carga emocional das p lateias:
[Os] d ramaturgos, recorrendo às largas audiências do teat ro e ao seu
poder de envolver as massas, cont ribuem para const rui r uma imagem da
nação portuguesa nos seus concidadãos, […] t ransportam para as suas
255
Representado pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II (empresa
B ies ter & Brazão), a 26 de junho de 1877. (Livros de Regis to de Espectaculos,
TNDMII). 256
Representado pela primei ra ve z e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II , a 1 de abri l
de 1865. (Livros de Regis to de Espectaculos , TNDMII). 257
Em 1885, um deputado regenerador afi rma va, a propósi to da at ribuição de mercês
honorí f i cas a homens de l et ras , que a l ei tura de Cami lo Castelo Branco, apesar da
excelência est il ís ti ca, o deixava “desalentado”, ao passo que as obras de Júlio Diniz
dispunham “ melhor a alma do povo, dando - lhe impressões serenas e boas” ( apud
Ramos 2001: 70).
181
criações uma imagem de ident idade que co rresponde à do seu espaço e do
seu tempo (Santos 2011: 14).
O espírito do darwini smo, pondo fim ao otimismo românt ico e
progressi sta (Ramos 2001: 272), tornou a representação do mundo
amoral, indi ferente, egoí sta , e a li t eratura naturalista tornou -se ilustração
desse espírito, expondo as patologias sociais da grande comédia
burguesa, reivindicando sobre tudo a necessidade de uma nova
moralidade. Se a imprensa explorava os “horrores da vida” ( id ., ib id . :
273), a ficção naturalista representava os “desgraçad os […] sempre
tr iturados pela s engrenagens complexas, pelas rodas dentadas da
máquina social”; assim definia Maria Amália Vaz de Carvalho a galeria
de figuras de Zola , em Cérebros e corações (apud Ramos 2001: 273). O
drama de atualidade assume o papel de documento de análise da evolução
políti ca , social e económica a partir da Regeneração, guardando, todavia ,
o mesmo tipo de conflitos, e psicologias romântica s entre o Bem e o Mal.
Mudam-se os t empos – a história passada torna -se hi stória presente – ,
muda-se a tipologia das personagens – a aristocracia cede lugar à
burguesia – , mas a fórmula moral permance inalterável. Princípio que se
pode aplica r à escolha das obras de César de Lacerda , a tor de nomeada
no seu tempo, possuidor da chamada “gramática de cena”, ou
“carpintaria teatral” (diálogo e efabulação bem urdidos), r epresentado na
coleção pelos dramas originai s – A probidade e Cinismo, ceptic ismo e
crença – e pela acomodação à cena portuguesa da comédia -drama Les
crochets du père Martin (Trabalho e honra ) , de Cormon e Grangé.
A problemática operária , a inda que reit ere modelos tradiciona listas
– Brazão do artis ta , de Luís Cordeiro Godinho, Nobreza de artis ta , de
Castro Seromenho, ou João, o operário , de Luís Pinto Martins – , regista
a necessidade de uma abordagem laboral di fer ente. Se, em 1865, Biester
rematara a sua peça Operários com um vibrante “viva a indústria
portuguesa”, louvando as classes laboriosas, em 1896, Henrique de
Macedo Júnior apresenta -se mais consentâneo com a evolução do espírito
industria l, quando procla ma, em O operariado, que Francisco Franco
edita : “viva o dia normal de 8 hora s”.
182
Seguindo o espírito decadenti sta fin issecular, a “Bibliotheca
dramática popular” de Franci sco Franco fornece um conjunto de obra s
que abordam o mal de vivre, e que, a través do drama social ou da
comédia de costumes, di scorrem sobre si tuações exemplares, motivando
a ação humanitária , na per spetiva positivi sta comtiana, de que “ninguém
pode agir com dúvida s” (Ramos 2001: 282). A paráfrase da vida r eal
obervada em espetáculo sugeria a possibilidade de resolução dos
problemas, fru to da união entre o pensamento e a ação. Pressente -se o
espírito da Geração de 70, enquanto defesa do carácter moral izador das
obras escolhida s, ética e socialmente revolucionárias, abordando vícios
sociais – Cinismo e honra, de Marcos de Assunção, Cenas de miséria , de
Henrique de Macedo júnior , ou Artur, o jogador, de Luís Cordeiro
Godinho – , a corrupção de costu mes – O que a ambição faz praticar, de
Pereira Varela , O agiota , de Oliveira Mascarenha s, O avarento , de
Veloso da Costa – , a sedução amorosa – A Rosa do Adro, de Henrique de
Macedo júnior258
, – , destinadas a um público apreciador de emoções, de
expressões acessívei s, de imagens e símbolos que corporalizam o
pensamento popular.
Sendo Oitocentos o “século da criança”, t ida como o “progresso da
Nação”, tanto a esfera famil iar, como a estatal sofreram a crescente
conscienciali zação da importância de combater o a bandono infantil e o
infanti cíd io (Paulino 2014: 201), muitas vezes fru t o da prostitu ição.
Obras como A Rosa enjeitada, de D. João da Câmara , ou Paulo, o
enjeitado, de Quirino de Sou sa , aborda m a t emática do enjeit ado259
, qu e
258
Tanto es ta versão cénica do romance homónimo de Manuel Maria Rodrigues , como
a versão cénica da no vela ca mi l iana Amor d e perdição, foram sucessos de b i lhetei ra
dos t eat ros populares, pertencendo ao repertório dramát ica das companhias de
província em Portugal . O êxito destas obras mot ivou a sua adaptação no século XX,
por Romeu Correia. A Rosa do Adro fo i expressamente adaptada para a Companhia de Rafael de Ol ivei ra, Art i s t as Associados , que a est reou no Teat ro Desmontável , e m
Santarém, a 24 de j anei ro de 1971 (F il ipe 2008:60, nota 172). 259
O decreto de 21 de nove mbro de 1867 aboliu o abandono anónimo infant il e
ext inguiu as Casas da Roda, tornando -se obrigatória a identi f i cação parental , e
compet indo aos hospícios , mant idos pelas Câmaras Municipai s, a nova função de
acolhimento dos enjeit ados . O Código Civi l de 1867 defin iu o novo es tatu to jurídico
dos expostos , que mant inha de fora os f i lhos espúrios , de relações adúlteras ou
incestuosas , impedidos de serem perfi lhados . Veri fi cou -se, por i s so , um aumento de
infant icíd ios e o aparecimento de abortadei ras , que prat i cava m abortos clandest inos,
causa de mui ta mortal idade materna por fal t a de condições. A es te respeito cf.
P A ULIN O , Joana Catarina Viei ra (2014), “Os expos tos em números . Uma anál i se
183
não sendo “legítimo, nem il egítimo, nem natural, nem adulterino”, era
um “ser sem vínculo”, um estado civil “negativo”, uma vida “gerada pelo
acaso”, sem filiação nem laços fa miliares (Inácio 2014: 358 -9)260
.
Os princípios ilumini stas, defendendo a di gnidade hu mana,
incutiram novos valores de organização social, de necessidade de
assi stência pública , de alteração do Direito de Família e inst itu ição do
direito ao divórcio, em suma, do dir eito a uma nova ordem social mais
igualitária . Nesta linha de pensa mento se inscrevem a edição da s
traduções livres do realismo ibseniano261
– Espectros (Gengangere ) , por
Augusto Joaquim Leone Soutello , e A casa da boneca (Et dukkehjem ) ,
pelo ponto, ensaiador e diretor de cena Nascimento Correia – , que põem
em causa o pilar social do casa mento, r edimindo a mulher, sem recurso à
morte patética , como em La dernière idole (O último ídolo ) , de Alphonse
Daudet, traduzido por Joaquim Augusto de Oliveira . Equivalentes
sentimentos de culpa, de expiação, de amor, e de tra ição, porém sob
“força s transcendentes à razão” (Rebello 2006: 59), habitam O pântano,
de D. João da Câmara , “símbolo de um lôbrego universo onde se agita
desorientada uma humanidade” que se afunda no abismo ( ib id .: ib id .)262.
Se Fialho de Almeida viu nele, primeiro, uma influência das “brumas do
quanti t at iva do abandono infant il na Santa Casa da Miserfciórdia de Lisboa (1850 –
1903), Atas d o IX Encontro Nacional d e Es tudantes d e Histór ia, Porto: Univers idade
do Porto, Faculdade de Let ras , Biblioteca d igi t al , 2014, pp. 185 -215, eBook ; IN Á C IO ,
Nuno Campos (2014), “Um cont ributo para a His tória do Di reito – Os Expos tos”,
Jur ismat , Port imão, nº 5 , pp. 345 -360. 260
Sobre a t emát ica de enjei t ado versa m ta mbé m as seguintes obras , es treadas no
Teat ro de D. Maria II: José, o enjei tado, comédia-drama e m 1 ato , de António
Manuel da Cunha Belém, es t reada a 18 de junho de 1864; A mãe d o enjeitado , drama
em 2 atos , do regenerador To más Ribei ro , a 28 de setembro de 1864; Os enjei tad os ,
drama e m 4 atos , de António Ennes , a 6 de março de 1879. 261
Ibsen fo i representado pela primei ra vez e m Lisboa, no Teat ro do P ríncipe Real (Porto) , na tournée de Ermete No vel l i , que representa Os espect ros , e, depois, no
Teat ro de D. Amél ia , Nes te t eat ro Eleanora Duse represent a Hedda Gabler , em 1898.
Em 1899, Lucinda Simões es t reia A casa da boneca, em Coimbra, na t radução do
ator Cris ti ano de Sousa. Em 1900, Luís Galhardo t raduz O inimigo d o povo, e de
José de Sousa Montei ro O pato bravo, para a Sociedade Artí s ti ca do Teat ro de D.
Maria II. E m 1901, Ermete Zacconi l eva à c ena Os espect ros , susci tando grande
polémica na el i t e in telectual , ent re “escri tores , cr ít i cos e médicos ps iquiat ras”
(Coelho 2006: 143 -44). 262
Representou-se pela primei ra ve z, e m Lisboa, no Teat ro de D. Maria II , a 10 de
nove mbro de 1894, e m réci t a de reabertura do t eat ro , após as obras que l e vara m à
p intura do t ecto da sala por Columbano.
184
Norte”, posteriormente, r econheceu a antecipa ção de Maeterlinck (apud
Rebello 2006: 58)263
.
A “Bibliotheca dramática popular” partilha um espírito idêntico ao
do editor Rolland, compilando obras destinada s ao entr etenimento do
povo e à constitu ição de uma memória , favorecendo a compreensão de
conceitos e ideais, pelo teatro (drama e espectáculo), como o hamletiano
laço armado à consciência , ou como um “ sismógrafo”, que r egi sta “as
mais leves variações das estru turas sociais e económicas sobre as quais
assenta , sem que deixe simultaneamente, a inda que de forma enviesada,
de r eagir sobre ela s” (Rebello 2006: 12).
263
No mesmo ano em que D. João da Câmara encetou uma tentativa de t eat ro s imbol is ta, Eugénio de Cast ro sofreu uma coincidente influência de “sens ib il i zação
para a renovação da nossa es tét i ca e da nossa pragmát ica t eat ral” (Cr uz 2001: 190).
Toda via, a poét ica des te ú lt imo pouco interessaria aos editores “me ntores” das
sociedades part i culares . Os poetas anarquistas Nefel ibatas lusos, liderados por Raúl
Brandão (ali ás Luís de Borja , pseudónimo colect ivo com Júl io Brandão e Just ino de
Montalvão) (AAVV 1980: 40), fortemente influenciados pelo S imboli smo -
decandenti smo francês , ao proclamare m-se “ Ateus do P reconceito e da Opinião
Públ ica” ou “Anarquistas das Let ras , Pet ro lei ros do Ideal” (Borja 1981: 27),
au tomarginal izava m-se os tens iva mente da cultura popular , tornando -se alvo da
crí t i ca humorí s t i ca de José Inácio de Araújo , no monólogo Um poeta nefelibata
(Li sboa, 1895, B ibliotheca de Recreio Dramát ico , 6) .
185
Parte II – A missão construtiva da Arte Dramática
A poesia é uma moral. E é por i sso que o
poeta é levado a buscar a justiça pela
própria natureza da sua poesia. E a busca
da justiça é desde sempre uma
coordenada fundamental de toda a obra
poética. […] Confunde -se com a nossa
confiança na evolução do homem,
confunde-se com a nossa fé no universo.
Sophia de Mello Breyner Andresen, Arte
Poética III (1964)
186
1. Entender e sentir… Fazer entender e fazer sentir….
Garrett foi incumbido de exercer “conscientemente uma missão
constructiva”, numa sociedade que lu tava pelo desenvolvimento de novas
institu ições sociais e de uma nova mentalidade. Na perspetiva políti ca de
Teófilo Braga , o sen t imento de “caracter nacional” que professou
correspondia à associação das “ tradições que lhe dera m a emoção
sympathica da Patria” com a “comprehensão da corr ente da civili zação
europêa depois da violenta cri se r evolucionária”. A sua obra patenteia
não só as “cri ses hi stóricas do seu meio social” , as “phases da
implantação do regimen constitucional parlamentar” , mas também a
expressão da s “aspirações”, da s “ tendências que se impunha m” (Braga
1904: 7-8), sendo, por isso, um “guia” que exerceu posteriormente uma
ação necessária .
Enquanto dramaturgo, a sua obra teatral traduz a “predileção
constante e fi el por tudo o que diz r espeito ao palco” (Crabée -Rocha
1954: 10). Para a autora de O Teatro de Garrett , são múltip los os a spetos
que constituem a sua “unidade d e plano”:
Garrett fez-se um grande dramaturgo, sabedor do seu ofício, dirigiu
segundo um critério preconcebido a sua obra escri ta, tornou-se homem de
acção para a defender, e deixou aos seus contemporâneos uma mensagem
clara sobre o destino do teatro em Portugal (Crabée-Rocha 1954: 10 ;
i tálicos originais).
Como Voltaire ou Goethe, Garrett foi a tor amador por voca ção, com
o objetivo de demonstrar “um curso novo na arte de r epresentar” ( id .,
ib id . : 14). Os defeitos que lhe apontaram – “pose e simulação […]
esmero demasiado, super fi cia lidade no comporta mento, fu tilidade e
presunção” – eram virtudes de comediante, que o tornavam um ser
completo ( id ., ib id . : 18). O “desejo de agradar” revela faceta s “de actor e
de actriz, de galã e de primadona”, quer como homem, quer como artista
( id . , ib id . : 19). Espírito adorado pelas mulheres, ta lento invejado pelos
homens, Garrett era “um fantasi sta , um quiromante, um predestinado
para a cena” ( id ., ib id . : 27). D. João de Azevedo retrata -o com a
“eloquência de Demosthenes, […] a arte cómica de Talma […] a sciencia
187
de Salomão […] [e] a aparente serenidade de evangeli sta”264
(apud
Amorim 1881-84: III , 142). O pendor para o improviso fê-lo um
“fingidor, como todo o artista tem de ser, […] sempre apto a transfigurar
a realidade e a beleza” (Crabée -Rocha 1954: 28). O teatro, género
burguês acabado, serviu como “lite ra tura ao serviço do divert imento da
burguesia” ( id ., ib id . : 29), permitindo o seu sucesso social e l i terário.
Como ator de palco dominou o género dramático, como ator social , os
géneros políti cos, os di scursos e os artigos de combate , a tingindo o
grande público, seu maior destinatário. Vislumbr ou a sua imortalidade na
“advertência” às Folhas Caídas – “só morrerá d’ell e aquillo em que se
pareceu e se uniu comvosco” (Garrett 1904: I , 170) – , que se consolidou
pelos que di fundiram o seu espírito e encontraram a “ espuma da bebida
subtil” , mais do que o “saibro grosso” ( Crabée-Rocha 1954: 34).
Através da prefação, r eit erada pelos devedores dos princípios de
renovação da arte dramática e da críti ca teatral, um “desprezado ramo da
nossa lit t eratura” (Amorim 1881 -84: II , 680), Garrett , circunstanciou
fatores geradores da produção dramática, da realização plá stica e da
receção estética , es tabelecendo fontes primárias r elevantes para a
compreensão de uma preceptiva t eatral, fru to da entrega deliberada “à
tarefa de ligar o teatro que ( se) fazia a uma história dos modelos e das
ideias” (Brilhante 2000: passim ): “não basta entender e sentir; é preci so
fazer entender e fazer sentir” (Amorim 1881 -84: II , 680). Assimilando as
ideias de forma inteligente e viva (Crabée -Rocha 1954a: 221), originou
teoria portadora de controvér sia . Mesmo que advirta o leitor da
inutilidade dos prefácios, prólogos e outros comentários , fo i um
“explicador” que prefaciou quanto pode, “até a s peças póstumas” ( id .,
ib id . : 222). Nessa intert extualidade, procurou sintet izar uma ideologia ,
uma “poética de autor” , que demonstra a “fábrica” da obra que
introduzia .
O gosto pelo t eatro mani festou -se desde jovem, recria ndo a
realidade pela imaginação, “em representar na fantasia […] as
264
Cf . [Aze vedo, D. João de (1845)] , Um ere mi ta da Serra de Ar ga, “ Ret ratos e
b iographias parlamentares”, Quadro pol ít i co, hi stórico e biographico do Par lamento
d e 1842. Lisboa: Tip . Manuel José Coelho, pp .29 -111.
188
‘situações’ do seu drama particular” (Monteiro 1971: I , 411). A sua
evolu ção, intimamente ligada às condiçõ es na cionais e políticas, às
modas e corr entes lit erárias do seu t empo, a “ todos os imponderáveis que
o levam à criação” (Crabée -Rocha 1954: 40), dependeu da apreciação dos
públicos. Sobre eles agiu , dirigi ndo-os e l evando-os para onde quis, com
subtileza , requintando a obra e adequando o di scurso à necessidade do
seu auditório. O seu “coração -consciência” exprimiu -se na
comunicabilidade da mensagem e seduziu expressivamente o público
pelo efeito de tonalidades emocionais, segundo o “equilíbrio próprio do
seu hedonismo estético”: a “grandiosidade comovente; a naturalidade
[…] sentimental e moralizadora; a graça rococó; o ri so brincalhão ou
desmisti fi cador e caricatural” (Monteiro 1971: I , 414). Na amplitude da
obra dramática identi fica m-se três campos de rea lização cénica – um
teatro para académicos, um teatro para amadores dramáticos e um teatro
para profissionais – , ao longo de três momentos que Teófilo Braga
identifi cou como um período arcádico (1818 – 1823), um românti co
(1839 – 1841) e um univer salista (1843 – 1854).
1.1 . Teatro para sociedades dramáticas académicas (1816 –
1820)
“Andadeiras clássicas e aristotélicas…”
A produção juvenil de Garrett mostra a sua apetência por uma
cosmovisão de cariz newtoniano “aberta ao entu siasmo cívico […] e à
compreensão dinâmica da realidade histórica” (Monteiro 1971: I , 404).
Em 1816, regressado do exílio açoriano, inscrito na Faculdade de Direito
de Coimbra265
, traz a bagagem lit erária , árcade e humanista , que
alicerçou os seus primeiros exercícios dramáticos, constru indo obras ao
gosto clássico, servido por modelos que lhe permitia m expor a
“mensagem política de um espírito clássico que inicia o seu percurso
para o movimento liberal/ romântico” (Rodrigues 2001: 385). Nesse ano,
265
Aluno número 165, do primei ro ano Juríd ico ( Relação e Índice Alphabet ico dos
Es tud antes matr iculad os na Universidad e d e Coimbra no anno lect i vo de 1816 para
1817; suas naturalid ades , fi liações , e morad as . Coimbra: Na Imprensa da
Uni vers idade, 1816, p.9) .
189
principiou a escrita das tragédias Iphigenia em Tauride e Édipo em
Colona266, aquela de inspiração raciniana, esta volta iriana, que haveriam
de permanecer incompleta s, ta l como os dramas em ver so Átala (1817), a
partir da obra homónima de Chateaubriand , Affonso de Albuquerque
(1819), e a tragédia Sophonisba (1819), cujos fragmentos desa fiam a
recriação imaginativa do que poderiam ter sido.
Em Iphigenia em Tauride (Terceira , 1816), Garrett revela conhecer
a obra de Eurípides , “o maior trágico do mundo” (Garrett 1984a: 208),
porém, pela tradução livre do padre Pierre Brumoy, em Le Théâtre des
Grecs (1730)267
. Na impossibilidade de ler o original, a “erudita e
engenhosa obra” do padre jesuíta ( id ., ib id . : 7) permitiu -lhe “conhecer
sofrivelmente” o tragediógrafo grego e r eter princípios de tradução
enunciados em Discours sur le Théâtre des Grecs (1730):
Voici ma pensée sur la t raduct ion de ces Poëtes. Les défigurer ce n’est
pas les t radui re , il faut donc prendre un milieu ent re l’exactitude trop
scrupuleuse qui les déguise, & la licence qui les a ltére. J’appelle
déguiser un autheur, l’exposer dans une langue ét rangere avec une
fidélité, ou folle , ou maligne, ou supersti tieuse . Toute langue a ses
arrangements d’idées, ses tours, & ses mots, nobles ou bas, énergiques
ou foibles, vi fs ou languissans. […] Qui voudroit t radui re l es anciens
mot pour mot en François, & suivant le tour Grec, les t ravesti roit sans
doute, & les rendroit ridicules à peu de frais (Brumoy 1730: I, xvj -xvi j ).
Racine teria tido também o seu “quinhão, mal roubad o e pior
escondido”, presente na s “alterações da fábula antiga, exigidas pelo
decoro e pela verosimilhança neoclássica s”: o caracter milagroso do
salvamento de I figénia daria lugar a um prosaic o rapto por piratas
(Monteiro 1971: I , 99). Todavia , dado que Racine escreveu uma
266
Ti vera m edi ção impressa por S A UN A L, Damien (1952), “Textes inédi ts d’Almeida
Garret t . F ragments d’oeuvres dra mat iques: Iphignia em Tauride - Edipo em Colona”,
Bulletin d ’His toi re du Théâtre Por tugais III/1 . 267
A obra do padre Pierre Brumoy foi publicada em 1730, em 3 volumes , in -4º
(Paris : Rol lin / Coignard). Teve r eedição em 1747, em 6 volume s , in -8º, e
reimpressão com correções e acrescentos , por Guil l aume Dubois de Rochefort e
Gabriel de l a Porte du Theil , P ierre P révos t e André -Charles Brott i er, 1784 -1789, em
13 volumes , in -8º , e por Raoul Rochete, 1820 -1825, in -8º . A ele se deve t ambé m u m
Recuei l d e d iverses p ièces en prose et en vers ; Œuvres d iverses (Pari s , 1741, 4
volu mes , in -12º ) , em que se edi tam, ent re out ros t extos , t rês t ragédias e duas
comédias e m verso que se representa va m nos colégios . Escreveu obras originais , que
foram edi tadas : La boîte d e Pand ore, ou la Curios it é punie , comédia em 3 atos (La
Ha ye: J . Neaulme, 1743), Le Couronnement du jeune David , pas toral em 4 atos (La
Ha ye: J . Neaulme, 1743) e Isac, t ragédia em 5 atos (La Haye: J . Neaulme , 1743).
190
Iphigénie en Aulide (1674) , cuja protagonista apenas partilha o nome da
heroína de Garrett e a continuidade histórica do enredo, estamos perante
uma reescrita do modelo francês do padre Brumoy268
, guardada também
ela como lembrança agradável de uma “infância trágica e poética”
(Garrett 1984a: 387). A figura de I figénia sedu -lo pelas caracterí stica s
humanitárias e de tolerância , sobre as quais constrói a “emotividade” da
intriga, que adensa “os ingredientes emocionai s” transmit idos pela
ver são francesa (Monteiro 1971: I , 101). Garrett demonstra o desejo de
“encontrar na literatura humanidade e emoção […] e mostrar quanto o
teatro podia servir o bem do Estado” ( id ., ib id . : 101-2).
Édipo em Colona , escrito nas vésperas do 24 de Agosto de 1820, é
outra acomodação escolar da tragédia grega, bebida em Brumoy269
. Nos
doi s a tos incompletos, Garrett segue o filão anterior de uma “história
bela dum a mor filia l desgraçado” (Crabée -Rocha 1949: 17). Ainda que a
tragédia sofocliana fosse dramaticamente inferior ao Édipo Rei, o seu
signi ficado apresentava -se mais inter essante para Garrett , na medida em
que justi fi cava “numa ordem transcendente os eventos a bsurdos e
horríveis” que se haviam abatido sofr e Édipo (Monteiro 1971: I , 435). O
estoici smo com que este sofrera as provações infligidas pelos deuses
tornava-o no herói r eabilitado e glorificado pelo martí rio. A moral é
tradicional e clara: os tiranos, cruéis e opressores, serão humilhados; o
homem justo e bom será exaltado; uma ordem superior reconhecedora do
mérito individual presidirá ao devir.
Nos t empos conturbados pré-revolucionários, poder-se-á ver nesta
procura uma expl icação para o conflito geracional que o jovem
académico estaria sentindo? O conflito entre a mentalidade
conservadora, que o formara, e a impossibilidade de expressar a inda o
novo pensamento de forma sustentada poderia explicar a profu são de
ensaios dra máticos inacabados . O confronto entr e as conceções políti co -
filosóficas, entr e os modelos gregos e os la tinos, e o entusiasmo pela
268
B RUMO Y , Pierre (1730), «Iphigenie en Tauride d’Eurip ide», Le Théâtre d es Grecs ,
tome II, pp .1 -70. 269
B RU MO Y , Pierre (1730), «Œdipe à Colonne», Le Théâtre d es Grecs , tome II,
pp .269-291.
191
representação cénica da contemporaneidade aponta o modelo do processo
de amadurecimento na per sonalidade ga rrettiana270
.
“Lembrança de infância trágica e poética”
Escrita em 1817, Átala constitu i o primeiro projeto de “drama ”, em
ver são cénica de Atala , ou Les amours de deux sauvages dans le désert,
de Chateaubriand271
, l ido no primeiro ano de Coimbra, possivelmente
numa tentativa juveni l de fuga ao Parnaso272
e aos modelos c lássicos
greco-latinos273
. Garrett , que abdicara de uma carreira religiosa, sentiu -se
cativado pela obra, que “enterneceu”, “comoveu”, e “excitou” lágrimas,
no seu “coração novo, sensível, a inda pouco embotado pelo uso do
mundo” (Garrett 1984a: 386):
Les vraies larmes sont celles que fai t couler une belle poésie: il faut
qu’i l s’y mêle autant d’admiration que de douleur (Chateaubriand 1906:
xv).
O autor do Génie du Christianisme despertava nele “pontos de
controvérsia ligados à religião” (Crabée -Rocha 1954: 64):
Les fidèles se crurent sauvés par l’apparition d’un livre que répondoi t si
bien à leurs disposi t ions intérieurs: on avoi t alors un besoin de foi , une
270
Alé m do Éd ipo em Colona (ms . 26 do Espólio ) , regi stam-se alguns versos de
Octavia (ms . 35), que corresponde à t radução de um excerto da t ragédia homónima
de Al fieri . 271
Sobra a t radução do romance Atala de Chateaubriand cf . S A NT O S , Thierry P roença
dos (1999), Atala t raduzida – Es tud o das primeiras versões portuguesas . Tese de
mes t rado em Linguís t i ca, Univers idade de Lisboa. Refere -se a t radução de Fi lipe de
Araújo e Cas t ro (ANTT, ms .1809), com edição e m Lisboa: Imprensa Régia (1810),
reedi tada em 1820, no mes mo edi t or , e, em 1836, em Pari s : P il l et Ainé. Em 1819,
refere-se uma t radução anónima, editada na Baía: Tipografia de Si lva Serva. Na
segunda metade de Oitocentos, surgem t raduções de obras de Chateaubriand por A.
de M., em folhet im, por Teófi lo Braga (Lisboa, 18 67) e por Gui lherme Braga (Porto,
1872), reeditadas nas primei ras décadas de Novecentos . 272
LA MA RT IN E , Alphonse de (1849), Médi ta tions poét iques (Pari s: Fi rmin Didot ) ,
prefácio primei ro: «Je sui s l e premier qui ait fait descendre l a poésie du Parnasse, et
qui ai t donné à ce qu 'on nommai t l a Muse, au li eu d 'une lyre à sept cordes de convention , l es fibres mê mes du cœur de l 'homme , touchées et émues par l es
innombrables fr issons de l 'âme et de l a nature ». 273
Na “adve rtência” à obra, em 1885, Gomes de Amorim ad mi te a h ipótese que
Garret t t enha s ido influenciado pela l eitura de Os Martyres ou o Tr iumpho d a
Rel ig ião Cr is tã (Paris : Rey e Gra vier , 1816, 2 vol . ) , poema-t radução da obra de
Chateaubriand, por F ranci sco Manuel do Nascimento , o árcade F il in to Elí s io . Houve
out ras t raduções em português: F O N SEC A , Manuel Nunes da (Lisboa: Typ.
Rol landiana, 1813 -14, 3 vol . ) , com in t rodução, notas e fragmentos da Viagem à
Grécia e a Jerusalém; e C A MPO S , António Caetano de (Lisboa: Imp. J . B . Morando,
1816-17, 3 vol . ) , que t ambém t raduziu O Genio d o Chri st ianismo ou Bel lezas d a
avidité de consolations re ligieuses, que venoit de la privation même de
ces consolations depuis longues années (Chateaubriand 1866: 3 ).
Instava -se o restabelecimento do culto da tradição e dos valores
religiosos, que as Luzes haviam per seguido, sem que se perdesse o ideal
humanista . Na demanda de uma “complacente entrega ao sentimento e à
imaginação”, o Roma nti smo veio defender a natureza e a liberdade
criadora. Contagiado pela vivência do cristianismo como religião de
perdão e de amor, Garrett foi conduzido ao culto da tolerâ ncia e do
humanitarismo, segundo os ideais de Zeitgeist (Monteiro 1971: I , 2-4). O
nosso espírito romântico procur ou na geografia europeia os países que
“afoitamente instauraram a sensibilidade sobre a ditadura da razão e d a
disciplina” (Nemésio 2008: 24), e Chateaubriand surgia como o cultor do
“valor da recordação como fundo em que melhor ressoava a ‘harpa’ dos
grandes sentimentos” ( id ., ib id . : 56).
À comoção inicial de Garrett , sucedeu o “entusia smo”, de ta l modo
que a Nouvelle Heloïse¸ de Rousseau , lhe pareceu “muito inferior” .
Encantado pela “beleza do estilo”, pelo “bem desenhado dos caracteres,
o mavioso da acção”, o drama amoroso da jovem virgem cristã Átala pelo
índio selvagem Chatas sugeria -lhe a “forma dramática”, seu género de
eleição:
[Temos] os nossos preconceitos, as nossas manias, e em consequência ,
vemos todas as coisas por elas, e as olhamos, e estimamos, pelo lado que
as li sonjeiam mais. Tudo referimos a um ponto, tudo quiséramos que
viesse a ele, […] o foco, o cent ro da nossa paixão dominante . O meu foi
sempre o do teat ro (Garre tt 1984a: 386).
Atala excita quer o interesse por horizontes de exot ismo,
“evocações despertadas por cenários e por escombros de antigos
monumentos”, quer o espírito revolucionário cristão “virtuoso e puro”
(Moisés 2006: 120). Garrett comunga com Chateaubriand a religião “la
plus poétique, la plus humaine, la plus favorable à la liberté, aux arts et
aux lettres” (Chateaubriand 1858: 12):
A mesma Theologia , tam secca e enfadonha nas mãos de S. Thomaz, […]
muda de forma […] na milagrosa penna de Chateaubriand (Garrett 1904:
I, 34).
193
E partilha igual antagonismo face à institu ição eclesiástica
despótica e intolerante. A comoção que sente em Átala advém da “índole
do conflito”, do “ardor passional” e da “comovente lição c ristã” que
defende um deus de clemência , de bondade e de perdão. O pa dre Aubry
garrettiano fala inicialmente “uma linguagem que representa o padrão
evangélico deformado pela Igreja que a Regeneração pretenderia
derrocar” (Monteiro 1971: I , 242). De igual modo manifestará pouco
interesse que Chátas seja gentio, porque, sendo todos irmãos em Cri sto, a
religião corresponde ao r econhecimento interior de Deu s, cuja “ciência”
reside na “teologia do sentimento , ra tifi cada pela apetência humana da
Beleza e do Bem” ( id ., ib id . : 249).
Para Garrett , o valor da religião residia na tolerância e na
igualdade, para que servi sse a humanidade, a felicidade e a paz. No ano
seguinte à prefação de Átala , redigiu O Anel de Família , conto deixa do
inédito, cuja conclusão r evela o espírito tolerante que professa :
Do Judeu, do Cristão, do Muçulmano,
Em poucos versos re latei a histó ria.
A mais subl ime das sociais vi rtudes,
A amiga tolerância , aprendam todos
Daqui a prat icar, e a ser mais homens
Do que Judeus, Cristãos ou Muçulmanos.
(apud Montei ro 1971: I, 244, nota 55)
Sem a visão de Rousseau (homem natural = homem selvagem), o
jovem Garrett acreditava no homem naturalmente bom. O homem natural
per filharia a filosofia da sensibilidade, a grande força geradora da moral .
Pelos sentidos e pela voz do coração, apel aria ao prazer e rejei ta ria a dor
(Monteiro 1971: I , 257). A virtude seria condição natural de uma
sociedade r egida por um pacto social ra tifi cado pelo Cristia nismo. As
leis morais harmonizariam a natureza humana, feita de instinto, razão e
sensibilidade; um si stema ético equilibrado, cujo sentido de humanidade
e harmonia r esidia no “prazer da plenitude atingida no dever
simultaneamente cumprido” ( id ., ib id . : I , 267).
A lit eratura dramática ganh ou uma função utili tária no
comprometimento políti co do jovem Alceu, ao colocar a musa ao serviço
194
do Estado, e ao aliar o prazer solitário da composição poét ica ao
“intenso gozo” da militância partilhada com a “ilustre asse mbleia”. O
belo artísti co identi fi cava -se com o verosímil; a sua finalidade e índole
fundavam-se na razão e no pensa mento lógico. Eram fatores criadores,
que advinham d o sentimento artísti co de captação da matéria -prima da
Natureza ( id ., ib id . : I , 341). Não apreciando a s pai sagens sombrias e os
tema s gravemente melancólicos do agrado geral, a sua sensibilidade
preferia a “amável e ri sonha poesia” ( id ., ib id . : I , 335).
Garrett reconheceu que a “ tarefa” de Átala assentara em “conceito
errado”. Quando a obra ia a meio apercebeu -se que a “qualidade do
assunto” implicava a “di fi culdade do género” : “ sobeja fo i a minha tarefa
e imper feita ficou”. Conservá -la -ia como lembrança da “infância trágica
e poéti ca” (Garrett 1984a: 186-87), como tentativa de encaixe do
romântico rossio, no classici smo d e betesga. As razões apontadas
parecem induzir uma consci ência de que o romance dos dois selvagens
não cabia no espartilho métri co em que o moldara. A expressão do
sentimento do “ascéti co” Chateaubriand di fi cilmente caberia nos
decassílabos trágicos garrettianos, estragando a “poesia do Sul, com
sensaborias do Norte” (Garrett 1904: I , 45). Na redução estreme do
número de intervenientes, que explicam mais do que agem, a obra quase
se torna num drama estático. A explosão das verdadeira s pa ixões que
comoveriam as plateias carecia da liberdade da palavra em prosa e ,
sobretudo, da verdade de u ma interpretação sentida, jamais possível por
um travestido “José Maria Grande” académico.
Átala ficou “imper feita” , guardando todavia os germes temáticos da
“legitimidade do suicídio” (Crabée -Rocha 1954: 64), que Garrett
abordará posteriormente na figura exaltada de um Bernardim Ribeiro , ou
da morte por desonra, na figura patética de Maria de Noronha. Ao jo vem
académico não agradava o desregramento; era m “leis da natureza as lei s
divina s” (Garrett 1904: I , 6), como evocava o padre Aubry:
La religion n’exige point de sacri fice plus qu’humain. Ses sentiments
vrais ses vertus tempérées, sont bien au -dessus des sent iments exaltés et
des vertus forcées d’un prétendu héroïsme (Chateaubriand 1906: 140).
195
Enquanto tragédia , como justi fi car racionalmente a irracionalidade
de um suicídio? Enquanto drama, como aceitar os sombrios contra stes
românticos emocionais da s figuras de Átala e Chatas, que o ot imismo de
Garrett não admitia a inda? A sua conceção cénica não passaria
certamente pelas versões de Sanson274
, de Pixérécourt275
, ou de Alexandre
Dumas276
. O drama ficou a meio do Ato II , no momento em que Átala
anuncia a morte próxima, e r evela o drama pessoal, “ todo o peso do
juramento” a que se obrigou junto à mãe moribunda. O leitor fica
suspenso na r evol ta de Chatas – “mal haja o tirano juramento,/ que me
rouba perver so a minha amante!/ Mal haja o Deus que ofende a
Natureza!” – , e na atitude conciliadora do padre Aubry – “Oh bem divina
a religião, meu filho,/ que nos fez da esperança uma virtude!” (Garrett
1984a: 408-9).
Gomes de Amorim considerou uma “verdadeira perda para a
l i teratura”, que esta “ imitação”, em “400 versos” ( id ., ib id . : 409) ficasse
inacabada . Se a concluísse, o Ato II terminaria por certo no momento
patético da revela ção de Átala , de modo contido, como ocorre em obra s
posteriores, conforme conjeturamos agora , seguindo o original francês:
Atala Tu ne sais pas tout ! C’ est hier… pendant l’orage… vous me
pressiez… c’est vot re faute… J’al lois violer mes vœux;…
274
A. J . Sanson fo i , durante alguns anos , proprietário da Librai ri e d’éducat ion
(Palai s Royal , Galerie de Bois, n º 250 ), em Pari s e Li vrei ro do Duque de
Montpens ier (QUEN A RD , Jean-Marie, La France li tt érai re ou Dicct ionnaire
bibl iographique des savants , 1828, vol . 8 , p .442). Foi autor de várias obras
educat ivas , de pendor moral i st a, ent re as quai s mui tas dest inadas à educ ação da
juventude. Compôs poemas que foram musicados e cantados por chansonniers
(Anon. , Biographie d es chansonniers et vaudevil li st es . Paris : Imp. De Cabuchet ,
1826, pp.176 -77). Em 1828, editou Atala , p ièce en t ro i s actes et en prose. T i rée du
poème d e M. l e Vicomte d e Chateaubr iand . Bruxelles: Bureau du réperto ire. A morte
t rágica de Átala é to talmente subvert ida, ao gos to melodra mát ico da p lateia, quando
o padre Aubry usa o antídoto salvador, a que se segue o conseque nte final fel i z. 275
Les Natchez ou La t r ibu du serpent , mélodrame en t ro i s actes , à grand spectacle, t i ré de l ’ouvrage de M. Chateaubriand. Musique de Henri Darondeau. Representado
pela primei ra vez, e m Pari s , no Théât re de l a Gaî té, em 21 de junho de 1827 (Paris :
Barba, 1827). A edição de Bruxelas, deste melodrama at r ibui -o a Antoine, ali ás
Antony Béraud, de quem falámos anteriormente, ci t ado no Grand dic tionnaire
universel du XIXe s iècle, de Pierre Larousse (1867: II, 566). 276
O drama l í r i co Atala , de Alexandre Dumas f ilho, com música de Varrey, t eve
première no Théât re His torique de Pari s , di rigido por A. Dumas pai , em 1848, como
comple mento do espetáculo de es t reia da comédia e m t rês atos , de Al fred de Musset ,
Le chand el ier . (La revue d e France, 1934, vol . 14 , p .247) Chateaubriand tinha
falecido no mês anterior . Es ta “cantata -oratória” t eve edição i mpressa em Théâtre
contemporain ilust ré, Pari s: Michel Levy, 1865.
196
j’ allois plonger ma mère dans les flammes de l’abyme; … déjà
sa maléd ict ion étoi t sur moi; déjà je mentois au Dieu qui m’a
sauvé la vie… Quand tu baisois mes lèvres t remblantes, tu ne
savois pas! tu ne savois pas que tu n’embrassois que la mort !
Aubry O ciel ! Chère enfant, qu’avez vous fait?
Atala Un crime! mon père . Mais je ne perdois que moi , et je sauvois
ma mère .
Chactas Achève, donc; achève.
Atala Eh b ien! j ’avois prévu ma foiblesse; en quittant les cabanes,
j’ ai emporté avec moi…
Chactas Quoi?
Aubry Un poison?
Atala Il est dans mon sein!
Le flambeau échappe à la main du Soli tai re ; [Chactas] tombe mourant
près de la fille infortunée, le vie illard […] saisit l’un et l’ aut re dans ses
bras paternels, et tous t rois, dans l’ombre, […] [mêlent] un moment
[leurs] sanglots sur cet te couche funèbre (Chateaubriand 1906: 143-44).
O Ato III retomaria a ação no dia seguinte, como o faz
Chateaubriand; ouviríamos as palavras de moralizadora tolerância com
que Aubry consola Átala:
Aubry
Ma fille, tous vos malheurs viennent de vot re ignorance; c’est vot re
éducat ion sauvage et le manque d’inst ruction nécessai re qui vous ont
perdue; vous ne saviez pas qu’une chrétienne ne peut d isposer de sa vie.
Consolez-vous donc, ma chère brebis; Dieu vous pardonnera , à cause de
la simplicité de vot re cœur. Votre mère et l’imprudente missionnai re que
la d i rigoi t, ont é té plus coupables que vous; il s ont passé leurs pouvoi rs,
en vous arrachant un vœu indiscret; mais que la paix du Seigneur soi t
avec eux. Vous offrez tous t rois un terrible exemple des dangers de
l’ enthousiasme et du défaut des lumières, en matière de religion.
Rassurez-vous, mon enfant; celui qui sonde les reins et les cœ urs, vous
jugera sur vos intent ions, qui étoient pures, et non sur vot re action qui
est condamnable (Chateaubriand 1906 : 149-50).
Assi stir íamos à lenta progressão da agonia da jovem, à dor de
Chatas, à promessa de abraçar a religião cristã e à sua epi fania perante o
inevitável: “Il est temps d’appeler Dieu ici!” ( id ., ib id . : 166). Na cena
final solene, Aubry daria a extr ema -unção a Átala e a derradeira
comunhão:
Chactas Mon père! Ce remède rendra -t -i l l a vie à Atala!
Aubry Oui , mon fi l s, l a vie é ternelle!
197
Atala venoit d’expi rer (Chateaubriand 1906: 168).
A orquestra tocaria um andante pungente, sublinhando a comoção do
auditório perante o tableau final, como o de Girodet277
, que, sem a graça
viril de David , possuía uma “doçura” (Garrett 1904: I , 35) capaz de
retratar de forma sublime:
O terno Girodet suave e brando,
Que, do Maschacebeu vingando as margens,
C’o vate insigne emparelhou nos voos,
E na pasmada Europa ergueu d’Americo
As pomposas florestas, e a nobreza,
Ornamento feroz d’um mundo vi rgem,
Que os encantos d’amor, e os seus furores,
O poder da vi rtude, e os seus esforços
Dignos d’elle exprimiu, e fez de novo
Olhos sensíveis afogar em pranto .
(Canto I I I ; Garrett 1904: I, 8 ) .
“Tempos saudosos… de inocência e de esperança”
Exercícios de escrita destinados a curiosos dramáticos a cadémicos e
a teatros particulares conimbricenses: foi assim que subiram à cena as
tragédias Xerxes (1818) e Lucrécia (1819), aquela representada no Teatro
da Rua dos Grilos e esta no dos Coutinhos, onde também foi declamado o
elogio dra mático O amor da Pátria (1819), para festejar o nascimento da
Princesa da Beira .
Nos t empos de academia, Garrett encontrou o manancial humano de
uma mocidade que se “movia tumultuosamente, e tinha fé na eloqu ência
e na r etórica” (Crabée -Rocha 1954: 41). Dela foi porta -voz no palco do
teatro, a través de peças por encomenda, sacri ficando a criaçã o artísti ca
ao arrebatamento do público. Em contrapartida, ao permitirem que os
dirigi sse, esses jovens curiosos dramáticos serviram -lhe como materia l
de formação de uma consciência teat ral, de reconhecimento e
aprendizado da s condições técnica s da cena na construção da obra
dramática.
277
Garr et t faz referência por duas vezes ao quadro de Gi rodet , Atala au tombeau,
pintado em 1808: em Retrato d e Vénus (1821) e em Ensaio sobre a História da
Pintura (1822)
198
A tradição do t eatro amador em Coimbra era já longa e profic iente,
refere Teófilo Braga, na História da Universidade de Coimbra 278. Em
1813-14, antes da chegada de Garrett à Lusa Atenas, uma sociedade de
estudantes fundara um teatro nos “baixos” do Colégio da Artes , entr e
cujos membros estava João Alexandrino de Sousa Queiroga , t radutor do
drama Merinval, de Françoi s Arnaud, e Manuel Ferreira de Sea bra ,
tradutor da tragédia Zaïre, de Voltaire. Quando principiaram os ensaios
do Bruto , do mesmo autor, na tradução de Sousa Queiroga, o reitor da
Univer sidade, bispo -conde D. Francisco de Lemos, mandou que fossem
interrompidos, receando a s tendência s progressista s da obra. Porém, já
desde os ú ltimos anos do século XVIII que se registava a exi stência de
teatros privados e académicos, onde cir culavam traduções dramáticas do
francês, a par das paráfrases sofocliana s e euripidiana s do padre
Franci sco José Freir e, o árcade Cândido Lusitano (Ifigénia em Tauride ,
Medeia , Édipo Rei , etc.)279
, de Reis Quita e Pedegache ( Mégara) , ou de
Manuel Caetano Pimenta de Aguiar, que redigiu peças inspiradas no
modelo greco-latino, veiculando a análise política coeva: Virgínia
(1816), inspirada em Tito Lívio , e Os dois irmãos in imigos (1816),
inspirada em Racine (Rodrigues 2001: 392).
Em 1818, as récitas de curiosos sucediam -se amiudada mente
(Amorim 1881-84: I , 151), sendo Garrett , ao mesmo tempo, autor e a tor
de todos os géneros dramáticos, seus e a lheios, nem sempre do seu
agrado, ma s que lhe permiti a ir produzindo de forma experimental. No
teatro dos Coutinhos, propriedade de doi s sapateiros da rua das
Figueirinhas, ele foi “director espiritual” de um grupo de académicos
que “procedia da sociedade secreta Keporática , ou por ou tra , cujos
membros eram recrutados por rapazes que ali andava m” (Crabée -Rocha
1954: 44). Era tempo de proliferação de “sociedades clandestinas e de
grupos de t eatro que propagandeavam o liberalismo” (Monteiro 1971: I ,
278
Sobre o mes mo assunto faz referência e m Garret t e o Romanti smo. Porto:
Chardron, 1903, p .167. 279
Cândido Lusi tano t raduziu e i lus t rou a Epístola aos Pisões , de Horácio (Arte
Poét ica d e Q. Horacio Flaco , MD C C LV II I ) , obra que t erá pertencido à bib lioteca de
juventude de Almeida Garret t , segundo Gomes de Amori m (188 1-84: II ,581, nota) .
Ta mbé m Jerónimo Soares Barbosa t raduziu a Poética d e Horácio trad uz ida e
expl icada methodicamente para uso d os que aprend em (Coimbra, 1781), que Garret t
ci t a na His tor ia Philozophica do Theatro Portuguez (Montei ro 1971: I,374, nota 58).
199
135)280
. Nessas sociedades de curiosos dramáticos, palcos de mi litância ,
“meio menos comprometido, mas não menos proveitoso, de propaganda”
( id . , ib id . : I , 138), encontramos, entre os seus membros, o círculo de
amizades eletiva s com quem Garrett virá a partilhar a construção de uma
políti ca cultural para o teatro: Passos Manuel e Joaquim Larcher , entr e
outros.
Xerxes corresponde à primeira obra levada à cena, fru to de
remodelação académica de uma primitiva versão ter ceir ense, de 1815,
inspirada na tradução de Os Persas de Ésquilo281
, por Brumoy, mas agora
redigida em versos “inchados” e “assoprados à bocageana” (Garrett
1904: I , 588). A obra surge r eferenciada no prefá cio de Mérope (1841),
como espetáculo de fim de ano letivo, cujo texto se perdeu “em uma da s
muitas mãos por onde andou a copiar” ( ib id .: ib id .) . Razão est ranha para
invocar o desaparecimento não só “do portento” original, como das
muitas cópias manuscritas da “obra -prima” que t erão cir culado, conforme
alude. Não obstante, importa realçar que esta estreia consu bstancia o
ideal jesuítico de uma “obra escolar, glosa ou tradução de um clá ssico ,
como se praticava nos colégios”, com o objetivo de r efl eti r “acções
memorávei s, fontes de ensinamento morais, onde quem se prezava bebia
uma conduta e u m ideal” (Crabée -Rocha 1954a: 51). O interesse de
Garrett pela obra de Ésquilo não estava obvia mente ligado à tragédia
original, mas à ênfase que o tradutor francês havia posto nos conceitos
nacionalistas e hu manitários subjacentes (Monteiro 1971: I , 97).
A autoridade inicial de Brumoy deu todavia lugar à influência de
obras mais modernas, de Lessing , Maffei , Alfieri , Volta ir e ou Addison ,
que permitira m que Garrett visse “num mesmo autor, e sem tr aumatismo
do seu orgulho de artista , o imitado e o criado” (Crabée -Rocha 1954a:
52):
280
Em 1817, Garret t fundou com Passos Manuel , ent re out ros es tudantes , uma lo ja
ma çónica que Gomes de Amori m não consegue nomear, e m casa de Jacques Orcel ,
l ivrei ro ao Arco do Almedina, que forneceria as obras r evolucionárias do agrado da
juventude académica. Out ras sociedades secretas houve nas imediações , sem sere m
ma çónicas ou carbonárias , como a Sociedade dos Jardinei ros ou Sociedade
Keropát ica , de natureza nacional is ta e antibri t ânica, conforme refere um ofício do
Barão de Rendufe, In tendente da Polícia, a 29 de março de 1824 (Montei ro 1971:
I,137-38). 281
B RUMO Y , P ierre (1730), «Les Perses», Le Théâtre d es Grecs , tome II, p .171 -184.
200
Voltei -me ao teat ro das línguas modernas, que n ão só colheram o bei jo às
belezas e primores gregos, mas souberam criá -las novas (Garrett 1904: I,
527).
A aplica ção do conhecimento livresco da adolescência ao t eatro
evoluiu para a procura de temas exi stentes na realidade, para motivos
que se adequassem ao entendimento do público:
Com alguns anos de amadurecimento e de experiência , Garre tt chega à
conclusão luminosa e eterna de que um escritor não deve segui r ninguém:
deve preceder os outros, deve ser ele mesmo, ele, como o seu tempo o
fez. Deve falar à sua gente , e falar -lhe uma l inguagem que ela entende,
que é a da hora presente (Crabée-Rocha 1954: 39).
Lucrécia , segunda obra levada à cena, em 1819, no teatro dos
Grilos, recebeu um bom acolhimento do público estudantil . O entusiasmo
que reinou após a r epresentação fez subir o prestígio de Garrett e ganhar
o ápodo de “Crébillon tripeiro” (Monteiro 1971: I , 393). Foi tida por
a trevimento do autor, que expunha assunto “escabroso” e “ tabu ”, próprio
de artista s plá sticos r ena scenti stas, jamais de dramaturgos no início de
Oitocentos, su jeitos à interpretação ridícula dos papéis femininos por
jovens estudantes, como o colega José Mari a Grande, especialista em
damas:
O caso não deixava de ser excitante para rapazes de vinte anos, e Garrett
dava-lhe , apesar de todas as concessões à moralidade, um cunho
realí stico, singularmente prematuro e singularmente português. Mas
certamente não teria o mesmo êxito se fosse representada diante de uma
plate ia de honradas mães de famíl ia ( Crabée-Rocha 1954: 56-57).
Para Gomes de Amorim Lucrécia patenteia “rasgos de engenho” e a
“revelação de um talento”, embora falte a inda a “experiencia para saber
dramatisar as paixões em vez de as por a decla mar academicamente”
(Amorim 1881-84: I , 144), perante a ilustre assembleia de amigos:
Hoje, que a voz da cândida amizade
Aqui vos ajuntou, congresso ilust re ,
Hoje que o brado meu ténue, humildoso
Dirigi r-vos me é dado; oh! que mais pode,
Que out ros sons a formar se at reve o vate ,
Senão de eterna gratidão sincera?
(Garre tt 1984a: 309)
201
A obra não podia deixar de ser acolhida com grande exaltação, por
quem queria ver “mais do que o próprio autor ju lgava ter metido nela”
(Crabée-Rocha 1954: 57):
Entre os actores, o auctor e a maioria do publico cruzavam -se olhares de
intell igencia . […] Ninguem duvidava de que o poeta se di rigia ao
coração dos pat riotas; e havia quem visse em Lucrecia o disfarce de
Lysia; em Tarquinio, o do domínio inglez; e em Bruto, o da idéa que se
agitava nas reuniões das sociedades maçónicas. P ressent ia -se que 1820
estava perto (Amorim 1881 -84: I, 145).
O derradeiro ver so da tragédia – “viva mos livres, ou morramos
homens” – tornar-se-ia no le itmotiv revolucionário, aproveita do na ode
Ao Corpo Académico , e no Catão . Era a voz de uma juventude que
exprimia o sentimento de r evol ta a través da metá fora teatral, de uma
peça que literariamente seguia o modelo clá ssico francês, entr e Racine e
Corneill e , mas que continha já a semente da obra fu tura , “pelo menos nos
seu s doi s grandes polos: Catão e Frei Luiz de Sousa , da qual é uma
espécie de prefiguração imper feit íssima, de borrão muito esquecido”
(Crabée-Rocha 1954 : 59).
O prólogo de Catão refundirá acrescentando o de Lucrécia , ambos
recitados pelo autor, invocando o sentimento comum do “congresso ou
assembleia ilu stre” – “vois soi s Lusos (Catão, v.43); “Portugueses sois
vós” (Lucrecia , v.18) – para glória da “pátria augusta”. Em Lucrécia , ta l
como na Mérope e em Catão , Garrett infringe o preceito neoclássico e
patenteia o espetáculo da morte em cena, criando, com isso, efeitos
patéticos. Retoma, a lém di sso, o tropo da morte por vergonha, que
abordara em Átala . Lucrécia suicida -se em público, conduzindo à mesma
ação Colatino, seu marido, com o mesmo punhal. Na Mérope , Egisto
mata Poli fonte. Em Catão , o herói morre na derradeira cena da tragédia .
Em Novembro de 1819, o estro de Garrett terá sido solicit ado a
escrever uma obra de cir cunstância , “um pastelão que confina com o
burlesco” (Crabée -Rocha 1954: 72), um elogio dra má tico publicado como
O Amor da Pátria , que revela uma sua “faceta r ecôndi ta” (Novaes 2006:
77) . Mesmo que tenha destru ído muitas obra s consideradas sem interesse,
como ele próprio afirma, parece curioso que o elogio tenha sobrevivido
202
ao crivo severo do seu autor. Por que razão terá sido escrito? “Garrett
era o homem menos próprio deste mundo para dar vida a ta is maçadas”,
“advertiu” Gomes de Amorim (Garrett 1984a: 471). Qual a motivação
para escrever este elogio comemorativo do nascimento de D. Maria da
Glória , Princesa da Beira e do Grão Pará , “representado diante da
academia, com muitos aplausos de todos” (Amorim 1884: I , 152)? Quem
eram os “todos” referidos pelo biógrafo?
Os elogios dramáticos, composições em forma de monólogos282
ou
de “dramas alegóricos”, muito em voga na segunda metade do século
XVIII e primeiro quartel do XIX, destinavam -se a comemorar
acontecimentos de feição políti ca e patrióti ca , como os consórcios reai s,
o nascimento de seu s fi lhos ou os r espectivos aniversários natalícios283
.
Franci sco Joaquim Bingre , o Francélio Vouguense, da Nova Arcádia , foi
um dos mais fecundos cultores do género (Cunha 1916: 24), assim como
Bocage, que produziu dramas alegóricos para comemorações áulicas e
elogios dramáticos para a tores, gratos pelo bom a colhimento do público,
em seus espetá culos de benefício.
O Amor da Pátria coloca em cena a s costumadas figuras hi stóricas
lusas – D. Dinis, D. João II , Camões e Afonso de Albuquerque – , que se
autoelogiam sentenciosamente, sem desfecho cenica mente solúvel, senão
pelo recurso à invocação de Minerva ex machina para pôr termo à “rotina
velha e rançosa” da “presunção estúpida ” e do “orgulho ca tedrático”
(Garrett apud Crabée-Rocha 1954 : 71)284
:
Bri lhe no peito vosso o amor constante
Da lei , do rei , da Pát ria, e liberdade .
(Garre tt 1984a: 481)
A edição críti ca de I sabel Cadete Nova es, Os primeiros arroubos de
exaltação patrió tica e liberal do académico Garrett , defende a
282
Garret t escreveu diversos elogios que recit ava publ icamente como improviso – Ao
corpo acad émico , na sala dos Capelos, em 3 de feverei ro de 1821, é di sso exemplo – ,
mas que t a mbé m surgia m i mpressos em jornai s do t empo (Montei ro 1971: I, 292,
nota 216). 283
Ainda que de forma atenuada cont inuaram a ser l e vados à cena em mo mentos
especiais , ao longo de Oitocentos, e ainda mesmo no início de Novecentos . 284
C itação do d iscurso que Garret t proferiu na Sociedade Li terária Pat rió ti ca, de
Lisboa, em 19 de julho de 1822.
203
exi stência de três fa ses “de execução do texto”285
. A ver são dita mais
antiga, que pertenceu a Gomes de Amorim, tornou -se na versão
publicada, em Obras póstumas (1914). Uma versão inédita , constante do
conjunto “Fragmentos de diver sas composições dramáticas”, apresenta
uma “expansão de textos” e introduz di ferenças estru turais e elementos
importantes para a história da obra (Novaes 2006: 84). Conclui a autora ,
por análise documental , que o texto inédito corr esponde a uma “versão
intermédia”, entre o publicado e uma possível cópia posterior. Parece -
nos, todavia , que o problema se apresenta mais complexo, por questões
de conteúdo, e que, na realidade, exi stem duas ver sões di stinta s da
mesma obra, fru to da necessidade decorrente de momentos específicos.
Embora qualquer dos autógrafos esteja identi ficado como “primeiro
borrão”, na ver são publicada, o títu lo Amor da Pátria sobrepõe-se a um
outro, O Templo da Virtude, designação mais conforme não só com o
gosto clá ssico, como com a indica ção cenográfica requerida para
representação de “Os Elí sios”: “ Vista de templo no fundo. Deleitoso
bosque que conduz a elle” (Gar rett 1984a: 475). Todavia , a nota aposta
no fronti spício da ver são inédita indica que o títu lo da obra “foi
arranjado por” alguém, tornado anónimo, pelo rasgo diagonal , que trunca
a página .
Tratar-se-ia de uma encomenda, para ser r epresentada intra muros da
Academia, de acordo com u m gosto insti tucional? Teria Frei Franci sco
de S. Luís, reitor da Univer sidade, opinado sobre o drama alegórico,
como fez com o manuscrito de O Retrato de Vénus? Teria o lente de
Teologia , fu turo membro da Junta Governativa, sugerido a a lteração do
títu lo? Na ausência de t estemunhos sobre a r écita , a modi ficação do
t í tu lo (ms. BN) e a indicação da sua representação “no teatro […] da
cid[ade]” (ms. UC) fazem supor quer uma mudança do local de
285
A autora coteja as versões autógrafas exi stentes: (1) a t ranscrit a e come ntada por
Go mes de Amori m, adqui rida em 1908, pela B iblioteca Nacional (COD 13942), e
publ icada em Obras posthumas XXIX , d i rigidas por Teófi lo Braga, em 1914; (2)
versão inédita, cópia parcial da primei ra versão, inventariada e organizada por
Henrique de Campos Ferrei ra Lima, conser vada na B iblio teca Geral da Univers idade
de Coimbra (Fól io 401). Exis te ainda out ra versão i mpressa, por Xa vier da Cunha,
em Os Elogios d ramát icos: fugi ti vas d ivagações em que se in tercala um inédito do
vi sconde d e Almeid a Garrett (1916), que segue a de 1914.
204
representação, quer uma segunda redação, mais conforme ao idea l
políti co do jovem a cadémico. Tal explicaria a divergência de Gomes de
Amorim na “advertência” da versão publicada, quanto à probabilidade d e
o elogio dramático não ter sido t erminado e l evado a cena, e o realce que
coloca aos “aplausos de todos”, nas Memórias b iográficas .
A ver são inédita revela uma signi ficativa alteração de persona gens.
A clássica “Minerva” da ver são publicada dá lugar à necessária
“Liberdade”, ra surada e substitu ída pelo novel conceito de “O
Patriotismo”, cuja indumentária se encontra especifi cada em nota de
rodapé da folha de rosto, segundo a tipologia visual das a legorias: “O
Patriotismo deve ser vestido c[omo…] genio, azas XX – na esquerda
[deve] trazer embraçado um escudo, [em] q. se l eia – O Patriotismo”. A
tradicional r epresentação hieráti ca de Minerva é substitu ída pela de um
génio alado, um “Anjo da Paz”, símbolo do espírito revolucionário
emergente, descrito no Génio Constitucional286. As novas per sonagens
fazem subir à cena o estilo libertário vintista , i lustrando a ver são inédita
uma variante transformadora do pensa mento da ver são publicada.
A partir da cena 3ª, o diálogo acrescentado desvia -se do estilo
institucional que vinha seguindo. Introduz -se um conflito entr e a ênfase
de Afonso de Albuquerque - “nada a pátria nos deve, tudo a el la / deve o
bom cidadão” - e a revolta de Camões, cujas palavras exortam o espírito
revolucionário, lamentando “o oppresso e insultado Povo portu guez”287
, e
a memória da morte dos implicados na conspiração de Li sboa, em 1818,
que igualmente vitimou Gomes Freire de Andrade :
Camões [… ]
A patri a noss a já não vi ve , Affonso; [fl . ] 403 v.
Oppress a geme de ferre nho j ugo
A fl or, a august a das nações p rinceza
Mãos parri cidas de seus própri os fi lhos
Seu se io mate rnal di lacerando…
Oh cumulo de ho rror ! Oh cri me infando!
Oh Lysi a! Oh Lysia , quando nos teus muros
Vere i rai ar o s bonançosos di as,
Que o fado l is onje iro te p romete !
286
Cf. excerto infra. 287
“Santos mot ivos da Revolução de 24 de Agos to de 1820”, O Campeão Por tuguês
ou O amigo do Rei e do Povo, vol . III, n º XXVIII (Out . 1820), p .198.
205
[…]
A vi rtude fugiu de nossos muros, [fl . ] 404
Foi com el la a vent ura, o es fo rço, a glo r[i a.]
[…]
Fol ga com nossos ais a t i r ani a,
Ri com nossos ge midos. Re ga o pranto
Do t riste povo as faces descoradas;
Lida, geme em si lencio ent re penúrias
Na des graça da pát ria, e de seu povo
Vil caterva de infames op ressores
Não consente ao bom re i q. fi te os ol hos.
Em seus prazeres se converte o s angue
Dos cidadãos mesquinhos. Po rtugueses,
Livres, honrados, valorosos sempre
Vis gr i lhões ar rastando es cravos mudos…
Affonso de Albuque rque
Escravos !. . . E um momento podem sê -lo
Netos de Gama, ne tos de Pache co?
Não: bem os viste , com q. ex fo rço, e glo ria
Cal cando a juba de Leões gri fanhos ,
Parando às Águias remontados vôos [288
]
O int ruso j ugo sacudirão fo rtes.
Ah quando mes mo Portugal inte iro
Fosse rebanho vi l de vis escravos
Se o Porto l he restar, se a vóz erguerem
I lustres vencedores do Vimeiro,
Então… [fl . ] 405
(Garre t t apud Novaes 2006: 96 -97)
Na versão publicada, o longo monólogo da deusa Minerva sublinha
o papel da razão, presente na linhagem intelectual dos herói s lusitanos,
as “venerandas sombras” de outros t empos. Garrett demonstra pela
evocação do pa ssado a responsabilidade das institu ições, das suas
empresas na ilustração pública . Graças ao poder político iluminado, não
só a pátria se expandira , “abarcando os hemisférios”, pela espada de
guerreiros ilustres e pela pena de “engenhos mil, e mil esclarecidos/ que
os fastos da sciencia ornarão honrão” como:
Minerva t riumphou, e a Luza Athenas [fl . ] 366
Com novo esmalte refulgiu comigo
Fiel sempre thequi aos meus preceitos […]
(Garre t t apud Novaes 2006: 99)
288
Referência à Guerra Peninsular .
206
Todavia , a versão inédita redefine a intenção do di scurso, mesmo
que mantenha o providenciali smo e o t eor panegírico, para envolver o
monarca na aura de um novo tempo, colocando o teatro ao serviço do
poder. Com o Patrioti smo, ergue -se a voz do Vinti smo qu e invetiva à
reforma políti ca e cultural. A exaltação dos tradicionais herói s dá lugar à
invocação dos herói s do tempo do presente, esperança na construção do
futuro, numa apologia de que a Pátria se renova pelo esforço combativo
dos heróis que em cada tempo liberta m o povo do jugo de qualquer poder
que o oprima:
O Pat rioti smo
[…] [fl . ] 405
Com eles vive a Liberdade augusta
Do Douro os filhos, valorosos sempre
P rimeiros sempre no caminho à gloria
Com novo esmalte de coroa e terna
No alongado porvi r ganharão se’clos
Lyzia em fim conheceu seu férreo jugo
Recobrou seus di rei tos: nobres dext ros
O ousado ferro da justiça empunhão
A favor da querida Liberdade.
[…]
Albuquerque famoso, inda tens netos [fl . ] 405 v.
Que sabem, como tu, ser Portuguezes.
[…]
Ó Portuguezes celebrai -os, todos.
Quem primeiro ent re vós alçando a fronte
Tremendo ra ios t rovejou t roando?
Foi elle sim, o impávido Cabrei ra 289.
Foi Sepulveda [290], e Gil291, forão ousados
289
Sebast i ão Drago Valente de Bri to Cabrei ra , f idalgo da Casa Real , ali stou -se no
exérci to em 1777. Es tudou mate mát ica na Uni vers idade de Coimbra enquanto cadete
de art i lharia. Após a formatura fo i promo vido a t enente. Part i cipou nas guerras do
Ross ilhão e da Catalunha. Em 1808, part i cipou da revol ta cont ra os franceses , em
Faro , onde fo i nomeado me mbro da junta provisória que se formou no Algar ve. E m
1817, fo i promo vido a Coronel no Regimento de Art ilharia nº 4 , no Porto , onde se encont rava quando se deu a revol ta de 24 de Agos to de 1820. Fez a proclamação da
Revolução da varanda do Paço do Concelho, juntamente com o coronel Sepúlveda
(vd . nota infra ) . Foi nomeado vice-pres idente da Junta P rovisória do Governo
Supremo do Reino, t endo marchado para Lisboa com o exérci to , onde fo i escolhido
para presidente da Junta P reparatória das Cort es. Com a queda da Const itu ição, em
1824, fo i demi t ido do cargo e exi lou -se, apenas regressando a Portugal após o
juramento da Carta Const itucional . F rancisco António Si lva Oei rense (c.1797 –
1868) ret ratou -o na Collecção d os Ret ratos dos Varões Esclarecid os […] da
Regeneração Polí ti ca dos Por tugueses , o ferecida a D. João VI, c.1820-22. 290
Bernardo Correia de Cas t ro e Sepúlveda , Coronel do Regimento de Infantaria, n º
18 . Em sua casa se reuni ram os re volucionários na noite de 23 de agosto de 1820.
207
Chefes, q. os seguem292, q. ent re a glória fulgem
Oh subl ime! Oh divina! Acção pasmosa!
Oh Si lvei ra!293 Oh Catão dos Lusi tanos [fl . ] 406
Oh Fabio tardador, Oh Quincio, Oh Curc[io]
Campea, oh Porto, nos annaes da fama
Primeiro sempre em l ibertar a Pat ria
Recebe os louros, com q. te orna a fronte .
(Garre t t apud Novaes 2006: 97 -98)
Cedendo a deusa romana lugar ao “númen” lusitano – “à voz do
Patriotismo é nada o Fado” (Garrett apud Novaes 2006: 99) – a aura das
glórias elísia s torna -se na aura da revolução que se cumpria . A menção
textual dos nomes de Cabreira , Sepúlveda e Gil r emete expl icitamente
para os “Restauradores da Pátria” do pronuncia m ento militar do Porto, a
24 de agosto de 1820, vistos publicamente como semideuses:
Bateo a hora de Portugal : a Cidade do Porto invocou o Genio
Consti tucional. Este baixou como Anjo da Paz, e de repente expandio
sobre todo o Reino suas fecundantes azas. Os bons Pat riot as, que se
anteciparaõ em adorallo, já voaõ, como El le, do Douro ao Tejo,
recordando por toda a parte os ant igos Semi -Deoses, que naõ sentiaõ Foi uma das vozes que proclamou o espí ri to revolucionário . Pertenceu ao Sinédrio
do Porto , d i r igido por Manuel Fernandes Tomás . E m 1823, fo i nomeado Comandante Mil it ar de Lisboa. Aderiu à Vilafrancada, aba ndonando o campo l iberal . Acabou por
ser preso às ordens de D. Miguel. Esteve encarcerado e m Peniche durante um ano,
após o que part iu para o exí lio em Paris , onde vi r i a a falecer . F rancisco António
S ilva Oei rense (c.1797 – 1868) ret ratou -o na Collecção dos Ret ratos dos Varões
Esclarecidos […] da Regeneração Polí ti ca dos Portugueses, oferecida a D. João VI,
c.1820-22. 291
Domingos António Gil de Figuei redo Sarmento , t enente-coronel do Regimento de
Infantaria, n º 6 . F ranci sco António S ilva Oei rense (c.1797 – 1868) ret ratou -o na
Col lecção d os Retratos dos Varões Esclarecid os […] da Regeneração Po l í ti ca dos
Por tugueses , oferecida a D. João VI, c.1820-22. 292
Membros da Junta P rovis ional do Go verno Supremo do Reino: vogai s , pelo clero ,
Luís Pedro de Andrade e Brederode, deão; pela nobreza, Pedro Leite Perei ra de
Mel lo ; F rancisco de Sousa Ci rne de Madu rei ra; pela Magis t ratura, desembar gador
Manuel Fernandes Tomás; pela Univers idade, Doutor F r. F ranci sco de S. Luiz; pelo
Minho, desembargador João da Cunha Sot tomayor, José Maria Xavier de Araújo;
pela Bei ra, José de Mello Cas t ro e Abreu, Roque Ribei ro de Abranches Castelo -
Branco; por Trás -os -Montes , José Joaquim de Moura, José Manuel de Sousa Ferrei ra
e Cas t ro; pelo Comércio , F ranci sco José de Barros Lima; secretários com voto , José Ferrei ra Borges , José da Si lva Carvalho, F ranci sco Gomes da S ilva. Todos e les
ass inaram o juramento redigido no Porto, Paço do Governo, a 24 de Agos to de 1820,
de obediência à Junta P rovis ional do Governo supremo do Reino. ( cf . Gazeta d e
L isboa, nº 231, 25 de setembro de 1820). 293
O Brigadei ro António da Si lvei ra P into da Fonseca d i st inguiu -se na Guerra
Peninsular . Foi o P res idente da Junta P rovis ional do Governo Supremo do Reino. ( cf .
Gazeta d e L isboa, nº 231, 25 de setembro de 1820). A sua adesão ao mo vi mento fo i
import ante, por se t ratar do i rmão do Conde de Amarante, Go vernador de Ar mas de
Trás -os-Montes, f i el ao governo de Lisboa. [c f . VA LA D A RES , António Cana varro de
(1981), “A Revolução de 1820 e o Brasi l ”, Bolet im d e t rabalhos h is tór icos , vol .
XXXIII, pp .71 – 102].
208
paixoens, senaõ para fazer bem aos homens ( Génio Constitucional , nº 1,
02 /10 /1820: 1 ).
O excerto jornalísti co supra demonstra uma ênfa se muito próxima
da de Garrett . A eu foria vivida no Porto foi partilhada pelo jovem
estudante, em féria s académica s na cidade natal. As notícia s difundidas
pelo Diário Nacional (26/08 e 28/08) transcrevem-se em outros
periódicos294
. Na noite da revolta e na seguinte , “as representaçoens no
theatro foraõ brilhantíssimas, […] a ellas concorreo imenso povo, e
assi stiram os r estauradores da Liberdade”295
; Garrett declamou, no Teatro
de S . João, o Hymno patrió tico , sua primeira obra impressa, nesse ano:
Oh Lusos, á gloria!
Que audaz pat riot i smo
Do vil despoti smo
Só pode salvar.
Escravos os Lusos!
Os netos do Gama!
Tal nodoa na fama
Podeis suportar!
Oh Lusos á gloria! etc.
Garrett terá retomado a sua alegoria , em data posterior a 15 de
setembro de 1820, já que os versos a ludem à revolução em Lisboa:
“Lysia em fim […] recobrou seus direi tos”. Da sua passagem pela
capita l , quando a Junta do Porto fez a entrada triunfal, t emos r egi sto nas
Memórias (1861) do Marquês da Fronteira296
. Quem sabe se o Alceu da
Revolu ção de Vinte não terá sentido a t entação de l evar à cena o Templo
da Virtude como Amor da Pátria , num dos saraus poéti cos e musicais da
Academia, celebrando o reforço do poder da Junta Provisória , após o
golpe da Martinhada:
294
O Campeão Por tuguez ou O Amigo d o Rei e do Povo, nº XXVII (Set . 1820), pp .
169-184; O Padre Amaro ou Sovela Polí ti ca , h is tór ica e l it t eraria , vol . 2 (set .
1820), p . 171. 295
O Campeão Por tuguez ou O Amigo do Rei e do Povo, nº XXVII (Set . 1820), p .
181. 296
B A RRET O , D. José Trazimundo Mascarenhas (2003), Memórias do Marquês da
Fronteira e d’Alorna. Lisboa: INCM, pp.203 – 212.
209
Viva El Rey! Viva o supremo governo! Vivaõ as Cortes! Viva a
Consti tuiçaõ. […] Vi va Cabrei ra! Viva Sepulveda! Viva o bravo Gi l !
Viva o heroe Silvei ra!297
Dúvidas houvesse quanto à a lteração do propósito a legórico,
compare-se o di scurso final de D. Diniz, na versão publicada e na
inédita , em que a imagem da vontade absoluta de origem divina se
transforma na vontade de um povo:
D. Diniz
Oh quanto, ó deusa, com teus ditos folgo,
Que suave prazer me embebem n’alma!
Outorgarem-me os Céus a glória, a dita
Desse alcáçar te erguer, onde ora fulges !
Oh que em júbilo o peito me t ransborda
De te ouvi r nomear suas virtudes.
(Garre tt 1984e: 480)
D. Diniz
Oh! Quanto, oh numen, com teus di tos folgo,
Que suave prazer me embebem n’alma!
Oh Lusos, Lusos meus! Oh pát ria amada
Oh que em júbilo o peito me t ransborda
De te ouvi r nomear suas virtudes .
(Garre tt apud Novaes 2008: 99; subl inhados nossos).
O quadro final apoteót ico mantém -se. Emudece a “voz da filha do
supremo Jove”; o clarim da revolta substitu i a canora tuba: “à voz do
Patriotismo é na da o Fado”. Como prémio “ao verdadeiro coração d’um
Luso”, após mutação cénica à vi sta , desvenda -se o santo dos santos –
“some -se a fachada do t emplo, apparece o retrato de S. M.” – , e o
Patriotismo, ta l como Minerva o fi zera , reproduz a mesma coda final,
exortando a assembleia a guardar respeito ao monarca, “pae, rei e
amparo”, e os Portugueses a desempenhar “o venerando nome”, por amor
da Pátria , em liberdade, num verdadeiro a ssomo patriótico galvanizador:
Versos meus há […] que nasceram do entusiasmo da l iberdade e
pat rioti smo, ou que, por estes nobres afe ctos inspi rados, procuraram
297
“Revolução do Porto de 24 de agos to”, O Campeão Por tuguez , ou O amigo do Rei
e d o Povo, nº XXVII (set . 1820), p .181.
210
arreigar no ânimo dos que os ouvissem ta is sentimentos (Garret t apud
Montei ro 1971: I, 325)298.
O “amor da pátria” era uma paixão de alma, a virtude que cria va
fei tos heroicos, o le itmotiv de gente unida por uma vontade, que aspirava
à salvação de um paí s. O títu lo da alegoria garrettiana condensava o
“Manifesto da Junta Provisional do Governo supremo do Reino aos
portuguezes”:
O amor da Pát ria, sacri ficado ao egoísmo, naõ foi mais do que um nome
vaõ na boca desses homens ambi ciosos, que ocupavaõ os primeiros
lugares da Naçaõ, e que so tinhaõ por fito medrar nas honras e nas
riquezas em premio dos seus crimes, ou da fa lta de luzes e experiencia
com que d irigiaõ as cousas do Estado299.
O otimismo confiante do “ Alceu da Revolução de Vinte” e de seus
pares dava-lhes a convicção de u m idealismo utópico capaz de
“regenerar” os velhos modelos da natureza humana, e de transformar o
escravo em cidadão, a través do t eatro, ou não fosse a “ literatura
dramática, de toda s, a mais ciosa da ind ependência nacional” (Garrett
1904: I , 628).
“O cinzel do estatuário , as tintas do pintor, e a lira do poeta…”
Para a tragédia Affonso de Albuquerque , principiada no Port o, em
julho de 1819, e nunca acabada, apesar da intenção expressa na edição
londrina de Adozinda (1828) , escreveu Garrett um “prólogo”, que se
constitu i como um primeiro prefácio-programa sobre teoria dramática,
contendo a semente que desenvolverá posteriormente no prefácio de Um
Auto de Gil Vicente . Garrett enunciou então a necessidade de um teatro
nacional, enquanto escola de virtudes cívicas. O exemplo dos épicos
helénicos, “ mestres em tudo, mas principalmente nas boa s -artes” (Garrett
1984a: 416), servia para “afervorar o amor da glória e aprimorar o
esforço e valor nacional” ( ib id .: ib id .):
298
P refácio des tinado à edição de Poes ias , em 1821, que não chegou a editar , e que
se encont ra no Espól io da Univers idade de Coimbra. 299
“Revolução do Porto de 24 de agos to”, O Campeão Por tuguez , ou O amigo do Rei
e d o Povo, nº XXVII (set . 1820), p .177.
211
Os teat ros, desde que, pela civi lização e bom gosto foram limpos das
fezes da barbaridade, começaram a ser, não só a escola da boa e líd ima
l inguagem, e da moral sã e pura; mas o incentivo da glória e gérmen das
vi rtudes sociais (Garre tt 1984a: 416 ).
Historicismo e nacionali smo congrega m -se na reformulação do
conceito de mimese. Recuperar o passado fornece o “exemplo”, cuja
refl exão críti ca clarifi ca que o “passado” pesa na interpretação do
“presente” (Barata 2001: 160). Não restam dúvida s quanto ao teatro ser
imitação da Natureza; todavia esta é variável. Cada epi stema cultural tem
a sua conceção de hi stória e escolh e a sua própria forma narrativa,
condicionando o género teatral (Santo s 2011: 26). A sua ideologia
vinti sta cr esce em nome da Natureza, distinguindo o homem natural do
homem primitivo, numa per spetiva fenomenista , e definindo o Homem
como “resultante moldada por um complexo jogo de cir cunstâncias”
(Monteiro 1971: I , 252). Voltaire, Montesquieu , Schlegel , Cha teaubriand
ou Madame de Staël demonstram-lhe a “ influência exercida sobre o
homem pela época e pelo espaço geográ fico em que vive” ( id . , ib id . : I ,
253) e contribuem para a sua tolerância ideológica e estética . As culturas
exót icas vêm provar que a consciência humana é variável. A literatura de
viagens contribui para essa perceção, ta l como o estudo do suíço Lavater ,
interligando o fí sico e o moral na fisi ognomonia. O Homem não exi ste ,
exi stem sim homens, nu ma pluralidade infin ita de indivíduos que
partilham o mesmo mundo, metáfora pragmática da bíbli ca Torre de
Babel.
Objetiva mente, o “Divino” abandona os modelos antigos e escolhe,
a exemplo de António Fer r eira , uma figura épica portuguesa, na defesa
de um teatro nacional300
. Em Historia Philosophica do Theatro
300
Crabée-Rocha cit a “Apontamentos para composições dramát icas”, (ms .42) do
Espól io de Garret t , para demonst rar a intenção do dramaturgo de u ti li zar f iguras da
h i stória nacional , algumas das quai s não passaram de suges tões ti tulares , como
Jus tiça d e Ped ro e D. Sebas tião . Out ros esboços most ram que Garret t de dicou algum
do seu t empo a debuxar mo mentos cénicos , ou apenas planos de obra, com figuras
h i stóricas do domínio públ ico - Inês de Cas t ro ( Inês d e Cast ro , ms.28), Brit es de
Al meida (A padeira de Al jubarrota , ms.36), Maria Teles (Maria Teles , ms.40) - ou
personagens populares caracterí st i cas, como Afonso Anes , Mateus João, Joaninha e
Gi l Eanes , em O Tanoeiro d e L isboa (ms .38), espécie de “ensaio geral” (Crabée -
Rocha 1949:31) do Al fageme de Santarém .
212
Portuguez301, Garrett reverenci ou o aspeto modelar da tragédia
quinhenti sta . A sua análise, a partir da leitura do Cours analytique de
lit térature générale , de Lemercier, expressa um modelo que privilegia o
ent endimento da “ideia ou pensamento” da obra, a sua “locução ou
estilo” (Garrett apud Barata 1997: 120), e a coerência que deve exi stir
entre os diver sos elementos que constituem a obra. Como primeira
qualidade, encontra -se a “unidade dramática” ( id ., ib id . : 121) ou
capacidade de fixar “o espírito, e todos os sentidos do espectador num só
lugar, num só fa cto, num só t empo” ( ib id .: ib id .) . As pretensa s unidades
aristotéli cas, longe de constitu írem uma limitação, constitu iriam uma
forma de manter o interesse “na t extura da fábula”:
Fazendo nascer uns dos out ros, os factos, e encaminhando
subord inadamente todos para o principal e único; já contendo a marcha
t rágica nos limites do lugar, que ao princípio se assinou; já finalmente
não deixando exceder a razoável medida de tempo necessário ao
completamento da acção (apud Barata 1997: 122).
As mutações de cena não representam quebras de unidade de lugar,
desde que fosse mantida a lei da coerência . A unidade de t empo não
corresponde a uma regra externa, mas adequa o tempo dra mático ao
relato da ação. Tudo deveria estar conforme a harmonia da simplicidade ,
entre o tom geral da obra e a situação que se pretende exprimir :
Tal é a bela simpleza do sublime poeta: examinou a natureza, consul tou o
coração humano, e sem mais aparato, sem mais pompa, deu aos seus
espectadores todas as belezas, e louçania daquela, e todos os a fectos, e
puras sensações deste (apud Barata 1997 : 131).
Os diálogos deveriam coadunar-se com a natureza da situação, a
verosimilhança teatral e a diversidade de caracteres dramát icos , para
conduzir o espectador à comoção e “fazer entrar na alma uma lição
interessante e ú til” (Monteiro 1971: I , 377), a través de modulações de
linguagem modelarmente estabelecida s, que deveriam constitu ir o
sublime, ja mais empolado ou afetado, sem esgares nem convulsões.
301
Sobre a edição crí ti ca des ta obra cf . B A RA T A , José Ol ivei ra (1997), “His tória
Filosófica do Teat ro Português de Almeida Garret t ”, Revis ta Discursos: teat ralid ad e
e d i scurso dramático , nº 14, Li sboa: Univers idade Aberta, pp.107 -141.
213
Afonso de Albuquerque é uma tragédia portuguesa: não só u tili za um
herói nacional, como responde “aos problemas, ao s inter esses e aos
sentimentos coevos do público” ( id ., ib id . : I , 381)302
. A figura titu lar
parece corresponder ao que se pretende de um herói modelar , como se
configura no monólogo inicial, próprio de um grande chefe militar.
Todavia , a perspetiva muda radi cal e tragica mente, na cena seguinte com
a descrição da carnifi cina perpetrada por soldados portu gueses. O
paradoxo evidencia a posição de Garrett , não só através da jovem Alaída,
a cativa que acu sa a desumanidade do conquistador ( Ato I , cenas IV-V) ,
mas também pela confissão de Albuquerque, que confirma o mal -estar
que lhe provocam as béli cas campanhas, apenas cumpridas por dever de
estado (ato II , cena I II) . Para agravar a situação, ta is como os
shakespearianos Marco António e Cleópatra , Albuquerque a paixona -se
por Alaída, num amor fatal, contra os deveres “da pátria , da glória , da
razão, da virtude” (Monteiro 1971: I , 407). Garrett cria doi s conflitos:
um dramático e outro pessoal. A razão propusera -lhe abordar o esforço
português na conquista do Oriente, mas a emoção fez despoletar a trama
amorosa de um conquistador apaixonado por uma cativa, sofrendo
problemas de consciência . O conflito d ramático demonstrou -se insolúvel
e colocou a solução na s mãos do autor, que abandonou o projeto.
Poderia ter seguido a influência de Voltaire , de Mahomet, mas,
inver samente, o drama heroico garrettiano parece ecoar a leitura de
Chateaubriand, no conflito religioso que opõe as invetivas da altiva
Alaída aos protestos apaixonados de Afonso de Albuquerque :
Alaída
Deus de just iça ,
Deus d’amor para vós, manda a seus filhos
Buscar est ranhos sossegados povos,
Para vós inculpados inocentes,
Por que em seu nome lhes pregueis co’a espada
Esse culto d’amor e de justiça.
(Ato II, cena III; Garrett 1984a: 445)
302
Tal como o Catão , com que in iciará a sua at ividade nas sociedades de curiosos
dramát icos , insi st indo na “adequação da obra de arte à Natureza signi f i cada e à
audiência a que se dest ina” (Montei ro 1991: I, 382).
214
O conflito religioso funde -se com o amoroso, sem “honra, nem
pieda de, nem valor” (Crabée -Rocha 1954: 65) para os portu gueses. O
amor de u m Deu s “justo e compassivo” contrapõe -se a uma “lei
compassiva” que permite o roubo, não só de bens, mas da liberdade.
Garrett expõe, “à luz das ideias de Montesquieu , a ambição desmedida
dos portugueses” ( id ., ib id . : 70), segundo princípios idênticos aos qu e
Ésquilo u sou em Os Persas , mostrando a arrogância dos vencedores.
Esta mistura entr e “amor raciniano, valor la tino e galanteria
portuguesa” ( ib id .: ib id .) é própria do jovem revolucionário idealista ,
cujo “prólogo” expõe a ideia sobre o poeta dramático e sua função em
sociedade; o indivíduo politi camente comprometido, que contribui para o
desenvolvimento cultural pela proclamação do mérito individual:
O poeta é também cidadão; e os ta lentos, e ciências, i núte is, ou
porventura prejud iciais seriam ao bem do estado, se a seu melhoramento,
e cultura não cont ribuíssem. […] O primeiro dever do poeta cidadão é
celebrar as vi rtudes dos seus compatriotas, e fomentá -las por este meio
no coração deles (Garrett 1984a: 415-16).
Sobre todos os géneros, o teatro , a par de outros espaços de
sociabilidade, apresenta -se-lhe como um meio de divulgação do ideário
romântico, por ser “vivo, e proveitoso”, e a “ teatral i lusão [tornar] mais
profundas as sensações, e mais arreigad o o conselho” ( ib id .: ib id .) ,
claramente enunciado também no prefácio à Lírica de João Mínimo
(1825):
Além dos […] cafés e bi lhares, os outei ros de frei ras, e nas ocasiões
publ icas – com juramentos, perjuramentos, aclamações, desacclamações,
usurpações, etc ., etc . – os teat ros são os meios de publ icidade para os
verdadei ros e legítimos filhos do lusitano A pol lo que deprezam a ridícula
gloria de auctores impressos (Garrett 1904: I, 43; itálico original;
subl inhado nosso).
Na enunciação embrionária de um teatro de massas, sublinha -se o
valor pedagógico da função t eatral. A arte dramática “acrescenta” à
epopeia a “viveza, e naturalidade” da representação cénica, e torna -se
proveitosa “à totalidade da Nação, que ordinariamente não lê, nem sabe,
de poema s, que sobre longos, não entende” (Garrett 1984a: 415-16).
215
Ainda que Garrett possa encarar a produção dos t empos académicos,
de “inocência e de esperança”, como obra de um “fedelho qu e calçou o
coturno sem mais cerimónia” ( id ., ib id . : 209), na realidade demonstra a
consciência de quem escreve pelo “desejo de enriquecer o teatro, a
l íngua nacional, e dar aos Portugueses novos incentivos de glória” ( id .,
ib id . : 415-16). Na realidade, as obras denunciam leituras da juventude,
mas, mais do que i sso, r efletem “aspirações a um outro modo de viver e
de falar” , pressentido, mas não especi ficado ainda ( id ., ib id . : 210), como
havia defendido a autoridade de Geoffroy , no seu Cours de lit térature
dramatique303:
[Nous] sommes toujours t rès sensibles au colori s des beaux vers: depuis
que nous avons vu la t ragédie populai re couri r les rues, nous voulons
qu’elle ne se montre sur la scène qu’ennobl ie e t parée de tous les
ornements de la poésie et de l’ éloquence; que le plan soi t moins régul ier
e t moins sage, nous n’y regardons pas si près; mais que le style frappe,
échauffe , ent raîne; qu’une brillante superfic ie couvre de son écla t les
vices du fond (Geoffroy 1825: II , 290-91).
Sofonisba304 é mais um ensaio dra mático inacabado de Garrett . O
assunto fora amplamente tra tado desde o Renascimento, e a ver são de
Voltaire chegou a ser representada no tea tro dos Coutinhos, em 1815.
Porém, desta imitação francesa, Garrett quase que abjura a paternidade
da sua ver são. Na “advertência”, diálogo, também ele inacabado, que
entabula com um amigo, assume -se de uma originalidade malgré lu i. Não
se tra ta de uma tra dução, porque lhe foram retiradas a s entr anhas, ou
303
Trata-se da compi lação dos folhet ins de t eat ro que Geoffroy publicara no Journal
d e l ’Empire (posterior Journal d es Débats ) e E. Gosse reuni ra com es te tí tulo (Paris :
B lanchard , 1819 – 1820, 6 volumes). A obra conheceu um sucesso relativo . Alguns
excertos deram aso ao Manuel dramat ique (Paris , 1822). Cf. VA PEREA U , G. (1876),
Dictionnaire universel des l it t ératures . Paris : Hachet te, pp .871 -72. 304
A primei ra t ragédia sobre este assunto deveu -se ao dramaturgo i t al i ano
Giangiogio Tri ss ino, em 1515. [cf. Di F ranco Pagl ierani (1884), La Sofonisba di Giangiogio Tr i ss ino con note d i Torq.to Tasso . Bologna: Gaetano Romagnoli ] . A sua
versão influenciou os autores franceses , que a t raduzi ram, co mo Mel in de Saint -
Gelai s , em 1556, e C laude Mermet , em 1584; Antoine de Montchrestien versou o
t ema e m La Cartaginoise ou La Liber té (1596) e Nicol as de Mont reux (1601). Em
1634, Jean Mai ret escreve a pri mei ra versão cláss ica de La Sophonisbe , que abre
ca minho à Sophonisbe de Corneil l e (1663), à de Lagr ange -Chancel (1716) e à de
Voltai re (1774). Em Portugal , o t ema fo i abordado na ópera, por António Leal
Morei ra, Sir face e Sofonisba (1783) e Marcos Portugal , Sofonisba (1803). Sobre o
t ema cf . AXE LRA D , A. José (1956), Le thème d e Sophonisbe d ans l es pr incipaux
t ragéd ies d e la li tt érature occid entale (F rance, Angleterre, Al lema gne). Li l l e:
B iblio thèque Univers i t ai re.
216
seja , torna-se numa interpretação pessoal, a inda que subsidiária do texto
fonte. Um modo di scursivo que repetirá na defesa da originalidade de
Catão .
A posição de Garrett face ao ato de traduzir é mani festa em vários
escritos. No Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa , não
tolera a preferência dos poetas rena scenti stas por “quadros ita lianos”, em
detrimento de “assuntos portugueses” e “costumes nacionais” . Ter -se-ia
criado uma escola em vez de viver de traduções. Apena s António
Ferreira havia estudado profundamente os c lássicos, imitando -os com
propriedade (Garrett 1904: II , 305). O século XVII tampouco havia
regenerado a s l etras, por causa de “tarellos, francelhos, gallicipadas e
toda a caterva de gallo -manos” ( id ., ib id . : II , 353):
De t raducções estamos nós gafos: e com t raducções levou o ultimo golpe
a literatura portugueza; foi a estocada de morte que nos jogaram os
est rangei ros. Traduzir livros d’artes, de sciencias, é necessário, é
ind ispensável ; obras de gosto, de engenho, raras vezes convem, é quasi
impossível fazêl -o bem, é míngua e não riqueza para a l itera tura
nacional. Essa casta de obras estuda -se, imita -se , não se t raduz . Quem
assim faz acommoda -as ao caracter nacional, dá -lhes côr de próprias, e
não só veste um corpo est rangei ro de a l faias nacionais (como o
t raductor), mas esse corpo dá feições, gestos, modo, e índole nacional;
assim fizeram os Lat inos, que sempre imitara m os Gregos e nunca os
t raduzi ram (Garrett 1904: II, 359; subl inhado nosso).
Como já referimos, o padre Brumoy deixara bem claro que a
tradução literal de obras tendia a desfigurá -las, caso não se entendesse a
dialética existente entre a cultura de partida e a de chegada. Ao
“tradutor” seria necessário encontrar u m meio-termo, um ponto de
equilíbrio, entre uma atitude subserviente , “dema siado escrupu losa”, que
mascararia o autor, e uma “atitude abusiva” que o desvirtuaria :
Toute langue a ses arrangements d’idées, ses tours, & ses mots,
nobles ou bas, energiques ou foibles, vi fs ou languissans (Brumoy
1730: I , XVII) .
Traduzir implica reescrever e transferir uma obra literária para
outro si stema literário e cultural. O texto de partida é ma nipulado e
apropriado segundo o modelo ideológico e políti co do si stema literário e
217
cultural de chegada (Santos 2012: 79)305
. A apropriação e transformaçã o
do modelo de partida configuram um modo de “acomodação”, ou seja de
adaptação ao entendimento de u m recetor. Na lit eratura dramática , o
processo torna -se mais complexo, na medida em que a peça de t eatro
corresponde à “ tradução” de uma realidade factual, expressa por um
si stema de r eferências conotativas, numa realidade fi ccional, que as
reproduz através de um si st ema cénico especí fico, que amplia essas
referência s a través de outras de carácter denotativo. O tradutor
dramático, mais do que verter na sua língua a obra alheia , torna-se em
intermediário artísti co de pontos de vi sta culturais. Ao adaptar as obras
ao gosto do público português, estabelece -se uma “apologia de nova s
estéti cas lit erárias e correntes dramatúrgicas em nome das quais se
pretende apresentar e consolidar u ma reforma do t eatro nacional” ( ib id .:
ib id .) .
Como defendeu Fel iciano de Ca stilho , o tradutor, “quando a sua
habilidade” o permita, deve “afeiçoar” a comédia aos “usos e costumes
da gente para onde a tr aslada, em cuja língua escreve, e com cujo pensar
e sentir deve procurar que ela se conforme o mais escrupulosamente que
ser possa, para que mais e melhor lhe creia m nela , e mais e melhor lhe
tomem e assimilem a doutrina” (Castilho 1870: X) . A sua argumentação
parte da premissa base que di stingue o autor dramático, que imagina a
fábula segundo a expressão do seu tempo e da sua cultura , do tradutor, a
quem cabe o papel de “nacionalizar” , para cabal entendimento da
essência da obra .
Mendes Leal usa argumentação sofi sti cada, para redefinir o conceito
de Castilho. Por um processo de fusão, t raduzir e imitar davam origem à
“transubstanciação” . A obra de origem renasceria pela arte do tradutor:
“transubstanciai esse original, e vê -lo-ei s r essurgir inteiro” (Mendes-
Leal 1870: 222). Na medida em que a obra dramática original
305
Cf. SA N TO S , Ana Clara (2003), “A t radução do teat ro em Portugal nos séculos
XVIII e XIX: o caso da dramaturgia francesa”, em MUÑ O Z MA RT ÍN , R icardo [ed . ], I
AIETI. Actas d el I Congreso In ternacional d e la Asociación Ibér ica d e Es tud ios d e
Trad ucción e In terpretación. Granada 12 -14 d e Febrero d e 2003. Granada: AIE TI,
Vol . n º 1 , pp. 495 -505; S A NT O S , Ana Clara (2012), “A colecção Arquivo Teatral ou a
importação do repertório t eat ral paris iense”, em C A RVA LHO , Manuela/ P A SQ UA LE ,
Daniela d i (org. ) , Depois do labi rin to: Teatro e tradução. Lisboa: Vega, pp .75 -98.
218
consubstancia um pensamento autoral, a obra traduzida transformaria a
essência inicial em outra essência definitiva pelo ato de r eescrita na
representação cénica. Ao tradutor/imitador conferia -se, assim, o mesmo
papel que ao ator, enquanto (re) criadores dos autores dramáticos na cena,
e intermediários para com o espectador:
Trasladar com exactidão a let ra é já tarefa árdua. […] Verter porém o
espí rito, a feição, o genio, o intento, o pensamento, o sent imento, passar
tudo i sto, não só de uma para out ra língua descontando o que toca
necessariamente à índole especial de cada uma, não só de uns para out ros
costumes, não só de um para out ro século, mas em tudo de uma para
out ra nacionalidade de modo a que a obra fique ao mesmo passo l iterária
e popular, como é ind ispensável no teat ro – effectuar essa cabal
t ransfusão sem comprometer a ind ividualidade originaria , nem lhe al terar
o essencial da execução, nem corromper ou desnaturar o molde que a
recebe, é uma das mais del icadas e a t revidas operações que se podem
empreender, uma das mais t rabalhosas, arri scadas e meritó rias quando
bem real i sada (Mendes-Leal 1870: 214).
Sendo a criação artísti ca a expressão de um étimo espiritu al, a
originalidade mani festar -se-ia na maneira de conceber e de pensar, que
definem a reação poéti ca . O autor imprime à sua obra um máximo de
signi ficação e de poder sugestivo. Lendo “na realidade das coi sas”,
Garrett pratica “a transubstanciaçã o de u m cânone escrito” (Monteiro
1971: II , 156). A única forma de entender uma obra seria tomá -la como
“um mundo -em-si, intencionalmente organizado para dar expressão a
uma ideia”. A sua verdade resid e na capacidade de “sugerir , com a sua
forma, a intenção geratriz que lhe deu ser” ( id ., ib id . : 158). Na recusa de
uma forma mecânica em favor de u ma forma orgânica, cuja feição resulta
da evolução interior, Garrett define, para a obra dramática, como mais
tarde o fará para o modelo interpretativo dos atores, o princípio de
verosimilhança artísti ca , ou seja de construção hábil e intencional da
narrativa, de forma a conseguir o efeito que se pretende. Um assunto
exige a adequação da forma, conforme refere no prefácio de Catão
(1830) : “fu i a Roma […] e fiz -me Romano quanto pude […] voltei para
Portugal, e pensei de Português para Portugueses” (Gar rett 1904: I , 524).
A na cionalidade do drama não r eside na u tilização de personagens
219
autóctones, mas no “rito com que [as] evoca, do jazigo para sobre o
teatro, o sacerdote que faz os esconjuros” ( ib id .: ib id .) .
“Os últimos tempos de Coimbra…”
A aparente inconsistência que a produção académica garrettiana
apresenta , segundo Crabée -Rocha – l inguagem excessiva com
deficiências linguísti cas, fa lta de sentido da escrita dra mática ( cenas sem
proporção harmoniosa e fa lhas de sentido dialógico, ou a distr ibuição de
per sonagens sumária , com reduzidas notações psicológicas) – , parece-
nos revelar a essência do fa zedor de t eatro, antes do crítico t eatral, que
se viria a tornar. Não lhe faltavam certamente, como esta autora refere, a
“convicção e boa fé com que vencia sem hesitar todos os obstáculos”
(Crabée-Rocha 1954: 74).
Ensaiava Garrett os seus “curiosos dramáticos” na Mérope , quando
estalou a revolução de 1820. Suspendeu -se a empresa artí stica , quando
“estavam ensaiados os primeiros três a tos” (Garrett 1904: I , 588), para
que os intervenientes, cuja “ impetuosidade repuxava o patriotismo do
imo peito” (Pimentel 1873: 26), pudessem ensaiar os primeiros passos na
políti ca: “Adiados. Viva a liberdade! ” (Amorim 1881 -84: I, 166). A
tragédia nunca chegou a subir à cena.
Mérope culmina uma série de heroína s garrettianas – Lucrécia ,
Sofonisba, Alaída – , mulheres fiéi s e mã es sacri fi cadas ao gosto do
público , mas forma terceto com Lucrécia e Catão , na denúncia da tirania .
Mérope é o “primeiro pensamento dra mático” (Garrett 1904: I, 589), em
que Garrett humaniza a protagonista , pela exibição do seu sofr imento, ao
mesmo tempo que a torna intemporal e apátrida, ta l como o fará com a
figura de Catão. Ao temperamento instintivo de Mérope, da mu lher capaz
de se sacri ficar pelo filho, contrapõe o temperamento racional de Catão,
do homem capaz de se sacri ficar pela Pátria . Entr e uma virtude visc eral e
outra constru ída e sublimada, assi stimos à criação de um modelo de casal
primordial, que será sublimado nas figuras de D. Madalena e Manuel de
Sousa Coutinho, entr e os laços de sangue e a hombridade polí tica , entre
o amor famil iar e o a mor da pátria .
220
A Mérope de Garrett não procede to talmente das suas congéneres
europeia s306
. Não só não as l era , como aí não encontraria a sua “intençã o
verdadeira: dar um autêntico drama materno” ( Crabée-Rocha 1954 : 79).
Ainda que conserve a a ltivez de outras Méropes, a lusa figura apresenta -
se prudente e ponderada, fru to das “pessoais e moderadas concepções
políti cas” do seu autor: “mais forte do que uma alegoria políti ca , surge a
apologia di screta da religião” ( id ., ib id . : 80). O papel de confidente é
per sonifi cado pelo sacerdote, homem justo , que, na galeria das
per sonagens garrettianas se si tua entre o padre Aubry e o padre Froilão .
As fontes de Garrett são: Maffei , cuja Merope fora representada em
Modena, em 1713, mas cuja leitura o não satisfez (Crabée -Rocha 1954:
82 , nota); Voltaire, que colocara objeções à forma como aquele tra tara o
tema; e Al fi eri , cuja tragédia editada em Siena, em 1783, e,
posteriormente, em Paris (1787, 1789), se inspirava no dramaturgo
francês e fornecia a matéria que o jovem académico lusitano preferiu
seguir. Para a lém de um mero aspeto formal, em que tanto Al fieri, como
Garrett , dedicam a s obras às r espetivas mães, celebrando as suas
“virtudes ca seiras” ( id . , ib id . : 83), o conteúdo coincide na defesa da
razão de Estado como valor sublime das a titudes pública s – o casamento
de Mérope – , e na simpli ficação e concentração dos elementos
narrativos:
Os nomes, – que a própria t radição apresenta variados – foram em regra
os que Alfieri tinha escolhido. Até os recursos psicológicos, que podiam
dar mais re levo aos receios dessa mãe, foi busca -los aos dois
d ramaturgos mais próximos (Crabée-Rocha 1954: 85).
Por que razão preferia Garrett calar esta influência , ou , pelo menos,
por que a c itaria en passant, como u ma vaga leitura? Quando lhe escreve
306
Eurípides, Cresphonte ( recolhida por Nauck, em 1880); Pompónio Torel l i de
Parma, Mérope (1589); Gabriel Gi lbert (1620 -1680), Téléphonte (1642); Racine,
And romaque (1667); Jean de La Chapel le, Téléphonte (1683); F rançois Lagrange -
Semprónio, e Pereira Marecos , Décio. Os restantes companheiros
poderão ter integrado o elenco da farsa que complementou a récita de
Catão , com Garrett no papel de Augusto, quedando sa ber se a
proficiência de José Maria Grande em papéis femininos lhe terá
destinado a jovem Carlota ou a caricata Carangueja …
mi guel i smo em Portugal (1828 – 1834): o caso do homem preto Luciano Augus to”,
Revis ta Bras il eira d e His tória , vol . 33 , nº 65, São Paulo
[h t tp :/ /dx .doi.org/10.1590/S0102 -018820130001000090] (consultado em
15/09/2014). 317
Es tudou Medicina na Univers idade de Coimbra, recebendo o grau de bacharel , em
1823. Foi aluno brilhante, sendo premiado em todos os anos. Em 1824, fo i nomeado médico do hospital mi l it ar de infantaria nº 8 , e vi s i t ador dos hospi tai s do Alent ejo ,
funções que cumpriu até 1828, quando se viu obrigado a emigrar para E spanha, por
mot i vos polí ti cos. Regressou a Portugal quando foi retomado o cons ti tucionali smo.
Em 1836, após a revolução de Setembro, vol tou a emigrar; vi s i tou a Inglaterra,
F rança e Bélgica, onde tomou o grau de Doutor na Univers idade de Lovaina. Foi
deputado por Portalegre, sua t erra natal, em várias l egi s laturas . Foi d i retor do
Jardim Botânico da Ajuda. Dedicou -se à organização do ensino agrícola, sendo
nomeado di retor do Ins t ituto Agrícola, em 1852. Em 1857, a Revista Contemporânea
publ icou a sua biografia. Da sua extensa b ibl iografia, conta -se a escrit a de poemas
reci t ados na mesma sessão em que Garret t part i cipou enquanto estudantes de
Coimbra, publ icadas na Collecção d e Poes ias r eci tadas na sala dos a tos da
Univers idad e, nas noites d e 21 e 22 d e novembro, em publica d emons tração d e
regozi jo pelo f el iz resultado do d ia 17. (Portugal – Dicionár io Histórico ,
Corográfico , Heráldico , Biográf ico, Bibliográf ico, Numismát ico e Ar tí st ico , vol . i i i,
pp .832-833). Foi um dos fundadores do Gré mio Li terário. Sobre a sua b iografia cf.
Conde, José Martins dos Santos (1998), José Maria Grand e: Figura nacional d o
L iberal ismo. Lisboa: Col ibri . Coleção: Es tudos de His tória Regional . 318
Natural do Funch al , descendente de importantes famí l ias madei renses . Após es tudos primários , foi estudar para Londres , no colégio de Old Hal l Green.
Bacharelou -se em Matemát ica na Univers idade de Coimbra, em 1822; te ve carrei ra
como engenhei ro mi l it ar , sendo professor da Academia Real de Marinha e da
Acade mia Mi l it ar . Partidário do liberali smo, seguiu Garret t no exíl io em In glaterra,
nas forças mi l i t ares nos Açores e no desembarque no Mindelo. Foi Gove rnador C ivi l
do Porto , em 1836. Em 1833, nos Açores , foi in iciado maçon, numa lo ja dominada
por part idários de Saldanha. Foi , por i s so , nomeado Minist ro da Marinha e Ul t ra mar,
em 1835, no go verno des te. Manteve at i vidade polí ti ca e docente. Foi ele vado a Par
do Reino e, em 1853, recebeu o tí tulo de vi sconde de Atouguia. P inhei ro Chagas
escre veu sobre ele na História d e Portugal , Popular e I lus trada, 10º vol . , Li sboa:
Empreza da His tória de Portugal , 1895.
232
A segunda parte do espetáculo foi preenchida com a farsa polít ica O
Corcunda por Amor , escrita em colaboração com Paulo Midosi . Era
comum fazer suceder uma comédia a uma tragédia . Gomes de Amorim
questiona o grau de participação de Garrett , quer pela única menção feita
no primeiro prefácio à edição impressa (posteriormente omit ida), quer
pela qualidade de escrita , sem o “finí ssimo sal a teniense” de outras obras
(Amorim 1881-84: I , 229). A farsa foi, todavia , muito aplaudida. O
público t inha ainda a “ isca dos entremezes”, como diria Manuel de
Figueiredo, e encontrou graça nos “ditos mais desenxabidos e applaudiu
com grandes gargalhadas as situações que nada tinham de comicas, e a té
os equivocos de mau gosto” ( id , ib id . .: 230), a fazer l embrar o teatro de
Ricardo José Fortuna ou o de Manuel Rodrigues Maia (Braga 1903: 286).
Mas se Amorim não esteve presente , quem lhe poderá ter ditado a
apreciação, senão o próprio Garrett , num tempo em que o seu sentido
crítico estaria muito mais sofrido. Atribui -se à presença de “espectadores
constitucionaes” o sucesso da chalaça, que “zurzia sem piedade os
corcundas”: “não é necessário grande esforço para nos fazer rir
d’aquelles de quem não gostamos” (Amorim 1881 -84: I , 230). Amorim
entra em contradição quanto à competência crítica do ilustr e público:
louvado na receção à tragédia , apoucado face à comédia. Soa a
preconceito serôdio , para quem afirmara a “maleabilidade do t a lento” de
Garrett , participando “em quantos entr emezes ridículos lhe ofereciam
partes cómicas, do mesmo modo que aceitava os grandes papei s trágicos”
( id . , ib id . : I , 151). Na realidade, a récita no seu todo apresenta uma
unidade de espetáculo interessante: uma análise da natureza humana,
sublimada no grande ideal trágico, e no pequeno ideal grotesco; u ma
harmónica antinomia entr e tragédia e comédia. Não seria essa a rebeldia
de Ari stófanes, ao expor a caricatura dos seus concidadãos? Não será
esse o princípio do ridendo castigat mores?
O Corcunda por Amor representa uma espécie de comic relie f do
espetá culo, que oferecera o “clima temático -estilí sti co da acçã o trá gica”,
e agora criava o “reverso dessa atmosfera” (Monteiro 1971: I , 499),
a través de per sonagens r epresentantes do universo políti co coevo,
233
expressando-se em linguagem coloquial, ao longo de tr ês cena s di stintas
– Rua, Escritório de Lapafúncio e Hospedari a Lacombe – , tr ês espaços
sociais – público, privado e semiprivado – que apelam ao burlesco de
atualidade:
Em est ilo de revista , num calão impossível , most rava a que se reduziam
as lutas pol íticas: umas rivalidades de partidos, onde cada qual t inha a
sua alcunha, e onde a consciência cívica se limitava a ostentar emblemas
(Crabée-Rocha 1954a: 184).
Um ca sal de “corcundas”319
, o Dr. Lapafúncio e D. Carangueja são
logrados por doi s jovens liberais r ecém-saídos da Universidade, numa
clownerie , em que os esperto s tiram partido da estupidez alheia , nu m
regi sto deliberadamente bufo, que põe a nu “o desajuste entre as
sublimes palavras dos regeneradores e a mesquinha trivialida de que, no
plano r eal, as acompanharia por vezes” (Monteiro 1971: I, 499). O
bacharel Eleu tério , pa ssando por corcunda, pretende estar junto da amada
Carlota , sem que o pai dela , e seu patrão, se aperceba; o amigo e
condiscípulo Augusto será o pretenso criado. Quando Lapafúncio decide
casar a filha com o Dr. Pancrácio, a liberal Carlota admite ser raptada
pelos académicos, para coagir os pais a aceitar em o seu casamento.
Lapafúncio é um paladino da ortodoxia religiosa e política , que a
regeneração pretendia mudar. Demonstra revolta por possíveis
entendimentos amigávei s com liberais. Para evitar a contaminação do
ambiente familiar por novidades do exterior, proíbe a entrada de jornai s.
Em conver sa com Eleutério (cena X) , defende que a liberdade só trará
anarquia e, menos mal, que a Gazeta Universal da Europa veiculava
notícias de uma contrarrevolução ao movimento r egenerador, que o
procurador Barrigudo (cena X I) confirma, ampliando o seu teor
rocambolesco. Para sobreviver, Eleutério não pode deixar de aquiescer
com os desvairos dos letrados.
D. Carangueja ret ra ta a burlesca matrona burguesa, ignorante e
beata , cujo analfabeti smo deturpa a linguagem popular que fala . Suspira
por um confessor que lhe dirija a consciência e lhe dite a ação. Os
319
Ápodo dos absolut is t as . Os liberai s eram apel idados de “malhados”.
234
trocadilhos que surgem da má interpretação , por desconhecimento ou por
engano, provocam hilariedade; Carlota é apanhada lendo um periódico de
cena, o Lastro da Lusitana , e uma “ódia” ao 24 de Agosto, pu blicada em
outro adereço cénico, o Português Refregerado (Garrett 1904: I , 618)320
.
Como resguardo, a jovem lerá apenas o que constar da muito expurgada
biblioteca da casa: Gazeta , Navalha de Fígaro, Atalaia contra Pedreiros
Livres, Segredo Revelado, Sebastianistas e as obra s de Melgaço ; a lusão
direta à Gazeta Universal e a José Agostinho de Macedo321
, parodiando
os títu los.
Lapafúncio e Carangueja não retratam um himeneu modelo;
discordam em quase tudo, exceto no enla ce de Carlota com Pancrácio,
num ajuste contra os princípios vinti stas, poi s o candidato odeia a
“jacobinice” e a “pedreirada”. A “liberalíssima” Carlota , que é “bela ,
esbelta e galante”, segundo Eleutério, “quente”, segundo sua mãe, e
travessa, viva e coquete, segundo a própria (Monteiro 1971: I , 504),
mostra-se mais inter essada pelo “novo amante”, “coi sa de Coimbra” ,
estudante a trevido de quem “todas gostam” ( cena VI; Garrett 1904: I ,
619).
Eleutério e Augusto não são enamorados romanescos, de sentimento
e suspiro, ma s a caricatura do académico coimbrão chegado à capita l,
deslumbrado com “moça s, touros, teatros, Marr are, súcia e mais súcia”
(cena V ; id ., ib id . : 618). Garrett retra ta a boémia “cínica” dos ca fés e
bilhares do Chiado lisboeta , e do Quebracosta s conimbricense, “onde,
com o charuto na bocca e o ponche ou a philippina na mão, se discute de
sonetos, decima s, ode pindáricas e dithyra mbos, […] únicos géneros hoje
admitidos pela legitima, pura e orthodoxa poesia lusitana, fu lminando
terrivel anathema contra toda e qualquer herét ica nequícia di screpante”
(Garrett 1904: I , 43).
320
Os periódicos referidos são o Astro d a Lusi tania e o Portuguez Const itucional
Regenerado . A Ode ao 24 de Agos to sugere i rónica autorreferência garrett i ana. 321
E m 1810, publ icou Sebas t iani stas , at acando os liberai s , pela “Setembrizada”, e,
em 1816, inves t iu cont ra a maçonaria, e m Refutação dos princípios metaf í si cos, e
moraes dos ped rei ros l i vres iluminad os (Montei ro 1971: I,504,nota 225).
235
O que Eleutério sente por Carlota não difere muito de um Almaviva
de Beaumarchais . A galante menina, o “peixarrão”, “há -de ser o qu e der
o jogo” (cena v; id ., ib id . : I , 618), não pe la “honra e casamento”, que
“embirra”, mas porque morre de amores pela pequena ( id . , ib id . : I , 619).
Augusto serve o namoro de Eleutério, como Fígaro serviu o conde,
“alcovitantibus nobis”. Não lhe agrada, todavia , que Ca rlota seja
“ liberalíssima”; o bom s enso dita melhor fu turo na fortuna que na
crença: “mulher liberal faz o marido corcunda” ( ib id . : ib id .) . Eis a
imagem do oportunismo de jovens liberais, aproveitadores das liberdades
oferecida s, mais do que cultivadores do ideal professo de altru ísmo
socia l. A farsa não consente Eleutério e Augusto como figuras
donjuanescas, condena -os ao univer so t iterit eiro de ca sanova s de
pacotilha, mobili zados pela leviandade sensual e pela cupidez. Num
irónico diálogo contrapontí sti co ( cena VII) , Garrett põe a nu o seu móbil
sentimental:
Eleutério (ajoelhando ) – Bela Carlota , as tuas graças…
Augusto (à parte arremedando ) – O teu dinhei ro…
Eleutério – A tua divina beleza…
Augusto – A tua celest ial riqueza…
Eleutério – Just i ficam…
Augusto – Espani ficam…
Eleutério – O meu at revimento…
Augusto – O meu descaramento…
Eleutério – E a avidez…
Augusto – O desejo…322
Eleutério – De gozar dos teus encantos…
Augusto – De sangrar a burrinha do senhor seu pai .
(Garre tt 1904: I, 620)
Espécie de arroseur arrosé, o desfecho da comédia tr ará a a lmejada
fel icidade burguesa: contrate -se, que o amor virá depois. O clima de
suspeição, fru to da tramoia organizada, nã o augura um futuro promissor
ao casal Eleutério e Carlota . Por mais protestos de amor e boa s
intenções, o amor foi conquistado por artimanha, como cavalo de Troia .
322
Es tas duas répl icas parecem cont radizer a lógica de Garret t na ut il i zação adequada
da l inguagem ao contexto . A Eleutério e suas boas falas parece não caber o uso do
voc ábulo “avidez”, mais consonante com a lógica d i scursiva de Augus to, em
contínuo desmascare mento do parcei ro . Todavia, parece que a graç a res ide no
des li ze do amante, que se entusiasma com o seu próprio di scurso , sendo corrigido
por Augus to.
236
Se um liberal pode tornar -se corcunda por a mor , também um “ corcunda”
como Lapafúncio pode converter -se à causa constitucional, por
conveniência . A moral que se e xtrai é de um cinismo cáustico. Os Catões
idealizados, figura s da grande “ópera” revolucionária , não cor respondem
aos Eleutérios de far sa; o a ltru ísmo daqueles t em o seu reverso no
oportuni smo destes. Uma moral polí tica que funciona como os quadros
solventes, esse divertimento de feira tão apreciado pelo pú blico, qu e
dependem do ponto de vi sta do observador323
.
A noite de 29 de setembro de 1821 foi a Walpurgisnacht de Garrett ;
demonstrou a possibilida de de conciliar dialeticamente, “o legado
clássico, filológico e escolásti co”, com o espírito romântico, e a
descoberta das “contradições que vi sam inteligir o instável , o
sentimental e o paradoxal” (Marinho 1998: 535). Durante este mês
iniciou a escrita do dra ma Os Árabes ou O crime virtuoso , a 8 de
setembro, segundo regi sta o argumento autógrafo das duas únicas cena s
composta s do primeiro ato (ms.27). Pretenderia Garrett abordar uma
intriga pa ssional, possivelmente patéti ca , com lances de grande
emotividade, de caracter exótico, ao gosto melodramático de então, sem
qualquer conexão com uma temática de atualidade? (Monteiro 1971: I ,
460) Sabendo como é rápido na escrita dra má tica, porque a associa à
função t eatral, a quem se destinaria este exercício de escrita? Ter -se-ia
Josino Duriense sentido desa fiado a tra tar uma temática oriental ista , de
forma popular, escapando à influência do Mahomet, de Voltaire?324
Na
realidade, Catão marca o fim do ciclo académico e o princípio da uma
produção para as sociedades de a madores dramáticos; ta l como O
Corcunda por Amor , que sinaliza a exposição de uma faceta cómica de
Garrett , confinada à esfera semiprivada de um teatro público , para um
auditório restrito. Teremos de esperar pelo seu regresso do último exílio
para que volte à escrita dramática, tanto para os palcos pa rticula res,
323
Rafael Bordalo P inhei ro servi r -se-á do mes mo efei to parodíst i co dos quadros
solventes , na caricatura pol ít i ca da segunda metade de Oitocentos . 324
Sobre a t radução desta obra em finai s de Setecentos cf . C A MÕ ES , José; P IN T O ,
Isabel (2012), “As t raduções de Le Fanati sme ou Mah omet l e Prophète na cena e na
página: um caso de vol tai romania nas ú l timas décadas do século XVIII”,
eHumanista , Jornal of Iber ian Studies , vol .22 , pp .211 -236.
237
como para os públicos, no intu ito de criar um teatro nacional. De uns e
outros fa laremos a seu tempo.
Todavia , já anteriormente Garrett havia experimentado a escrita
dramática para a esfera privada do teatro de sala . Da sua produção
juvenil, em tom de comédia, sobreviveu La lezione agli amanti , uma
pretensa “ópera bu fa da representarsi nel R. Theatro di.. .” , cujo títu lo
parece parodiar o estilo dos fo lhetos impressos, qual “drama giocoso da
rappresentarsi nel Regio Teatro de S. Carlo”, de Marcos Portugal . Gomes
de Amorim sugere que este “puro gracejo” (Amorim 1881 -84: I , 152),
teria sido composto em finais de 1819 ou no início do ano seguinte,
embora o autógrafo garrettiano (ms.39) aponte a data de 3 de agosto de
1820. Para Garrett tra tava-se de uma “brincadeira , parto da ociosidade e
do bom hu mor”, feita a pedido de um amigo, “para os anos da sua
amada” (Lima 1948: 10), possivelmente o próprio protagonista do
enredo, o Manuel enamorado da Maria Joana.
Este divertimento ornado de árias indic ia a exi stência , no Porto, de
atividade dramática em teatros particu lares, que Garrett frequentaria , e
do seu modo de funcionamento325
. Ainda que a indicação cenográfica da
primeira cena seja deixada ao critério de exi stência de u ma “vista”
adequada – “a scena é onde for possível” – , na mutação para a segunda
cena exige-se que a ação se desenrole em “sala régia em ca sa de Maria
Joana”, revelando um empola mento parodí stico da u tilização tipificada
de cenografia326
.
Indi scutível é também a autorreferência de Garrett , no papel de
“este vosso servidor”, do “eu” especialista em lances amorosos, capaz de
dar uma aula ao domicí lio. Era tempo “de amante” que via “de mil bellas
adornar-se o mundo”, e, sobre todas, uma Annalia , um d esvairo sofr edor,
325
Sobre t eat ros parti culares cf. o art igo “Casas part i culares do século XIX
convert idas em teat ros”, Jornal d e Not ícias, 22.08.2004.
[h t tp :/ /www.jn .p t /paginainicial /interior.aspx?content_id=456689&page=10]
(consul tado em 31/08/2014). 326
Sousa Bastos , na Carteira do Ar ti sta e no Dicionário do Teatro Português , no
catálogo dos t eat ros exis tentes em Portugal , faz referência às d i ferentes vi s tas que
os t eat ros possuíam, cons ti tu indo uma mais -val ia, t anto para as réci t as dos amadores
locais , como das companhias i tinerantes de menores recursos. Os t elões
cenográficos , como os adereços , cons ti tuíam pat r imónio do teat ro , cuja cedência se
encont rava inscrit a no preço do aluguer.
238
onde viu “enca ntos de amor e os philtros d’elle” , revelados na s
Consolações a hum namorado (Garrett 1904: I , 77)327
. La lezione tem,
por i sso, a graça “brejeira e verbosa de um moço cheio da seiva dos
verdes anos, à mistura com árias de ópera e amostra s poliglotas (Crabée -
Rocha 1954: 72) e a citação da mesma Annalia .
A epígra fe de Nicolau Tolentino de Almeida introduz o t ema da
anedota que se pretende contar. Tendo sido pedido a Garrett uma Ode, ta l
como a Nicolau se pedira uma Glosa, este respondera por carta , e aquele
de viva voz, ambos em ver so. Transforma -se entã o a “burleta”
garrettiana em glosa do mote tolentiniano, r ecriando o esti lo satír ico do
árcade:
Menino, dizer finezas,
Só o próprio P retendente;
Amor não pode pintar -se
Só pinta quem o sente;
Se adora alguma Nerina ,
Se é para ela a tal Glosa,
Que vão fazer os meus Versos
Onde está sua prosa?
(Almeida 1801: II, 107; subl inhado nosso)328.
Por muito que Manuel t ente, não lhe assi st e o ta lento, e, para
desespero do poeta Garrett , a enamorada Maria Joana, que irrompe
arremedando uma cantata alla Dido, não consegue deixar de sofrer o
tédio da declamação do desajeita do namorado. Conclui este, que as “suas
prosas” suprirão a tradicional ver salhada amorosa, porque o verdadeiro
amor é aquele que se expressa em palavras ditada s pelo coraçã o:
Amor não falla
Senão em prosa;
Nada de glosa ,
Sr. Manoel.
E vós, rapases,
Que namoraes,
327
São várias as referências de Garret t àquela dama que inocentemente o t erá fei to
cai r do ca valo (Amori m 1881 -84: I, 247): em Retrato d e Vénus , canto IV ( Garret t
1904: I, 13); Lyr ica de João Mínimo, Lv. I, X II I “ A Annal ia” ( id . , ibid .: I, 64);
Lyrica , Lv. II, IX “Consolações a um Na morado” ( id . , ibid .: I, 77); Lyrica , Soneto
V II I ( id . , ibid . : I, 123). 328
Correspondente à epígrafe de Garret t .
239
D’asnei ras taes
Ti rae lição:
Co’as vossas bellas
Sempre falar
O que dictar
O coração.
(Garre tt 1984a: 495)
“Mais coração do que cabeça…”
Terminados os estudos universitários em Coimbra, dedicou-se à
diplomacia por não ter idade legal para exercer a magistra tura . No início
de 1821, o prelo conimbricense de Jacques Orcel edi tou O Retrato de
Vénus, “um arrebato de enthusiasmo pela grandiosa arte da pintura”
(Garrett apud Amorim 1881-84: I , 234), que Garrett compu sera no ano
anterior , no Porto. Segundo a cronologia de Amor im, a escri ta da obra
situar-se-ia entr e La lezione agli amanti e Mérope. Apoiado pelos seus
pares académicos, censurado pelo espírito conservador de José
Agostinho de Ma cedo, o assunto fez corr er tinta na Gazeta Universal e
chegou à barra dos tr ibunais, colocando em c ausa, acima de tudo, o
direito à liberdade de expressão. A r e sposta às críti cas surgiu no
Ho menage m da Ave Azul ao primei ro Centenário do Nascimento do Visconde de
Al meida Garret t ; 1904, Li sboa: Empresa da His tória de Portugal , Theatro, vol . 2º
(10º Obras Completas ) (Garret t 1904: I, LV II- LV II I ) .
241
a unidade de sentido do espetáculo – uma noite de teatro de sala , por
um grupo de curiosos dramáticos332
.
Formalmente, Garrett cria uma situação de mise-en-abyme
narrativa, em que o Impromptu serve como “indução” do Corcunda por
amor . Não se tra tando de uma novidade de escrita em si mesma – Gil
Vicente u tilizara o processo no Auto da Lusitânia e Shakespeare e m
The Taming of the Shrew – , este quadro di letante contém em si a
singularidade de referenciar o local , os participantes e as suas
motivações, à maneira do molieresco Impromptu de Versailles , de
onde poderá ter surgido uma ideia titu lar.
A quinta da Cabeça333
, “ longe do fasto e do tumulto/ no regaço da
simples natureza” (Garrett 1984a: 229), propicia o breve monólogo
byroniano sobre as beleza s naturais, com que o próprio Garrett
preambula o diálogo . Na “ditosa habitação”, a “mais fagueira
sociedade amena” proporciona o “prazer na Terra” ( ib id .: ib id .) ,
sobretudo, quando é “por fim chegada a noit e, únicas horas qu e
aborrece em Sintra” ( id . , ib id . : 230), sem a boémia urbana para ocupar
o tempo, como contestará o amigo Silva: “agora ficaremos todos/
muito frescos a olhar uns para os outros” ( ib id .: ib id .) .
O diálogo flu i coloquial, irónico, íntimo, conivente,
autorreferenciando a própria paixão r ecente de Garrett por Luísa
Cândida:
Silva Tu com essa cabeça de novela.
Sent imental , romântico, pateta,
E… olha que digo o mais… Queres?
Garre tt Pois diz .
Silva Enamorado.
Garre tt Essa é boa! Eu enamorado!
Silva Sim, senhor, enamorado: pois que cuidas?
332
Teófi lo Braga (1903: 279) sugere t ratar -se de um “picnic mons t ro”, organizado
por Luísa Cândida Midos i, “à manei ra da Função de burrinhos do Tolent ino”, em que
seu primo Luís F rancisco e seu pai José Midos i t eri am part i cipado como atores ,
fazendo de ingénua e de gracioso, respetiva mente. Desconhece -se a fonte onde terá
colhido a informação, porém não terá sido da l ei tura da obra, que não apresenta
qualquer das personagens mencionadas . 333
Es ta quinta fi cava cont ígua à de Monserrate. Em 1870, quando D. Luís elevou
F rancis Cook a Visconde de Monserrate, este ampl iou o seu domínio, comprando as
quintas em redor, ent re elas a d a Cabeça.
242
Esses teus sonhos em que andas sempre,
O tom sentimental dos teus d iscursos,
E o mais que eu calo agora .
(Cena I I ; Garrett 1984a: 230-31)
A entrada dos r estantes a migos anima a cavaqueira , sugere -se a
representação de uma farsa , inevitavelmente O Corcunda por a mor (é
para isso que ali estão!) , conhecido por todos . Apesar das r eticências
teatrais do “actante” Garrett , as “partes” distribuem -se, não sem algum
conflito, e os a tores seguem para o ensaio. O derradeiro monólogo de
Garrett emoldura o improviso teatral. Se inicialmente fa lara do aspeto
solar que fazia irradiar da Natureza “o ri sonho espectáculo dos campos”,
fecha agora o ciclo diurno “que o véu da noite esca ssa envolve em treva”
com a declaração da amizade que une o grupo no jogo t eatral :
[…] Com franqueza, segurança e gosto,
Eu pelos sócios meus, por mim, por todos,
Em nome da suavíssima amizade,
Da amizade aos prazeres convido.
Ela só , nada mais, preside, e enfeita
Nossos brincos singelos. Só com ela,
Sem talentos, sem arte, sem prestígios,
À mal composta cena hoje subimos.
(Cena I I I ; Garrett 1984a: 237)
O Impromptu é obra de um momento de inspiração de quem
aprendeu a “gramática de palco” e sabe aproveitar o ta lento de cada
“sócio” para constru ir a unidade de interesse na cena. Garrett captou a
fugacidade de um ensejo de sociabilidade, e criou o retrato a rtístico do
efêmero. Nem a transição do intr ói to para a obra escapou à sagacidade de
diretor de cena, na criação de um entr eato musi cal como lazzo cénico;
enquanto se prepara a representação, aproveita -se o a migo Schiopetta ,
para “com as suas modinhas engraçadas/ de fino gosto e doce melodia/
[…] ir entretendo a companhia” (C ena I II; Garrett 1984a: 238).
Dos elementos que constituem esta sociedade de curiosos
dramáticos e da sua distribuição na far sa identi fi ca -se, como Doutor
Lapafúncio, o próprio Garrett; D. Carangueja , Madeira: Carlota , Sá
Viana; Eleutério, Folque; Augusto, Silva; e Barrigudo, Virgolino . O
autor, que no ano anterior interpretara Augusto, cede o papel com “todo
243
o gosto” ao seu “superior” Silva ( Garrett 1984a : 234). Este pequeno
apontamento, que passaria desapercebido por desconhecimento da
identidade do interlocutor, merece que se proceda ao rol das
per sonalidades intervenientes que nos elucidem sobre a tertú lia de
Garrett , para a lém dos Midosi : José da Silva334
, Carlos Sá Viana335
,
António Peregrino Madeira336
, Carlos Pereira de Melo Virgolino337
, Diogo
de Sousa Folque338
e Domingos Schiopetta (a liás Eschiopetta ,
334
Poderá t ratar -se do juri sta José Si lva Car valho (1782 – 1856), um dos obrei ros da Revolução de 1820, eleito membro de Junta P rovis ional preparatória das Cortes e
que fez parte da Regência do Reino até à chegada de D. João VI, e m Julho de 1821,
t endo passado a geri r a pasta dos Negócios Eclesiás ti cos e da Just i ça. Nesse ano, fo i
Venerá vel da lo ja maçónica 15 de Outubro , chegando a Grão -Mest re do Grande
Oriente Lusi tano, no ano seguinte (Ventura 2013: 125). Em Junho desse ano, S ilva
Carvalho mandou Garret t aos Açores numa missão de d ip lomacia const itucional, para
t entar fazer aderi r os açorianos à nova ideologia, provocando o decl ínio do
go vernador Garção S tockler (Rait t 1983: 6) . Em 1822, Garret t chegou a secretário
part i cular do mini st ro Si lva C ar valho. Sendo ambos maçónicos , presume -se a
existência de uma expressão de l ealdade ao “seu superior” na cedência do papel
( i ronia privada ent re maçons?). 335
Trata-se pro va vel mente de Carlos Russell de Sá Viana, f ilho do negociante Bento
Romão Rodrigues de Sá Viana, que cont ribuiu para o donat ivo des tinado ao exérci to
português durante a invasão francesa do general Massena ( Gazeta d e Li sboa, nº204,
25/08/1810: [4]) . 336
António Peregrino Madei ra foi so ldado do Regimento de Infantaria, dos
Voluntários Reais do Comércio , sendo promovido a Al feres da 6 ª companhia do Batalhão de Caçadores de Lisboa Ocidental , por Portaria de 16 de Abri l de 1821
(Diário d o Governo, nº121, 23/05/1821, p .3). Em a gos to de 1822, foi d i spensado
para ser empregado no Banco de Lisboa. Em 7 de julho de 1827, casou -se com
Emí l ia de Sousa Folque, meia -i rmã de Diogo Sousa Folque e F il ipe Sousa Folque.
Com o re gresso da regeneração, al i s tou -se no 2º Batalhão Móvel , cujo comandante
propôs a sua promoção a Tenente. Viu -se envolvido e m quezí l i a mi l i t ar , que
t erminou a seu favor por ordem real (PT/AHM/DIV/3/Cxs .30; 1734). 337
Carlos Lei te Perei ra de Melo Vi rgolino descendia, por via paterna, de f idalgos da
Casa Real , que exerceram funções de Escrivães da Corte e de Guarda -Joias , desde D.
João V a D. M aria I. Natural de Ta vi ra, frequentou como pens ioni sta o Colégio
Mil it ar , ent re 1812 e 1817, ano em que, como Al feres , ingressou na repart i ção de
topografia do Quartel Mes t re General de Lisboa, onde se mante ve até 1 820, quando
fo i t ransferido para o Batalh ão de Caçadores , nº5 . Em outubro desse ano, pediu
l i cença para frequentar Estudos na Academia da Marinha. Em deze mbro de 1822, fo i
promo vido a Tenente, do Regimento de Caçadores nº4 , para cumpri r comissão de
serviço junto do Coronel Governador de Cabo Verd e. Em 1831, fo i cons iderado
desertor, t endo emigrado para o Maranhão, em oposição aos absolut is t as . Em 1839,
fo i - lhe passado atestado de boa conduta mi l it ar e públ ica pelo ju iz de Cabo Verde. Te ve ainda carrei ra mi li t ar nos Açores e em Moçambique. Faleceu a bordo do brigue
Escuna Bri lhante, em 1840, a caminho da Índia (PT/AHM/DIV/3/Cx.1310). 338
Diogo Sousa Folque era fi lho de Pedro Folque, e i rmão de Fi lipe Folque (1799 –
1856). Natural de Lisboa, frequentou o Colégio de Educação (futuro Colégio
Mil it ar) , ent re 1808 e 1816, t endo ingressado no Exército , no ano seguinte, como
al feres . Foi um dos líderes maçónicos do Grande Oriente Lus itano, na Re volução do
Porto . Em 1821, foi promo vido a Tenente, sendo empregado na 3ª Repart i ção da 1ª
Di reção do Ministério da Guerra, ao mesmo te mpo que cont inuava às ordens do
Brigadei ro Comandante da Força Armada de Lisboa, Setúbal e Cascai s, Bernardo de
Cast ro e Sepúlveda, um dos herói s da Revol ta do Porto , no ano anterior . Em 1828,
suspendeu os serviços na Secretaria de Es tad o dos Negócios da Guerra, para
244
Esquioppeta)339
. O grupo de amigos é constitu ído por elementos
militares, maçónicos, amadores de teatro e de música, que part ilham com
Garrett os ideais vinti stas. Silva Carvalho e Diogo Folque tinham estado
diretamente implicados na revolta do Porto e o próprio Domingos
Schiopetta , arquiteto efemerista , pin tor, l i tógrafo, maquinista de teatro e
músico amador, estivera ligado ao movimen to revolucionário na
construção de arquitetura efêmera, celebrando quer a vitória sobre os
franceses, em 1808, constru indo tramoias no Castelo de S . Jorge, quer a
entrada da Junta Provisória em Lisboa, a 15 de setembro de 1820,
constru indo Arcos Triunfais. Schiopetta partilharia nos anos seguintes
uma amizade com Joaquim Pedro Quintela , fu turo Conde de Farrobo,
para quem trabalharia na produção cenográfica do T eatro das
Laranjeiras, nele participando inclusive na qualidade de músico cantor
(Araújo 2006: passim) . O Impromptu de S intra ganha, por isso,
contornos de um esquisso de costu mes românticos, representando um
retrato pitoresco r ealista , espécie de gravura literária hogarthia na sobre a
natureza social.
Sintra era o Éden natural, procurado por viajantes estrangei ros e
nacionais, que despertava a imaginação artística dos amadores do belo
frequentar o 2º ano da Academia de Forti f i cação. Colocado no Regi mento de
Cavalaria de Lisboa, em 1829, chegou a Capi tão, em 1832, e confi rmado por D.
Miguel , no ano seguinte. O tempo em que ser viu o exérci to da Usurpação fo i -lhe
descontado, como aos out ros mi l it ares , quando regressou o cons ti tucionali smo.
Colocado no Algar ve, e m 1838, esteve l igado à pri são do chefe guerri lhei ro
Remexido. Foi por duas vezes Go vernador mi l i t ar de Tavi ra. Foi condecorado com o
Hábi to da Ordem d e Cri s to, com o grau de Ca valei ro da Ordem de Torre e Espada
(1838) e de Comendador da Ordem de S . Bento de Avis (1852), enquanto Tenente -
Coronel j á reformado (PT/AHM/DIV/3/Cx.745). 339
Sobre o arqui teto , p intor, li tógrafo e maquinis ta de t eat ro Domingos Ant ónio
Schiopet ta, cf . ARA Ú J O , Agostinho Reis Marques de (2002), “Artes várias , duros
t empos . Notas para o es tudo de uma fa mí l ia í t alo -portuguesa (ca.1788 -1838), Revis ta
da Faculdad e d e Let ras – C iências e Técnicas d o Património, I série, vol . 1 , Porto: FLUP , pp.153-169; id . (2007), “Algumas ideias de arte do p in tor Domingos
Schiopet ta”, Art is tas e art íf i ces : e a sua mobil idad e no mundo de expressão
portuguesa. Porto: Univers idade do Porto . Faculdade de Let ras . Departamento de
C iências e Técnicas do Pat r imónio , pp .21-29; M AC HA D O , Cyril lo Volkma r (1922),
Col lecção d e Memórias, relat i vas ás vid as dos Pintores , e Escultores , Archi tectos, e
Gravadores Por tuguezes , E dos Est rangeiros , que es ti veram em Por tugal ,
recolhidas , e ord enadas por (…), Pintor ao Serviço d e S. Mages tad e o Senhor D.
João VI. Coimbra: Imprensa da Univers idade, 2 ª edição, p .182 [1 ª ed . 1823]; sobre a
sua faceta musical , cf . M O RA IS , Manuel (2000), Modinhas , lunduns e cançonetas.
Com acompanhamento d e Viola e Gui tarra Inglesa (Séculos XVIII e XIX) . Prefácio
de Rui Viei ra Nery. Li sboa: IN -CM, pp.151 -177.
245
natural, e motiv ou o ambiente de escrita de Os namorados extravagantes ,
representado pelos mesmos a madores (Amorim 1881: I , 252), a 22 de
maio desse ano, em outra das r euniões elegantes a que se entregou o
grupo de Garrett . O drama em dois a tos, que se desenrola num “antigo
castelo nos desertos da Boémia e seus arredores” (Garrett 1984d: 271),
constitu i uma paródia aos dramas românticos que começavam a divulgar -
se em Portugal, e “ao desengano romântico” inacei tável por “ tão
exuberantes cultores da camaradagem galhofeira” (Monteiro 1971: I ,
214).
Garrett , que acredita na mimese e na conceção orgânica de unidade,
e cuja ideologia sociopolíti ca , desde a ética à estéti ca , salienta o culto da
natureza, condena “na caricatura de Júlio” o “desregramento passional,
da volúpia do sofrimento e da fuga à sociabilidade” ( id . , ib id . : I , 267), e
recusa que “a fantasia se sobreponha à imitação verosímil da natureza, a
afectação ou o paroxi smo ao decoroso equil íbrio, e a desconexão
aparente à interdependência de todos os elementos signi fi cativos” ( id .,
ib id . : I , 389).
No primeiro ato, o diálogo entre Júlio e Wenceslau expõe os
antecedentes que deci fram a situação em que se encontram:
Wenceslau
O senhor tem lá umas avenças de namoro com uma exquisití ssima ( sic)
[340] menina; e sem mais forma de processo, vende quanto tinha, reduz
tudo a boa moeda corrente, eclipsa -se da capital , e a mim, que nunca tive
out ro defeito, senão ser amigo demais deste senhor, arrasta -me a segui -
lo, caio na argola , e pespegamo-nos aqui assim num castelo velho destes
desertos da Boémia. Arranja mais sócios para a maldita patuscada, e toca
a gi rar pelos bosques noute , e dia, e agarrar quanto pobre d iabo passa por
esses caminhos, e a metê -lo de gonilha nas torres do caste lo, ou a obriga -
lo a professar na cavaleria ( sic ) andante de que o senhor é inst ituidor
para maior honra e glória da tal menina dos olhos belos.
(Ato I, cena I; Garret t 1984: 274)
Júlio, génio sombrio e extravagante, perdera -se de amores pela
jovem e bela Lucinda, filha de um simples comerciante. Ju lgando -se
tra ído por ela e pelos amigos, passa a odiar a espécie humana, sobretudo
as mulheres . Decide autoexilar -se do convívio social e refugia -se 340
Leia-se requintada. Do francês exquis ; inglês , exquis it ; espanhol , esquisito .
246
naquele castelo, acompan hado de alguns fi éi s seguidores apenas, e de
Wenceslau . Esta misantropia leva -o por isso a formar uma estranha
agremiação, para a “execração de todos os homens”, que captura quem se
aventure pelos bosques, su jeitando -o às normas do grupo. Wenceslau , em
idêntica situação de aziagos amores com a imaculada Matilde, colabora
na “maldita patuscada” ( ib id .: ib id .) , apenas por piedade para com Júlio.
O enredo complica -se com a chegada de dois capturados: o
comerciante Wandel e o l ente univer sitário Gudol fo. Aqu ele expressa
profundo desgosto por ter sido abandonado pela sua única filha, amparo
na viuvez. Júlio aflige -se, recorda numa explosão de melancolia a tra ição
de Lucinda. Wenceslau reconhece , no pedante professor de Lei s Gudolfo,
o pai de Matilde, um feroz opositor à união dos jovens, capaz de encerrar
a filha num convento. Ao negativi smo de Júlio, Garrett contrapõe o
otimismo de Wenceslau , feliz por saber que a jovem está perto,
abandonada na floresta , impedida pela sua condição de entrar no castelo:
“Oh lei t irana! Oh sucesso improvisto ( sic ) . Vamos, vamos: um momento
de demora pode perder -me para toda a vida” (Ato I, cena V ; Garrett
1984: 283).
No segundo ato, a intriga atinge o clímax e precipita -se para o
desfecho. Inicialmente, a ação decorre no bosque (cena s I – V) . Lucinda,
em trajes masculinos, desaba fa o intenso amor que a fizera abandonar a
casa paterna, e lamenta a dor causada ao pai, que deduzimos ser Wandel.
Eis que descobre o corpo de Matilde. O diálogo sintét ico expressa a
confu são do seu despertar do desmaio, e conduz ao reconhecimento da s
duas jovens, que revela m as suas histórias. “Oh providência , oh destino!
Como vos aprouve juntar -nos a ssim?” ( Ato II , cena I; Garrett 1 984: 285).
Lucinda cla ma o seu amor por Júlio e a infundada su speita de tra ição,
que dera azo ao ciúme e misantropia de Júlio.
Os ena morados chegam entr etanto ( Ato II , cena I I) . Wenceslau e
Matilde abraçam-se; Gudol fo rende -se à força da s cir cunstâncias. O final
fel iz do par poderá não corresponder ao de Júlio e Lucinda , fru to do
temperamento dele, onde combatem insanamente o amor e o ódio. Na
cena III , a sós com a travestida Lucinda, Júlio não a reconhece. Este
247
engano proporciona u ma situação paradoxal de comunicação entr e
géneros. Jú lio desabafa o desespero que sente, confessa seus males de
amor, porque vê no interlocutor um confidente, um compa nheiro de
desdita , qual fora Wenceslau . No paroxismo emocional, abraça Lucinda,
sentindo-se confuso com i sso: “Este abraço foi abraço de morte…
causou-me um aperto de coração” ( Ato II , cena II I; Garrett 1 984: 292).
Lucinda desvenda a verdadeira identidade e Júlio desmaia, qual prima-
donna . Todos partem para o castelo. Wandel rejubila com o regresso da
filha perdida. Homem bom, e pai estremoso, abençoa a união dos jovens.
Todavia , a louca misantropia de Júlio é irr emediável ; nada demove nele a
crença de ter sido zombado, e parte , rejeitando a fe licidade que se lhe
oferece , para lamento de todos, pela voz de Wandel: “Oh paixões… Oh
funestas paixões” (Ato II , cena x; Garrett 1984: 300).
Através de Júlio, Garrett questiona a moda dos herói s “ ideal istas,
desenganados e rebeldes” (Monteiro 1971: I , 511), recusados ainda como
modelos de “espiritualidade superior” ( ib id . : ib id .) , como Karl Moor, de
Schill er , ou René, de Chateaubriand . A “extravagante” intriga explora ,
ao limite da plausibilidade, um teatro de absurdo, numa linguagem cheia
de lugares comuns do protagonista , sobre a condiçã o humana . Natureza e
Providência , “potências inimigas”, conduzem o coração, ao mesmo
tempo “tormento” e “verdugo”, à desgraça. A alma exaltada e a
sensibilidade geram “ódio violento” contra os “perjuros e miserávei s” .
Tudo faz nascer o desejo de cevar na humanidade a revolta e o
desengano, para “emendar a inju stiça do fado”, de vingar a infel icidade
individual (Ato I , cena I; Garrett 1984: 275). A influência de uma
l i teratura “negra” de terror (Monteiro 1971: I , 513), e de Die Räuber, de
Schill er341
evocam a mesma cenogra fia (castelo e floresta adjacente) ,
341
Garret t refere es te autor , em 1822, no prefácio de Catão. A obra t eve t radução
portuguesa: C UN HA , Vicente Pedro Nolasco da, Os bandid os , drama d e Schil l er
ver t ido d o alemão ( inédi to que se perdeu); AZEV ED O , António Xavier Ferrei ra de,
Rober to , chefe d e ladrões , d rama em 5 atos , imitado do alemão e t raduzido ao gosto
do Theatro Nacional (Rebel lo 1980:2 8); D IA S , F rancisco F rutuoso, Aparência d e
Virtud e e Vir tud e no Caracter d o Cr ime, versão e m 5 atos (1835) ( inédito);
MA C HA D O , João Carlos de Sousa, Os Sal teadores , versão de um drama d e Schil l er
(1843).
248
criando u ma similitude t emperamental entre Júlio e Karl Moor, jovens
torturados e vingadores, que se transforma m em chefes de criminosos.
A “cavalaria andante” de Júlio estabelece um contraponto
parodí stico com a obra de Schiller e com a postura apaixonada de
Garrett , vivendo o doce idílio com Luísa Cândida . E, duas décadas mais
tarde, no desalento da sua vida matrimonial, e na prostração que a
políti ca cabralis ta lhe provocou, terá Garrett sentido um apreço idêntico
sobre a condição humana?
Se sou homem! Eu aborreço essa espécie preversa [sic ], e t ra idora . Eu
não sou homem, que a inda tenho alma, que prezo a honra , e abomino a
t raição e a menti ra . Os homens são o refugo do universo, são a vergonha
da natureza . Homem eu!
(Ato I, cena III; Garrett 1984: 277).
No remanso de Sintra , o protagonista Júlio sinteti za uma alegoria do
absurdo (Monteiro 1971: I , 514), em contra ste com o sensato e a legre
Wenceslau , deuteragonista daquele pessimismo extravagante . A cena
inicial expõe a oposição estilíst ica garrettiana, delineando o linguajar de
cada personagem segundo a sua linha de pensamento individual, criando
per sonalidades, e r etirando o carácter de tít eres de farsa . O
sentimentalismo de Júlio contrasta com o humori smo de Wenceslau . A
intranquilidade daquele, fru to do seu mal de coeur, contende com a
tranquilidade do sono sans souci do amigo. O amor patológico de Júlio
por Lucinda opõe -se ao amor prazeroso de Wenceslau por Matilde , quais
espelhos solventes.
Ao longo da peça, o carácter doentio de Júlio acentua -se na s
expressões violentas contra a humanidade, nas a titudes comportamentai s
insana s, num crescendo angu stiante a té ao desfecho do enredo, que
demonstra “cabalmente a a lienação de Júlio, perdido num mundo de
quimeras” ( id ., ib id . : I , 516). Perante a possibilidade de um feliz enlace
com a mulher amada, Garrett cria um desfecho patético, a nticlímax,
inspirado, mais u ma vez, pela obra de Schiller :
Júlio
Meus amigos, não me e nterneceis mais. Tende piedade de mim; oh! não,
não re talheis mais o meu coração. Deixai -me, deixai -me por compaixão…
249
(silêncio ) Eu parto, e parto só. Ninguém me siga , que o fará debalde.
Wenceslau, tu sabes se eu desisto dos meus projectos, e se recuo do
passo, que uma vez comecei a dar. – Adeus, meu amigo. – Wandel, os
céus vos abençoem. – Matilde, sede fel iz , e fazei venturoso o meu amigo.
A vós o deixo, e vos encarrego a sua fel icidade. – Lucinda… Lucinda…
para nunca mais. Se alguma vez te lembrares de Júlio… Não, não te
lembres nunca. – Pela últ ima vez… adeus, adeus!
(Ato II, cena x; Garrett 1984: 300)
Cheio de “ expressivos contrastes”, o drama traduz a vi são otimista
do jovem Garrett , para quem “a angústia larvar, o sentimento de falência ,
o desa fio r ebelde, a ânsia de absoluto , a míti ca amorosa da literatura
romântica” não passavam de loucuras (Monteiro 1971: I , 517). O
reencontro de Wenceslau e Matilde na floresta expõe a dialética do
momento, no confronto de per spetivas:
Matilde No meio das mais sérias cousas, hás-de sempre misturar as
est ravagâncias [sic ] do teu génio?
Wenceslau No meio das mais a legres cousas hás-de sempre misturar as
melancolias do teu génio?
Matilde Depois de tantas desgraças tens ânimo para te ri r?
Wenceslau Então que queres? Que me ponha a chorar? Agora é que é
ri r, estás nos meus braços, nenhum poder humano nos pode
separar: que mais queres tu, que mais posso eu desejar?
Acabaram as minhas desventuras, foi -se a minha desgraça…
(Ato II, cena III; Garrett 1984: 288)
O humor garrettiano vai para a lém do protagonista . Na apologia da
revolução burguesa, exalta -se o comerciante Wandel, “membro
trabalhador da sociedade” (Monteiro 1971: I , 518) e ridiculariza -se
Gudolfo, “caricatu ra burlesca dos l entes de Direito” de Coimbra ( id .,
ib id : I , 519). O diálogo entr e este e Wenceslau patenteia um “burlesco”
hilariante:
Gudolfo Eu que nunca passei de lente de lei s.. .
Wenceslau Que é o mesmo que coisa nenhuma.
Gudolfo Que nunca me entendi, senão com livros…
Wenceslau Mas sem nunca os entender a eles.
Gudolfo Que tenho sessenta e quat ro anos…
Wenceslau Gastos em tolices e friolei ras.
Gudolfo Que professei sempre as let ras…
Wenceslau Para vergonha e at rasamento delas.
[…]
Gudolfo Que tenho a vista cansada…
250
Wenceslau De ler asnei ras e pedant ices.
(Ato I, cena v; Garrett 1984: 280).
Segundo a autora de A Formação de Garrett , a obra modula
expressivamente o desenho dos caracteres e o matiz passional. O carácter
parodí stico revela um sentido críti co face aos “desnívei s estilís ticos” dos
autores românticos, provavelmente após a leitura do Cours de Littérature
Dramatique, de Schlegel , citado na Carta a um amigo que antecede
Catão (Garrett 1904: I , 531) . Garrett estranhava ainda a “fusão
inextricável de contrários: espiritualidade e sensualidade, apetência de
vida e Sehnsucht , gravidade e grotesco” (Monteiro 1971: I , 521). Alguns
anos passarão até que a perspetiva se entranhe no seu modo crítico, a té
que escreva o prefácio programático de Um Auto de Gil Vicente:
À data de Os Namorados Extravagantes , o nosso “ Alceu” defendia
basi larmente de facto a coerência clássica, embora perspectivando -a […]
segundo uma concepção orgânica da unidade artí stica, que ult rapassava
já em muito a mesquinha intolerância das regras (Montei ro 1971: I, 522;
i tálicos originais).
Mais uma vez, o ambiente que vive propicia a imaginação artística ,
quer na recriação de florestas boémias, quer na criação de histórias
apropriadas às condições de trabalho dos seus grupos de amadores
dramáticos, para quem voltará a escrever comédi as, somente vinte anos
depois, para serem representa das em teatros de sala ou em teatros
particulares. São comédias breves, com reduzidas persona gens, que
entretêm as horas de ócio urbano e os tempos de veraneio.
O ano de 1822 foi ocupado com outros afazer es mais prementes para
Garrett , que se transferiu para o palco da política , da admini stração
pública e da vida doméstica . Frequentando o convívio dos notávei s do
partido constitucional, Garrett , “cioso dos seus foros de cida dão de um
paiz livre” (Amorim 1881 -84: I , 256), afirmava a sua vasta cultura nos
debates da recém-fundada Sociedade Literária Patriótica , defendia a
instrução pública como fator de liberdade, dando mostras do “ futuro
parlamentar independente” ( ib id .: ib id .) . Em Agosto desse ano, chegou
por fim a entrada no Mini stério do Reino, que lhe permitiu o desa fogo
pecuniário para poder ca sar com Luísa Cândida , a 11 de novembro. A
251
fel icidade que vivia não fazia adivinhar os t empos que se avizinhavam
rapidamente. A fama de Garrett conseguira novo impulso ganha ndo o
processo judicial sobre o Retrato de Vénus . O reconhecimento dos seu s
dotes de orador, demonstrados também na sua defesa em tribunal, ditou a
sua escolha pela Sociedade Li terária Patriótica para recitar o elogio
fúnebre de Manuel Fernandes Tomá s , que o “immenso e escolhido
auditório aplaudiu com lágrima s” ( id . , ib id . : I , 275). A 27 de nov embro,
pranteava-se “a dor e or fandade dos portugueses” ( ib id .: ib id .) , sem
haver a inda a exata noção do desenrolar dos a contecimentos do ano
seguinte. Caía um pilar da revolução de vinte e t erminava o breve
período de liberdade, como o reconheceria na Memória Histórica de J .
Xavier Mouzinho da Silveira (1849). O calor da r evolu ção evaporava -se
e a contra -r evolução levantava “audazmente a cabeça por toda a parte”
(Garrett 1904: II , 434). No círculo de amizades de Garrett , percebeu-se
que o r etrocesso políti co traria as inevitávei s perseguições; a causa do
povo fora tra ída e apenas restava a sobrevivência do exílio , procurando
em “países estrangeiros a liberdade para suas opiniões, que em Portugal
fora banida” ( id ., ib id . : I , XLI) .
“O que deixou amigos… para fugir ao açoite da injustiça”
Catão continuou a ser r epresentado por curiosos dramáticos , com
autorização do seu autor : em 1822, em Leiria , fru to da impressão da
obra, também em 1826, num teatro público de Santarém, até qu e o ín dice
expurgatório de 1828 o baniu . No Outono deste ano, em Plymouth, a
tragédia colheu consagração literária , ao mesmo tempo que se configurou
como uma manobra política e diplomática das elites liberais portuguesas
no exílio. Foi representada em duas série s de espetáculos: a pr imeira , no
Depósito Geral, entre 1 e 14 de outubro, em duas récitas sucessivas,
“graças ao empenho e boa vontade dos emigrados da 6 ª classe, […] os
mais desfavorecidos”, ma s proibida por Cândido José Xavier , na terceira
(Sousa 2001: 30); a segunda série ocorreu no Theatr e Royal desta cidade,
a 24 de Outubro, 1 e 23 de Dezembro, juntamente com um elogio
dramático alegórico à a liança entr e Portugal, Inglaterra e Brasil , de João
252
Eduardo. Esta séri e de espetáculos apresentou um maior cuidado de
representação, com mais meios financei ros, indo além da ma nifestação
popular da primeira série, com o objetivo de seduzir a opinião pública
britânica para a causa liberal portuguesa e para a da princesa da Beira ,
também ela proscrita , que chegara a Inglaterra , em Setembro desse ano
( id . , ib id . : 31)342
.
Entre 1824 e 1836, Garrett viveu três períodos de exílio, entre
França, Inglaterra e Bruxelas. Não sendo a s cir cunstâncias propícias , a
escrita para teatro não estar ia entre a s suas prioridades. Até este
momento, apenas escrevera para grupos restritos de atores amadores, em
situações específicas de sociabilidade dramática, em que as mencionadas
representações britânicas se enquadram. Com que intu ito t eria então
principiado a escrever, em 1825, In fante Santo , outra tragédia de assunto
nacional, concluída doi s anos depois, mas perdida em naufrágio, ao largo
do Porto , em 1832? Tratar -se-ia de um exercício dramático, em que a
tragédia histórica refl etir ia o drama autobiográfico da sua condiçã o de
desterrado?
No exílio gaulês, entre Le Havre e Paris , entr e Jacques Lafitt e343
e
Jean-Pierre Aillaud344
, “o livreiro parisiense que mais investiu na área
lusófona” (Cooper -Richet 2009: passim) , Garrett viveu entr e a France
bancaire e a France lit téraire . Esta ter -lhe-á permitido o contacto com a
nova lit eratura e com alguns “ passeurs da cultura lusófona” ( ib id . :
342
Sobre esta representação, cf . “Uma réci t a em P lymouth”, Almanaque Insulano
[apud NEMÉS IO , Vi torino (2003), A mocidad e de Herculano, II, p .87]. 343
Sobre a at ividade des te banquei ro francês , cf. B O N IN , Hubert (2007), Jacques
Laf it t e banquier d ’affa ires sans créer d e mod èle de banque d ’af fa ires (d es années
1810 aux années 1840). Cahiers du GREThA, nº 22. Bordeaux: Gretha UMR CNRS 5113 Univers i t é Montesquieu Bordeaux IV. [h t tp: // cahiersdugretha.u -
bordeaux4. fr/2007/2007 -22.pdf] (consultado em 01/09/2014). 344
Ent re 1797 e 1850, este editor -l ivrei ro publicou mais de 50 l ivros em português.
Sobre o seu papel na divulgação de catálogos de obras portuguesas cf . C O O PER-
R IC HET , Diana (2005), “Paris , capitale des polyglotes? Edit ion et commercial isation
des imprimés en l angues ét rangères sous l a Res tauration”, M O LLIE R , Jean-Yves ,
R EID , Mart ine et YO N , Jean-Claude (ed . ), Repenser la Res tauration. Pari s : Nouveau
Monde, pp .197 -209; t rad. Port . (2009), “Paris , capital edi torial do mund o lusófono
na primei ra metade do século XIX?”, Varia His tór ia , vol . 25 , nº 42, Belo Horizonte
87752009000200009&script=sci_artt ext ] (consultado em 01/09/2014).
253
passim ): Francisco Solano Constâncio, Franci sco Ladislau Álvares de
Andrada345
ou Silvestr e Pinheiro Ferreira , também ele exilado em 1824.
Na realidade, a outros géneros dedicou a sua inspiração nesse t empo
estrangeiro, que funcionou como “uma espécie de bolsa de estudos”
(Picchio 1969: 225), e teve o condão de renacionalizar Garrett . Se em
Portugal se ocupara com tema s universai s incarnados em personagens
clássica s, o estrangeiri smo estru turou -lhe uma perspetiva da história , da
legenda e do folclore nacional. A influência da nova escola inspirou -lhe
os primeiros poema s românt icos, motivou a escrita novelísti ca , a
compilação de obra s populares, os tra tados e os ensaios pol íticos. No
exílio britânico, dedicou -se a a tividade políti ca , sem descurar a produção
literária nas mesma s áreas.
A representação de Catão deu ensejo à revisão da obra, em segunda
edição, amadureceu o pensamento dramático , de retorno ao
empolgamento vintis ta . Empenhado na lu ta liberal, tornou -se voluntário,
com Alexandre Herculano e Joaquim António de Aguiar , no corpo dos
Voluntários Académicos, que desembarcou no Mindelo e par ticipou na
defesa do cerco do Porto. Os anos de 1832 -33 foram de labor políti co -
militar, em permanente deambular pelas cortes de Londres, Paris e
Madrid, na missão diplomática do Duque de Palmela e de Mouzinho da
Silveira . No final desse ano, t erminada a missão, Garrett foi nomeado
secretário da Comissão de Reforma Geral dos Estudos.
Os prefácios dramáticos de Victor Hugo terão sido inspiradores da
fu tura formulação do modelo garrettiano para a arte dra mática: não só o
345
Autodenomina-se, no fronti spício das suas obras , como Bacharel em Belas Let ras
e Fi losofia pela Univers idade de Pari s , Sócio da Academia de Ciências , Belas Let ras
e Artes de Orleãs , me mbro da Sociedade dos Antiquários de F rança, da Sociedade Geográfica de Pari s e da de Estatí s ti ca Universal . Foi casado com Catherine Douthat ,
grande impuls ionadora do periódico L’Abei ll e. Autor de Histór ia d e José d e Faro, ou
o Mercador ambulante; seus conselhos e experiência oferecidos aos seus
compatr io tas (Londres : Bingham, 1832). Fez t raduçã o de t eat ro , de ensaio pol ít i co e
de romance: desde a comédia de Bayard , Uma leitora ou huma l oucura d e rapaz
(Lisboa: Tipografia de António José da Rocha, 1838) ao “romance moral”, de Harriet
Beecher Stowe, A Cabana do Pai Thomaz ou a Vid a dos pretos na A merica (Paris :
Rey e Belhat te, 1853). Sobre o periódico L’Abei ll e l eia-se EST EVES , Rosa (1986),
“Imprensa periódica para mulheres na primei ra metade do século XIX. Catarina de
Andrada e o jornal L’Abei ll e (1836 e 1840 -53), Análi se Social, vol . XXII (92.93) ,
1986-3 .º -4 .º , pp.527 -545.
254
de Cromwell (1827), expondo a t eoria do drama romântico, como o de
Hernâni (1830) , defendendo a revolução artística como continuação da
políti ca , e os da dupla mente censurada Marion de Lorme (1831),
a legando a revolução social e a liberdade da arte346
; do moralmente
banido Le Roi s’amuse (1832), definindo o teatro como u m espaço de
edição da obra dramática347
; de Lucrèce Borgia (1833), e o aspeto
tr ibunício do teatro348
, de Marie Tudor (1833) e o efeito do dra ma sobre
o público349
, ou de Angelo (1835) e a pintura da sociedade entre os seu s
doi s grandes elementos: o aristocrático e o popular350
. Na confrontação
entre clássicos e românticos, entre tradição e modernidade, entre os
camarotes e a gera l no t eatro, a li teratura aristocrática deu lugar a uma
literatura popular, l ibertária , capaz de atingir o coração ávido de
emoções artísti cas das massas que frequentava m os t eatros públ icos.
O lugar de encarregado de negócios em Bruxelas (1834 – 1836)
permitiu -lhe o contacto com as obras de Herder , Schiller e Goethe, “a
encyclopedia moderna do nosso século” (Garrett apud Amorim 1852:
XVIII) . Estru turaram a consciência do ideário de fundação do teatro
346
“[La] censure t enai t l ’ar t en échec devant l e théât re. […] Il fall ait donc que l a
ré volut ion sociale se complétât pour que l a révolut ion de l ’art pût s ’ache ver. Un
jour, jui ll et 1830 ne sera pas moins une date li tt érai re qu’une date poli tique.
Maintenant , l ’ar t es t libre: c’es t a lu i de rester digne” (Hugo 1832: VII- V II I) . 347
“[Le] théât re n’es t qu’un moyen de publication comme la presse, comme la
gra vure, co mme la l i tographie. La l iberté du théât re es t donc impl icit ement écri t e
dans l a Charte, avec toutes l es aut res libertés de l a pensée” (Hugo 1832a: I I) . 348
“Le théât re […] tend à s ’accroît re sans cesse avec l a civi l i sation mê me. Le théât re
es t une t r ibune. Le théât re es t une chai re. Le théât re parle fort et parle haut . […] Le
drame, sans sorti r des limi tes impart i ales de l ’art , a une miss ion nationale, une
miss ion sociale, une mission humaine” (Hugo 1833: VII I) . 349
“Il y a deux manières de passionner l a foule au théât re : par l e grand et par l e
vraie. Le grand prend les masses , l e vraie sai si t l ’individu. [… ] Il [ l e poète] t i endra
son espri t , son œuvre et sa pensée éloignés de toute coterie; car il connaî t quelque chose de plus grand que l es coteries, ce sont l es parti s; quelque chose de p lus grand
que les part is , c’est l e peuple; quelque chose de plus grande que le peuple, c’es t
l ’humani té” (Hugo 1833a: V ; X) . 350
“[Fai re un drame ; pas tout à fait royal […] pas tout à fait bourgeois […]; mais
princier et domest ique; princier , parce qu’ il faut que l e drame soit grand ;
domest ique, parce qu’il faut que l e drame soi t vrai . Mêler dans cett e œuvre, pour
sat is fai re de besoin de l ’esprit qui veut toujours sent i r l e passé dans l e présent et l e
présent dans l e passé, à l ’élément éternel l ’élément humain , à l ’élémen t social , un
élément h i s torique. […] Au s iècle ou nous vi vons , l ’horizon de l ’art es t b ien élargi .
Aut refoi s l e poète di sai t: l e publ ic; aujourd’hui l e poète di t: l e peuple” (Hugo 1835:
2).
255
português dos grandes dramas românticos351
. Em 1836, no regresso a
Portugal, Garrett era um homem sofrido pelos desaires da vida pública e
privada. Manuel José de Araújo Porto -Alegre, que com ele privara em
Paris, identi ficou “nos seus traços fi sionómicos um Platão e um
Anacreonte”. Aquele homem de “ aparência grave e de uma fi sionomia
expressiva” era simultaneamente “sublime” e “humanamente sensual”
(Porto -Alegre 1855: 523). Sofrido, mas não desenganado , porque a
“energia que tinha dentro de si […] não lhe permitia [ . . .] a prostração do
desânimo” (Monteiro 1971: II , 83): “ [o] homem tem direito a ser livre,
porque tem dir eito a ser fe liz” (Garrett 1904: II , 716-17). Evoluíra do
“lisonjeiro engano” para a “experiência fa ta l” e concluía que o Homem
idealizado pelo juvenil vinti smo, o cidadão “equilibrado e justo porque
livre, virtuoso porque feliz e feli z porque virtuoso”, se tornara num ser
“paradoxal, mau e bom, perverso e sublime” (Monteiro 1971 : II , 90) à
maneira de Schlegel , Schill er ou Benjamin Constant . Os anos de exílio
foram momentos da sua crise de maturação , de reconhecimento da
imper feição do mundo. A contemplação de um paraíso perdido permitiu -
lhe o vi slumbre de um paraíso reconquistado, de um cidadão social com
desejo de absoluto, como o Catão , de 1830:
Consolaste -me, Sócrates; não morre
Com este corpo e espí ri to que o anima.
[…] Este viver continuo
D’esp’ ranças, este anceiar pelo futuro,
Este horror da aniqui lação, e o vago
Desejo da out ra vida mais di tosa,
O que são? – Ind istinctas, mas segura
Reminiscências da perdida pát ria.
E saudades de voltar a el la .
(Ato V , cena I I; Garrett 1904: I, 562-63)
A natureza exterior da juventude transfigura -se na natureza in terior
do estado adulto, pela contemplação íntima. Byron , Scott e Hugo são
351
Corresponde a este mo mento a ideia dramát ica de A Pad eira d e Al jubarrota , que
uma nota manuscri t a de Garret t af i rma t ratar -se de uma imi tação do “enredo da Mais .
du Remp.” (Crabée-Rocha 1949: 28), ou seja da “comédie h is torique en 3 act s mélée
de chant”, La Maison du Rempart ou une Journée d e la Frond e, de Mélesvi l l e
(Bruxel les : Dupon, 1828), com música de Michel Carafa, representada em Pari s , em
1833, como “opéra -comique”. O argu mento de Garret t colheria inspi ração num
modelo t eat ral, como acontece u em relação a Frei Luís d e Sousa, segundo refere na
Memória ao Conser vatór io Real d e Li sboa (1843).
256
modelos que inspiram o seu âmago , “nu m recriador a to de quem se
projecta”, quando “seleciona, interpreta , integra num contexto seu
processos , temas, perfi s, a que fora sensível no contexto de outro”
(Monteiro 1971: II , 134). Garrett demonstra interesse pela tendência
realista , pelo colorido do ser humano em sociedade, marca ndo o
romântico que ocupa o lugar do Alceu vinti sta , que descobre uma
mundividência humana fatalmente trágica, fru to dos daimon que
empurram para o abismo, mas que, ao mesmo tempo, acredita ser
possível u ma redenção final: “ Ist gerichtet! […] Ist gerette t!” (Goethe,
Faust , Ato V, cena 25)
1.3 . Teatro de grande público (1839 – 1854)
“Mister criar um mercado factíc io…”
Quase duas década s mediaram até que Garrett mani festasse novo
interesse pelo teatro de grande envergadura. A Revolução de Setembro
produziu a acalmia necessária , após vários anos de guerra e guerrilha,
militar e políti ca , e com ela trouxe as condições necessárias à elaboração
de “um progra ma comple to de modernização do teatro que se fazia em
Portugal” (Brilhante 2000: passim ) . O ambiente de animação vivi do em
Lisboa conta giou o resto do paí s, que, à exceção do Porto, apena s
possuía teatros particulares, onde, a lém das sociedades de curiosos
dramáticos locais, as companhias itinerantes desfilava m um repertório de
dramas de gosto muito popular, entre autos religiosos sentimentais e
comédias de riso fácil , contaminando o país com uma “febre teatral”
(Picchio 1969: 228). Convidado por Pa ssos Manuel , companheiro de
Academia e de lides maçónica s, Garrett elabora o seu ambicioso projeto
cultural ; torna completo o desejo dos Árcades de criação de um teatro
nacional, adaptado aos tempos modernos, ao mesmo tempo que
nacionaliza a teoria romântica – “le drame est la poésie complete” (Hugo
1897: 217) – prenunciada por Diderot e popularizada por Hugo. Retoma
a sua crença nos princípios didáticos sobre a missão do poeta , do
l i terato, e da arte dra mática, como “instrução intelectual e moral que,
sem o aparato do sermão ou preleção, surpreenda os ânimos e os
257
corações da multidão no meio dos seus próprios passatempos” ( Garrett
1904: I , 773):
O teat ro é um grande meio de c ivilização, mas não prospera onde a não
há . Não têm procura os seus produtos emquanto o gosto não forma os
hábitos e com eles a necessidade. Para principiar, pois, é mister criar um
mercado fact ício. […] Depois de creado o gosto publico, o gosto publ ico
sustenta o teat ro […] (Garret t 1904 : I, 627).
Em 1841, quando publicou Um Auto de Gil Vicente , Garrett fora
demitido das funções de Inspetor -geral dos Espetáculos, pelo novo
governo de Costa Cabral , em retrocesso político: “os semsaborões […]
os poetas do outeiro perpetuo, que nunca fizeram, nem podem, nem
sabem, nem hão de fazer nada, – ma s não querem que ninguém o faça”
( id . , ib id . : I , 629). O prefá cio à obra ganha um sentido mais la to;
assume-se como um prefácio -programa dramático e como um ajuste de
conta s ideológico, a firmando publicamente os princípios que haviam
norteado o governo “extra -l egal” saído da Revoluçã o de Setembro:
[Sei ] onde vivo e com quem. […] É preciso ter animo para afrontar até
com o ridículo: é o peor inimigo que há, mas é necessário encarar com
elle de olhos di re itos, e não lhe ter medo, quem quer fazer qualquer coisa
út il e boa, em terras pequenas sobretudo, e onde há tanta gente p equena.
É o que eu fiz com o Conserva torio e o Theatro . Fui por deante , não fiz
caso dos semsaborões, e levava -os de vencida. Mas tem maos fígados a
tal gent inha. Quebrou-lhes a arma do ridículo, tomaram sem escrúpulo a
da calumnia (Garrett 1904: I, 269 ; itálicos originais).
E, se no ano seguinte, quando O Alfageme de Santarém subiu à cena
sem referência propositada ao nome do autor, se sentiram alusões
políti cas no texto, l evando à intervenção da polícia , na realidade esse
mesmo ideário, expresso no prefácio à obra , já se encontrava presente na
peça inaugural do teatro romântico em Portugal:
O pintor i solou-se de todo o sent imento e simpatia – paixões polí ticas
não as tem – para ver e representar, como eles foram, são e hão -de
sempre ser, os dois grandes elementos sociais, o popular e o ari stocrático
(Garre tt 1904: I, 673).
Ciente da inexistência de um “teatro materia l” , de uma dramaturgia
e de atores cultos, como acontecia em Inglaterra ou França, cuja
realidade conhecera, Garrett propõe-se “ajudar” a criar um repertório
258
para o teatro português, abrir “uma nova vereda, porventura mais larga e
tr iumphal, a uma legião de mancebos que acha m na scena o campo
fecundo da s suas estrêas dramática s” (Ferreira 1871 -72: II, 46).
Um Auto de Gil Vicente expõe o amor funesto de Bernardim Ribeiro
pela infanta Beatriz, “entr elaça o nascimento da comédia nacional com o
alvorecer da poesia lyrica” ( ib id .: ib id .) . Garrett inventa o mito do
“manuelino” como bandeira ideológica, como “saída airosa do impasse”
entre o neocla ssici smo da sua formação e “uma espécie de gótico
aproximado du ma história exemplar” (França 1980: 17). Roupagens
nacionais desenvolvem o tropo dos amores impossíveis. E, t a l como a
história de Inês de Castro, também aqui se apresentam as razões de
Estado como fundamentos impedidor es de matrimónios por amor. A
intriga desenrola -se na corte de D. Manuel (primeiro subtítu lo da obra ),
recriando, com um aparente hi storicismo, uma realidade fi ccional, em
que a figura de Gil Vicente r essurge, como opção emblemática de um dos
mitos do romanti smo português (Camões, Vasco da Gama e Santo
António virão depois, e por motivos outros):
É uma lição e um incent ivo; e é principalmente o drama que se fil ia na
eschola que i lumina a historia com a vehemencia e rasgos ideaes da
paixão moderna. O nosso t eat ro moderno começa n’este exemplo
(Ferre i ra 1871 -72: I I , 46).
A escrita do drama é rápida: um mês (11 de junho - 10 de Julho). Os
ensaios decorrem a um ritmo acelerado, sob a d ireção de Ga rrett , para
estr ear a 15 de agosto, no Teatro Nacional da Rua dos Condes, em “dia
de grande Gala , por ser o do Nome de S.M.F., a Senhora D. Maria
Segunda”, conforme publicitou a Atalaia Nacional dos Theatros
(12/08/1838: 53-54). Apesar da inexi stente preparação técnica dos
atores, Garrett consegue que o desempenho seja aceitável, granjeando
assim o aplauso do público, que “entrou no espírito da obra” e na “ideia
nacional do autor” (Garrett 1904: I , 631).
Todavia , a rapidez de escrita é apenas aparente; ela é fru to do
hábito de anotar as ideia s que vai maturando, que lhe servem no
bosquejo de entrechos dramáticos, como o dos “altos amores do paço”
259
entre Bernardim e D. Beatri z, referidos no seu Camões ( id ., ib id . : II ,
259, nota E). A partir da lenda dos a mores frustrados constrói uma
intriga, que funde o facto hi stórico do ca samento da Infanta com o duque
de Saboia e a r écita das Cortes de Júpiter , no sarau de despedida da dita
senhora. Eis as fontes de onde retirou a “verdade dramática”, entre o
“princier” e o “domestique”, tão mais importante, para o espectador, do
que a histórica ou a cronológica ( id . , ib id : I , 630). Até ao século XVIII,
ficção e história ca minharam a par, sem delinear fronteiras, par tilhando a
técnica de exposição, argumentação e persuasão retórica . Todavia , o
Iluminismo reivindicou o estatu to cientí fi co para a Históri a , que o século
seguinte concluiu , criando a conceção romântica do génio (âmbito
poét ico, a legórico -imaginativo) e fundando a investigação nas fontes
docu mentais (Santos 2011: 28). Ao fazer sobrepor a intriga romanesca e
o facto histórico da representação vicentina, reit era a sua teoria
dramática de que “o teatro deve metade à inspiração do dramaturgo e
metade às condições práticas de r ealização dos seus propósitos e obras”
(Crabée-Rocha 1954: 119).
Um Auto de Gil Vicente corresponde a uma dupla estre ia : a de um
projeto de dramaturgia nacional e a de um autor de dotes reconhecidos,
agora diretor do Conservatório de Arte Dramática. Uma espécie de prova
pública do impulsiona dor de uma “reflexão aprofundada sobre o teatro
português” (Barata 1991: 274):
O Auto de Gi l Vicen te, que ainda o out ro d ia fez correr toda Lisboa à
Rua-dos-Condes, veio most rar que nem o orador e pat riota eloquente
t inha quebrado nos debates da t ribuna o seu grande engenho poét ico, nem
o d iplomatico, o homem d’Estado prezava mais as honrarias das côrtes e
as distinções dos palacios, do que a sua coroa de poeta, o seu t itulo
querido d’homem de let ras (Anon. 1839: 3; itá licos originais).
Quando Garrett rompe com as unidades clássicas, substitu i -a s, ta l
como ocorre no t eatro de Gil Vicente, pela unidade de interesse, qu e
apenas supõe “o dever da criação de uma contextura solidamente
entretecida no fito de todos os elementos colaborarem, a traindo -se
mutuamente, para a expressão da ideia do poeta” (Monteiro 1971: II ,
161); como havia expressado Vítor Hugo:
260
Martelemos as teorias, as poéticas e os si stemas. Derrubemos este velho
gesso que mascara a fachada da arte! Não há regras nem modelos; ou
antes, não há out ras regras senã o as lei s gerais da natureza que pai ram
sobre toda a arte, e as lei s especiais que, para cada composição, seguem
as condições próprias para cada assunto (Hugo 1897: 252-53; t rad.
nossa).
Entre Catão e o Auto, entre a tragédia e o drama hi stórico , abre -se
um abismo de estilo. Os moldes clá ssicos são destru ídos, redu zem-se os
cinco atos a três. Substitu i -se o ver so empolado pela coloquialidade da
prosa, que apenas exige do espectador a compreensão do enredo. No
Auto, tudo é natural e simples; a s personagens são verdadeiramente
humanas, os diálogos são verosímeis, a problemática do enredo toca o
coração do momento, mesmo que proponha um recuo t emporal de
trezentos anos. A toga romana do Alceu vinti sta é substitu ída pela
indumentária nacional, que vinha defendendo desde os seus tempos
académicos, e com i sso lançava a primeira pedra no novo edifí cio da
história da arte dramática . Isso mesmo lhe reconhecia a imprensa,
louvando a “coragem” dos “homens de letras que querem desterrar do
teatro essa funesta inundação de dra mas estrangeiros, fantásticos,
monstruosos, e inteiramente imorais”:
Ò vós que haveis dado principio a esse novo monumento, e que desejais a
sua perfeição, renuncia i a tudo o que é moda, manei ra, rutina, e amor
próprio! […] P orque é um facto incontestável que a Litteratura dramática
tem influencia d i recta sobre os costumes, e civil ização das nações
(Revista Theatral 03/02/1839: 1 ).
A “primeira peça viva do processo lit erário de Garrett” (Crabée -
Rocha 1954: 133) abre caminho ao modelo pretendido, que t eve fru tos
dramáticos, desde logo em Os dois renegados, de Mendes Leal , premiado
no concurso do Conservatório . Defende-se agora a multipli cidade da
localização espacial e do alongamento do tempo, para que a ação tenha
maior amplitude de exposição . Recorre-se ao característ ico, ao sabor
local, tanto na per spetiva histórica como na psicológica, u tilizando
efeitos dicotómicos, entre o grotesco e o sublime. A inter secçã o do plano
ficcional com o da realidade quotidiana cria uma linha expositiva de
tipos humanos, que podem representar formas patológicas e vulgares.
261
Estamos temporalmente na fase inicial de um processo evolutivo
conducente ao drama de atualidade, em meados da centúria , e ao
aparecimento do conceito de “comédia -drama” , em que os valores da
modernidade revelam novos contornos culturais do Homem, que associa ,
no quadro Histórico, Razão, Natureza e Liberdade.
A obra garrettiana comporta agora a experiência do exílio , que
amadureceu as perspetivas anteriores sobre nacionalização da arte e do
estudo da s tradições populares, enquanto sustentáculo da literatura de um
país. Do ilumini smo setecenti sta , que anunciou a arte natural e
verdadeira , guarda os ditames que definem que o fenómeno estéti co da
criação se interpreta de forma subjetiva, m isturando a visão histórica
com outras forma s de arte, num refinamento cultural que sublinha
valores populares e tradicionais, formando “uma consciência clara da
individualidade na cional” (Crabée-Rocha 1954: 126). Não exi ste
pretensão em fazer teatro hi stó rico; os factos são para -hi stóricos, e t êm
um intuito pedagógico. Não se propõe uma reconstitu ição, mas um
veri smo proporcionado por um espírito de arqueologia , para entender a
ideia primordial que origina o a contecimento352
.
Não se propõe um tratado de eru dição, mas uma invenção natural de
poeta , a través de u m número de personagens r eduzido ao essencial. O
almejado portuguesi smo não se confina a fa ctos concretos e verificávei s,
mas à essência da alma nacional, de um saudosi smo amoroso, que se
pretende retra tar. O amor da pátria e da família , de Catão ou de Mérope ,
dá lugar à paixão das l etras e da arte, e ao eroti smo romanesco. O trágico
e o grotesco proposto por Victor Hugo atenuam-se num “cómico gracioso
e leve”, num “desespero suave e saudoso” (Crabée-Rocha 1954 : 131),
numa melancolia muito t ernurenta .
352
Mendes -Leal , em 1865, na “Int rodução” à sua comédia Os primeiros amores d e
Bocage reproduz o mes mo princípio para const rui r uma biografia f i ccionada da
“aurora” do poeta, de quem “co mpulsou com tanta meudeza” (Mendes -Leal 1865: I I I)
a obra poética, e os es tudos de Cas ti lho , Rebel lo da Si lva e Inocêncio da S ilva: “e m
torno dele [Bocage], concorrendo a uma acção fundada nos costumes do paiz e da
época, grupam-se os typos que mais vi s ivel mente representam os sent imentos e
t endências coevas” ( id ., ibid . : VII) .
262
Na esteira de Diderot , Garrett confirma o prima do do sentir sobre o
refl etir , valorizando os impulsos afetivos, que definirão o conceito de
“génio” do criador acima da normatividade da s p recetivas. Natureza e
liberdade criadora funda mentam u ma compreensão subjetiva e hi stórica ,
em que a liberdade da arte se opõe à liberdade na arte. A poesia exprime
sentimentos e paixões da alma qu e escapa m ao controlo da razão (há
razões que a razão desconhece!). O artista não será ju lgado por regras e
géneros externos à natureza e à arte, porque ele será fiel aos princípios
imutávei s de uma arte, segundo lei s que emana m de u ma organização
pessoal, expressão genuína do “eu”, do impulso, capa z de acei tar o belo
e o horrível (Barata 1991: 260).
Na esteira de Hugo, Garrett ambiciona dar uma arte nova a um novo
povo, conforme testemunham os dois mani festos dramático -teatrais que
escreve: a Introdução à edição impressa de Um Auto de Gil Vicente
(1841), e a Memória ao Conservatório Real de Lisboa (1843). Como nos
doi s prefácios -mani festos huguianos – Cromwell e Hernani – , também a s
declarações de princípio garrettiana s explanam a busca da identidade
nacional, a tributo do poeta cidadão, já invocada em tempos de estudante.
Um Auto de Gil Vicente não apresenta a inda a maturidade política
das produções posteriores, como O Alfageme de Santarém (1842), ou o
Frei Luís de Sousa (1843), fru to de múltipla s l eituras, que se a fasta já do
drama romântico – ausência de cenas cómica s e de tipos grotescos – ,
para regressar à tragédia intemporal do t eatro clássico. Também não é
histórico; o positivi smo não se a firmara ainda, e a noção de hi stória
encontra -se mais próxima da do colorido das narrativas folclóricas, que
despertavam o assombro dos ouvintes, pela u tilização de elementos
fantásti cos, em ambientes brumosos, e em que a s figuras se deslocava m
com subtil eza por espaços -pintura , fru to da imaginação de seus
criadores, pouco dados ainda ao reali smo quotidiano.
Não obstante, Garrett introduz alguns indícios de procura de
veri smo hi stórico, conforme regista a imprensa coeva sobre o espetáculo:
Cenas novas do sr. Pallucci , pintor do Real Theat ro de S. Carlos, que se
deslocou a Sint ra para copiar do vivo , o pátio interior do Paço com vista
263
da Sala dos Cisnes, e montes frontei ros, etc. A câmara do Galeão Santa
Catarina, composta pelo mesmo arti sta, é literalmente executada,
segundo descrição minuciosa que dele nos deixou Garcia de Resende na
obra Ida da Infanta D. Beatriz . A própria cor das tapeçarias, os ornatos,
tudo se seguiu à ri sca . Vê -se no 3º acto, de bordo do galeão, o Tejo com
efeitos de luar. Os t rajos foram objeto de longas e t rabalhosas
di ligências, ti rados de antigos re t ra tos, painéis, e estátuas. A própria
aparência das fe ições e a figura foi imitada a té de medalhas ant igas, onde
fa ltou out ra noção. A Academia de Belas Artes de Lisboa prestou seu
i lustrado auxílio à empresa para consegui r toda a possível exação, e
verdade dos costumes. Ne ste d rama, e na sua representação, tudo quanto
não é rigorosamente histó rico, é da t radição recebida e provável (Atalaia
Nacional dos Theatros, 12/08/1838: 53 -54).
Ganha particular inter esse, que o cenógrafo se proponha “copiar do
vivo”, i .e . observar e reproduzir a paisagem natural. O veri smo pictórico
começava a dar os seus primeiros passos, contrariando o padrão de
qualidade e de bom gosto, que defendera a pintura idealizada de carácter
a legórico ou míti co . Esta renovação do olhar, seguindo a esteira d e
pintores ingleses, como John Constable e Joseph Turner , ou dos
franceses Théodore Rou sseau e Jean-Bapti ste Corot, implica um novo
paradigma: uma per spetiva sobre a Natureza e o Homem, que fixe na tela
uma imagem do real . Este ponto de vista refle tir -se-á a nível da
literatura , na pesquisa aprofundada da s fontes fidedigna s, sobre as quais
se constru irá a narrativa, como primeiro momento do processo que
culminará no naturalismo psicológico e no reali smo social, da segunda
metade do século XIX. Daí que Garrett vá além da vertente hi stórica ,
quando faz corresponder a escolha da s personagens -chave, Gil Vicente e
Bernardim Ribeiro, a modelos arreigados no imaginário popular, em cuja
“contraposição reside a originalidade e, ao mesmo tempo, a justifi cação
do dra ma” (Picchio 1969: 230):
Não foi somente o teat ro, a poesia portuguesa nasceu toda naquele
tempo; criaram-na Gil Vicente e Bernardim Ribei ro, engenhos de
natureza tão parecida , mas que tão diversamente se moldaram. […] Tais
são os dois caracteres que eu quis pôr defronte um do out ro. Desta
comparação fiz nascer todo o interesse do meu drama (Garret t 1904: I,
630).
A imagem de Gil Vicente , “homem do povo, cobiçoso de fama e de
glória , todo na sua arte, querendo tudo por ela e persuadido que ela
264
merecia tudo, [que] viveu independente no meio da dependência , l ivre na
escravidão da corte” , contrasta com a de Bernardim Ribeiro, “nobre e
cavalheiro, [que] cultivava a s l etras por passatempo, e a corte por
ofício”, “poeta não só quando escrevia” ( ib id .: ib id .) . Garrett partilha da
per spetiva dramática de Hugo , propondo que qualquer figura seja
“reduzida ao seu traço mais saliente, mais individual, mais preciso”, para
que nada seja deixado ao comu m, à banalidade, “defeito dos poetas de
curta visão e de curto folego” (Hugo 1897: 266; trad. nossa).
Entre a memória das Cortes de Júpiter e da Menina e Moça
constrói-se um enredo trivial, cuja finura de estilo decorre da contenção
com que o autor delineia a psicologia das per sonagens, as faz
movimentar em cena, e, sobretudo, na forma comedida co mo usa a
linguagem falada para expressar o estritamente indispensável à ação.
Deixando espaço ao sil êncio , como defendera Diderot353
, o t exto não
preci sa explicar a cena, porque esta o l egi tima: uma evolução no modo
de sentir o trágico e de o expressar de forma teatral, para a lém do
dramático. O facto de se pretender criar um espetáculo para o grande
público aca ba por fragilizar o conflito amoroso, já que o drama não
apresenta grande movimento, e a própria peça -dentro-da -peça serve
apenas como efeito dra mático de reconhecimento em final de ato. Não
deixa , porém, de apresentar a precetiva romântica – cor hi stórica ,
entremeando o riso e as lágrimas de forma comedida – , como no
contra ste criado entr e as figuras de Pero Sá fio e Bernardim Ribeiro,
entre o grotesco e o sublime. Apesar das fragilidades lit erárias, próprias
de quem inicia um percurso novo, o dra ma cumpre a função demopédica
de divulgação da ideologia liberal, subentendendo -se a crít ica social
coeva:
Bernardim
Um mundo de vaidades e fingimentos, um mundo árido e falso, em que a
fortuna cega, os sórdidos interesses, as imaginárias d ist inções
corrompem, quebram o coração; – cujas le i s iníquas fazem violência à
l iberdade natural das almas; – em que a amizade é um t ráf ico – e o
próprio amor, o mais nobre, o mais subl ime afeto humano, é mercadoria
353
Entreti ens sur l e Fi l s Naturel (1757) e De la Poés ie dramat ique (1758) .
265
que se vende e t roca pelas vis e mesquinhas conveniências da Terra…
(Ato I, cena I I I; Garrett 1904: I, 638).
e a ironia política à instabilidade parlamentar:
Bernardim
[Juntam-se] as cortes; fa lam mui to, não fazem nada. Esse é o costume,
sabemos
(Ato I, cena I I I; Garret t 1904: I, 639).
Do conjunto de personagens do drama, P êro Sá fio surge como um
modelo contemporâneo do “gracioso” setecenti sta , que tanto faz
apreciações críti cas da cena, em apartes diretos ao público, como produz
solilóquios intelectualmente inter essantes, em linguagem quotidiana, sem
adornos carregados de retórica clássica . A ele é incumbida a abertura do
drama, numa cena de exposição, em que se define o tema da própria
peça: a representação do auto. Pêro ensaia o seu papel, com i sso
desenhando um retrato comportamental, enquanto ator, ao mesmo tempo
que introduz o primeiro conflito interno da personagem, quando expressa
a eterna conflitualidade entre a importância do ator versus a do autor no
êxito do espetáculo.
Para o romance de amor, Garrett desenha u m esquema de pares
desencontrados, muito corrente na comédia de intriga: P êro Sáfio ama
Paula Vicente, que ama Bernardim Ribeiro, que ama D. Beatri z, a quem,
por sua vez, está vedado amar Bernardim, que não ama Paula , que não
ama Pêro . A possível per spetiva de comicidade fi ca contrariada, já que
todos estão condenados a não poder viver o seu verdad eiro amor: o
objeto a mado encontra -se na esfera superior à do amador. O dramatismo
acentua-se quando Paula Vicente e Pêro Sáfio se tornam confidentes dos
amantes, sofrendo tanto as suas dores como as a lheias, e a ssistindo ao
seu declínio, que, no fundo, é também o do confidente. E provavelmente
o espelho do próprio autor.
“Pintar a face da sociedade…”
Com O Alfageme de Santarém, começado em 1839, escrito em 1841,
e estreado em março de 1842, Garrett retoma o drama de temática
266
histórica , com o desejo de “pintar” um quadro que represente “a face da
sociedade em um dos grandes cataclysmos por que ella tem passado em
Portugal” ; uma atitude que acabou por criar obstáculos à evolução
dramática da própria obra. A peça é tão políti ca quanto Catão ; demonstra
inter esse pela res publica , atendendo até ao clima incómodo que a
políti ca antagónica cartista criara na vida do poeta . Todavia , em Catão , o
herói r epresentava um símbolo, uma abstração ideológica, na lu ta por um
ideal, ao passo que no Alfageme o autor nacionalizou e a tualizou o
enredo em torno do que “foram, são, e hão de sempre ser, os doi s
grandes elementos sociais, o popular e o aristocrático” (Garrett 1904: I ,
673)354
.
A ação retrata a crise política que sucede u à morte de D. Fernando.
As fações política s digladiam -se pelo poder, patrocinando os tr ês
candidatos ao trono: o a l fageme Fernão Vaz apoia o infante D. João, o
condestável D. Nuno apoia o Mestr e de Avis, e Mendo Pai s apoia D.
João de Castela . Na eterna defesa da cida dania , Garrett , na s entrelinhas,
condena as lu tas partidárias, visando sobretudo a polémica entr e
Setembrista s e Carti stas:
[Nós], que ainda hontem eramos vassalos, e ainda não aprendemos a ser
cidadãos, nós, educados no dogma do principio divino, […] nós que
pretendemos ser, e vi rtualmente somos, representantes de um povo que
a inda não conhece nem os limites da obediencia quando vê a força, nem
os termos da resistência quando a não vê, nós temos dobrada obrigação
de ser graves, e escrupulosos no exame d’este grande processo, severos
até à dureza no pronunciar da sentença (Garret t apud Amorim 1881-84:
III, 11).
Como sempre sustentará , Garrett não pretende o seu nome associado
ao “estygma de bárbaro, de fomentador e mantenedor de ódios e
inimisades civi s” ( id ., ib id . : III , 34); pelo contrário, el e a lmeja a
conciliação das duas fações, expondo na peça algumas ideias gerais
sobre o a ssunto. Fernão Vaz r epresenta o “político a mador e bem -
intencionado, […] homem simples e honesto, dota do de bom senso, […]
354
Cerca de 1838-39, é escrito O Tanoeiro d e Li sboa , esboço paralel í st i co do
Al fageme, não só no t ítulo , como na época t ratada, no confl ito social e na
caracterização ps icológica d as personagens que cons ti tuem o t r i ângulo Mateus João,
Joaninha e Gi l Eanes .
267
[que] se ju lga representante da vontade popular tra ída pelos políticos
profissionais” (Crabée -Rocha 1954: 136-37). Passados meses, o tr ibuno
do povo toma consciência da ingratidão da queles, por cujos princípios
pretendera zelar. O alfageme transforma -se num homem desiludido,
magoado pela a titude dos seus pares , não longe de um autorretrato de
Garrett :
Ignoramos se havia inimigos, ou sequer d issidentes, ent re os
expectadores. […] Posto não haja em todos os cinco atos uma única
sá t ira poli tica, os fanáticos das di ferentes parcialidades poderião, por
suggestões de sua consciência , sonhar ofensas, não em palavras do
auctor, mas em alguns corolários de ci rcumstancias ind ispensáveis no
andamento do drama, e não esquecermos quanto é mais fácil escandeli sar
as mul t idões sem quere r, do que l i songeal’as ainda com a maior vontade
(RUL, 10/03/1842: 110)355.
Se a crítica da Revista Universal Lisbonense (RUL) a lcançou
per feita mente a lógica do di scurso dra mático, a inda melhor este a tingiu a
classe políti ca , mesmo que o autor negasse a s intenções de que o
acusavam – “paixões políti cas não t em” (Garrett 1904: I, 673) – ,
a tendendo às datas de escrita anteriores aos factos de 2 de fevereiro de
1842. A peça fora anunciada a 11 de novembro do ano a nterior, e
ensaiada durante longo tempo, pelo que não havia qualquer h ipótese de
sustinebi t?” ( id ., ib id . : I , 793). Torna-se evidente que Garrett a tingiu a
mestria da gramática de palco , com a qual constrói a sua poét ica de cena.
Na sociedade em evolução, o drama pretend e ser a “expressão
lit teraria mais verdadeira do estado da sociedade”, o “verbo ainda
balbuciante de uma sociedade indefinida”, que “reflecte a modi ficar os
pensamentos que a produzira m” ( id ., ib id : I , 771). Neste ensa io sobre a
278
teoria de arte, forçoso se torna “pintar do vivo, desenhar do nu, e a não
buscar poesia nenhuma nem de invenção nem de estylo fóra da verdade e
do natural” ( id ., ib id . : I , 772). E Frei Luís de Sousa conclui o ciclo de
refl exão política de Garrett , “chegado ao último grau de pessimismo”,
quanto às “soluções pragmática s dadas ao problema da humanidade, e de
sacri fício do ideali smo”. O benefício do perdão políti co de Manuel de
Sousa Coutinho de nada vale ; a desgraça familiar abateu -se
inexoravelmente, despojando -o lit eralmente. Maria , a filha amada, a
inocente vít ima do destino, a idealista “revolucionária sentimental”
(Crabée-Rocha 1954: 169), tampouco pode sobreviver na agonia da
vergonha. Garrett ganha ra a lucidez de que a res publica , não sendo
compatível com escrúpulos e moralidade, condenava o prota gonista ao
sacri fício absoluto, ta l como concluíra em Catão.
A obra começou a t er sucesso antes de ser r epresentada. A Revista
Universal Lisbonense (nº33, 04/05/1843: 413) elogiou -a como um “novo
laurel” da literatura portuguesa. A representação no t eatro particular da
Quinta do Pinheiro teve foros de grande noite li t erária . Herculano
assi stiu ao espetáculo e congratulou -se com o autor, num cont ido abraço
silencioso (O Conimbricense, 01/09/1903, nº5819). O Panorama
anunciou a edição da o bra , gozando de “creditos collossaes” (Leal 1843:
407). Todavia , os anos passaram sem que a obra subi sse à cena de um
teatro público. Após a edição impressa, doi s t eatros no Rio de Janeiro
“rivalisavam” na sua representação, “com mais esplendor”, enquanto a
imprensa periódica criava uma “interessante polémica lit teraria” ,
granjeando popularidade além Atlânti co. O drama teve eco no
estrangeiro, foi avaliado lit erariamente em França, Inglaterra e
Alemanha (RUL 02/10/1845: 176). Em Portugal, apenas u ma “pobre
companhia de actores ambulantes [divag ou] pelas provincias do norte do
reino, representando o Fr. Luiz de Sousa no meio do enthusiasmo
geral”360
. Apesar das defic iências de representação, a obra valia por si,
360
Tratar-se-á de u m agrupa mento que da va pelo nome de Companhia Nacional
Dramát ica, cujo programa se encont ra no espólio da bibl ioteca do Teat ro Nacional D.
Maria II (PRG771, cx .48). Refere a úl tima de t rês réci t as (1/ 3/1845), começan do
pelas 19:45 horas , e t erminando o “divert imento” com “uma das melhores farças”. A
dist r ibuição t inha como protagonis tas os atores Reis (Manuel de Sousa), Maria do
279
tornando “inexplicável este phenomeno” para o articuli sta da Revista
Universal Lisbonense ( ib id . : ib id .)361.
Em 1847, no Teatro de D. Maria II , Frei Luís de Sousa esbarrou no
“rigor extravagante” do secretário da Inspeção -Geral dos T eatros,
Cipriano Lopes de Andrade, que viu no desfecho do Ato I um atentado
diplomático aos súbditos espanhóis residentes em Portugal, e na
exposição da imagem da Virgem Maria , no Ato III , um atentado à
religião (Sequeira 1955: I , 142). Ter-se-ia estreado no Teatro do Ginásio,
a 1 de agosto desse ano, com cenários de António José da Rocha , pintor
do Teatro das Laranjeiras (Sequeira 1939 -41: III, 310-11), se Emílio
Doux, que entrara como empresário, não tivesse r ecuado na intenção .
Apena s em 1850 , chegou ao palco do Normal, no momento em que se
inaugurou a iluminação a gás. Latino Coelho e Franci sco Palha
ironizaram sobre o estilo de declamação com que foi representado, na
revi sta do ano Lisboa em 1850362.
Enquanto os contemporâneos de Garrett , cultores de um modelo de
teatro histórico, aproveitavam as facil idades da hi stória , o autor de Frei
Luís de Sousa parecia afastar -se do fa cto, em busca do “drama íntimo”
Carmo (Madalena de Vi lhena), Ana Fontainhas (Maria de Noronha), Leonardo (F rei
Jorge), Tomás de Al meida e S ilva (Romei ro), Gi l (Telmo Pai s ), Carval ho (P rior de
Benfica) , Rodrigo ( i rmão con verso), Assunção (Miranda) e Maria Carol ina
(Doroteia) . O Arcebispo de Lisboa era desempenhado por um figurante (N.N.) . 361
F ialho de Almeida refere u ma representação da obra no Teat ro do Sal i t re , na
década de 1840, protagonizada pelo ator Gi l (pai ) , como Manuel de Sousa Cout inho,
e a at r i z Maria José dos Santos , como D. Madalena de Vilhena, ent re out ros.
Menciona ainda uma poss ível representação, ent re 1844 e 1846, no Teat ro da
F lores ta Egípcia , às Amorei ras , na qual Joaquim José Annaya teria in terpretado o
papel t itular , sendo António Mendes Leal , Telmo Pais . As informações que possuía
não augurava m, poré m, grande qual idade (Almeida 1993: 186, nota1). 362
O diálogo ent re o Te mplo de Salomão e o Teat ro do Ross io parodia duplamente
Garret t e Mendes Leal júnior, ent re o sucesso do drama sacro des te e as at r ibulações
do drama românt ico daquele:
Te mplo / [ imi tando] a Magdalena do F r. Luiz de Souza/ - Mas sem os me us camel los não? Tu não sabes a vio lência – t error com que eu penso em ter de ent rar em tua casa
– e não encont rar al li os meus col laços! Parece que ve m sobre mi m todas as pateadas
do mundo!. . . Se fossemos para out ra parte. . . para a Rua dos Condes , para o Sal i t re,
para Santo Amaro, mas para al l i não. .. oh! não!
Theat ro do Rocio / imi tando o Manoel de Souza Cout inho / - Em verdade nunca t e vi
ass im! – Ass im, Te mplo de Salomão! – Res ta-nos ainda a escada para o Céo; - res ta-
vos aquel le anjo mexeriquei ro que met te o nariz em toda a parte – cantando quadras
para [adormecer creanças , ou deitando lóas para] d ivert i r o povo – e sobre tudo / com
enthus iasmo/ Uma mãe que não mata um fi lho – mas morre por el l e! [ subl inhados
originais ] (Palha/ Coelho 1851, ato I, cena 5) .
280
das figuras (Crabée -Rocha 1954: 171). O aparecimento de D. João de
Portugal, qual deus ex machina, tem o condão de destru ir a situação
penosa da família de Manuel de Sousa Coutinho, em vez de a salvar
como ocorreria no modelo tradicional, repondo a ordem. Tal como Alda,
em O Alfageme de Santarém , D. Madalena está div idida ent re o amor
sensual pelo atual marido e a estima afetuosa que nutre pelo anterior.
Comparando com Lucrécia , D. Madalena representa a maturidade do
próprio escritor na abordagem dos sentimentos fa ce aos problemas que se
colocam no quotidiano das per sonagens. Sobre esta pesa a sombra de um
adultério, o pecado capita l romântico, abordado de forma humana, como
“expressão maravilhosa do eroti smo português” (Crabée -Rocha 1954:
172). Segundo Crabée -Rocha, a genialidade de Garrett mani festa -se na
forma como conduz o desfecho da obra . Na aceitação da morte ao mundo,
na resignação ao castigo “justo e certo”, o drama transfigura -se numa
“espécie de mistério dos tempos modernos” ( id ., ib id . : 173).
A morte de Maria , de vergonha, apela ao lir ismo sentimental do
espectador, solidário com a vítima sem culpa de um crime. Mas também
a do Romeiro que se “suicida” no momento em que enuncia ser
“ninguém”; e a inda Telmo, condenado à solidão de quem perde toda a
família . Sobre os palácios, outrora chei os, abate -se o silêncio nos três
a tos: ru ínas de pedra, o primeiro; ru í nas espectrais de uma galeria de
retratos, o segundo; arrecadaçã o de alfaias religiosas, ru ínas humanas em
vida, o ter ceiro. O r evolucionário Manuel de Sou sa Coutinho dá lugar ao
resignado Frei Luís de Sousa, retra tos de Garrett , do homem político que
se desiludiu , e que se retira para a contemplação do amor tr ágico pela
Pátria .
“Da nobreza para a exposição popular…”
Em 1841, o a taque que Garrett lançou à política conservadora do
governo de Joaquim António de Aguiar conduziu à sua inevitável
demissão de todos os cargos públicos e à passagem para a oposição.
Continuou a a tividade políti ca como tribuno, sem contudo assumir
qualquer nomea ção para as comissões parlamentares, vindo a ser um
281
acérrimo contestatário da r estauração da Carta , proclamada no Porto em
1842, por Costa Cabral , anteriormente um fervoroso apoiante da
Revolu ção de Setembro. A veemência com que combateu a vontade
governamental de di ssolver o Conservatório, no célebre discurso
parlamentar do Porto Pir eu , numa “oração tremenda”, motivou o
comentário de Herculano : “Se lhe dão tempo de pensar, esmaga -os”
(apud Amorim 1881-84: II , 641). Datam daquele momento as ações
per secutórias r eferidas na prefação de O Alfageme de Santarém ,
progressivament e agudizadas, obrigando-o à condição de foragido
durante as r evolu ções da Maria da Fonte e da Patuleia . Garrett não
resi stiu ao “absolutismo a la moda” , ao “despoti smo petit-maître ,
parvenu, de vilão ruim, […] o mais insuportável de todos” ( apud
Amorim 1881-84: III , 24; itá lico original ) . A vitória cartista e o regresso
do cabralismo, em 1849, afastaram-no definitiva mente da vida política ,
a té à instauração da Regeneração, em 1851, que o consagrou em
absoluto.
Apesar de demitido dos cargos de vice-presidente do Conservatório
Real de Li sboa , de Inspetor -geral dos teatros e do de Conservador das
Escolas de Decla mação, em 1841 , Garrett continu ou a exercer o seu
espírito norteador a través de associações de joven s estudiosos,
inter essados em discutir os “progre ssos moraes da nação”. Entre elas
destacava-se o labor da “Sociedade Escholasti co -Philomatica ” , fundada
em 1838, e que, no ano seguinte, passou a ter Garrett como presidente
honorário (Amorim 1881 -84: II , 706). Inicialmente a lojada no “primeiro
andar de um prédio de acanhada e singela frontaria” da rua da Atalaia
(Ferreira 1872: I, 43), acolhia a mocidade literária , cujas “vozes
acaloradas, como de homens que apostrofavam, ou que ensaiassem a s
diver sas entoações decla matórias de um empolado sermão” ( ibid .: ib id .) ,
discutiam a influ ência da civilização na história , “dissertações e
controvérsia s” , que exerci tavam o poder da palavra que se “ tornaria o
ornamento e esplendor da tr ibuna parlamentar” ou de “cadeiras
cientí ficas” ( id ., ib id . : I, 44). Os frequentadores da s funções públicas da
sociedade – Andrade Corvo ou Luís August o Rebelo da Silva , então com
282
17 anos, entre outros –, lotavam a “pequena sala disposta à maneira do
parlamento”:
A presidência occupava o topo da casa: renques de bancos, colocados
como na platêa de um teat rinho particular, enchiam o resto da sa la,
deixando apenas uma est reití ssima nesga de espaço para a galeria
públ ica (nem isso fa ltava!) que eram duas filei ras de assentos de pinho,
que ficavam logo à ent rada da porta principal, para maio r comodidade do
visi tante est ranho que concorresse a presenciar estas polemicas oraes em
miniatura, comparadas com o que já sucedia então as nossas assemblêas
pol iticas (Ferrei ra 1872: I, 44; itálicos originais)
Passada “esta época de fogo para os espíritos da juventude” ( id .,
ib id . : 45), a sociedade entrou num período de decadência , para ressurgir ,
na rua de Santa Marta , nº 23, revelando vultos marcantes da década
seguinte. A 18 de fevereiro de 1842, o primeiro secretário Latino Coelho
endereçou a Garrett um convite para participar na sessão literá ria sobre a
influência da política filipina na decadência do “commercio, artes e
sciencias”, em Portugal (Amorim 1881-84: II , 707). A figura de patrono
de Garrett fi ca patente nas contínuas cartas que lhe são dirigidas, dando -
lhe ânimo para continuar a sua “cruzada”, “mirando sempre à
regeneração ou […] creação do nosso teatro” ( id ., ib id . : II , 708):
Em meados de setembro d’este anno de 1842, recrutando entr e os
membros da sociedade do Timbre , os do conservatório e os da sociedade
escholastico-philomat ica , quantos lhe eram affe içoados, e às suas idéas,
creou out ra associação, que o elegeu presidente, e se denominou dos
“amadores da scena portugueza” . Tinha esta por fim “á própria custa , e
pelas pessoas de seus membros, representar algumas peças no teatro do
Sal it re . […] Cada socio cont ribuía com 4$800 ré is, por mez, e recebia
quat ro bilhetes de platéa e um camarote , ti rado á sorte ( Amorim 1881-84:
II, 708 ).
Amorim coteja a informação a partir de um artigo a ssinado por
Feli ciano Castilho, na Revista Universal Lisbonense (22/09/1842: 10) ,
elogiando o papel que a sociedade desempenhava – “planta fructi fera” – ,
na defesa, como Garrett , do direito à propriedade lit erária . A sua
atividade foi todavia efêmera, porque a políti ca exigiu o cont ributo d os
sócios mais influentes no palco tribunício:
A imprensa e a eloquência combinavam-se: a palavra falada e a palavra
escrita pareciam-se muito e os homens eram, no fim de contas os
283
mesmos. Com frequência, o jornali smo, espécie de t rampolim de grande
espect ro mundano, li terário e político, abria as portas duma carrei ra que
levava ao Parlamento e mesmo à bancada do governo (França 1999: 170).
Aproveitou Garrett este momento para regressar à escrita dra mática
para teatro de sala e para as dinâmicas sociedades dramáticas
lisbonenses, quando o associativi smo começava também a dar os
primeiros passos. Trata -se de comédia s para serem representadas em casa
de a migos ou em palcos particulares, como entr etenimento das horas de
ócio , em festividades carnavalescas ou em tempos de veraneio. Desta
fase, o Espólio guarda fragmentos de composições dramáticas – drama,
comédia, far sa e opereta – destina das a teatros parti culares: Entremês
dos velhos namorados Que ficaram logrados, bem logrados ; Serapião, o
Monstro , ambos destinados a um teatro particular da Rua Formosa363
, ao
Bairro Alto, localização próxima da residência de Garrett após a sua
separação de Luísa Cândida364
; e a inda O Auto da Rainha Penélope e O
Cifrão , possivelmente para o mesmo tipo de destinatário, a tendendo às
característi cas das obras. Sou sa Bastos (1947a: 71) refere a exi stência de
sociedades de curiosos dramáticos que representavam “os mais difí cei s e
afamados dramalhões”, entr e os quais o drama de Mallefil l e, Os sete
in fantes de Lara365
, o drama sacro, A degolação dos inocentes366
, de
363
Exis te referência a um teat ro parti cular local izado nesta rua, na segunda metade
de Oitocentos. Da sua sociedade dramát ica saí ram atores para os palcos públicos ,
conforme ates ta Sousa Bas tos . Não é de todo evidente que se t rate do me smo local a
que Garret t des tinaria estes projetos . Como em mui tos out ros casos , os t eat ros
part i culares eram conhecidos pelo nome da rua onde se local izava m. In icialmente o
arruamento fo i des ignado por rua do Longo, devido a u m mo rado r de nome Longuo
que aí viveu na segunda metade do século XVII. A toponímia de rua Formosa, onde
se encont rava o palácio dos Carvalhos , fo i l egal izada pelo edi tal do Governo Civi l
de 1 de setembro de 1859. A vere ação ca marária republ icana, em 1910, al t erou para
o nome que atualmente os tenta – Rua do Século – , em ho menage m a o periódico
fundado em 1880, por Sebas ti ão Magalhães Lima, no rescaldo das come morações do
t r i centenário de Camões . 364
Segundo Gomes de Amori m, Garret t t inha o “gos to das mudanças” (1881 -84: II,
662), não parando na mes ma casa durante mui to t empo. Em 1841, res id ia na Rua do
Alecrim, onde se mante ve durante bas tante t empo ( id .: ibid ) . 365
Em 1861, No Teat ro da rua dos Condes , es te drama foi representado pela
Sociedade Regozijo Thal iense , da qual faziam parte, co mo a madores os atores Valle
e Sérgio de Almeida (Bas tos 1898: 344). 366
Em O Sangue, Cami lo Cas telo Branco descreve-o co mo u m dra ma que, após
sucessivas representações, continuava a desent ranhar “novidades , peripécias e frases
que arrancava m no vas l ágri mas e no vos reptos de admiração” (2000: 112).
Correspondia igualmente ao modelo da cul tura dramát ica de senhora vi r tuosa, como
D. To másia, em A morgad a d e Romariz , que, para além des te, conhecia o Santo
284
Maillan e Fontan, ou ainda o drama hi stórico de Alexandre Du mas pai, A
torre de Nesle , todos editados na coleção “Archivo Theatral” .
Da farsa guinholesca Entremês dos velhos namorados (ms.29),
guardam-se apena s as duas primeiras cena s. A senhora Bicuda e o senhor
Pancrácio pretendem casar, por inter esse, ju lgando cada um qu e o outro é
rico. Fandango, criado de Bicuda, e Ladina, criada de Pancrácio,
completam o rol das figuras. Qualquer dos patrões sofr e de ciúmes dos
criados, que lhes pregam partidas continuamente: “ tirar a cadei ra quando
se vão sentar, erguê -los pela ponta da orelha, apertar -lhes o guardanapo
até os engasgar, beber -lhes o vinho enquanto falam, e dar -lhes filhós de
estopa, em vez das autênti cas” (Crabée -Rocha 1949: 35). Tratar -se-ia de
um enredo para espetá culo de Entrudo, conforme sugere a autora do
Teatro de Garrett , a lembrar as farsas populares de Ricardo José
Fortuna? Ou seria uma inspiração colhida em algum teatro de boni frates?
Serapião, o Monstro (ms.30), de que apenas exi ste o primeiro
quadro, corresponderia , segundo nota de Garrett , a um projeto de drama
romântico “em quadros e sem atos, accommodado a gosto moderno ma is
per feito e apurado” (Lima 1948: 9). Do teor díspar destes projetos para
teatro particular, depreende -se a exi stência de um apetite ecléti co do
público , que, apesar das t entativa s garrettianas de formação do gosto,
cont inuava a preferir as velha s tropeli as de teatros de fei ra , ou os
excessos excêntricos das t entativa s dramáticas dos tempos de S intra .
O Auto da Rainha Penélope (ms.31) denuncia um lado irreverente
do seu autor, arquitetando um projeto de comédia musicada, em dois
a tos, sobre a história grega de Ul isses no regresso a Ítaca. À maneira do
que Offenba ch faria em Orphée aux enfers (1854)367
, encontra mos os sete
António , de Braz Mart ins ; por um lado, a perpetuação de uma cul tura popular dos
Presépios setecenti stas , do Auto sacramental da morte dos innocentes (1747), por
out ro, um reconhecimento público fomentado pela ci rculação das obras em folheto ,
como refere Júl io César Machado , em Apontamentos d e um folhetini sta (1878: 198) ,
a propós ito dos Sete in fantes d e Lara . 367
O sucesso de Offenbach chegará a Lisboa na segunda metade de 1860, com a
es t reia de A Grã-Duquesa d e Gerolstein , no Teat ro do P ríncipe Real (29/02/1868),
em t radução de Eduardo Garrido , que t ambé m ass inou a de As Georgianas (Teat ro do
Ginás io , 28/11/1868). F ranci sco Palha t raduziu o Barba-Azul (Teat ro da Trindade,
13/06/1868) e Mendes Leal fez a t radução livre de A Bela Helena, de Meilhac e
Halé vy (Te at ro da Trindade, 04/03/1869) .
285
pretendentes da rainha – um poeta , um leão, um médico, um guerreiro,
um filósofo, um políti co e um agiota – , logo na cena primeira , que
decorre no palácio de Penélope, cuja cenografia se descreve no
“rascunho das primeira s cena s do 1º a to” ( ib id .: ib id .): “um tear com a
teia posta e no fim; um grande instrumento vulgarmente di to piano, e que
tinha outro nome mais sonoro na língua helena; um cavalete e mais
instrumentos de pintar; uma mesa com todos os nik -naks de livros,
porcelanas, á lbuns, tapeçarias, et c., que a moda actual tem restaurado
das antigas elegância s gregas” (apud Crabée -Rocha 1949:36). Um coro
de abertura e uma polca, dançada por Uli sses e Circe, como se impunha
na ópera -cómica, t eriam feito sem dúvida as delícia s da platei a e
provocado a indignação de qualquer Jules Janin português, que aos
epítetos “per fide Meilhac, tra ître Halévy, misérable Offenbach” teria
acrescentado um cesário tu quoque Garrett:
Si vous aviez lu para hasard ces belles pages d’ Isocrate célébrant , au
mi lieu des guerres civiles, cette Hélène, orgueil de L’Asie , amour de
l’Europe, armant la terre e t le cie l en bonheur de sa beauté ! N’avez-vous
donc jamais entendu parler de ce poète aveugle pour avoi r insul té la
belle Hélène, et chantant la Palinodie, ó fa iseurs de parodies que fa ites
chaque soi r une charpie de la ceinture de Vénus! (Jules Janin, “La
semaine dramat ique”, feuilleton, Journal des Débats, 09/01/1865 : 1-2)
Por fim, O Cifrão (ms.32) , comédia em 2 atos, em que Garrett
abordaria as preocupações da sociedade li sboeta (a ação pa ssa -se em
Benfica, em 184…), tra tando um assunto sobre a realidade financeira
coetânea, com saques, bancos, florins e rublos. O esboço dramático
limita-se à primeira cena, em que a per sonagem principal José Libório,
por a lcunha o “ci frão”, guarda -livros duma firma importante, convencido
de que vai casar com Mimi, a filha do patrão, reage contra a sua alcunha
e anuncia aos primos que o pai da jovem tencion a retirar-se dos
negócios. Ao confli to da trama subjaz o facto de Libório conhecer um
segredo comercial complicado, que deveria guardar para si, sendo -lhe
por isso permitido casar -se com a filha do patrão (Crabée -Rocha 1949:
34).
286
Este argumento parece indicar, que Garrett sentir -se-ia tentado pela
escrita de um género, cuja projeção ocorreria na década seguinte : a
comédia social, teatro de atualidade ou comédia -drama, que deveria
procurar “esboçar na vida coetânea um quadro em que vivesse a paixão”,
como defendeu Mendes Leal, no prefácio de Pedro (1857: [1])368
. Uma
ideia que parece estar também presente num argumento, contido em
“Apontamentos para composições dramáticas” ( Espólio , 42; Lima 1948:
10), versando os efeitos sociais da guerra civil , que tra taria a história
coetânea como fonte e assunto para um “sainete”, com algumas lágrima s
à mistura:
Simão Luís, prior velho, é padrinho de Maria , fi lha dum migueli sta
famoso que emigrou para Espanha. Vivem numa pobre casi ta e cult ivam
uma horta. O pai de Maria foi despojado dos seus bens por André Bayão,
antigo guerrei ro consti tucional, que se indemnizou por suas mãos. Este
tem um filho que deseja reparar a injustiça do pai . André quer forçar a
rapariga a casar com ele , mas as autoridades da vila , que convocou para
esse efeito, negam-se a obedecer-lhe . Até que chega o rapaz que ela ama,
casam e “acaba el sainete” (apud Crabée-Rocha 1949: 34).
Garrett , que frequ enta os círculos sociai s, que o acarinham pela sua
graça, tem, como nos t empos da academia e dos seus primórdios
lisboeta s, uma sociedade burguesa que lhe estimula o estro e fornece os
seu s atores. A sua produção é soit d isant de encomenda, num género em
que não se sente à -vontade, onde cai com fr equência no mau gosto, ou se
sujeita ao gosto da moda, na opinião de Crabée -Rocha (1949: 36).
Parece-nos, contudo, que terá sido esse o modo que lhe perpetu ou o
gosto pela arte dramática, na impossibil idade de prosseguir a composição
de drama s de grande envergadura, em tempos conturbados de vida
políti ca e privada: são comédias de r epresentação fáci l que, de alguma
forma, a testam o espírito de sociabilidade da burguesia liberal em
ascensão, sem os r ecursos económicos de um Farrobo . Garrett circulava
entre Li sboa, Oeiras e Cruz Quebrada, e partilhava o seu tempo com as
família s dos seus eternos amigos:
368
Ainda que publicado em 1857, o drama e m 5 atos , de José da Si lva Mendes Leal
júnior fora escrito o ito anos antes .
287
Enriquecia o espi ri to dos que sabiam ouvi l -o; lia , nas casas das pessoas
mais intimas, coisas suas ou a lheias; dava conselhos l iterários, lições de
gosto, […] accentuava, enfim, por todos os meios e modos, a sua
influencia, sem sombra de intenção de o fazer, como quem não dava por
i sso (Amorim 1881 -84: I I I, 236).
Das comédias de teatro de sala , guarda -se r egi sto de três, l eva das à
cena em casa da família Palha, ao Dafundo, o “palacete dentro da quinta ,
sobre o mar e n’um ponto magni fico” (Pato 1894 -1907: III, 3 57)369
. Em
1841, representou -se a comédia Os ilustres v ia jantes (ms.33) –
participando Garrett no papel de Arlequim –, um “divertimento
doméstico, com intenções dirigidas ao grupo íntimo de ouvintes que
participava dos defeitos verberados ou da s aventuras contadas”, sendo,
por isso, naturais as a lusões ao local e aos costumes de “tomar quantas
águas e quantos banhos há por esse mundo de Deus” (Crabée -Rocha
1949: 36).
Em ca sa do desembargador José Pereira Palha de Faria Guião ,
fidalgo da casa real, as produções dramática s garrettianas fariam por
certo a delí cia do seu filho mais novo, o jovem Franci sco Palha de
Lacerda , prestes a entrar no curso de Direito na Univer sidade de
Coimbra370
. Terão estas comédias servido de motivo inspirador pa ra a sua
fu tura produção parodística de Fábia , Catimbáo ou O andador das
a lmas? Provável. I ndi scutivelmente, o espírito garrettiano encontrou em
Franci sco Palha um continuador do plano de formação de um “mercado
factí cio”, a partir de 1859, enquanto funcionário da Direção -Geral de
Instrução Pública do Mini stério do Reino, departamento que substitu iu a
anterior Inspeção-Geral dos Teatros na superintendência dos espetáculos.
Segundo Amorim (1881 -84: III , 532), na sua casa do Dafundo se
representou a comédia As profecias de Bandarra (1845) , a 25 de abril de
1846 (Crabée-Rocha 1954: 187, nota 1), e publicada postu mamente. Obra
369
Atualmente encont ra -se instalado o Colégio Espanhol . 370
F ranci sco Palha [F ranci sco Palha de Faria Guião] surge inscrito no primei ro ano
do curso de Di rei to, no ano let ivo de 1842 -43, ao passo que seu i rmão José Augus to
j á se encont rava no segundo ano ( Relação e Índice Al fabetico d os Es tudantes
matriculados na Univers idad e d e Co imbra no anno lect i vo de 1842 para 1843, suas
natural idad es , f il iações e moradas . Coimbra: Na imprensa da Univers idade, 1842,
p .8) .
288
de “doi s dia s, prazo fatal e improrrogável, para se representar em casa de
uma família amiga” ( id ., ib id , : 187), esta comédia ornada de música
surge como uma espécie de vaudeville para amadores, com coros de
“praticantes de botica” e trovas de Bandarra , na boca do sapateiro Tomé
Crispim, cujo nome evoca o santo protetor d os sapateiros371
. Sousa
Bastos (1947a: 88) afiança que a inspiração fora colhida na s histórias
que o ator Sargedas contava a respeito de seu pai, Manuel António
Sargeda s, negociante de cabedais e mestre sapateiro.
Alguns anos mais tarde, Garrett di spôs -se a “refundir” a comédia,
elaborando melhor os “caracteres apontados”, tornando o enredo “mais
embrulhado”, e dando ao diálogo “maior viveza de colorido”, para que se
tornasse aceitável o produto de um momento de ócio, aproveit ando
melhor as profecia s de Bandarra , esse filão de crenças e su per stições
antigas, que se apresentava como um “tesouro de poesia nacional” , que
ninguém exa minara ainda com a devida atenção (Amorim 1881 -84: III ,
533). A doença não lhe permitiu o ensejo de o fa zer. Em 1859, subiu ,
todavia , à cena do Teatro de Dona Maria II , contrariando a vontade do
seu autor, entr etanto falecido. O público aplaudiu os d iálogos e
principalmente as a lusões aos costumes polí ticos. Segundo Amorim, os
aplausos nasciam “dos sentimentos de veneração” pela memória de
Garrett ( id ., ib id . : III , 534). Apesar de pertencer ao género antigo,
quando a comédia saiu do cír culo privado do teatro de sala , para a esfera
pública das grandes salas, o papel do protagonista tornou -se numa coroa
de glória para a tores como Teodorico .
O mesmo tipo de divertimento doméstico se encontra na comédia de
costumes populares, O noivado no Dafundo, ou Cada terra com seu uso,
cada roca com seu fuso , escrita no outono de 1847, estando Garrett a
banhos (Amorim 1881 -84: III , 239). São apenas algumas cena s,
esboçadas em poucas horas, para serem “representadas n’uma sala , e em
família” , que l embram o Noivado em Frielas , de Paulo Midosi,
representado cinco anos antes, pela “socieda de dos amadores da cena
371
O maes t ro Joaquim Cas imi ro compôs música para a representação da comédia, no
Teat ro de D. Maria II (Gonçal ves 2012: 152).
289
portuguesa”372
/373
. Ainda que o poeta não desse importância lit erária a
estes entretenimentos privados, “cenas, esboçadas em três ou quatro
horas para serem ensaiadas e representadas nu ma sala” (Garrett 1904: I ,
740), a obra, segundo Palha – o “tu que as praias do Dafundo habitas/ e
abertos olhos da ventura fitas” – , valia pela “graça e elegância” e como
“monumento de saudade” a “um tempo alegre” de uma “memór ia viva da
amizade” ( id ., ib id . : I , 741).
Garrett já havia reconhecido a potencialidade que estas obras
demonstrava m enquanto “reportório do nosso t eatro nacional” , desde que
fosse melhorado o estilo. Na breve advertência ao Tio Simplício ,
constatou ser oportuno que estas composições dramáticas descessem “dos
círculos exclu sivos da nobreza para a exposição popular” . Escrita
propositada mente para ser estreada no “elegante Theatro de Thalia” , no
palácio dos Condes de Resende (11/04/1844), o Tio Simplício teve como
“actores e espectadores as primeiras pessoa s e principaes famílias do
reino”. Era também uma forma de “brindar com uma composição nova” a
sociedade part icular de amadores dramáticos, “denominada de Thalia” ,
de que Garrett era vice-presidente. Foi representada com “naturalidade e
primor”, com tanto agrado, que a peça subiu à cena “repetidas vezes”
(Garrett 1904 : I , 709)374
.
A ação desenrola -se em casa do rico sexagenário Manuel Simplício,
brasileiro de torna -viagem, ca sado com Dona Lúcia . Sofrendo de tédio,
de nervos, de “vapores”, a jovem senhora fora a banhos t erma is para as 372
Cf. A Fama, nº 3 , 21 .01.1842. A not ícia publicit a o espetáculo da sociedade, que
apresentará t ambé m o Pajem d e Al jubarrota, de Mendes Leal . 373
A obra de Garret t fo i parodiada por António Fel iciano de Cas ti lho no drama l í r i co
Noivad o em Paquetá (Lima 1930: 8). 374
O teat ro t erá s ido const ru ído em 1840 (Câncio 1962:258), neste palácio , em
Lisboa, à semelhança de out ros t eat ros part i culares de ari stocratas. Após um período
de decadência, s urge a notícia do seu ressurgimento , em 1872, com a Sociedade Dramát ica Thal iense, mot ivada pelo vereador Joaquim José Al ves . A 26 de Feverei ro
des te ano, vol taram a ser representadas comédias populares . A 22 de Junho, o t eat ro
sofreu obras de remodelação , para dar lugar ao Teat ro de Al fama, sendo empresários
Campeão & Cª, e encarregado da obra o ant igo maquini sta do Teat ro Variedades , o
Assunção. Além da sala de espetáculos , o t eat ro passaria a t er salão de baile e
botequim. A 18 de Julho, o novo teat ro de Al fa ma es ta va pronto , sob a d i reção
técnica de F rancisco da Costa Braga. A es t reia previ s ta para 14 de setembro, com o
drama Um homem do povo, de Eduardo Martins , e a comédia O ves t ido rasgado, de
Costa Braga, fo i contudo suspensa. Ao f im de t rês meses de ensaio a e mpresa
exonerou os art is t as das suas escrituras e suspendeu em defin it ivo a es t reia do
t eat ro , a 10 de outubro (Matos -Cruz 2010: passim ) .
290
Caldas, a conselho do Dr. Simões. Aí se encontra com Luís de Mello,
que lhe faz esquecer a melancolia , sem saber que a jovem Lúcia é esposa
de seu tio Simplício. A r evelação da sua paixão, tomando Lúcia por filha
de Simplício , provoca ciúmes a o marido, que se ju lga tra ído, e
estupefação ao amante, que não entende o que se está a passar. O
imbróglio r esolve -se t eatralmente , com o rapaz esposando uma rapariga
de quem não gosta .
Nesta comédia de costumes burgueses, r etoma-se a consciência do
valor da obra imitada, enquanto interpretação pessoal subsidiária do
texto fonte, conforme a teoria garrettiana . Tio Simplício apresentaria ,
segundo o seu autor, uma feição portuguesa “no estylo, no s caracteres,
nos costumes”, porque esta acomodação de um enredo “do teat ro francez
moderno” ( ib id . : ib id .) privilegiava a identi fica ção dos caracteres com a
cultura do recetor, universalizando a urdidura inicial. Admi tindo que
uma ação dramática semelhant e possa ocorrer em momentos e locais
diver sos, será a personalidade social dos intervenientes que constitu irá o
elemento definidor da s caracterí stica s regionais e temporais que
identifi cam a cultura de chegada. Partindo de uma ação geral e provável,
a través da individualização sociológica da s personagens, ela torna -se
particular e possível.
Garrett aplicou a mesma lógica à comédia Falar verdade a mentir ,
cujo ato único imitava a comédia -vaudeville Le menteur vérid ique, de
Scribe. Foi r epresentada pela mesma sociedade amadora de Thalia ,
acomodando-se a “galante e engenhosa ideia”, de “bom, franco e jovial
carácter antigo” “aos costumes actuaes”, tornando -se pelo “estylo, os
modos, a phrase, o tom do diálogo, a verdade dos costumes” nu m
“verdadeiro e portuguezissimo quadro de género, […] em que não há
caricatura , mas tam naturaes similhanças que ninguém dei xa de conhecer
os originaes e de rir com eles”. Tal é confirmado na apreciação da “linda
representação da Thalia” , em A Illustração (1845: 11) , quando sublinha a
interpretação cómica de inglês, do criad o interesseiro e catavento:
Representava -se o FALAR VER DADE A MENTIR , e ria toda a gente
d’aquella caricatura de Inglez que tam bem feita foi. Ora porque será i sto
291
– di sse eu comigo – d’onde vem que nos teat ros do cont inente o Inglez é
hoje um character ta m eminentemente comico, tam popular, tam seguro
de fazer ri r, desde a pla tea ás torrinhas, todas as classes da sociedade
sem excepção? (A.G. 1845: 11)
A tarefa autoral estaria facilitada, na medida em que as per sonagens
originai s não apresentavam característi cas individualizadas, sendo, por
isso, apenas “ feições de uma parte da sociedade, ma s não as de nenhuma
pessoa d’ella” (Garrett 1904: I , 720). A arte dramática tornava de ta l
forma clara a referenciação cultural entr e trama e r ealidade, que a
ninguém passava desapercebido a crítica social, as a lusões satír icas à
Espanha, o engenho imaginativo tão caracterí stico do “desenrascanço”
português, e a té a troça ao teatro. O enredo é constru ído como se fora
uma comédia de improviso; cada série de situações que o mentiroso
compulsivo Duarte Guedes vai inventando transforma-se em realidade
teatral, graças ao desempenho do criado José Félix, que se transmuta nas
per sonagens inventadas, criando um jogo interpretativo de v irtuosismo
cénico. A sociedade dramát ica de Thalia teria seguramente intérpretes à
a ltura do desa fio, para que Garrett t ivesse empreendido esta imitação.
“Esta lucta contínua em que anda a humanidade…”
Cinco anos após enunciar na Memória ao Conservatório , uma quase
despedida da “amena literatura” dramática, que fora “folguedo” de
infância , “suave enleio” de juventude, e “passatempo agradável e
refrigerante dos primeiros e mais agitados anos” da sua “hombrida de”
(Garrett 1904: I , 77), Garrett regressa ao t eatro público com duas
comédias, a mbas estr eadas no Teatro de D. Maria II . Dois quadros de
costumes burgueses – A sobrinha do Marquês (1848), retra tando o final
de Setecentos, e o Conde de Novion (1854), apontando para o início da
centúria seguinte – , retomam a ideia de um teatro fundado em situações e
per sonagens da hi stória , que funcionam como metáfora política dos
tempos coetâneos, aquela mais do que esta , sem a assunção formal de
aspetos políti cos, ma s tão-somente pela vontade de denuncia r o
“ridículo” da “lucta continua em que anda a humanidade”, variando de
“objecto e de contendores segundo as epochas”. Ambas visa m uma classe
292
média acomodada em seu s privilégios, em luta com os “novos
contendores que lhe surgiram, e com que não contava em sua orgulhosa
cegueira de parvenu” ( id ., ib id .: I , 805).
A escrita inicial de A sobrinha do Marquês acontece na mesma
altura de Um Auto de Gil Vicente , mas é apenas concluída após a
revolução de 1846 -47. Nela se r evi sita a memória do marquês de Pombal,
figura controver sa na produção lit erária da primeira metade de
Oitocentos. Garrett poderia ter desenvolvido então um dra ma histórico
de per sonagem, como O Marquês de Pombal ou Vinte e um anos de
administração (1840), de César Perini de Lucca375
. Não o terá fei to nessa
altura , em prol da escrita do Alfageme, enquanto retrato da sociedade, da
qual colheu a má vontade da emergente fa ção cabrali sta . Retornou ao
entrecho inacabado e t erminou -o, quando se prenunciava o ret rocesso ao
cartismo conservador. A sua atitude não parece nem inocente, nem
inócua. E aquilo que, segundo a escola antiga, poderia ter sido um
simples entremez, surge agora como um “bello estudo crítico” de
“verdade” e de “fidelidade hi stórica”, como uma “comedia de costumes
[…] do verdadeiro drama philosophico” (Silva 1848a: 27). Deveria soar
como uma oração popular na tr ibuna teatral, advertindo para os perigos
de destru ição, de desunião, que havia m antecedido a revolta do Minho, e
contra os quais Garrett zurzira no parlamento, em 1846:
Esta pobre terra já não é senão um pedaço de terra como qual quer out ra,
uma provincia para um reino – re ino, nação, paiz , não torna a ser ( apud
Amorim 1881 -4: III, 165).
Se em 1821, o espírito setembrista lhe ditara O corcunda por amor ,
a sua visão atual inspira-lhe uma comédia histórica sobre o
comportamento dos grandes elementos sociai s, o popular e o
aristocrático, num momento histórico charneira , em que Pomba l perde as
ilusões e reconhece a verdade da perda do poder absoluto e assi ste “de pé
ás exéquias do seu império” (Silva 1848a: 28). A eterna vertente
pedagógica de Garrett indica -lhe que o castigat mores do “modo de ser
social” coetâneo deveria evidenciar “as paixões, os inter esses, as acções
375
Cf . VA SC O N C ELO S , Ana Isabel (2004), “A recriação da f igura do Marquês de
Pombal num drama hi s tórico o itoc ent is ta”.
293
e reacções todas de uma época tam memorável” (Garrett 1904: I , 806).
Por essa razão, a ação desta comédia, que daria um “novo Bourgeois -
gentilhomme”, ocorre nas “derradeiras horas” do r einado de D. José,
quando os “antigos dominadores proscritos” começava m a levantar a
cabeça “com a primeira agonia” do Rei, e a classe média se mostrava
incapaz de reconhecer as vantagens que lhe adviera da governação de
Pombal ( id . , ib id . : I , 805):
Quando o poder muda, seja para quem for, [o povo] applaude, porque o
inst incto lhe diz que n’essas mudanças descansará el le (Garrett 1904: I,
806).
Aparte a figura do Marquês, que, como Gil Vicente , Bernardim
Ribeiro ou Nuno Álvares, corresponde a um modelo do imaginário
popular, as r estantes per sonagens, a inda que cri smada s, apresentam -se
como um tipo, “uma classe de que é representa nte” ( ib id . : ib id.) . A ação
desenrola -se em ca sa de Manuel Simões, uma r espeitá vel loja de
comércio na Rua Augusta e venerável cobertura para tramas e
associações polít icas, em que os compadrios determinam destinos
individuais e sociai s. Se a estéti ca é românt ica, o conteúdo é político:
O formidável diálogo com o Padre Inácio, jesuíta clandestino; o
equilíbrio entre a velha e a nova nobreza, a autocrít ica e autojust i ficação
do Marquês de Pombal ent re a dureza do seu governo e a po l ítica da
modernização; sobretudo o sentido iguali tário da sociedade que valoriza
a burguesia como classe e como mentalidade à custa da antiga
ari stocracia , mais respeitada por Garre tt do que pelo Marquês (Cruz
2003: 102).
A obra foi pateada na primeira representação, a 4 de a bril de 1848,
enquanto os apoiantes cabralista s glori fi cavam “com estrondo e
delirantes aplausos” A afilhada do Barão, de Mendes Leal, que, na
comédia concorrente, di stinguia uma “galeria de retratos surprehendidos
nas suas naturaes a titudes, copiados com u ma fidel idade de
daguerreotipo” (Sequeira 1955: I , 145)376
. A descrição do fidalgo D.
Luiz, “de fresca data”, parecia a ludir à pessoa de Costa Cabral , “feito
conde pelos seus serviços ao egoísmo dyna stico” (Braga 1904: xxxiv). A
376
Mendes Leal era “a migo do Conde de Tomar e f i l i ado desde mui to no seu part ido”
(Amori m 1881-84: III, 352).
294
comédia apresentava uma verdade crítica , um gosto e u ma “plena
intu ição dos costumes, das ideas, e das classes que animaram aquelle
século” (Silva 1848a: 28), sublinhando o ridículo de si tuação , e
desanimando a fação vi sada. Como “fazer qualquer coisa ú til e boa, em
terras […] onde há tanta gente pequena”? (Garrett 1904: I , 629)
Tanto a vida políti ca , como a pessoal, desalentaram moralmente
Garrett , como se nota no tom com que prefacia A sobrinha do Marquês ,
mesmo que pretenda desmentir a semelha nça com a realidade:
Se alguém queria ver out ra coisa numa comédia do tempo do Marquês de
Pombal, esse alguém, perdoe -me a sua ausência, é tolo (Garrett 1904: I,
806).
A recensão de Rebelo da Silva à edição da obra , em A Época ,
reconhece a exposição inimitável e o estilo da graça natural do seu autor,
embora encontre defeitos no enredo, “no travado dos lances e situações;
nas colocações de logar e de acção”, fru to da “rapidez, qu e exigia a
brevidade imposta pelo poeta ao seu quadro” (Silva 1848a: 28). A
modelar exposição do primeiro ato , em que as per sonagens, “desenhadas
com o maior vigor” , fa lam com naturalidade, se explicam mutuamente e
narram as circunstância s em que se encontram, dava lugar a doi s a tos
inferiores, devido à imposição autoral de “encerrar em tão cu rto espaço
typos e acontecimentos”, sendo apenas uma “cabeça grande e bela
demais para aquele corpo”, cujo mérito r esidia na “plena intu ição dos
costumes, das ideia s e das classes” ( ib id .: ib id .):
À necessidade do enredo é sacri ficada mais de uma vez a verosimilhança
phisica […]; esmorece o calor da acção, e vae esfriando gradualmente
para o fim. O assumpto sobeja para o desenho, que aparece. Se as
proporções fossem menos acanhadas, e o quadro tivesse toda a largura ,
que pedia, (a nosso ver) o enredo, a acção, e os episódios, ligar -se-hião
melhor, e o poeta achar -se-hia com uma corôa egual á que ganhou em
“Fr. Luiz de Sousa” (Silva 1848a: 28 ).
Não obstante, o mérito de Garrett r esidia no patente conhecimento
psicossocial de pessoas e costumes, e no retrato irónico de uma
deslumbrada sociedade burguesa, que desconhecia tanto o “Portugal em
que [vivia], como aquelle em que [vivera] seu pae e seu avô” (Garrett
295
1904: I , 806). O próprio Rebelo da Silva identi ficou singularmente a
matriz cria tiva garrettiana nos artigos que escre veu sobre a sua
importância , em “ A Eschola Moderna Litt eraria” (1848) :
E todas as creações do Sr. Garre tt vivem; todas e llas reproduzem o
homem fie lmente . A individualidade de cada um dos seus personagens
separa-o no meio de todos os out ros, como na vida commum qualquer de
nós se di fferença pelas fe ições e pelo caracter. Saber dar o toque do
subl ime e da poesia á verdade; possui r a arte de ele var o natural sem
violencia até ao ideal; e ahi descubrir a Lei da harmonia , que faz um ente
imaginario possível e real , sem o fazer vulgar, é o segredo de poucos
escriptores, e a gloria dos grandes ta lentos. É nisto principalmente que
consiste a beleza e a excel lencia da poesia moderna (Silva 1848g: 251;
subl inhado nosso).
A derradeira obra dramática, O Conde de Novion (1854)377
,
assemelha -se ao estilo das comédias dos palcos particulares, pela
simplicidade de enredo e reduzido número de persona gens que
apresenta m o argumento. Amorim colheu a informação dessa
possibilidade através de um ator do Teatro do Ginásio, que recordava ter
sido a imitação representada nesse t eatro ou em algum palco particular.
Segundo aquele, Garrett imitara a comédia Le chevalier du guet, de
Lockroy e Rosier , r epresenta da no Théâtre des Variétés , de Paris, a 9 de
setembro de 1840378
. A sua representação no Teatro Normal , em conjunto
com o Ódio de raça, de Amorim, não colheu o êxito que se esperaria . A
imitação apresentou -se “muito extensa, esfriando por vezes o interesse” ,
na opinião de Amorim (1881-84: III , 576). A doença do autor não
permitiu que a obra saísse tão escorreita quanto desejaria , pecando por
“excesso de malícia” e “por ser um poucochinho livre”, a preci sar da
“derradeira lima” do apuro ( ib id .: ib id .) . Incapaz de a concluir , foi
Gomes de Amorim incumbido de terminar e fazer a s emendas
necessárias. O autor terá tido consciência da fragilidade da obra, 377
A respei to do Conde de Novion cf. ALC O C H ET E , Nuno Dupias (1975), Le comte de
Novion, commandant général d e la Gard e Royale d e la Pol ice d e L i sbonne. Braga:
Tip . Barbosa e Xavier . AN D RA D E , Joaquim Miguel (org. ) (1824), Memorial d e of i cia l
da Guarda Real de Polícia d e L isboa. Lisboa: Tip . António Rodrigues Galhardo. 378
A co média francesa fo i editada no ano de est reia, na coleção “Réperto i re
dramat ique des auteurs contemporains”, nº 129, Théât re des Variétés , Pari s : Henriot
et Cie. Amorim baseia -se no tipo de papel u ti li zado por Garret t para defin i r a data
do manuscri to da i mi tação, embora afi rme ta mbé m que ele não se encont ra va ent re as
obras do autor na fase f inal da sua vida, quando faleceu no bai rro de Campo de
Ourique.
296
determinando que ela subi sse à cena, tão anónima quanto o Alfageme o
havia sido , por razões bem diver sas. Após a segunda representação, a
direçã o do t eatro retirou definitiva mente o Conde de Novion , para
salvaguardar o bom nome do seu autor . O gosto público modifi cara -se,
exigindo forma s mais consentâneas de representar a evidência
quotidiana. Os dramas, fa lando “do que foi” , para corrigir “o que é” e
apontar “o que pode ser” , já não colhiam o consenso da geral no teatro.
Face à debilidade fí si ca de Garrett e ao t emor das “prega ções” dos
jornais, Amorim preferiu guardar a comédia, “em memoria da amizade e
confiança” que lhe devotava ( ib id .: ib id .) .
2 . A ilustração geral e proveitosa das grandes massas
2.1 . Uma época que irradiou da scena
“Não era mingua de ta lento, e ra o mau methodo, o principio errado
com que trabalhavam” afirmou Garrett (1904: I , 524) em relação ao
exercício da escrita , podendo o mesmo ser aplicado aos atores. Segundo
Crabbé Rocha, o programa a que ele se propusera foi cumprido com
“preci são matemática”. Todavia , em vez de émulos, deixou apenas um
“rastro de entusiasmo pelo teatro” (Crabée-Rocha 1954: 231) em autores
que copiaram a “predilecção para o sensacional e o emocional” ( id .,
ib id .: 232). Seguido mais como escola , e menos como doutrina , o
figurino produziu de forma “ fecunda” (Ferreira 1871 -72: II ,161) êxitos
de bilheteira , que a crítica elogiou em função de element os “estranhos à
arte e à li teratura” (Crabée -Rocha 1954: 234):
Todos nós, que escrevemos ou lemos, nos recordamos a inda de certo
enthusiasmo com que as primeiras representações d’este d rama [ Um Auto
de Gi l Vicente ] foram escutadas e aplaudidas. Não foi só uma produção
dramát ica que surgiu no palco, foi uma época li tteraria que i rradiou da
scena, e i rrad iou para mui tos e brilhantes engenhos que depois segui ram
os passos, e a lguns bem de perto, do auctor de D. Branca (Ferre i ra 1871 -
72: II, 161 ).
A influência da criação do Conservatório fez com que não houvesse
“quasi pessoa nenhuma que soubesse escrever a quem elle não obriga sse
297
a compor uma peça” (Amorim 1881 -84: III , 496). Era indiscutível o seu
apreço em apoiar jovens ta lentos, e Gomes Amorim não nega o seu
quinhão, mesmo quando ironicamente a crítica detet ou a mão do mestr e
na escrita de O Cedro Vermelho (1856), quando, afinal, ele já havia
fa lecido ( id ., ib id . : III , 445, nota 1).
A moderna escola literária , sobre a qual Rebello da Silva di ssertou,
em A Época , veio revolucionar o Parnaso, proclamando a liberdade do
espírito, da imaginação e do gosto, em detrimento do cânone antigo, que
reduzia a criação a um trabalho mecânico, vergado “à autoridade do
preceito em nome do exemplo absoluto”. A imita ção poéti ca to rnara-se
um “ecco, e não uma voz”, uma “copia descorada, como a mascara de
cera moldada sobre o rosto do cadáver” (Silva 1848b: 106). A escola
clássica representava o “estudo microscópico da forma”; a escola
moderna, “a liberdade de escolha dos assuntos”; a escola romântica, a
“verdade dos sentimentos e dos affetos” ( ib id . : 107). Garrett fundara em
Portugal a escola “que entendeu a bell eza ingenua da poezia popular, e a
requestou com a mais casta devoção”: “O Sr. Garrett não é só um poeta ,
é uma literatura inteira” ( ib id . : ib id .) .
Garrett fez a sua revolução lit erária como reflexo da revolução
social que viveu. A reforma do teatro foi expressão da su a ideia de
revolução cultural, uma “indissoluvel a lliança de toda a polít ica com a
l i t teratura e com as artes, porque sem isso a civi lização é impossível , o
progresso falso e frustrados os fins da sociedade hu mana” (Amorim,
1881-84: III , 66). O palco permitiu trazer para a esfera pública a tertú lia
privada dos árcades. A tragédia de modelo clá ssic o deu lugar ao drama,
porque a revolução partia do povo, e esta forma, “filha do novo estado
social” , exigia o estudo da vida no mundo (Silva 1848c: 121).
A individualidade d o poeta pluralizou -se nos vários géneros. Para a
restauração do teatro ideali zou a criação de um modelo harmónico: “uma
nação sem teatro era um paiz órfão de artes e vazio de cultura” (Silva
1848f: 234). Produção dramática, reali zação plástica e r eceçã o estética
materia lizam os três momentos cruciai s do fenómeno teatral . A sua
experiência pessoal, inter seccionando a s belas l etras e as belas artes,
298
clarifi cou a sua estratégia global: a criação de uma literatura dramática e
a formação de atores, vi sando a educação do espectador.
A nova escola exigia que o dramaturgo senti sse em primeiro lugar a
expressão da verdade que queria a tingir . Sempre que, ao escrever para
teatro, o dramaturgo se “comovesse” e se “arrepiasse” com qualquer
lance, estaria no “bom caminho” (Amorim 1881 -84: III , 428). A essência
do “fa cto poético” deveria revestir -se das “gallas do dra ma” (Silva
1848f: 235) para a lcançar a a lma do espectador . Melhor seria “preparar
efeitos para a platéa geral, […] sincera nos seus signai s de aprovação, do
que a superior, gafa e saciada, que em vez de sensibilidade lhe dará
palavras, quando não calumnias (Garrett apud Amorim 1881-84: III , 428-
29).
Garrett demonstrou a possibilidade que o “gracioso desatavio” e a
“attractiva lhaneza” possuíam, para tornar “ tão naturais e tão acessívei s
os sent imentos e as paixões”. Mostrou “a arte de levantar as mais tr ivi ai s
plebeidades a galas senhori s e de nobilitar as frases mais chãs e comuns”
(Mendes-Leal 1856: 7). Eram as qualidades de dramaturgo, reconhecidas
por Mendes Leal , e que Garrett já havia apontado em O Emparedado
(1839), de Sousa Lobo:
Quem é capaz de ter d’essas idéas, tem o Drama na cabeça , tem a poesia
da scena no engenho. E i sto é o que se não dá nem aprende: as formas
sim, […] que só o uso do teat ro, e também o u so do mundo, o estudo do
homem e da sociedade as póde aperfeiçoar. Vive o teat ro a maior parte
da sua vida d’ellas; mas pouco aproveitam a quem não tem aquell’out ro
cabedal. […] Trabalhe, ande; que deve, porque póde. Eu tenho fé no
teat ro – no teatro verdadei ramente nacional , para a civilização d’esta
nossa terra . […] Para ilust rar [este nosso re ininho] hão de fazer também
mais os d ramas nacionais, que lhe falem do que foi – que o corrijam do
que é – que lhe apontem o que póde ser, de que as pregações dos n ossos
jornaes – ou os nossos pal ra tórios, e legislatorios de S. Bento (Garrett
Testemunhou a geração romântica , que o dra ma era a vida revelada
pela arte: seus limites, o próprio mundo, cujo espetáculo descrevia .
379
A carta a António Maria de Sousa Lobo, de 12 de nove mbro de 1841, fo i
publ icada na Revis ta L itt erar ia, do Porto , vol . V II, p .182; e na edição impressa do
drama (Porto : Tip . Faria Guimarães , pp .66 -67), nesse mesmo ano.
299
Sendo uma forma essencialmente popular, f ez do homem o seu tipo
electivo. Inspirando-se na verdade e na natureza, o drama abord ou o
infinito moral das paixões, enquanto o teatro de um poeta representava o
seu modo de observar e entender a vida. O mesmo princípio se aplic ou ao
ator, enquanto veículo do poeta , ao mesmo tempo que ele próprio se
transfigurava em poeta da cena , que habitava, um conceito há muito
exposto em artigo “Sobre a r epresentação t eatral” (1789)380:
O poeta , como a personagem dramática , por uma bem deduzida
consequência, estender -se-á também ao imitador ou representante no
teat ro. Não poderá o poeta formar uma personagem aflita ou i rada se ,
antecipadamente, não tiver formado em si , co m o seu ta lento, a mesma
personagem, dando-lhe o correspondente afecto de que se acha agitado e
as mesmas expressões, ou palavras que excitem aquela ideia; do mesmo
modo esta personagem, assim condecorada no teat ro, mais expressará a
força do poeta , carácter e afectos com que o revestiu se o representante
se não t ransformar naquela ocasião em poeta e personagem. Deve logo o
poeta, quando compõe, t ransformar -se em personagem e cómico; e o
cómico, quando representar, em poeta e personagem (Artº 4, 1789)381.
Todavia “a sorte do poeta e a do actor nunca foram egu aes”.
Naquele estima-se o ta lento inspirado, e neste, de “ sensibilidade
estr emecida e caprichosa”, estima -se o ta lento que “só amadurece ao sol
do triumpho, no meio do aplauso e da esperança” (Silva 184 8f: 235):
A arte scenica , que é toda imitação, que adivinha o que não sente por
comparações reflectidas, que deve expressar os sentimentos e as paixões
segundo as idades, a natureza, e a época, expel ida d’ent re os homens,
apupada na pessoa do que a exerce , sequest rada do mundo dos fe lizes e
dos poderosos, onde i rá estudar os typos, as manei ras, e os costumes das
c lasses que é chamada a representar? ( Si lva 1848f: 235)
Garrett percebeu a necessidade e a di ficuldade da formação de um
ator , e, por i sso, lu tou contra as “chronicas velha s”, e o “Elucidário de
380
Art igo para o Jornal Enciclpéd ico d edicado à Rainha Nossa Senhora, e d es tinado
para inst rucção geral com as not icias dos novos d escobrime ntos em tod as as
sciencias e ar tes , que di st ingue a t écnica de representação do actor trágico e do
actor cómico. AN TT, Real Mesa Censória, cx .460. Cent ro de Es tudos de Teat ro ,
HTPonline: documentos para a His tória do Teat ro em Portugal . 381
A es te respei to cf . R EIS , Fernando José Egídio (2005), “Comunicando as Ciências
ao Público . As ciências nos periódicos portugueses de f inais do séc. XVIII e
princíp ios do séc. XIX”, em F ID A LG O , António/ S ERRA , Paulo (org. ) , Ciências d a
Comunicação em Congresso na Covilhã. Actas do III Sopcom, VI Lusocom e II
Ibér ico . Covi lhã: Univers idade da Bei ra In terior . Vol . III, Visões d iscip linares, Cap.
III, “His tória da comunicação”, pp .305 -315.
300
Viterbo”, na produção dramática, contra a “sem -cerimonia” criadora de
“arqueologia fantásti ca”, na representa ção plásti ca da cena, e contra as
“estatuas gothica s, tosca s como a rusticidade da esculptura do t empo que
symboli savam”, na r ealização estéti ca interpretativa (Ferr eira 1871 -72:
II, 162).
2.2 . Propagação de ideias fecundas de utilidade
A educação popular correspondeu ao desejo libertário de formar o
cidadão livre e a opinião pública consciente ; institu ir uma sociedade,
“valorizada pelo trabalho”, segundo os padrões da Revolução Francesa e
da Revolu ção Industria l inglesa (Carvalho 1986: 571). A liberdade
conquistada em 1820 comprometeu -se com a regeneração cultural, numa
missão civilizadora pelo combate ao a nalfabetismo e pela “vulgarização
cultural” que i lustrasse o cidadão. A imprensa e o tea tro foram
instrumentos capita i s para o ideal de progresso, de feli cidade e de
“civilização” (Ribeiro 1999: 191). A partir de 1836, Passos Manuel382
enuncia a estru tura da nova ordem social, no preâmbulo do Decreto de
criação dos Liceus Nacionais (17/11/1836):
Não pode haver ilust ração geral e proveitosa sem que as grandes massas
de cidadãos […] possuam os e lementos c ientí ficos e técnicos
ind ispensáveis aos usos da vida do estado atual das sociedades.
O novo si st ema, fru to das “concepções burguesas e ‘populares’ do
ensino” (Torgal 1998: 515), retomou o espírito da reforma pombalina, e
preencheu o vazio deixado pela extinção das ordens religiosas, em 1834.
Se, no primeiro liberalismo, Luís Mouzinho de Albuquerque empreendera
um ambicioso projeto (1823), Almeida Garrett , após a vitór ia liberal,
empenhou-se com a mesma energia (1834), assim como Rodrigo da
Fonseca Magalhães, propondo medidas legisla tivas que implicavam
práticas inovadoras (1835), e Passos Manuel , com reformas gerais
382
Sobre a b iografia de Passos Manuel , cf . Nóvoa, António (d i r. ) (2003), Dicionário
d e Educad ores Portugueses . Porto: Asa, pp .1055 -56. Sobre o ens ino art í st i co , cf .
Pamplona, Fernando de (1980), Da Academia d e Belas -Artes d e D. Maria II e Passos
Manuel (1836) à Academia Real d e Belas -Artes (1862) e à Acad emia Nacional d e
Belas -Artes (1932) . Li sboa: Revis ta e Boletim da Acade mia Nacional de Belas -Artes,
3 ª série, n º 2 , pp .45 -51.
301
(1836). Influenciado pela r evolu ção francesa de 1848, a voz r epublicana
de Henriques Nogueira383
apelou à “sensibi lida de das a lma s generosa s”, à
“rectidão das inteligências e levadas”, ao “bom senso das classes
laboriosas” (1851: I , XVI) , na defesa da educação popular, única forma
de melhorar as condições de vida da população:
Propagae idéas: e se el las forem fecundas, se levarem o cunho do genio –
a facil idade de serem por todos compreendidas, executadas e convertidas
em própria ut ilidade, estae certos, que mais tarde ou mais cedo colhereis
fructo da vossa sementei ra (Noguei ra 1851: II, 183).
Em 1870, quando se const itu iu o Ministério de Instrução Pública , D.
António da Costa , na sua brevíssima passagem como mini stro desta
pasta , defendeu que a instrução popular criava o “grande capita l
financeiro no desenvolvimento dos espíritos”, e o aperfeiçoamento dos
conhecimentos das classes laboriosas seria o motor de maior perfeiçã o e
rendimento do si stema produtivo. O “salário dos operários, o lucro dos
capita listas e a prosperidade do país” cresceria m de forma diretamente
proporcional ao aumento da “cultura das inteligências” e da “melhoria do
trabalho individual” , em resumo, “universalizar a instrução [seria]
multiplicar a riqueza nacional” ( apud Torgal 1998: 515).
No século da instrução pública , o documento decisivo para a
exi stência de uma futura indústria teatral surge quando Pa ssos Manuel
soli citou, em nome de D. Maria II , que Almeida Garrett elaborasse um
plano de desenvolvimento da arte dramática. As doutrinas iluminista s ,
inspirando a inova ção tecnológica, os saberes cientí fi cos e a promoção
do espírito cria tivo motivaram, por um lado, a institu ição de um
Conservatório de Artes e Ofícios – em Lisboa (1836) e no Porto (1837) –
, inspirado no Conservatoire National des Arts e t Métiers de Paris, e, por
outro, a criação do Conservatório Geral de Arte Dramática , inspirado no
383
Henriques Noguei ra fo i percursor de republ icani smo e do sociali smo. Foi adepto
do associacionismo e do cooperat ivi smo. Defendeu o municipal ismo como for ma de
descent ral i zação adminis t rat iva.
302
Conservatoire National d’Art Dramatique 384. Os Estatutos aprovados em
1841 objetivaram o ideal português:
[Restaurar], conservar, e aperfeiçoar a li tera tura dramát ica e a língua
portuguesa, a música , a declamação e as artes mímicas. E out rossim o
estudo da arqueologia, da histó ria e de todos os ramos de ciência, de
l itera tura e de arte que podem auxil iar a d ramática ( Estatutos do
Conserva tório Real , Art. 1º ).
Os fundamentos para o bom funcionamento de uma industria l t eatral
foram abalados por quezílias partidárias, em 1841, e culminaram na
exoneração do próprio Garrett e na tentativa governamental de extinção
do Conservatório Real, considerado dema siado oneroso para o Erário
Público. A Regeneração veio desenvolver posteriormente o espírito
inicial, promovendo o ensino técnico e profissional, e procede ndo à
estru turação legal da atividade teatral no t erritório nacional. Ainda que
fosse “uma ação moral” , declarava o r edator do jornal crítico-lit erário
Galeria Theatral (21/10/1849: 1), o teatro era também um “agente
comercial” , que sustentava “muita indústria e a limentava milhares de
indivíduos”. O público não queria que se lhe falasse apena s ao espírito,
mas também aos olhos, “e por isso o t eatro [tinha] necessidade de
alimentar muitas mais artes, do que d’antes” ( ib id . : ib id .) .
A partir de 1859, quando a Direção-Geral de Instrução Pública se
substitu iu à Inspeção -geral dos Teatros, na superintendência das casa s de
espetá culo, o novo organi smo contou com a chefia de Franci sco Palha e
D. António da Costa385
, que estru turaram a regeneração admini str a tiva do
384
A ins ti tu ição francesa t eve orige m na École royale de chant et d e d éclamat ion ,
fundada em 1784, que, em 1795, passou a integra r a declamação como parte da
formação musical . Apenas pelo decreto de 3 de março de 1806 se veri f i cou o
desenvol vimento , ainda que incip iente, da arte dramát ica. 385
Cursou Di reito na Univers idade de Coimbra, na mes ma al tura que F rancisco
Palha. Em 1851, fo i nomeado secretário -geral do d i st r ito de Lei r i a, onde fundou o Cent ro P romotor de Ins t rução Popular , e o periódico O Leir iense (1854). Com a
criação da d i reção -geral de Ins t rução Pública, candidatou -se a primei ro -oficial , cujo
cargo preencheu por decreto de 12 de Janei ro de 1860. Em Agos to des te ano, fo i
nomeado comissário régio junto do teat ro de D. Maria II, onde se manteve até Junho
de 1861. Nove anos depois , tomou parte no governo pres idido pelo Duque de
Saldanha, gerindo a pas ta da marinha, mas , por decreto de 22 de Junho, com a
criação do Minis tério da Ins t rução Pública, passou a ti tu lar desta pas ta , t endo
promo vido profundas reformas na inst rução pública - l iberdade do ensino superior,
reforma da ins t rução primária, das b ibl io tecas populares, das escolas normais e
reorganização do teat ro nacional – no curto espaço que durou o chamado “minis tério
dos cem dias”.
303
dito “mercado factí cio” . Nesse sentido, foram nomeados delegados
provinciai s e procedeu -se a um censo t eatral, em 1862, que cadastrou os
teatros públicos e particulares do paí s ; elaboraram-se estatísticas e
mapas de peça s, de artistas , de exploração teatral e de r ecei ta386
. Esta
organiza ção admini stra tiva materia lizou um surto l egi sla tivo destinado a
qualificar uma indústria teatral, sendo publ i cados o “Regulamento e mais
legi slação sobre a admini stração dos Theatros ” (4 /10/1860) – que
reformulou as disposições do Decreto de 22 de setembro de 1853 – , e o
“Mappa dos T heatros do Reino considerados públicos” (Diário de
Lisboa, 07/07/1866: 2130), primeiro documento oficia l que inventaria a
exi stência de uma rede de teatros a nível nacional, cobrando entradas e
devendo, por i sso, pagar impostos. Nos 21 di stritos estabelecidos pela
legi slação de Mouzinho da Silveira387
, o Mapa regista sessenta e sete
teatros públicos, divulgando a sua lota ção e tipologia dos lugares.
Franci sco Palha colabora ainda com o espírito da Regeneração no
desenvolvimento da indú stria teatral, quer enquanto empresário do
Teatro de D. Maria II , quer como idea dor do novo teatro em Lisboa,
segundo o modelo francês, o Teatro da Trindade388
.
2.3 . A necessidade de uma escola de teatro
Todos os povos modernos foram […] adiantando -se na carre ira
d ramát ica , nós vol támos para t rás, e perdemos o t ino da est rada, que
nunca mais acertámos com ela. […] Nem temos um teat ro materia l, nem
um drama, nem um actor. […] Em Portugal há talentos para tudo; há mais
talento e menos cul tivação que em país nenhum da Europa! (Garrett
1984b: 310-12)
386
A 29 de j anei ro de 1862 foi emi t ida uma ci rcular a todos os Delagados da
Inspeção dos Teat ros, para que preenchessem os mapas que se remet iam, sobre a
capacidade e rendimento dos t eat ros . Nos Dist r itos onde não houvesse delegados , as
ci rculares foram endereçadas aos Governadores Civi s (ANTT, MR/DGIP , Registo de
correspondência recebida (SR), Lº21, nº98). 387
Ao tempo, o atual d is t ri to de Setúbal encont rava -se englobado no de Lisboa. 388
A ele se deve a in t rodução do género da revi s ta do ano em Portugal , em
colaboração de escrit a com Lat ino Coelho , l evando à cena Lisboa em 1850 , no teat ro
do Ginásio Dramát ico , pouco tempo antes da queda do cabral ismo.
304
Falecido Garrett , a reforma de ensino no Conservatório Real de
Lisboa , na direção do conde de Farrobo389
, não podia deixar de
prosseguir o desenvolvimento da missão constru tiva da arte dramática do
seu institu idor. A evolução da escrita dramática exigia uma abordagem
cada vez mais elaborada do modo de representar. O estilo romântico,
segundo os preceitos de Aristippe 390 – Théorie de l’art du comédien ou
Manuel Théâtral (1826) – , que servira de manual a João Anastácio Rosa,
não se coadunava com as necessidades interpretativa s do teatro de
atualidade, segundo a t eoria mais consentânea de Joseph Samson – L’Art
Théâtral (1863-65). Não sendo o ta lento um dom inteiramente natural à
arte do ator, aceitava -se a intu ição como base de trabalho sustentado ,
porém, pelo estudo. Expô-la E. J . Failly à cantora lír ica Euphrasie
Poinsot:
Il y a deux moyens pour exercer, pour cult iver l’art du comédien;
l’ insp ira tion et le t ravai l. […] Les comédiens inspi rés ne s’écoutent pas
parler; i l s obéissent à leur génie . Ident i fiés avec leur rô le , leurs
auditeurs y sont ident i fiés eux-mêmes, tant les grands moments de l’ âme
sont contagieux! (Failly 1852: 11; itá licos originais)391
O número de cadeiras da Escola de Arte Dramática foi aumentado,
tendo as tradicionais “aulas” garrettianas (1838 – 1841) – “Recta
Pronúncia e Linguagem” (1ª) , “Rudimentos Históricos” (2 ª) e
“Declamação” (3 ª) – , dado lugar a um novo plano pedagógico, mais
pormenorizado: “Gramática – Noções de Geogra fia e História (1), Língua
Francesa (2), Língua Ita liana (3), Pronúncia (4 ), Declamação (5) e Arte
de Representar (6). Todas a s línguas estrangeiras seria m mini st radas pelo
389
Foram di retores do Conservatório Real de Lisboa, durante o século XIX: Almeida
Garret t (1836 – 1841) , Joaquim Larcher (1841 – 1842), António Perei ra dos Reis e
D. José Tras imundo de Mascarenhas (1842 – 1848) , Joaquim Pedro Quintel a (1848 –
1869), Duarte de Sá (1870 – 1878) , Luís Augus to Palmei rim (1878 – 1898) , Eduardo Schwal lbach Lucci (1898 – 1917) . 390
Forma francesa do nome u m fi lósofo hedonista grego que serviu de pseudónimo ao
ator Félix Bernier de Maligny, para a edição das duas obras sobre t eoria t eat ral,
L’Art du comédien, pr íncipes génére aux recuei ll is et mis en ordre (1819) e Théor ie
d e l ’Art du Comédien ou Manuel Théâtral (1826) , cuja segunda edição, em 1854, j á
associa o seu nome de bat i smo ao pseudónimo l i t erário . Fél ix Bernier , t al como
F rançois R iccoboni , em L’Art du Théâtre, regi stam para me mória fu tura as suas
t écnicas e es t ratégias de t rabalho de ator , subl inhando a cons tante necess idade de
autocont rolo da representação. 391
Es te assunto será abordado a seu t empo, em Parte II I – Quat ro t eorizadores da
prát i ca t eat ral: 1 .2 .3 . P receito para uma Arte de Representar .
305
mesmo professor, fi cando a cadeira de Arte de Representar a cargo de
Duarte de Sá , que assumiu, a partir de 1869, a de Declamação,
substitu indo Al fr edo Carvalho e Melo , e fi cando João Nepomuceno de
Seixa s com a r egência da s aulas de Gramática/ Pronúncia e Rudimentos
de História (Vasques 2012: 153)392
. Duarte de Sá conseguiu “sujeitar a
regras e a preceitos constitu tivos de uma teoria” , “os deli cadíssimos
segredos” da arte dramática (Ortigão 1871: 14). Os seu s Apontamentos
sobre declamação , eventualmente perdido s, continuaram, por isso , a
integrar bibliografias de obra s de divulgação teatral , no início do século
XX.
Conforme refere a autora da Escola de Teatro do Conservatório ,
entre a fundação garrettiana (1839) e a refundação por Duarte de Sá
(1861), o Conservatório Geral de Arte Dramática (1836) – Conservatório
Real de Li sboa (1840) – , viveu um período de vida académica instável. O
conceito de arte dra mática, funcionando inicialmente como plataforma
integradora de três artes de palco – Teatro (Arte Dramática ou
Declamação), Música e Dança (Arte Mímica, e também as áreas da
cenogra fia ou decorações e da pintura especial) – , especializou -se, a
partir da reforma de 1861, acompanhando o espírito francês, expresso em
obras como a Biblio thèque dramatique de Monsieur de Soleinne (1843),
do bibliófilo P. L. Jacob, ou o anónimo Essai d’une bibliographie
générale du théâtre , ou , Catalogue raisonné de la Biblothèque d’un
amateur (1861), a partir do catálogo da biblioteca de J . de F ilippi, em
1859, que pretendia completar o catálogo Soleinne.
Declamação e Representação figuravam, inicialmente , conceitos
afins, sinteti zados como Arte Dramática. O texto dramático equivalia a
uma partitura fa lada, cuja elocução exigia di sciplina idêntica à do
cantor. O estudo da voz, da qualidade tímbrica do execut ante, associava -
se ao da elocução, da expressividade textual, a través do conhecimento
dos princípios gerais de retórica , de poéti ca e de oratória , a declama ção
propriamente dita . Todavia , na medida em que a função teatral
392
Carta de P rofessor da Cadei ra de rudimentos Históricos do Conservatório Real de
Lisboa. Regis to Geral de Mercês , D. Maria II, l i v. 13 , f l . 201v. Torre do To mbo.
(PT/TT/RGM/H/207192)
306
inter secciona as Belas Letras do d rama com as Belas Artes da cena, na
transposição para palco, a postura corporal, o movimento de cena e o
gesto assumiram-se como linguagens próprias, que manifestavam o lado
descritivo da obra dramática, exigi ndo do ator um conhecimento
abrangente, enquanto Arte de Representar.
No século XVIII, a escola teatral inglesa, primeir o, e a francesa, em
seguida, promov eram o desenvolvimento de uma técnica de realismo
interpretativo, apurada por artistas como Michel Baron , Adrienne
Lecouvreur , David Garrick , Henri Lekain, Edmund Kean ou François
Talma, entre outros. Além de intérpretes, l egaram impressa a sua análise
testemunhal sobre a a tividade t eatral e apuramento de uma prática mais
antiga . Demonstra ram que fora a necessidade do ofício que levou o ator a
desenvolver recur sos na representação, e que fosse identi fi cada uma ars
theatrica e uma te jné 393:
Este uso exige la aplicación de un esfuerzo o técnica para llevar a cabo
la acción de una manera real o, y de ahí el sentido más recto de la te jné ,
de una manera simulada, es deci r, concertando las estrategia de la
representación mediante signos. La preparación y organización de sus
recursos y de los materia les por e llos generados revelan a un suje to – el
actor – considerado como artesano o como abn egado profesional, solo
desde la crí tica moderna (Cuadros 1998: 125).
2.4 . Arte de declamação ou arte cénica: ensinar a representar
com naturalidade
Ao contrário da cultura francesa, inglesa ou germânica, que foram
produzindo lit eratura técnico -artísti ca sobre teoria dramática, em
Portugal esca sseava esse tipo de obras394
, como motejara José Agostinho
de Macedo, nas Pateadas :
393
Cf . C UA D RO S , Evan gel ina Rodríguez (1998), “La necesidad del oficio : Arte y
Tejné del actor . Hacia una nueva cons ideración del documento t eat ral”, La técnica
d el actor español en el Barroco. Hipótesi s y documentos . Madrid: Cas tal ia. 394
Em 1800, o pastor sueco Carl Is rael Ruders , res idindo em Lisboa, recenseia de
forma pouco abonatória uma Disser tação his tór ica e crí ti ca sobre as representações
t eatrai s (1799), de F rancisco Lourenço Roussado (F .L.R .) , que cons idera, na
general idade, sem mereci mento e de um pretens iosi smo faccioso. Todavi a, as breves
t ranscrições que faz pa rece m colocá- lo em s in tonia com o autor sobre a “necess idade
e u t il idade das representações t eat rais”, como cont ributo para a alegria do povo,
t anto f ís i ca como moral , ocupando - lhe o ócio de forma út i l, e dando “brilho ao
307
A grande Republica das le t ras, com especialidade nesta Colonia, que se
chama Lusitania , está falta, ou balda de l ivros elementares sobre c ertas
artes, e Sciencias, e parece , que tanto mais importantes são estas
Sciencias, tanto mais sensível he a falta dos Livros elementares. Eu julgo
que não he menos importante a Sciencia de abreviar os dias da vida , que
a Sciencia das Pateadas de Theat ro (Macedo 1812: 11).
Sobre a u tilização de manuais didáticos destinados ao ensino da
Escola de Arte Dramática surgem referência s memorialistas e
bibliográficas avulsas. O facto de não ter em sido ainda encontrados
indicia a possibilidade de circulação em ver sões manuscritas, não
impressas (Va sques 2012: 153). Dessa primeira fase, referenciam -se os
compêndios de Decla mação ( c.1842)395
, de César Perin i de Lu cca , seu
primeiro professor na Escola de Teatro396
, de Rudimentos Históricos, de
João Nepomuceno de Seixas, e os Apontamentos sobre declamação , de
Duarte de Sá397
, citados nos Rudimentos da Arte Dramática (1890), de
Luís da Costa Pereira .
A formação profissional dos atores , na primeira metade do século
XIX, apresenta -se deficiente em termos teóricos, sustentada sobretudo
pela transmissão de t estemunho geracional a través da prática de palco,
sob a dir eção de ensaiadores de qualidade variável . O s ensaiadores dos
teatros do Salitre, da Rua dos Condes, e do Giná sio, foram inspiradores
das prática s da s sociedades de curiosos-dramáticos li sbonenses, nos
teatros particulares ou nos de sala , de que falamos anteriormente. A
progressão do paradigma de r epresenta ção acompanhou inevitavelmente
o da escrita dramática, no aburguesa mento das t emáticas de interesse
quotidiano, que conduziu ao aparecimento de uma nova tipologia de
per sonagens, de novos arquétipos sociais a necessi tar de outras
abordagens metodológicas, a través da observação do real, do seu estudo
e da capacidade de sinteti zação cénica dos novos referentes na tura listas-
Estado, t anto na paz como na guerr a”, co mo for ma morigeradora da vi r tude social .
(Ruders 2002: I,98 -100) 395
Referenciado por MO N IZ, José António/ C O ELHO , José S imões (1909), Arte d e
ANTT. 26/01/1841. Carta. P rofessor vi t al í cio da Cade i ra de Declama ção do
Conservatório Real de Lisboa. Regis to Geral das Mercês, D. Maria II, l i v. 14 , f l . 87 -
87v. (PT/TT/RGM/H/204141) 397
Referenciado igualmente por M AC HA D O , A. Victor (19 --), Guia Prático d o Actor ,
Lisboa: Ferrei ra & F ranco, p . [95], “Bibliogr afia”.
308
realistas. Para João Ana stácio Rosa, de nada serviria a vocação “sem
uma grande soma de conhecimentos” :
É preciso estudar, estudar muito, estudar sempre e quanto mais estudares
mais te convencerás de que a inda tens de estudar mui to mais. A arte não
estaciona, avança sempre, e quanto mais caminha, mais espaço tem
diante de si para percorrer. […] A arte nunca deve caminhar só ; ao lado
dela deve i r sempre a verdade, devem ser inseparáveis, viverem uma par a
a out ra. Se a Verdade se separar da Arte, claro está que fica sendo
sempre a Verdade; mas a Verdade no teat ro sem a Arte é uma coisa seca,
árida, sem encanto, sem perfume, uma coisa que não prende, não delicia,
não enternece, não tem beleza (Rosa 1915: 23-24).
Através da s memórias de Augusto Rosa , identi ficamos obras de
referência sobre a arte de representar, que seriam lida s e estudades, em
Portugal, na segunda metade de Oitocentos: uma trilogia composta pelo
Paradoxe sur le comédien (1773) , de Diderot , por L’Art Théâtral (1863–
65) , de Joseph-I sidore Samson398
, e pela romântica Théorie de l’art du
comédien ou Manuel théatral (1826) , de Ari stippe – l ido e estudado,
“com tanto afinco que o sabia de cor” – , na nova edição dos Manuais
Roret (1854). Apesar di sso, para o autor de Recordações da Cena (1915)
não ba stava assimilar “as pa ssagens mais importantes”, ou os “conselhos
ú teis” , sem que u ma corr eção prática si st ematizasse a informação teórica
(Rosa 1915: 39-40).
Se a memória dos artistas traz a revela ção de facetas pitorescas da
sua atividade, plena s de nota s e avaliações individuais, a r efl exão teórica
sobre a Arte Dramática perpassa por análises múltiplas, desde a
divulgação crítica da obra dramática e dos espetáculos na imprensa –
recensões críti cas, folhetim -teatro, ou a crítica t eatral – , a té ao espaço
referencial introdutório (prefácio, exórdio , proémio ou prolegómeno), ou
conclusivo (posfácio), das edições de obras dramática s impressas , em
que ganham especial relevo os importantes prefácios -programáticos de
tantos autores, legitimando a génese das obras, fa ce ao comentário
censório dos júris dramáticos.
398
Obras biográficas sobre es te ator: Eugène de Mirecourt (1854), Samson . Paris : J . -
P - Roret et Compagnie. Coleção Les Contemporains; Samson (1882), Mémoires d e
Samson d e la Comédie Française . Paris : Paul Ol lendorf; Veuve de Samson (1898),
Rachel et Samson. Souvenirs d e Théatre . P refácio de Jules C lareti e. Paris : Paul
Ol lendorf .
309
Sobre a hi stória do teatro, convém salientar o curioso “estudo
histórico-l i terário”, de Licínio Fausto Cardoso de Carvalho399
, sobre a
“Origem da Arte Dramática”, que antecede a edição impressa do seu
drama O Rajah de Bounsoló (1854). Nele se refuta a tradição da origem
grega do teatro , considerada uma “enfadonha repeti ção” de t eorias, cujos
autores “uns aos outros se ha m reproduzido, seg uindo as ideas dos
primeiros” (Carvalho 1854: 4). Ao epigrafar a obra com citações de Les
leçons sur l’Histo ire de la Philosophie , de G. F . Hegel , e Sacrifices
humains chez les Hébreux, de Friedrich Wilhelm Ghillany , Lícinio de
Carvalho parece identi fi ca r-se com os princípios de Proudhon e com o
socialismo utópico da geração portuguesa de 1850. A Origem da Arte
Dramática pretende provar a teoria de que o teatro clássico grego seria
direta ou indir etamente devedor do indiano, da sua religião , códigos,
ciência s, l i t eratura , sustentada pela opinião de John Holwell400
. Este
estudo hi stórico -filosófico expõe uma abordagem monogenista da
história do t eatro europeu. Esta corr ente de pensamento, muito em voga
na primeira metade de Oitocentos, e especialmente em Paris no momento
em que Licínio de Carvalho r edige a prefação teórica , defendia uma
ascendência comum para toda s as raças, e a tribuía as diferença s
evolutiva s a um fator hi stórico r elacionado com a migração. A vi são
deste autor acomoda a teoria criacioni sta a uma vertente histórica
399
Natural de Ovar, for mou -se e m Engenharia, no Porto , onde vi veu a maior parte do
t empo e onde acabou por falecer aos 28 anos . Escreveu o drama hi s tórico Os dois
proscr itos ou o Jugo d e Castela, o drama indiano O Rajah d e Bounsoló (1853) , e o
drama de cos tumes varei ros , Os Hallas , cuja ação decorre na praia e cos ta do
Furadouro, junto a Ovar. Es te drama foi escri to em subs ti tuição do Rajah d e
Bounsoló , encomendado pela Sociedade Acadé mico -Dra mát ica para ser l evado à cena
no seu t eat ro part i cular no Porto. A representação do drama coloca va problemas
cénicos, e, no f inal dos ensaios , um desentendimento com u m dos elem entos da
Sociedade faz gorar o projeto , sendo subs ti tu ído por Os Hallas, escri to e m “u ma
semana, e a mor parte na presença d’alguns dos mesmos acadé micos que t inham mot i vado a sua concepçam” (Car valho 1854: x) . O jove m Joaquim Gui lher me Go mes
Coelho (Júlio Diniz) desempenhou o papel principal feminino nes te drama de
cos tumes . 400
O médico-ci rurgião inglês John Zephaniah Holwel l (1765 – 1771) foi o primei ro
europeu que se in teressou em aprofundar o estudo da cul tura Hindu, t endo publicado
In terest ing Historical Events , Relat ive to the Provinces o f Bengal , and the Empire o f
Ind ostan Wi th a seasonable h int and perswas ive to the honourable the co ur t of
d i rectors of the Eas t India Company. As a lso the mythology and cosmogony, f east s
and fest i val s of the Gentoo 's, fo llowers of the Shas tah. And a d issertat ion on the
metempsychosi s , commonly, though erroneous ly, called the Pythagorean d oct rine , 3
vol s . London: T. Becket and P . A. De Hondt
310
cientí fica , legitimando a citação de Proudhon : “La vérité et l a vertu , la
loi et la justice sont historiques” (1999: 67). O estudo compa ratista que
enceta procura a demonstração pela evidência das semelhança s. T ivesse
partilhado a corr ente antagónica poligeni sta , Licínio de C arvalho teria
concluído da possibilidade de exi stência de estádios de evolução
diferentes, em simultaneidade espaciotemporal na globalida de social.
Torna-se, todavia , singular a sua apresentação paralelí stica quando
procla ma o poeta -dramaturgo Kalidâ sa como o “Shakespeare do Oriente”
(Carvalho 1854: 81), ou o teorizador Bharata como o “ Aristóteles da
Índia” ( id ., ib id . : 84).
Em rela ção à teoria teatral, regi stamos a exi stência do opú scu lo de
Rodrigo de Azevedo Sousa da Câmara , Reflexões sobre a Arte -Dramática
(1842), apenas referenciado nas Memórias do Conservatório Real de
Lisboa (p.278)401
, e no Breve Compêndio da Arte Scenica ou Arte de
Declamação (1856), de Francisco Ângelo da Silva Veloso. O
desaparecido folheto de Sousa Câmara, que se dividi a em duas partes,
tra tava da “composição do dra ma” e da “representação em scena”, e
procurava prestar um “serviço aos comediantes”, dando a conhecer
“algumas das r egras geraes a té então ignoradas” (Veloso 1856: 56).
Este Compêndio de Silva Veloso corresponde à primeira obra de
carácter técnico -artísti co redigida por um profi ssional de teatro,
“desejoso de auxiliar os principiantes na di fíci l arte de decla mação”
(Veloso 1856: 8). Através de um diminuto opúsculo de 85 páginas,
“oferecido aqueles que se dedicão a esta arte” ( id . , ib id . : 3), o seu autor ,
“criador e institu idor da associação teatral da rua dos Condes e
contrarregra do Teatro de D. Fernando” ( id . , ib id . : fronti spício), procede
à demonstração da necessidade de se “estabelecer um systema”, que
“aclare” o estudo da arte dramática ( id ., ib id . : 54-55), sobretudo quando,
segundo ele, o Conservatório Dramático n ão cumpria as suas funções. O
autor discorre sobre a organização das sociedades empresárias, segundo
401
Na “X LIV Conferência”, em 1 de Outubro de 1842, sob presidência de Joaquim
Larcher, vice-pres idente do Conservatório e Inspetor -Geral dos espetáculos , no
regi s to de correspondência e expediente, surge mencionada a r eceção de uma carta
de Sousa da Câmara oferecendo um exe mplar do seu opúsculo a es ta ins titu ição.
311
um modelo claro que di stinguisse as funções admini stra tivas e artística s,
entre comediantes, ensaiadores e contrarregra s, ou dir etores de palco:
Ensaiador e comediante são duas cozas distinctas; o Ensaiador não está
obrigado a desempenhar cabalmente tudo quanto pode mandar
desempenhar; […] o Ensaiador hábil não vacila em ensaiar toda e
qualquer peça dramát ica , em quanto que o art i sta, o exímio comediante,
ordinariamente lhe falta aquel le dom perscrutador e vigilante , que o
Ensaiador deve ter; um comediante perito e mesmo insigne em comedia,
não o pode ser no drama, logo não pode ensinar n’este género ( Veloso
1856: 22-23).
A independência do ensaiador salvaguardá -lo-ia do monopólio
empresaria l sustentado pelos “ encómios” de “alguns folhetinist as” e pela
prática subserviente de autores dramáticos, a limentadores da “hidra”
financeira em detrimento da qualidade artí stica . Na de fesa da autonomia
deste cargo, Silva Veloso desenvolve uma teoria de incompatib ilidade de
funções, que impediria que a “cadeira do ensaiador” fosse ocupada por
um indivíduo pertencente à “classe dos comediantes”, c onsiderados os
“principa es chefes do monopólio”, porque “o Ensaiador comediante, ou
há de ensinar, ou emendar -se a si próprio , de defeitos que não pode
descortinar e que nenhum dos seu s inferiores, a inda que lh’os reconheça
ouzaram notar -lhe” ( id . , ib id . : 29-30):
Eu tenho observado que alguns comediantes, depois de haverem
t rabalhado com vantagem em um teat ro, cujo Ensaiador com alguma arte
os d i rigia , do que lhes provinha o seu desenvolvimento, iam para out ro
onda havia um Ensaiador de menos capacidade que lhes fazia perder
todas as vantagens adqui ridas com o precedente; lamento nimiamente o
haverem-se perd ido inte ligências, que bem di rigidas e auxil iadas não só
fariam um d ia a glória e engrandecimento do seu paiz . Eu quizera que
assim como se tem t rabalhad o no aperfeiçoamento de todas as artes, a
d ramát ica merecesse igual solic itude, não permi tindo os governos que
empresa alguma confiasse a d i recção do palco de qualquer teat ro, a
ind ivíduos que não tivessem as necessárias habilitações ( Veloso 1856:
53-54).
Idêntica lógica preside à defesa da atribuição do luga r de
contrarregra, ou diretor de palco , a um ensaiador, único elemento com
habilitações próprias para um lugar exigente de organização do
espetá culo. Contraria -se assim a prática vigente de contratar indivíduos
que nunca “haviam entrado n’uma caixa de t eatro”, na defesa da
312
qualidade artística do mesmo ( id ., ib id , : 3). Silva Veloso sustenta a
escolha de autores para tradutores, como salvaguarda da qualidade da
obra dramática, contra a prática empresaria l vigente de contrata r
indivíduos sem qualifi cação, evitando o pagamento de direitos autorais.
O contrassenso da atitude empresaria l era visível na insati sfação que o
público demonstrava na receção das obras. Era forçoso fechar as portas
do teatro a tradutores “originalistas e imitadores” ( id ., ib id . : 36), para
favorecer o trabalho dos escritores, e permitir a afluência de público ao
teatro, por mérito dos autores dra máticos.
Silva Veloso segue o tradicional modelo didático “em forma de
diálogo, entr e o actor e o di scípulo” ( id . , ib id . : 58), numa espécie de
derradeiro exame oral a um aprendiz de “actrissi smo”402
:
Actor – Que entendeis vós que seja a arte de declamação, ou arte cénica?
Discipu lo – Entendo aquella que nos ensina a representar com
natural idade, qualquer papel de que formos encarregados ( Veloso 1856:
58).
A obra desenvolve uma teoria elementar sobre a representação
realista em cena: expressar adequadamente os sentimentos idealizados
pelo dramaturgo, pelo gesto – fis ionómico, entenda -se – , pela
gesticulação, transmitindo as “di ferentes paixões por que o homem é
dominado”, e pela indumentária , vestido e carac terizado
“apropriadamente e com a maior semelhança possível” ( id ., ib id . : 59). O
estudo assíduo do papel, pela leitura exaustiva até à memorização,
complementar -se-ia com a frequência dos ensaios e o estudo do meio ,
para atingir a “maior verosimilhança pos sível” ( id . , ib id . : 60). Não deixa
de ser interessante que Silva Veloso utilize, num curto espaço textual, os
conceitos de “semelhança” e “verosimilhança”. Muito apropr iadamente
faz-se a di stinção entr e a imagem exterior cr edível e o retra to
psicológico comportamental do papel, su stentado pela verdade de
atuação, que se fundamenta na investigação hi stórica (“história da nação
a que o per sonagem pertence”), sociológica (“discorrer pelos actos de
402
O vocábulo surge no “P rólogo” ao Compêndio , da autoria do ator Vale, como um
curioso neologismo para defini r o mundo diáfano da atuação.
313
sua vida o caracter de que era revestido”) e patológica (“se fo r
defei tuosa na sua construção fí sica”):
O comediante não pode chegar ao grau de perfeição, em quanto não fôr
um fie l imitador, nem pode vi r a ser um verdadei ro arti sta , se fal tar a
qualquer ci rcumstancia , que deixe de iludi r o espectador, que espera
n’elle ver o personagem que muitas vezes conheceu, ou tem delle as mais
exactas informações (Veloso 1856 : 61).
Não obstante, a teoria de Silva Veloso continua escorada no poder
ilusório, conferido tanto pelo guarda -roupa, como pela caracteri zação,
que sustentariam, na ausência das características naturais do ator, o
efeito convincente do retrato. Seguindo as tradicionais teorias sobre a
expressão fi sionómica, de Lavater , dever -se-ia recorrer ao tra balho dos
retratistas, como Charles Le Brun , ou, pelo menos, a coleções de
“estampas apropriadas”, para estudo da obtenção de uma semelhança
romanticamente idealizada403
.
À medida que o Compêndio progride, o exa me do “di scípulo” torna -
se mais técnico, incidindo sobre a s característi cas da caixa do t eatro,
expl icação da estru tura físi ca da sala e perspectiva do espectador,
elucidação funcional dos espaços destinados aos atores, e da
nomenclatura das partes fundamentai s do ofício, a bem do seu
desenvolvimento artíst ico. Como corolário do reconhecimento dos
atributos necessários para “ser um bom comediante” ( id ., ib id . : 79),
Silva Veloso remata o seu manual de bol so com duas resposta s que
definem o seu ponto de vi sta . Enquanto pessoa, o comediante deveria
“saber l er, t er intelligencia mais do que medíocre”, não sofrer de doença
evidente, possuir boas característi cas vocais, ver satilidade histriónica, e
ser estud ioso. Socialmente deveria t er “bom comportamento moral e
civil” , ser humilde e t er “presença de espírito”. ( id . , ib id . : 80) Um
modelo de pessoa e de ator, porque na cena outros “quesitos” se lhe
403
S ilva Veloso l amenta que razões f inancei ras t enham coartado a edição da sua obra
O Ensaiador Mod erno, uma “col lecção de f igurinos antigos e modernos de d iversas
classes da sociedade, e d i fferentes povos , que deveria m ser vi r co mo guia aos
comediantes , assim co mo o desenho de at t itudes demonst rativas das paixões mais
fortes” (S ilva 1856: 10), que antecederia o estudo dos “deveres e at r ibuições , no
desempenho de t ão importantes logares” ( id . , ibid . : 11) de Ensaiador e de
Cont rarregra no teat ro de declamação.
314
exigiam, entre os destina dos ao exercício da profi ssão e os r eferentes ao
seu estatu to social, para conseguir “a reputação na arte de declamar”
( id ., ib id . : 81):
[Compreender] o que lê para conhecer o sentido em que o poeta
d ramát ico escreveu, saber dar à sua voz as entoações conducentes, saber
empregar o gesto tão necessário, quando bem aplicado, devendo procurar
ter a lgumas noções de música, saber escutar -se para se corrigi r, […]
evitar o ser exaggerado na declamação e nos gestos, ter bom gosto na
escolha dos typos, esquivando-se a copiar aquelles que possam tomar a
imitação por ult raje à sua pessoa, fazer com que pela sua conducta e
reputação possa ser admitido na boa socieda de, onde melhor aprenderá a
cortesia e manei ras de sa la, indispensáveis na a lta comédia, e possa
conhecer do t ratamento usado ent re as altas personagens, const itui r -se
fiel observador em todas as c lasses da sociedade, a que deve procurar
chegar, para conhe cer os seus usos e costumes particulares, e
caracterí sticas, aprender alguma coisa dos idiomas, francês, inglez e
hespanhol, saber ao menos um pouco de música, dança e jogo de armas,
e tc. , etc . (Veloso 1856: 81).
A formação do ator sustenta a sua função s ocial, enquanto
representante de uma “arte nobre por natureza, poi s contribui para a
ilustração do povo” ( id . , ib id . : 82), fru to da “ilustração do século, que
faz reconhecer o teatro como um dos melhores passatempos de um povo
civili zado” ( id ., ib id . : 83).
3. Inteligência e sentimento: o culto da Verdade e a realização
do Bem-comum
A revolução de 1820 criou condições política s e sociais para o
aparecimento de sociedades patriótica s, civili zadora s e promotoras do
desenvolvimento materia l do paí s, as quais defenderam o incremento do
ensino e a propagação de conhecimentos cientí fi cos e técnicos. O
regresso dos liberais exilados concreti zou a formação de um epi stema
cultural propício ao surgimento dessas associações. A Sociedade
Promotora da Indústria Nacional foi concebida como um espaço, em que
poderiam “confundir -se a s luzes do sábio, a prática do artista , os
conhecimentos do agricultor, e do negociante, e em geral o concurso
unânime do todos os cidadãos zelo sos”, r egi stam os Annais rela tivos ao
primeiro ano [Maio, 1822: 11]. Defendia -se o conhecimento alargado,
315
fru to da conjugação de ciência s provenientes de diver sas fontes e de
experiências individuais, interligando a academia e o empresário
industria l, pela criação de uma biblioteca e de laboratórios, e pela
publicação de um periódico e de manuais, entre outras a tividades. Em
1834, o aparecimento da Sociedade Industria l Portuguesa veio confirmar
a necessidade de divulgaçã o de conhecimentos cientí fi cos e t écnicos
ú teis ao desenvolvimento do paí s. Do mesmo modo, em 1837, a fundação
da Sociedade Propagadora de Conhecimentos Úteis , ao editar O
Panorama, compendiava informação destinada a um largo espectro da
sociedade:
[O] homem público, o arti sta , o agricultor, o comerciante , ligados a uma
vida necessariamente laboriosa, poucas horas têm de repouso para dar à
cultura do espí rito; e nenhum ânimo, por certo seria assaz curioso de
inst rução para gastar esses momentos em folhear centenares de volumes e
embrenhar-se em meditações profundas que só uma aplicação constante
pode tornar profícuas (Panorama, nº1 , 06 /05 /1837: 2 ).
A par de um si st ema de instrução pública institucionalizado, sujeito
a um programa de ensino, o processo demopédico liberal pretendeu
promover um si stema de educação pública consonante, a través da
imprensa periódica, num processo de generalização da leitura de obras de
divulgação especializada. Todavia , a elevada taxa de analfabetismo
tornava periclitante a exi stência de periódicos espec iali zados, sem um
número de a ssinantes que ju stifi casse a sua manutenção. Ampliou -se a
esfera de ação da sua leitura , pela introdução de outras secções de
carácter cultural. Quando, em 1848, Andrade Corvo e Rebelo da Silva
fundaram A Época - Jornal de Indústria , Ciência , Literatura e Belas-
Artes, são criadas duas secções: a cientí fica e industria l, e a li terária . Na
mesma época (1841 – 1851), a publicação de Almanaques Populares, por
Filipe Folque ou Fradesso da Silveira , procuram ser a li teratura
divulgadora de conhecimentos ú tei s r edigida em linguagem acessível. E,
a inda que a taxa de analfabeti smo não regi ste uma alteração expressiva,
na realidade, as condições económicas e culturais conduzi ram a um
aumento do consu mo de livros, revi stas e jornais, que, associado ao
desenvolvimento t ecnológico na produção de livros, permitiu reduzir o
316
custo dos mesmos. Tal fa cto condu ziu à proli feração de obras
monográ fica s, a partir de 1840. Entre traduções e obras literárias,
veri ficou-se a publicação periódica de pequenos volumes temáticos,
divulgando conhecimento técnico e cientí fico, em áreas específicas. A
burguesia , legitimando a ascensão ao poder “pela aquisição de várias
formas de saber -fazer, de competência”, num “instável equi l íbrio entr e
democratização e eliti smo”, procurava valorizar -se “face à ant iga classe
dominante, ao mesmo tempo que se demarcava das cla sses populares”
(Santos 1983: 8).
Em 1870, o Decreto de 2 de Agosto estabeleceu a criação de
bibliotecas populares em cada capita l de concelho, como complemento
das escola s. O catálogo bibliográfico incluía obras divulgadoras de
conhecimentos gerai s e de conhecimentos profi ssionais, nas áreas
agrícola , industria l, comercial e artísti ca , referenciando inventos,
aplicações e modelos. Dava-se ao leitor a possibilidade de ler as obras,
quer na biblioteca, quer em casa, com o que se promovia o hábito de
leitura , potenciava -se a eventual compra das obras, e promovia -se a
constitu ição de biblioteca s domiciliárias :
O operário, o estudante, o chefe de famíl ia ou o professor, não hesi tarão
em formar a sua biblioteca económica com estes livrinhos que lhe
explicam tudo quanto poderiam aprender em out ros de preços
e levadíssimos re lat ivamente aos haveres da maior parte das pessoas (8 ª
série, 1883, apud Nascimento 2006: 2817 ).
Os manuais, tanto como as obra s dramáticas do repertório do drama
social, constitu íam um produto cultural demopédico, desempenhando um
papel moralizante “mais ou menos consciente” , e consagrando, “a nível
do imaginário” de u ma pequena e média burguesia em ascens ão, “doi s
discursos com uma função complementar para lá da sua especifi cidade”
(Santos 1983: 7):
Discurso do manual e discurso do drama socia l tendem a inculcar
comportamentos, hábi tos (um saber viver ) que não teriam sido
contemplados pela socia lização primária daqueles que const ituíam o seu
públ ico; ao mesmo tempo, criam-lhes expectativas novas, mais
ambiciosas (Santos 1983: 7 ).
317
3.1 . Ciência ao alcance de todos: Biblioteca do Povo e das
Escolas
Terá sido esta a intenção que, em 1881, levou o editor David
Corazzi a designar Xavier da Cunha404
, como diretor li terário de uma
coleção bibliófila , “primeiro epi sódio de livro popular de ma ssa s”
(Domingos 1985: 76), cujos títu los visava m di ferentes áreas de saber,
tendo alguns sido “aprovados pelo Governo para uso da s escolas
primárias” e outros “adoptados nos Liceus e primeira s escolas do paí s” ,
conforme fri sado na contracapa dos opúsculos405
. De linguagem
acessível, para cativar o público l eitor e levá -lo a di sfru tar dos
conhecimentos necessários à sua atividade, a Biblioteca do Povo e das
Escolas seguia princípios idênticos aos que Andrade Corvo definira para
a Biblioteca de Agricultura e Ciência s – “a prática sem ciência mantém -
se perpetuamente na rotina: nem progride nem se aperfeiçoa” (Corvo
1880: 12):
Só a liberdade que vem da consciência do dever e do di reito – essa
l iberdade não só pol ítica, mas pol ít i ca e social – é que representa o
progresso na sua larga acepção: o progresso do povo (Corvo 1866: 4).
A coleção de Corazzi compreendeu 237 livros, publicados du rante
42 anos, entre 1881 e 1913, circulando em Portugal e no Brasi l , onde foi
aberta uma sucursal, no Rio de Janeiro (rua da Quitanda). Publicados
quinzenalmente, a 10 e 25 de cada mês, cada volume continha 64
páginas. A edição dos dois primeiros t eve tiragem de 6000 exemplares,
ascendendo para 12000, a partir do t erceiro volume, e para 15000, a
partir do décimo, indiciando a rápida aceitação popular da Biblioteca.
404
Xa vier da Cunha foi poeta, bibl iógrafo e escritor . Natural de Évora, er a f i lho do
jornal i st a Estêvão Xa vi er da Cunha. Formou -se em Medicina na Escola Médico -Ci rúrgica de Lisboa (1865), t endo pertencido ao corpo clín ico do Hospi tal da
Marinha. Ent re 1902 e a implantação da República, fo i di retor da B ibl io teca
Nacional . Para o t eat ro cot raduziu com Rodrigo de Sousa Montei ro , a comédia Pates
d e mouche, de Victorien Sardou, com o t í tu lo Por causa d e uma carta , representada
no Teat ro de D. Maria II, e m 8 de abri l de 1863 . 405
Sobre o papel da B iblioteca do Povo e das Escolas cf . NA BO , Olimpia de Jesus de
Bastos Mourato (2012), Ed ucação e d ifusão d a Ciência em Portugal : A “Bibl iotheca
do Povo e d as Escolas” no Contexto d as Edições Populares do Século XIX.
Dissertação de Mest rado em Formação de adul tos e Desenvolvi mento local .
Portalegre: Ins ti tuto Poli t écnico de Portalegre/ Escola Superior de Educação de
Portalegre.
318
Cada série era constitu ída por sei s tí tu los (três mese s), que recebiam
uma capa dura como enca derna ção. O empreendimento cultural da
Biblioteca colheu louros logo desde o ano de lança mento, com a Medalha
de Ouro da Exposição do Rio de Janeiro. Em 1882, o reconhecimento
visou o próprio Corazzi , di stinguindo-o com o Diploma Honorífi co da
Propaganda de Ciência Popular, da Associação Napol itana de Propaganda
de Ciência Popular Luz e Verdade – Guerra aos Misti fi cadores do Povo,
e nomeando-o sócio protetor da institu ição, a que se seguiu , no ano
seguinte, o galardão idêntico da Sociedade Napolitana Giambattista
Vico406
. Todavia , o maior reconhecimento, o de u tilidade pública , ser -
lhe-ia conferido por Ramalho Ortigão , em 1888, em elogioso artigo da
Gazeta de Notícias , do Rio de Janeiro , por a ltura da Exposição
Industria l:
Estes pequenos e obscuros l ivros, tão pouco mimosos de elogios, tão
despercebidos da réclame, const ituem já uma das mais completas e das
mais perfe itas bibl iotecazinhas escolares que eu conheço ( apud
Nascimento 2006: 2018).
O sucesso empresaria l da casa -editora David Corazzi , intima mente
ligado ao da Biblioteca do Povo e da s Escolas , tornou -a num caso de
importância industria l, no último quartel de Oitocentos . Paredes meias
com os escritórios da empresa, fi cavam as oficinas de tipografia , que
compreendiam os setores de composição, impressão a vapor, ester eotipia ,
a lçado, brochuras, cartonagens e encaderna ção à máquina.
Existia uma clara intenção de combater os manuais escolares
“eivados de erros grosseiros e vendidos por preço absolutamente
incompatível com a exiguidade dos recursos das cla sses traba lhadoras e
pobres” (1883, 6 ª séri e, nº41), bem como pugnar pela propaganda
instru tiva que tornasse a cessível a todos a s artes, a s ciências e as letras.
Inicialmente concebida como uma coleção de oito séri es, abrangendo
406
F i lósofo napol it ano, Giambat t i s t a Vico, ou Giovan Bat t is t a Vico (1668 – 1744),
tornou-se uma influência para f ilósofos e cient is tas sociai s no século XIX. Em 1725,
publ icou Scienza Nuova, em que perspet ivou o estudo cientí f i co da História, cr i ando
o princíp io universal da h i s tória para todos os povos . A sua t eoria fo i referenciado
por Ju les Michelet e Karl Marx . Cf . MARAGON, Rosa Maria (2007), A evolução da
História do Homem segundo Giambatt is ta Vico . Univers idade Federal de Juiz de
Fora, Cent ro de pesquisas est ratégicas Paul ino Soares de Sousa.
319
sete grandes áreas de conhecimento – Educação Corporal, Zoologia ,
Física , História , Literatura , Jurisprudência e Linguíst ica – , a Biblioteca
expandiu-se a vinte e nove séries, ao longo dos seus 42 anos. Apesar de
muitos títu los serem de autoria anónima, o r epositório abrangeu um total
de 91 autores, dos quais apena s não foi possível identi ficar a profi ssão
de catorze:
Dos 77 restantes, dois eram engenhei ros agrónomos, dois t ipógrafos,
c inco médicos, 22 oficiais mil itares do exérci to e da marinha , um
comerciante, t rês estudantes de d i reito, um farmacêutico, um estudante
de let ras, 18 professores, um telegrafi sta , um ator, quat ro funcionários
públ icos, t rês escritores, um naturali sta , um advogado, t rês estudantes de
artes indust riai s e comerciais, um poeta , um botânico, dois sacerdotes,
um cenógrafo, um estudante de agronomia, dois jornali stas e um
estudante de medicina (Nascimento 2000b: 7 ).
Além desta coleção enciclopédica, a editora publicou as coleções :
Dicionário do Povo (1881), Biblioteca Univer sal (coleção de obra s
primas da literatura), Biografias de Homens Célebres dos Tempos
Antigos e Modernos (1883) e As Grandes Viagens e os Grandes
Viajantes. Por questões de saúde David Corazzi vendeu a editora , em
1888 (Hallewell 2005: 289), dando lugar à Companhia Nacional Editora
de Li sboa, por fusão com a editora de Justino Guedes , que continuou a
publicar a Biblioteca do Povo e das Escola s a té 1902, sendo nessa altura
substitu ída pela empresa A Editora , que assegurou a sua continuidade até
1913.
3.2 . A divulgação teatral na Biblioteca do Povo e das Escolas
O objetivo da Biblioteca do Povo e das Escola s , a “propaganda de
instrução”, evidencia -se no frontispício da s obras, a través da
“vulgarização dos conhecimentos hu manos em todos os seus ramos
variadíssimos”, enunciado no prefácio de Xavier da Cunha , “Quatro
páginas de um prólogo” (1883, 6ª séri e, nº41 ) . Este empreendimento
“civilizador” supriria a fa lta de coleções no mercado português, à
semelhança das que cir culavam em Inglaterra , França, I tá lia e Estados
Unidos da América. A modernidade regeneradora chegava, assim, ao
320
grande público, a través de monografia s equivalentes aos “Manuais Roret,
l idos e estudados em todo o mundo”, como proposto em “ Valha como
prefácio” (1884, 10ª série, nº 73). Corazzi seguia a inspiração da
Encyclopédie fundada por Nicola s Roret , em 1822, tra tando dos saberes
artesanais e t ecnológicos, que chegou até 1930, a través de outros
editores, e em cuja coleção se inseriu o Nouveau Manuel de Théâtre , de
Ari stippe, em 1854.
O modelo industria l equivalia a um modelo civ ilizacional. A
editora , equipada com máquinas a vapor, consubstanciava esse
paradigma de “brilhante predomínio da intelectualidade huma na sobre as
forças brutas da na tureza inconsciente” (1884, 10ª série, nº73). Embora a
escola fosse valorizada como agente cultivador de vir tudes, de
forta lecimento do espírito, de formação do novo homem vitruviano
oitocentista – consciente, escolarizado, civiliza do – , cujo apuramento da
espécie passava pela ilustração, a educa ção correspondia a um conceito
complementar do primeiro, que se a largava à experiência individual , da
qual fazia parte a leitura , a través de obras, em estilo ameno,
completando os inter esses das laboriosas classes populares: “a instrução
fecunda para um povo não é a que os governos lhe abona m, mas sim a
que ele de per si mesmo soli cita” , farpearia Ram alho Ortigão (2007:
1247).
Qualquer opúsculo da Biblioteca do Povo e das Escolas pretendia
ser “um tratado elementar completo, nalgu m ramo de ciência s, artes ou
indústrias, um florilégio lit erário, ou um agregado de conhecimentos
ú teis e indi spensáveis, expostos por forma sucinta e conci sa , mas clara ,
despretensiosa, popular, ao alcance de todas a s intel igências”,
intencionalidade esta que se repete destacada em cada capa da coleção.
Alguma s obras terão sido usadas no ensino escolar, mas a sua dimensão
pedagógica parece -nos ir a lém do didati smo, no intu ito de perspetivar a
formação do grande público, como no ca so concreto dos manuais
referentes ao univer so dramático -teatral.
As obra s de divulgação desempenham, de facto, um papel de r elevo:
hierarquizam, deci fram e vulgariza m o discurso propedêutico
321
(Nascimento 2006b: 142). Entre 1884 e 1890, quatro títu los publicados
visaram direta mente a arte dramático-teatral – Arte no Teatro (1884),
Arte Dramática (1885), História do Teatro em Portugal (1885) e Manual
do Ensaiador Dramático (1890) – , enquanto um quinto, Leitura e
recitação (1885) , apresenta um campo de ação mais abrangente,
extensível a outros a tuantes.
Até 1885, verifi ca -se a edição anónima de grande número de obras
da coleção, como é o caso de A Arte no Teatro (10ª série, nº77) e de
Leitura e recitação (13ª série, nº98). A autoria daquela é, todavia ,
reconhecida, por interposta fonte407
, ao cenógrafo ilustrador Manuel de
Macedo, que a ssina o manual sobre Arte Dramática (15ª séri e, nº116),
entre outros, “vulgarizando a ssuntos ligados às Artes” (Bastos 1898:
758). O professor do Liceu de Setúbal João Salgado resumiu uma
História do Thea tro em Portugal (15ª série, nº120), seguindo o
positivi smo de Teófilo Braga , num tom seco de pendor anti cler icalista , e
Augusto de Mello certi fi cou a função do ensaiador, no seu Manual do
Ensaiador Dramático (24ª Série, nº187).
Qualquer das obras cumpre a pretensão de Corazzi – “um agregado
de conhecimentos ú tei s e indi spensáveis , […] ao alcance de todas as
inteligência s” – , mas serve também um ideal políti co, sucessor dos
melhoramentos materia is, que pugna pelo retorno aos melhoramentos
intelectuais, em revisita ção republicana da essência setembri sta :
Para cada povo a arte é a segurança da t radição, o refúgio das
consciências, o mais puro reflexo da imagem benigna da pát ria, a fo nte
mais caudal de todos os progressos, morais, económicos e a té polít icos,
para cada homem, na tortura de tantas incertezas morais, na mágoa e na
ruína de tantas crenças ext intas, de tantos ideais desfe itos no
melancólico decurso da nossa idade, a arte é ainda – como d iz
Schopenhauer – a única flor da v ida (Ortigão 2006: 108; itálico
original ).
407
A. Victor Machado explicit a a sua autoria na referência bibl iográfica e no
prefácio da edição de Guia prático de encenação , Li sboa: Ferrei ra & F ranco, [19 -] .
322
4. Das palavras aos atos: a Arte Teatral afirma o naturalismo-
realismo na cena
Seriam preci sos tr inta anos para que se cumpri sse o desejo de Silva
Veloso. O espa ço vazio da refl exão técnico -artí stica sobre a arte de
representar acolheu, a partir de 1884, o aparecimento de publ icações de
literatura teatral, que visaram a formação de um gosto popular, entre
fazedores e fru idores, que estendia o espírito de Rangel de Lima para as
Belas Artes, ta l como o expressara na década anterior no programa da
revi sta Artes e Letras :
Difundi r no povo o gosto por esta subl ime manifestação das faculdades
humanas; encaminhar o melhor que possamos, os que […] por fal ta de
educação artí st ica não estão habi tuados para dist ingui r o bom do mau, o
belo do vulgar (AL, Janei ro 1872: 1 ).
A defesa da arte, essa condição “inerente à natureza humana,
progressiva e eterna”, capa z de a ssociar os homens “no destino e na
solidariedade da espécie” (Ortigão 2006: 107) assume-se com valor
identitário, como “trabalho coletivo da comunidade, na literatura , na
arquitetura , na música, na pintura , na indústria e no comércio” ( id .,
ib id .: 108), como crença no espírito d e per fectibilidade do homem e das
sociedades:
É pelo culto da arte, e pela educação artí stica que esse culto compreende,
que a produção indust ria l se especializa, se valoriza pela originalidade
caracterí stica do produto, e t ransforma pela prosperidade, unicamente
determinada pelo ensino, toda a economia de uma nação (Ortigão 2006:
107) .
A Arte no Teatro abre o conjunto de obras que constituem uma
espécie de “pentateuco” da arte dramático -teatral. Cinco obras de quatro
autores, que vulgariza m o fenómeno teatral, citando autoridades
estrangeiras, mais implícitas do que explícitas, c onsti tuem um
palimpsesto da cultura das artes de palco408
. Manuel de Ma cedo toma
para si objetivos especí fi cos, quando abre a obra, epigra fando um
excerto do prefácio -programático garrettiano em Um Auto de Gil Vicente .
408
Cf. Apêndice 18. Referências bibl iográficas de alguns autores . Procurámos
entender a base de es tudo que sus tenta a t eoria das obras portuguesas at ra vés da
b ibl iografia contida, nem sempre de forma expl íci t a.
323
Quarenta anos depois, o Teatro continua a ser para ele o grande meio
civili zador, próspero , formador de gosto, de hábitos, u ma forma
essencial de comunicação e sociabil idade. Tornam-se evidentes as metas
e os destinatários que pretende atingir , quando propõe satisfazer “a
curiosidade l egítima” da “minoria inteligente que se inter essa pelas
mani festações das artes p lástica s no Teatro”, “ iniciando o público em
geral nos segredos da di fícil arte de combinar espectáculos” (Macedo
1884: 5), na esteira de Jean -Pierre Moynet , em L’envers du théâtre:
machines et décorations (1873):
Les spectateurs qui assistent à la représentation d’un opéra, par exemple,
ou d’une féerie, voient se succéder devant eux des changements à vue,
des t ransformations, des effets magiques qui les é tonnent ou les charment
sans que la plupart d’ent re eux se préoccupent beaucoup de ce qu’i l a
fa llu d’invention, d’art, de science, de t ravai l pour produi re sur eux
toutes ces il lusions (Moynet 1873: [i ]).
Ainda que a ver são iniciática lusa não apresente igual pitoresco
descritivo da francesa, cujo narrador, um porteiro da Ópera de Paris, nos
guia pelo interior do t eatro, o di scurso de Ma cedo nã o deixa de ser
imagético , procurando que o l eitor vi sualize o processo de construção do
espetá culo, a través do enunciado da s di fer entes fases e dos respetivos
setores t écnico -artísti cos, viajando por uma torre de babel de artífi ces
escondidos do olhar público, por um universo dinâmico subordinado a
uma mundividência ancestral: todo o mundo é u m teatro e todo o teatro é
um mundo. A defesa do reali smo em cena, a través do estudo laborioso da
observação da realidade, transmuta o concei to de cenogra fia , enquanto
modelo idealista , fa l si fica dor da natureza, em modelo naturalista ,
fundado na veri fi caçã o da natureza. A ilusão de ó tica criada pela antiga
forma de perspetivar o cenário ganha a tr idimensionalidade própria dos
dioramas daguerrianos, na caixa do palco.
No ano seguinte , Macedo r etoma a escrita sobre a a tividade t eatral,
em a Arte Dramática , um “pequeno resumo que vulgariza as ações e
princípios”, ou seja , um manual para o “cultivo da arte de representar”
(Macedo 1885: 7):
324
A arte dramática ou arte de represen tar é a mais di fíci l de todas as
artes, porquanto o a tor, no exercício da sua profissão espinhosa, acha -se
privado quase em absoluto da cooperação dos vários processos materiais
e elementos auxi liares de que dispõem em tanta abundância os out ros
mesteres art í st icos, tendo a inda que abdicar constantemente da sua
personalidade para assumir de cont ínuo individualidades as mais variadas
e por vezes as mais opostas, ci rcunstância que coloca os cultores da arte
d ramát ica em condições especia is e lhes exige aptidões especiais também
(Macedo 1885: 3 ; i tálico original ).
Macedo sumariza o objeto e o destinatário do conteúdo dessa arte,
cuja popularidade advém do “dom de impression ar e comover o público”,
da capacidade de transmitir de forma “direta , viva e animada ”, ideias e
sentimentos a través da “representação materia l de factos de toda a
espécie”, entendíveis por “ toda s as inteligências” ( ib id .: ib id .) . Na
impossibilidade de escr ever uma hi stória sobre o “instinto dramático”,
pela inexi stência de “monumentos duradouros” do ta lento dos atores, de
cujos trabalhos transitórios “só fica a memória nos comentários e crítica s
dos escritores seus contemporâneos” ( id ., ib id . : 7), sobrevive o
argumento que o estudo da “arte dra mática e [da] declamação nas épocas
mais modernas” leva a compreender a “ transformação da arte de
representar conforme o sentido r estrito da palavra” ( id . , ib id . : 8). Na
divi são da obra em duas partes – “A Arte Dramática nos t empos
modernos”, que analisa sucinta mente o panorama artístico dos t eatros
europeu e norte -americano, e “A Arte de Representar” , que ensaia uma
sociologia do comediante – , Macedo enuncia “os preceitos mais gerais
em que se funda a arte de representar” ( id ., ib id . : 24), tendo como
mentor explícito Joseph Isidore Samson , a tor da Comédie Française ,
professor do Conservatório de Paris, entr e cujos di scípulos se encontrou
um dia a trágica Rachel , figura modelar para Sarah Bernhardt . Macedo
segue L’Art Théâ tra l (1863–65)409, precetiva em oito cantos, em ver so
alexandrino, em que Sa mson exalta de forma quase épica o papel do ator,
e das responsabilidades inerentes à sua profi ssão:
409
A obra t eve reedição pós tuma, por in iciativa da f i lha do ator . L’Art Théatral .
Nouvel le édit ion , accompagnée de huit por trai ts , précéd ée d ’une int rod uction d e
Si lvain, d e la Comédie Française . Paris : Dorbon-Aîné, [s .d. ] ; e uma 3ª edição,
i lus t rada por G. Jacquet , em 1882. Manuel de Ma cedo poderá t er t ido acesso a
qualquer uma delas .
325
De cet art enchanteur, si longtemps out ragé,
Que la raison défend cont re le pré jugé,
Où doit briller du cœur une étude savante ,
Et par qui sous nos yeux la pensée est vivante,
Qui d’un mobile acteur fai t tant d’hommes divers.
J’essaierai de t racer les leçons dan s mes vers.
(Samson 1863: 1 )
A Arte no Teatro e a Arte Dramática compõem o dípti co macedeano
sobre a mimese teatral, pretende ndo fornecer e lementos decifradores da
arte, para dar a conhecer o signi ficado profundo do espetáculo,
expl icando o il egível dramático posto em cena, e sublinhando o papel do
espectador, enquanto “cidadão que não é letrado nem teórico, ma s
simplesmente um ser impressionável, um átomo do grande públ ico, que é
no fim de tudo qu em faz a arte” (Queirós 1981: 38). A obra Arte no
Teatro afirma o cenógrafo como produtor de sentidos vi suais, que
ampli fica m as ressonâncias textuais, e desvenda a ilusão r ealista , “um
dos filhos hi stóricos da produtividade da mimese” (Oliveira 1997: 18):
O palco mimético, em sent ido ari stotélico e , ainda mais, no sent ido da
sensual idade do reali smo burguês, procurou t ransforma r a cena num
verdadei ro theatrum mundi , mobilizando com o andar da História , o favor
das diversas artes que, no espectáculo teat ral , se vieram a juntar ao
fe itiço da palavra dramática ( Ol ivei ra 1997: 32-33).
Macedo, como veremos adiante, a inda que mantenha a obediência
do teatro à autoridade de uma textualidade precedente, introduz agora,
com maior conscienciali zação do que Silva Veloso, uma noção moderna
de autoria do espetáculo teatral, privil egiando a teatralizaçã o do materia l
escrito. Teatro é convenção, ou seja , um contrato de mediação entre o
espetá culo e o espectador, sustentado pela mimese e pela ilusão, quer
como jogo ( i l lusio ) , quer como engano ( i l ludere ) . Nesse sentido, à
sugestão mimética do drama, constru ída na per spetiva do público, como
“extensão pragmática da própria fabula”, associa -se “a sugestão
per suasiva do mundo”, que se torna patente pela arte de r epresentar ( id .,
ib id .: 33). A sua explicação almeja consciencializar o espectador para a
realidade complexa da ilusão teatral fru to da encena ção, que procura
representar o mundo social e geográfico previ sto na obra dramática. A
convivência com os acontecimentos da cena traduz -se num pacto lúdico
326
de identi ficação com a fábula dramática e com a função teatr al, em que
todo o realismo artí stico não passa de uma imagem estili zada, de uma
i lusão do real, que depende das c ircunstância s, “qui la rendent plus ou
moins di ffici le à produire”, como “equacionou” o autor De la poésie
dramatique (Diderot 1771: II , 272):
L’ illusion est seule d’un côté. C’est une quantité constante qui est égale
à une somme de termes, les uns posi t i fs, les aut res négat i fs, dont le
nombre & la combinaison peuvent varier sans fin, mais dont la valeur
totale est toujours la même. Les termes posi ti fs représentent les
c i rconstances communes; & les négati fs, les ci rconstances
ext raordinai res. Il faut qu’elles se rachètent les unes par les aut res.
L’ illusion n’est pas volontai re , celui qui di roit, je veux me fa i re il lusion,
ressembleroi t à celui que di roit : j’a i une expérience des choses de la vie
à laquelle je ne fera i aucune at tent ion ( Diderot 1771 : II, 272).
A consciência do processo, que Macedo advoga, traduz um pacto de
fingimento entre a produção dramática, a r ealização plástica do
espetá culo e a receção estética do espectador, “uma dinâmica que
interliga a nossa percepção da realidade e a criação de um espaço mental,
entre um mundo r eal e um mundo referencial” (Oliveira 1991: 38). Do
ponto de vista da imagem vi sual, estamos perante a definição que Dürer
a tribuiu à perspectiva, uma Durchsehung, uma visão através de uma
imagem. A nova imagem materia lizada co rr esponde à idealização de uma
anterior, torna -se numa representação artísti ca , cujo espaço é
determinado pelo sujeito, cujas “forma s fazem parte do momento em que
o espaço, como imagem de uma visão do mundo, é sujeito à purificação
de misturas subjectivas, por acção da Filosofia (Descartes ) e da Teoria
da Per spectiva (Desargues)” (Panofsky 1999: 65):
Ao t ransformar a ousia (realidade) em phainomenon (aparência), a
perspectiva parece reduzi r o divino a simples tema da consciência
humana. E, exactamente por esse mot ivo, a perspect iva alarga a
consciência humana e fá -la receptáculo do divino. Não será , pois,
resul tado do acaso que esta visão perspectiva do espaço se tenha imposto
no decurso da História da Arte, em dois momentos. P rimeiro, assinalou
um fim, a queda da teocracia da Antiguidade. Mais tarde, marcou um
começo, o da “ant ropocracia” moderna (Panofsky 1999 : 67).
A ilusão no t eatro, que uma estéti ca não realista sustentara durante
séculos como verosimilhança, na presunção de que a palavra valia como
327
expressão do pensamento objetivo num teatro de espetáculo,
“representação de todas as representações” (Derrida 1989: 264, apud
Oliveira 1991: 39), dá lugar a um teatro de ilu são, com o advento do
drama realista burguês. Mesmo que se mantenha o fenómeno de
encantamento do espectador a través da fábula , “estru turação causal dos
factos” (Oliveira 1991: 40), a imitação das aç ões hu manas dá lugar à
imitação da natureza, fonte de perfeição, já que o “teatro di stingue -se da
literatura pela iconiza ção dos seus emissores e pela reconstitu ição
(mesmo que seja necessariamente fal sa) da situação de enunciação”
(Pavis 2003, cit. Oliveira 1991: 43). Desta compreensão participa
Macedo na explica ção da Arte Dramática e da função do ator, enquanto
mediador entr e o autor e o público. Como Diderot , defende a sobriedade
da representa ção dentro do quadro instalado na cena, cuja moldura do
proscénio facilitaria a criação de um diorama da guerriano, espécie de
teatro anatómico do drama burguês, enquanto “máquina interpretativa,
onde as imagens e os actores sociais espelham no campo simbólico os
seu s mecanismos a fectivos ou políticos” (Oliveira 1991: 59):
O reali smo oi tocenti sta pretendeu co nfundi r-se com essa mesma
realidade, reti rar o teat ro do teat ro e , ao querer exibir -se como visão
imediata e neut ra do empírico, obrigou o espectador a assist i r
discretamente a um quadro da/e vida, em que a quarta parede simbol izou
o seu afastamento impote nte da acção do palco. A autoridade disfarçada
deste modelo comunicativo condicionou fortemente o sentido da
recepção. A ideia de partic ipação do espectador, proporcionada pelo re -
conhecimento progressivo do real, foi o cont ributo impressivo do teat ro
na great illusion of rea li sm. […] Neste palco, a personagem de ficção
serviu-se do corpo do actor para ascender à referencia lidade comum
(Olivei ra 1991: 63-64).
A Estética Naturalista (1884), de Júlio Lourenço Pinto , publ icada
no mesmo ano que a Arte no Teatro , contribui para esta nova situação da
retórica naturalista portuguesa, em que a “ imitação” da realidade
necessitar ia de uma “construção” da realidade, e, por isso, o
psicologi smo naturalista deveria ser su stentado pelo cienti smo reali sta .
Trata-se de criar uma “disciplina mental” suportada pela filosofia
positivi sta, “um seguro critério filosófico” que sugerisse “uma
concepção verdadeira de univer so”. Sem que a arte fosse “tributária da
328
filosofia e da ciência”, era preci so “dirigi -la para o rumo das suas
genuína s fontes de inspiraçã o, identi fi cando -a com os métodos mais
exactos e adequados à investigação do verdadeiro” , da “análise para a
síntese”, “do objectivo para o subjectivo”, “da realidade para a
interpretação, da observação para a imaginação criadora” (Pinto 1996:
18). Não obstante esta premissa pedagógica, Lourenço Pinto considera
que a implantação do naturalismo no teatro é “mais di fícil do que no
romance ou na poesia”, porque a arte cénica “carece de uma certa
ilusão”, de “efeitos de óptica teatral” , arreigados no pú blico pela
tradição, reforçando as “ impressões que r emonta m aos órgãos superiores
da ideação”, reforçadas pela “representação exterior da real idade”. A
“nova fórmula” colidiria , então, com a espetacularidade cénica, que
“confina com a fanta smagoria e propende à exageração e ao fa lsea mento
da verdade” ( id . , ib id . : 145). Na defesa de sua dama, os t eór icos deste
pentateuco da arte dramática procurarão, à sua medida, obstar à
reticência sobre a “difi culdade em educar para o verdadeiro espectador
habituado a ver fa lso” ( ib id .: ib id .):
A acção dramática que vemos desdobrar-se no palco é mais comovente do
que aquela que só pela lei tura se representa no i solamento da nossa
íntima sensibil idade int rínseca. O teat ro é mais impressionador com a
representação material das imagens que evoca, do que o romance que só
pelo esforço da imaginação dá vida e relevo à realidade evocada ( Pinto
1996: 146).
As relações entr e arte e natureza, entr e arte e perceção, entre
realismo e ideali smo, entr e imitação e embeleza mento, são dicotómica s e
constituem um “patamar nessa ascensão para o absoluto” (Huisman 2000:
116):
Se a arte é real i sta no sent ido de afastar as convenções ut ilitárias, de
se interpor como uma cortina ent re os seres e nós, ela pode ser
ideal i sta na medida em que procura uma prospecção mais di recta e
mais profunda, efect uando correcções relativamente aos nossos hábitos
percept ivos, e é preciso ter em conta , ent re as duas dout rinas, todo o
leque das pesquisas do c lassicismo (que aponta para a essência), do
romantismo (que tem em mira a vida e a cor), do naturali smo (que
aponta para o facto), do impressionismo (que aponta para o di recto e
para a frescura), do simbol ismo (vi rado para o matiz e para a relação),
329
do cubismo (que visa a est rutura e a geometria), do surreali smo (que
visa a t ranscendência), etc. (Huisman 2000: 115).
O movimento naturalista -realista , propondo-se renovar
“completa mente a educação intelectual” , procurou “educar o senso
artístico na contemplação da natureza através da ciência moderna” (Pinto
1996: 146). O drama de atualidade, substitu indo o drama romântico,
valorizou o quadro da história quotidiana , em detrimento d o quadro da
História univer sal . Consciente di sso , Augusto de Mello a firma o estatu to
artístico do ensaiador, sugerindo uma dimensã o próxima dos modernos
conceitos de encenador, entre cujos predicados deveria estar a “madura
experiência das coi sas da vida e o conhecimento íntimo de todas essa s
convenções” (Mello 1890: 5). A sua abordagem metodológica estr eita a
relação entr e a abordagem dramatúrgica e a montagem do espetáculo,
segundo critérios de observação e crítica da natureza e das paixões,
inferido do ensaio de Lourenço Pinto :
É na vida contemporânea, na real idade ambiente que actua sobre nós, que
põe em conflagração toda a nossa sensibilidade ext rínseca e int rínseca, é
nas sugestões dos modelos vivos, que se assimi lam e t ransubstanciam,
que se oferece um fundo inexaurível de vi talidade e renovação artíst ica.
[…] O drama e o romance vivem principalmente da v ida contemporânea,
e , sendo a sua melhor expressão, serve melhor a histó ria do que a
histó ria serve a arte (Pinto 1996: 149).
O ensaiador constitu i -se, portanto, como o elemento de
harmonização da obra cénica, entre o autor dramático , o cenógra fo, o
maquinista , e o a tor, cada qual interpretando um modelo em que se
inspira , imprimindo “à natureza assimilada pela observação o relevo da
própria originalidade inventiva” ( id ., ib id . : 152). A visualidade
espeta cular, equivalente ao elemento descritivo do romance , esclarece e
completa a situação dramática. De forma sin téti ca , observando as leis da
ótica , não pa ssa de uma ilusão de r ealidade. Quando Mello critica a
artificia lidade dos excessos naturalistas de que o t eatro se revestira para
agrado do público, exigin do mais e mais efeitos de reali smo espetacular,
reitera a crítica de Lourenço Pinto, na assunção de que um realismo
cénico jamais deveria transplantar “para o palco a natureza em toda a
330
plenitude da realidade”, mas apenas “evocar a coisa representada como
ela realmente exi ste” ( ib id .: ib id .) .
Não obstante, a escola realista poderia ser limitativa da capacidade
interpretativa do comedia nte, tendo em conta que a palavra é “um ato de
matriz intelectual, que é posto em prática com o auxílio dos sentidos”
(Spengler 1993: 79). Num breve ensaio críti co, “Escola realist a – Escola
romântica”, um inominado articulista do periódico Os Theatros
(28/11/1895: 4) chegou a propor que a dicção, o “principal esteio” da
escola r ealista , se limita sse à comédia em exclusivo, quer pela ação, quer
pela linguagem “quasi familiar” de que se revestia . Shakespeare jamais
poderia ser r epresentado como um “ moderno urdidor da alta comédia”.
Simplifi car o estilo declamatório, “seria o aniquilamento de todo o
trabalho poéti co, seria mesmo um sacril égio”. Em suspenso , deixa va a
ideia de uma nova escola , que congloba sse “ o ideal com o r ealismo”:
O actor que reúna estas qual idades e saiba appl ical -as convenientemente,
será o que melhor tem servido a arte ( Os Theatros, 28/11/1895: 4 ).
Na gestão das sensibilidades artística s no teatro , Mello enfat iza a
complexidade da dir eção de cena, na extrema di ficuldade em disciplinar
o trabalho dos atores, para conseguir o objetivo primordial de ser um
afinador da corda sensível do intérprete na elaboração do estudo
orientado do carácter da per sonagem e na construção do pa pel. A su a
insi st ência constante na necessidade do “poder da sinceridade” consti tu i
a base da construção reali sta de interpretação, sujeita obviamente à
“relatividade indispensável da cena” (Mello 1890: 54), como afirmara
Lourenço Pinto:
Os sent imentos que o arti sta estudou podem destacar -se verdadeiros e
ní tidos, mas os personagens, deficientemente anali sados, nada têm de
vivo e humano; são figuras fact ícias que se movem como autómatos para
exibi rem num ró tulo esses sent i mentos gerais que o autor estudou. Se há
análi se no documento humano é só para insuflar vida a uma determinada
fibra do coração, ou a uma dada ci rcunvolução do cérebro, no resto o
ind ivíduo, inânime e inane, fica reduzido a uma mecânica, representa um
sent imento verdadei ro, mas não vive . É um símbolo e uma abst racção
ambulante (Pinto 1996: 153).
331
Por seu lado, Luís da Costa Pereira procurou colmatar esta “análise
do documento hu mano”, nos Rudimentos da Arte Dramática , destinados
objetivamente a estabelecer bases t eóricas sobre instrumentos
fundamentais na interpretação reali sta das individualidades dramáticas,
segundo princípios cientí ficos de análise da expressão dos sentimentos,
bebidos em L’Expression des émotions chez l’homme et les animaux
(1890) , tradução francesa da obra de Charles Darwin .
As teorias evolucioni stas determinaram ajustamentos na doutrina
positivi sta . Jú lio de Matos, divulgador em Portugal da filosofia
biologi sta de Comte, considerava ser impossível “a um positivi sta deixar
de a ceitar o transformismo como hipótese l egítima” ( apud Santana 2007:
40)410
. Desde 1865 que a teoria darwinista vinha sendo difundida, tanto
nos meios académicos, como na imprensa . As suas pressuposições
filosófico-culturais implicava m a “substitu ição da perspectiva estáti ca da
ordem natural […] por uma perspectiva dinâmica e causal, […] uma
compreensão radicalmente nova da origem e evolução dos seres vivos”
(Santana 2007: 40). Sustentada pela antropologia e pela anatomia
comparada, a psicologia humana definia o Homem como um “produto
essencialmente orgânico”, reduzindo a “dimensão espiritual a mero
epi fenómeno decorrente da química cerebral e do sist ema nervoso” ( id .,
ib id . : 52) . A análise de Luís da Costa Pereira sustentá -lo-á na aplicação
teórico-prática ao trabalho do ator na construção do papel, a partir do
entendimento da s emoções, segundo uma per spetiva fi siologi sta .
A medicina substitu i -se à metafí si ca e à teologia na compreensão do
Homem, ao mesmo tempo “corpo e espírito”. Na medida em qu e a doença
deixa de ser considerada “meta fí sica do mal” ( id ., ib id . : 55), os
fenómenos patológicos que a obra dramática coloca em cena pa ssa m a ser
considerados como “perturbações ou desvios do equilíbrio natural” ( id .,
ib id . : 56). Para trás fi cam Les Passions de l’Ame (1649) , de Descartes, e
os Éléments de Physiologie (1774-80) , de Diderot, substi tu ídos pela nova
análise que explica “as rea cções psicológicas com base em sedes e
410
Carta a Teófilo Braga (06/11/1878) apud J. Seabra Dini s (1966), “O pos it ivi smo
na vida e na obra de Júlio de Matos”, Perspect iva Humana , I, Li sboa: Portugál ia, ci t.
por Santana 2007: 46 , nota 24.
332
estímulos corporai s” ( ib id .: ib id .) , na ótica de um ator fi siologi sta ,
intérprete de padrões de comportamento e de éti ca , colhendo em
“flagrante a paixão, as expressões viva s em plena acção” (Queirós 1981:
30), retra tando os sujeitos “o mais r eal e mais humano […] como nu m
tratado de medicina” ( ib id .: ib id .) .
Costa Pereira pretende sustentar uma sociologia do comediante , uma
cultura de especialização profissional, uma nova pedagogia e d idática de
escola de arte dramática r ealista , em suma, uma “ciência” do ator
enquadrada nas ciência s sociai s e humanas. A sociologia redefine o
campo lit erário, const itu i -se como base de sustentação social, ocupando
o lugar da tradição hermenêutica na descrição da sociedade. Como o
romance, o teatro não podia escapar à pressão da ciência , cuja verdade
ficcional definia a co municação artísti ca , reforçava a interpretação da
realidade, que se pretendia como verdade fa ctual. Na mediação entre
autor e público, o comediante continuará a ser o porta -voz da quele, em
que o “bien dire a jouteroit l es applaudissements qu’il obti ent touj ors au
relief de ce qu’on peut nommer le bien écrir e” (Lemercier 1818: 23). A
mediação comunicativa entre autor, texto e l eitor a través de convenções
estéti cas e institucionais que definem o grau de fi ccionalidade da obra
literária , torna -se mais complexa na obra dramática, decorrente da sua
transfiguração em obra cénica – autor, texto, ensaiador, …, ator, público
– , cujo processo de mediação pa ssa por vários canais. A estéti ca realista
faz preceder o factor ideológico do prest ígio da ciência , e, nessa medi da,
o dramaturgo a firma -se enquanto projeto estéti co, na capa cidade de
veicular um conhecimento exterior à esfera literária .
Do mesmo modo, o a tor, enquanto mediador da representação entre
o autor e o público, constitu i -se como reintérprete do trabalho aut oral,
em sintonia com o seu tempo, integrando a dinâmica do progresso social,
como desenhista das individualidades sociais, modelizando o real, numa
forma mimética idealista à escala humana, enuncia do por Lemercier a
propósito do ator Talma :
333
[O] comediante ao emprestar a sua voz aos nossos poetas era elle próprio
um poeta: pois, como eles, dava real idade às mais chimericas imagens
(apud Gomes 1906: 41).
O processo dedutivo -indutivo proposto por Costa Pereira aproxima -
se da metodologia experimental de Claude Bernard , “o verdadeiro autor
do naturalismo” (Queirós 1981: 38), segundo Chevreul :
Un phénomène frappe vos sens; vous l ’observez avec l’intention d’en
découvri r la cause, et pour cela, vous en supposez une dont vous
cherchez la véri fication en insti tuant une expérience. Le raisonnement
suggéré par l’observation des phénomènes insti tue donc des
expériences […] parce qu’en défini tive l’ expérience est le cont rô le, le
critérium de l’exact itude du raisonnement dans la recherche des causes
ou de la vérité (Chevreul 1856: 27-29).
Ao ator competia compreender as causas, dominar as condições de
exi stência dos fenómenos, e elaborar uma interpretação verdadeira em
cena, produzindo arte, enquanto “estudo dos fenómenos vivos e não a
idealização das imagina ções inatas” (Queirós 1981: 38). Através do
realismo interpretativo alcançar -se-ia uma função superior do verdadeiro
artista : sinteti zando uma experimentação no mundo moral, constitu ir -se-
ia como retrato v ivo do microcosmo das paixões humanas, veiculador de
uma ciência moral, l ibertadora e orientada para a felicidade humana: “ce
n’est pas un métier que vous faites, mais un art que vous exercez”
(Lemercier 1818: 24).
A adoção do método experimental sublinhava as capacidades de
observação e de experimentação, a través de um lato espectro de funções,
desde o sociólogo prático, ao hi storiador e ao investigador da s ciências
sociais e política s, como defendia Zola , no Roman Expérimental (1880) .
Esta per spetiva de “enquête sur la nature, les êtres et les choses” (Zola
1880: 423) sustentaria o constante trabalho de atualização do ator na
compreensão dos fenómenos hu manos e sociais. O estudo da “cause
prochaine ou determinante des phénomenes” ( id ., ib id . : 28) constitu ía a
função da escrita li terária do autor dramático e do romancista , enquanto
expressão da verdade social, e da qual partilhava m o ensaiador e o a tor,
na escrita de cena. O ator constitu ir -se-ia , assim, como um co-autor da
representação cénica, e la própria representação da representação. Os
334
problemas de definição do seu papel “no fecundo e va sto ca mpo da Arte”
(Gomes 1906: 21) foram leva ntados por João Reis Gomes, em O teatro e
o actor: Esboço philosophico da Arte de Representar :
A literatura dramát ica na sua evolução constante, vae obrigando o arti sta
de palco a afastar -se, cada vez mais, da sua origem d’humildade e
ignorância, para fazel -o ascender aos mais elevados postos da le gião
sagrada, a ocupar lugar ent re os que combatem e ponti ficam no culto
glorioso da livre produção do Bel lo ( Gomes 1906: 21-22).
Interrogando-se sobre a inteligência e os dotes fí sicos do ator, o
autor equacionou a relação do ator com o teatro , como um “problema de
filosofia da arte” ( id . , ib id . : 22). O comediante seria um debi tador,
bastando-lhe o “ ta lento” e os dotes fí si cos para convencimento do
público , ou, pelo contrário, seria um criador, e “por consequência um
artista na accepção mais nobre e phil osophica da palavra” ( ib id .: ib id .)?
Se a transposição de um modelo cientí fi co para o campo da lit eratura não
se mostra pací fi ca e linear, muito menos o será para a representação
cénica, tão ou mais subjetiva, mesmo que Costa Pereira e Augusto
Garraio pretendam uma objetividade metodológica. Um intrínseco
paradoxo de comediante, qu e a invocada autoridade de Lekain411
, pela
leitura de Lemercier412
, parece querer resolver:
L’âme est la première part ie du comédien; l’intel ligence, la seconde; la
vérité e t la chaleur du débit la t roisième; la grâce et le dessin du corps la
quat rième. Bien savoi r les rôles, étudier la prosodie, ne perdre jamais de
vue la nature simple, noble et touchante; penser que l’intelligence ne
s’acquiert que par de mûres réflexions, et le talent par un travail
opiniât re; montrer toujours le personnage; employer le pittoresque avec
ménagement; êt re aussi vra i dans la dic tion du détai l que dans les grands
mouvements de la passion; voi r son art en grand; ne pas rendre ses
ré ticences t rop fréquentes; montrer toujours la noblesse , même au travers
de la légère té; évi ter de t rop saccader la d ict ion; ne pas pleurer ce qui
n’est que l’effe t d’un âme saisie e t concent rée par la douleur; porter une
411
O ator Henri Louis Lekain surge como referência permanente dos es tudiosos
portugueses da arte dramát ica, na qual idade de primei ro ator -ensaiador que imprimiu
d i scipl ina no Théâtre Français . A es te respei to , cf. a t ese de doutora mento de
Damien Chardonnet -Darmai l l acq (2012), Gouverner la scène: Le système panoptique
du comédien LeKain . Pari s: Univers i t é Pari s Oues t Nanterre l a Défense. 412
João Reis Go mes , e m O Theatro e o Actor: Esboço philosophico da ar te d e
representar (1905) , ci t a, ainda que sem menção di reta, a obra de Népomucène -Louis
Le mercier , Du second Théâtre Français , ou Inst ruct ion rela ti ve a la d éclamat ion
dramatique (1818) , de que t raduz excertos.
335
attet ion continue à la scène, et s’identi fier avec son personnage
(Lemercier 1818: 5 -6).
O método experimental que Claude Bernard aplicou à medicina –
observação, hipótese, experiência , resultado, interpretação, conclu são –
pode servir nesta pretendida formação t eórico -prática da arte dramática,
associando-se à conceção proudhoniana da arte como pedagogia social, o
“produit de la nation” (Zola 1893: 30) e a reivindicação de Zola , o
“produit de l’ individu” ( ib id .: ib id .) . Se Bernard reivindica para a
medicina o estatu to de ciência , a té então entendida como arte, o
dramaturgo naturalista -realista institu i o processo espelhadamente
inver so. A originalidade cénica surge da observação dir eta da realidade,
como uma tela vigorosa, sem idealidade, como a representa ção que o
cliché fotográ fico regi sta da realidade present e . A per sonalidade do
artista ficaria sujeita ao controlo da verdade, à qual, segundo Costa
Pereira e Augusto Garraio , o intérprete subordinaria a ideia ou
sentimento pessoal, estabelecendo assim o ponto de partida da
elaboração de uma hipótese de papel cénico. O enfáti co estilo romântico
de representação daria lugar a uma forma mais realista de narração em
palco. Seria necessário criar uma nova escola , que se não apoiasse n a s
palavras, mas no método com que se constru ía o discur so, nu ma
similitude teórica à que Eça de Queiroz expressou, na Conferência do
Casino, A Literatura Nova: O Real como nova explicação da arte (1871):
O Reali smo não é um simples modo de expor minudente , trivial,
fotográfico. […] O Reali smo […] é a negação da arte pela arte; é a
proscrição do convencional , do enfático e do piegas. É a abol ição da
re tórica considerada como arte de promover a comoção usando da
inchação do período, da epilepsia da palavra, da congestão dos t ipos. É a
análi se com o fito na verdade absoluta (apud Mateus 2008: 68 -69).
Ainda que a temática da formação do ator seja comum aos
Rudimentos da Arte Dramática e ao Manual do Curioso -Dramático , os
destinatários são di stin tos, assim como a génese da s obras. Se aquela
corresponde ao desejo de Luís da Costa Pereira de compilar art igos seus,
publicados na imprensa periódica, aos quais deu continuidade com nova s
refl exões dest inadas a a tores profi ssionai s, o Manual surge do convite de
336
Frederico Napoleão de Victoria , editor -livreiro e dramaturgo,
diretamente ligado ao pujante movimento de t eatro amador, o qual senti u
a necessidade de formação teórica adequada para amadores teatrais ,
suprindo a fa lta da escola prática do ensaiador . A exigência do público e
da críti ca periodí sti ca rec lamava cada vez mais qualidade na s produções
exibidas nos palcos parti culares da s sociedades rec reativas.
Augusto Garraio surge como autoridade de muita prática nos palcos
de Li sboa e Porto, enquanto ensaiador dramático, na linha expressada
por Augusto de Mello , cuja obra segue na medida das necessidades. O
Guia prático de formação de “curiosos -dramáticos” constitu i o primeiro
exemplar de uma li teratura teórica para amadores, que t erá continuidade
na sua reedição em 1911, assim como em obra s de outros autores: Arte
de d izer: Estudos de d icção reunidos e ordenados (1902; 1903) , de José
António Moniz413
; Arte de Representar: Caracteres (1909), do anterior
em parceria de escrita com José Simões Coelho , continuada por Arte de
Representar: sentimentos, expressões, identificação (1912); O livro do
ensaiador (1915; 1950) , de António Walgode; O livro do ensaiador
(1915), de Eusébio Queirós414
; Rapaziadas Teatrais: resumido tratado da
arte de representar (1930; 1937; 1954), de Zé Ninguém (pseud.) ;
Pequeno Tratado de Encenação (1962; 1976), de António Pedro; ou o
Manual de Teatro (1999; 2003), de Antonino Solmer .
Como seria de esperar, Augusto Garraio apoia-se na sua experiência
de dir etor de atores para sobre ela constru ir uma teoria , que mimetiza o
padrão profi ssional, institu ído assim como modelo para amadores. Se o
classici smo sei scentista desenvolvera uma perfeição plástic a , em que as
per sonagens cénica s se materia lizavam como imagens idealizadas,
sustentadas pela expressão vocal “ timbrada, cantante, embaladora”
(Gomes 1906: 76), o romanti smo veio dar -lhes corpo, em grandeza de
alma e dotes físi cos, em que “tanto o r ecorte da figura como a sua
413
Es tas obras inserem-se na coleção “Bibliot eca de vulgarização art í s t i ca”, in iciada
pela t radução e comentário de José António Moniz, do Paradoxo sobre o comed iante,
de Denis Diderot , em 1909. 414
Apesar de apresentarem o mes mo no me e versare m o mes mo tópico, as obras de
Walgode e Quei rós são di st intas, dadas à es tampa no mesmo ano, na mesma cidade e
pertencendo a coleções com o mes mo t í tulo: “Teat ro Infanti l ”.
337
psicologia , eram valores de uma fórmula fatal, tendo por constantes os
factores de beleza, de amor, das desventuras e virtudes” ( id ., ib id . : 44).
Essas v isões poética s não se compraziam já com a estéti ca naturalista -
realista , a exigir uma vi são real na multipli cidade dos seus aspetos:
As figuras do nosso drama [reali sta] […] vivem sempre na atmosfera do
seu meio e da sua epocha, não são e statuas animadas, são seres
fi siológicos. D’ahi a necessidade de conhecer -se todas as modal idades
psychicas que resul tam do temperamento e dos factores externos que
sobre o individuo incidem, para a sua interpretação real sobre a scena. É
este o estudo do caracter , estudo bastante árduo e complexo por n’e lle
ent rar em jogo as mais varias noções das sc iencias, e artes plást icas,
como elementos necessários à compreensão e expressão final da figura
(Gomes 1906: 76-77; itá lico original ).
É opinião corrente que o ator estudasse a spetos complementares e
acessórios da arte de representar, e desenvolvesse aspetos externos do
ta lento: trabalhar o corpo, exercitar o jogo fisionómico, e edu car a voz.
Associada à compreensão do caracter interno da figura dramática, a
técnica ajudá-lo-ia a criar uma “forma viva e sugestiva, complexo d’arte
e natureza, que é o personagem do tablado, a obra por excellencia do
actor” ( id . , ib id . : 79-80). Entre Du vrai, du beau et du bien (1858) e a
Philosophie de l’art (1865 e 1882) , entre Victor Cou sin e Hippolyte
Taine – l idos, citados, transcritos – , os nossos t eóricos da arte dramática
levantam uma questão fundamental quanto à singularidade do papel do
ator .
Segundo Taine, a obra de arte parece provir de um ato acidental,
fru to do imprevi sto , do arbitrário, como se a criação do artista fosse
apenas uma fanta sia pessoal, su jeita à aprova ção de um gosto público
passageiro : “ inventions de l’arti ste et sympathies du public, tout cela est
spontané, libre et, en apparence, aussi capricieux que le vent qui souffl e”
(Taine 1895: II) . Tanto Manuel de Ma cedo, como Augusto de Mello
questionam a dicotomia do papel do ator: criador de obra original ou
apenas intérprete de obra alheia? Mello propusera uma divisão entr e
“individualidades” dramáticas e “ especialidades” cénica s, que o Manual
do Curioso -Dramático retoma e explica didatica mente. Fica patente que
as “ individualidades” dramáticas, ou “caracteres”, são figuras
338
idealizada s pelo ta lento dos autores dramáticos, que as tomam do mundo
real e as caracteri zam através de ações da v ida quotidiana. Estes vultos
da fábula dramática, que a arte da escrita transform a intencionalmente,
são portadores de um cunho essencial mais vivo e penetrante do que o
modelo real que lhes deu origem:
A arte de representar apoiando-se nas creações l iterárias e servindo-se,
como auxiliares, das artes plásticas, reúne, n’um só todo, a expressão do
homem moral e do homem physico , alcançando, t riumphante, este
supremo esforço: a real ização artí st ica do homem vivo . E integra -se com
as artes scenicas acessórias para a manifestação da vida o object ivo do
teat ro (Gomes 1906: 90).
Eis o objetivo especí fi co do trabalho do ator, que se serve da
plástica corporal como escultor de figuras animadas, e cuja capacidade
vocal materia li za a ideia expressa pela p alavra. Segundo Taine, pela
maneira “de sentir , d’inventer et de produir” (Taine 1895: 44), os
artistas deveriam estar em sintonia com o caracter essencial da obra de
arte:
[L’art ] est un don qui leur est indispensabl e; aucune étude, aucune
patience ne supplée; s’il manque, il s ne sont plus que des copistes e t des
ouvriers. En présence des choses il faut qu’il s a ient une sensation
origina le; un caractère de l’obje t les a frappées, e t l’effe t de ce choc est
une impression forte e t propre (Taine 1895 : 44; itálico original ).
Defende-se que o ator desenvolva o ta lento, a faculdade que permite
penetrar “dans l’ intéri eur des objet s et semble plus perspicace que les
autres hommes” ( id ., ib id . : 45):
Involontai rement l’homme exprime sa sensat ion intérieure; son corps fa i t
un geste , son a tt itude devient mimique, il a besoin de figurer au dehors
l’objet tel qu’i l a conçu. La voix cherche des inflexions imitatives; la
parole rencont re des mots colorés, des tournoures imprévues, u n style
figuré, inventé , exagéré; i l est visible que, sous la puissante impulsion
primit ive, la cervelle agissante a repensé et t ransformé l’objet, t antôt
pour l’ illuminer et l’agrandi r, tantô t pour le tordre et le déjeter
grotesquement tout d’un cô té; dans l’ esquisse hasardeuse comme dans la
caricature violente , vous sa isi ssez sur le fai t, chez les tempéraments
poétiques, cet ascendent de l’impression involontai re (Taine 1895 : 45 ).
O temperamento individual do comediante determinaria igualmente
a perspet iva com que encararia a obra dramática, residindo a criação
339
artística em “fenómenos psyco -mecânicos” (Gomes 1906: 92). Fosse qual
fosse a fonte de inspiração – Natureza ou obra autoral, escrita ou
interpretada por outro comediante –, seria o despertar da “ sensação
original” que daria origem ao caracter novo que surgia no cérebro como
uma ideia:
A creação […] existe na forma, di ferente para cada arte e dentro da
mesma para cada temperamento, porque o arti sta reveste a ideia que a
presença dos objectos conseguiu despertar -lhe (Gomes 1906: 92;
subl inhado nosso).
Sendo a lit eratura , a pintura ou a música consideradas como artes
representativa s, a obra do comediante , congregando todas através de
característi cas próprias , d istinta da obra do autor dramático , cria um
paradoxo sobre a sua natureza: criadora ou interpretativa. Não se
encontrando integralmente revelada a psicologia da personagem na obra
escrita , ao cingir-se exclusivamente a ela , o a tor torna-se em “escravo”
do escritor :
O t rabalho do comediante […] não é nem uma imi tação nem uma
reali sação passiva das ideias do dramaturgo, mas uma creação inteligente
do personagem anatomico-physiologico correspondente à a lma inventada
pelo auctor, completando-se assim e dand o a vida que fa ltava à obra
d’este (Gomes 1906: 95).
Torna-se clara a preocupação pedagógica de Garraio , quando divide
a explicação entr e “especialidades” e “ individualidades”, entr e as
característi cas próprias do co mediante, e os “caracteres” dramáticos
elaborados pelo dramaturgo. Se este fornece o caracter moral da
per sonagem, àquele compete conceber o “ser físi co”, fru to da análise
literária complementada com o estudo da “Natureza, anotando,
observando, escolhendo e afinando os objectos do mundo r eal” . Esta
ciência da arte de representar colocava “o comediante nas circumstancias
do dramaturgo” ( ib id .: ib id .) , na criação do “caracter essencial” , baseado
numa multipli cidade de fatores de psicologia comportamental,
transmutado em “per sonagem vivo”, “obra privativa [do comediante],
bem separada e dist incta da factura do per sonagem litt erario” ( id ., ib id . :
96).
340
Na defesa do teatro naturalista -reali sta , Garraio procura identifi car
as velhas tipologias dos caracteres dramáticos e fazê -las corr esponder à
realidade social coeva, estabelecendo uma linha genealógica de
interpretação. O comediante comporta -se como um retratis ta social ;
inventa e compõe em detalhe o ca racter plásti co , a partir do carácter
psíquico criado pelo autor:
[Na] ligação do t rabalho do actor ao do dramaturgo, existe como que uma
fa ixa mais ou menos larga, conforme a índole e o talento dos dois, onde
vão fundi r e combinar -se as ideias d’ambos. El la resulta da
accommodação dos caracteres da figura ao physico e, mui to
principalmente , à natureza do temperamento do arti sta ( Gomes 1906:
101).
A leitura da obra dra mática fornece indicações de ordem matr icia l,
na mesma medida em que a partitura fornece ao músico o aspeto
melódico da composição, competindo ao comediante, como ao mú sico,
tornar vi sível a expressão da alma contida na obra. A definição que
Taine estabelece para di ferenciar o romanci sta do dramaturgo, entr e
Balzac e Shakespeare , “ les deux grands connai sseures de l’homme”
(Taine 1895: 339), sinteti za o problema:
Mais il [Balzac] est romancier et savant, au lieu d’êt re, comme
Shakespeare , d ramat iste e t poète; c’est pourquoi, au l ieu de cacher ses
dessous, i l les é tale (Taine 1895: 371).
Ao contrário da per sonagem romanesca, a dramática esconde as
a lusões, os dessous, que competem ser expressados pelo comediante no
papel em cena. A per sonagem escrita não passa de uma maquete, em que
as palavras determinam a s linhas dominantes do pensamento autoral,
carecendo de uma elaboração cénica, inspirada na realidade, fonte
univer sal de toda a arte. E, mesmo quando o ator não est eja em absoluta
sintonia com o autor dramáti co, produzindo uma conceção oposta à
sensação original, uma inver são do pensamento, ser á o comediante o
criador da nova per sonalidade físi ca e moral, cujo ponto de partida foram
as palavras da obra dramática . Esta situação demonstra inequivoca mente
que “não é nas palavras que se firma, por completo, o caracter exhibido
sobre o tablado, mas sim, muito principalmente na concepção que da
341
per sonagem possa fazer o comediante” (Gomes 1906: 114). A unidade de
inter esse da per sonagem cénica resulta da “subordinação dos caracteres e
da convergência d’effeitos” ( id ., ib id . : 120), que revela m a “máxima
expressão da ideia essencial” , a través da “cópia inteligente e selecta dos
objectos r eaes” ( id ., ib id . : 118).
Augusto Garraio e os restantes autores estabelecem um corolário,
sobre a possibilidade de naturalismo-realismo em cena, enqu anto ponto
de inter seção da obra literária com a obra cénica, a través da plasticidade
da cena e do comediante, na “simplicidade nos processos scenico s”,
resultante da “observação profunda dos homens e das cousa s” (Gomes
1906: 27). Sobre todos, domina o superior objetivo garrettiano de
ilustração geral e proveitosa das grandes massas, que o Esboço
philosophico da Arte de Representar evoca:
O teat ro, pela sua maior influencia sobre o espí ri to e cent ros emot ivos,
deve, mais do que todas [as artes], visar ao aperfeiçoamento social,
convergindo os seus esforços para a educação dos costumes, orientando a
intell igência e o sentimento para o culto da Verdade e realização do Bem
commum (Gomes 1906 : 17).
342
Índice remissivo
A
A. Arm and o (p s eud . ) ...... C on su lt e Bo rd a lo ,
Arn a ldo Armando (18?? – 1921, ed ito r -
li vre i ro ) Abo im , Jo ão Co rre ia Manu e l d e (1814 –
1861) À ta rd e , ent r e a mu rta (1858) ..................83
Abo ut , Edmo nd (1828 – 1885) ...................150 Histoi r e a n cien n e (1868) ..........................139
Ab ran ch es , An tón io Jo aq u im d a S ilva (1810 – 186 8) C at i vo de Fez (O) (1841) ................ 272, 273
Ab ran ch es , Ar is t id es (1832 – 1892) ...... 140, 148, 155 Alma na ch Ta bo rda (1866) ........................155 Alma na qu e bu ro crát i co (1875 – 1876)
..........................................................................154 Bib l io th eca Th ea t ra l (1874 – 1875,
co l. ) ................................................................139 Fed o ra (1883) ................................................145 Fi lh o s d e Adã o (Os ) (1883) ....................153 M ã e do s es cra vo s ou a Vid a do s
n eg r ei ro s da América (1864) .............114 M est r e Jer ónimo (1866) ..............................44 Pí lu la s d o dia bo (As ) .................................108 Ro uxin o l da s sa la s (O) (1871) ...............144
Ab ran ch es , J . É fo rt e bi rra t ei mar (1865) .....................170
Ab reu , C as im iro Jo sé Marqu es (1839 -
1860) C a mõ es e o Jao (O) (1856) ........................85
Acad em ia d e Santo Am aro (Lis bo a) ..........50 Acad em ia Fen ian s (Lisb o a) ............................45 Acad em ia Lis bo n ens e (Lis bo a) ..................146 Acad em ia R ecre io Art í st ico (Lis bo a ,
1855) .....................................................................42 Ar go (O) . To sado r e fect i vo d as to li ces
d a Acad emia Recr eio Art íst i co
(p e r ió d ico ) ....................................................43 Pi pa rot e (O) (p e r iód ico ) .............................43 Recr eio (O) (pe r ió d ico , 1921) .................43
Ach ard , Am éd ée (1814 – 1875) .................128 Add is on , Jos eph (1672 – 1719) ..................199
C ato (1712) ............................................ 222, 224 Agên c ia Lit e rá r ia e Tea t ra l ................. 129, 150 Agu ia r , J o aqu im An tó n io d e (1792 –
1884) .......................................................... 253, 280 Agu ia r , Man ue l C ae tan o P im en ta d e (1765
– 1832) Dois i rmãos ini migo s (Os ) (1816) .......198 Vir gínia (1816) ..............................................198
Agu ia r , Teo tó n io Co rre ia d o Co ito e , fu r r ie l 4º b a t a lh ão Co rpo Vo lun tá r io s
R ea lis t as .............................................................36 Alagar im , J o aqu im J os é Garc ia (1830 –
1897) .......................................................... 125, 149 Alb uq u erqu e ( jún io r) , A lf red o d e
Li ção d e pia no (A) .......................................174 Alb uq u erqu e , An tón io d e (1866 – 1923)
M ar qu ez de Ba ca lho a (O) (1908) .........173
Alb uq u erqu e , Jos é Maria d a S ilva e (1829
– 1879) Op er ário e a As so cia ção (O) (1867) .... 87
Alb uq u erqu e , Lu í s Mou z inh o d e (1792 –
1846) .................................................................. 300 Alb uq u erqu e , Ped ro Med e iro s e ................ 102 Alf ie r i, N ico lo Vit to r io (1749 – 1803) .. 28,
199 M ero pe (1783) ............................................... 220
Alma na ch d e Gar ga lhad as (1861) ........... 155 Alma na ch Ta bo rda p ar a 187 1 ...................... 94 Alm eid a , C ar los ........................................ 125, 136 Alm eid a , Jo aq u im J os é d e ............................ 102 Alm eid a , Jo s é Va len t im F ia lh o d e (1857 –
1911) ............................................ 37, 154, 183, 279 Alm eid a , Nico lau To len t ino d e (1740 –
1811) .................................................................. 238 Alm eid a , Sérgio d e (1860 – 1896, a to r ) 283 Alm eid a . D . F ran c is co d e ............................... 45 Alm end ro , Jo s é Maria Ferre ira .................. 140 Alves , J o aqu im Jo s é ......................................... 44 Am ara l, Em í lia d e Sá do ............................... 133 Am eno , F ran c is co Lu ís (1713 – 1793) ..... 22 Amo rim , F ran c is co Gom es de (1827 –
1891) .................. 113, 158, 169, 191, 195, 200, 231 Ad ver t ên c ia a O Amor d a Pát ria (1885)
......................................................................... 202 Ale i jõ es s ociai s (1870) ............................. 103 C edro Ver melho (O) (1856) .................... 297 Fíg a dos d e Tig r e/ M elod ra ma d os
me lo dr a mas (1857) ................................ 113 Ga rr et t . M emó rias bio gra phi cas (1881-
84) .......................................................... 204, 227 Ódio d e ra ça (1854) ........................... 179, 295
An aia , Jo aqu im J os é (1826 – 1884) 133, 279 An dr é Géra rd (1865) ................................. 135 Art i sta (O) (1873) ....................................... 135 Bib l io th eca Lisb on en se (1865 – 1873)
......................................................................... 133 C riad o a mo (Um) (1866) .......................... 134 En sino Livr e (O) (p e r iód ico ) ................. 133 Fi da lg as d e Po nta lec (As ) (1870) ....... 135 Há -d e s er vi r -me d e li ção (1866) ......... 134 I deia i mp rud ent e (Uma ) (1871) ............ 135 In s t itu to Lit e rá r io ....................................... 133 Jo rg e , o ma rinh ei ro (1865) .................... 134 Li ção ao s ma ridos (Uma ) (1866) ......... 134 M ateus , o br a ço d e f er ro (1866) .......... 134 Mi stérios d e Pari s (Os ) (1867) ............ 135 N au fr ágio na s co stas d a Br etan ha (Um)
(1866) ........................................................... 134 Pa s tor a do s Alp es (A) (1869) ................ 135 Ra pha e l, o pinto r endia bra do (s .d . ) .. 108 Ro berto Ma cá rio (1868) ..................... 75, 135 Tri bu la ções d e u m herd ei r o (1866) .... 134 Vida de u m ra paz po br e (A) (1865) ... 134,
135, 180 And rada , F ran c is co Lad is lau Álvares de
(c .1800 – c .1870 ) ........................................ 253 C a ba na do Pai Th o maz (A) ou a Vi da
d os p r etos na Améri ca (1853) .......... 114 And rade , C ip r iano Lop es de ....................... 279
343
And rade , Gom es F re ire d e (1757 – 1817)
...............................................................................204 An ice t -Bou rgeo is , Au gus t e (1806 – 1870)
.................................................................................65 M ari e -Ro s e (1853) .......................................139 Pi lu les du dia ble (Les ) (1839) ...............106
An im ató gra fo d a Arráb id a ..............................50 Anó n imo
Avi so na Ga z eta ( fa rs a ) ...............................36 C asta nh ei ra (A) (c .1843) ...........................94 Cinto engan oso (O) , ou a Exp eri ên cia
math emat i ca (1836) ..................................61 C on fi ss ão d e ma ru jo .....................................60 C on sequ ên cias d e u m d es afio (As )
(1836) ..............................................................61 Es sai d ’un e bi bliog rap hie g énéra le du
t h éât r e , ou C ata logu e rai so nn é d e la
Bi bli oth èqu e d ’un a mat eu r (1861) ..305 Henriq u e o Ju st i cei ro , ou o Senho r
d ’Alca la (1836) ..........................................61 Histó ria da I mp erat ri z Po r cina , mu lher
d o imp erad or Lod onio .............................60 Histó ria d e João d e Ca lai s ........................60 Histó ria verda d ei ra d a Prin ces a
M aga lo na , fi lh a d ’El -Re i d e N ápo les
............................................................................60 S a lt ead or es (Os ) o u a Flo r esta
medo nha (1836) ..........................................61 An t ie r , Ben jam in (p s eud . ) ............... C on su lt e
C h evr illo n , Ben jam in (1787 – 1870) An ton y Bérau d (1791 – 1860) .......................75
Edi th o u a viú va d e S outha mpto n/ Edi th
o u la Veu ve d e So utha mpton (1840) .73 An tun es , Acác io (1853 – 1927) ........ 155, 164
Bes our o (O) (1883) .....................................164 C a mar ões (Os ) (1888) ................................164 Est udant e Als acia no (O) (1894) ...........164 Po r cau sa d e uma carta (1885) .............144 Zan et to ...............................................................165
Aragão , An tó n io Perre ira Férrea (1801 –
1857) Do m Ped ro d uqu e d e Coimbra (1853) ..96
Araú jo ( jún io r) , Lu ís An tó n io d e (1833 –
1908) .............................................................99, 155 Alma na ch d e Luí s d e Araú jo (1871 –
1902) ................................................................99 Ba ron esa d os d ent es (A) (1872) ............113 I nt rigas no bai rr o (1864) .........................113 N o vas int rigas no bai rr o (1865) ...........113 N o vo a lmo cr eve d as p eta s (1871) ..........99 Pa i xão d e And r é Gon ça lves (A) (1860)
............................................................................47 Po r cau sa d e um a lgari smo (1854) ......101 Qu e ci r co ! Qu e amaz ona ! Qu e p a lha ço !
(1860) ............................................................126 Araú jo (s én io r) , Lu í s An tón io d e (1803 –
1873) .....................................................................99 Jui z e le i t o (O) (1854) ..................................99 M est r e I gr e ja mui to em ci ma (1860) ..101 Pi cado r es d e po rtas (1870) .....................170
Araú jo , Ca lis to Jo s é d e Agên c ia Tea t ra l .............................................152
Araú jo , F ran c is co Du ar t e d e Alm eid a e
(1816 – 187 7)
1 640 o u a Resta ura ção d e Po rtuga l
(1861) ........................................................... 129 Va s co d a Ga ma e a Des co berta d a Índia
(1872) ............................................................. 45 Araú jo , Jos é In ác io d e (1827 – 1907) ... 105,
128, 149, 155, 156, 170 Po eta n e f e li bata (Um) (1895) ............... 184 S oci ed ad e ao s s eu s con vid ado s (A)
(1870) ............................................................. 47 Th eat r o caz ei r o (1904, s on e to ) ............ 146
Araú jo , Lu í s An tón io d e (s éc . XVIII ) Histó ria cr ít i ca do Teat ro (1779) ......... 99
Araú jo , Man ue l J os é d e ................................. 125 N u vem negr a em céu azu l .......................... 35
Arcád ia Lus it an a ou Ul is s ip on en s e (1756)
...................................................................................4 Ar chivo Pi t t o res co (1857 – 1868,
p e r ió d ico ) .................................................... 29, 99 Arch ivo Th ea t ra l (1838 – 184 5, co l. ) 57, 63,
64 Ar chivo Universa l (p e r ió d ico ) ............. 99, 121 Aris t ip p e (Fé lix Bern ie r d e Malign y , 1800
– 1865) .............................................................. 304 L’a rt du co médi en , p rín cipes g én ér eau x
r ecuei lli s et mi s en or dr e (1819) .... 304 N ou veau Man u e l Th éât ra l (1854) ........ 320 Th éo ri e de l’a rt du co médi en ou Manu el
Th éât r a l (1826) ................................ 304, 308 Arn au d , F ranço is -Th om as -Marie d e
Bacu la rd d’ (1718 – 1805) M érin va l (1774) ........................................... 198
Ars e jas , Jo s é In ác io R u f ino ( livre i ro ) ..... 61 Ars e jas , Jo s é Jo aqu im (1771 – 1838,
ac to r) ................................................................... 61 Ars e jas , Jo s é Jo aqu im Nepom uceno (1800
– 1869, ed ito r ) J o rn a l d e C om éd ias e Var ied ad es (1835 -
36 – 1840-4 1, co l. ) ............................ 57, 59 Artaud , An to n in (1896 – 1948)
C enci (Les ) (1935) ...................................... 116 As s is , Jos é Ben to d e Araú jo (1841 –
1920) ............................................................ 45, 149 As so c iação Gil Vicen te ................................... 72 As sun ção , Marcos d e
Cini s mo e ho nra ........................................... 182 As sun ção , To m ás Lin o d e (1844 – 1902)
Bo ni fá cio , o so nâ mbu lo (1864) ............ 129 C riad o d e minha mu lh er (O) (1864) .. 129 Do rmi r a co rdad o (1866) .......................... 129 Gr amát i ca (A) (1870) .................................. 48 M a ldi ta ca mpainh a (1868) ...................... 129 M und o e o c lau st ro (O) (1870) ............... 48
Ata íd e , Alf red o d e (1834 – 1908) ..... 45, 129, 148, 165 Excent ri cidad e (Uma ) (1866) .................. 44 M es mo t io Tor quato (O) ............................. 44 Ro sá rio , bat ina e ch ambr e , a liás
S emp r e o Tio Torq uato ........................... 44 Ata laia Na ciona l d os Th eat r os (pe r ió d ico )
.............................................................................. 258 Atou gu ia , An tó n io Aloí s io J e rvis d e (1797
– 1861) .............................................................. 231 Au ger , Hypo llit e Nico las J u s t e ( 1810 –
p atern e lle (1838) .......................................70 M ad emois e lle Ber n ard , ou o pod er
p aterno (1839) ............................................69 Au gie r , Ém ile (18 20 – 1889) .......................142 Azevedo , An tó n io So ares d e (17. . – 1818)
.................................................................................63 Azevedo , An tó n io Xavie r Ferre ira d e
(1784 – 181 4) .............................................25, 60 C a mi lla n o su bt err ân eo ( t rad . )..........35, 63 Delin qu ent e s em cu lpa (O) ou o
Pa t riota Es co cês (1835) .........................60 Doido s (Os ) , ou o Doid o po r a mo r ........62 Fr en esi m da s s en hor as (O) (1840) ........61 M anu el M end es En xúdia ...........35, 43, 62, 94 M arid o mand rião (O) (1835, t rad . ) .......60 Mi nas da Po ló nia (As ) (1835, t rad . ) .....60 Pa lfo x em Bar ce lo na .....................................62 Pa r tei ra an ató mica (A) (1841) ................61 Pr e ta d e ta lento s (A) ....................................63 Ro berto , ch e f e d e lad rõ es (1836, t rad . )
................................................................35, 36, 60 S anto António li vr ando o pai d o
p at íbu lo (1835) ...........................................60 S en si bi li d ad e no crime ..........................35, 63 To mad a da i lha de Santa Lu zia (A)
(1836, t rad . ) .................................................60 Ver dad ei r o Auto d e S anto Antó nio
li v ran do o s eu pai do pat íbu lo (1896)
............................................................................62 Azevedo , D . Jo ão d e (1810 – 1854) .........186 Azevedo , Emí lia Kru s d e ..........................40, 43 Azevedo , Jo sé Jo aq u im d e ..............................40 Azevedo , Max im il ian o Eu gén io d e (1 850
– 1911) ............................................... 94, 153, 155 M ã e d e minha mu lh er (A) (1890) ..........145 Tos ca (1917) ...................................................145
B
Baia rd o , Lu ís Jos é (1775 – 18??) .........35, 63 Bai le Nac io n a l (ca fé con cer to ) ..................159 Balb i, Ad r ien (1782 – 18 48)
Es sai stast i t i que su r le ro ya ume du
Po r tuga l (1822) ..........................................28 Balzac , Ho no ré d e (1799 – 1850) .......38, 340 Ban vil le , Th éo do re d e (1823 – 1891) .....142
Grin goi r e (1866) ..........................................143 Pet i t t r ai t e d e la p o ési e f ran çai s e
(1870) ............................................................143 Bap t is t a , Ave lin o ................................................48 Barão d e Ro us s ado ....... C on su lt e Rou ss ad o ,
Manu e l (1833 - 190 9) Barb a (Par is )
Fr a n ce Dra mat ique au di x -n eu vi èm e
si èc le (La ) (co leção ) ................................67 Barb ie r , Pau l J u les (1825 – 1901)
C or a ou l 'e s c la va ge (1861) .....................114 Barca , Ped ro C a ld erón de la (1600 –
1681) A s ecr eto ag ra vio s ecr eta vengan za
(1635) ............................................................273 Baro n , Mich e l (1653 – 1729) ......................306
Barre to , D . Jo sé Tras im u ndo Mas caren h as
(1802 – 188 1) ................................................ 304 M emória s do Ma rqu ês da Fr ont ei ra e
d ’Alo rna .............................................. 208, 228 Barr ié re , Th éo do re (1821 – 1877)
Fi lles d e mar br e (Les ) (1853) ................. 86 Bas tos , An tó n io Gon ça lves P in to (1843 –
1???) .................................................................. 121 Bas tos , An tó n io Sou sa (1844 – 1911) ..... 84,
101, 125, 129, 151, 157, 283 Amo r cor cu nda (O) (1870) ...................... 151 Ao pú bli co (1864) ........................................ 130 Art e Dra mát i ca (A) (p e r iód ico ) ...... 46, 151 C art ei ra do Art i sta (1898) ...................... 237 Dicio nário do Teat ro Po rtu gu ês (1908)
......................................................................... 237 Ent re br oas e a s a mên doa s (1874,
revis t a ) ......................................................... 151 Fi gu ra s d e cera (As ) (1864) ... 130, 131, 132 Li ção à s mu lh er es ....................................... 131 Pa lco (O) (1863 , p e r ió d ico ) ................... 151 S en hor Ra ma lho em Li s bo a (O) (1871)
......................................................................... 127 Ta baco li vr e (1865) .................................... 130 Ta bord a no Po mba l (1870) ..................... 126 Ti m-t i m po r t im -t im (1889 – 1893,
p e r ió d ico ) ................................................... 151 Tra up man n e s eu s cú mp li ces ................. 132 Vo lta d o Sr . Ra ma lho (A) (cena -cóm ica)
......................................................................... 127 Bas tos , F ran c is co Le it e (1841 – 1886 ) . 129,
130, 149 Bay ard , C ar lo s An tón io (? – 1902) ......... 130 Bay ard , J ean -F ran ço is -Alf red (1796 –
1853) .................................................................... 65 Lect ri ce (La ) , ou Un e fo li e de j eu ne -
h omme (1834) ............................................. 43 Beau champs , Ch ar les -Lou is -P ie r re d e
(1641 – 170 5) .................................................. 21 Beau m arch a is , P ie r re C aron de (1732 –
1799) ...................................................... 60, 82, 235 Ba r bei ro d e S evi lh a (O) (1775) .............. 28 Deu x a mis (Les ) , ou le N ég ocia nt d e
Lyon (1770) / Do us a migo s (Os ) ou o
N ego ciant e d e Liã o (1788, t rad . ) ...... 54 Fo l le j o ur n ée (La ) ou le maria g e d e
Fi ga ro (1774/1784) ................................ 107 Tar ar e (1787) ................................................ 107
Beau vo ir , R o ger d e (1807 – 1866) C h eva li er d e Saint -Geo rg es (Le) (1840)
......................................................................... 113 Bei ja -Flo r (O) . S emaná rio d e inst ru ção
d edi ca do ao be lo s exo (1838-38, 1 842,
p e r ió d ico ) .......................................................... 68 Belém , An tó n io Manu e l d a C unh a (1834 –
1905) Jo s é , o en j ei tado (1864) .......................... 183
Bel lin i , V in cen zo (1801 – 1835) Pu r i tano s (Os ) ................................................ 46
Ben evid es , Inác io An tó n io d a Fon seca
(1788 – 185 7) .................................................. 92 Ben to , Jo aqu im (18?? – 1895, ac to r) ..... 127 Bern ard , C lau de (1813 – 1878) ......... 333, 335 Bern h ard t , Sa rah (Hen r ie t t e R os in e
Bern h ard t , 1844 – 1923) .................. 118, 324
345
Berq uó , An tó n io Maria .....................................43 Berto n , P ie r re (1842 – 191 9)
Vertu e de ma f emme (La ) (1867) ..........135 Bet t en cou r t , An tó n io Jo aqu im d e Beça ,
m ilit a r ..................................................................35 Bib l io th eca d as Dam as (co leção ) ................93 Bib l io th eca d e a lgib e ira . Le itu ras s e lec t as
(1869) ...................................................................93 Bib l io th eca do s acto res (co leçã o ).............121 Bib l io th eca Econ óm ica (co leção ) ...............93 Bib l io th eca Lisb on en se (co leção ) ...............75 Bib l io th eca Lit t e rá r ia (co leção ) ..................93 Bib l io th eca po pu la r ou Ins t ru ção para
t od as as c las ses (1870, co leção ) .............93 Bib l io th eca Po r tu gu eza (co leção ) ...............93 Bib l io th eca P ro gresso Th ea t ra l. Th ea t ro
d e s a la (1883) .................................................152 Bies t e r , Ern es to (1829 – 1880) .43, 84, 88, 89,
141, 149 C or a ou a es cra vatura (1862) ................114 Fa mí li a Benoi ton (1866) ...........................144 Fer n an da (1871) ...........................................145 Fo r tuna e Tr a ba lh o (1863) ............87, 88, 90 M aria Antoni eta (1872) .............................179 M o cidad e d e D. Jo ão V (A) (1856) ........84 M u lh er qu e d ei ta carta s (A) (1861) ......83 Op er ário s (Os ) (1865) .................................87 S a bichõ es (Os ) (1872) ...............................141
Bi lh au d , Pau l (1854 – 19 33) Gens qui ri ent . C hos es à di r e (Les )
(1890) ............................................................164 Han n eton (Le ) (1890) .................................164 S o lo d e f lût e (1885) ....................................166
Bin gre , F ran c is co J o aqu im (1763 – 1856)
...............................................................................202 Bla ir , Hu gh (1718 – 1800)
Leçons d e rh éto riqu e et d es be lles -
le t t res (1845) ...............................................95 Blas co , Merced es (ps eud . ) (a liá s
C on ce ição Vitó r ia Marqu es , 1870 –
1961) ...................................................................155 Bo cage , Manu e l Mar ia Barb o s a du (1765
– 1805) ........................................................28, 202 Bo ileau , Nico las (1636 – 171 1)
L’Art p o ét ique (1674) .................................... 5 Bo ir ie , Eu gèn e C an t iran d e (1785 – 1857)
Sto r b et Vern er , ou Les sui t es d ’un d ue l
(1805) ..............................................................61 Bo le t im d o go verno d e Ma ca u e Ti mo r
(p e r ió d ico ) .........................................................99 Bo n el, P . -G . -A.
Sto r b et Vern er , ou Les sui t es d ’un d ue l
(1805) ..............................................................61 Bo rd a lo , Arn a ldo Armando (18?? – 1921,
ed ito r - livre i ro ) ..................................... 155, 165 Alma na ch do s pa lco s e sa la s pa ra 1 908
..........................................................................164 D’Árta gna n (1892) ......................................165 Livra r ia Bo rd a lo ...........................................157
Bo rd a lo , F ran c is co Maria (1821 – 1861 )
...............................................................................165 Rei ou i mpo stor ? (1847) ...........................165
Bo rd a lo , Jo aqu im Jos é (1815 – 1902) ......61, 165
Alma na ch do s Pa lcos e das Sa las
(1888) ........................................................... 156 Bo rd a lo , Jos é Jo aqu im (1773 – 1856) .... 165
Jes ua ldo (1798) ............................................ 165 Bo rd a lo , Lu í s Mar ia (1814 – 18 50) ......... 165
Jud eu (O) (1843) ......................................... 165 Jud eu Jónta s (O) (a liá s O Ju d eu ) ........ 165
Bo rges , Antón io Vito r in o F ran ça (1871 – 1915) M und o (O) (1890, p e r ió d ico ) ................. 166
Bo rges , C ar los (1849 – 1932) ............ 133, 134 Fi da lg os d a Ca sa Mou ri s ca (Os ) ......... 180
Bo rja , Lu ís d e (ps eu d . co lec t . ) ...... C on su lt e Bran d ão , Raú l (1867 - 19 30) , Bran d ão ,
J ú lio , Mon ta lvão , J us t ino d e Bo rra lh o , Jo ão Líc io , cap it ão d e n avio s . 33 Bo te lh o , Seb as t ião Xavie r ( 1768 – 18 40)
................................................................................ 25 Bo u ch ard y , J os eph (1810 – 1870) ...... 65, 129
Sin ei r o d e Sã o Pau lo (O) (1839) ........... 65 S onn eu r d e S aint Pa u l (Le) (1838) ....... 65
Bo u cicau lt , D ion (1820 – 1890) Jean la post e (1866) .................................. 121
Bo u ffé , Hu gu es (1800 – 1888) .................... 39 Bo u lo gne , Jo s eph d e (1745 – 1799) ,
C h eva lie r d e Sa in t -Geo rges .................... 114 Braga , F ran c is co d a C os t a (1831 – 1902)
................................................ 44, 125, 128, 129, 153 1 640 o u a Resta ura ção d e Po rtuga l
(1861) ........................................................... 129 Pa u lo e Ma ria ou a Es cra vatu ra bran ca
(1859) ........................................................... 103 Vest ido ra sga do (O) ..................................... 44
Braga , Teó f ilo (18 43 – 1924) ...... 27, 141, 142, 186, 188, 321 Histó ria da Uni ver sidad e d e Coi mbr a
(1892 – 190 2) ........................................... 198 Histó ria do Teat ro Po rtu gu ês (1870) 321 M od erna s ideia s d a li t eratu ra
p ortug uesa (As ) (1892) ........................ 141 Braga , Vis co nd e São Lu í s (1850 – 1918)
.............................................................................. 164 Braga , Vito r ian o (1851 – 1910)
C as acão d o Sou sa (O) ............................... 150 Bragan ça , D . Ped ro d e (1798 – 1834)
Hymno Con st i t uciona l o u da Ca rta
(1821) ........................................................... 226 Bran co , C am ilo C as t e lo (1825 – 1890) .. 46,
52, 127, 158 Ag ost inho d e C euta (1846) ................. 65, 66 C an cion ei r o Aleg r e (1879) ..................... 113 C enas contempor ân ea s (1855)
Pa to lo gia do ca sa mento ...................... 117 C ond en ado (O) (1871) .............................. 132 C r ês ou mo rr es (1849) .............................. 117 Fi lh a d o Ar cediag o (A) (1855)
N oivado (O) ............................................... 117 M ar qu ês de To rr es N ovas (O) (1849) .. 66 M or gada d e Ro ma ri z (A) [1876] .......... 283 N oi t es d e La mego (1863)
Dois mu rr os út ei s (1849) .................... 117 Ti o egr ess o e o s o brin ho ba char e l
(O) (1849) .............................................. 117 S angu e (O) [1868] ....................................... 283 Vint e ho ras d e li t ei ra (1864) ................. 122
346
Bran d ão , F ran c is co Maria d e Sou s a (1818
– 1892) ................................................................42 Eco s do s Op er ário s (O) (1850) ...............88
Bran d ão , Jú lio (1869 – 1947) .....................184 Bran d ão , Raú l Germano (1867 – 1930) ..184 Brazão , Edu ard o Jo aqu im (1851 – 1925,
a to r , emp res á r io ) ......................... 164, 165, 166 Fed o ra (1883) ................................................145 Od et e (1882) ...................................................145
Bris eb arre , Éd ou ard (1818 – 1871) Pa u vr es d e Pari s (Les ) (1856) ...............124
Bro t , Alfo ns e (1807 – 1895) Edi th o u a viú va d e S outha mpto n/ Edi th
o u la Veu ve d e So utha mpton (1840) .73 Bru mo y , P ie r re (1686 – 174 2) ... 190, 199, 216
Dis cou rs d u r le Th éâ t re d es Grecs
(p re face) (1730) .......................................189 Th éât r e des Gr ecs (Le) (1730) ..............189
Bru s ch y , Manu e l Mar ia d a S ilva (1 813 – 1873) D. Joã o I (1841) .............................................72
Bu rn ay , Hen r iq u e d e , 1º cond e d e Bu rn ay
(1838 – 190 9) ...................................................33 By ron , Lo rd Geo rge Go rdon (1788 –
C abedo , Jo rge d e .................................................45 C ab ra l, C ar los de Mou ra (1852 – 1922)
M ada me S ans -Gêne (1961) ......................145 C ab ra l, Leon e l Tavares (1790 – 185 3) .....92
Alma na k art i st i co pa ra 1 858 (1857,
p e r ió d ico ) ......................................................92 C ab ra l, Ped ro (1855 – 1927) .......................136 C ab re ira , Seb ast ião Drago Valen te d e
Br ito (1763 – 1833) ............................ 206, 207 C aign iez , Lo u is -C h ar les (1762 – 1842)
La be lle a u boi s do r mant (1799) ..........107 C ald e ira , Fe rn and o (1841 – 1894) ............164
C ong r es si sta (A) (1912) ............................164 M os ca (A) (1881) ..........................................164
C ald erón d e la Barca , Ped ro (1600 –
1681) ...............................................................18, 22 C ale ia , Alf red o ...................................................149
C or da e o en fo r cado (A) (1872) ............150 C âmara , D . Gast ão d a (1794 – 1866) ......226 C âmara , D . Jo ão da (1852 – 1908) .. 169, 184
Do r bendi ta (1898) ......................................165 Pâ nt ano (O) (1894) .....................................183 Ro sa en jei tada (A) (1901) ........................182 Zé Pa lo n ço (1891) .......................................161
C âmara , Pau lo Peres t re lo d a (1810 – 1854) Des cri çã o g er a l d e Li s boa em 1 839 o u
en saio hi stó ri co d e tud o qua nto esta
C api ta l contem de mai s notá ve l
(1839) ..............................................................29 C âmara , Rod r igo d e Azevedo So us a d a
(1804 – 185 6) ...................................................63 Ref lexõ es s o br e a Art e Dra mát i ca
(1842) ............................................................310 C ampo s , Antón io Cae tano d e
Genio d o Ch ri st i ani s mo (O) ou Be llez a s
d a r e li gião C hri stã .................................191
M art yr es (Os ) ou o Triumpho d a
r e ligião Ch ri stã (1816 – 1817) ........ 191 C and amo , F ran c is co Baces (1662 – 1702)
................................................................................ 18 C ând ido Lu s it ano ................. C on su lt e F re ire ,
F ran c is co Jos é (1719 – 1773) C armo , Lu c ind a do (1861 – 1922, a t r iz )
.............................................................................. 165 C armou ch e , P ie r re -F réd ér ick-Ado lph e
(1797 – 186 8) Le pu f f (1838)
Ru y-Bla g ...................................................... 112 M aria g e imp os si ble (Le) (1828) /
Desa fio s (Os ) (1838) ............................... 69 C arre ira , Dâm as o Gon ça lves Ch aves ,
a jud an te d e so lic it ad o r ............................... 30 C arva lh o , An tón io Jo aqu im d e (? – 1817)
................................................................................ 36 C o leçã o d e o bra s d ra mát i cas (1813) ... 36
Au la dos to ur ei r os t o lo s (A) ................ 36 Ga lego bruto e mo co ............................... 36 Ri bei ra do p ei xe (A) , o u a Pei xei r a
v i rtuo sa ..................................................... 36 Velh i ce na mo rada (A) ............................. 36
C arva lh o , Au gus to Jos é de (m aes t ro ) Hino d a So ci eda de Ta bor da (1870) ...... 47
C arva lh o , C oe lh o d e (1852 – 1934) Vio lei ro d e Cr emo na (O) (1895) .......... 165
C arva lh o , J o ão Manu e l .................................... 30 C arva lh o , J os é P into R eb e lo de (1792 –
1870) .................................................................. 113 C arva lh o , Leop o ldo d e (1844 – 1913) ... 130 C arva lh o , Lic ín io Fau s to C ardos o d e
(1827 – 185 4) ........................................ 309, 310 Dois pro s cri to s ou o Jugo d e Ca st e la
(Os ) (1850) ................................................ 309 Ha lla s (Os ) (1854) ...................................... 309 Orig em d a Art e Dra mát i ca (1854) ...... 309 Ra ja h d e Bou nso ló (O) (1853) .............. 309
C arva lh o , Mar ia Amália Vaz d e (1847 –
1921) C ér ebr os e co ra çõ es (1903) ................... 181
C as a R ico rd i (1840) ........................................ 169 C as ca is , J o aqu im d a Cos t a (1815 – 1898)
................................................................................ 94 Alca id e d e Fa ro (O) (1848) ...................... 95 C ar nide (O) ou u m ca ma rad a do
M ar qu ês de Po mba l ................................. 95 C ast e lo d e Fa ria (O) (1843) .................... 95 Gira ld o s em s a bo r , ou uma noi t e d e
S anto António na p ra ça da Figu ei r a
(1843) ............................................................. 94 Lei dos mo rg ado s (1869) ........................... 94 N em Césa r n em Joã o Fern and es ou o s
ext r emos to cam -s e (1861) ..................... 95 N em Ru s so n em Tur co ou o fa nat i s mo
p o lít i co (1854) ........................................... 95 N oi t e d e Santo Antó nio na Pr a ça da
Fi gu ei r a (Uma ) (1846) ........................... 94 C as ino Lis bon en s e (ca fé con cer to ) ......... 159 C as t ilh o , Ad r iano d e (Ad r ian o Ern es to d e
C as t ilh o Barre to , 1800 – 1857) .............. 63 C as t ilh o , Alex an d re d e .................................... 43 C as t ilh o , Alex an d re Magno d e (1834 –
1875) .......... 45, 46, 59, 93, 136, 141, 146, 148, 217 An jinh o na p e le d o Dia bo (Um) (1872)
..........................................................................150 As so c iação Gil Vicen te ...............................72 Es ca va çõ es po ét i ca s (1844)
Ep í sto la ao mo rga do d e Ass ent i z .......36 N oivado d e Pa qu etá ....................................289 Rev i sta Uni ver sa l Li s bon ens e ...... 267, 278,
279, 282 S a bichon as (As ) (1867/ 1872) ................141
C as t ilh o , Jú lio d e (1840 – 1919) .................59 C as t ro , Eu gén io d e (1869 – 1944) ............184 C as t ro , Lu c iano de (1873 – 19?? , a to r ) ...49 C eles t ino , Gu ilh e rm e (1833 – ???? ) ..........46
Doida d e Mo ntema yor (A) (1870) ........139 Th ea t ro co ntem po rân eo (1869 – 1873)
..........................................................................135 C h aby P inh e iro , An tó n io Au gu sto d e
(1873 – 193 3, a to r ) ......................................164 C h agas , Man u e l P inh e iro (1842 – 1895) 87,
88, 153 C a mpa ính as (As ) (1874) ...........................142 C as o d e con s ci ên cia (O) (1874) ...........143 C on spi ra çã o da a ldeia (Uma ) (1871) .144 Divor ci emo -no s (1881) ..............................145 Ed ucação popu la r (1870, co leção ) .........93 Gr avata bran ca (A) (1869) ......................139 Po ema da mo cidad e (1863) .....................143
C h apon n ie r , A lex an d re (1793 – 1852) ......75 L’Au berg e d es ad r et s (1823) ....................75
C h ard in , Jean -Bap t is t e -S iméon (1699 –
1779) ....................................................................... 6 C h arp en t ie r , Marc -Anto in e (1643 – 1704)
.................................................................................21 C h ateau b r iand , F ran ço is -R en é d e (1768 –
1848) .................................................. 211, 213, 247 Ata la o u Les a mou rs d e d eu x s au vag es
d ans le d és ert (1801) .................... 189, 191 Ata la o u Les a mou rs d e d eu x s au vag es
d ans le d és ert (1801) .............................192 Géni e du Chri st i ani s me (Le) (1805) ...191
C h au cer , Geo ff rey (1343 – 1400 Wi fe o f Bath (Th e) (s ec . XIV) ................107
C h aves , Hen r iq u e (1849 – ???? ) ..................48 C h aves , J . R . .......................................................136 C h aves , Ped ro C ar los d e Alcân ta ra (1828
– 1893) ............................................... 99, 125, 129 Aind a o Des ca s ca -mi lho ou la menta ções
d e u m pai d e fa mí lia (1867) ...............127 Art e n ão t em pa ís (A) (1861) ..................128 Ba pt i zado do fi lh o do Descas ca -mi lho
(O) (1864) ...................................................127 C as amento do d es cas ca -mi lho (O)
(1863) ............................................................127 Dai ao s po br es (1862) ...............................128 Des ca s ca -mi lho (O) (1862) .....................127 Lui zinh a , a lei t ei ra (1862) ......................127 M ano el d ’Aba lad a as si st i ndo à
r epr esenta ção d a Pr o bidad e (1868)
..........................................................................127 M eet ing pro movid o p e lo cidad ão Leão
Pa nt a leã o no Ci r co Pri ce (1867) ....128 M est r e Ga spa r C avei r a (1858) ..............127
M est r e Ga spa r C avei r a a ssi st i nd o ao s
f e st ejos r eai s (1858) ............................. 127 M est r e Ja quin , ou hi stória d e u m
funi lei ro co ntada p or e le mes mo
(1868) ........................................................... 128 M ort e d o Des cas ca -mi lh o (A) (1864) 127 N ão vo lto a Li s boa (1863) ...................... 126 Reli gião e Art e (1866) .............................. 128 S en hor João Fer nan d es à pr ocura d e
u ma posi çã o so cia l (O) (1868) ......... 128 C h erbu liez , Vic to r (1829 – 189 9) ............ 155 C h érub in i, Lu igi (1 760 – 184 2)
Alì -Ba bà (1833) ............................................ 107 C h evreu l, Mich e l (178 6 – 1889) ............... 333 C h evr illo n , Ben jam in (1787 – 1870) ........ 75
L’Au berg e d es ad r et s (1823) ................... 75 Ro bert M acai r e (1834) ....................... 75, 135
C ho le r , Ado lph e (1821 – 1889) Deu x n ez su r un e pi st e (1861) .............. 139
C ib b er , Co lley (1671 – 175 7) C ar e les s hu s ba nd (Th e) (1704) .............. 60
C in a t t i, G iu s epp e Lu igi (1808 – 18 79) .. 40, 114
C in t ra , Luí s Migu e l ........................................... 10 C lu b e d e Lisb oa (Lis bo a) ............................... 50 C lu b e R ecreat ivo d a Lap a (1894, Lis b o a)
................................................................................ 49 C ob ello s , Migu e l I . B. ................... 101, 102, 114
C onto s e lec t ri cos (1864) ......................... 102 Gr aças a Deus ! Est á a mes a po sta
(1860) ........................................................... 102 M orto nar ra ndo a sua hi stória (Um)
(1856) ........................................................... 102 Ro ma n ce d e u ma h ora (O) (1860) ....... 102 Th ea t ro d e s a la (1858 – 1861, co l. ) .... 98,
102 Th ea t ro Mo d erno (1857, co l. ) ......... 98, 101
C o cc ia , C ar lo (1782 – 1873) Fes ta da ros a (A) (ó pera ) ........................ 226
C od in a , J os é Maria Gervás io .................. 31, 32 C o elho , Ed uardo (1835 – 1889) .. 45, 129, 149 C o elho , F ran c is co Ad o lfo (1847 – 1919) 45 C o elho , J o aqu im Gu ilh e rm e Gom es (1839
– 1871) .............................................................. 309 C o elho , J os é Maria La t in o (1825 – 1891)
.............................................................................. 106 C atur ra s (Os ) (1864) ................................. 144 Li s bo a em 185 0 (1851) ....................... 88, 155 S o lt ei rõ es (Os ) (1867) .............................. 144
C o elho , J os é S imõ es (1880 – 1947) Art e d e Repr es entar . Car act eres (1909)
......................................................................... 336 Art e d e Repr es entar . S ent imentos ,
exp ress õ es , i d ent i fi ca çã o (1912) .... 336 C o elho , Lu ís Fu r t ad o (1831 – 1900)
Divor ci emo -no s (1883) ............................. 145 C o gn ard , Ch ar les Th éodo re (1806 – 1872)
Mi lles e t un e nui t s (1843) ....................... 107 Pi lu les du dia ble (Les ) (1843) .............. 108
C o gn ard , Hip po ly t e (1807 – 1882) Mi lles e t un e nui t s (1843) ....................... 107 Pi lu les du dia ble (Les ) (1843) .............. 108
C o imb ra , J os é An tó n io Pr i mo d e I mbó fia (O) (1847) ................... 43
348
C o lecçã o d e N ovas Modin has pa ra
h on esto r ecr eio da s mad amas e a paixona das do ha r monio so ca nto
(1836, p e r ió d ico ) ............................................68 C o lm an , Geo rge (1732 – 1794) ..................117 C o médie Fr an çai s e .......................... 117, 162, 164 C omp an h ia das Lezí r ias ...................................45 C omp an h ia Lis bon ens e d e Est am p ar ia ......45 C om te , Au gu st e (1798 – 1857) ...................331 C ond e d e Farro bo ............ C on su lt e Qu in t e la ,
J o aqu im Ped ro 2º ba rão d e Qu in te la , 1º
con d e d e Farrobo (1801 – 1869) , C on su lt e Qu in t e la , Jo aq u im Ped ro 2º
b a rão d e Qu inte la , 1º cond e d e Farrobo
(1801 – 186 9) C ond e d e Lip p e , Gu ilh e rme d e
Sch aumb u rg-Lip pe (1724 – 1777) ............ 4 C on ferên c ias Demo crá t ic as d o C as in o
Lis b on en s e (1871) ........................................159 C on serva to ire Na t ion a l d’ Art Dram at iq ue
(Par is , 1795) ...................................................302 C on serva to ire Na t ion a l d es Arts e t
Mét ie rs (Par is , 1794) ..................................301 C on serva tó r io d e Artes e Of íc io s ..............301
Lis b o a (1836) .................................................301 Po rto (1837) ....................................................301
C on serva tó r io Gera l d e Art e Dr am át ica
(1836) ........................................................ 301, 305 C on serva tó r io R ea l d e Lisb o a .... 281, 304, 305 C on stab le , J ohn (1776 – 1837) ...................263 C on stân c io , F ran c is co So lan o (1777 –
1846) ...................................................................253 C on stan t , Benjam in (1767 – 1830) ...........255 C opp ée , F ran ço is Édou ard Jo ach im (1842
– 1908) ..................................................... 143, 165 N au fr ag é (Le) (1878) .................................165
C oqu e lin , Ben o it Con st ant (1841 – 1909)
...................................................................... 162, 163 L’Art d e di r e le mo no logu e (1884) .... 163,
164 Po èt e d e fo yer (Un ) . Eug èn e Man u e l
(1881) ............................................................163 Po èt e phi lo soph e (Un ) . Su lly
Pr o ud ho mme (1882) ...............................163 C oqu e lin , Ern est -Alex an d re -Hono ré (1848
– 1909) ..............................................................162 C o rado , F ran c is co d a S ilva ............................50 C o razz i, David (1845 – 18 96) .. 317, 318, 319,
320, 321 Bib l io t eca do Po vo e d as Es co las (1881
– 1913) ......................... 316, 317, 318, 319, 320 Bib l io t eca Un ivers a l ...................................319 Bio gra f ias d e Hom ens Cé leb res do s
Tem p os An t igo s e Mod ernos (1883)
..........................................................................319 Dic io n ár io do Po vo (1881) ......................319 Grand es viagen s e os grand es via j an t es
(As ) .................................................................319 C o rd e iro , An tó n io Xavie r R od r igu es
(1819 – 189 6) Tro vado r (O) (1844 – 1848) ...................106
C o rmo n , Eu gèn e (1811 – 1903) C ro ch et s du Pèr e Ma rt in (Les ) (1858)
..........................................................................181 C o rn e ille , P ie r re (160 6 – 1684) .................201
Cid (Le) (1637) / Ci d (O) (1787, t rad . ) 54 C o ro t , J ean -Bap t is t e (1796 – 1875) ........ 263 C o rre ia , Edu ard o Nas c imento (18?? –
1915) C as a da bon eca (A) .................................... 183
C o rre ia , Gervás io (18?? – 1907) ................ 48 C o rre ia , Mach ado
Ócu los da minha a vozin ha (Os ) (1889)
......................................................................... 165 C or r eio do s Doi s Mund os (p e r iód ico ) ... 153 C o rvo , Jo ão An d rad e (1824 – 1890) 281, 317
Ali cia dor (O) (1859) .................................. 121 Amo r co m a mo r s e p aga (1849) ............ 122 Ast ró log o (O) (1854) ................................. 121 Bib l io t eca d e Agr icu ltu ra e C iên c ias
(1880) ........................................................... 317 C onto a o s er ão (Um) (1852) .................. 122 Ép oca (A) . Jo rna l d e I ndú st ria ,
Ci ên cia , Li t eratu ra e Be las -Art es .. 315 Tea t ro d e Jo ão And rad e Co rvo
(co leção ) ..................................................... 122 C os sou l, Gu ilh e rm e An tón io (1828 –
1880) .................................................................... 42 C os ta C ab ra l, An tó n io Bern ardo d a (1803
– 1889) .............................................. 257, 281, 293 C os ta , D . An tón io d a (1824 – 1892) 301, 302 C os ta , J os é D an ie l R od r igu es d a (1757 –
1832) .................................................................... 99 C os ta , Ped ro Maria d a S ilva (? – 1868)
Dois i n s epa rá vei s (Os ) (1869) ................ 44 C os ta , Ve loso d a ............................................... 170
Ava r ento (O) .................................................. 182 C ou rt e lin e , Geo rges (1858 – 1929) ......... 139 C ou s in , Vic to r (1792 – 1867)
Du vrai , du beau et du bi en (1858) .... 337 C ou t inho , Dio go No ron h a , 5º m arqu ês d e
Maria lva (173 9 – 1803) .............................. 28 C ou t inho , Jo ão E. d a C ru z
Th ea t ro p opu la r (co leção ) ......................... 62 C ou t inho , Jo sé Maria Penh a (1864 –
1937) M ort e d e Ma rat (A) .................................... 179
C ou to , Jo aqu im Alves do ............................... 32 C rab ée -Ro ch a , An d rée (1917 – 2003)
Teat ro d e Gar r et t (1944) ......................... 284 C réb illo n p ère , P rosp er Jo ly ot de (1374 –
1762) Atr ée et Thyest e (1707) .............................. 54
C respo , Jo aq u im Ped ro Alves (1847 –
1907) S onho (O) (1905) ......................................... 165
C ró nica dos Th eat ro s (p e r iód ico ) .............. 45 C ros , Ch ar les (1842 – 1888) ............... 162, 163
Ha reng sau r (Le) (1870) .................. 162, 164 C ru z e S ilva , An tón io Din is d a (1731 –
1799) .......................................................................4 C ru z , An tón io Când ido da ............................. 47 C ru z , Du ar te Ivo (1941 – ) ............................. 27 C unh a , Am ad eu (1878 – 19??)
Pi sta (A) (1909) ........................................... 145 C unh a , Xavie r d a (1840 – 1920) ....... 317, 319
349
D
D. F ran c is co d e Lem os d e Far ia Pere ira C ou t inho (1735 – 1822) , b is p o -co nd e d e
C o imb ra .............................................................198 D. Maria d a Gló r ia , P r in ces a d a Be ira e
d o Grão Pará C on su lt e D . Mar ia I I (1819
– 1853) D. Maria I I (18 19 – 1853) ................... 202, 301 Dan tas , Jú lio (1876 – 1962) ..........................49
S ever a (A) (1901) ...........................................49 Darto is , Arm an d (1788 – 1867)
M on sieur le piqu e -a ssi et t e (1824) .......125 Darwin , Ch ar les (1809 – 1882)
L’Expr essio n d es émot ion s ch ez
l’h o mme et le s ani mau x (1890) .........331 Daud e t , Alpho ns e (1840 – 1897) ...... 139, 143
Derni ère id o le (La ) (1862) ......................183 Daun , D . Jo ão Car lo s d e Sa ld anh a
Olive ira e (1 790 – 187 6) ..........................302 David , J acqu es -Lou is (1748 – 1825)
M ar at as sas sin é (1793) .............................179 Delaco u r , Alf red (1817 – 1883)
On d ema nd e un e lect ri ce (1861) ...........139 Delavign e , C as im ir (1793 – 1843) .............65 Den is , Fe rd in an d (1798 – 1890)
Lui z d e Sou sa (1835) ..................................273 Denn ery , Ado lph e Ph ilip p e (1811 – 1899)
Amou rs d e Pari s (Les ) (1866) ................139 Ber g ér e d es Alp es (La ) (1852) ..............135 C as e d e l’o n c le To m (La ) (1853) ..........114 C hat eau d e Po nta lec (Le) (1862) .........135 S ept ch atea u x du dia ble (Les ) (1844) 108 Tou r du mo nd e en 8 0 jour s (Le) (1874)
..........................................................................108 Vo ya g e à t ra vers l’ i mpo ssi ble (1882) 108
Des argu es , Gira rd (1591 – 1661) ..............326 Des car t es , R en é (1569 - 1650) ...................326
Les Pa ssio ns d e l’Ame (1649) ................331 Des fo rges , Ern es to Au gus to (1849 – 1912
...............................................................................130 Des ly s , Ch ar les (1821 - 18 85)
C as s eur d e Pi err es (Le) (1867) .............144 Desn oy er , Ch ar les (1806 - 1858)
Ber g èr e d es Alp es (La ) (1852) ..............135 Diário d e Not í cias (p e r ió d ico ) ...............45, 93 Diário do Go ver no (p e r iód ico ) ..................226 Dias , J o ão C o e lho
Ar enqu e s eco (O) (1885) ..........................164 Gaiato d as ca ute la s (O) ............................164 N ão é verd ad e , menina? ............................164 Ver dad es a ma rga s (1890) ........................153
Díaz , En r iqu e ......................................................131 Did ero t , Den is (1713 – 1784) .... 3, 6, 7, 9, 256,
262, 264, 327 De la Po ési e d ra mat iqu e (1758) ...........264 De la po ési e dra mat iqu e (1771) ...........326 Élément s d e Ph ysio logi e (1774-80) .....331 Ent ret i en s su r le Fi ls Natu r e l (1757) 264 Pa r ad o xe su r le comédi en (1773) ........308 Pèr e d e fa mi lle (Le) (1758) / Pa i de
fa mí lia (O) (1788, t rad . ) ........................54 Din is , J ú lio (p seud . ) (1839 – 1871) ...........52
Fi da lg os d a Ca sa Mou ri s ca (Os ) (1871)
......................................................................... 180 Din iz (a to r) ......................................................... 164 Din iz , Ed u ard o Bap t is t a (1855 – 1913) 170 Din iz , Ped ro ........................................................ 113 Direção -Gera l d e Ins t ru ção Púb lica (18 59)
.............................................................................. 302 Do len t , J ean (1835 – 1909) ......................... 155 Don ize t t i, Gae tano (1797 – 1848)
Don S éba st i en Roi de Po rtu ga l (1843)
......................................................................... 272 Dou x , Ém ile (179 8 – 1876) .. 39, 48, 67, 70, 98,
279 Du Barr i, C on d es sa (1743 – 1793)
M émoir es d e Ma da me la Co mt es s e Du
Ba rri ................................................................ 39 Du art e , Fe lip e (1855 – 192 8)
Lan ch a fa vori ta (A) (1896) ...................... 50 Du can ge , Vic to r (1783 – 1833) ............. 65, 77
Jés ui t e (Le) (1830) ....................................... 77 Dum an o ir , Ph ilip p e -F ran ço is -P in e l (1806
– 1865) C as e d e l’o n c le To m (La ) (1853) ......... 114
Dum as , Alex and re ( f ilh o ) (1824 – 1895)
...................................................................... 142, 195 Ata la (1848) ................................................... 195 Da me au x ca mélias (1848) ...................... 112
Dum as , Alex and re (p a i) (1802 – 187 0) .. 65, 78 Anto ny (1831) .................................................. 58 I nvrai s embla nce ou Hi stoi r e d ’un mo rt
r a cont ée pa r lui même (1844) .......... 102 Ri cha rd d ’Ar li ngton (1831) ...................... 58 Tou r d e N es le (La ) (1832) ................ 64, 284
Dun i, Egid io (170 8 – 1775) Fée Ur g è le (La ) (1765) ............................ 107
Dup aty , Lou is -Em anu e l (1775 – 1851) Fé li ci e ou la fi lle r o man esqu e (1815) 70
Dup et it -Méré , F réd ér ic (1787 – 182 7) .... 64 Pa o li o u les Co r ses et le s Génoi s
(1822) ............................................................. 65 Pa u lin o ou o s co rso s e o s g eno veses
(1845) ............................................................. 65 Va le d e To rr ent e (O) (1841) .................... 65 Va lée du To rr ent (La ) ou l’o rph e li n et
le meu rt ri er (1816) .................................. 65 Dup les sy (ps eu d ) , Virgin ie Du h am el
(1829 – 190 0) .................................................. 39 Dü rer , Alb rech t (1471 – 1528) .................. 326 Du se , Elean o ra (1858 – 1924) ................... 183
E
Eco d os Op erá rios (p e r ió d ico ) .................. 127 Éco le r oya le d e chant et d e d éc la mat ion
(1784) ................................................................ 302 Éd it io n s Ch oud en s (1845) ............................ 169 Em p res a R ey Co laço – Rob les Mon te iro
(1921 – 197 4) .......................................... 10, 116 En es , An tón io (1848 – 1901)
Dia (O) (p e r ió d ico ) ...................................... 48 En nes , An tón io (1848 – 1901)
En jei tado s (Os ) (1879) ............................. 183
350
Ep ifân io (Ep ifân io An ice to Go n ça lves ,
1813 – 185 7, a to r ) .........................................39 Erckm ann -C h at r ian (ps eu d . ) ..........................48 Es co la de Art e Dram át ica .............................307 És qu ilo (c .525 a .C . – c .456 a .C . ) .............199
Per s a s (Os ) ............................................. 199, 214 Es teves Negrão , Man ue l Nico lau (? –
1824) ....................................................................... 4 Es toqu e te , J e ró n imo , ad vo gado ...................... 4 Eu ríp id es (480 a .C . – 406 a .C . ) .................189
F
Favar t , Ch ar les -S imo n (1710 – 1792) .....111 Fée Ur g è le (La ) (1765) .............................107
Favar t , Ju s t ine ......................................................39 Feijó , In ác io Maria (1794 – 185 7) .............84
C a mõ es do Ro cio (1856) .............................84 Fern and es , Dom in gos Man ue l ...............47, 158
Biog rap hia po li t i co - li t t e raria do Vi s co nd e d e Almei da Gar r et t (1880)
..........................................................................158 Livra r ia Eco nó m ica (1876) ............. 157, 167
Tea t ro cóm ico . Co lecção d e p eças
j o co s as (c .1876) ...................................158 Tea t ro do s cu r io so s . Co lecção d e
p eças p a ra s a las e t ea t ros
p a r t icu la res (c . 1876) ........................158 Po d ridõ es mod erna s (1873) ....................158
Fern and es , Olím p io Nico lau Ru i ...............102 Ferre ira , Alex and re Alcân ta ra (1842 –
1906) .....................................................................75 Ferre ira , An tó n io (1528 – 1569) .........24, 216 Ferre ira , Ed u ardo Nas c imento
Tos ca (1924) ...................................................145 Ferre ira , Hen r iq u e C ar lo s .............................175 Ferre ira , I s id o ro Sab in o (18 28 – 1876) .149
C art ei ra perdid a (A) .....................................44 Th ea t ro Eco nóm ico (1863, co l. ) ...........121
Ferre ira , J o ão Bap t is ta (1801 – 1877) .....63, 125 C o mpad rice (A) (1851) ..............................125 Fi lh o d e Cro mwell (O) o u u ma
Resta ura ção ( t rad . , 1843) ......................76 Pa p a janta r es (O) (1851) .........................125 Pr i mei ro s a mo r es (Os ) (1861) ...............125
Ferre ira , J o s é Maria d e An d rad e (1823 –
1875) .................................................. 109, 110, 296 Ga leria art í st i ca (1859) ...........................109 I llust ra ção Lu so -Brasi lei ra (A)
(p e r ió d ico ) ..................................................109 Li t t eratu ra , mu si ca e be lla s a rt es
(1871- 72) .....................................................109 M elh or amentos mat eriai s (Os ) . Revi sta
d e 1 859 (1860) ..........................................109 Pá t ria (A) (p e r iód ico ) ................................109 Rev i sta C ont empo rân ea Po rtug a l e
Br azi l (p e r iód ico ) ....................................109 Ferre ira , S ilves t re P in h e iro (1769 – 1846)
...............................................................................253 Ferr ie r , Pau l (1843 – 192 0)
Feu ille t , Oc tave (1821 – 189 0) 115, 118, 119, 120, 142, 180 C as de cons ci en ce (Le) (1867) ............. 143 Ju li e (1869) .................................................... 139 Ro ma n d ’u n j eun e ho mme pa u vr e (Le)
(1859) ........................................................... 135 S cèn es et co médi es (1854)
C h eveu blan c (Le) .................................. 119 Fée (La ) ....................................................... 115 Ur ne (L ’) ............................................. 115, 119
S cèn es et pro ver bes (1853) Po u r et le cont r e (Le) ........................... 119
Figu e ired o , Jos é An tó n io d e , m ercado r d e
li vro s ................................................................... 30 Figu e ired o , Man ue l d e (1725 – 1801) 4, 8, 9,
25 Dis cu rso d ’O Cid d e Co rn ei lle ............... 23 Dr amát i co afin ado (O) (1774) ................ 10 Dr amát i co afin ado (O) ou C rít i ca a os
Per ig os da Edu cação (1774) ............... 10 En saio có mi co (1774) .................................. 10 M u lh er qu e nã o pa r ece (A) [1774?] ........9 Per ig os da edu ca ção (1774) .................... 10 Per ig os de edu ca ção (1774) ..................... 10
Figu e ired o , Man ue l Lu í s d e (1861 – 1927) Jes ui tas (Os ) (1883) .................................. 153
Figu e ired o , Ped ro Jo s é (1762 – 1826) ..... 92 Fil in to Elí s io (ps eud . ) ....................... C on su lt e
Nas c im en to , F ran c is co Manu e l do (1734
– 1819) Fo lqu e , Dio go d e Sous a (1799 – 1856) . 243 Fo lqu e , F ilip e d e So us a (1800 – 1874) . 315 Fon s eca , Antón io d a S ilve ira P in to d a
(1770 – 185 0) ................................................ 207 Fon s eca , Manu e l Antón io d a , Mo nte
C r is to d e a lcunh a ........................................... 33 Fon s eca , Manu e l Nun es da
M art yr es (Os ) ou o Triumpho d a
r e ligião Ch ri stã (1813) ........................ 191 Fon tan , Lo u is -Marie (1801 – 1839)
M as sa cre d es i nn o cent s (Le) (1839) .. 284 Fo rjó , Jos é Teo tó n io C an uto d e (1762 –
1844) .................................................................. 225 Fo rtun a , R ica rdo J os é (1776 – 1860) .... 232,
284 Ast úcia s d e Zan gui za rr a (1819) ............. 35
Fou ch er , Pau l (1810 – 187 5) Don S éba st i en de Po rtug a l (1838) ...... 272
Fou qu iè res , Lo u is Becq de (1831 – 1887) L’Art d e la mi s e -en -s cèn e (1884) ........ 108
Fran cé lio Vou gu en s e ......... C on su lt e Bin gre , F ran c is co Jo aqu im (1763 – 1856)
Fran co Jún io r , Pad re F ran c is co So ares
(1829 – 186 7) ................................................ 169 Fran co , F ran c is co (1859 – 1926) ..... 167, 170,
174, 177, 181 Agên c ia Tea t ra l ............................................ 152 Livra r ia Po pu la r (1890 – 197 9) ... 157, 166,
167, 174, 175 Bib l io t eca d ram át ica p opu la r (c .1890)
....................................... 35, 167, 173, 180, 182 C o lecção de cop las d e d ivers as
ó peras cóm icas ..................................... 167
351
C o lecção de p eças tea t ra is pa ra s a las
e t ea t ro s p a r t icu la res (c .1890) .... 164, 165, 166, 167, 173
Fre i F ran c is co d e S . Lu ís (1766 – 1845,
C ard ea l Sara iva ) ...........................................203 Fre ire , F ran c is co Jo s é (1719 – 1773) ......... 4
Édip o Rei ..........................................................198 I fi g énia em Taurid e .....................................198 M ed eia ...............................................................198
Fre it as , Bern ard in o Sena (1812 – 1876) Pá t ria (1872) ..................................................145
Fried b erg, Kar l Mü lle r vo n (1755 – 1839) Pr i s e d e Saint e Lu cie (La ) (1781) .........60
Fro es , C am ilo Marian o (1836 – ? )............155
G
Gab rie l, J u les -Jo s eph (Ju les -Jo seph
Gab r ie l d e Lu r ieu , 1792 - 1869 M on sieur le piqu e -a ssi et t e (1824) .......125
Galer ia Th ea t ra l (co leção ) ............................129 Ga leria Th eat ra l (p e r iód ico ) ......................302 Galh ardo , Luí s (1874 – 1929)
I nimigo do po vo (O) (1900) ....................183 Garção , Ped ro An tón io Co rre ia (1724 –
1772) .............................4, 10, 12, 14, 17, 22, 23, 24 Ao s fi da lgo s qu e p rot egia m o Teat r o do
Bai rro Alto (1766) ....................................14 As s emblei a ou Pa rt ida (1770) ......10, 11, 15 Dis serta ção pri mei ra so br e Trag édia
(1757) ..............................................................15 Régu lo ( t ragéd ia ) ............................................10 S ofoni s ba (t ragéd ia ) ......................................10 Teat ro No vo (1766) .................................10, 15
Garc ia , C lau d ino Au gus to C és ar ...............102 Garra io , Au gu s to (1845 – 1911) ...... 125, 334,
335, 336, 339, 340, 341 M anu a l do C urio so -Dr a mát i co (1892)
..........................................................................335 M os ca (A) (188-) ..........................................164
213, 224 Alfa g eme d e Sa ntar ém (O) (1842) ...... 178,
257, 262, 265, 271, 272, 273, 280, 281, 296 Alfa g eme d e Sa ntar ém (O) (1842) ..........39 Amo r da Pát ria (O) (1819) .... 197, 201, 202,
203 An el d e fa mí lia (O) (1821) .....................193 Ao Co rpo Aca démi co (1819) ...................201 Ár a bes (Os ) o u o C rime vi rtu os o (1821)
................................................................. 283, 284 Auto de Gi l Vicente (Um) (1838) 258, 259,
262, 268, 269, 271, 292 Auto de Gi l Vicente (Um) (1838) ........... 39 Auto de Gi l Vicente (Um) (1841) .. 72, 210,
221, 250, 257, 262, 322 Auto bi ogr aphia (1843) ............................. 271 Bo squ e jo da Hi stór ia da Po esia e
L íngu a Portu gu es a (1826) .......... 216, 227 C arta a u m a migo ........................................ 250 C atão (1821) . 201, 222, 224, 229, 231, 236, 260,
266 C atão (1822) .......................... 213, 216, 221, 251 C atão (1830) .......................................... 218, 255 C atão (1845) .................................................. 230 Ci fr ão (O) (1841) ................................ 283, 285 C ond e d e No vion (O) (1854) .. 291, 295, 296 C or cu nda por amor (O) (1821) ... 232, 236,
241, 242, 292 D. Fi li p a d e Vi lhena (1840) ... 229, 272, 273 D. S ebast ião ................................................... 211 Dia 24 d e Ago sto (O) (1820) ................. 228 Edip o em Co lon a (1816) .................. 189, 190 En saio so br e a Hi stória da Pintu ra
(1822) ........................................................... 197 Ent remês do s ve lh os na mor ado s Qu e
fi cara m bem lo gra dos , bem lo gra do s
(1841) ................................................... 283, 284 Fa la r verd ad e a ment i r (1845) 43, 95, 178,
290 Fo lh a s ca íd as (1853) ......................... 113, 187 Fr e i Lu ís d e Sou sa (1843) 79, 178, 262, 271,
272, 273, 275, 278 Fr e i Lu ís d e Sou sa (1843) ......................... 39 Histó ria Phi loso phi ca do Th eat ro
Po r tugu ez .................................................... 212 Hymno p at riót i co (1820) ......................... 208 I lu st r es via jant es (Os ) (1841) ............... 287 I mp ro mptu d e Sint ra (O) (1822) . 240, 242,
244 I nês d e C ast r o ............................................... 211 I nfa nte Santo (O) (1825-27) .................. 252 I phig enia em Taurid e (1816) ................. 189 Ju st i ça de Ped ro .......................................... 211 Lezion e ag li amant i (La ) (c .1819) ..... 237,
238, 239 Lí ri ca d e Joã o M íni mo (1825) .............. 214 Lu cr écia (1819) ............ 197, 200, 201, 221, 227 M aria Te les .................................................... 211 M emória a o Co ns ervatório Rea l d e
Li s bo a (1843) ............................ 262, 273, 291 M emória Hi stó ri ca d e J . Xa vier
M ou sinho da Si lvei r a (1849) ............. 251 M éro pe (1820) ....................... 201, 219, 220, 239 M éro pe (1841) ....................................... 189, 199 N a mor ado s ext ra vag ant es (Os ) (1822)
................................................................... 60, 245 N oivado n o Da fund o (O) , ou Cad a t err a
co m seu us o , cada ro ca com s eu fu so
(1847) ................................................... 178, 288 N oivado n o Da fund o (O) , ou Cad a t err a
co m seu us o , cada ro ca com s eu fu so
(1857, ed . ) .................................................. 105
352
Obr as póstu mas (1914) ..............................203 Pa d ei ra d e Alju ba rr ota (A) ............ 211, 255 Pr o fecia s d e Ba nda rra (As ) (1845) ... 178,
287 Ret rato d e Vénu s (O) (1818, m s . ) ........203 Ret rato d e Vénu s (O) (1821) . 197, 239, 251 S erapião , o mon st ro (c .1841) ........ 283, 284 S o brin ha do Ma rqu ês (A) (1848) 291, 292,
294 S opho ni s ba (1819) .............................. 189, 215 Tan oei ro d e Li s boa (O) .................... 211, 266 Ti o Si mp lí cio (1844) ...... 43, 95, 178, 289, 290 Ti o Si mp lí cio (O) (1844) ..........................289 Tou ca dor (O) (1822, p e r ió d ico ) ... 239, 240 Viag en s n a min ha t er ra (1846) ..............268 Xer xes (1818) ........................................ 197, 199
Garr ick, Dav id (1717 – 1779 ) .....................306 Garr id o , Edu ardo (1842 – 1912) ...... 125, 129,
155, 170 Ald ighi eri júnio r (1885) ...........................166 Alh o (Um) (1879) .........................................166 Dr agõ es d e El-Rei (Os ) (1881) ..............113 Vo lta a o mund o em 80 dia s (A) (1883)
..........................................................................108 Gasp ar Y R ib au , En r iq u e (1842 – 1902)
Niñ os gra nd es (Lo s ) (1871) ....................139 Gau la , F ranc is co d e Pau la C ardo so d o
Am ara l e Gau la , m o rgado d e Ass ent iz
(1769 – 184 7) ...................................................28 Gau t ie r , Th éoph ile (18 11 – 1872 ) ............115 Gaveta , Amaro Mend es (p seud . )
Fo lh a s ca hidas apan had as a d ente e
p es cada s no Po rto (As ) (1855) .........113 Fo lh a s ca hidas apan had as a d ente e
p u bli ca das em no me da mo ra li dad e
(As ) (1854) ..................................................113 Gay , John (1685 – 1732)
Begg ar ’s Op er a (1728) ..............................117 Po l ly (17 29) ....................................................117
Ga zeta d e Not í cias (R io d e Jan e iro ) .......318 Ga zeta Universa l (p e r ió d ico ) .....................239 Ga zeta Universa l d a Eu ropa (p e r iód ico )
...............................................................................233 Gazu l, F ranc is co d e F re it as (1842 – 1925)
.................................................................................45 Génio C on st i t uciona l (p e r ió d ico ) .............204 Geo ffroy , J u lien -Lou is (1743 – 1814)
C ou rs d e li t t ér atur e d ra mat iqu e (1825)
..........................................................................215 Gh illan y , F r ied r ich W ilh e lm (1807 –
1876) S acri fi ces hu main s ch es le s Hébr eu x .309
Gil d e F igu e ired o Sarm ento , Dom in gos
An tón io ..............................................................207 Giro d e t , Ann e -Lou is (1767 – 1824) .........197
Ata la a u tombeau (1808, p in tu ra ) ........197 God in ho , Lu í s Co rd e iro
Art ur , o jo gad or ............................................182 Br az ão do art i sta ..........................................181
Go eth e , J oh ann Wo lfgan g von (1749 –
1832) .......................................................... 186, 254 Fa u st (1808 .....................................................116
Go ld sm ith , Olive r ( 1728 - 177 4
En qui r y i nto t h e p r es ent e stat e o f pi lot e
lea r ning (An ) (1759) ............................. 116 Gom es d e C arva lh o , Teo tón io (1728 –
1800) .......................................................................4 Gom es , J oão do s R e is (1869 – 1950)
O Th eat ro e o Actor . Es bo ço
Ph i lo sophi co da Art e d e Rep r es enta r
(1905) ................................................... 334, 341 Gom es , Vito r in o ................................................. 49 Gon d in et , Edmon d (1828 – 1888) ............ 139
C o mte Ja cq u es (Le) (1868) ..................... 139 C ra vat e bla nch e (La ) (1867) ................. 139
Goo do lph im , Cos t a (1842 – 1912) ............. 42 Go zlan , Léon (1803 – 1866)
Dieu mer ci ! Le co u vert est mi s (1851)
......................................................................... 102 Grand e , Jo sé Maria (1799 – 185 7) .. 230, 231 Gran gé , Eu gèn e (1810 – 1887)
C ro ch et s du Pèr e Ma rt in (Les ) (1858)
......................................................................... 181 Grém io Dram át ico Bap t is t a Mach ado ....... 50 Gro ss i, C ar lo (1857 - 19 31) .......................... 33 Grup o d a R ib e ira d as Naus ...............................4 Grup o Dram át ico Alm eid a Garret t ............. 50 Grup o Dram át ico An tó n io Po rtu ga l .......... 50 Grup o Dram át ico e Mu s ica l Ap o lo
(Lis b o a) .............................................................. 50 Grup o Dram át ico Edu ardo Brazão ............. 50 Grup o Dram át ico Mocid ade .......................... 50 Grup o Dram át ico Ped ro d e Sous a ............... 50 Gu ed es , Jo s é Is id o ro ....................................... 113 Gu ed es , Ju s t ino ................................................. 319 Gu ião , Jos é Pere ira Pa lh a d e Far ia
M ou ch e (La ) (1880) ............................ 164, 165 Gu sm ão , Alex and re d e (1695 – 1753)
O marid o con fun dido (1737, t rad . ) ..........5
H
Hab erm as , Jü rgen (1929 - ) ..............................2 Halévy , Léon (1802 – 1883) ......................... 65
C a bri to mo ntez (O) ou O r end ei r o
I ng lês (1838) ............................................... 65 C h evr eui l (Le) ou le Fer mier An g lai s
(1831) ............................................................. 65 Du elo n o t er cei ro an da r (Um) (1841) . 65 M on sieur Mou f let ou un Due l a u
t r oi si ème étag e (1833) ........................... 65 Halévy , Lud o vic (1834 – 1908)
S onn et t es (Les ) (1872) .............................. 142 Hapd é , J ean -Bap t is t e Au gus t in (1774 –
1839) .................................................................... 64 Des ertor h unga ro (O) (1839) .................. 64 Po nt du dia ble (Le) (1806) ....................... 64 Po nt e d o dia bo (A) (1840) ........................ 64 Têt e d e bro nz e (La ) ou le d és ert eu r
h ong roi s (1808) ......................................... 64 Hegel, Geo rg W . F r ied r ich (1770 – 1831)
.............................................................................. 142 Les leçon s su r l’Hi stoi r e d e la
Ph i lo sophi e ................................................ 309 Heid egger , Mar t in (1889 – 197 6) ............... xiv
353
Hen riqu es No gu e ira , J os é Fé lix (1823 –
1858) ...................................................................301 Hercu lano , Alex and re (1810 – 1877) .52, 59,
158, 178, 253, 278, 281 Herd er , Joh an n Got t f r ied von (1744 –
1803) .......................................................... 142, 254 Ho ffmann , F ran ço is -Beno it (1760 – 1828)
Ro ma n d ’u n e h eur e (Le) (1803) ............102 Ho gan , Alf red o Pos so lo (1830 – 1865) ....84
M ás cara so cia l (A) (1861) .........................84 Vida em Li s boa (A) (1861) ........................98
Ho gar th , W ill iam (1697 – 1764 ) ................... 6 Ho lwell, J o hn Zep h an iah (1765 – 1771) 309 Ho rác io (Qu in tu s Ho ra t ius F laccu s , 65
a .C . – 8 a .C . ) Art e Po ét i ca / Ep ísto la aos Pi sõ es ........198
Ho wo rth , Jú lio (1852 – 190 5) ...... 47, 136, 155 Hu art , Lou is Ad r ien (1813 – 1865)
Le pu f f (1838) Ru y-Bla g ......................................................112
Hu go , Vic to r (1802 – 1885) . 78, 128, 255, 257, 259, 261, 262, 264 An ge lo (1835) .................................................254 C ro mwell (1 827) .................................. 254, 262 Hern ani (1830) ............................. 112, 254, 262 Lu cr ecia Bo rgia (1833) .......................64, 254 M ari e Tud or (1833) .....................................254 M ario n Delo r me (1831) .............................254 N otr e Da me d e Pa ri s (1840) ...................143 Roi s ’a mu se (Le) (1832) ...........................254
I
Ib s en , Hen r ik (1828 – 19 06) .......................169 Et du kkeh jem (1879) ...................................183 Gega ng er e (1881) .........................................183
I llust ra ção (A) . Jor na l Universa l
(p e r ió d ico ) .......................................................290 I llust ra ção Lu so -Brasi lei ra (A) (1856 –
1859, p e r ió d ico ) ................. 83, 85, 99, 100, 169 In sp eção -gera l d os Tea t ros (1836) ...........302
J
J acob , P . L . Bi bli oth èuq e d ra mat iqu e d e Mon si eur
d e S o lein ne (1843) ..................................305 J acob et ty , F ran c is co (1853 – 1889) .........136
Dr agõ es d e Ch a ves (Os ) (1885) ............113 J an in , Ju les (1804 – 1874)
Alm an ach d e la lit t é ra tu re , du th éâ t re e t
d es b eaux a r ts (1853 - 18 65) .............124 J a rd im Ch in ês (ca fé con cer to ) ....................159 J esu s , Jo s é Am aro d e (a lfa ia t e ) ...................31 J o rn a l d e com éd ias e d ram as (1853,
co leção ) ...............................................................97 J os in o Du r iens e (p s eud . ) C on su lt e Garre tt ,
J . B. S . L . d e Alm eid a (1799 – 1854)
K
Kan t , Imm an u e l (1724 – 1804) K ri t i k d er Urt ei lskra ft (1790) ................. xiv
Kean , Edm und (1787 – 1833) ......................306
Ko ck, Hen r i d e (1819 – 1892) Amou r bos su (L ’) (1863) .......................... 151
Ko tzebu e , Au gus t von (1761 – 1819) ....... 35 Kru s , Mar ia ........................................................... 39
L
L’ Is le -Adam , Au gu s te Vill ie rs (18 38 –
1889) .................................................................. 163 La Fo rê t , Léon ................................................... 110 Lab ich e , Eu gèn e (1815 – 1888) .......... 48, 139 Lab rous s e , Fab r ice (1806 – 1876) ............. 75
Fleu r et t e , ou le p r emi er a mou r d e
Henri I V (1835) ......................................... 73 N oi t e d o ho mi cídio (A) (1842) ................ 73 N oi t e d o ho mi cídio (A) / Nui t du meu rt r e
(La ) (1839) ................................................... 73 Pr e t ez -moi 5 f ra ncs (1834) ....................... 73
Lacerd a , Au gus to Cés ar d e (1829 – 1903)
...................................................... 104, 125, 149, 153 As sinatu ra d e El-Re i (A) (1853) .......... 105 Dois mu ndo s (1855) ................................... 105 M u lh er es d e már mor e (As ) (1854) ........ 86 Pa la vr a d e Rei (1857) ............................... 104 Pr o bida d e (1859) ......................................... 105
Lacerd a , Au gus to d e (1864 – 1926) Gr eve d os f er r ei ro s (A) ............................ 165
Lacerd a , C és ar d e (1829 – 1903) ............. 181 Cini s mo , cept i ci s mo e cr en ça ( (1855) 181 Pr o bida d e (A) (1856) ................................ 181 Tra ba lho e h on ra (1860) .......................... 181
Lacerd a , F ran c is co Pa lh a d e Far ia e (1827
– 1890) ..... 102, 105, 109, 113, 114, 121, 130, 155, 170, 287, 302, 303 An dado r d as a lma s (O) ............................. 287 An dado r d as a lma s (O) (1850) ..... 106, 112 C at imbáo .......................................................... 287 Dr agõ es d e El-Rei (Os ) (1881) ............. 113 Fa bi a ................................................................. 287 Fá bi a (1848) .................................. 105, 106, 112 Fa mí li a a meri can a (Uma ) (1877) ........ 145 Li s bo a em 185 0 (1851) ....... 88, 155, 279, 303 Lot eria d o dia bo (1858) ........................... 106 M ort e d e Cat imbao (A) (1850) ..... 105, 106,
111, 112 Pa r ódia s (Fá bi a , And ado r da s Almas ,
M ort e d e Cat imbao , 1859) .................. 106 Repú bli ca das Let ra s (1857) .................. 105 Th ea t ro Mo d erno (1857, co l. ) ......... 98, 101
Laco st e , J ean -Arm and (1797 – 1885) ....... 75 L’Au berg e d es ad r et s (1823) ................... 75 Ro bert M acai r e (1834) ....................... 75, 135
Lalo u e , Ferd in and , (1794 – 1850) Pi lu les du dia ble (Les ) (1839) .............. 106
Lalu y é , Leo po ld (1826 – 1899) ................. 150 Lam art e liè re , J ean -Hen r i-Ferd in and (1761
– 1830) Ro bert , ch ef d es briga nds (1793) .... 35, 60
Lamb er t -Th ib ou st (ps eu d . ) .............. C on su lt e
Th ib o us t , P ie r re -Anto in e -Au gu s te (1827 – 1867)
Lamb er t -Th ib ou st , P ie r re (1827 – 1867) Fi lles d e mar br e (Les ) (1853) ................. 86
354
Larch er , Jo aqu im (1797 – 1865) ...... 199, 230, 231, 304
Lat in o C o e lho , J os é Maria (1825 – 1891)
...............................................................................282 Li s bo a em 185 0 (1851) ..................... 279, 303
Lau ren t , C lém ent -Ph il ip p e (17… – 1872, a to r ) Pi lu les du dia ble (Les ) (1839) ...............107
Lau zann e , Au gu st e d e (1805 – 1877) Ha rna li ou la co nt raint e pa r C or (1830)
..........................................................................112 Lava te r , J oh ann Kasp ar (1741 – 1801) 211,
313 Laved an , Hen r i (1859 – 1940) ....................142 Le Bru n , Ch ar les (1619 – 1690) ................313 Lea l, J o ão F ran c is co Xavie r d e Eça (1848
– 1914) ..................................................... 149, 155 N áu fr ago (O) ..................................................165 Vu lto q ue ro u ba a s d á lia s (O) ...............165
Lea l, J o s é Au gu s to C o rre ia M or do mo d ’ Har vi lle (O) (1858) ..........102
Lea l, J o s é Maria da S ilva (18 12 – 1883 )
...............................................................................278 D. Joã o I (1841) .............................................72 Dram atu rgo Po rtu gu ez (O) o u co leção
d e d ram as o r igin a is p o r tu gu es es
(1841- 2) ..........................................................71 I nt rigant e d e Ven eza (O) (1842) .............72
Leão , Mat ias C arne iro ........................... 230, 231 Lecou vreu r , Ad r ienn e (1692 – 1730) ......306 Leit ão , Lu ís Jo aqu im .......................................102 Leit e , Lu í s F ilip e (1828 – 189 8) ...............149
N áu fr ago (O) (1897) ...................................165 S eraphin a (1870) ..........................................145
Lei tu ra e r eci ta ção (1885) ...........................321 Leka in , Hen r i Lo u is (Hen r i -Lou is C a ïn ,
1728 – 177 8) .......................................... 306, 334 Lem aît re , F réd ér ic (1800 – 187 6)
Ro bert M acai r e (1834) ........................75, 135 Lem e, Lu í s d a C âm ara (1819 – 1904) .....136 Lem erc ie r , Népomu cèn e -Lou is (1771 –
1840) .......................................................... 332, 334 C ou rs a na lyt iqu e de li t t é ratu re
g én éra le (1817) ........................................212 Du s econd Th éât re Fr a nçai s , o u
I nst ru ct ion r e lat i ve a la d éc la mat ion
d ra mat iqu e (1818) ...................................334 Lemo s , J o ão d e (1819 – 1890) ........... 105, 115
Lua de Lo ndr es ..............................................114 M aria Pai s Ri bei ra (1844) ......................115 S usto f e li z (Um) (1855) .............................115
Leon i, F ran c is co Maria C ardo so (1842 –
1893, a to r ) .......................................................166 Per i ch o le (A) (óp era -b u r les ca ) ................48
Lero y , Nico lau To len t ino ..............................175 Amo r es d o Co ron e l (Os ) ...........................175 Bi bi (O) .............................................................175 Bo cca cio na r ua ............................................175 C ar vã o e bo la s ...............................................175 Viú va a leg r e em Ca s cai s (A) ..................175
Les s in g, Go t tho ld Eph ra im (1729 – 1781)
...........................................................................6, 199 Let rou b lon , Em í lia (18 -- – 189 5, a t r iz ) .121 Lim a, F ran c is co Ran ge l (1839 – 1909)
M est r e Jer ónimo (1866) ............................. 44 Lim a, F ran c is co Ran ge l d e (1839 – 1909)
.............................................. 133, 146, 149, 155, 322 Art es e Let r as (1872 – 1874) ................. 322
Lim a , Iz id o ro Jo s é d a S ilva (cam arote iro )
................................................................................ 97 Lim a, J os é Gu ilh e rm e d os San tos (1828 –
1880) .................................................................. 149 Ro ch edo d e co nstân cia ............................. 102 Zi zania ent r e o t rig o .................................. 102
Livra r ia C h ard ron ............................................ 154 Livra r ia d a Viú va Marqu es & F ilh a ........ 101 Livra r ia d e C am po s jún io r ........................... 129 Livra r ia d o Po vo , d e S i lva & C arn e iro
(1905 – ? ) C o lecção de monó lo go s e can çon etas 166
Livra r ia Eco nó m ica d e Bas to s & irm ão 129, 151
Livra r ia Eco nó m ica d e Do m in go s
Fern and es Th ea t ro d os cu r io so s . C o lecção d e
p eças p a ra s a la e t ea t ro s p a r t icu la res
........................................................................... 44 Lo ba to , Gervás io (1850 – 1895) ...... 153, 155,
165, 169 S o lo d e f la uta (1893) ................................. 166 Zé Pa lo n ço (1891) ....................................... 161
Lo bo , An tón io Maria d e Sou s a (1806 –
1844) Empa r eda do (O) (1839) ............................ 298
Lo bo , D . F ran c is co Alex and re (1763 –
1844) M emória hi stóri ca e cr ít i ca a cer ca de
Lu ís d e Ca mõ es e da s su as o br as
(1820) ........................................................... 273 Lo bo , F ran c is co Vaz
Flo r d e ent r emez es , es co lhido s d os
ma yo r es en genho s d e Po rtuga l e
C ast e lla (1718) .......................................... 56 Lo ckroy , Jos eph -Ph ilip p e -S im on (1803 –
1891) C h eva li er du g u et (Le) (1840) .............. 295
Lo d i, Con s tan ça ................................................ 113 Lo pes , An tón io Jo s é Fernand es (ed ito r ) 83,
84 Lo pes , Fern ão
C ró nica do C ond esta br e .......................... 269 Lo pes , Lu í s F ranc is co
Gr ã -Duqu esa d e Ger o lst ein e o S er en ís simo Bar ba Az u l no meio da
r ua (1870) ................................................... 170 Lo rena , Antón io Maria d a Lu z d e
C arva lh o Daun e (1822 – 1905) ........... 115 Lo u re iro , An tón io Jos é Rod r igu es ........... 136 Lo us ad a , Mar ia Alex and re
Teat ro s pa rt i cu lar es em Li s boa no
in í cio d e Oi tocento s (2009) ................. 27 Lu cca , C és ar Per in i d e (1807 – 1848) ..... 59
As so c iação Gil Vicen te .............................. 72 Cig ano (O) (1842) ......................................... 72 C o mp êndio de Dec la ma çã o (c .1842) .. 307 M ar qu ês de Po mba l (O) o u Vint e e u m
a nos d e ad mini st r a ção (1840) .... 72, 292 Lu iz , Nico lau (1723 – 1787) ........................ 25 Lu lly , J ean -Bap t is t e (1632 – 1687) .......... 21
355
Lu so , Vir ia to Ser tó r io ....................................155 Lu zán , Ign ac io d e (1702 – 1754)
Po ét i ca o reg las de la po esia en
g en era l (1737) ............................................... 5
M
M. B. M. D. ............................................................61 Dever d e fi lho e a mant e o u os
C ap ri ch os d e No br ez a (1840) ..............61 S anto António (1840) ...................................61
MacBean , Fo rbes (1725 – 1800) .................... 4 Macedo ( jú n io r) , Hen r iqu e d e
C enas d e mi s éria ..........................................182 Op er aria do (O) ..............................................181 Ro sa d o ad ro (A) ..........................................182
Macedo , Jo sé Agos t inh o d e (1761 – 1831)
................................................................ 60, 234, 239 Pa t ead as do Th eat ro in vest igada s na
s ua o rig em e caus as (1812) ..................63 Macedo , Man u e l de (1839 – 1915) . 322, 323,
324, 325, 327, 337 Art e Dra mát i ca (1885) ..... 321, 323, 325, 327 Art e n o Teat ro (1884) 321, 322, 325, 326, 327
Mach ado , Antón io Ped ro Bapt is t a (1847 –
1901) .................................................... 45, 125, 149 Exp eri ên cia (Uma ) .........................................45
Mach ado , C ecí lia ................................................49 Mach ado , J e ró n im o Alves d e Ave la r (1832
– 1887) ........................................................84, 149 Ho men s do p o vo (1864) .............................149
Mach ado , Jú lio C és ar (1835 – 1890) ..84, 99, 120, 136, 149, 154, 155 Amigo s , a migo s (1863) ................................43 Ap ont a mentos d e u m fo lh et ini sta (1878)
..........................................................................284 Aq ue le t empo (1875) ...................................121 C arta a Fra n ci s co Pa lh a (1854) .............94 C lá udio (1852) ...............................................121 C onto s a vap or (1863) ...............................102 En quanto la dra o To bia s (1872) ...........150 Tr echo s d e fo lh et im (1870) .....................121 Vida em Li s boa (A) (1858, ro m an ce) ....98 Vida em Li s boa (A) (1861, co m éd ia ) ....98
Mad eira , An tón io Peregr ino (1792 – 1858)
...............................................................................243 Mad ières , Pau l
Po èt es par odi st es (Les ) (1912) .............111 Maete r lin ck, Mau r ice (1862 – 194 9) .......184 Maffe i, Sc ip io n e (1675 – 1755) .................199
M ero pe (1713) ...............................................220 Magalh ães , Jo sé Es t êvão d e (1809 – 1862)
.................................................................................45 Magalh ães , Rod r igo d a Fon s eca (1787 –
1858) ...................................................................300 Maia , Man u e l Ro d r igu es (17?? – 1804) .232 Mail lan , J u lien d e (1805 – 1851)
M as sa cre d es i nn o cent s (Le) (1839) ...284 Malh o a , Jos é (1855 - 193 3) ...........................33 Malla rm é , S t éph an e (1842 – 1898) . 143, 163 Malle f i lle , J e an -P ie r re Fé lic ien (1813 –
1868) S ept en fa nt s d e Lar a (Les ) (1836) .......283
Mall ian , J u lien d e (1805 – 1851) ................65
Man iqu e , Dio go In ác io P ina (1733 –
1805) .............................................................. 27, 31 Manu el, J os é C âm ara (1861 – 1945) ....... 170 Mapp a dos Th ea t ros d o R e ino
con s id erado s pú b lico s (1866) ................ 303 March an t (Par is )
M aga zin Th éât r a l (Le) . Choi x d e pi èces n ou ve lles jo u ées s ur t o us le s t h éât res
d e Pa ri s (co leção ) ...................... 67, 73, 120 Mard e l, C ar lo s (1696 – 1763) .........................4 Marecos , Jo s é F red er ico Pere ira (1802 –
1844) .......................................................... 230, 231 Marecos , Jo s é Pere ira (1802 – 184 4) ....... 93 Marivau x , P ie r re d e (1688 – 1763)
Ar leq uin po li pa r l’a mou r (1720) ....... 107 Marq uês d a F ron te ira C on su lt e Barre to , D .
J os é Tras im und o Mas carenh as Barre to
(1803 – 188 1) Marq uês d a F ron te ira (D . J os é
Traz im un do Mas caren has Barre to , 1802
– 1881) M emória s do Ma rqu ês da Fr ont ei ra e
d ’Alo rna .................................................. 12, 29 Marq uês d e Nis a ................................................. 38 Marq uês d e Sá d a Ban d e ira (Bern ard o d e
Sá No gu e ira , 1795 – 1876) ..................... 136 Marq ues , J esu ín a (1850 – ? ) ....................... 131 Marq ues , J o ão Sa lvad o r (1844 – 1907) .. 61,
149, 157 Mart in s , Edu ardo
Ho mem do po vo (Um) .................................. 44 Mart in s , Jo sé Maria Braz (182 3 – 1871)
...................................................................... 110, 114 Bo ns fr utos d e ruin s ár vor es (1858) .. 103 Ga brie l e Lu s be l ou o Ta umaturg o
S anto António (1854) ...................... 83, 284 Ho mem da s bota s (O) (1852) ................. 103 Peca d os d a mo cidad e (Os ) .................. 35, 44
Mart in s , Jo sé To m ás d e Sous a (1843 –
1897) .................................................................. 133 Mart in s , Luí s P into
Joã o , o o perá rio .......................................... 181 Mart in s , P . G . S . ................................................. 63 Mart in s , Tito (1868 – 194 6) ....................... 170 Marx , Kar l (1818 – 1883 ) ............................ 318 Mas caren h as , Jo aqu im Au gus to d e
Olive ira ( 1847 – 191 8) ............................. 175 Agiota (O) ....................................................... 182 Duq u e d e Vi s eu ............................................. 178 Mi gu e l d e Vas con ce los (1881) .............. 178 S ombra s e co lo ridos (1877) ................... 176 Viriato ............................................................... 178
Mas son , Mich e l (1800 – 188 3) M ari e -Ro s e (1853) ...................................... 139
Matabon , Hipp o lyt e (1823 – 1899) Ap r ès la jo urn ée (1874) ........................... 165 Lun et t es d e ma gra nd -mèr e (Les ) (1873)
......................................................................... 165 S ouri s (Un e) (1883) ................................... 165
Matos , F ran c is co Antón io d e (1845 –
1902) .................................................................. 156 Alma na ch do s Th eat ro s (1889) ............. 156
Matos , Jú lio Xavie r d e (1856 – 1922 ) ... 331 McGivern , C ec il (19 07 – 1963)
356
C enci (Th e) , Newcas t le Peo p le 's
Th ea t re (1935) ...........................................116 Meilh ac , Hen r i (1831 – 18 97)
S onn et t es (Les ) (1872) ...............................142 Méles vi lle , An n e -Hono ré -Jo s eph
Du vey r ie r d it (1878 – 1865) .....................69 Adi eu x a u co mptoi r (Les ) (1824) ............70 Alì -Ba bà (1833) ............................................107 Bo bo do pr ín cip e (O)/ Bou f fon du
Pr i nce (Le) (1831) ....................................69 C â mar a ar d ente (A) / Cha mbr e a rd ent e
(La ) (1833) ....................................................69 C h eva li er d e Saint -Geo rg es (Le) (1840)
..........................................................................113 Desp edidas ao ba lcã o (As ) (1839) .........68 M aiso n d e Rempa rt (La ) ou u n e Jou rn ée
d e la fr ond e (1828) .................................255 M aria g e imp os si ble (Le) (1828) /
Desa fio s (Os ) (1838) ...............................69 Mi gu e l Pér rin / Mich e l Per rin (1834) ...69
Mello , Au gu s to d e (1853 – 1933) ... 321, 329, 336, 337 M anu a l do En saiad or Dra mát i co (1890)
..........................................................................321 Melo , Alf red o Carva lh o e .............................305 Melo , Alf red o d e (1842 – 1875) ................149 Melo , Au gus to Ernes to d e Cas t ilh o e
(1827 – 187 7) ........................................ 140, 142 Amo r es d e Pa ri s (Os ) (1871) ..................139 Bib l io th eca Th ea t ra l (1874 – 1875,
co l. ) ................................................................139 C ond e Ja cq u es (O) (1869) .......................139 Dois su rdo s (Os ) (1870) ...........................139 Histó ria ant iga (1873) ...............................139 Joã o , o bri tado r (1874) .............................144 Jú lia (1873) .....................................................139 M enino s gr and es (1873) ...........................139 Th ea t ro co ntem po ran eo (1869 – 1873)
..........................................................................135 Melo , Au gus to Xavie r d e (1853 – 1933,
a to r ) ........................................................... 161, 164 Melo , C arva lh o e .................................................63 Melo , Lavín ia d e C ast ilh o e
Dois p erdig uei ros nu m r asto (1869) ...139 Em ca sa da a vó (1873) ..............................139
Mend es Lea l Jún io r , Jo s é d a S ilva (1818 –
1886) .................... 63, 78, 79, 80, 84, 119, 122, 217 Afi lh ada do Ba rão (A) (1850) ................293 Dois r en ega dos (Os ) (1839) ...78, 79, 80, 81,
260 Epi tap hio e Epi tha la mio ...........................118 Hera n ça do Ch an c e ler (A) (1856) ..........83 Ho men s d e már mo r e (Os ) ...........................86 Ped r o (1857) ...................................................286 Po br ez a en verg onh ada (A) (1857) .......123 Qu em po r fia mata ca ça (1848) ................43 Recei ta par a cur ar sau dad es (1857) 115,
118 Temp lo d e Sa lo mão (O) (1849) ..............120 Ti o And r é qu e veio do Bra si l (O) (1857)
..........................................................................103 Mend es Lea l, An tó n io (1831 – 1871) .....279 Mend es , And ré Lud gero ...................................45 Mend es , J o ão .........................................................50
Mend on ça , An tón io Ped ro Lop es d e (1826
– 1865) .................................................. 41, 42, 120 Eco d os Op erá rios (O) (1850) ................ 88 Po r ta d eve esta r a berta ou f echad a
(Uma ) (1860) ............................................. 102 Mend on ça , Hen r iqu e Lo pes d e (1856 –
1931) Zé Pa lo n ço (1891) ....................................... 161
Mend on ça , Manu e l Mat ias Vie ira F ia lh o
d e (1779 – 1813) Atr eo e Thi est es (1803, t rad . ) ................. 54
Mend on ça . Hen r iqu e d e ................................... 45 Men eses , F ran c is co Xavie r d e (1673 –
1743) .......................................................................5 Men eses , J ú lio d e (1853 – 1921) .............. 156
C on fer ên cia (Uma ) (1909) ...................... 166 Men ezes , An tó n io d e , a liá s Argu s
(c ro n is ta ) ........................................................... 48 Merc ie r , Lo u is -Séb ast ien (1740 – 1814) 76 Mes qu it a , Au gus to C és ar Ferre ira d e
(1841 – 191 2) ........................................ 149, 170 Amo r es d e leoa (1872) .............................. 150 Lu ís XI e o po eta (1874) .......................... 143
Mes qu it a , Marce lin o An tón io d a S ilva
(1856 – 191 9) .......................................... 52, 169 Leono r Te les (1889) ................................... 178
Metas t as io , P ie t ro (1698 – 1782) ......... 20, 25 Mey erb eer , Giacomo (1791 – 1864)
Ro bert - le -dia ble (1831) ............................. 58 Mich e l, Marc -An to ine (1812 – 1868)
Deu x n ez su r un e pi st e (1861) .............. 139 Mich e le t , J u les (1798 – 1874) ........... 142, 318 Mid o s i j ún io r , Pau lo (1821 – 1888)
Ent re a bigo rna e o mart e lo (1857) ... 106 Mi sant ropo (O) (1853) ........................ 97, 103 S en hor Jos é d o Ca pot e as si st i ndo à
r epr esenta ção d o Tor rado r (1857) 106, 126
Mid o s i, Lu ís F ran c is co (1796 – 1877) .. 231, 239
Mid o s i, Lu is a C ând id a (1807 – ? ) .. 228, 248, 250, 283
Mid o s i, Pau lo (1790 – 1858) ...................... 222 As so c iação Gil Vicen te .............................. 72 C or cu nda por Amo r (O) (1821) ............ 232 Log ro s nu ma h os pedaria (Os ) (1842) . 72,
73 M anu el d e S ou sa C out inho (1842) ...... 273 N oivado em Fri e la s (Um) (1841) ... 72, 288
Mid o s i, Pau lo ( jún io r) (1821 – 1888) .... 231 Milto n , J ohn (1608 – 1674)
S amson ago ni st es (1671) ......................... 116 Miran d a , Alf redo (1860 - ? ) ....................... 164 Miran d a , F ran c is co Sá d e (1481 – 1558) 24 Mm e d e S taë l (An n e -Lou is e Germ ain e d e
S taë l-Ho ls t e in , 1766 – 1817) ................. 211 Mó , Alex and re ................................................... 131 Mo in eau x , Ju les (1815 – 1895)
Deu x s our ds (Les ) (1866) ........................ 139 Mo liè re (J ean -Bap t is te Po qu e lin )
I mp ro mptu d e Versai lle s (1663) ........... 241 Mo liè re (p s eud . ) . C on su lt e Poq ue lin , J ean -
Bap t is t e (Mo liè re ) (1622 – 167 3) Mo lin a , J u an d e ................................................. 121
357
Mo n iz , Jo ão d e No ronh a C amõ es d e
Alb uq u erqu e Sou s a (1788 – 1827) .........29 Mo n iz , Jos é An tó n io (1849 – 1917)
Art e d e di z er . Estudo s d e di cção
r eunido s e or d enad os (1902, 190 3) 336 Art e d e Repr es entar . Car act eres (1909)
..........................................................................336 Art e d e Repr es entar . S ent imentos ,
exp ress õ es , i d ent i fi ca çã o (1912) .....336 Mo nta lvão , Ju st in o d e (1872 – 1949) .....184 Mo nte iro , An tó n io Maria do C ou to ´(1821
– 1896) C a bu lo gia (A) ou a M ora l em a cção
cá bu la -can çã o ...........................................113 Mo nte iro , Jo aq u im Jo s é Antun es d a S ilva
...............................................................................102 Mo nte iro , Jo sé d e Sous a
Pa to bra vo (O) (1900) ...............................183 Mo nte iro , Ofé lia Pa iva
Fo r ma ção d e Gar r et t (A) (1971) ..........250 Mo nte iro , Rod r igo
Li ção d e f e li cidad e (Uma ) (1862) ........144 Po r cau sa d e uma carta (1863) .............144
Mo ntép in , Xavie r (1823 – 19 02) ...............155 Mo ntesqu ieu (Ch ar les -Lo u is d e Second a t ,
1689 – 175 5) .......................................... 211, 214 Mo ra to , F ran c is co Manu e l Tr igo s o d e
Aragão (1777 – 1838) M emória so br e o th eat r o po rtugu ez
(1818) ..............................................................67 Mo re , Han nah (1745 – 1833) .......................116
S ea r ch a ft er Ha ppin es s (Th e) (1773) .116 Mo re to y C ab añ a , Agus t ín (1618 – 1669)
.................................................................................18 C o media fa mos a El va li ent e just i ci ero y
ri co ho mbre d e Alca la (1751) .............61 Mo yn et , J ean -P ie r re (1819 – 1876) ..........323
L’en ver s du th éât r e . Ma chines et
d éco rat ion s (1873) ..................................323 Mu ss e t , A lf red d e (1810 – 1857) ..............119
C ap rice (Un ) (1847) ...................................117 C ap rices d e M arian ne (Les ) (1833) ....117 C oup e et le s lèvr es (La ) (1833) ............117 I l faut qu 'un e p ort e soi t ou vert e ou
f er mée (1845) ............................................102 Le chan de li er (1848) ..................................195 Lor enza ccio (1834) ......................................117 N ui t véni t i enn e (La ) ou les No ces d e
Lau r et t e (1830) .........................................117 On n e badin e p as a vec l’a mo ur (1834)
..........................................................................117 Th éât r e dan s un faut eui ll (Un ) (1833)
r e ligião Ch ri stã (1816) ........................ 191 Nazaré , Jo s é d a S ilva ( im p ress o r) ................5 Nazare th , Jo s é Maria dos San to s .............. 155 Neto , R ica rdo Jo s é So us a (1822 – 1870) 99
À p orta d a r ua (1854) ................................. 97 Peq u enas mi s érias (As ) (1854) ............... 97
Neves , Emí lia d as (1820 – 1883) ............. 136 Nin gu ém , Zé (p s eu d . )
Ra pazia das Teat rai s . Res u mido t rata do
d a art e d e r epr es entar (1930) .......... 336 Nod ie r , C h ar les (1780 – 1844) .............. 58, 59 No rm and , J acq u es C la ry J ean 1848 –
1931) Écr evi s s es (Les ) (1879) ............................ 164
No ro nh a , Ed uardo (1859 – 1948) C ond e d e Fa r ro bo e a s ua épo ca (O)
(19-- ) ............................................................... 38 S oci ed ad e do Delí rio (A) (1921) ........... 38
No vaes , Is ab e l C ad ete Pr i mei ro s a rr ou bo s d e exa lta ção
p at riót i ca e li ber a l do a ca d émi co
Ga rr et t (Os ) (2006) ............................... 202 No velli, Erm ete (1851 – 1919) .................. 183 No verre , J ean -Geo rges (1727 – 1810) ..... 21
Let t r es s ur la dan se et sur le s ba lle t s
(1760) ............................................................. 21 Nun es , C láud io Jo s é ....................................... 149 Nu s , Eu gèn e (1816 – 1894)
Jean la post e (1866) .................................. 121 Pa u vr es d e Pari s (Les ) (1856) .............. 124
O
O Amad or Dr a mát i co (p e r iód ico ) .............. 50 O Lei ri ens e (p e r ió d ico ) ................................. 302 O Pa n or ama ..................... C on su lt e So c ied ad e
P rop agado ra d e Conh ec im en to s Úte is O’ Su llivan d , C ar lo s (1842 – ? , a to r ) ...... 121 Oeiren s e , F ran c is co An tó n io S ilva (c .1 797
– 1868) .............................................................. 207 Offenb ach , J acqu es (1819 – 1880) .......... 142
Orph ée au x en fe rs (1854) ........................ 284 Pér i ch o le (La ) (1868/1874) ...................... 48
Ohn et , Geo rges (1848 – 1918) ..................... 48 Olive ira j ú n io r , Hen r iqu e d e ...................... 134 Olive ira , An tó n io C ând id o d e .................... 175
Fi lh o d a Repú bli ca (O) ............................. 176 Olive ira , F ran c is co Xavie r d e (1702 –
1783) .......................................................................3 Amu s ement périodiqu e (1751) ....................3
Olive ira , J o aqu im Au gus to d e (1827 –
1901) .................................... 99, 110, 149, 155, 175 Alb um Th ea t ra l. C o llecção d e com ed ias
acom od ad as ao t ea t ro p o rtu gu ez
(1857, co l. ) .................................................. 98 Amo r es d o Dia bo (1865) .......................... 121 C or oa d e lou ro (A) (1858) ...................... 107 I zidor o o vaq u ei ro (1857) ......................... 98 Lot eria d o dia bo (1858) ........................... 106 M u lh er no s egur o (Uma ) .......................... 174 Rev i sta d e 1 858 (1858) ............................. 107 Últ i mo ído lo (O) .......................................... 183 Út i l e ag ra dá ve l (1857) .............................. 98
358
On ib as (ps eud . ) Fi a sco (1908) .................................................164
Óp era d o Te jo (Lis bo a) ....................................27 Ort igão , J os é Du ar t e R am alho (1836 –
1915) .......................................... 137, 149, 318, 320 Os Th eat ros (p e r iód ico ) .................................330
P
Pail le ro n , Edou ard (1834 – 1899) .............155 Palh a , F ran c is co ............... C on su lt e Lacerd a ,
F ran c is co Pa lh a d e Far ia e (1827 - 1890)
Palh a , F ran c is co (1827 – 1890) .... C on su lt e
Lacerd a , F ran c is co Pa lh a d e Far ia e Palh a is , A . R eb e lo ................................... 135, 136 Pallu cc i, En r ico (cen ó gra fo ) .......................262 Palm eir im , Lu í s Au gu s to (1825 – 1893)
.............................................................. 149, 150, 304 Amigo s ínt imo s (Os ) (1863) ....................144 Ant es qu e ca ses .............................................149 S apat ei ro d e es cada (O) (1856) ..............83
Pa n or ama (O) (p e r iód ico ) ........................83, 99 Pap an ça , An tón io d e Maced o (1852 -
1913) S ever o Tor e lli (1887, d ram a) .................165
Pas sos Manu e lC on su lt e Pas sos , Manu e l d a
S ilva ( 1801 – 1862) Pas sos , Manu e l d a S ilva (1 801 – 186 2) 199,
256, 300, 301 Pat in , Hen r i (1793 – 18 76)
Ra ppo rt su r le s con co ur s d e l’an née
1 875 ................................................................165 Pato , R a imun do Bu lh ão (1829 – 1912) ...84,
133 Pa t riota (O) (p e r iód ico ) ................................225 Pau lin o , Higin o Au gus to d a Co st a ...........149 Pau ly an th e (p s eud . ) . C on su lt e Ch apo nn ie r ,
A lex and re (1793 – 1852) Ped egach e , Manu e l Tib ér io (1730? –
1794) M éga ra (1767) ...............................................198
Ped ro (de So us a) , An tó n io (1836 – 1889,
a to r ) ........................................................... 121, 166 Acad em ia R ecre io Art í st ico (Lis bo a ,
1855) ................................................................42 Ped ro , An tó n io (1909 – 1966)
Peq u eno Trata do d e En cen a ção (1962)
..........................................................................336 Peix o to , Hen r iqu e (1858 – 1925) ..... 153, 175
C enas do mun do ............................................176 Lad rõ es d e Honr a (1883) .........................176 Ver dad es a ma rga s (1890) ........................153 Vo z do Po vo (A) ............................................179
Pere ira , An a Elis a (a t r iz , 184 5 – 1921) .166 Pere ira , An tó n io Maria (1824 – 1880,
li vre i ro -ed ito r ) ........................................98, 154 Th ea t ro p a ra r ir (1857 – 1867, co l. ) .....98
Pere ira , An tó n io Maria ( f ilh o ) (1856 –
1898, l ivre iro -ed ito r ) ...................................98 Pere ira , Araú jo (1872 – 1936) ......................49 Pere ira , F ran c is co Te ix e ira d a S ilva (183 9
– ? , a to r ) .................................................. 161, 166 Pere ira , Lu í s d a C os t a (1819 – 1893) ... 104,
331, 332, 333, 334, 335
Ru dimento s da Art e Dra mát i ca (1890)
......................................................... 307, 331, 335 Per i ch o le (A) (op ere t a ) ................................... 48 Perrau lt , Ch ar les (1628 – 1703)
La be lle a u boi s do r mant (1799) ......... 107 Pes so a , C ar lo s Au gu s to d a S ilva .............. 129
Lei lã o do dia bo (O) (1863) .................... 108 S et e cast e lo s do dia bo (Os ) .................... 108
Pezzan a , Giac in t a (1841 – 1919) .............. 121 Pim ente l, Em í lia Ad e la id e (1836 – 190 5)
.............................................................................. 137 Pim ente l, J os é F re ire d e Serp a (1814 –
1870) Rev i sta Aca démi ca ........................................ 67
Pin h e iro , An tón io Jo s é (1867 – 1943,
a to r )...................................................................... 10 Pin h e iro , Manu e l Gu stavo Bo rd a lo (1867
– 1920) ................................................................ 47 Pin h e iro , R afae l Bo rd a lo (1846 – 1905) 47,
126 Antó nio Ma ria (1879 – 1898) ................ 180 Pa r ódia (A) (1900 - 1 907) ...................... 180
Pin to , Dio go An tó n io Co rre ia d e Sequ in s ,
J u iz do C r im e .................................................. 34 Pin to , F ran c is co
Natu ra lis mo n o Tea t ro .......................... 329 Est ét i ca Natu ra li sta (A) (1884) ........... 327
Pit a , J o aqu im Afo nso Ro d r igu es ................ 33 Pix érécou r t , R en é -Ch ar les Gu ilb e r t d e
(1773 – 184 4) ........................ 28, 35, 64, 76, 195 Derni ères r é f lexi ons de l’a uteur su r le
melo dr a me (1843) ..................................... 76 Jés ui t e (Le) (1830) ....................................... 77 Les Natch ez o u La t ri bu d u s erp ent
(1827) ........................................................... 195 Mi nes d e Po lo gn e (Les ) (1803) .............. 60 M ona st èr e a band onn é (Le) ou la
ma lédi ct ion pat er ne lle (18 15) ............ 64 M ost ei ro a ba ndon ado (O) ou a
ma ldi ção paterna (1844) ....................... 64 Pè ler in bla nc (Le) ou les en fant s du
h ameau (1801) ............................................ 64 Per eg rino bra n co (O) ou os menin os d a
a ld eia (1840) ............................................... 64 Th éât r e ch oi si (1841) .................................. 59
Plan qu e tt e , Rob er t (1848 – 1903) C lo ches d e Cor n evi lle (Les ) (1877) ..... 48
Pla t ão Féd o n ................................................................. 229
Poq ue lin , J ean -Bap t is t e (Mo liè re ) (16 22 –
1673) ............................................ 5, 12, 21, 25, 162 Ava r e (L ’) (1668) / Ava r ento (O) (1787,
t rad . ) ............................................................... 54 Bo urg eoi s g ent i lho mme (Le) (1670) ........5 Fâ ch eux (Les ) (1661) .................................. 21 Geor g e Dandin (1668) ............................ 5, 21 Le bou rg eoi s g ent i lh o mme (1670) ......... 21 M a lad e i maginai r e (Le) (1673) .............. 21
(1762 – 183 0) .................................................237 Po r tugu ez C onst i t u ciona l Reg en erado
(p e r ió d ico ) ...................................... 226, 227, 239 Pos s er , C ar lo s (1850 – 1949, a to r ) ............48 Préve l, J u les (1835 – 1889)
M ou squ etai r es au co u vent (Les ) (1881)
..........................................................................113 Prou dhon , P ie r re -J os ep h (1809 – 1865)309,
310 Py a t , Fé lix (1810 – 188 9) ...............................78
C hi f foni er d e Pa ri s (Le) (1847) /
Tra p ei ro d e Pa ri s (O)..............................78
Q
Qu ares m a, D . Jo s é Lob o d a S ilve ira
Qu ares m a, 4º m arqu ês d e Alvito (1823
– 1917) ................................................................44 Qu eiro ga , Jo ão Alex and r in o d e Sou s a
(1787 – 186 3) M erin va l ( t rad . ).............................................198
Qu eiró s , Eus éb io (1870 – 1943) Li vro d o ens aiado r (O) (1915) ..............336
Qu eiró s , Fe rnando Jo sé d e (17. . – 1826)63, 227
Qu eiró s , Jo s é Maria d e Eça d e (1845 –
1900) ........................................ 38, 45, 52, 113, 165 Li t er atur a No va (A) . O Rea l co mo no va
exp li cação d a art e (1871) ...................335 Qu in te la , Jo aq u im Ped ro 1º b a rão d e
Qu in te la (1748 – 1817) ...............................27 Qu in te la , Jo aq u im Ped ro 2º b a rão d e
R ach e l (Él is ab e th R ach e l Fé lix , 1821 –
1858) ...................................................................324 R acin e , Jean Bap t is t e (1639 – 1699) 25, 189,
201 I phig énie en Au li d e (1674) ......................190
R ambo is , Ach il le (181 0 – 1882) ..........40, 114 R ameau , J ean -Ph ilip p e (1683 – 1764 )
Pr i ncess e d e Na va rr e (La ) (1745) .........21 R amos , An tó n io .................................................164 R ebe llo , Lu iz F ran c is co (1924 – 2011) ....60 R ebe lo d a S ilva , Lu í s Au gu sto (1822 –
1871) .......................................................... 295, 297 Ép oca (A) (1848)
A Es cho la Mod ern a Lit t e ra r ia . O S r .
Garre t t ......................................................295 R ecre io Tea t ra l (183 9, co l. ) ..........................68 R ecre io Th ea t ra l d ed icado ao be lo s exo
(1839, co l. ) ........................................................57 R egn ard , J ean -F ran ço is (1655 – 1709)
Jou eur (Le) (1696) / Jog ado r (O) (1787,
t rad . ) ................................................................54 R égn ie r .....................................................................39 R egu lam en to e m ais legis lação s ob re a
adm in is t ração dos Th ea t ros (1860) .....303 R eich en berg, Su zann e (1853 – 1924) ......165
R eis Qu it a , Dom in gos (1728 – 1770) ..........4 R eis Qu it a , Dom in gos (1728 – 1789)
M éga ra (1767) .............................................. 198 R eis , Antón io Ba ta lh a (1838 – 1917) ..... 165 R eis , Antón io Pere ira dos ............................ 304 R eis , J a im e Ba ta lh a (1847 – 1935) .......... 155 Rép ertoi r e du Th éât re f ran çai s à Ber lin
(co leção ) ............................................................ 67 Rep ertório Dr a mát i co Po rtu gu ez ............... 59 Rev i sta cont empo ran ea d e Po rtuga l e
Br azi l (1859 – 1865, p e r ió d ico ) ............. 84 Rev i sta Li t erária (p e r iód ico ) ..................... 273 Rev i sta Th eat r a l (p e r iód ico ) ...................... 260 Revu e d es Deux Mo nd es ........................ 117, 119 R ib e iro San ch es , An tón io Nu nes (1699 –
1783) .......................................................................3 R ib e iro , Bern ard im (c .1480 – c .1545)
M enina e Mo ça (S auda d e , 1554) .......... 264 R ib e iro , Jo s é S ilves t re
Pr i mei ro s t r aços d ’u ma r es enh a da
Li t t eratu ra Po rtug u eza (1853) ........... 67 R ib e iro , To m ás (1831 – 1901)
N o vas conqui stas (As ) (1864) ................. 91 R ib e iro , To m ás (To m ás Antón io R ib e iro
Ferre ira , 1831 – 1901) M ã e do en kei tad o (A) (1864) ................. 183
R icard o , Antón io Pa r ri c ídio fru st ra do (O) ............................ 30
R iccob on i, F ran ço is (1707 – 1772) L’Art d u Théât r e (1750) ........................... 304
R im b aud , J ean -Nich o las -Arthu r (1854 –
1891) .................................................................. 163 R ob er to .................................................................... 63 R o ch a , A . ............................................................. 149 R o ch a , An tón io Jos é (p into r cen ar is t a ) . 279 R o ch a , Eu gén io ................................................. 136 R o ch a , F ran c is co ................................................ 46 R o ch a , J ú lio (1855 – 1920) ........... 47, 136, 155 R ojas , Fern and o d e (1470 – 1541)
C o media d e C a li xto e M eli bea (1499)
......................................................................... 116 R o lão , J . A . Rod r igu es
Asi la do (O) ..................................................... 129 R o llan d , F ranc is co ....................................... 54, 92
Th eat r o est r ang ei ro (1787 – 1788, co l. )
........................................................................... 54 R om a, C ar lo s Mo ra to (1797 – 1862) ..... 230,
231 Ro ma n ci sta (O) . Jo rna l d e recr eio .
Dedi cado em esp ecia l ao be lo sexo
(1839, p e r ió d ico ) ........................................... 68 R om ano , Jo s é F ilip e Ovíd io (1825 – 1887)
.............................................................. 129, 136, 155 M ano el d ’Aba lad a (1855) ........................ 127 M árt i r es da Germânia (1859) ................. 83
R o ret , N ico las (1797 – 1860) En cyc lop édi e (1822) .................................. 320
R os a , Au gus to (1852 – 1918, a to r ) . 161, 308 Reco rda çõ es da cen a (1915) .................. 308 Reco rda çõ es d e s cen a e d e for a d e
s cena (1915) .............................................. 137 R os a , Jo ão An ast ác io (1812 – 1884, a to r )
.............................................................................. 308 R os a , Jo ão An ast ác io (p a i) (1812 – 18 84,
a to r ).................................................................... 136
360
R os ie r , J os ep h -Bern ard (1804 – 1880) C h eva li er du g u et (Le) (1840) ...............295
R os s i, Ern es to (1821 – 1896) ......................121 R os s in i, G io ach in o (1792 – 1869)
Gui lla u me Te ll (182 9) ..................................58 R ou ss ado , F ran c is co Lou renço (c .1770 –
182-) Dis serta ção hi stóri ca e crít i ca s o br e as
r epr esenta çõ es t eat r aes (1799) ........306 R ou ss ado , Manu e l (1833 – 1909) ..... 149, 155
Di toso fa do (O) (1872) ..................... 149, 150 Fo s si li s mo e p rog r es so (1865) ..............136
R ou ss eau , Jam es (1747 – 1849) Phy s io lo gie du Rob er t Maca ire (1842) 76
R ou ss eau , Jean -Bap t is t e (1671 – 1741) C eintu r e magiqu e (La ) (1701) .................61
R ou ss eau , Jean -J acq ues (1712 – 1778) .....3, 193, 229 Ju li e , ou la Nou ve lle He lo ï s e (1761) ..192
R ou ss eau , Th éodo re (1812 – 1867) ..........263 R u as , Lu í s (emp res á r io ) ..................................49 R ud ers , C ar l I s rae l (1761 – 183 7) ............306
Viag em em Po rtuga l (1 798 – 180 2 ).......34 R u iz , Pep a (1860 – 1923, a t r iz ) .................161
S
Sá , Du art e de (1823 – 1876) .... 39, 40, 43, 130, 135, 137, 149, 155, 304, 305 Ap onta mentos so br e d ec la ma ção
(c .1870) ............................................... 305, 307 Dua s li ções nu ma só (1872) ....................150 Tra ba lho s em vão (Os ) (1857) ...............106
Sá , Mar ia d a Con ce ição e ...............................40 Sain t -Am and (p s eud . ) ..... C on su lt e Laco st e ,
J ean -Arm and (1797 - 188 5) Salão d as Tr in as (1919 -1 940, L is b o a ........49 Salão d as Tr in as (1919 -1 940, L is b o a) ......49 Salazar y To rres , Agus t ín d e (1642 –
1675) .....................................................................18 Salgad o , He lio do ro (1861 - 19 06) ............177 Salgad o , Jo ão
Histó ria do Teat ro em Po rtug a l (1885)
..........................................................................321 Salgu e iro , J o rge .................................................136 Salie r i, An ton io (1750 – 1825) ..................107 Salvad o r , Lu í s (cenó gra fo ) ..........................168 Samp aio Bruno (ps eu d . ) , J os é Pere ira de
Samp aio (1857 – 1915) Gera ção no va (A) (1886) ..........................141
Sams on , J os ep h Is ido re (1793 – 1871) ...324 L’Art Th éât r a l (1863 – 1865) 304, 308, 324
Sans on , A . J . .......................................................195 Ata la (1828) ....................................................195
San tos & C ª (emp res a t ea t ra l) ....................141 San tos , An a C la ra ...............................................63 San tos , An tó n io Mart in s d os .........................49
C as a d e Ba be l (A) (1883 ) .........................153 San tos , C ar los (1872 – 1949, a to r ) ..........131 San tos , Du ar t e Jo aqu im
M os ca br an ca (A) .........................................144 San tos , Jo s é C ar los do s (1833 – 1886,
a to r , emp res á r io , au to r ) .... 99, 121, 130, 131, 136, 139
An jo da pa z (O) (1857) ............................. 105 Joa qui m, o Terr a No va (1864) ................ 44
San tos , Mar ia J os é d os (a t r iz ) ................... 279 Sardou , Vic to r ien (1831 – 1908) .............. 144
Belle ma ma n (1889) ................................... 145 Divor ço ns (1880) ......................................... 145 Fa mi lle Ben oi ton (La ) (1865) ............... 144 Féd o ra (1883) ............................................... 145 Fer n an de (1870) .......................................... 145 Gan a ch es (Les ) (1862) .............................. 144 M ada me S ans -Gêne (1893) ..................... 145 M ar ce lle (189 7) ............................................ 145 M on sieur Ga rat (1860) ............................. 144 N os bon s vi lla g eoi s (1866) ..................... 144 N os int i mes (1861) ...................................... 144 Od et t e (1881) ................................................ 145 On cle Sa m (L ’) (1873) .............................. 145 Pa pi llo n ne (La ) (1862) ............................. 144 Pa t ri e (1869) ................................................. 145 Pa t t es d e mo u ch e (Les ) (1860) ............. 144 Pi st e (La ) (1906) ......................................... 145 S éraphin e (1868) ......................................... 145 Tos ca (La ) (1887) ........................................ 145 Vi eu x ga r çon s (Les ) (1863) .................... 144
Sarged as , Manu e l Antón io ........................... 288 Sarm en to , Alf redo de ..................................... 136 Sarm en to , In ác io P iza rro d e Mo ra is (1807
– 1870) ................................................................ 63 Fr e i Lui z d e Sou sa (1840) ....................... 273
Sarm en to , Ra im undo d e Qu e irós (1832 –
19. . . ) .......................................................... 129, 130 C art ei ra perd id a (A) .................................... 44
Saun iè re , Pau l (1827 – 1894) ..................... 128 S cen a (A) (p e r iód ico ) ....................................... 50 Sch ille r , J o h ann F r ied r ich von (1759 –
1805) .......................................... 247, 248, 254, 255 Die Räu ber (1781) ........................ 60, 247, 248
Sch iop e tt a , Do m in go s An tón io (c .1788 –
1837?) ............................................................... 243 Sch lege l, Au gu st W ilh em von (1767 –
1845) .................................................. 142, 211, 255 C ou rs d e Li t t ér atur e Dr a mat iqu e ( t rad .
F r . 1814) ..................................................... 250 Sch wallb ach Lucc i, Ed u ardo (1860 –
1946) .................................................. 165, 169, 304 Sco tt , S ir W alt e r (1771 – 1832) .................. 66 Sco tt , W alt e r (1771 – 1832) ....................... 255
Es sa y on th e Dra ma (An ) (1819) ......... 270 Sco tt , W alt e r (1771 – 1832)
Es sa y on th e dr a ma (An ) (1819) ............ 66 Scr ib e , Eu gèn e (1791 – 1861) ........ 68, 69, 144
Adi eu x a u co mptoi r (Les ) (1824) ........... 70 Alì -Ba bà (1833) ............................................ 107 Ambi cios o (O)/ Ambi t i eu x (L ’) (1834) 69 Art i st e (L ’) (1821) ...................................... 135 Bert rand e Raton o u A art e d e
con spi r ar / Bert rand et Rato n , ou
l’Ar t d e co nspi r er (1833) ...................... 69 C a mar ad eri e (La ) o u la Co urt e éch e lle
(1834) ........................................................... 125 C ap rich o d e hu ma mu lh er (O) (1839) . 68 C opo de águ a (O) , ou Os e f ei t os e as
cau sa s/ Verr e d ’eau (Le) , ou les
Ef f et s et le s caus es (1840) ................... 69
361
Desp edidas ao ba lcã o (As ) (1839) .........68 Don S éba st i en Roi de Po rtu ga l (1843))
..........................................................................272 Er ro (Um ) / Fa ute (Un e) (1830) ...............69 Est e la / C heva l d e nr onz e (Le) (1835) ..69 Fi ls d e Cro mwell (Le) o u un e
Resta urat ion (1842) .................................76 Hain e d ’un e femme (La ) o u le j eu ne
h omme a mari er (1824) ...........................70 M enteur véridiq u e (Le) (1830) ..............290 Pr emi èr es a mou rs (Les ) ou les
s ou veni r s d ’en fa n ce (1825) ..........70, 125 Pr i mei ro s a mo r es ou Lembra nças da
mo cida de (1839) .........................................68 Ro bert - le -dia ble (1831) ..............................58 Ur so e o Pa chá (O)/ Our s et le Pa cha
(L ’) (1820) ....................................................69 Seab ra , Manu e l Ferre ira d e (1786 – 1872)
Zai ra (1815, t rad . ) .......................................198 Sed a in e , Mich e l-J ean (1719 – 1797) .........76 Seix as , J o ão Nepom u ceno d e (1806 –
1873) .......................................................... 305, 307 C o mp êndio de Rudi mentos Hi stó ri cos307
Séjou r , Vic to r (1817 – 1874) An dr é Géra rd (1857) ..................................135 Ti r eu se d e cart es (La ) (1860) ..................83
Sepú lved a , Bern ardo Co rre ia d e C as t ro e
(1791 – 183 3) ........................................ 206, 207 Sequ e ira , Gus t avo Mato s (1880 – 1962) .10 Sequ e ira , Margar id a
Pa t er (O) (d ram a) ........................................165 Serom en ho , Dio go Jo sé ......... 135, 136, 170, 175
C as ado e s o lt ei r o .........................................145 Doido s … po lí t i co s ........................................146 Es cra vo (O) (1891) ..................... 114, 174, 176 N oi t e d os n oivado s (A) ..............................145 O qu e fa z medo ..............................................145 Po r cau sa d e um r et rato ...........................145 S cen as d o Br azi l ou o s Es cra vo s e
s enho r es (1873) ............................... 114, 176 Serom en ho , Lu ís Ferre ira d e C as t ro ........175
N o breza d e art i sta .......................................181 Po r tuga l Rest aur ado . 1 640 ......................176
Serra , F ranc is co Ferre ira (1837 – 19 22)
...................................................................... 129, 149 Bo ceta d e Pa ndo ra (A) (1872) ...............150
Serra , Jo ão Du art e Lis bo a (1818 – 1855)
.................................................................................63 Ses t e lo , R ica rdo
Acad em ia R ecre io Art í st ico (Lis bo a ,
1855) ................................................................42 Sh akes p eare , W ill iam (1564 – 161 6) .... 330,
340 Oth e lo (1604) ...................................................72 Ta ming o f t h e S hr ew (Th e) (1593) .......241
Sh e lley , Percy By ssh e (1792 – 1822) C enci (Th e) (1819) ......................................116
Silva , A lf red o .......................................................49 Silva , A lf red o Ferre ira d a (1859 – 1923,
a to r ) ....................................................................161 Silva , An tó n io J os é d a (Jud eu ) (1705 –
1739) .....................................................................25 En ca ntos de M ed eia (1735) .......................22
Gu er ra s d e Alecri m e Ma njeron a (1737)
........................................................................... 22 Pr ec ip í cio d e Fa eto nte (1738) ................ 22 Th eat r o Co mi co Po rtugu ez ou
C o llecçaõ das Opera s Po rtugu es as ,
q ue s e r epr es entara õ na Cas a do
Th eat r o pu bli co d o Bai r ro Alt o (1759
– 1765) ........................................................... 22 Silva , Ar tu r d a
D’Árta gna n (1892) ...................................... 166 Silva , Ar tu r Mar in h o d a
Lan ch a fa vori ta (A) 1896) ........................ 50 Silva , C e les t in o d a .......................................... 164 Silva , Do m in go s Parente d a (1836 – 1901)
................................................................................ 47 Silva , F ran c is co Au gu sto No gu e ira d a
(1830 - 1868 ) Alma na k art íst i co pa ra 1 858 (1857,
p e r ió d ico ) ..................................................... 92 Silva , F ran c is co Xavie r Pere ira d a .......... 125 Silva , In o cên c io F ran c is co d a (1810 –
1876) ........................................................ 54, 60, 98 Silva , J ac in to Antón io P into d a ................ 102 Silva , J o ão Au gus to Vie ira d a ..................... 47 Silva , J o ão Marqu es d a
Bib l io th eca th eat ra l. C o llecção d e p eças j o co s as rep res en tad as co m app laus o
n os th ea t ros pub lico s (1861 - 18 82)
......................................................................... 125 Silva , J o s é d a ..................................................... 243 Silva , J o s é Maria d a Co st a e (1788 –
1854) .................................................................... 63 Elys a e Lu so , o u o Temp lo d e Vénu s .
Elo gio dra mát i co repr es entado no
t eat ro da r ua d os Cond es pa ra
ce lebr a r o fau st í ssi mo dia 15 d e
s et embro d e 1 820 (1820) ..................... 227 Epi cédio I , à mort e do e lega nte Po eta
Dr amát i co António Xa vi er Fer r ei r a
d e Az evedo (1844) .................................... 62 Silva , J ú l io
Acad em ia R ecre io Art í st ico (Lis bo a ,
1855) ............................................................... 42 Silva , Lu í s Au gus to Reb e lo d a (1822 –
c r í t ica ) ..................................................... 294 Ép oca (A) . Jo rna l d e I ndú st ria ,
Ci ên cia , Li t eratu ra e Be las -Art es .. 315 Fa d a (A) (1857) ............................................ 115 M o cidad e d e D. Jo ão V (A) (1856) ....... 84 Oth e llo ou o Mou ro de Ven eza (1856) 84
Silva , M. F . C o rre ia d a Actor e a Ci vi li z a ção (O) (1865) ........... 52
Silva , Ped ro C ir í aco d a (1796 – 1856) .... 63 Silva , Xav ie r d a
Bib l io th eca P in to Bas to s (1 867, co l. ) 121 Silve ira , Gu i lh e rm e d a (? – 1900, a to r ) 164 Silve ira , J o aqu im Hen r iq ues F rad es so d a
(1825 – 187 5) ................................................ 315 Silve ira , J o s é Xavie r Mou z in ho d a (1780
– 1849) ...................................................... 253, 303 Sim õ es , Lu c ind a (1850 – 1928) ................ 183 Sirau d in , Pau l (1812 - 18 83)
362
On d ema nd e un e lect ri ce (1861) ...........139 So ares , Ju st in o .....................................................45 So c ied ad e Académ ico -Dram át ica (Po r to )
...............................................................................309 So c ied ad e As semb le ia Fam ilia r ...................46 So c ied ad e C ésar Po lla ......................................47 So c ied ad e Cu r io s id ad e Dram át ica ............130 So c ied ad e do Delí r io .........................................38 So c ied ad e do Tim b re .......................................282 So c ied ad e do s Am ado res d a C ena
Po r tu gues a .......................................................282 So c ied ad e do s J a rd ine iro s (Co imb ra) .....199 So c ied ad e Dram át ica Po lla ...........................153 So c ied ad e Es co lás t ico -F ilo m át ica ............281 So c ied ad e Es t ab e lec id a p a ra a
Sub s is t ên c ia dos Tea t ro s Púb lico s d a
C o r te (1771) ......................................................27 So c ied ad e F ila rm ó n ica Aluno s d e
Harmo n ia (Lis bo a) .........................................50 So c ied ad e F ila rm ó n ica Esp eran ça e
Alegr ia (Lis b o a) ..............................................50 So c ied ad e Ind us t r ia l Po r tu gu es a ...............315 So c ied ad e Kerop á t ica (Co imb ra) ...............199 So c ied ad e Lit e rá r ia Pa t r ió t ica ........... 250, 251 So c ied ad e P romo to ra da Indú s t r ia
Nac io n a l ............................................................314 So c ied ad e P romo to ra de Edu cação Popu la r
.................................................................................50 So c ied ad e P rop agad o ra d e C onh ec im en tos
Úte is ...................................................................315 O Pa n or ama . Jo rn a l lit e rá r io e
in s t rut ivo .....................................................315 So c ied ad e R ecre io Dram át ico .....................145 So c ied ad e R ecre io Fam ilia r ...........................47 So c ied ad e R egoz ijo Th a lien s e ....................283 So c ied ad e Tabo rda .......................................47, 48 So c ied ad e t ea t ra l Am izad e (Lis bo a) ..........32 So c ied ad e t ea t ra l Co n co rd ia (Lis b o a) ......32 So c ied ad e t ea t ra l P razer e Alegr ia
(Lis b o a) ...............................................................32 So c ied ad e Tea t ra l P razer R egen erad o
(1823) ...................................................................32 So c ied ad e Un ião Dram át ica .........................146 So lm er , An ton in o (1950 - )
M anu a l d e Teat ro (1999) ..........................336 Som aize , Anto in e Baud eau d e (1630 –
c .1680) Gr and di ct ionn ai r e d es Pr éci eus es ou
la C le f d e la lan gu e d es ru e lles
(1660) ..............................................................12 Pr éc i eu s es ridi cu les (Les ) .........................12 Pr o cès d es p réci eu s es (Le) ........................12 Véri ta bles pr éci eus es (Les ) .......................12
Somb ra d e C íce ro (p s eud . ) Ver dad ei r a luz d err amada na qu estão
li t e rária e sup r emo r emat e a e la
(1866) ............................................................105 Sou s a , C r is t iano de
C as a da bon eca (A) (1899) ......................183 Sou s a , Hen r iqu e Gu ilh e rm e d e (1819 –
1839) Afon so I I I ou o Va lid o d e El -Rei (1840)
............................................................................43 Sou s a , Jo ão d e ....................................................170
Sou s a , Jo s é Maria Dup on t d e (1863 –
1914) .................................................................. 170 Sou s a , Manu e l d e (1737 - ? )
Peã o fi da lg o (O) (1769) ................................5 Tartu f fo , ou o Hypo cri ta (1768, t rad . ) 5,
61 Sou s a , Qu ir in o
Pa u lo , o en j ei tado ....................................... 182 Sou s a , Sab in o d e .............................................. 164 Sou te llo , Au gu sto J oaqu im Leon e
Es p ect ro s ......................................................... 183 Sou ves t re , Ém ile (1806 – 18 54) ................. 57 So zz i, Pao lo (1862 – 1937) ........................... 33 St ich in i, P lác id o (1860 – 1897) ................ 166 Sto we, Harr ie t Beech er (1811 – 1896) .. 114
C a ba na do Pai To más (A) (1853, t rad . )
......................................................................... 114 Su e , Eu gène (1804 – 1857) ........................... 78
M yst èr es d e Pari s (Les ) (1844) ............ 135
T
Tab o rd a , F ran c is co Alves d a S ilv a (18 24
– 1909, a to r ) .............................. 46, 48, 106, 126 Ta il lad e , Lau rent (1854 – 1919)
Qu elqu es fantô mes d e ja di s (1913) .... 162 Ta in e , Hip po ly t e (1828 – 1893) ................ 338
Ph i lo sophi e d e l’a rt (1881) .................... 337 Ta lm a (F ran ço is -Jo seph ) (1763 – 1826)
...................................................................... 306, 332 Tar d es d e Verão ou o Di vert imento das
Da ma s (1836, p e r ió d ico ) ........................... 68 Tea t ro Acad ém ico (C o imb ra) ..................... 106 Tea t ro C ap itó lio (Lis b o a) ............................ 116 Tea t ro C h a le t ( t ea t ro d e fe ira ) .................. 145 Tea t ro d a Aven id a (Lis bo a) .......... 49, 130, 131 Tea t ro d a ca lçada do s Barb ad in hos
(Lis b o a) .............................................................. 31 Tea t ro d a Co rnu cóp ia (Lis bo a) .................... 10 Tea t ro d a F lo res t a Egíp c ia (Lis b oa) 129, 279 Tea t ro d a Repúb lica (Lis b o a) ..................... 164 Tea t ro d a ru a d a Fáb r ica d as Sed as
(Lis b o a) .............................................................. 31 Tea t ro d a ru a d as Tr in as d e Mo camb o
(Lis b o a) ...................................................... 49, 145 Tea t ro d a ru a d ire it a do Co légio do s
Nob res (Lis bo a) .............................................. 33 Tea t ro d a ru a do Lo u re iro (Lisb oa) .... 31, 33 Tea t ro d a ru a dos Con d es (Lis bo a) . 227, 307 Tea t ro d a Ru a do s C ond es (Lis bo a) ... 11, 14,
.............................................................................. 197 Tea t ro d a Ru a do s Grilo s (Co imb ra) ...... 197 Tea t ro d a ru a Fo rmos a (Lis bo a) .................. 45 Tea t ro d a t raves s a do Desp acho (Lis bo a)
.......................................................................... 33, 34 Tea t ro d a Tr in d ad e (Lisbo a) ...... 108, 121, 130,
144, 149, 165, 166, 303 Tea t ro d as Laranje iras ........... 7, 27, 33, 113, 279 Tea t ro d as Tr in as (1894, Liab o a) ............... 49 Tea t ro d as Var ied ad es / Sa lit re (Lis b o a) 75,
99, 107, 121, 132
363
Tea t ro d as Var ied ad es / .Sa lit re (Lis b o a) ..84 Tea t ro d e Alh and ra ...........................................129 Tea t ro d e D. Afon so ( t ea t ro d e fe ira ) .....145 Tea t ro d e D. Am élia (Lis b o a) .... 130, 164, 183 Tea t ro d e D. Au gus to ( t eat ro d e fe ira ) ...145 Tea t ro d e D. Fern and o (Lisb oa) .....42, 84, 85,
105 Tea t ro d e D. Maria I I (Lis b o a) .48, 78, 85, 86,
Tea t ro d e D.Maria I I (Lis b o a) ....................105 Tea t ro d e S . C ar lo s (Lisb o a) .........................27 Tea t ro d e São Lu ís (Lis bo a) ........................164 Tea t ro do Ba ir ro Alto (Lis b oa) ....................10 Tea t ro do Ba ir ro Alto ou d e S . Roqu e
(Lis b o a) .............................................................227 Tea t ro do Co légio d a Art es (Co imb ra) ...198 Tea t ro do Gin ás io (Lisb o a) .. 44, 47, 83, 84, 85,
C as te lo , Lis bo a) ..............................................46 Tea t ro do P r ín c ip e R ea l (Lis b o a) ...46, 47, 49,
114, 121, 129, 130, 153 Tea t ro do P r ín c ip e R ea l (Po r to ) ................183 Tea t ro do Quar t e l d e In fanta r ia 2 ...............45 Tea t ro do R a to (Lisb o a) ................................153 Tea t ro do Sa lit re (Lis b o a) .... 26, 48, 72, 94, 98,
127, 165, 279, 307 Tea t ro do s C ou t inho s (C o imb ra) ...............198 Tea t ro do s R ecre io s (Lisb oa) ..... 131, 145, 157 Tea t ro J aco b et ty (Lis bo a) ...............................48 Tea t ro Lis b on en s e (t ea t ro de fe ira ) .........145 Tea t ro Livre (1 902) ...........................................49 Tea t ro Lu ís d e C amõ es (Be lém ) ................153 Tea t ro Nac io n a l Alm eid a Garret t (Lis bo a)
.................................................................................10 Tea t ro Nac io n a l d e D . Mar ia I I (Lis b o a)
...............................................................................116 Tea t ro p a r t icu la r Alm eid a Garre tt
(Lis b o a) An im ató gra fo d a Arráb id a .........................50
Tea t ro p a r t icu la r d a ca lçad a d o C as cão
(Lis b o a) ...............................................................43 Tea t ro p a r t icu la r d a Graça (Lis bo a) ..........43 Tea t ro p a r t icu la r d a ru a d e Vicente Bo rga
(Lis b o a) .............................................................130 Tea t ro p a r t icu la r d e Jo ão P in to da Cun h a
(Vila R ea l) .........................................................66 Tea t ro p a r t icu la r do Cas t ilh o (Lisb oa) ...45,
50, 145 Tea t ro p a r t icu la r do Cond e da R ed inh a .115 Tea t ro p a r t icu la r do Cond e de B u rnay
(Lis b o a) ...............................................................33 Tea t ro p a r t icu la r do Marq uês d e Alvito ..44 Tea t ro p a r t icu la r do Tim b re ........................126 Tea t ro p a r t icu la r Garre t t (An jos , Lis bo a)
.......................................................... 46, 47, 145, 167 Tea t ro p a r t icu la r Th erp s ico re (S . Ben to ,
Lis b o a).........................................................46, 145 Tea t ro Popu la r d e Alfam a ...............................43 Tea t ro Popu la r , o u Tea t ro No vo Gin ás io
(Lis b o a) ...............................................................45
Tea t ro R ecrea t ivo d a Lap a (1890, Lis b o a)
................................................................................ 49 Tea t ro Tab o rd a (Co s t a do C as t e lo ,
Lis b o a) ................................................................ 47 Tea t ro Teo d o r ico (Lisb oa) ............................. 48 Tea t ro Th a l ia (C amp o d e Santa C la ra ,
Lis b o a) ................................................................ 43 So c ied ad e Th a lia , o u So c iedad e
Dram át ica Th a lien s e .......................... 43, 44 Tea t ro -C irco d e P r ice (Lis b o a) 121, 126, 129,
131, 132 Telema co na C ort e d ’I do men eo (b a ile ) . 226 Teo d o r ico (Teod o r ico Bap t is t a d a C ru z ,
1818 – 188 5, a to r ) ......................... 48, 120, 288 Teo d o r ico (ve lho ) (Teo do r ico Bap t ist a d a
C ru z , 17-- – 18-- , a to r ) .............................. 98 Th éâ t re d e l’ Amb igu -Com iq u e (Par is ) .... 73 Th éâ t re d e la Ga î t é (Par is ) ...................... 64, 73 Th éâ t re d e la Po rt e de Sa in t -Mart in
(Par is ) ............................................................... 272 Th éâ t re d e la Po rt e -Sa in t -Mart in (Par is ) 61,
64, 69, 83 Th éâ t re d es Fo lies -Dram at iqu es (Par is ) . 75 Th éâ t re d es Var ié t ées (Par is ) ....................... 64 Th éâ t re d es Var ié t és (Par is ) ....................... 295 Th éâ t re du Gy mn as e Dram at iqu e (Par is )64,
69 Th éâ t re du Pa la is -R oy a l (Par is ) ................ 139 Th éâ t re His to r iqu e (Par is ) ........................... 195 Th ea t re R oy a l (P lym ou th ) ............................ 251 Th ea t ro Es co lh ido (co leção ) ....................... 129 Th ea t ro p a ra to dos (1862 – 1868, co l. ) . 128 Th ib o us t , P ie r re -Anto in e -Au gu s te (1827 –
1867) Amou rs d e Pari s (Les ) (1866) ............... 139
Th ie rry , Au gu st e -F ran ço is (1811 – 1866) Fleu r et t e , ou le p r emi er a mou r d e
Henri I V (1835) ......................................... 73 N oi t e d o ho mi cídio (A) (1842) ................ 73 N oi t e d o ho mi cídio (A) / Nui t du meu rt r e
(La ) (1839) ................................................... 73 Pr e t ez -moi 5 f ra ncs (1834) ....................... 73
Tito Lívio ............................................................. 198 To len t in o , Nico lau (1740 – 1811)
C ha ves na mão , me lena d esg renha da .. 13 To m ás , Manu e l Fern and es (1771 – 1822)
...................................................................... 226, 251 To rres , J o ão R om ano (1855 – 1935) ....... 156 To rres , J os é d e (1827 – 1874) ..................... 99 To rres , Pa lm ira .................................................... 49 To rrezão , Gu iom ar De lf in a d e No ronh a
(1844 – 189 8) ................................................ 153 C ri sá lida (A) (1883) .................................. 153 M ar ce lla (1897) ........................................... 145 S écu lo XVI II e o s écu lo XI X (O) (1867)
........................................................................... 98 Tres s (Par is )
Fr a n ce Dra mat ique au di x -n eu vi ème
si èc le . Ch oix de pi èces mod er nes (La )
(co leção ) ....................................................... 67 Tr in d ade Co e lho , Jo s é F ran c is co (1861 –
1908) I n i llo t empor e , e studant es , lent es e
f ut ri ca s (1902) ......................................... 126 Tro u p e C ar lo s d e Alm eid a ............................. 47
364
Tu l lio , An tón io d a S ilva (18 18 – 1884) 109, 129
Tu rgu en iev, Ivan (1818 – 1883) ................132 Tu rn er , J os eph (1775 – 1851) .....................263
V
Vald ez , F ran c is co T. ( red a to r) ...................153 Vale , J o s é Antón io do (1843 – 1917, a to r )
...................................................................... 164, 166 Valen ça , Rob er to (ps eu d . ) ............... C on su lt e
Fe rn and es , Dom in gos Man ue l Valle , J o s é An tó n io (1845 - 19??) ............283 Van -Deit e rs , Hen r iqu e Otto Pere ira (1839
– 1862) ................................................................84 Jud eu Er rant e , pa rap hr as e da len da
a lemã d e S chu ba rt (O) (1861) .............84 Vap ereau , Lo u is -Gu stave (1819 - 19 06)
L’an née li t t é rai r e et dr a mat iqu e ou
Revu e a nnu e lle d es p rin cipa les
p rod uct ion s d e la li t t ér atur e f r an çai s e et d es t radu ct ion s d es
œ u vr es le s p lus i mp ortant es d es
li t t ér atur es ét rang èr es , c la ss ées et
é tudi ées p ar g enr es (1859 – 1869) .124 Vare la , An tó n io Iz id ro Pere ira
O qu e a a mbi ção fa z pr at i ca r ................182 Vargas (a to r) .......................................................166 Varin , C har les Vic to r (1798 – 1869)
Le pu f f (1838) Ru y-Bla g ......................................................112
Varn ey , Lou is (1844 – 1908) M ou squ etai r es au co u vent (Les ) (1881)
..........................................................................113 Vas co nce lo s , An a Isab e l..................................63 Vas co nce lo s , An tón io Au gus to Te ix e ira
d e (1816 – 1878) ...........................................104 Dent e da Ba ro neza (O) (1870) ..............113 Livro s p a ra o po vo (1859, co leção ) ......93
Vas co nce lo s , Arm and o .....................................49 Vas co nce lo s , Au gus to Cés ar d e (1828 –
1870) .................................................. 135, 136, 145 Vas co nce lo s , Margar id a d e ......................44, 45 Vasq u es , Eu gén ia
Es co la d e Teat ro do C ons er vatório (A)
(2012) ............................................................305 Vega , Fé lix Lo p e d e (1562 – 1632)
El Rey Do n Ped ro en Mad rid y e l
I nfa nzó n d e I lle s cas (El) (162 6) ........61 Velh o , Jos é Lop es d e Olive ira ....................140 Velo so , E . .............................................................153 Velo so , F ran c is co Ân ge lo d a S ilva 310, 311,
312, 313 Br eve Co mp êndio da Art e S cenica ou
Art e d e Dec la ma ção (1856) ....... 310, 313 En saiad or Mod erno (O) ............................313
Ven ân c io , Ja im e (1844 – 19?) Pr o ces so do ra sga (1878) ..........................49
Verd i, Gu is ep pe (1813 – 1901) Rigo le t to .............................................................46
Verla in e , Pau l (1844 – 189 6) ............. 143, 163 Vern e , Ju les (1828 – 1905)
......................................................................... 108 Vo ya g e à t ra vers l’ i mpo ssi ble (1882) 108
Veu ve Dabo (Par is ) C h ef s -d 'oeu vr e d u r ép ertoi r e d es
mé lo dr a mes jou és à di ff é r ent s
t h éât r es (co leção ) ..................................... 67 Vian a , C ar lo s Sá ............................................... 243 Vian a , Jo ão Lu ís d a S ilva (? – 1882)
Decad ên cia d a a rt e d ra mát i ca em
Po r tuga l (1880) ....................................... 153 Vian a , Lud gero (1844 – 1934) ................... 153 Vian a , Mar ia C ând id a d e As s is
Amo r e p er f ídia (1866) ............................... 85 Vicen te , Gil (c .146 5 – c . 1537) .......... 24, 263
Auto da Lusi tânia (1532) ......................... 241 C ort es d e Júpi t er (1519) .................. 259, 264
Vic to r , J a im e S ever o Tor e lli (1887, d ram a) ................ 165
Vic to r ia , F red er ico Napo leão d a (1851 –
1907) .................................................... 47, 158, 336 Agên c ia Tea t ra l ............................................ 152 Livra r ia Eco nó m ica .................................... 157
C o llecção d e co p las d e d ivers as
ó peras cóm icas ..................................... 159 Th ea t ro esco lh ido , p róp r io p a ra
am ad o res e d e agrad o ce rto ........... 159 Mi la gr es d e Sa nto António (1883) ...... 153
Vid a l, Ed u ard o Au gu s to (1841 – 1907) 138, 149 Gu elfos e gi be lino s (1866) ..................... 136 O qu e fa z em as ro sas (1872) ................. 150
Vid a l, J o ão Jo s é d e Mello Pere ira Ast r ea (1821) ................................................. 225
Vid o e ira , Ped ro d e Alcânta ra (1834 –
1917) .................................................................. 155 Vie ira , Am él ia (185 0 – 1928) .................... 130 Virg in ia (Vir gin ia D ias d a S ilva (18 50 –
1922, a t r iz ) ..................................................... 161 Virgo l in o , C ar los Pere ira d e Melo (c .1800
– 1840) .............................................................. 243 Ví to r , De lf in a ....................................................... 49 Vive t iè res , Ben o î t -J os ep h Marso ll ie r d e
(1750 – 181 7) C a mi lle ou le So uterain (1791) .............. 35
Vo lt a ire (F ran ço is Mar ie Aro u et , 1694 –
1778) .................................... 3, 9, 72, 186, 199, 211 Alz i r e , ou les Améri cain s (1736) / Alz i r a
o u os Americano s (1788, t rad . ) .......... 54 Br utus (1730) ................................................ 198 C e qui p lai t au x da mes (1764) .............. 107 Fa n at i s me (Le) ou Maho met le Pr o ph ète
(1736) ................................................... 213, 236 M ero pe (1743) ............................................... 220 Pr i ncess e d e Na va rr e (La ) (1745) ........ 21 S opho ni s be (1774) ....................................... 215 Za ïr e (1732) ................................................... 198
W
W add in gton , Alf red o ...................................... 164 W algo d e , An tón io
Li vro d o ens aiado r (O) (1915) ............. 336 W h it toy n e (c lown ) ........................................... 131
365
X
Xavie r , C ân d ido J os é (1769 – 1833) .......251
Z
Zacco n i, Erm ete 1857 – 1948) ....................183
Zo la , Ém i le (18 40 – 1902) ........................... 181 Ro ma n Exp éri menta l (1880) ................... 333
Zo rr i l la , F ran c is co R ojas (1607 – 1660) 22