Top Banner

of 139

O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

Feb 23, 2018

Download

Documents

Israel Costa
Welcome message from author
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    1/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    MICHAEL POLANYI

    Traduo de

    Eduardo BeiraEscola de Engenharia, Universidade do Minho

    Inovatec (Portugal)2010

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    2/139

    EQUIPA DO PROJETO

    Eduardo Beira(www.dsi.uminho.pt/ebeira)Professor (convidado) da Escola de Engenharia da Universidade do Minho, des-de 2000. Atualmente equiparado a Professor Associado. Professor EDAM (Engi-neering Design and Advanced Manufacturing) do programa MIT Portugal.Engenheiro qumico (1974, FEUP), foi gestor e administrador de empresas indus-triais e de servios durante mais de vinte anos, depois de uma primeira carreiraacadmica na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.Interesses acadmicos pelas questes de inovao, desenvolvimento, engenhariae tecnologia, indstrias tradicionais.

    Nos ltimos anos publicou vrios livros sobre o desenvolvimento de setores em-presariais (tecnologias da informao, moldes para plsticos) baseados na mem-ria dos seus protagonistas.

    Ana PrudenteDesigner de comunicao (Escola Supeiror de Arte e Design, 1999)Responsvel pela imagem e design grco na Inovatec, Lda. (Portugal).

    Mafalda MartinsDesigner de comunicao (Escola Supeiror de Arte e Design, 2010).

    dezembro 2010, edio acadmica (200 exemplares numerados)ISBN: 978-989-97134-2-0

    Routledge & Paul Kegan Ltd., 1958. Todos os direitos reservados. All Rights Reserved.Traduo autorizada a partir da edio em lngua inglesa publicada por Routledge, parte do Francis &

    Taylor Group.Authorised translation from the English language edition published by Routledge, a member of the

    Taylor & Francis Group.

    Eduardo Beira, 2011. Todos os direitos sobre a traduo.

    Esta traduo de O estudo do homem licenciada sob Creative Commons Atribuio-Uso No-Comercial-Proibio de realizao de Obras Derivadas 3.0 Unported License. Para mais detalhes, ver www.creativecommons.org

    This translation work is licencensed under the Creative Commons Attribution-Noncommercial-NoDerivative Works 3.0 Unported License. To view a copy of this license, visit http://creativecommons.org/licenses/by-ncnd/3.0/ or send a letter to Creative Commons, 171 Second Street, Suite 300, SanFrancisco, California, 94105, USA.

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    3/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    4/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    5/139

    V

    DAS CINCIAS DA NATUREZA HISTRIA,ATRAVS DO CONHECIMENTO PESSOAL

    Eduardo Beira

    I. Uma teoria da historiografa baseada

    na flosofa do conhecimento pessoal

    No prefcio de The tacit dimension(1966), livro escrito sete anosdepois de The study of man (1959), Polanyi refere-se a este textocomo um pequeno livro que suplementa a sua obra mais importante(Personal knowledge(1958)), publicada cerca de um ano antes, com

    uma teoria da historiograa, numa linha de continuidade com o tra-balho at a desenvolvido. Esta relao de continuidade tambmassinalada no pequeno prefcio que Polanyi escreveu para este livro(The study of man), e onde diz que estas lies pretendem ser umaextenso da inquirio empreendida no meu volume sobre conheci-mento pessoal (Personal Knowledge) e que pode, portanto, ser lidacomo uma introduo ao Personal Knowledge.

    O prprio Polanyi dene bem o mbito da obra, baseada nas TheLindsay Memorial Lectures, de 1958, que nesse ano teve lugar noUniversity College of North Staffordshire: uma introduo sua loso-

    a, baseada numa epistemologia do conhecimento pessoal, e a suaextenso s disciplinas que envolvem o conhecimento do prprio ho-mem, de que a histria um caso fronteira, na medida em que envolvea considerao e avaliao da ao responsvel do prprio homem,indissocivel dos seus valores morais.

    Essa extenso feita pela explorao das sucessivas implicaesde um modelo da realidade com nveis diferentes, uma ideia recorrentena obra de Polanyi, indo do inanimado at ao ser humano dotado deuma atividade mental nica, da emergindo uma suave continuidade

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    6/139

    VI

    das cincias da natureza at histria e s artes, embora com dife-rentes graus de envolvimento entre o ser que conhece e a entidade

    conhecida.No primeiro captulo (na realidade a primeira lio das Lindsey

    Lectures), Polanyi retoma e rev a sua argumentao anterior sobreconhecimento pessoal, os mecanismos tcitos do conhecer e a suaestrutura lgica. Muito do contedo dos famosos captulos 4 (Compe-tncias) e 5 (Articulao) de Personal Knowledge aqui retomado. Ottulo do captulo elucidativo: compreender-nos a ns prprios umprimeiro nvel de conhecer.

    Os dois captulos seguintes tratam nveis adicionais, cada um de-les socorrendo-se do nvel anterior: compreender os outros seres (no

    captulo 2) e depois compreender a histria (no captulo 3). Compre-ender a histria obriga a encarar as relaes entre a responsabilidadepessoal de conhecer e os valores pessoais e comunitrios (sociais).Aqui aparecem no argumento alguns aspetos essenciais da losoade Polanyi: o compromisso de cada um com um certo esquema conceptual

    (ou quadro de referncia), ancorado na tradio da comunidade econstrudo atravs da convivialidade social, e cuja crena viabili-za os mecanismos de conhecer;

    o papel motivador das paixes intelectuais e das responsabilida-des pessoais no conhecer, em descobrir, e em julgar e escolher no necessariamente por algoritmos formais, mas tambm pormecanismos no especicveis de conhecer;

    os perigos ubquos de errar no conhecimento pessoal; o conhecer tcito, que por sua vez viabiliza e sustenta todo o co-

    nhecimento explcito ou formal.Nesta obra notrio o esforo de Polanyi em revisitar os aspetos

    que considera essenciais da sua teoria do conhecimento pessoal eem fazer a sua defesa, antes de lidar com a sua extenso para alm

    do mbito da cincia e propor uma teoria da historiograa baseada noconhecimento pessoal. Em boa medida os dois primeiros captulos deThe study of manso uma reorganizao de argumentos anteriores,sempre com o objetivo de evidenciar a unidade e a integrao dasvrias reas de conhecer, das cincias s artes. A procura de umaunidade integradora de todo o conhecimento, baseada numa mes-ma losoa do conhecimento pessoal, uma linha permanente doargumento.

    O ESTUDO DO HOMEM

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    7/139

    VII

    2. Acerca desta edio

    Na terceira parte, e depois da traduo de The study of man, inclui-seum texto com trs notas de contexto complementares suscitadas poresta obra de Polanyi.

    Uma primeira nota sobre o caso do cavalo inteligente (o CleverHans), cuja performance iludiu cientistas.

    Outra nota sobre a relao entre Polanyi e Heidegger, o polmi-co e inuente lsofo alemo, procurando claricar o conceito de habi-tar (dwelling), conceito a que Polanyi recorre com frequncia sendoque indwelling (habitar interiormente, interiorizar) o mecanismo b-sico de aprendizagem do conhecer tcito, ponto fundamental da sua

    losoa um mecanismo na base do conhecer no articulado, deconhecer os outros seres vivos, e muito em particular, de conhecer amente de outras pessoas, seres humanos pensantes. Desde a fsicaao estudo do homem, toda essa vasta gama do conhecimento envolveuma interiorizao pessoal. tambm pela contribuio da interiori-zao (indwelling) que conhecemos e compreendemos a ao dasguras histricas, procurando habitar os mecanismos da sua mentenas circunstncias da sua existncia.

    Numa ltima nota trata-se do caso da escultura de So Mateus, de

    Miguel ngelo, uma das obras inacabadas do mestre renascentista,referido por Polanyi como exemplo paradigmtico da procura intelec-tual motivada pela paixo do autor, que dolorosa e esforadamenteprocura trazer realidade aquilo que implicitamente procura e acre-dita ser possvel conseguir. Pode tambm ser visto como um caso doconhecer de... para: um compromisso a partir do ser, para uma rea-lidade exterior que responsabilidade do homem procurar descobrir.

    * * *

    Assumimos o objetivo de traduzir Polanyi como uma intimaopessoal, no sem diculdades. O desao do processo de descobertaassociado tem sido generoso.

    Agradecemos ao Professor John Polanyi, lho de Michael Polanyie gestor dos seus direitos editoriais, a autorizao para esta traduo.

    DAS CINCIAS DA NATUREZA HISTRIA, ATRAVS DO CONHECIMENTO PESSOAL.

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    8/139

    VIII

    Agradeo tambm minha mulher, Maria Leonor Fernandes, a ajudanuma primeira reviso nal do texto e na correo das mltiplas gra-

    lhas. Como bvio, toda a responsabilidade minha.

    Vila Nova de Gaia e Areias (Carrazeda de Ansies),Dezembro de 2010.

    O ESTUDO DO HOMEM

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    9/139

    Mapa das palavras mais importantes de O Estudo do Homem,construdo com Wordle (Feinberg, J., www.wordle.net).

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    10/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    11/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    MICHAEL POLANYI

    Edio original:Michael Polanyi, The study of man,Routledge & Kegan Paul Ltd, 1958

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    12/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    13/139

    ParaJ. H. OLDHAM

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    14/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    15/139

    NDICE

    Prefciopgina 7

    LIO UM Compreender-se a si prprio

    pgina 09

    LIO DOIS

    A vocao do homempgina 41

    LIO TRS Compreender a Histria

    pgina 73

    Notas bibliogrcapgina 105

    Bibliograa relacionadapgina 109

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    16/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    17/139

    PREFCIO

    Estas lies pretendem ser uma extenso da inquirioempreendida no meu volume sobre conhecimento pesso-

    al (Personal Knowledge), recentemente publicado (*). Comose mostrou impossvel prosseguir desde o ponto alcana-do nesse livro, sem recapitular primeiro as partes relevan-tes do seu argumento, as primeiras duas lies foram, nasua maior parte, usadas com essa nalidade. A srie com-pleta destas lies pode ser lida como uma introduo aoPersonal Knowledge.

    Espero que a relao entre estas lies e o trabalho lo-sco e educacional de Lord Lindsay seja visvel ao longode todo o livro. No nal, encontra-se uma referncia es-pecial ideia de universidade, tal como manifestada porLord Lindsay na fundao do University College de Nor-th Staordshire.

    (*) 1958, nota do tradutor.

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    18/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    19/139

    LIO UM

    Compreender-se a si prprio

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    20/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    21/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    11

    Acapacidade do homem para pensar oseu atributo mais proeminente. Quemquiser falar do homem ter sempre que, a cer-ta altura, falar do conhecimento humano. Esta

    uma perspetiva incmoda, porque a tarefaparece no ter m: assim que tivssemos termi-nado tal estudo, o nosso prprio assunto teriaaumentado por essa mesma contribuio. Ter-amos ento que reetir tambm sobre o estudoacabado de fazer, pois ele prprio agora, igual-mente, uma obra humana. E assim teramos queir explorando uma vez mais as nossas ltimas

    reexes, num esforo innito e ftil para com-preender completamente a obra do homem.Esta diculdade pode parecer inverosmil,

    mas , de facto, uma caracterstica profundada natureza do homem e da natureza do co-nhecimento humano. O homem est objetiva-mente condenado a descobrir o conhecimentoque ele prprio constri. Mas, no momento em

    que reete sobre o seu conhecimento, desco-bre-se tambm a si prprio como responsvelpela preservao desse mesmo conhecimen-to. Encontra-se a denir o que verdadeiro, eeste declarar e acreditar constituem uma adioao mundo em que baseia o seu conhecimento.Cada vez que adquirimos conhecimento esta-mos a ampliar o mundo, o mundo do homem,

    O HOMEM ESTOBJETIVAMENTECONDENADO A DESCOBRIRO CONHECIMENTO QUEELE PRPRIO CONSTRI

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    22/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    12

    com algo que ainda no incorporado no objetodo conhecimento que detemos e, nesse sentido,um conhecimento compreensivo do homem,aparece como impossvel.

    O signicado que atribuo a esta lgica estra-nha tornar-se- mais claro na soluo que pro-ponho. A soluo parece encontrar-se no factodo conhecimento humano ser de dois tipos.Aquilo que geralmente descrito como conhe-

    cimento, tal como exposto em palavras escritas,em mapas, ou em frmulas matemticas, ape-nas um dos tipos de conhecimento; enquantoque o conhecimento no formulado, tal comoo que temos de algo que estamos a executar, uma outra forma de conhecimento. Se chamar-mos explcito ao primeiro tipo de conhecimen-to, e conhecimento tcito ao segundo, podemos

    dizer que sempre de forma tcita que consi-deramos o nosso conhecimento explcito comoverdadeiro. Se aceitamos que uma parte donosso conhecimento tcito, ento o esforo vode pensar sobre as nossas prprias reexes jno se levanta. A pergunta se podemos carsatisfeitos com isso. Conhecer de forma tcitaparece ser um ato de ns prprios, faltando-lhe

    o carcter pblico, objetivo, do conhecimentoexplcito. Pode, por isso, parecer que lhe falta aqualidade essencial do conhecimento.

    Esta objeo no pode ser levianamente ul-trapassada; mas acredito que est errada. Negoque a participao de quem conhece na confor-mao do conhecimento deva invalidar esse co-nhecimento, embora admita que possa prejudi-

    NEGO QUE A PARTICIPAODE QUEM CONHECENA CONFORMAO

    DO CONHECIMENTODEVA INVALIDAR ESSE

    CONHECIMENTO, EMBORAADMITA QUE POSSAPREJUDICAR A SUA

    OBJETIVIDADE.

    SEMPRE DE FORMA TCITAQUE CONSIDERAMOS O

    NOSSO CONHECIMENTOEXPLCITO COMO

    VERDADEIRO.

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    23/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    13

    car a sua objetividade.Tentarei transmitir esta convico, ou pelo

    menos familiariz-los com esta viso se tudo oque tenho para dizer no os convencer de todo mostrando que o conhecer tcito , de facto, oprincpio dominante de todo o conhecimento, eque a sua rejeio envolveria automaticamentea rejeio de todo o conhecimento, seja ele qualfor. Comearei por demonstrar que a contribui-

    o pessoal, pela qual quem conhece conformao seu prprio conhecimento, predomina tantonos nveis mais baixos de conhecer, como nasrealizaes mais elevadas da inteligncia hu-mana, aps o que estenderei a demonstrao zona intermdia que forma o grosso do conhe-cimento humano, onde o papel decisivo do coe-ciente tcito no to fcil de reconhecer.

    Falarei primeiro das formas mais primiti-vas do conhecimento humano, a que chegamosdescendo s formas de inteligncia que parti-lhamos com os animais: o tipo da intelignciaque se situa antes da barreira da linguagem. Osanimais no falam e toda a superioridade dohomem sobre os animais quase inteiramentedevida ao dom do discurso. Os bebs e as crian-

    as at idade de cerca dos dezoito meses noso mentalmente muito superiores aos chim-panzs da mesma idade; s quando comeama aprender a falar que rapidamente se distan-ciam e deixam para trs os smios seus contem-porneos. Mesmo os adultos no mostram umainteligncia claramente superior dos animais,desde que as suas mentes funcionem sem a aju-

    CONHECER TCITO ,DE FACTO, O PRINCPIODOMINANTE DE TODOO CONHECIMENTO, EQUE A SUA REJEIOENVOLVERIAAUTOMATICAMENTE AREJEIO DE TODO OCONHECIMENTO, SEJA ELEQUAL FOR

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    24/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    14

    da da linguagem. Na ausncia de indcios lin-gusticos, o homem v coisas, ouve coisas, sentecoisas, move-se, explora os seus arredores e co-nhece o seu caminho de um modo muito seme-lhante ao dos animais.

    Para explicitar as caractersticas lgicas doconhecimento tcito precisamos de o compararcom o conhecimento articulado que o homempossui. Em primeiro lugar, vemos que, obvia-

    mente, o tipo de conhecimento que comparti-lhamos com os animais incomparavelmentemais pobre que o de um homem educado, oucertamente de qualquer ser humano normal-mente educado. Mas enquanto esta riqueza doconhecimento explcito se admite estar relacio-nada com as suas caractersticas lgicas distin-tivas, isso por si mesmo no uma propriedade

    lgica. A diferena lgica essencial entre os doistipos de conhecimento encontra-se no facto depodermos reetir criticamente sobre algo expli-citamente armado, de uma forma que no po-demos reetir sobre a nossa conscincia tcitade uma experincia.

    Para mostrar a diferena, compararei umcaso de conhecimento tcito com um conhe-

    cimento do mesmo assunto na forma explcita.Mencionei que os homens podem olhar suavolta e explorar tacitamente os arredores, e queisso est tambm bem desenvolvido nos ani-mais, o que sabemos pelos estudos com ratosem labirintos. Um grande perito do comporta-mento do rato, E. C. Tolman, escreveu que umrato sabe como se orientar, tal como se tivesse

    PARA EXPLICITAR ASCARACTERSTICAS

    LGICAS DOCONHECIMENTO

    TCITO PRECISAMOSDE O COMPARAR COM

    O CONHECIMENTOARTICULADO QUE O

    HOMEM POSSUI.

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    25/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    15

    adquirido um mapa mental do labirinto. Obser-vaes com pessoas sugerem que um homem,mesmo inteligente, no melhor do que umrato na resoluo de labirintos, a menos queajudado por notas, quer estas tenham sido re-gistadas verbalmente ou esboadas por dese-nhos. Mas claro que um homem pode fazertais anotaes, ou obt-las j feitas. Pode-lhe serfornecido um mapa detalhado do stio por onde

    est a passar. A vantagem de um mapa b-via, tanto pela informao que transmite, comopor uma razo ainda mais importante: muitomais fcil seguir um itinerrio com um mapado que sem um mapa. Mas h tambm umnovo risco envolvido ao viajar orientando-sepor um mapa: o mapa pode estar errado. aquique entra a reexo crtica. O risco peculiar que

    corremos ao conar em qualquer conhecimentoexplcito combina-se com a oportunidade pe-culiar que oferece de reetir criticamente sobreele prprio. Podemos vericar a informao deum mapa, por exemplo, lendo-o num local quepossamos examinar diretamente e comparar omapa com o relevo nossa frente.

    Esse exame crtico do mapa possvel por

    duas razes. Primeiro, porque um mapa algoque nos externo e no qualquer coisa que exe-cutamos ou a que damos forma; e, segundo,porque mesmo que seja um mero objeto exter-no, ainda assim pode-nos falar. Diz-nos algo aque podemos prestar ateno. E f-lo quer te-nhamos sido ns prprios a elaborar o mapa,quer o tenhamos comprado numa loja. Mas

    O RISCO PECULIARQUE CORREMOS AO

    CONFIAR EM QUALQUERCONHECIMENTO EXPLCITOCOMBINA-SE COM AOPORTUNIDADE PECULIARQUE OFERECE DEREFLETIR CRITICAMENTESOBRE ELE PRPRIO

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    26/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    16

    o primeiro caso que de momento nos inte-ressa, em especial quando o mapa , de facto,uma armao de ns prprios. Ao ler tal ar-mao estamos a rever algo que j antes tnha-mos expressado, a que agora podemos atendercriticamente. Um processo crtico deste tipopode continuar por horas, e at por semanas oumeses. Posso percorrer o manuscrito de um li-vro completo e examinar o mesmo texto, frase

    por frase, um qualquer nmero de vezes. bvio que nada semelhante pode ocorrerao nvel pr-articulado. Apenas pela ao possotestar a espcie de mapa mental que possuo deum local familiar, ou seja, usando-o como guia.Se me perder, posso corrigir as minhas ideias.No h outra maneira de melhorar o conheci-mento no articulado. Num dado momento,

    apenas posso ver uma coisa de cada vez, e seduvido do que vejo, tudo que posso fazer olhar uma outra vez e talvez ver agora as coi-sas de maneira diferente. A inteligncia noarticulada pode apenas apalpar o seu caminhopassando de uma viso das coisas para outra.O conhecimento adquirido e preservado dessemodo pode, por isso, ser chamado acrtico.

    Podemos ampliar e aprofundar este contras-te entre conhecimento tcito e conhecimento ar-ticulado estendendo-o forma como o conheci-mento adquirido. Recordemos como um mapa construdo por triangulao. Partindo de umconjunto de observaes sistematicamente co-ligidas, prosseguimos de acordo com normasestritas que se aplicam a esses dados. Apenas o

    O CONHECIMENTOADQUIRIDO E PRESERVADO

    DESSE MODO PODE, PORISSO, SER CHAMADO

    ACRTICO

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    27/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    17

    conhecimento explicitamente formulado podeser assim derivado a partir de premissas espe-cicveis, de acordo com regras claras de infe-rncia. E a funo mais importante do pensa-mento crtico testar tais processos explcitosde inferncia, invertendo o respetivo uxo deraciocnios, procura de algum elo mais fraco.

    O contraste entre os dois domnios deve seragora sucientemente claro. O conhecimento

    pr-verbal aparece como uma pequena reailuminada, mas cercada por imensas trevas,uma pequena mancha iluminada pela aceitaoacrtica das concluses no racionalizadas dosnossos sentidos; enquanto o conhecimento arti-culado do homem representa um panorama detodo o universo, estabelecido sob o controlo dareexo crtica.

    Mas se assim, poder ainda ser verdadeque seja a componente pessoal tcita a predo-minar em todo o pensamento humano? Certa-mente, no podemos seno aceitar a prefern-cia que levou a mente humana a superar o seusilncio pr-verbal e a desenvolver uma grandecoleo pblica de conhecimento articulado.E parece ento quase inevitvel aceitar como

    ideal o estabelecimento de uma representaocompletamente precisa e estritamente lgica doconhecimento, e olhar para qualquer participa-o pessoal na nossa descrio cientca do uni-verso como uma falha residual que em devidotempo deve ser completamente eliminada.

    No entanto, esta avaliao exaltada do pen-samento estritamente formal contraditria.

    O CONHECIMENTO PR--VERBAL APARECE COMOUMA PEQUENA REAILUMINADA, MAS CERCADAPOR IMENSAS TREVAS

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    28/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    18

    verdadeiro que o viajante, equipado com ummapa detalhado de uma regio atravs da qualplaneia o seu itinerrio, goza de uma impressio-nante superioridade intelectual sobre o explo-rador que entra pela primeira vez numa regio embora o progresso atribulado do exploradorseja um sucesso maior do que a jornada de umviajante bem informado. Mesmo que admitsse-mos que um conhecimento exato do universo

    a nossa suprema possesso mental, ainda assimo ato de pensamento mais distintivo do homemconsiste emproduzirtal conhecimento; a mentehumana est no seu melhor quando conseguecontrolar domnios at a desconhecidos. Taisoperaes renovam o quadro de referncia ar-ticulado j existente. Por isso, no podem serexecutadas dentro desse quadro, mas (nessa

    medida) tm que conar no tipo de reorienta-o profunda que partilhamos com os animais.Uma novidade fundamental apenas pode serdescoberta pelos mesmos poderes tcitos queos ratos usam para se orientarem num labirinto.

    claro que impossvel comparar exata-mente o nvel dos desempenhos tcitos envol-vidos nos trabalhos do gnio humano com os

    feitos de animais ou de crianas. Mas podemosrecordar o exemplo de Clever Hans, o cavalocujos poderes de observao ultrapassaram emmuito os de todo um grupo de investigadorescientcos. Acreditaram que o animal resolviaos problemas denidos num quadro negro suafrente, quando na realidade obtinha os indciospara as respostas corretas prestando ateno

    A MENTE HUMANA ESTNO SEU MELHOR QUANDO

    CONSEGUE CONTROLARDOMNIOS AT A

    DESCONHECIDOS

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    29/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    19

    aos gestos involuntrios feitos pelos prprioscientistas, na expectativa dessas respostas. Re-corde-se, igualmente, quo rpida e facilmenteas crianas aprendem a ler e a escrever, quandocomparadas com adultos at a iletrados. Haqui bastante evidncia para sugerir que os po-deres tcitos mais elevados de um adulto noexcedem, e talvez sejam mesmo inferiores, aosde um animal ou de uma criana. Os desempe-

    nhos incomparavelmente superiores do adultodevem ser em grande parte atribudos ao seusuperior equipamento cultural. O gnio parececonsistir no poder de aplicar a originalidade da

    juventude experincia da maturidade.Mas ser que podemos ir mais longe e mos-

    trar, tal como prometi, que em todos os nveismentais, no so as funes das operaes l-

    gicas articuladas que so decisivas, mas antesos poderes tcitos da mente? Eu acredito quepodemos. Mas primeiro temos que reconside-rar esses poderes tcitos e deni-los com maispreciso. Falei da capacidade para ver coisasde uma certa maneira, mais do que de outra, etambm descrevi como conhecemos o caminho nossa volta. Disse que os nossos poderes tci-

    tos conseguem estes resultados pela reorgani-zao da nossa experincia, de modo a ganharum controlo intelectual sobre ela. H uma pa-lavra que cobre todas estas operaes, as quaisconsistem sempre em entender a experincia,isto , em fazer com que faa sentido. A palavraque abrange todas essas operaes simples-mente compreender.

    EM TODOS OS NVEISMENTAIS, NO SOAS FUNES DASOPERAES LGICASARTICULADAS QUE SODECISIVAS, MAS ANTESOS PODERES TCITOS DAMENTE?

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    30/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    31/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    21

    a sua mutilao cruel da experincia humanalhe empresta uma to elevada reputao de se-veridade cientca, que o seu prestgio globalultrapassa as decincias dos seus prpriosfundamentos. O nosso reconhecimento da com-preenso como uma forma vlida de conhecerlevar-nos- longe na libertao deste despotis-mo violento e ineciente.

    Entretanto, voltemos ao assunto que deu ori-

    gem a esta digresso sobre os aspetos metafsi-cos da compreenso. Mostrei que as operaespuramente tcitas da mente so processos decompreenso. Irei agora mais alm, sugerindoque a compreenso das palavras e de outrossmbolos , igualmente, um processo tcito. Aspalavras podem transportar informao, umasrie de smbolos algbricos pode constituir

    uma deduo matemtica, um mapa pode ex-por a topograa de uma regio; mas nem as pa-lavras, nem os smbolos, nem os mapas comu-nicam uma compreenso de si mesmos. Emboratais armaes sejam feitas na forma que me-lhor induza a compreenso da sua mensagem,o remetente da mensagem precisa sempre deconar na inteligncia do destinatrio para que

    este a compreenda. S em virtude deste ato decompreenso, desta contribuio tcita, que sepode dizer que o recetor adquire conhecimentoquando confrontado com uma armao.

    Isto tambm se aplica, naturalmente, aoemissor da mensagem. Quando exprimimosuma armao temos a inteno de dizer algo.Embora esta inteno possa no antecipar tudo

    O NOSSORECONHECIMENTO DACOMPREENSO COMOUMA FORMA VLIDA DECONHECER LEVAR-NOS-LONGE

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    32/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    22

    o que ser dito dado que uma mensagem sepode ir desenvolvendo medida que se vaiexprimindo por palavras sabemos sempre,aproximadamente, o que queremos signicar,mesmo antes de o dizer. Isto verdade mesmopara as computaes puramente mecnicas,em que conamos cegamente para fazer umaarmao; porque sabemos antecipadamente oque estamos a fazer, conamos em tal operao

    para falar em nosso nome.Expandi agora a funo de compreenderpara a de conhecer o que tencionamos fazer, oque signicamos, ou o que fazemos. A isto po-demos agora adicionar que nada do que estdito, escrito ou impresso, pode signicar seja oque for apenas por si prprio: apenas quandouma pessoa exprime algo ou escuta, ou l

    que pode signicar algo atravs dela. Todasestas funes semnticas constituem as opera-es tcitas de uma pessoa. E isto prende-se,ainda mais em particular, com a relao que asdeclaraes descritivas tm com as coisas quedesignam. Recorde-se como a relao de ummapa com a regio em que nos guia derivadada leitura do mapa; e como a leitura do mapa

    usada, inversamente, para testar a sua exatido,confrontando-a com os factos a que se refere.Isto mostra que a compreenso de uma arma-o descritiva deve incluir tanto a capacidadede a relacionar corretamente com o seu tema,como a compreenso do prprio tema nos ter-mos da armao em questo.

    claro que em proposies como o livro

    TODAS ESTAS FUNESSEMNTICAS SO AS

    OPERAES TCITAS DEUMA PESSOA

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    33/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    23

    est na mesa, que os lsofos gostam de citarcomo exemplo, pode parecer trivial todo o pro-cesso de compreender o que est a ser dito e oque se est a dizer, assim como a relao entre osdois. Mas h vastos domnios do conhecimen-to humano em que isso no manifestamenteverdade. Em geral, os factos da biologia e damedicina, por exemplo, s podem ser reconhe-cidos por peritos que possuam tanto uma com-

    petncia especial para examinar os objetos emquesto, como uma capacidade especial paraidenticar especmenes particulares. O exerc-cio de tal arte um feito tcito da inteligncia,que nunca pode ser totalmente especicadoem termos de regras explcitas. Veremos agoracomo este facto sugere uma ampla extenso dospoderes da compreenso humana.

    Mas faa-se aqui uma pausa por um mo-mento; no estaremos a ir demasiado depressa?Disse que a enorme superioridade intelectualdos homens sobre os animais quase toda devi-da ao dom do expresso oral pelo homem. Masse os poderes do saber tcito predominam nodomnio do conhecimento formulado explicita-mente, ser que ainda assim podemos continu-

    ar a acreditar na nossa capacidade para usar alinguagem com essas enormes vantagens inte-lectuais? Uma resposta completa a esta pergun-ta teria que explicar toda a gama da intelignciaespecicamente humana; aqui apenas podereifazer um breve esboo.

    claro que a linguagem oferece a vantagembvia da comunicao verbal. Tiramos parti-

    O EXERCCIO DE TAL ARTE UM FEITO TCITO DAINTELIGNCIA, QUE NUNCAPODE SER TOTALMENTEESPECIFICADO EMTERMOS DE REGRASEXPLCITAS

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    34/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    24

    do da informao recebida em segunda mo,e em particular das comunicaes dos nossosantecessores, transmitidas cumulativamentede uma gerao para a seguinte. Isto tem sidomuitas vezes assinalado. Mas a articulao nonos torna s melhor informados: enriquece--nos, aumentando o nosso poder mental sobrequalquer fragmento da informao dada. Men-cionei como fcil traar itinerrios num mapa.

    Isto exemplica a grande vantagem especulati-va que se consegue acumulando conhecimentonuma forma acessvel e condensada. Os mapas,grcos, livros, frmulas, etc., oferecem oportu-nidades maravilhosas para reorganizar o nossoconhecimento segundo novos pontos de vista.E esta reorganizao ela prpria, regra geral,um desempenho tcito, semelhante quele pelo

    qual, ao nvel pr-verbal, ganhamos controlointelectual sobre os nossos arredores, e tambmrelacionada com o processo de reorganizaocriativa pelo qual se fazem novas descobertas.

    Assim conseguimos explicar, apesar de tudo,toda a impressionante vantagem intelectual daarticulao, sem derrogar a supremacia dos po-deres tcitos do homem. Embora permanea a

    superioridade intelectual do homem sobre oanimal, devido ao uso de smbolos, esta utili-zao por si prpria a acumulao, a ponde-rao e a reconsiderao de vrios assuntos emtermos dos smbolos que os designam agoravista como um processo tcito, acrtico. umdesempenho, tal como compreender ou signi-car algo, que apenas pode ser feito nas nossas

    REORGANIZAO ELA PRPRIA, REGRA

    GERAL, UM DESEMPENHOTCITO, SEMELHANTE

    QUELE PELO QUAL,AO NVEL PR-VERBAL,GANHAMOS CONTROLO

    INTELECTUAL SOBRE OSNOSSOS ARREDORES, ETAMBM RELACIONADA

    COM O PROCESSO DEREORGANIZAO CRIATIVA

    PELO QUAL SE FAZEMNOVAS DESCOBERTAS

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    35/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    25

    cabeas e nunca operando com sinais no papel.Todo o nosso equipamento articulado revela-se,anal, como uma mera caixa de ferramentas,um instrumento supremamente ecaz para ex-primir as nossas faculdades no articuladas. Eno devemos, ento, hesitar em concluir que ocoeciente pessoal tcito do conhecimento pre-domina tambm no domnio do conhecimentoexplcito, e representa, por consequncia e a

    todos os nveis, a faculdade ltima do homempara adquirir e para reter conhecimento.Podemos, por m, tratar o problema levan-

    tado na abertura desta lio e relativo ao carc-ter acrtico do conhecimento tcito. Vimos quequando compreendemos ou signicamos algo,quando reorganizamos a nossa compreensoou quando confrontamos uma armao com

    os factos a que se refere, estamos a exercer osnossos poderes tcitos na busca de um melhorcontrolo intelectual do assunto em questo.Procuramos esclarecer, vericar ou precisaralgo dito ou experimentado. Afastamo-nos deuma posio sentida como algo problemticapara uma outra posio mais satisfatria. as-sim que, eventualmente, chegamos a considerar uma

    parte do conhecimento como verdadeira. Eis aquio fazer tcito por ns prprios de que falei noincio, o inevitvel ato de participao pessoalno nosso conhecimento explcito das coisas: umato de que s podemos estar cientes de uma for-ma irreetida. E esta situao j no nos pareceuma anormalidade lgica. Porque vimos queos poderes tcitos pelos quais nos comprome-

    E NO DEVEMOS, ENTO,HESITAR EM CONCLUIRQUE O COEFICIENTEPESSOAL TCITO DOCONHECIMENTOPREDOMINA TAMBMNO DOMNIO DOCONHECIMENTOEXPLCITO, E REPRESENTA,POR CONSEQUNCIAE A TODOS OS NVEIS,A FACULDADE LTIMADO HOMEM PARAADQUIRIR E PARA RETERCONHECIMENTO.

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    36/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    26

    temos com uma armao em particular operade vrias formas elaboradas atravs de todas asreas de interesse do conhecimento humano,e vimos que este coeciente pessoal que dsignicado e convico s nossas armaes ex-plcitas. Vemos agora que todo o conhecimentohumano conformado e sustentado pelas facul-dades mentais no articuladas que partilhamoscom os animais.

    Esta viso envolve uma mudana decisivano nosso ideal de conhecimento. Quem conhe-ce, participa na conformao do seu prprioconhecimento. At aqui este facto tem sido tole-rado apenas como um defeito uma limitao aser erradicada do conhecimento perfeito mas agora reconhecido como o verdadeiro guiae mestre dos nossos poderes cognitivos. Reco-

    nhecemos que os nossos poderes de conheceroperam sem nos obrigarem a uma qualquerarmao explcita; e mesmo quando proferi-dos numa declarao ou armao, isso ape-nas usado como um instrumento que ampliaa gama dos poderes tcitos que estiveram nasua origem. O ideal de um conhecimento con-substanciado em proposies estritamente im-

    pessoais parece agora auto-contraditrio, semsentido, vulnervel ao ridculo. Precisamos deaprender a aceitar um conhecimento que ma-nifestamente pessoal como um ideal.

    Uma tal posio , obviamente, difcil por-que parece que estamos a denir como conhe-cimento algo que podemos determinar nossavontade, como pensamos que nos possa inte-

    E VIMOS QUE ESTECOEFICIENTE PESSOALQUE D SIGNIFICADO E

    CONVICO S NOSSASAFIRMAES EXPLCITAS

    QUEM CONHECE,PARTICIPA NA

    CONFORMAO DO SEUPRPRIO CONHECIMENTO.

    AT AQUI ESTE FACTOTEM SIDO TOLERADO

    APENAS COMO UMDEFEITO UMA LIMITAO

    A SER ERRADICADADO CONHECIMENTO

    PERFEITO MAS AGORARECONHECIDO COMO

    O VERDADEIRO GUIA EMESTRE DOS NOSSOS

    PODERES COGNITIVOS.

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    37/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    27

    ressar. Lutei contra esta objeo num volumeintitulado Personal Knowledge. A, discuti que oconhecimento pessoal totalmente determina-do, desde que levado a cabo com uma inabal-vel inteno universal. Acredito que a capacida-de das nossas mentes para estabelecer contactocom a realidade e a paixo intelectual que nosempurra para esse contacto, sero sempre su-cientes para guiar o nosso julgamento pessoal,

    de modo tal que conseguir atingir toda a ver-dade que se encontra no mbito da nossa voca-o particular.

    * * *

    Estas breves sugestes esto aqui em al-

    ternativa a muitas pginas. Tomarei, por isso,como concedido que aceitamos o conhecimentopessoal como vlido, e passarei a desenvolvera estrutura de tal conhecimento, numa direoque nos conduz ao campo das humanidades,o que nos abre grandes oportunidades. Esperoincluir numa nica conceo de conhecer, con-tinuamente varivel, os processos de aquisio

    do conhecimento, tal como compreendidos pe-las cincias naturais, e o conhecimento do pr-prio homem como depositrio de todo o conhe-cimento, e espero que esta conceo facilmentese estenda ainda mais alm, compreenso dohomem como a origem do juzo moral e de to-dos os outros juzos culturais pelos quais esteparticipa na vida da sociedade. Embora o meu

    ESPERO INCLUIR NUMANICA CONCEODE CONHECER,CONTINUAMENTEVARIVEL, OS PROCESSOSDE AQUISIO DO

    CONHECIMENTO, TALCOMO COMPREENDIDOSPELAS CINCIAS NATURAIS

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    38/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    28

    exame tenha que car apenas por um esboo,penso que sugerir com clareza uma perspetivana qual se pode revelar a unidade essencial des-tes aspetos do homem.

    A estrutura de saber tcito manifesta-semais claramente no ato de compreender. umprocesso de entendimento: o agarrar de par-tes disjuntas num todo compreensivo. As ca-ractersticas deste processo foram nos ltimos

    quarenta anos analisadas com cuidado pelapsicologia das formas (Gestalt). Contudo, essainquirio falhou num aspeto que acredito serdecisivo para a compreenso do conhecimen-to e para a correspondente apreciao da po-sio do homem no universo. Os psiclogosdescreveram a perceo como uma experinciapassiva, sem considerarem que representa um

    mtodo de aquisio de conhecimento e semdvida o mtodo mais geral. Provavelmente,no estavam dispostos a reconhecer que o co-nhecimento conformado pela ao pessoal dequem conhece. Mas isto no nos retm. Tendopercebido que a participao pessoal predomi-na em ambas as reas do conhecimento tcitoe do conhecimento explcito, estamos prontos

    para transpor os resultados da psicologia dasformas (Gestalt) para uma teoria do conheci-mento: uma teoria baseada em primeiro lugarna anlise da compreenso. Esboarei breve-mente esta teoria.

    No podemos compreender um todo semver as suas partes, mas podemos ver as partessem compreender o todo. Logo, podemos avan-

    A ESTRUTURA DE SABERTCITO MANIFESTA-SE

    MAIS CLARAMENTE NO ATODE COMPREENDER

    NO PODEMOSCOMPREENDER UM

    TODO SEM VER AS SUASPARTES, MAS PODEMOS

    VER AS PARTES SEMCOMPREENDER O TODO

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    39/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    29

    ar de um conhecimento das partes para a com-preenso do todo. Esta compreenso pode serfcil ou difcil, mesmo to difcil que representeuma descoberta. Contudo, reconheceremos amesma faculdade de compreenso a trabalharem ambos os casos. Uma vez atingida a com-preenso, no provvel que se perca outra veza viso do todo; todavia, a compreenso no completamente irreversvel. Olhando de muito

    perto para as diversas partes de um todo, podesuceder que se desvie a ateno do mesmo, eat que este se perca completamente de vista.

    Estas observaes psicolgicas podem sertranspostas para elementos de uma teoria doconhecimento. Podemos dizer que quandocompreendemos um conjunto particular deitens como partes de um todo, o foco da nos-

    sa ateno desloca-se dos particulares, at aquino compreendidos, para a compreenso doseu signicado conjunto. Este mudar da aten-o no nos faz perder de vista os particulares,dado que apenas podemos ver um todo vendoas suas partes, mas muda completamente a manei-ra como estamos cientes dos particulares. Agora tor-namo-nos cientes deles em funo do todo em que -

    xamos a ateno. Chamarei conscincia subsidiriaa esta apreenso dos particulares, por contrastecom a conscincia focal, que xa a ateno nosdetalhes por si prprios e no como partes deum todo. Falarei de um correspondente conhe-cimento subsidiriode tais itens, como distintode um conhecimentofocaldos mesmos.

    Ilustrarei esta distino entre conhecimento

    COMPREENDEMOS UMCONJUNTO PARTICULARDE ITENS COMO PARTESDE UM TODO, O FOCO

    DA NOSSA ATENODESLOCA-SE DOSPARTICULARES, AT AQUINO COMPREENDIDOS,PARA A COMPREENSODO SEU SIGNIFICADOCONJUNTO

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    40/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    30

    subsidirio e conhecimento focal, e mostrarei aomesmo tempo como transcende a diferena en-tre o conhecimento tcito e o conhecimento ex-plcito. Consideremos palavras, grcos, mapase smbolos em geral. No so nunca objetos danossa ateno por si mesmos, mas apontadorespara o que signicam. Se se deslocar a atenodo signicado de um smbolo para o prpriosmbolo como um objeto visto por si mesmo,

    destri-se o seu signicado. Repita-se a palavramesa vinte vezes e esta transforma-se nummero som vazio. Os smbolos podem servircomo instrumentos do signicado apenas por-que so conhecidos subsidiariamente, enquan-to xamos a ateno focal no seu signicado.E isto igualmente verdade para ferramentas,mquinas, sondas, instrumentos ticos. O seu

    sentido ou signicado encontra-se na nalida-de; no so ferramentas, mquinas, etc., quan-do observados como objetos por si mesmos,mas somente quando vistos subsidiariamenteao focar a ateno sobre a sua nalidade. O usocompetente de uma raquete de tnis pode sercomprometido prestando ateno raquete emvez de atender bola e ao campo nossa frente.

    Isto explicita um ponto essencial. Usamosinstrumentos enquanto extenso das nossasmos, podendo estes servir tambm como umaextenso dos nossos sentidos. Assimilamo-losao nosso corpo, fundindo-nos com eles. E deve-mos, igualmente, considerar que o nosso pr-prio corpo tem um lugar especial no universo:nunca atendemos ao nosso corpo como um ob-

    ESTA DISTINOENTRE CONHECIMENTO

    SUBSIDIRIO E

    CONHECIMENTOFOCAL, E MOSTRAREI

    AO MESMO TEMPOCOMO TRANSCENDE A

    DIFERENA ENTRE OCONHECIMENTO TCITO

    E O CONHECIMENTOEXPLCITO

    O NOSSO PRPRIO CORPOTEM UM LUGAR ESPECIAL

    NO UNIVERSO: NUNCAATENDEMOS AO NOSSO

    CORPO COMO UM OBJETOPOR SI MESMO.

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    41/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    31

    jeto por si mesmo. Este sempre usado comoo instrumento bsico do controlo intelectual eprtico sobre o ambiente envolvente. Duranteas horas em que estamos acordados, estamossubsidiariamente conscientes do nosso corpo,dentro do nosso conhecimento focal das redon-dezas. Naturalmente, o nosso corpo mais doque um mero instrumento. Estar consciente donosso corpo nos termos das coisas que conhecemos e

    fazemos, sentir que estamos vivos. Esta conscincia uma parte essencial da nossa existncia como pes-soas ativas e sensoriais.

    Podemos tambm reconhecer este carcterexistencial noutras formas de conscincia sub-sidiria. Cada vez que assimilamos uma ferra-menta ao nosso corpo, transformamos parte danossa identidade; a nossa pessoa expande-se

    em novos modos de ser. Mostrei anteriormen-te que todo o domnio da inteligncia humanase baseia no uso da linguagem. Podemos ago-ra reformular, dizendo que toda a vida mentalpela qual ultrapassamos os animais evocadaem ns medida que assimilamos o quadro ar-ticulado da nossa cultura. A vasta acumulaode armaes explcitas de facto na nossa cultu-

    ra moderna promove uma proliferao, igual-mente extensiva, do pensamento no controlodos factos. A conscincia subsidiria um habi-tar da nossa mente no assunto de que estamossubsidiariamente cientes, e, portanto, uma es-trutura articulada aceite, em ltima instncia,como uma habitao apropriada para a nossacompreenso; o solo em que a nossa compre-

    A CONSCINCIASUBSIDIRIA UMHABITAR DA NOSSAMENTE NO ASSUNTODE QUE ESTAMOSSUBSIDIARIAMENTECIENTES, E, PORTANTO,UMA ESTRUTURAARTICULADA ACEITE,EM LTIMA INSTNCIA,COMO UMA HABITAOAPROPRIADA PARA ANOSSA COMPREENSO; O SOLO EM QUE A NOSSACOMPREENSO PODEVIVER E CRESCER, AOMESMO TEMPO QUE VAISATISFAZENDO CADAVEZ MAIS A SUA NSIAPOR MAIOR CLAREZA ECOERNCIA

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    42/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    43/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    33

    Os particulares que no so focalmente conhe-cidos so no especicveis, e h vastos dom-nios do conhecimento, relacionados com as coi-sas vivas, cujos particulares so, na sua maioria,no especicveis. A sionomia humana umdeles. Conhecemos uma face sem poder dizer, ano ser vagamente, quais os particulares pelosquais a reconhecemos. tambm assim que seconhece a mente do homem. A mente de um ho-

    mem apenas pode ser conhecida compreensivamen-te, habitando nos particulares no especicveis dassuas manifestaes externas.

    Esta conceo da mente, baseada na nossateoria da compreenso, permite-nos atribuir mente de uma outra pessoa as mesmas facul-dades de compreenso que usamos para a com-preender. As manifestaes externas no espe-

    cicveis desta mente, em que habitamos aocompreend-la, so o prprio lugar onde essamente reside. So as aes corporais da pessoacuja mente estamos a observar, aes de que elaprpria est subsidiariamente consciente emtermos do controlo intelectual que exerce sobreas suas redondezas. Na realidade, ns prprios,enfrentando a pessoa em questo, podemos ser

    o que ela est a compreender naquele momen-to. Ambos nos podemos estar a compreendermutuamente, vivendo dentro das manifesta-es mentais externas de um no outro.

    Chegamos aqui a uma transio contnua,desde o conhecer pessoal das coisas at ao en-contro pessoal e ligao entre mentes iguais.Podemos considerar isto como um avano subs-

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    44/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    34

    tancial para uma perspetiva unicadora dos di-ferentes aspetos do homem que nos tnhamosproposto descobrir.

    Mas tenho ainda que dar a devida atenoa algumas caractersticas da compreenso, queat aqui s referi ao de leve. Falei da nossa nsia

    por compreender, e mencionei a paixo intelectu-al que nos empurra para um contacto cada vezmais prximo com a realidade. Estas paixes

    so foras poderosas que perseguem grandesexpectativas. Na realidade, se damos forma aoconhecimento decantando-nos a ns prpriosem novas formas de existncia, a aquisio doconhecimento deve ser motivada pelas forasmais profundas do nosso ser. De facto, vemosque as repetidas frustraes na resoluo de umproblema que nos preocupa podem destruir o

    balano emocional de quem procura a soluo mesmo se for um animal. A respeito do ho-mem, podemos dizer que todo o seu universode sentimentos, tal como toda a intelignciahumana, so evocados pela herana articuladade que o homem aprendiz. Tambm sabemosque cada incremento neste processo educati-vo induzido por atos espontneos da mente

    em crescimento. Para uma mente alerta, o queparece no inteligvel representa um problemae agita a possibilidade da descoberta. Logo, amente ativa apropria-se sempre de novas opor-tunidades de mudana, mais satisfatrias parao seu ser modicado.

    Descoberta, inveno estas palavras tmconotaes que recordam o que anteriormente

    PARA UMA MENTE ALERTA,O QUE PARECE NOINTELIGVEL REPRESENTA

    UM PROBLEMA E AGITAA POSSIBILIDADE DA

    DESCOBERTA. LOGO, AMENTE ATIVA APROPRIA-

    SE SEMPRE DE NOVASOPORTUNIDADES

    DE MUDANA, MAISSATISFATRIAS PARA O

    SEU SER MODIFICADO

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    45/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    46/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    36

    busca apaixonada pela soluo correta de umatarefa no deixa nenhuma escolha arbitrriapara quem a procura. Ter que adivinhar, master que fazer o mximo de esforo para adi-vinhar corretamente. O sentir de uma tarefapr-existente torna a conformao do conhe-cimento num ato responsvel, livre de prefe-rncias subjetivas. E, do mesmo modo, confereaos resultados de tais atos uma reivindicao

    validade universal. Quando se acredita queuma descoberta revela uma realidade escondi-da, espera-se ver isso igualmente reconhecidopelos outros. Aceitar o conhecimento pessoalcomo vlido aceitar tais reivindicaes como

    justicadas, mesmo admitindo as limitaesimpostas pela oportunidade particular que per-mite mente humana exercer os seus poderes

    pessoais. Esta oportunidade ento considera-da como a vocao da pessoa a vocao quedetermina as suas responsabilidades.

    Disse antes que aceito esta situao e que noa discutirei aqui em detalhe. Por consequncia,tambm aceito que uma compreenso apaixo-nada aprecia necessariamente a perfeio da-quilo que compreende, facto que sem dvida

    revelado pelo pice emocional que acompanhauma descoberta. As paixes procuram satisfa-o, as paixes intelectuais procuram alegriasintelectuais. O termo mais geral para a fontedesta alegria a beleza. A mente atrada porproblemas belos que prometem belas solues; fascinada pelos indcios de uma bela desco-

    berta e procura sem descanso as possibilidades

    PICE EMOCIONALQUE ACOMPANHA UMADESCOBERTA

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    47/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    37

    de uma bela inveno. De facto, hoje em dia,ouvimos a beleza mencionada mais frequente-mente por cientistas e por engenheiros do quepor crticos de arte e de literatura. O criticismomoderno pretende guiar mais a compreensodo que evocar a admirao. Mas esta umamera mudana de nfase, porque toda a com-preenso aprecia a inteligibilidade daquilo quecompreende, e da as harmonias internas de

    uma obra de arte complexa evocarem a nossaadmirao profunda, simplesmente pelo factode serem compreendidas.

    Contudo, suponho que nos ltimos minutos,pelo menos desde que mencionei o So Mateusinacabado de Miguel ngelo, devem ter pen-sado se no estaria a derivar inadvertidamen-te para longe da teoria do conhecimento. Terei

    vagueado distraidamente atravs da fronteiraque dita separar claramente o conhecimentodos factos e a apreciao dos valores? No, de-liberadamente movi-me antes dos factos paraos valores, e da cincia para as artes, a m deos surpreender com o resultado; em particularque os nossos poderes de compreender contro-lam, igualmente, ambos estes domnios. Esta

    continuidade foi, na realidade, pregurada nomomento em que reconheci a paixo intelectualcomo um motivo apropriado para a compreen-so. No momento em que se abandonou o idealde conhecimento desprendido, era inevitvelque o ideal da ausncia de paixo se lhe se-guisse, e que com ele desaparecesse a segmenta-o suposta entre o conhecimento desapaixona-

    ESTA CONTINUIDADEFOI, NA REALIDADE,

    PREFIGURADA NOMOMENTO EM QUERECONHECI A PAIXOINTELECTUAL COMO UMMOTIVO APROPRIADO PARAA COMPREENSO.

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    48/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    38

    do do facto e a avaliao apaixonada da beleza.Uma transio contnua da observao para

    a valorao pode, realmente, fazer-se dentro daprpria cincia, e, sem dvida, dentro das cin-cias exatas, simplesmente indo da fsica para amatemtica aplicada, e depois ainda mais paraa matemtica pura. Mesmo a fsica, embora ba-seada na observao, cona muito num sentidode beleza intelectual. Ningum insensvel a tal

    beleza pode esperar fazer uma descoberta im-portante na fsica matemtica, ou mesmo con-seguir compreender apropriadamente as suasteorias. Em matemtica aplicada por exem-plo, na aerodinmica a observao muitoatenuada e o interesse matemtico frequente-mente predomina; e quando chegamos mate-mtica pura, por exemplo, teoria dos nme-

    ros, a observao desaparece completamente ea experincia apenas vagamente aludida naconceo dos nmeros inteiros. A matemticapura apresenta-se-nos com uma vasta estruturaintelectual, construda pelo prazer de a apreciarcomo um lugar onde habita a nossa compreen-so. No tem qualquer outra nalidade; quemno amar e admirar a matemtica pelo seu pr-

    prio esplendor interno, no sabe seja o que forsobre ela.E daqui h apenas uma curta etapa s artes

    abstratas e msica. A msica um complexode sons construdos pela alegria de os com-preender. A msica, como a matemtica, ecoapalidamente a experincia passada, mas notem fundamento denido na experincia. De-

    UMA TRANSIO CONTNUADA OBSERVAO PARA

    A VALORAO PODE,REALMENTE, FAZER-SE

    DENTRO DA PRPRIACINCIA, E, SEM DVIDA,

    DENTRO DAS CINCIASEXATAS, SIMPLESMENTE

    INDO DA FSICA PARAA MATEMTICA APLICADA,

    E DEPOIS AINDA MAISPARA A MATEMTICA PURA.MESMO A FSICA, EMBORA

    BASEADA NA OBSERVAO,CONFIA MUITO NUM

    SENTIDO DE BELEZA

    INTELECTUAL.

    A MSICA UM COMPLEXODE SONS CONSTRUDOS

    PELA ALEGRIA DE OSCOMPREENDER

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    49/139

    COMPREENDER-SE A SI PRPRIO

    39

    senvolve a alegria da sua compreenso numaextensa gama de sentimentos, s conhecida poraqueles especialmente dotados e educados paracompreender intimamente a sua estrutura. Amatemtica msica conceptual a msica matemtica sensual.

    E assim poderamos ir alargando a nossaperspetiva, at que englobasse toda a escala dopensamento humano. Porque todo o universo

    da sensibilidade humana das nossas ideias in-telectuais, morais, artsticas, religiosas evo-cado, como ilustrado para a msica e para a ma-temtica, por residir dentro do quadro da nossaherana cultural. Assim, o nosso reconhecimen-to da compreenso como uma forma vlida deconhecimento pregura a transio prometidado estudo da natureza para um confronto com

    o homem que atua responsavelmente, sob umrmamento global de ideais universais.

    A MATEMTICA MSICACONCEPTUAL A MSICA MATEMTICA SENSORIAL

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    50/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    51/139

    LIO DOIS

    A vocao do homem

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    52/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    53/139

    A VOCAO DO HOMEM

    43

    Conclu a minha ltima lio com umapromessa ambiciosa. Disse que o reco-nhecimento da compreenso como uma formavlida de conhecimento nos permitir estudar a

    experincia humana essencialmente pelo mes-mo mtodo. Na realidade, esbocei uma via quenos conduz suavemente desde as cincias exa-tas at ao estudo do homem e, para alm disso,a um confronto com o homem, comprometidoem decises responsveis sob um rmamentode obrigaes universais.

    um programa estimulante, mas sejam

    quais forem os seus mritos, claramente de-masiado ambicioso para poder ser aqui tratadode forma convincente. Devo, por isso, limitar--me a uma ilustrao das suas caractersticasmais importantes, que se tornaro mais visveissob a forma de determinados problemas queencontramos ao tentar concretizar esse progra-ma. Em particular, discutiremos um conjunto

    de diculdades que se levantam em torno daconceo de responsabilidade.Disse que a conformao do conhecimento

    por quem conhece pode reivindicar validadeuniversal se se submeter a um sentido estritode responsabilidade. Mas embora esta doutrinanos possa satisfazer quando aplicada no dom-nio das cincias naturais, encontra diculdades

    UMA VIA QUE NOS CONDUZSUAVEMENTE DESDE ASCINCIAS EXATAS ATAO ESTUDO DO HOMEME, PARA ALM DISSO, AUM CONFRONTO COM OHOMEM, COMPROMETIDOEM DECISESRESPONSVEIS SOBUM FIRMAMENTO DEOBRIGAES UNIVERSAIS

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    54/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    44

    crescentes quando passamos para o estudo dohomem que atua com responsabilidade dentrodos limites das suas obrigaes humanas. Taisestudos parecem envolver-nos em responsabi-lidades que vo para alm das que foram ante-riormente consideradas no reconhecimento dasreivindicaes de um conhecimento pessoal.Agora precisamos de compreender aes que,em primeiro lugar, se relacionam com obriga-

    es morais, possivelmente cvicas, ou mesmoreligiosas, e ento estaremos a fazer um juzoque, por sua vez, se baseia na nossa prpria mo-ral, civismo ou crena religiosa.

    Mas podemos acreditar numa compreensoconformada pela nossa moral e responsabilida-des cvicas? Sabemos como tais responsabilida-des degeneram em obrigaes polticas, e como

    por sua vez estas fazem parte do quadro insti-tucional estabelecido, ou so ainda meras ex-presses de facciosismo poltico. Ser que subs-crevemos uma teoria de conhecimento quepermite que a forma dada ao conhecimento de-penda de tais impulsos efmeros e paroquiais?Certamente que um juzo determinado peloresultado de uma luta pelo poder e pelo lucro

    no pode ser aceite como autntico; mas nalgumponto a aceitao da responsabilidade moral emdar forma ao nosso conhecimento sobre o ho-mem resultar, inevitavelmente, numa aceitaodo enviesamento, do preconceito e da corrup-o. O conhecimento pessoal, estabelecido poruma deciso responsvel de quem conhece, de-genera aqui numa mera caricatura de si mesmo.

    CERTAMENTE QUE UMJUZO DETERMINADO

    PELO RESULTADO DE UMALUTA PELO PODER E PELO

    LUCRO NO PODE SERACEITE COMO AUTNTICO

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    55/139

    A VOCAO DO HOMEM

    45

    Penso que isto mostra que a nossa conceode conhecimento pessoal ainda no est su-cientemente consolidada. Precisamos de, umavez mais, rever as suas fundaes, em termostais que seja possvel desenvolver a partir dauma conceo da responsabilidade humanaque no seja vulnervel subservincia polticaou aos negcios.

    Aps reexo, esta tarefa aparecer como

    fazendo parte de um problema mais amplo. Sequeremos defender a responsabilidade humanacontra as compulses exercidas pelas condiessociais do homem, temos antes que estabelecera existncia de uma mente humana capaz de to-mar decises por si prpria, dentro de um cor-po humano controlado pelas leis da fsica e daqumica. Temos tambm que ter em considera-

    o que a pessoa humana que estamos a tentarconsolidar conheceu a existncia por evoluoa partir de um universo inanimado. E, por ou-tro lado, temos ainda que enfrentar o parado-xo de se considerar que as decises do homemreetem o grau mais elevado de julgamentopessoal, precisamente na medida em que pare-cem as mais racionais e, nesse sentido, as mais

    impessoais. Embora no possamos exploraraqui todas estas questes importantes, teremosque organizar a nossa conceo da dignidadedo homem e das suas obrigaes de tal modoque estes problemas no nos encontrem com-pletamente desprevenidos.

    Mas antes de tentar construir este argumen-to, adiantemo-nos uma vez mais para reforar

    TEMOS TAMBM QUETER EM CONSIDERAO

    QUE A PESSOA HUMANAQUE ESTAMOS A TENTARCONSOLIDAR CONHECEUA EXISTNCIA POREVOLUO A PARTIR DEUM UNIVERSO INANIMADO

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    56/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    46

    os fundamentos em que se baseia. A teoria doconhecimento pessoal oferece uma interpreta-o para o sentido ou signicado. Diz que ne-nhum conhecimento com sentido (ou signi-cado) pode ser adquirido a no ser por um atode compreenso que consiste na fuso da nos-sa conscincia de um conjunto de particularescom a nossa conscincia focal da sua signicn-cia conjunta. Tal ato necessariamente pessoal,

    pois assimila os particulares em questo com onosso equipamento corporal; estamos cientesdeles apenas em funo das coisas que estamosa observar de modo focal.

    Podemos ento falar de dois tipos de conhe-cimento. Conhecer algo no sentido usual tera sua conscincia focal. Estar subsidiariamenteciente de algo signica que no estamos cientes

    dele por si prprio, mas antes como um ind-cio ou como um instrumento que aponta paraalm dele. Tal apreenso pode ocorrer em todosos graus de conscincia, e, por consequncia,os particulares da entidade compreensiva po-dem no ser especicveis, em dois sentidosdiferentes. Os indcios oferecidos por processosinternos do nosso corpo, mas que apreendemos

    como coisas externas, podem ser completamen-te inconscientes. Um exemplo extremo a nos-sa conscincia dos processos que ocorrem nosnossos olhos quando olhamos para algo: esta-mos cientes deles apenas nos termos das coisasobservadas em virtude deles. Noutros casos,temos uma vaga conscincia dos particularesque funcionam como indcios. Podemos ime-

    NENHUM CONHECIMENTOCOM SENTIDO (OU

    SIGNIFICADO) PODE SERADQUIRIDO A NO SER PORUM ATO DE COMPREENSO

    QUE CONSISTE NA FUSODA NOSSA CONSCINCIA

    DE UM CONJUNTO DEPARTICULARES COM ANOSSA CONSCINCIA

    FOCAL DA SUASIGNIFICNCIA CONJUNTA

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    57/139

    A VOCAO DO HOMEM

    47

    diatamente reconhecer uma escrita, ou umavoz familiar, ou o porte de uma pessoa, ou umaomeleta bem feita, embora sejamos incapazes dedizer exceto muito vagamente quais os parti-culares pelos quais as reconhecemos. O mesmoacontece no reconhecimento de sintomas pato-lgicos, no diagnstico de doenas e na identi-cao de especmenes. Em todos estes exemplos,aprendemos a compreender uma entidade sem

    nunca conhecer, ou sem conhecer claramente,os detalhes que a constituem. Temos aqui coisasque se compem de particulares que so no es-

    pecicveis porque so desconhecidos.Mas um particular que aponta para alm de

    si prprio pode ser completamente visvel ouaudvel e, no entanto, no ser especicvel, nosentido em que se a ateno se dirigir para ele

    de modo focal sendo agora conhecido por siprprio ento deixa de funcionar como umindcio ou um sinal e perde o seu signicadocomo tal. Mencionei que repetindo vrias vezesuma palavra, esta pode ser reduzida a um merosom sem sentido. Similarmente, a conscinciade um padro pode-se dissolver se se concen-trar a ateno em cada um dos seus detalhes

    isolados, um de cada vez.O desmembramentode uma entidade compre-ensiva produz a sua incompreenso e neste senti-do a entidade logicamente no especicvel nostermos dos seus particulares. Ambos os tiposde no especicveis, o mais forte (devido nossa ignorncia dos particulares subsidirios)e o mais fraco (devido ao signicado puramen-

    A CONSCINCIA DE UMPADRO PODE--SE DISSOLVER SE SECONCENTRAR A ATENOEM CADA UM DOS SEUSDETALHES ISOLADOS, UM

    DE CADA VEZ

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    58/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    48

    te funcional de tais particulares), tero a suaparte no meu argumento.

    Prosseguirei aproximadamente do seguintemodo: primeiro, mostrarei que os dois nveisdo conhecimento pessoal, o da entidade com-preensiva e o dos seus particulares (em termosdos quais a entidade no especicvel), re-presentam dois nveis distintos de realidade; e emsegundo lugar, mostrarei que se obtm entre

    esses dois nveis uma relao lgica peculiar,derivada da distino entre conscincia subsi-diria e conscincia focal. Uma vez estabeleci-da esta relao para o exemplo de dois nveiscomparativamente baixos de realidade, prosse-guirei construindo sobre estes um conjunto denveis sucessivamente crescentes, ascendendoat ao nvel da pessoa humana responsvel.

    Dentro deste quadro parecer possvel que ohomem exera uma escolha responsvel, mes-mo que se admita enraizada em formas mais

    baixas da existncia, em que no h lugar paratais escolhas. Caracterizaremos estes atos de es-colha comparando-os aos atos de descoberta.Veremos que suscitam uma iniciativa pessoalmxima atravs do ato de submisso s exign-

    cias dos seus prprios ideais auto-denidos.Reconhecer a realidade da sua liberdade apare-cer ento como equivalente ao reconhecimentodesses ideais como vlidos. Isto consolidar aescolha responsvel no estatuto que lhe atri-

    budo pela conceo do conhecimento pessoal.

    * * *

    ESTES ATOS DE ESCOLHACOMPARANDO-OS AOSATOS DE DESCOBERTA

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    59/139

    A VOCAO DO HOMEM

    49

    Os dois nveis de realidade que considera-rei em primeiro lugar encontram-se ambos nodomnio do inanimado. O nvel superior sercomposto por mquinas. Todas as espcies demquinas, das mquinas de escrever aos au-tomveis, e dos telefones aos relgios de pn-dulos, devem ser aqui includas; e cada umadessas espcies ser representada por centenasde tipos diferentes, cada tipo estando presente

    em muitos milhares de amostras individuais. Onvel inferior consistir nas peas das mqui-nas, vistas por si prprias como meros objetosinanimados, sendo aqui completamente igno-rada a sua funo como peas de uma mquina.

    Em primeiro lugar, vamos mostrar que onvel mais elevado destes dois de facto noespecicvel nos termos do nvel inferior. Des-

    monte-se um relgio em peas e examinemoscada uma delas em separado e com cuidado, enunca se encontraro os princpios pelos quaisum relgio mede o tempo. Isto pode parecer tri-vial, mas na realidade tem um signicado deci-sivo. O estudo de objetos inanimados consubs-tancia-se nas cincias da fsica e da qumica, eo estudo das mquinas d forma s cincias da

    engenharia e, portanto, podemos agora con-cluir que o assunto ou matria da engenhariano pode ser especicado nos termos da fsicae da qumica. Deixe-se um exrcito de fsicos ede qumicos a analisar e a descrever com todoo detalhe um objeto que se pretende identicarcomo uma mquina, e vericar-se- que os seusresultados nunca podero dizer se o objeto

    O NVEL SUPERIORSER COMPOSTO PORMQUINAS

    ENGENHARIA NO PODESER ESPECIFICADO NOSTERMOS DA FSICA E DAQUMICA

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    60/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    61/139

    A VOCAO DO HOMEM

    51

    fsica e qumica completa, porque foram cons-trudos com um objetivo que a fsica e a qumi-ca no podem denir. Logo, a mente laplacianaestaria sujeita mesma limitao: no poderiaidenticar nenhuma mquina, nem dizer-noscomo que ela trabalha. Na realidade, a men-te laplaciana no poderia identicar qualquerobjeto ou processo cujo signicado consista emservir um propsito ou objetivo. Ignoraria, por-

    tanto, a existncia no s das mquinas, mas,igualmente, de qualquer tipo de ferramentas, degneros alimentcios, de casas, de estradas e dequalquer registo escrito ou mensagens faladas.

    Podemos generalizar ainda mais recordandoque, de acordo com a teoria do conhecimentopessoal, todo o sentido reside na compreensode um conjunto de particulares em termos de

    uma entidade coerente uma compreenso que um ato pessoal que nunca pode ser substi-tudo por uma operao formal. Segue-se queuma mente universal laplaciana pouco saberiaque signicasse qualquer coisa. Embora, evi-dentemente, se admita que possa avanar doconhecimento de conguraes atmicas paraalguns factos fsicos e qumicos, com a ajuda da

    teoria cintica da matria, nunca poderia alcan-ar qualquer conhecimento verdadeiramentesignicativo de objetos, tais como os seres vi-vos e as coisas que no essencial se relacionamcom os interesses destes. O monstro matemti-co que se julgava capaz de ler o futuro de todosos acontecimentos humanos a partir da con-gurao atmica de um universo inicialmente

    UMA COMPREENSOQUE UM ATO PESSOALQUE NUNCA PODE SERSUBSTITUDO POR UMAOPERAO FORMAL

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    62/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    52

    incandescente, parece anal reduzido a umagama de previses de reduzido interesse parao homem. Reencontraremos uma conrmaodesta concluso examinando melhor a peculiarrelao lgica entre os elementos de dois nveissucessivos da realidade *.

    Voltemos outra vez s mquinas e deni-o de uma relao lgica entre os dois nveisde conhecimento que se aplicam, respetiva-

    mente, s mquinas como todos organizados es suas peas como meros corpos inanimados.As mquinas so construdas por peas que emconjunto servem um dado propsito, operandode acordo com certos princpios. Os princpiosoperacionais das mquinas so conhecidos pelacincia da engenharia, mas desconhecidos dafsica e da qumica. Mas admite-se que quando

    os princpios operacionais descrevem as peasdas mquinas como rgos que executam de-terminadas funes no seu funcionamento, soa consideradas algumas propriedades gerais,fsicas e qumicas, das peas. As peas devemser feitas de um material slido apropriado, su-cientemente forte para a sua nalidade, nemvoltil nem facilmente solvel em gua. Ne-

    nhuma mquina poderia ser construda numuniverso gasoso ou lquido. Certamente queos princpios operacionais das mquinas se ba-seiam na mecnica dos slidos, assim como emoutras partes da fsica, em particular na eletro-dinmica, o que ilustra a relao geral entre osprincpios operacionais e as cincias da fsicae da qumica. Os princpios de uma mquina

    * Ao contrrio de uma visomuito difundida, a situaodesconfortvel da previso

    Laplaciana no se evitasubstituindo a mecnicaclssica pela mecnicaquntica. (Ver Personal

    Knowledge,Londres, 1958, p.140 e seg.)

    NENHUMA MQUINAPODERIA SER CONSTRUDA

    NUM UNIVERSO GASOSOOU LQUIDO

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    63/139

    A VOCAO DO HOMEM

    53

    exigem que as suas peas tenham determinadaspropriedades fsico-qumicas e, por consequn-cia, pode-se dizer que estas representam as con-dies para o bom funcionamento da mquina.

    Esta formulao torna claro que o conhe-cimento da fsica e da qumica acessrio aoconhecimento e compreenso dos princpiosoperacionais. Se identicarmos a compreensodos princpios operacionais com a cincia da en-

    genharia pura, ento s a engenharia pura nospode dizer como atingir determinados sucessosprticos, de que a cincia pura nada sabe. Mas,por outro lado, s a fsica e a qumica podemdeterminar as condies em que os princpiosoperacionais das mquinas vo, de facto, ope-rar com sucesso; e s o exame fsico-qumico deuma mquina pode detetar as causas de poss-

    veis falhas, sobre as quais, uma vez mais, a en-genharia pura nada sabe.Mas o estatuto destes dois ramos do conhe-

    cimento est longe de ser simtrico. A identi-cao prtica de uma mquina deve vir em pri-meiro lugar, e no h testes fsicos e qumicosque a possam substituir. Estes testes no fazemsentido, a menos que guiados pelo anterior co-

    nhecimento tcnico da mquina e se feitos comfundamento seguro nas suas supostas opera-es. S a tecnologia revela a verdadeira natu-reza de uma mquina, denindo-a em termosdo seu funcionamento com sucesso, enquantoa fsica e a qumica determinam apenas as cir-cunstncias materiais em que esse sucesso podeser conseguido e as limitaes que podem fazer

    S A ENGENHARIA PURANOS PODE DIZER COMOATINGIR DETERMINADOSSUCESSOS PRTICOS, DEQUE A CINCIA PURA NADASABE

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    64/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    54

    avariar a mquina. O verdadeiro conhecimentoque temos de uma mquina, ao nvel superior, a compreenso da sua nalidade e dos meiosracionaispara a conseguir; enquanto que o co-nhecimento da sua topograa fsica e qumicapor si s sem sentido, porque lhe falta qualquerconceo de nalidade ou de realizao. Torna--se signicativo apenas quando orientado parao estabelecimento das condies materiais de

    sucesso ou de falha de uma mquina.Com isto completamos a anlise do casomais simples de dois nveis consecutivos de re-alidade. O resultado mostrar-se- aplicvel, porsimples generalizaes, a uma srie de nveisascendentes e cada vez mais importantes. Oprimeiro desses resultados alcana-se incluindoos aspetos tipo mquina dos animais no nvel

    das mquinas. A conceo dos animais comomquinas vem de Descartes. Um sculo maistarde foi estendida aos seres humanos por LaMettrie, e com a inveno recente de computa-dores eletrnicos e de dispositivos automticosauto-regulveis tem vindo a ser incorporadanuma teoria geral das funes vivas, incluindoo processo de pensamento humano. Embora eu

    no aceite essas teorias em toda a sua extenso,admito, naturalmente, que o corpo animal fun-ciona, em vrios aspetos, como uma mquina.Um grande nmero de patentes poderiam serextradas dos princpios operacionais incorpo-rados em rgos como o corao, os pulmesou os olhos, se por acaso estes instrumentos docorpo animal tivessem sido recentemente in-

    O VERDADEIROCONHECIMENTO QUE

    TEMOS DE UMA MQUINA,AO NVEL SUPERIOR,

    A COMPREENSO DASUA FINALIDADE E DOS

    MEIOS RACIONAIS PARA ACONSEGUIR

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    65/139

    A VOCAO DO HOMEM

    55

    ventados por um engenheiro. Logo, no deve-mos hesitar em generalizar todas as conclusesa que chegamos acerca dos dois nveis de signi-cncia de mquinas s operaes tipo mqui-na no corpo de animais.

    Debatemo-nos aqui com o facto curioso deque todos os siologistas consideram que asoperaes tipo mquina do corpo so expli-cveis em termos da fsica e da qumica; apenas

    determinados processos organicistas, de quefalarei a seguir, cariam fora de uma interpreta-o fsico-qumica, segundo algunssiologistas.Devemos ento rejeitar totalmente as suposi-es bsicas de toda a siologia cientca?

    Eu penso que sim, que as devemos rejeitar.Na realidade, a cincia da siologia baseia-seem suposies completamente diferentes, taci-

    tamente apreendidas, e deve-se basear nelas.Procura estabelecer os princpios pelos quaisopera um organismo saudvel. Estes princpiosoperacionais tm a mesma estrutura que os daengenharia pura: analisam o funcionamentoconjunto de diferentes rgos corporais na re-alizao bem sucedida de certas nalidades.Nenhum exame ou anlise qumica do corpo

    pode por si mesmo identicar qualquer destesprincpios operacionais, dado que os conceitosde nalidade e de bom funcionamento dos r-gos no se podem exprimir em termos da fsi-ca ou da qumica. Uma topograa fsico-qumi-ca completa de um organismo seria, de facto,completamente sem sentido. A siologia spode avanar por investigaes fsico-qumicas

    EU PENSO QUE SIM, QUEAS DEVEMOS REJEITAR

    UMA TOPOGRAFIA FSICO--QUMICA COMPLETA DEUM ORGANISMO SERIA, DEFACTO, COMPLETAMENTESEM SENTIDO

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    66/139

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    67/139

    A VOCAO DO HOMEM

    57

    guraes as correspondentes formas e padressiolgicos. Para isso, teramos que conar nasmesmas faculdades de identicao de entida-des compreensivas que o siologista habitual-mente usa para as estabelecer na observao deanimais vivos.

    Resumirei este resultado por um ngulo li-geiramente novo. Os seres vivos e os processosda vida so por ns conhecidos atravs de atos

    pessoais de compreenso. Uma observao dosparticulares que dissolvesse tal compreensoseria apenas justicada se provasse que o pro-cesso de compreenso era ilusrio e que noexistiam as entidades compreendidas. Mas acincia da siologia supe que os seres vivos,os seus rgos e as funes destes rgos, soreais. Esta cincia deve, por consequncia, ba-

    sear-se sempre no tipo de conhecer que, isoladoe por si s, possa estabelecer a existncia de taisentidades coerentes. Qualquer especicaodestas entidades nos termos dos seus particu-lares apenas pode ser signicativa se revelarcomo que estes particulares funcionam dentrodessas entidades. Tal anlise deve determinaras condies materiais para as operaes bem

    sucedidas da tal entidade, e indicar as limita-es que podem prejudicar as suas operaes ecausar avarias.

    Devido forma simplicada com que tenhoque prosseguir, inclu tambm no termo sio-logia o estudo de todos os nveis inferioresda vida, tais como conduzidos pelas cinciasda anatomia e da embriologia, pela botnica e

    OS SERES VIVOS EOS PROCESSOS DAVIDA SO POR NSCONHECIDOS ATRAVSDE ATOS PESSOAIS DECOMPREENSO

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    68/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    58

    pela zoologia descritiva. Passarei agora rapi-damente para o nvel mais elevado, formadopelo comportamento ativo dos animais e doshomens, o que nos confronta claramente com aexistncia dos indivduos governados por umcentro ativo. Tal centro coordena os movimen-tos voluntrios dos animais, sob a orientaodas suas percees, a m de satisfazer os seusapetites ou de aliviar os seus medos. a agn-

    cia apetitivo-percetiva dentro do animal. Ospadres do comportamento animal governadospor tais centros so largamente inatos, mas to-dos os animais, das minhocas para cima, podemaprender novos hbitos adaptados s necessi-dades e s oportunidades criadas por situaesnovas. Esta faculdade, a faculdade de aprendi-zagem, foi extensivamente estudada por psic-

    logos experimentais, em particular nos animais.Compararei agora a estrutura lgica da cinciaa operar neste nvel com a da cincia a operarno nvel da siologia.

    Consideremos o estudo da aprendizagem.Procuramos aqui entender um processo decompreenso e, por isso, tomamos para nossosujeito uma atividade semelhante quela pela

    qual se estabelece o nosso conhecimento dela.Suponha-se, por exemplo, que se atribui a umrato a tarefa de descobrir como sair de um la-

    birinto. Tal conhecimento largamente no es-pecicvel, e da que o conhecimento do expe-rimentador, sobre como que o rato aprendeua resolver o labirinto, seja na mesma medidano especicvel. Num certo momento, dire-

    CONSIDEREMOS O ESTUDODA APRENDIZAGEM

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    69/139

    A VOCAO DO HOMEM

    59

    mos que o comportamento do rato mostra quecomea a dominar a topograa do labirinto,porque o seu comportamento se tornou seme-lhante quele que ns prprios adotaramos se,equipados com os rgos sensoriais do rato eimpedidos de usar pistas lingusticas, tivsse-mos descoberto como sair do labirinto.

    Vemos aparecer aqui uma importante e claraaplicao da teoria segundo a qual podemos ape-

    nas conhecer um sentido (ou signicado) atravsda conscincia subsidiria dos particulares queem conjunto constituem a entidade signicativa,e que tal conscincia subsidiria dos particula-res envolve a sua assimilao ao nosso equipa-mento corporal. Aplicado nossa experincia deaprendizagem, isto signica que temos que ha-

    bitar nas manifestaes no especicveis da in-

    teligncia do rato que estamos a tentar detetar ecompreender. De facto, esta interiorizao no mais do que um caso particular de um princpiomais geral. Apenas a interiorizao nos pode fa-zer cientes da sentincia de um animal. Logo, de-vemos todo o nosso conhecimento da vida apeti-tiva e percetiva dos animais aos nossos poderesde interiorizao. Se a sentincia de um animal

    excede a nossa prpria sentincia, tal como acon-tece, por exemplo, com os pombos-correio, parainterpretar os sentimentos em questo precisa-mos de generalizar a nossa prpria experincia.Em ltima anlise, temos sempre que nos basearna crena de que os animais tm sentimentos se-melhantes aos nossos, na medida em que os seuscorpos so semelhantes aos nossos.

    APENAS A INTERIORIZAONOS PODE FAZERCIENTES DA SENTINCIADE UM ANIMAL. LOGO,DEVEMOS TODO O NOSSOCONHECIMENTO DA VIDAAPETITIVA E PERCETIVADOS ANIMAIS AOSNOSSOS PODERES DEINTERIORIZAO

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    70/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    60

    A sentincia torna possvel novos tipos derealizaes ao animal, mas oferece-lhes tam-

    bm correspondentes oportunidades para no-vos tipos de falhas. Se as funes siolgicasfalham, ser devido a doena ou a mutilao; asfaculdades de sentincia so igualmente sujei-tas a tais desordens patolgicas, mas o seu exer-ccio tambm est sujeito ao erro. Isso implicaa emergncia de uma caracterstica nova: ao

    imputar a um animal a capacidade de errar, es-tamos a presumir que controlado por um cen-tro racional. claro que o aparecimento de talcentro abre um novo nvel de existncia, acimados processos tipo mquina do automatismoou dos processos reguladores que constituema vida no nvel mais baixo, o nvel siolgico.Na realidade, este centro de perigosas crenas

    e aes j pregura o centro do autntico com-promisso intelectual no homem.Pode-se reconhecer aqui a revelao da es-

    traticao da realidade, recordando que umato de compreenso invariavelmente apreciaa coerncia daquilo que compreende. Isto ,d valores distintos a coisas nos nveis acimado nvel dos objetos naturais inanimados. Jul-

    gamos as mquinas e as operaes siolgicasdos seres vivos como funcionando bem ou mal(avariadas ou no), e ao nvel dos centros ape-titivo-percetivos exercitamos, para alm destaavaliao, uma valorao da retido e do erro.Ambos estes nveis de compreenso so noespecicveis em termos da fsica e da qumi-ca, porque estas cincias no podem avaliar

    A SENTINCIA TORNAPOSSVEL NOVOS

    TIPOS DE REALIZAES

    AO ANIMAL, MASOFERECE-LHES TAMBM

    CORRESPONDENTESOPORTUNIDADES PARA

    NOVOS TIPOS DE FALHAS

    UM ATO DE COMPREENSOINVARIAVELMENTE

    APRECIA A COERNCIADAQUILO QUECOMPREENDE

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    71/139

    A VOCAO DO HOMEM

    61

    qualquer tipo de sucesso ou de insucesso, maso nvel mais elevado destes dois nveis de vidatambm no especicvel em termos do nvelinferior. Na medida em que os organismos sorepresentados como mquinas, ento no tmqualquer centro apetitivo-percetivo. Adiante,voltarei a falar sobre esta relao.

    Para isso, subiremos um degrau na aprecia-o do nvel mais elevado na hierarquia dos se-

    res vivos, que nosso prprio nvel, o nvel dohomem. Os animais podem ser adorveis, massomente e apenas o homem pode impor respei-to, e neste sentido ns, seres humanos, somoso topo da criao. Negar isto seria negar asresponsabilidades nicas que esta posio en-volve. Mas eu quero reconhecer estas responsa-

    bilidades; a minha aceitao do conhecimento

    pessoal faz parte deste reconhecimento.As qualidades distintivas do homem desen-volvem-se pela educao. O nosso dom nativode discurso permite-nos entrar na vida mentaldo homem assimilando a nossa herana cultu-ral. Existimos mentalmente, adicionando umaestrutura articulada ao nosso equipamento cor-poral e usando-a para compreender a experin-

    cia. O pensamento humano apenas cresce den-tro da linguagem, e como a linguagem s podeexistir em sociedade, todo o pensamento temrazes na sociedade. O paleontlogo e lsofoTeilhard de Chardin chamou noosferaao estratocultural dentro do qual a mente humana resideneste planeta, e eu suporto essa ideia.

    Os chimpanzs podem mostrar sinais claros

    AS QUALIDADESDISTINTIVAS DO HOMEMDESENVOLVEM-SE PELAEDUCAO

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    72/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    62

    de tenso mental, e claro que apreciam a ca-pacidade de fazer habilidades bem sucedidas;mas destes frgeis esboos de uma intelignciapura, s o homem desenvolveu um universocompleto de paixes mentais na sua noosfera.Em contraste com as paixes corporais que ohomem partilha com os animais, a satisfaodas paixes mentais no consome ou monopo-liza os objetos que as graticam; pelo contrrio,

    a graticao de paixes mentais cria objetosdestinados a graticar as mesmas paixes nosoutros. Uma descoberta, uma obra de arte ouum ato nobre, enriquecem a mente de toda ahumanidade. O homem, at a centrado em simesmo, comea assim a participar em coisas in-temporais e ubquas.

    Este processo determina os fundamentos es-

    pirituais da mente humana. Ilustrarei isso, deuma forma limitada, com o exemplo da cincia.O exerccio da cincia depende da partilha deum interesse apaixonado por um tipo de co-nhecimento chamado cincia, baseado numsistema particular, que reconhecido como v-lido por um conjunto de peritos mutuamenteacreditados e tambm aceite pelo pblico em

    geral com base nessa autoridade. Ao descreveresta teia de atividades cientcas como umagraticao legtima de paixes mentais queenriquecem de forma permanente a mente dahumanidade, estou implicitamente a aceitar ospadres correntes do valor cientco e a solidezdas perspetivas prosseguidas coletivamentepela inquirio cientca corrente. O que cor-

    O EXERCCIO DA CINCIADEPENDE DA PARTILHA

    DE UM INTERESSEAPAIXONADO POR UM

    TIPO DE CONHECIMENTOCHAMADO CINCIA,

    BASEADO NUM SISTEMAPARTICULAR

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    73/139

    A VOCAO DO HOMEM

    63

    responde a aceitar esses padres e essas perspe-tivas como os fundamentos espirituais da vidacientca.

    Podemos agora aplicar isto a todo o nossormamento cultural da forma que se segue.

    Toda a vida cultural assume que os padresdenidos pelos nossos mestres estavam corre-tos, e que, por isso, o tipo de verdade ou outraexcelncia mental que tenham conseguido v-

    lida e capaz de expanso indenida. A minhaconvico no poder do pensamento humanopara descobrir a verdade, nas suas vrias for-mas, credencia, por consequncia, esse podercomo o fundamento espiritual da vida pura-mente mental do homem. E estes fundamentosdenem a constituio social de tal vida mental.Um homem que aprendeu a respeitar a verdade

    sentir o direito de defender a verdade contra amesma sociedade que o ensinou a respeit-la.Exigir, certamente, respeito por si mesmo com

    base no seu prprio respeito para com a ver-dade, e este ser aceite, mesmo contra as suasprprias inclinaes, por aqueles que comparti-lham as suas convices bsicas. Tal a igualda-de dos homens numa sociedade livre.

    As paixes mentais so um desejo pela ver-dade, ou mais geralmente, por coisas de exce-lncia intrnseca. O desejo por estas coisas damente, prosseguidas por si prprias, opor-se-em geral aos desejos do corpo, de modo que aprossecuo da verdade se transforma um atode auto-obrigao. E isto mantm-se tambmnum contexto ainda mais essencial, em especial

    A MINHA CONVICO NOPODER DO PENSAMENTOHUMANO PARADESCOBRIR A VERDADENAS SUAS VRIASFORMAS CREDENCIA,POR CONSEQUNCIA,ESSE PODER COMO OFUNDAMENTO ESPIRITUALDA VIDA PURAMENTEMENTAL DO HOMEM

    TAL A IGUALDADE DOSHOMENS NUMA SOCIEDADELIVRE

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    74/139

    O ESTUDO DO HOMEM

    64

    no respeito pelas escolhas feitas no exerccio dejuzos pessoais. Quer o juzo seja exercido pelocientista investigador que escolhe um reagentepara o teste seguinte; ou por um escultor queajusta o cinzel para a pancada seguinte; ou porum juiz que pondera entre precedentes contra-ditrios; ou por um novo crente que hesita emajoelhar-se h sempre um espao de discrioaberto para uma escolha. A teoria do conheci-

    mento pessoal diz que, mesmo assim, pode-sefazer uma escolha vlida submetendo-se ao seuprprio sentido de responsabilidade. Encontra--se aqui a auto-obrigao pela qual, no casoideal de uma realizao puramente mental,o esforo ao limite sobre cada uma das pistasque apontam para a verdadeira soluo acabapor impor uma certa escolha particular ao deci-

    sor. Considerando que os particulares sobre osquais se ir basear tal deciso no so especi-cveis, esta escolha muito afetada pela parti-cipao da pessoa que se debrua sobre essesparticulares, e pode, de facto, representar umfeito de grande originalidade. Contudo, comoeste ato convocado pela suprema submissodo agente s suas intimaes pela realidade,

    no enfraquece a inteno universal do seuprprio resultado. Tais so os pressupostos daresponsabilidade do ser humano e tais so osfundamentos espirituais sobre os quais se podeconceber uma sociedade livre.

    Esta denio da responsabilidade humanacria um ideal. Admite-se que os ideais possamno ser inteiramente realizveis; mas no de-

    PRESSUPOSTOS DARESPONSABILIDADE DO

    SER HUMANO

    H SEMPRE UM ESPAODE DISCRIO ABERTO

    PARA UMA ESCOLHA.

    UMA ESCOLHA VLIDASUBMETENDO-SE AO SEU

    PRPRIO SENTIDO DERESPONSABILIDADE

  • 7/24/2019 O Estudo Do Homem - Michael Polanyi

    75/139

    A VOCAO DO HOMEM

    65

    vem ser totalmente impraticveis. O seu estatu-to semelhante ao da engenharia pura, quedeni como incluindo os princpios operacio-nais das mquinas. Recordemos vrios inven-tores que enganosamente descreveram mqui-nas de movimento perptuo e que solicitarampatentes para a sua proteo, as quais foramsempre rejeitadas, dado que as leis da nature-za impossibilitam qualquer oportunidade de

    operacionalizar os princpios de tal mquina. Oproblema que este captulo tem tratado pode--se reformular pela pergunta: ser impraticvelo ideal