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O Filho de Sobek - Rick Riordan

Jul 21, 2016

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Percy Jackson encontra Carter Kane em mais uma eletrizante aventura do autor best-seller Rick Riordan. Ao investigar os ataques de um crocodilo imenso contra pégasos em Long Island, o grande herói do Olimpo conhece o líder da casa do Brooklyn, que também está no rastro da fera. Os dois se unem para combater o terrível filho de Sobek, mas as dúvidas são muitas:Por que há um monstro egípcio atacando mitos gregos?Será que a união de forças dos dois heróis será suficiente para derrotar a fera? E a mais importante: quem estaria por trás desse terrível evento?

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Serdevoradoporumcrocodilogigantejáfoibemruim.Ogarotocomaespadareluzentefezmeudiaficaraindapior.

***

Talvezeudevameapresentar.Meu nome é Carter Kane. Sou aluno do primeiro ano na metade do

tempo,magonorestante,epreocupadoemperíodo integralcomtodososdeusesegípciosemonstrosqueestãosempretentandomematar.

Tudo bem, a última parte foi um pouco de exagero. Nemtodos osdeusesqueremmematar,sómuitosdeles–masissojáeradeseesperar,umavezquesouummagodaCasadaVida.Somosumaespéciedepolíciadas forças sobrenaturais do Egito Antigo, e nossa função é garantir quenãoinstauremocaoscompletonomundomoderno.

En im, nesse dia em especial eu estava seguindo o rastro de ummonstro em Long Island. Nossos cristalomantes vinham detectando certaperturbaçãomágica na região havia semanas, então começou a aparecernosnoticiárioslocaisqueumaenormecriaturatinhasidovistanaslagoasepântanos próximos à rodovia Montauk, alimentando-se de animaisselvagens e assustando os moradores. Um repórter até a chamou de“MonstrodoPântanodeLongIsland”.Quandosoaoalarmedosmortais,éhoradeveroqueestáacontecendo.

Normalmente,Sadie,minhairmã,oualgumdosoutrosiniciadosdaCasado Brooklyn, teria me acompanhado. Mas estavam todos no PrimeiroNomo, no Egito, em um treinamento de uma semana para aprender acontrolar demônios do queijo (sim, isso existe, mas acredite em mim: émelhornãoconhecê-los),entãofuisozinho.

Amarrei o barco-trenó voador em Freak, meu grifo de estimação, epassamos a manhã sobrevoando South Shore em busca de sinais deproblema. Se você estiver se perguntando por que não fui nas costas deFreak, imagine asas tipo as de um beija- lor batendomais rápido emaisforte do que pás de helicóptero. A não ser que queira virar picadinho, émelhorirdebarco.

Freak tinha um faro bom para magia. Depois de algumas horas depatrulha, ele gritou “FREEEEK” e deu uma guinada para a esquerda,descrevendo círculos sobre o estreito verde e pantanoso entre doisterrenos.

–Láembaixo?–perguntei.

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Freak tremeu e guinchou, batendo a cauda de penas pontiagudasnervosamente.

Nãodavaparavermuitobemoquehavialáembaixo–apenasumriode águas barrentas que re letia o sol daquele dia quente de verão,serpenteando pela grama e por entre árvores retorcidas do pântano atédesaguarnabaíaMoriches.AregiãopareciaumpoucocomodeltadoNilo,lánoEgito, sóqueasáreaspantanosaseramcercadasdosdois ladosporbairros residenciais com ileiras e mais ileiras de casas e seus telhadoscinzentos. Ao norte, uma ila de carros enfrentava o trânsito da rodoviaMountauk–pessoassaindodefériasparaescapardamultidãonacidadeesejuntaràmultidãonosHamptons.

Eu me perguntei quanto tempo um monstro do pântano carnívorolevaria, se houvesse mesmo um abaixo de nós, até pegar gosto porhumanos. Se isso acontecesse... Bem, para ele seria como estar em umdaquelesrestaurantes“comaàvontade”.

–O.k.–faleiparaFreak.–Podemedeixarpertodamargemdorio.

***

Assim que desembarquei, Freak guinchou e disparou para o céu, com obarco-trenó.

–Ei!–gritei,tentandoimpedi-lo,maseratardedemais.Freakseassustafácil.Monstroscarnívorostendemaapavorá-lo,assim

como fogos de arti ício, palhaços e o cheiro do suco Ribena esquisito deSadie. (Não dá para culpá-lo pelo suco. Sadie foi criada em Londres edesenvolveuumgostomeioestranho.)

Euteriaqueresolveroproblemacomomonstro,eentãoassobiarparaFreakvirmebuscar.

Abri a mochila e veri iquei o equipamento: corda encantada, minhavarinha encurvada de mar im, um pedaço de cera para fazer umaestatueta mágicashabti,meu conjunto de caligra ia e uma poção de curaqueminhaamiga Jazprepararaparamimumtempoantes. (Elasabequememachucobastante.)

Sófaltavaumacoisa.Eume concentrei para criar uma abertura no Duat e estendi a mão.

Nos últimos meses, aperfeiçoei o armazenamento de provisões deemergência lá – armas extras, roupas limpas, doces e engradados derefrigerantesgelados–,masen iaramãoemumadimensãomágicaainda

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era um pouco esquisito, como se estivesse atravessando camadas decortinasfriasepesadas.Segureiopunhodaminhaespadaepuxei.Eraumkhopesh pesado, com uma lâmina curva como um ponto de interrogação.Armadocomaespadaeavarinha,estavaprontoparadarumpasseiopelopântanoeencontrarotalmonstrofaminto.Ah,quealegria!

Entrei na água e de imediato afundei até os joelhos. O fundo do rioparecia um purê congelado. A cada passo, meus sapatos faziam umbarulhotãonojento–bloct-bloct,bloct-bloct–que iqueiatéfelizporSadienãoestaralicomigo.Elateriaridosemparar.

E, ainda pior: fazendo tanto barulho, sabia que não conseguiriasurpreendernenhummonstro.

Uma nuvem de mosquitos me envolveu. De repente, eu me sentinervosoesozinho.

Podia ser pior, disse a mim mesmo.Você poderia estar estudandodemôniosdoqueijo.

Masnãomeconvenciporcompleto.Próximodali,ouvicriançasrindoegritando, provavelmente no meio de alguma brincadeira. Perguntei-mecomodeviaserisso:serumgarotonormal,passarastardesdeverãocommeusamigos.

Era um pensamento tão agradável que até me distraí. Não notei asondulaçõesnaáguaatéqueaunscinquentametrosdemimalgosurgiunasuper ície,uma ileiradeplacasdecouroverde-escuro.Elesubmergiunamesmahora,masagoraeu sabia comoqueestava lidando. Já tinhavistocrocodilosantes,eesseerabizarramentegrande.

Lembrei-medeElPaso,nopenúltimoinverno,quandoeueminhairmãfomos atacados pelo deus crocodilo gigante, Sobek. De initivamente, nãoeraumaboalembrança.

Osuorcomeçouaescorrerpormeupescoço.– Sobek –murmurei –, se for vocêmeperturbandodenovo, juropor

Ráque...O deus crocodilo tinha prometido nos deixar em paz agora que

estávamos bastante íntimos do chefe dele, o deus sol. Ainda assim...crocodilostêmfome.Eentãotendemaesquecersuaspromessas.

Aáguanãomedeumaispistas.Asondulaçõestinhampassado.Quando se tratava de detectar monstros, meus sentidos mágicos não

eram muito aguçados, mas a água à minha frente pareceu bem maisescura. Isso signi icavaqueeramais fundaali, ouentãoquealgoenormeseesgueiravaabaixodasuperfície.

QuasedesejeiquefosseSobek.Aomenosassimeuteriaumachancede

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conversarantesqueelemematasse.Sobekadoravasegabar.Infelizmente,nãoeraele.Nomicrossegundoseguinte,quandoaáguaaoredordemimseagitou,

percebi que deveria ter trazido todo o Vigésimo PrimeiroNomoparameajudar. Vi olhos amarelo-brilhantes do tamanho de minha cabeça e umajoia de ouro luminoso envolvendo um pescoço enorme. Uma mandíbulamonstruosaseabriu– ileirasdedentestortoseointeriorrosadodeumabocagrandeosuficienteparadevorarumcaminhãodelixo.

Eacriaturameengoliuinteiro.

***

Imagineserembaladoavácuoe icardecabeçaparabaixodentrodeumasacolade lixogiganteepegajosa, semar.Estarnabarrigadomonstro foiassim,sóquemaisquenteefedorento.

Por um momento, iquei atordoado demais para reagir. Erainacreditável que ainda estivesse vivo. Se a boca do crocodilo fosse umpouco menor, teria me partido ao meio. Como não era o caso, tinha meengolidodeumavezsó,umaporção individualdeCarter.Agoraeupodiaaguardaransiosamenteparaserdigeridobemdevagar.

Quesorteaminha,não?O monstro começou a se mover violentamente, e icou bem di ícil

raciocinar. Prendi a respiração, sabendo que poderia ser a última. Aindatinhaaespadaeavarinha,masnãopodiausá-lascomosbraçospresosaoladodocorpo.Tambémnãodavaparaalcançarascoisasnamochila.

Só restava uma opção: comandos. Se me lembrasse do símbolohieroglí icocertoeopronunciasse,poderiainvocaralgumaforçapoderosa,umamagia tipo “ira dos deuses” que me permitisse abrir caminho paraforadaqueleréptil.

Emteoria:ótimaideia.Na prática: não sou bom com comandos, mesmo nas melhores

situações.Estarsufocandonabarrigaescuraefedorentadocrocodilonãoestavaajudandominhaconcentração.

Vocêconsegue,disseamimmesmo.Depois de todas as aventuras perigosas que vivi, não podia morrer

daquele jeito. Sadie icaria arrasada. Então, quando superasse a tristeza,ela iria atrásdaminha almanapós-vida egípcia e icaria rindodaminhacaraporeutersidotãoburro.

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Meuspulmõescomeçaramaarder.Estavaprestesadesmaiar.Escolhium comando, reuni toda a concentração que tinha e me preparei parapronunciá-lo.

Omonstro deu um solavanco repentino para cima. Ele bramiu, o quesoavabemestranhoparaquemestavadentrodele,eseucorposecontraiuameu redor, fazendo-me sentir como se estivesse sendo espremidoparaforadeumtubodepastadedentes.Fuiatiradodabocadacriaturaesaírolandopelagramadopântano.

De algum jeito, iquei de pé. Cambaleei um pouco, ainda meio cego,arfando e coberto de suco intestinal de crocodilo, que tinha cheiro deaquáriosujo.

A super ície do rio se agitou com bolhas. O crocodilo haviadesaparecido,mas parado no pântano, a uns seismetros demim, estavaum adolescente de jeans e camiseta laranja desbotada que diziaACAMPAMENTOalgumacoisa.Nãodavaparaentenderoresto.Elepareciaumpoucomaisvelhodoqueeu– talvez tivesseunsdezesseteanos–e tinhacabelos pretos despenteados e olhos verdes. O que mais chamava aatençãoeraaespadadele–umareluzenteespadadebronzecomlâminadefioduplo.

Nãoseiqualdenósficoumaissurpreso.Porumsegundo,oCaradoAcampamentoapenasolhouparamim.Ele

notouokhopesheavarinha,etiveasensaçãodequeelerealmenteosviacomo eram. Os mortais comuns têm di iculdade para ver a magia. Océrebronãoconsegueinterpretá-la,então,porexemplo,elesolhariamparaaminhaespadaeveriamumtacodebeisebolouumabengala.

Masaquelegaroto...eleeradiferente.Imagineiquedeviaserummago.O único problema era que eu conhecia vários magos dos nomos nosEstados Unidos, e nunca tinha visto esse cara. Também nunca vira umaespadadaquelas.Tudoneleparecia...nãoegípcio.

–Ocrocodilo–falei,tentandomanteravozcalmae irme.–Paraondefoi?

OCaradoAcampamentofranziuatesta.–Denada.–Oquê?–Eubatinatraseiradaquelecrocodilo.–Elerepetiuomovimentocom

aespadapara explicar. – Foipor issoque cuspiu você. Então, denada.Oquevocêestavafazendonabarrigadele?

Admitoqueeunãoestavanomelhordoshumores.Eufedia.Meucorpodoía.E,sim,estavaumpoucoenvergonhado:opoderosoCarterKane,líder

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daCasadoBrooklyn,tinhasidovomitadoporumcrocodilocomoumaboladepelosimensa.

– Estava descansando – retruquei, ríspido. – O que vocêacha que euestavafazendo?Agora,quemévocêeporqueestavalutandocontrameumonstro?

–Seumonstro?–Eleveioandandonaminhadireçãoatravésdaágua,ealamanãopareciaatrapalhá-lo.–Olhesó,cara,nãoseiquemévocê,masaquele crocodilovematerrorizandoLong Islandhá semanas.Eu levo issoparaoladopessoal,porqueaquiéaminhaárea.Elecomeuumdosnossospégasosháalgunsdias.

Ochoquefoitãograndequepareciaqueeutinhabatidocomascostasemumacercaelétrica.

–Vocêdissepégasos?Elefezumgestoparaignorarmosapergunta.–Essemonstroéseuounão?–Nãosoudonodele–resmunguei.–Estavatentandoimpedi-lo!Agora,

paraonde...–Ocrocodilo foiporali.–Eleapontouadireçãocomaespada.–Eu já

estariaatrásdele,masvocêmepegoudesurpresa.O garoto pareceu avaliar meu tamanho, o que me deixou um pouco

inquieto, jáqueeleeraunsquinze centímetrosmaisalto.Aindanãodavapara entender o que estava escrito em sua camiseta, apenas a palavraACAMPAMENTO. Ele usava um colar de couro com algumas contas de argilacoloridas,quelembravaotrabalhodeartesdeumacriança.Nãocarregavauma mochila de mago ou varinha. Talvez ele as guardasse no Duat. Outalvez fosse apenas um mortal delirante que encontrara uma espadamágicaporacidenteeagoraachavaqueeraumsuper-herói.Asrelíquiasantigaspodemconfundirmuitoamente.

Enfim,elebalançouacabeça.–Eudesisto.FilhodeAres?Seiquevocêéummeio-sangue,masoque

aconteceucomsuaespada?Estátodatorta.– É umkhopesh. –Meu choque estava rapidamente se transformando

emraiva.–Alâminaécurva.Masnãoestavapensandonaespada.OCaradoAcampamentotinhamechamadodemeio-sangue?Talvezeu

não tivesse ouvido direito. Talvez quisesse dizer outra coisa. Só quemeupaieraafrodescendente.Minhamãeerabranca. Meio-sanguenãoeraumapalavradaqualeugostava.

– Só... Dê o fora, tá? – falei entredentes. – Preciso acabar com aquele

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crocodilo.–Cara,euprecisoacabarcomocrocodilo–insistiuele.–Nasuaúltima

tentativa,eledevorouvocê.Lembra?Meusdedosapertaramopunhodaespadacommaisforça.–Estavatudosobcontrole.EuestavaprestesainvocaroPunho...Assumo completamente a responsabilidade pelo que aconteceu a

seguir.Foi sem querer. Juro. Mas eu estava com raiva. E, como já devo ter

mencionado, não sou naturalmente bom em canalizar comandos. Nabarriga do crocodilo, estava me preparando para invocar o Punho deHórus, uma enorme mão azul e brilhante capaz de pulverizar portas,paredes e praticamente tudo o que estiver no caminho. Meu plano eraabrir passagem socando o monstro. Um pouco nojento, é verdade, masprovavelmenteeficaz.

Acho que ainda estava com o feitiço na cabeça, pronto para serdisparado como uma arma carregada. Parado à frente do Cara doAcampamento, eu estava furioso, além de surpreso e confuso. Então,quando tentei pronunciar a palavrapunho, ela acabou saindo em egípcioantigo:khifa.

Umhieróglifotãosimples:

Quempoderiaimaginarquecausariatantosproblemas?Assimquepronuncieiapalavra,osímboloreluziunoarentrenós.Um

punhogigante,do tamanhodeum lava-louças,materializou-see atingiuoCara do Acampamento com força su iciente para jogá-lo para fora dacidade.

Euo izperderatéossapatos.Elefoilançadoparaforadoriocomoumfoguete, com um som debloct. A última coisa que vi foram seus pésdescalçosemvelocidadedeescapeenquantoelevoavaparatrásatésumirdevista.

Não, eu nãome senti bem com isso. Bem... talvez um pouquinho.Mastambém iqueimortodevergonha.Mesmoqueele fosseumidiota,magosnãodevemsairporaíacertandoaspessoasdesurpresacomoPunhodeHórusetirando-asdeórbita.

–Ah,queótimo.

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Dei um tapa naminha própria testa e comecei a andar pelo pântano,preocupadocomapossibilidadedetê-lorealmentematado.

–Foimal,cara!–gritei,esperandoqueelepudesseouvir.–Vocêestá...?Aondaveiodonada.Uma onda demais de seismetrosme engolfou, e fui puxado de volta

para o rio. Subi à super ície e comecei a tossir, com um gosto na bocahorrível de peixe. Pisquei para tirar a sujeira dos olhos bem a tempo dever o Cara do Acampamento saltar na minha direção como um ninja,empunhandoaespada.

Erguimeukhopesha imdeapararogolpe.Porpoucoeviteiqueminhacabeça fossepartida emduas,masoCaradoAcampamento era rápido eforte.Enquantoeucambaleavaparatrás,eleatacavadenovoedenovo.Acada investida eumedefendia,mesmo sabendoqueele estava levandoamelhor.Alâminadeleeramaisleveeveloz,e–sim,admito–eleeramaishabilidosonaesgrima.

Queriaexplicarquehaviacometidoumerro.Nãoerarealmenteinimigodele.Masaprioridade,naquelemomento,eranãosercortadoaomeio.

OCaradoAcampamento,noentanto,nãotinhadificuldadesparafalar.– Agora entendi – disse ele, tentando atingir minha cabeça. – Você é

algumtipodemonstro.CLANG!Intercepteiogolpeecambaleeiparatrás.–Nãosouummonstro–conseguidizer.Para vencer aquele cara, teria que usar mais do que a espada. O

problemaéquenãoqueriamachucá-lo.Emboraeleestivessetentandometransformar em um sanduíche de Kane fatiado, aindame sentia culpadoportercomeçadoabriga.

Eledesferiuoutrogolpe, enão tiveescolha.Dessavez,usei avarinha,aparando a espada na curva do mar im e canalizando uma explosão demagia por seu braço. O ar entre nós piscou e crepitou. O Cara doAcampamentotropeçou.Faíscasazuisdemagiavoaramaseuredor,comoseofeitiçonãosoubessebemoquefazercomele.Quemeraaquelecara?

–Vocêdissequeocrocodiloeraseu–disseoCaradoAcampamento,decara feia e com os olhos verdes reluzindo de raiva. – Você perdeu seubichinho de estimação. Talvez seja um espírito do mundo inferior queatravessouasPortasdaMorte.

Antesmesmoqueeu conseguisseprocessar suaspalavras, ele fezummovimentocomamãolivre.Oriomudoudecursoemederrubou.

Consegui levantar. Já estava icando bem cansado de engolir água dopântano. Enquanto isso, o Cara do Acampamento veio para cima demim

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outravez,comaespadaerguida,preparadaparamematar.Nodesespero,deixei a varinha cair. En iei a mão dentro da mochila e meus dedosencontraramacorda.

Joguei-a na direção dele e gritei o comandotas – amarrar – nomomentoemquealâminadebronzeafundouemmeupulso.

A dor se alastrou por todo o meu braço. Minha visão icou turva epontos amarelo-brilhantes surgiram diante de meus olhos. Larguei aespadaeaperteiopulso,semfôlego,pensandoúnicaeexclusivamentenadorexcruciante.

No fundo, sabia que o Cara do Acampamento podia me matar comfacilidade.Poralgummotivo,elenãofezisso.Umaondadenáuseafezcomqueeumecurvasseparaafrente.

Eumeforceiaexaminaroferimento.Sangravamuito,masmelembreidealgoqueJaztinhaditoumaveznaenfermariadaCasadoBrooklyn:oscortes costumam parecer muito piores do que são. Torci para que fosseverdade.Puxeiumpedaçodepapirodedentrodamochilaeoaperteinaferidacomoumaataduraimprovisada.

Adoraindaerahorrível,maspelomenosoenjoo icoumaissuportável.Minhamente começoua clarear, emepergunteiporqueaindanão tinhaviradopicadinho.

O Cara do Acampamento estava sentado ali perto, com água pelacintura, parecendo infeliz. A corda mágica havia envolvido o braço queseguravaaespadaeprendidoamãodeleà lateraldacabeça.Sempodersoltar a espada, ele parecia ter um chifre de rena saindo da orelha.Tentava puxar a corda com a mão livre, mas é claro que não estavafuncionando.

Porfim,eleapenassuspiroueolhouparamimcomraiva.–Estourealmentecomeçandoaodiarvocê.– Começando ame odiar? – protestei. – Eu estou me esvaindo em

sangue aqui! Foi você que começou tudo isso me chamando de meio-sangue!

– Ah, qual é? –O Cara doAcampamento se levantou comdi iculdade,pois a espada-antena deixava sua cabeça pesada. – Você não pode sermortal.Sefosse,aespadateriaatravessadoseucorpo.Senãoéumespíritoouummonstro,temqueserummeio-sangue.ProvavelmenteumsemideustraidordoexércitodeCronos.

Não entendi a maioria das coisas que aquele cara dissera, mas umadelaschamouminhaatenção.

–Então,quandofaloumeio-sangue,você...

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Elemeencaroucomoseeufosseidiota.–Euquisdizersemideus.É.Oquevocêachouqueeuqueriadizer?Tenteiprocessara informação. Játinhaouvidootermo semideusantes,

masnãoeraumconceitoegípcio.Talvezogarotosentisseaminha ligaçãocomHórus,queeueracapazdecanalizaropoderdodeus...masporquedescreveriatudodemodotãoestranho?

– O que você é? – perguntei. – Metade mago de combate, metadeelementalistadaágua?Estácomquenomo?

Ogarotodeuumarisadaamarga.–Cara,nãoseidoquevocêestáfalando.Nãoandocomgnomos.Sátiros,

àsvezes.Atéciclopes.Masnuncagnomos.A perda de sangue devia ter me deixado tonto. Suas palavras

começaram a quicar na minha cabeça como aquelas bolas de loteria:ciclopes, sátiros, semideuses, Cronos. Antes ele havia mencionado Ares.Aqueleeraumdeusgrego,nãoegípcio.

Foi como se o Duat tivesse se aberto abaixo de mim, ameaçando mepuxarparasuasprofundezas.Grego...nãoegípcio.

Um pensamento começou a se formar em minha cabeça. Não gosteinada.Naverdade,fiqueiapavorado.

Apesardetodaaáguadopântanoqueengoli,sentiagargantaseca.–Olha–comeceiadizer–,sintomuitoporteratingidovocêcomaquele

feitiço do punho. Foi um acidente. Mas o que não entendo... é que vocêdeveriatermorrido.Enãomorreu.Issonãofazsentido.

–Não ique tão desapontado – resmungou ele. –Mas, já que estamosfalandodesseassunto,vocêtambémdeveriaestarmorto.Nãoexistemuitagentequeconseguirialutartãobemcontramim.Eaminhaespadadeveriaterpulverizadoseucrocodilo.

–Pelaúltimavez,nãoémeucrocodilo.–O.k., tanto faz. –Elenãoparecia convencido. –Aquestãoéquemeu

golpe pegou direitinho naquele crocodilo, mas apenas o atiçou. O bronzecelestialdeveriatê-lotransformadoempó.

–Bronzecelestial?Nossaconversafoiinterrompidaporumgritoemalgumlugarpróximo

–ogritodeumacriançaapavorada.Meu coração quase parou. Eu eramesmo um idiota. Tinha esquecido

porqueestávamosali.EncareioCaradoAcampamento.–Temosquedeterocrocodilo.–Trégua?–sugeriuele.

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– Certo – concordei. – Podemos continuar nos matando depois decuidardoanimal.

– Combinado. Agora, será que você pode desamarrar minha mão dacabeça?Estoumesentindocomoummalditounicórnio.

***

Não digo que con iávamos um no outro,mas pelomenos passamos a terum objetivo comum. Não tenho a menor ideia de como, mas ele invocouseus sapatos do rio e os calçou. Entãome ajudou a envolver o ferimentocomumatiradelinhoemeesperoubeberdapoçãodecura.

Depois disso, senti-me bem o su iciente para correr atrás dele nadireçãodosgritos.

Pensei que estava em boa forma de tanto treinar magia de combate,carregar artefatos pesados e jogar basquete com Khufu e seus amigosbabuínos(babuínoslevambasquetemuitoasério).Mesmoassim,foidi ícilacompanharoCaradoAcampamento.

O que me lembrava... Estava começando a icar cansado de chamá-loassim.

–Qualéseunome?–perguntei,arfandoenquantocorriaatrásdele.Eleolhouparamimdemododesconfiado.–Nãoseisedevodizer.Nomespodemserperigosos.Eletinharazão,éclaro.Nomestêmpoder.Haviaumtempo,minhairmã

Sadie aprendera meu ren, meu nome secreto, e isso ainda me deixavabastante nervoso. Um mago experiente é capaz de causar todo tipo deproblemassabendoapenasonomecomumdeumapessoa.

–Justo–respondi.–Eufaloprimeiro.MeunomeéCarter.Acho que ele acreditou em mim. As rugas próximas aos olhos se

suavizaramumpouco.–Percy.Aquele nome parecia meio incomum para mim. Soava britânico, eu

acho,emboraPercyfalasseeagissebemcomoumamericano.Saltamos um tronco apodrecido e inalmente saímos do pântano.

Tínhamos começado a subir por uma colina até as casas mais próximasquandopercebiquehaviamaisdeumapessoagritando.Nãoeraumbomsinal.

– Só para avisar – adverti Percy. – Você não vai conseguir matar omonstro.

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–Espereparaver–resmungouele.–Não,euquisdizerqueeleéimortal.–Jáouviessaantes.Ejátransformeivários imortaisempóeosmandei

devoltaparaoTártaro.Tártaro?,pensei.Conversar com Percy estava me dando uma séria dor de cabeça.

Lembrou a vez em que meu pai me levara à Escócia para uma de suaspalestrasdeegiptologia.Eutentarafalarcomalgunslocaisesabiaqueelesestavamconversandonaminha língua,maspareciaque alternavamcadafrase compreensível comoutra emum idioma estranho – compalavras epronúncias diferentes –, e eu icava me perguntando o que, diabos,queriamdizer.EraassimcomPercy.Nós quase falávamosamesmalíngua–magia,monstros,etc.Masseuvocabulárioestavatodoerrado.

– Não – tentei de novo, já nametade da colina. – Essemonstro é umpetsuchos,umfilhodeSobek.

–QueméSobek?–Odeuscrocodilo.Umdeusegípcio.Issoo fezpararnahora.Olhouparamim, e senti o ar entrenós icar

carregadode eletricidade.Umavozbemno fundodeminhamentedisse:Caleaboca.Nãocontemaisnada.

Percyolhouparao khopeshqueeuhaviarecuperadodorio,entãoparaavarinhapresaemmeucinto.

–Deondevocêvem?Sério.–Ondenasci?–perguntei.–LosAngeles.AgoramoronoBrooklyn.Aquilonãopareceufazê-losesentirmelhor.–Então,omonstro,essetalpet-suco...–Petsuchos –corrigi.–Éumapalavragrega,masomonstroéegípcio.

EratipoomascotedoTemplodeSobek,veneradocomoumdeus.Percygrunhiu.–VocêfalacomoAnnabeth.–Quem?–Nada.Sómepoupedaauladehistória.Comofazemosparamatá-lo?–Jádisse,ele...Outrogritoveiodecimadacolina, seguidoporumCRUNCH alto, comoo

somproduzidoporumcompactadordemetal.Subimos correndo até o topo, depois pulamos a cerca de um quintal

qualquerechegamosaumaruaresidencialsemsaída.Excetopelocrocodilogigantenomeiodavia,eraumavizinhançacomo

qualqueroutranosEstadosUnidos:uma rua semsaída comcasas típicas

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de subúrbio e seus gramadosbem-aparados, carros nas garagens, caixasde correio próximas ao meio- io e bandeiras penduradas acima dasvarandas.

Infelizmente, essa imagem do estilo de vida americano foi arruinadapelomonstro,queestavaocupadodevorandoumcarrohíbridoverdecomumadesivonatraseiraquediziaMEUPOODLEÉMAISINTELIGENTEQUEOSEUALUNONOTA10.Talvezopetsuchostivessepensadoqueocarroeraoutrocrocodiloe estivesse tentando a irmar sua dominância. Ou talvez apenas nãogostassedepoodlesoudealunosquegabaritavam.

Independentemente de seu descontentamento, o crocodilo pareciaainda mais assustador em terra do que na água. Tinha doze metros decomprimento, a altura de um caminhão de entregas e uma cauda tãograndeepoderosaquevirava carros semprequeele a sacudia. Suapelebrilhavaemumtomverde-escuroevertiaumaáguaqueseacumulavaemvoltadaspatas.EumelembreidavezemqueSobekdisseraqueseusuordivino dera origem aos rios domundo. Eca. Parecia que aquelemonstrotinhaamesmatranspiraçãodivina.Ecaaoquadrado.

Os olhos da criatura brilhavam com uma luz amarela assustadora. Osdentes brancos e a iados pareciam reluzir. Omais estranho nele, porém,eram as joias. Pendurado em seu pescoço havia um elaborado colar comváriascorrentesdeouroepedraspreciosassu icientesparacomprarumailha.

Foi ao ver o colar lá no pântano que percebi que o monstro era umpetsuchos.EutinhalidoqueoanimalsagradodeSobekusavaalgoparecidonoEgito,masnãotinhaamenorideiadoqueomonstroestavafazendoemumbairrodeLongIsland.

Enquanto Percy e eu absorvíamos a cena, o crocodilo resolveu tomarumaatitude.Abocanhouocarroverdeeopartiuaomeio,atirandopedaçosdevidro,metaleairbagpelosgramados.

Assim que ele largou os destroços, meia dúzia de crianças surgiu donada–aparentemente,elasestavamescondidasatrásdealgunsdosoutroscarros–eatacouomonstro,gritandoaplenospulmões.

Inacreditável. Eram apenas crianças (deveriam cursar o ensinofundamental), armadas com nada além de balões e arminhas de água.Acho que estavam de férias e deviam estar se refrescando com umaguerradeágua,quandoomonstroasinterrompeu.

Nenhum adulto a vista. Talvez todos estivessem trabalhando. Talveztodosestivessemdentrodecasa,desmaiadosporcausadochoque.

Ascriançaspareciamestarmaiscomraivadoquecommedo.Correram

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ao redor do crocodilo, atirando balões de água que caíam sobre suacouraçasemprovocardanos.

Eraestúpidoeinútil?Era.Masnãopudedeixardeadmiraracoragemdelas.Estavamdandooseumelhorparaenfrentaromonstroqueinvadirasuavizinhança.

Talvez vissem o crocodilo como ele era, ou quem sabe seus cérebrosmortais as izessem pensar que se tratava de um elefante fugido dozoológico,ouummotoristadoFedExenlouquecido.

Fosseláoquevissem,estavamemperigo.Sentiagargantafechar.PenseiemmeusiniciadosnaCasadoBrooklyn,

que não erammais velhos do que aquelas crianças, e meus instintos de“irmãomaisvelho”afloraram.Saícorrendoparaarua.

–Saiamdepertodele!Fujam!–gritei.Entãojogueiminhavarinhabemnacabeçadocrocodilo.–Sa-mir!

A varinha atingiu o focinho e uma luz azul se espalhou pelo corpo domonstro.Ohieróglifoparadorbrilhouportodaasuacouraça.

Todosospontosemqueosímboloapareciasoltavamfumaçaefaíscas,fazendoomonstrosedebaterebramirirritado.

As crianças sedispersarame se esconderamatrásde carros e caixasdecorreiodestruídos.Opetsuchosvoltouseusolhosamarelosebrilhantesparamim.

Ameulado,Percyassobioubaixinho.–Bem,vocêconseguiuchamaraatençãodele.–É.–Temcertezadequeagentenãoconseguematá-lo?–Tenho.O crocodilo parecia estar prestando atenção à conversa. Os olhos

amarelos iamdeumparaooutro, comose ele estivesse tentandodecidirqualdenósdevorariaprimeiro.

–Mesmosevocêpudessedestruirocorpodele–expliquei–,ocrocodiloapenasreapareceriaaquiperto.Estávendoaquelecolar?Éencantadocomo poder de Sobek. Para derrotar omonstro, a gente precisa tirar o colardele. E então opetsuchos deve encolher até icar do tamanho de um

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crocodilonormal.– Odeio a palavradeve – sussurrou Percy. – Está bem. Vou pegar o

colar.Mantenha-odistraído.–Porqueeutenhoquedistrairomonstro?– Porque você é mais irritante – respondeu Percy. – Tente não ser

devoradodenovo.– GRRRAU – bramiu o crocodilo, que tinha bafo de lixeira de

restaurantedefrutosdomar.Eu estava prestes a dizer a Percy que ele também era bem irritante,

mas não tive chance. Opetsuchos fez sua investida, e o meu novocompanheirodebatalha saiuda frente, deixando-mebemno caminhodadestruição.

***

Primeiro pensamento aleatório: ser devorado duas vezes no mesmo diaseriabemembaraçoso.

Pelo canto do olho, vi Percy disparar para a direita do monstro. Ascriançasmortaissaíramdeseusesconderijosecomeçaramagritarejogarmais balões de água no crocodilo, como se estivessem tentando meproteger.

Opetsuchospartiuparacimademimcomamandíbulaaberta,prestesameabocanhar.

Eeufiqueicomraiva.Já havia enfrentado os piores deuses egípcios. Mergulhara no Duat e

cruzaraaTerradosDemônios.EstiveranapraiadoCaos.Eunãoiavacilardiantedeumcrocodilosuperdesenvolvido.

O ar icou carregado de energia quando meu avatar de combatecomeçoua surgir aomeu redor, comoumexoesqueleto azul-brilhantenaformadeHórus.

Fui erguidodo chão até icar suspensonomeiode umguerreiro comcabeça de falcão de seis metros de altura. Dei um passo à frente,preparando-me,eoavatarimitoumeumovimento.

–PorHera!–gritouPercy.–Masoquê...?Ocrocodiloselançoucontramim.Ele quase me desequilibrou. Sua mandíbula se fechou em torno do

braço livre de meu avatar, mas usei a espada azul-brilhante do falcão

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guerreiroparagolpearseupescoço.Talvez opetsuchosnãopudessesermorto.Maseuesperavaaomenos

podercortarocolar,queerasuafontedepoder.Infelizmente, abri demais o golpe e atingi o monstro no ombro,

perfurando sua couraça. Em vez de sangue, começou a escorrer areia, oque é bem comum com os monstros egípcios. Adoraria tê-lo visto sedesintegrar por completo, mas não tive essa sorte. Assim que puxei alâmina, a ferida começou a se fechar e apenas alguns poucos grãos deareia continuaram a sair. O crocodilomexeu a cabeça de um lado para ooutro, jogando-meno chão, e começou ame sacudir pelo braço comoumcachorrofariacomseubrinquedo.

Quandomesoltou,fuiarremessadoeatravesseiotelhadodacasamaispróxima, deixando uma cratera em forma de falcão guerreiro na sala deestar de alguém. Torci para que não tivesse esmagado algum mortalindefesonomeiodeseuprogramadetevêfavorito.

Minha visão clareou e vi duas coisas que me irritaram. Primeiro, ocrocodiloestavaprestesaatacardenovo.Segundo,meunovoamigoPercyestava parado no meio da rua, boquiaberto, olhando para mim. Ao queparecia, ver meu avatar tinha sido um choque tão grande que eleesquecerasuapartenoplano.

–Deuses,oqueéisso?–indagouele.–Vocêestádentrodeumhomemgiganteequebrilhacomcabeçadegalinha!

–Falcão!–gritei.Decidi que, se sobrevivesse, jamais permitiria que aquele cara

conhecesseSadie.Elesprovavelmentepassariamorestantedaeternidadeserevezandoparameinsultar.

–Quetalumaajudinhaaqui?Meucompanheirode combatevoltouà realidadee correuemdireção

aocrocodilo.Quandoomonstroveioparacimademim,chuteiseufocinho,oqueofezespirrarebalançaracabeçaportemposu icienteparaeumesoltardosescombros.

Percy saltou sobre a cauda do crocodilo e correu por suas costas. Omonstrocomeçouasedebatercomforça,esuacouraçajorravaáguaparatodos os lados. De algum modo, Percy manteve o equilíbrio. Ele deviapraticarginásticaolímpicaoualgoassim.

Enquanto isso, as crianças mortais encontraram munição melhor –pedras, pedaços de metal dos carros destruídos, até mesmo algumaschavesderoda–evoltaramaatingiromonstro,maseunãoqueriaqueeledesviasseaatençãoparaelas.

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–Ei!Ataqueiacabeçadelecomokhopesh.Ogolpedeveriaterlhearrancado

mandíbula, mas de algumamaneira ele conseguiu abocanhar a lâmina eprendê-la. Acabamos lutando pela espada azul brilhante enquanto elachiava,transformandoosdentesdoréptilemareia.Aquilodeviadoer,masocrocodilonãolargavaecontinuavaapuxar.

–Percy!–gritei.–Quandovocêquiser!Eleavançounocolar. Segurou-oe tentoupartiroselosdourados,mas

suaespadadebronzesequerosarranhou.Enquantoisso,ocrocodiloestavaenlouquecido,tentandotiraraespada

deminhamão.Aauradoavatardecombatecomeçouavacilar.Invocarumavataréumaaçãodecurtoprazo,comoarrancaremuma

corridaemvelocidademáxima.Nãodáparaprosseguirpormuito tempo,ou você vai sofrer um colapso. E eu já estava suando e sem fôlego. Meucoraçãobatiaacelerado.Minhareservademagiaestavaquaseesgotada.

–Andalogo!–Nãoconsigocortar!–Ofecho–sugeri.–Deveterum.Assim que disse isso, eu o encontrei. Estava na garganta domonstro,

uma cartela dourada envolvendo os hieróglifos que formavam o nomeSOBEK.

–Ali!Napartedebaixo!Percy desceu pelo colar como se fosse uma rede, mas no mesmo

momentooavatarentrouemcolapso.Caínochão, exaustoe tonto.Oquesalvou minha vida foi o crocodilo estar puxando a espada do avatar.Quandoeladesapareceu,omonstrocaiuparatrásebateuemumcarro.

Ascriançasmortaissedispersaram.Umadelasseescondeudebaixodocarro, que logo desapareceu quando a cauda do crocodilo o arremessouparalonge.

Percy chegou à parte de baixo do colar e se segurou com todas asforças.Aespadatinhasumido.Eleprovavelmenteadeixaracair.

O crocodilo se pôs de pé outra vez. A boa notícia: ele não pareceurepararemPercy.Amánotícia:elecomcertezareparouemmim,epareciacompletamentefurioso.

Eu não tinha energia sequer para correr, muito menos para invocarmagia para lutar. As crianças armadas com balões de água e pedrastinhammaischancedederrotarocrocodilodoqueeunaqueleestado.

Sirenes soavam a distância. Alguém chamara a polícia, o que nãomedeixou exatamente feliz. Isso só queria dizer que outrosmortais estavam

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vindoomaisrápidopossívelparaseoferecercomolanchedecrocodilo.Recueiatéomeio- ioetentei–ridiculamente–dominaromonstrocom

oolhar.–Bomgaroto...Paradoaí...O crocodilo rosnou. Sua couraça jorrava água, como se fosse a fonte

maisgrotescadomundo,emeussapatoscomeçaramachapinharquandoeuandava.Osolhosamarelos icaramiluminados, talvezde felicidade.Elesabiaqueeuestavaacabado.

Deslizei a mão para dentro da mochila. Só achei um pedaço de cera.Não havia tempo para fazer umshabti decente,mas não tinha uma ideiamelhor.Largueiamochilaecomeceiaesfregaracerafuriosamentecomasmãos,tentandoamolecê-la.

–Percy–chamei.–Nãoconsigoabrirofecho!–gritouele.Nãotireiosolhosdocrocodilo,

mas pelo canto da visão percebi que Percy esmurrava a base do colar. –Seráqueéalgumtipodemagia?

Aquela foiacoisamais inteligentequeeledissea tardetoda(nãoqueele tivesse dito muitas). O fecho era uma cartela de hieróglifos, e seriapreciso um mago para desvendá-la e abrir o colar. Seja lá o que Percyfosse,elenãoeraummago.

Eu ainda estava modelando a cera, tentando transformá-la em umaestatueta,quandoocrocodilodecidiuparardesaborearomomentoemedevorar logodeumavez.Quandoeleavançouemminhadireção, jogueioshabtifeitopelametadeegriteiocomando.

Ohipopótamomaisdeformadodomundosurgiuemplenoar.Elebateudireto na narina esquerda do crocodilo e se alojou ali, sacudindo asrobustaspernastraseiras.

Não era a minha estratégia mais brilhante, mas ter um hipopótamoen iado em sua narina deve ter sido distração su iciente. O crocodilobramiu e cambaleou, sacudindo a cabeça. Percy caiu e rolou para longe,quase sendo pisoteado pelo monstro, e correu para se juntar a mim nomeio-fio.

Olhei horrorizado enquanto a criatura de cera, agora um hipopótamovivo (ainda que bastante deformado), tentava se libertar da narina docrocodilo ou se alojar aindamais fundo na cavidade nasal do réptil – eunãosabiaqualdasduasopções.

Ocrocodilodeuumaguinadasúbita,ePercymepuxoue impediuqueeufossepisoteado.

Corremos em direção às crianças mortais. Incrivelmente, nenhuma

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delas estava ferida. O crocodilo continuou a se debater e destruir casasenquantotentavadesobstruiranarina.

–Tudobem?–perguntouPercy.Euaindaestavasemfôlego,masassentifracamentecomacabeça.Umadas criançasmeofereceuaarminhadeágua.Acenei comamão,

dispensando-a.– Gente – disse Percy para elas. – Estão ouvindo as sirenes? Vocês

precisamcorreratéoiníciodaruaeimpedirapassagemdapolícia.Digamaelesqueémuitoperigosoviraqui.Detenhamospoliciais!

Poralgummotivo, as criançasobedeceram.Talvez icassem felizesemter algo para fazer. Pela maneira como Percy falou, senti que estavaacostumado a levantar omoral de tropas emdesvantagemnumérica. ElesoavaumpoucocomoHórus–umlídernato.

–Boaideia–elogieidepoisqueascriançassaíramcorrendo.Eleassentiucomacarafechada.Ocrocodiloaindaestavadistraídocom

o intruso nasal, mas eu não achava que oshabti fosse durar muito. Sobtantapressão,ohipopótamologoiriaderreterevoltaràformadecera.

–Você tem algumas cartas na manga, Carter – admitiu Percy. – Temmaisalgumtruque?

– Não – respondi desanimado. – Estou icando sem nada. Mas, sealcançaraquelefecho,achoquesoucapazdeabri-lo.

Percymediuopetsuchoscomoolhar.Aruaestava icandoalagadacomaáguaquevazavadacouraçadocrocodilo.Assirenesestavammaisaltas.Nãotínhamosmuitotempo.

–Pelovisto,éaminhavezdedistrairocrocodilo–disseele.–Prepare-separacorreratéocolar.

–Vocêestásemasuaespada–protestei.–Vocêvaimorrer!Percydeuumsorrisotorto.–Corraatéeleassimquecomeçar.–Assimquecomeçaroquê?O crocodilo espirrou, lançando o hipopótamo de cera pelos ares. O

petsuchossevoltouparanós,bramindoderaiva,ePercypartiuparacimadele.

***

No imdas contas, eunemprecisava ter perguntadoquedistraçãoPercytinhaemmente.Quandocomeçou,ficoubemóbvio.

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Ele parou à frente do crocodilo e ergueu os braços. Imaginei quetivesse algum tipo demagia emmente,mas ele não pronunciou nenhumcomando. Não tinha cajado nem varinha. Apenas icou parado olhandoparaocrocodilo,comosedissesse:Ei,olheparamim!Soudelicioso!

Ocrocodilopareceusurpresoporummomento.Senadadessecerto,aomenosmorreríamos sabendoque confundimos omonstro várias e váriasvezes.

Elecontinuavaasuar.Olíquidonojentojáinundavaacalçadaeestavanaalturadosnossos tornozelos. Parte escorriapelos ralosda rua, porémhaviamaissaindodapeledoréptil.

Então entendi o que estava acontecendo. Quando Percy ergueu osbraços,aáguacomeçouagiraremsentidoanti-horário.Começoupertodaspatas do crocodilo e rapidamente aumentou, até que o redemoinho seespalhou por todo o inal da rua, girando com força su iciente paracomeçaramepuxar.

Quando percebi que era hora de correr, a correnteza já estava fortedemais.Euprecisavaencontraroutramaneiradealcançarocolar.

Umúltimotruque,pensei.Temi que o esforço fosse literalmente me consumir. Reuni minhas

últimasenergiasmágicasemetransformeiemumfalcão,oanimalsagradodeHórus.

Instantaneamente, minha visão se tornou cem vezes mais aguçada.Dispareiparaoalto,acimadostelhados,eomundointeiropareceuentraremaltade inição.Vi os carrosdepolícia a apenas algumasquadras, e ascriançasparadasnomeioda rua acenandopara eles. Eu enxergava cadaporoeplacapegajosadacouraçadocrocodilo,cadahieróglifonofechodocolar.EvicomootruquedemágicadePercyeraimpressionante.

O im da rua fora completamente tomado pelo furacão. Percy estavaparado no meio dele, imóvel, e a água agora girava tão rápido que atémesmo o crocodilo gigantesco perdera o equilíbrio. Carros destruídosforamarrastadosdacalçada;caixasdecorreio,arrancadasdosgramadose levadas pela água, que aumentava tanto em volume quanto emvelocidade,elevandoseuníveletransformandotodaavizinhançaemumacentrífugalíquida.

Foi a minha vez de icar pasmo. Alguns momentos antes, eu haviaconcluídoquePercynãoeramago.Entretanto,nuncatinhavistoummagocapazdecontrolartantaágua.

O crocodilo cambaleoue tentou resistir,movendo-seemcírculo comacorrenteza.

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–Quandovocêquiser–murmurouPercyentredentes.Sem minha audição de falcão, jamais o teria ouvido em meio à

tempestade,maspercebiqueestavafalandocomigo.Lembreiquetinhaumtrabalhoafazer.Ninguém,magoounão,poderia

controlartamanhopoderpormuitotempo.Bati as asas emergulhei em direção ao crocodilo. Quando cheguei ao

fechodocolar,volteiàformahumanaeoagarrei.Aomeuredor,ofuracãorugia. Eu mal conseguia enxergar através do turbilhão e da neblina. Acorrentezaagoraestava tão fortequepuxavaminhaspernas, ameaçandomearrastarparaaenchente.

Eu estavatãocansado.Nãomesentiaassim,tãopressionadoalémdoslimites,desdequelutaracontraoLordedoCaos,opróprioApófis.

Deslizeiamãopeloshieróglifosdofecho.Tinhaquehaverumsegredoparaabri-lo.

O crocodilo voltou a bramir e se debater com violência, lutando paracontinuardepé.Emalgumlugaràminhaesquerda,Percygritouderaivaefrustração,tentandosustentaratempestade;masoredemoinhocomeçavaaperderforça.

Eu tinha no máximo alguns segundos até o crocodilo se libertar eatacar.EntãoPercyeeumorreríamos.

Sentiosquatrosímbolosqueformavamonomedodeus:

O último símbolo não representava um som, na verdade. Era ohieróglifo para deus, indicando que as três letras anteriores – SBK –formavamonomedeumdeus.

Emcasodedúvida,pensei,aperteobotão“deus”.Empurreioquartosímbolo,masnadaaconteceu.A tempestade estava se acalmando. O crocodilo começou a avançar

contraa corrente, encarandoPercy.Pelo cantodoolho, emmeioà todaaneblina,euoviseapoiarnojoelho.

Passeiosdedospeloterceirohieróglifo,acestadevime(Sadiesempreachamavade“xícaradechá”),querepresentavaosomde K.Ohieróglifopareceulevementequenteaotoque–ouerasóimaginação?

Nãohaviatempoparapensar.Euoempurrei.Nadaaconteceu.

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A tempestade cessou. O crocodilo bramiu, triunfante, pronto para suarefeição.

Fecheiopunhoeesmurreiohieróglifodacestacomtodaaforça.Dessavez, o fecho produziu umclique satisfatório e se abriu. Caí no chão, ecentenasdequilosdeouroepedraspreciosassederramaramsobremim.

Ocrocodilovacilou,urrandocomoaartilhariadeumnaviodeguerra.Oquerestavadofuracãosedesfezemumaexplosãodevento,eeufecheiosolhos,prontoparaseresmagadopelocorpodomonstro.

De repente, a rua icou em silêncio. Sem sirenes. Sem gritos decrocodilo. Amontanha de joias de ouro desapareceu. Eu estava caído decostasnaáguasuja,encarandoocéuazulevazio.

O rosto de Percy apareceu acima demim. Ele parecia ter acabado decorrerumamaratonanomeiodeumfuracão,masestavasorrindo.

–Bomtrabalho–disseele.–Pegueocolar.–Ocolar?Meu cérebro ainda estava lento. Aonde tinha ido todo aquele ouro?

Sentei-me e tateei a calçada. Meus dedos se fecharam em torno de umcolar agora de tamanho normal. Bem... do tamanhonormal considerandoalgoquecaberianopescoçodeumcrocodilocomum.

–O-omonstro?–gaguejei.–Paraonde...?Percy apontou.Apoucosmetros, parecendomuito contrariado, estava

umfilhotedecrocodilocommenosdeummetrodecomprimento.–Vocêestábrincando.– Talvez seja o bichinho abandonado de alguém. – Percy deu de

ombros.–Agentevêissononoticiáriodevezemquando.Eu não conseguia pensar em uma explicação melhor, mas como um

ilhotedecrocodilotinhaseapoderadodeumcolarqueotransformaraemumamáquinamortíferagigante?

Pessoascomeçaramagritarnocomeçodarua.–Poraqui!Sãoaquelesdoisgarotos!Eramascriançasmortais.Aoqueparecia,elashaviamconcluídoqueo

perigotinhapassado.Agoraestavamtrazendoospoliciaisdiretamenteaténós.

–Precisamosir.–Percypegouobebêcrocodilo,envolveuseupequenofocinhocomumadasmãos,eolhouparamim.–Vocêvem?

Juntos,corremosdevoltaparaopântano.

***

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Meiahoramaistarde,estávamossentadosemumalanchonetenarodoviaMontauk. Dividi o restante da poção de cura com Percy, que por algummotivo insistia em chamá-la denéctar. A maioria de nossos ferimentostinhacicatrizado.

Amarramos o crocodilo do lado de fora, na loresta, com uma coleiraimprovisada, até decidirmos o que fazer com ele. Limpamos a sujeira omelhorquepudemos,eaindaparecíamostertomadobanhoemumlavaajatocomdefeito.OcabelodePercyestavajogadodeladoecheiodegramapresanele.Acamisetalaranjaestavarasgadanafrente.

Tenho certeza de que minha aparência não era muito melhor. Haviaágua em meus sapatos, e eu ainda estava tirando penas de falcão dasmangas da camisa (transformações às pressas podem fazer a maiorbagunça).

Estávamos exaustos demais para conversar enquanto assistíamos aonoticiárionatevêemcimadobalcão.Policiaisebombeirosforamatenderauma emergência estranha relacionada à rede de esgoto local.Aparentemente,apressãonoscanosdedrenagemhavia icadomuitoalta,provocandoumagrandeexplosãoque causaraumaenchentee erodiraosolo com tanta gravidade que várias casas no inal da rua foramdestruídas. Fora um milagre nenhum dos moradores ter se ferido. Ascrianças da área contaram histórias inacreditáveis sobre o Monstro doPântano de Long Island, a irmando que ele havia causado os danosduranteumalutacontradoisadolescentes,maséclaroqueasautoridadesnãoacreditaram.Entretanto,o repórter reconheceuquepareciaquealgobemgrandehaviacaídonascasasdestruídas.

–Umacidente estranho coma rede de esgoto – disse Percy. – Essa énova.

– Só se for para você – resmunguei. – Parece que provoco essesacidentesaondevou.

–Anime-se.Oalmoçoéporminhaconta.Elerevirouosbolsosdojeansedelátirouumacanetaesferográ ica.E

maisnada.–Ih...–Osorrisodesapareceu.–Naverdade...Vocêconsegueconjurar

dinheiro?Então, é claro, o almoço foi porminha conta. Euconseguia fazer

dinheiroaparecerdonada, jáqueguardavaumpouconoDuat juntocomoutros suprimentos de emergência. Por isso, logo depois, haviacheeseburguers e batatas fritas a nossa frente, e as coisas estavamcomeçandoamelhorar.

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–Cheeseburguers–dissePercy.–Oalimentodosdeuses.–Concordo.Mas,quandoolheiparaele,perguntei-meseestavapensandoomesmo

queeu:queestávamosnosreferindoadeusesdiferentes.Percycheirouseusanduíche.Sério,aquelecarapodiacomerumboi.–Então...ocolar–disseele,entremordidas.–Qualéahistória?Hesitei.Aindanão fazia ideiadeondePercy vinhaouoque ele era, e

não tinha certeza de que queria perguntar. Agora que havíamos lutadojuntos,nãopodiadeixardecon iarnele.Aindaassim,sentiaqueoassuntoera perigoso. Tudo o que disséssemos poderia ter sérias consequênciasnãoapenasparanós,esimtambémparatodosqueconhecíamos.

A sensação era parecida com a de dois anos antes, quando meu tioAmóscontaraaverdadesobreasorigensdafamíliaKane–aCasadaVida,osdeusesegípcios,oDuat,tudo.Emapenasumdia,meumundo icoudezvezesmaioremedeixoutonto.

Agora eu estava diante de ummomento como aquele. Semeumundoexpandissedezvezesmaisdenovo,temiaquemeucérebroexplodisse.

–Ocolaréencantado–expliquei,por im.–Qualquerréptilqueousese torna o próximopetsuchos, o Filho de Sobek. De alguma maneira foipararnopescoçodaquelefilhotedecrocodilo.

–Ouseja,alguémocolocounopescoçodele.Nãoqueriapensarnessapossibilidade,masassentidemodorelutante.–Quem,então?–Édifícilsaber–respondi.–Tenhomuitosinimigos.Percydeuumarisadairônica.–Seicomoé.Algumaideiadoporquê,então?Deioutramordidanocheeseburguer.Estavagostoso,masagora tinha

ficadodifícilmeconcentrarnele.– Alguém queria causar problemas – especulei. – Acho que talvez... –

Estudei Percy, tentando medir o quanto deveria revelar. – Talvezquisessemcausarumproblemaqueatraísseanossaatenção.Aatençãodenósdois.

Percyfranziuatesta.Elefezumdesenhousandoketchupebatatafrita.Não um hieróglifo, mas uma letra que não era latina. Chutei que fossegrega.

– O monstro tinha um nome grego – disse ele. – Estava comendopégasosem...–Elehesitou.

– Na sua base – completei. – Algum tipo de acampamento, pela suacamiseta.

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Elesemexeunobanco,desconfortável.Aindanãodavaparaacreditarque ele falava em pégasos como se fossem reais. Eume lembrei de umavez na Casa do Brooklyn, talvez um ano antes, em que tivera certeza dequeviraumcavaloaladono céudeManhattan.Naocasião, Sadiedisseraqueeuestavatendoalucinações.Agoranãotinhatantacertezadisso.

Finalmente,Percymeencarou.–Olha,Carter, vocênãoénemde longe tão irritantequantopensei.E

nósformamosumaboaduplahoje,mas...– Você não quer revelar seus segredos. Não se preocupe, não vou

perguntarsobreseuacampamento.Ouseuspoderes.Nemnadadisso.Eleergueuumasobrancelha.–Nãoestácurioso?– Estouextremamente curioso. Mas, até descobrirmos o que está

havendo, acho melhor mantermos certa distância. Se alguém, oualgumacoisa,soltouaquelemonstroaqui,sabendoqueiachamaranossaatenção...

– Então talvez essa pessoa quisesse que nos encontrássemos –completouele.–Desejandoquecoisasruinsacontecessem.

Assenti. Lembrei-meda sensação incômodade antes, a voz emminhacabeça me alertando para não dizer nada a Percy. Tinha passado arespeitá-lo,porémaindasentiaquenãodevíamosseramigos.Nãoeraparasequerchegarmospertoumdooutro.

Muito tempoatrás,quandoeuerabemmaisnovo,viminhamãe fazerumexperimentocientíficodiantedeseusalunosdafaculdade.

Potássio eágua, ela dissera.Separados, são totalmente inofensivos.Masjuntos...

Ela derrubou o potássio em uma proveta com água, eCABUM! Osestudantes recuaram assustados quando uma miniexplosão chacoalhoutodososfrascosnolaboratório.

Percyeraaágua.Eueraopotássio.–Agoranosconhecemos–disseele.–Vocêsabeque icoaquiemLong

Island.Eeu seiquevocêmoranoBrooklyn. Se fôssemosprocurarumaooutro...

–Eunãoachoqueseriaumaboaideia.Nãoatésabermosmais.Precisofazer algumas pesquisas em, bem, no meu lado. Tentar descobrir quemestavaportrásdesseincidentecomocrocodilo.

–Tudobem.Voufazeromesmodomeulado.Eleapontouocolardopetsuchos,quecintilavaemminhamochila.–Oquevamosfazercomisso?– Posso mandá-lo para um lugar seguro – prometi. – Não vai causar

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maisproblemas.Nóslidamoscomrelíquiascomoessaotempotodo.–Nós.Querdizerque...vocêssãomuitos?Nãorespondi.Percyergueuasmãos.–Tudobem.Nãoestámaisaquiquemperguntou.Tenhounsamigosno

Acam...querdizer...domeuladoqueadorariamexplorarumcolarmágicocomoesse,masvouconfiaremvocê.Podeficar.

Nãopercebiqueestavaprendendoarespiraçãoatéqueasoltei.–Obrigado.Legal.–Eocrocodilobebê?Rinervosamente.–Vocêquerficarcomele?–Pelosdeuses,não.– Posso icar com o crocodilo, dar um lar a ele. – Pensei em nossa

piscina da Casa do Brooklyn. Imaginei o que nosso crocodilo gigante emágico,FilipedaMacedônia,achariade terumnovoamigo.–É,achoqueelevaiseadaptarbem.

Percypareceunãosaberoquepensardisso.– O.k., bem... – Ele estendeu a mão. – Foi bom trabalhar com você,

Carter.Apertamos as mãos. Nenhuma faísca voou. Não houve trovões. Mas

ainda não podia deixar de lado a sensação de que tínhamos aberto umaporta ao nos encontrarmos daquelamaneira – uma porta que talvez nãoconseguíssemosfechar.

–Comvocêtambém,Percy.Eleselevantouparair.–Sómaisumacoisa.Seessealguémquepromoveunossoencontro...Se

for um inimigo de nós dois... E seprecisarmos um do outro para lutarcontraele?Comoentroemcontato?

Considereiaideiaetomeiumadecisãoimpulsiva.–Possoescreveremsuamão?–Tipooquê?Seutelefone?Elefranziuatesta.–Nãoexatamente...Pegueiocálamoeatintamágica.Percyestendeuamãoeeudesenhei

um hieróglifo em sua palma – o Olho de Hórus. Assim que completei osímbolo,elebrilhouedesapareceu.

–Bastadizermeunomee euoouvirei.Vou saberondeestá e irei aoseuencontro.Sóvaifuncionarumavez,entãonãodesperdice.

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Percyobservouapalmavazia.–Vouconfiarqueissonãosejaalgumtipoderastreadormágico,certo?–Sim.Eeuestou con iandoque,quandovocêmechamar,nãovaime

atrairparaalgumtipodeemboscada.Eleme encarou.Aqueles olhos verdes tempestuosos erammesmoum

poucoassustadores.EntãoPercysorriu,epareciaumadolescentenormaledespreocupado.

–Justo.Atéapróxima,C...–Nãodigameunome!– Brincadeira. – Ele apontou para mim e piscou. – Que os deuses o

mantenhamestranho,meuamigo.Eentãofoiembora.

***

Umahoradepois,euestavadevoltaaobarco-trenóvoadorcomofilhotedecrocodiloeocolarmágicoenquantoFreakmelevavadevoltaparaaCasadoBrooklyn.

Agora, olhando para trás, toda essa história com o Percy parece tãoirrealquemalacreditoquerealmenteaconteceu.

Eu me pergunto como Percy conjurou aquele redemoinho, e o que,diabos, é bronze celestial. Acima de tudo, uma palavra não sai daminhacabeça:semideus.

Algo me diz que eu poderia obter algumas respostas se procurassebastante,mastenhomedodoquepossodescobrir.

Por enquanto, acho que vou contar sobre isso apenas para Sadie. Nocomeçoelavai acharqueestoubrincando.E, é claro, vai implicar comigo,mas ela também saberá quando estou falando a verdade. Por mais queminhairmãsejairritante,con ionela(emboranuncavádizerissonacaradela).

Talvezelatenhaalgumaideiasobreoquedevemosfazer.Quemquerque tenhanos reunido, orquestradoquenossos caminhos

secruzassem...IssoparececoisadoCaos.Nãopossodeixardepensarquefoi um experimento para ver que tipo de confusão nosso encontroprovocaria.Potássioeágua.Matériaeantimatéria.

Felizmente, acabou tudo bem. O colar dopetsuchos está guardado emsegurança,enossonovobebêcrocodiloestánadandofeliznapiscina.

Dapróximavez... Bem, tenhomedodeque talveznão tenhamos tanta

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sorte.Em algum lugar por aí tem um garoto chamado Percy com um

hieróglifosecretonamão.Ealgomedizque,maiscedooumaistarde,vouacordar nomeio da noite e ouvir uma palavra sussurrada urgentementeemmeuspensamentos:

Carter.

FIM

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SOBREOAUTOR

Rick Riordan nasceu em 1964, em San Antonio, Texas, Estados Unidos,ondemora com amulher e os dois ilhos. Autor best-seller doNew YorkTimes, premiado pela YALSA e pela American Library Association, porquinze anos ensinou inglês e história em escolas de São Francisco, e é aessaexperiênciaqueeleatribuisuahabilidadeemescreverparaopúblicojovem.AlémdassériesPercyJacksoneosolimpianoseOsheróisdoOlimpo,eAscrônicasdosKane.