www.jc.com.br/maisesportes » maisesportes Na trajetória do primeiro título estadual do Tra- mways, em 1936, um jogador merece um capítulo à parte. Dono de um potente chute, de causar medo nos goleiros, como diziam os jornais pernambucanos da época, o argentino Bermudes foi um dos pilares da iné- dita conquista do grêmio transviário. Tanto que aca- bou se transferindo para o Náutico, onde integrou o ti- me que foi campeão pernambucano em 1939, o segun- do da história alvirrubra, ao lado dos Carvalheira: Fer- nando, Zezé e Emídio. Em 13 jogos pelo Tramways no Estadual de 36, o meia-direita Bermudes fez 19 gols, cravando o seu no- me na galeria dos artilheiros do Campeonato Pernam- bucano. Náutico, Sport e Santa Cruz sofreram nas mãos, ou melhor, nos pés do gringo, que balançou a rede do trio de ferro. O Torre, principal rival do Tra- mways, era sua vítima favorita. Na goleada por 8x4 so- bre o Madeira Rubra, Bermudes fez a metade dos gols dos transviários. Ao todo, juntando os Estaduais de 1935 e 36, Bermu- des marcou 32 gols pelo Tramways – terceiro maior goleador da equipe no Pernambucano, atrás de Alcides Cachorrinho (56 gols) e Olívio (46). O sucesso nos elé- tricos fez com que o Náutico o contratasse. No Timbu, ele foi novamente campeão pernambucano, em 1939. Companheiro de Bermudes nessa conquista, o golei- ro Djalma, 90 anos, lembra com muita saudade do amigo. “Bermudes era formidável, um grande amigo. Dançava muito bem tango. Um dia, chegou a notícia de que ele havia morrido. Pedi licença a Cabelli (Um- berto, técnico uruguaio, que comandava o Náutico) e fui para a pensão onde ele morava. Chegando lá, o en- contrei no chão, envolto a cigarros e bebida, mas esta- va vivo. Então, entrei em contato com a família dele, e o seu pai mandou dinheiro para mandá-lo de volta a Buenos Aires”, relata. Nos anos 50, o ex-arqueiro alvirrubro foi à capital argentina somente para rever o amigo. “Em 1953, nos encontramos em Buenos Aires. Ele estava trabalhando como locutor de rádio. Foi a última vez que nos vi- mos”, relembra Djalma, que soube da morte do ami- go anos depois, através de uma carta enviada pelo es- posa do argentino, Helena. Pelo Náutico, Bermudes anotou 12 gols pelo Esta- dual de 39. No ano seguinte, porém, anotou apenas dois, ambos em amistosos. (M.L.) Bermudes: argentino muy boêmio, mas bom de bola Design: Yana Parente e Gustavo Correia Fotos: Rodrigo Lôbo/JC Imageme acervos pessoais Tratamento de imagens: Alexandre Lopes, Claudio Coutinho e Jair Teixeira Rafael Carvalheira [email protected] Marcos Leandro [email protected] D espachando no escritório central, que ficava na esquina da Rua Aurora com a Princesa Isabel, Domingos, Furlan e Rubinho. Na seção de ener- gia, o ponteiro Olívio. O goleiro Zé Miguel ficava até al- tas horas da noite como chefe de quarto do departa- mento de luz. Sopinha, Guaberinha, Paisinho e Fausti- no exerciam outras funções na empresa. O entrosamen- to na inglesa Pernambuco Tramways and Power Com- pany Limited, que foi concessionária dos serviços elétri- cos e de bondes do Estado durante 50 anos (até 1962), deu origem ao primeiro, e até hoje único, bicampeão invicto da história do Campeonato Pernambucano. No biênio 1936/37, foi o Tramways Sport Club quem deu as cartas no certame local. O tricolor transviário – vestia branco, azul e vermelho –, não perdeu uma par- tida sequer nesses dois anos em que derrubou o trio de ferro Sport, Náutico, Santa Cruz, além do América, que na época, ainda tinha muito prestígio. Como o próprio nome indicava, o Tramways era patrocinado pela em- presa inglesa, que foi responsável pela transição dos bondes puxados por burros para os elétricos, na primei- ra metade do século 20. Daí, a equipe de futebol tam- bém ser conhecida como os “elétricos”. De uma certa forma, pode-de dizer que o Tramways foi o primeiro clube-empresa do futebol brasileiro. Brin- cadeiras à parte, a relação era bem curiosa. Na época, o profissionalismo ainda não tinha se consolidado em Pernambuco. A maioria dos “pebolistas” ainda não ti- nha contrato e não recebia dinheiro para jogar futebol. Mas no caso dos elétricos, a situação era um pouco dife- rente. “Muitos jogadores jogavam pelo Tramways em troca de emprego na empresa. Era uma espécie de ama- dorismo marrom, já que os atletas tinham sim salário, não pelo futebol, mas pelas funções que exerciam na companhia inglesa”, destaca o cardiologista e escritor Rostand Paraíso, que em 1997, lançou o livro Esses In- gleses, no qual comenta a presença e a influência in- glesa no Recife. Muitos dos jogadores que vestiram a camisa do Tra- mways também atuavam em times de bairros, na Liga Suburbana, que era muito forte na época. Casos de Zé Miguel, Olívio, Paisinho e Quetreco. Mas para ser bi- campeão estadual foi preciso também tirar do Santa Cruz Zezé, Júlio Fernandes e Alcides Cachorrinho, que marcou 56 gols pelo Tramways em Pernambucanos, tornando-se o maior artilheiro da equipe na história da competição. Com dinheiro de sobra, o técnico Joa- quim Loureiro veio de São Paulo para armar a equipe. Os elétricos disputaram sete estaduais, de 1935 a 41. O primeiro título, em 1936, foi tumultuado. Mesmo ainda faltando 16 partidas para o fim da competição, os clubes e a Federação Pernambucana de Desportos re- solveram encerrar o certame. Com sete pontos a mais do que Náutico e Santa Cruz, o Tramways foi declara- do campeão. Sua última partida foi contra o Sport, o qual derrotou por 3x2, com dois gols de Sopinha e um de Olívio. Foram 11 vitórias e dois empates. Mesmo com a campanha muito superior a dos ri- vais, ainda ficou a dúvida se o time teria fôlego para se manter na ponta, caso a competição seguisse até o fi- nal. Por isso, no ano seguinte, os transviários fizeram uma campanha ainda mais arrebatadora, para dizi- mar quaisquer dúvidas: 14 vitórias e apenas um empa- te. Sessenta e quatro gols marcados e 16 levados. A pro- va da superioridade do Tramways foi a goleada aplica- da no Sport, por 5x2, no jogo que ratificou o título. Olí- vio, Navarra, Alcides, Quetreco e Sopinha marcaram os tentos dos elétricos. Até 1941, quando disputou o seu último Estadual, o Tramways seguiu fazendo um papel digno. O fim da equipe foi assim explicado por Haroldo Praça, em seu livro O Gôl de Haroldo, de 2001. “Não obstante reunir bons jogadores e armar equipes destacadas, o ‘elétrico’ foi vitimado por moléstia incurável: clube de dono (An- tônio Rodrigues de Souza, diretor da empresa britâni- ca, responsável pelo investimento na montagem dos ti- mes de 1936/37). E aí começou a entrar para a histó- ria mais uma aparição brilhante efêmera.” (M.L.) jornal do commercio O Tramways, time sustentado pela então companhia elétrica e de transportes do Recife, passou sem pedir licença. Como um furacão, causou estragos aos adversários nos sete anos em que esteve na elite do futebol local. Mantém até hoje uma exclusividade: é bicampeão invicto do Campeonato Pernambucano. Mas desapareceu da mesma forma, rapidamente. Este é o assunto do terceiro dia da série Quatro Campeões. Amanhã, na última reportagem, o América.