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121 RESUMO O EMPREENDEDOR DE SI MESMO E A FLEXIBILIZAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 121-140, fev. 2011 Recebido em 17 de outubro de 2008. Aprovado em 21 de abril de 2009. Attila Magno e Silva Barbosa A existência social dos indivíduos, para muitos de seus intérpretes, pela via de discursos religiosos, de discursos políticos ou até mesmo pela via de algumas correntes do pensamento sociológico, parece não ser possível sem a existência de metanarrativas que lhes confira sentido. Este artigo tem como objetivo fazer uma discussão teórica sobre a construção discursiva do empreendedor de si mesmo como o indivíduo apto a enfrentar as rápidas e drásticas mudanças ocorridas no mundo do trabalho com o advento da flexibilização produtiva. Advogamos em favor da hipótese de que essa construção discursiva não apresenta um tipo de indivíduo potencialmente acessível a todos, pois ele pressupõe a construção de si mesmo sem os suportes de um projeto comum de sociedade. Em outras palavras, estamos diante de um tipo de indivíduo desvinculado de pertenças coletivas e desprovido de qualquer tipo de proteção social fornecida pelo Estado e, por isso, inviável de ser pensado como padrão universal de comportamento em uma sociedade que busca a diminui- ção das desigualdades sociais. PALAVRAS-CHAVE: produção flexível; precarização; insegurança social e ontológica; empreendedor de si mesmo. I. INTRODUÇÃO A existência social dos indivíduos, para mui- tos de seus intérpretes, pela via de discursos reli- giosos, de discursos políticos ou até mesmo pela via de algumas correntes do pensamento socioló- gico, parece não ser possível sem a existência de metanarrativas 1 que lhes confira sentido. No pri- meiro caso, o fundamento dá-se por intermédio de determinadas situações transcendentes ao mundo material, já nos dois outros casos por in- termédio de determinadas condições estruturais nas quais os indivíduos estão inseridos. Algu- mas metanarrativas conseguem manter sua vita- lidade mesmo quando claramente se mostram in- capazes de explicar de modo consistente e coe- rente a heterogeneidade de fatores que configu- ram as realidades sociais no atual estágio da modernidade. Isso ocorre devido ao fato de que, se por um lado os indivíduos têm sua autonomia ampliada em relação às suas filiações coletivas – dimensão constitutiva da modernidade –, por outro, ocorre um recrudescimento de um tipo de individualização, esta gerada pela perda de referências coletivas, a partir das quais se torna possível a construção de estáveis trajetórias de vida, profissional e/ou pes- soal. Tal situação configurou-se como uma decor- rência do colapso do compromisso fordista e da crise do Estado do Bem-Estar Social; desde então, deu-se ensejo àquilo que o sociólogo francês Robert Castel chama de processo de desfiliação. Segundo Castel (2003), o processo de desfiliação corresponde ao tipo de exclusão social produzida pela crise do projeto da sociedade sala- rial. Em uma linha de raciocínio muito próxima a essa, Paugam (1999) propõe o termo desqualificação social para caracterizar esse mo- vimento de expulsão gradativa de contingentes cada vez mais numerosos de indivíduos para fora do mercado de trabalho. Como consequência, temos a configuração de novas imagens proletárias produzidas pelas trans- formações das relações salariais em tempos de 1 No sentido que lhes é convencionalmente atribuído na Filosofia e na teoria da cultura, ou seja, de uma grande narrativa, uma narrativa de nível superior, capaz de expli- car todo o conhecimento existente ou de representar uma verdade última sobre determinada realidade.
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 121-140 FEV. 2011

RESUMO

O EMPREENDEDOR DE SI MESMO E AFLEXIBILIZAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 121-140, fev. 2011Recebido em 17 de outubro de 2008.Aprovado em 21 de abril de 2009.

Attila Magno e Silva Barbosa

A existência social dos indivíduos, para muitos de seus intérpretes, pela via de discursos religiosos, dediscursos políticos ou até mesmo pela via de algumas correntes do pensamento sociológico, parece não serpossível sem a existência de metanarrativas que lhes confira sentido. Este artigo tem como objetivo fazeruma discussão teórica sobre a construção discursiva do empreendedor de si mesmo como o indivíduo aptoa enfrentar as rápidas e drásticas mudanças ocorridas no mundo do trabalho com o advento da flexibilizaçãoprodutiva. Advogamos em favor da hipótese de que essa construção discursiva não apresenta um tipo deindivíduo potencialmente acessível a todos, pois ele pressupõe a construção de si mesmo sem os suportes deum projeto comum de sociedade. Em outras palavras, estamos diante de um tipo de indivíduo desvinculadode pertenças coletivas e desprovido de qualquer tipo de proteção social fornecida pelo Estado e, por isso,inviável de ser pensado como padrão universal de comportamento em uma sociedade que busca a diminui-ção das desigualdades sociais.

PALAVRAS-CHAVE: produção flexível; precarização; insegurança social e ontológica; empreendedor de simesmo.

I. INTRODUÇÃO

A existência social dos indivíduos, para mui-tos de seus intérpretes, pela via de discursos reli-giosos, de discursos políticos ou até mesmo pelavia de algumas correntes do pensamento socioló-gico, parece não ser possível sem a existência demetanarrativas1 que lhes confira sentido. No pri-meiro caso, o fundamento dá-se por intermédiode determinadas situações transcendentes aomundo material, já nos dois outros casos por in-termédio de determinadas condições estruturaisnas quais os indivíduos estão inseridos. Algu-mas metanarrativas conseguem manter sua vita-lidade mesmo quando claramente se mostram in-capazes de explicar de modo consistente e coe-rente a heterogeneidade de fatores que configu-ram as realidades sociais no atual estágio damodernidade.

Isso ocorre devido ao fato de que, se por umlado os indivíduos têm sua autonomia ampliada emrelação às suas filiações coletivas – dimensãoconstitutiva da modernidade –, por outro, ocorreum recrudescimento de um tipo de individualização,esta gerada pela perda de referências coletivas, apartir das quais se torna possível a construção deestáveis trajetórias de vida, profissional e/ou pes-soal. Tal situação configurou-se como uma decor-rência do colapso do compromisso fordista e dacrise do Estado do Bem-Estar Social; desde então,deu-se ensejo àquilo que o sociólogo francês RobertCastel chama de processo de desfiliação.

Segundo Castel (2003), o processo dedesfiliação corresponde ao tipo de exclusão socialproduzida pela crise do projeto da sociedade sala-rial. Em uma linha de raciocínio muito próxima aessa, Paugam (1999) propõe o termodesqualificação social para caracterizar esse mo-vimento de expulsão gradativa de contingentescada vez mais numerosos de indivíduos para forado mercado de trabalho.

Como consequência, temos a configuração denovas imagens proletárias produzidas pelas trans-formações das relações salariais em tempos de

1 No sentido que lhes é convencionalmente atribuído naFilosofia e na teoria da cultura, ou seja, de uma grandenarrativa, uma narrativa de nível superior, capaz de expli-car todo o conhecimento existente ou de representar umaverdade última sobre determinada realidade.

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produção flexível, imagens que contribuem so-bremaneira para o enfraquecimento da capacida-de de mobilização coletiva da classe trabalhadoradevido à miríade de identidades sociais possíveisque o atual estágio da modernidade capitalistaoportuniza.

Nos dias atuais, a heterogeneidade da classetrabalhadora assume contornos bem mais abissaisdo que assumiu no período fordista. A obviedadedessa situação manifesta-se na convivência docontrato de trabalho por tempo indeterminado ede diversas modalidades de contratos atípicos detrabalho, configurados pela lógica da flexibilizaçãoprodutiva; isto é, todos aqueles contratos que nãose inscrevem na tradicional condição deassalariamento fordista, como, por exemplo, oscontratos de trabalho temporário, de tempo par-cial, de terceirização (subcontratação) e de apren-dizagem (estagiários). Além do trabalho informal,que nos países da periferia capitalista, como é ocaso do Brasil, há muito se faz presente e só re-centemente passou a ser um estorvo para os paí-ses do capitalismo avançado.

O fomento das estratégias de flexibilização nomundo do trabalho processa-se em estreita con-sonância com as estratégias políticas de inspira-ção neoliberal2, que vêem no encolhimento de al-gumas funções do Estado uma exigência para obom funcionamento dos mercados. Estes são en-tendidos como esferas adequadas para garantir ovigor e a saúde socioeconômica em tempos deglobalização. Para os defensores dessa lógica,como Friedrich Hayek, Milton Friedman e PeterDrucker, liberdade de mercado significa agir semas amarras impostas por demandas sociais coleti-vas que possam impedir a livre expansão dosmercados. Não por acaso as empresas visarem oenfraquecimento de possíveis focos de resistên-cia que possam emergir da configuração de umcoletivo de trabalhadores coeso e cônscio diantedas novas e sofisticadas formas de exploração dotrabalho. Estratégias de individualização emergematreladas à construção de um tipo de trabalhadorpolivalente que esteja sempre disposto a desen-

volver as habilidades e obter as qualificações tidascomo adequadas às mudanças de interesses docapital, principalmente, do capital financeiro.

Com isso em mente, pretendemos fazer umadiscussão teórica a respeito da construçãodiscursiva da imagem do empreendedor de simesmo como indivíduo apto às rápidas mudan-ças que se processam no âmbito de um mundo dotrabalho intensamente afetado pela lógica daflexibilização produtiva. Advogamos em favor dahipótese de que a noção de indivíduo veiculadanessa imagem não apresenta efetivamente umafigura paradigmática capaz de ser vislumbradacomo dotada de capacidade efetiva de construir asi mesmo nos limites de um projeto comum desociedade, porque a condição de precariedade,decorrente da fragilização do projeto da socieda-de salarial, espraia-se por todos os cantos da vidaem sociedade, enfraquecendo os vínculos sociaisentre os indivíduos.

II. O PROBLEMA DA PERDA OU NÃO DACENTRALIDADE DO TRABALHO

Na tradição legada por Marx (2008) o trabalhoé entendido como o elemento central da condiçãohumana, pois permite aos homens transformarema natureza mediante ações planejadas, ao mesmotempo em que estas transformam a natureza dospróprios homens. Nenhuma outra espécie animalé capaz de empreender tal feito, por mais bemelaborado que seja o resultado de seus esforços,vide o célebre exemplo das abelhas. O que nasoutras espécies é uma ação resultante de impul-sos instintivos, no homem é o resultado de umaação previamente planejada, na qual o produto faz-se presente em sua mente antes da intervençãosobre a matéria-prima sobre a qual incide. A reci-procidade transformadora, inerente ao trabalho, éo fator que o converte em um elemento central dasociabilidade humana. Até mesmo porque o tra-balho é criador de valores de uso e, como traba-lho útil, constitui-se em uma condição de existên-cia do homem, independente de todas as formasde sociedade; uma eterna necessidade natural demediação do metabolismo entre homem e nature-za e, portanto, da vida humana. O trabalho namatriz do pensamento marxiano é a categoria cen-tral para o entendimento da condição humana porser entendido como seu fator constitutivo.

Entretanto, desde os anos 1980, pensadorescomo Gorz (1987), Offe (1989) e Habermas(1990) têm advogado em favor da tese da perda

2 Aqui se entenda o conjunto de princípios ordenados parao ajuste estrutural do mercado, que consiste basicamentenas seguintes regras básicas: liberalização do mercado e dosistema financeiro, fixação dos preços pelo mercado, fimda inflação (“estabilidade macroeconômica”) e privatizações(CHOMSKI, 2002).

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da centralidade do trabalho como categoria fun-damental à constituição da vida social. Alegam quea instabilidade na construção a partir da esfera dotrabalho de um ambiente de vida social como umaunidade subjetiva estaria tornando-se cada vezmais inútil, em decorrência do tempo que os indi-víduos a ela despendem. Ou seja, a identidadesocial e pessoal pela via do trabalho estaria per-dendo força no atual contexto do capitalismo. Issodecorreria das inovações tecnológicas e do fatoda biografia individual dos trabalhadores não ne-cessariamente ter na formação profissional a rea-lização de uma carreira a ela condizente. Para es-ses autores, a esfera do trabalho perde sua posi-ção de categoria central na sociedade e cede lugaràquilo que Habermas denomina de “esfera comu-nicativa”, em que as identidades constroem-semais fortemente a partir do “mundo da vida”, istoé, a partir de um conjunto de atividades que serealiza na interação intersubjetiva do dia-a-dia, nãoapenas na esfera institucional do trabalho.

Não temos dúvidas de que o trabalho, do pon-to de vista de uma razão instrumental, constitui-se em elemento fundamental para a sobrevivênciado modo de produção capitalista, pois ele é a fon-te de valorização do capital, assim como aindarepresenta para um grande contingente de indiví-duos espalhados pelo planeta um meio crucial deinscrição na vida social; principalmente quandoconsideramos que nos últimos dois séculos o modode produção capitalista destituiu ou debilitou sig-nificativamente quaisquer outras formas de repro-dução social da vida fora do espectro de influên-cia de sua lógica instrumental.

Todavia, não podemos deixar de reconhecerque, com o advento da produção flexível e de suasinovações técnico-gerenciais, com a exemplaridadeda fábrica enxuta, a fragmentação crescente daclasse trabalhadora, advinda das transformaçõesdas relações salariais, com a fragilização do poderde pressão dos sindicatos e a desmobilização visí-vel dos movimentos operários nos últimos trintaanos, fica cada vez mais difícil construir identida-des sólidas pela via do trabalho. A situação de ins-tabilidade que caracteriza as novas formas deemprego, surgidas no contexto da flexibilizaçãoprodutiva e normatizadas sob a égide de políticasde inspiração neoliberal, torna as trajetórias pro-fissionais bastante imprevisíveis. Principalmentese comparadas com as trajetórias profissionaispossíveis nos países em que, no decorrer do sé-

culo XX, o Estado do Bem-Estar Social incorpo-rou direitos conquistados pela classe trabalhado-ra.

Segundo Castel (2003), as últimas três déca-das testemunham a crise do projeto de sociedadesalarial, isto é, aquele tipo de sociedade em que osindivíduos têm sua cidadania definida pela condi-ção de trabalhador assalariado e o assalariamentoé o eixo central da organização do corpo social.Na sociedade salarial o trabalho tornou-se umaexigência social devido à sua utilidade, daí justifi-car-se atrelar a ele não apenas um salário, mastodo um conjunto de proteções sociais. Oassalariamento seria uma espécie de reconheci-mento por parte da sociedade da utilidade socialdo trabalhador e, por isso, uma espécie de vistode entrada à sociedade na condição de consumi-dor.

Em um cenário social no qual a lógica daprecarização dos direitos instala-se como um ele-mento constitutivo da nova configuração do mun-do do trabalho, os trabalhadores vêem-se obriga-dos a aprender a lidar com as situações de riscodecorrentes da condição de transitoriedade dasnovas formas de ocupação e do efeitodesmobilizador que estas produzem sobre o cole-tivo dos trabalhadores. Transitar em um mundode instabilidade e incertezas produzidas pelafragilização dos direitos vinculados à rede de pro-teção vinculada ao assalariamento é a caracterís-tica fundamental da condição de trabalhadorprecarizado. Como indica Tiddi, este tipo de tra-balhador encontra-se “[...] em uma fronteira en-tre a ocupação e não-ocupação e também em umnão menos incerto reconhecimento jurídico dian-te das garantias sociais. Flexibilização,desregulação da relação de trabalho, ausência dedireitos. Aqui a flexibilização não é riqueza. Aflexibilização, por parte do contratante mais frá-gil, a força de trabalho é um fator de risco e aausência de garantias aumenta essa debilidade.Nessa guerra de desgaste, a força de trabalho édeixada completamente descoberta, seja em rela-ção ao próprio trabalho atual, para o qual não pos-sui garantias, seja em relação ao futuro, seja emrelação à renda, já que ninguém o assegura nosmomentos de não-ocupação” (TIDDI, 2002, p.75). Mesmo levando isso em conta, e conside-rando que as circunstâncias com as quais os tra-balhadores precisam aprender a lidar em ambien-tes sociais nos quais a flexibilização e precarização

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do trabalho geram um processo de desfiliação, nósalinhamo-nos à tese de que, a despeito de todasessas dificuldades, para certos grupos sociais otrabalho ainda apresenta-se como uma referênciadominante, pois, como advoga Castel, “é possí-vel identificar vários círculos de identidade coleti-va fundada, primeiro, na profissão (o coletivo detrabalho) e que pode prolongar-se em comunida-de de moradia (o bairro popular), em comunidadede modo de vida (o bar, [...], o pertencimentosindical e político) [...]. Na sociedade industrial,sobretudo, para as classes populares o trabalhofunciona como ‘grande integrador’, o que [...]não implica em condicionamento pelo trabalho(CASTEL, 2003, p. 531-532; sem grifos no ori-ginal).

Aqui alinhamo-nos novamente com o autor,sobretudo no que diz respeito ao destacado nacitação, pois estamos em total acordo com o fatode que, nesse tipo de sociedade, “o trabalho con-tinua sendo uma referência não só economica-mente, mas também psicologicamente, cultural-mente e simbolicamente dominante, como pro-vam as reações dos que não os têm” (idem, p.578). Contudo, é necessário fazer uma ressalva,pois consideramos que tais reações manifestam-se com maior intensidade nos países do capita-lismo avançado em que o Estado do Bem-EstarSocial fez-se presente, com ênfase maior à ex-periência francesa, que tem sido analisada porCastel a partir da emergência do que ele denomi-na “nova questão social”, isto é, a situação de-corrente do enfraquecimento da condição sa-larial e as suas consequentes formas de exclu-são social.

Entretanto, não podemos, de modo algum, re-jeitar súbita e desdenhosamente a idéia de que es-teja ocorrendo um enfraquecimento da centralidadedo trabalho como referência de construçãoidentitária, como se tal enfraquecimento não esti-vesse de fato em andamento e não fosseempiricamente visível com a emergência de mo-vimentos identitários claramente mais ligados àsquestões de gênero, de herança étnico-cultural,de sexualidade, de religiosidade, entre outras. Tal-vez devamos considerá-las como um sinal de queo trabalho, como atividade social, possa ter sidosupervalorizado no que diz respeito à sua univer-salidade (como expressão da condição humana),assim como fonte primeva de referência identitária.Para nós, essa supervalorização deve-se ao fato

de que o esquema analítico original do materialis-mo histórico está intimamente ligado à práxis re-volucionária e ao papel de agente subjetivo-objeti-vo da superação do capital que é atribuído ao pro-letariado.

Em outras palavras, entendemos que o traba-lho, como é entendido atualmente por nós, her-deiros do legado do projeto de modernidade, sejaà luz da vertente liberal embebida ou não na éticaprotestante, seja à luz da exaltação do papel desujeito histórico da classe proletária, tenha adqui-rido essa centralidade que lhe é atribuída tão so-mente nos limites do domínio do modo de produ-ção capitalista, e não devido a uma universalidadeque lhe seja inerente. Se tal impressão aflorou comtanto vigor e convicção nos últimos dois séculos,parece ter ocorrido muito mais por conta da vo-cação internacionalista do capitalismo e de suaexpansão desestabilizadora de outras formas dereprodução social, do que de um protagonismointrinsecamente universal que o trabalho possa efe-tivamente ter como expressão primeva da condi-ção humana.

Para nós, persistir nesse entendimento é darequivocadamente de barato que a razão instrumen-tal manifesta na esfera das relações econômicaspossui uma influência absoluta, que por sua vezsobrepõe-se às esferas da cultura e do mundocotidiano, coisa que ela parece não mais fazê-lo.E teve-o porque o estágio anterior da modernidadenão criou condições objetivas para o alargamentoefetivo da autonomia dos indivíduos em relaçãoàs suas filiações coletivas.

Advogamos em favor da hipótese de que oproblema tem sido o uso pervertido desse alarga-mento que é dado à narrativa do indivíduo comoempreendedor de si mesmo em um cenário socialde crescente pauperização e exclusão social pro-duzidas pela fragilização do Estado como esferapública garantidora dos direitos sociaisconstitutivos da condição salarial. O mau uso dessealargamento, um empreendimento da ofensivaneoliberal e da vocação volátil e descompromissadado capital financeiro em relação a qualquer tipo dedemanda coletiva que represente um ônusindesejado aos mercados, cria um ambiente deincertezas e de insegurança social que nutre o re-crudescimento de um novo tipo deindividualização, em que os indivíduos passam aperceber-se como desvinculados de qualquer pro-jeto coletivo comum, pois lhes é total ou parcial-

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mente negada a inserção social baseada no reco-nhecimento de direitos sociais incorporados àquiloque Castel (idem) chama de condição salarial.

Todavia, mesmo considerando o fato de o tra-balho ter perdido parte de sua centralidade comofonte de identidade no mundo contemporâneo,principalmente nos países centrais do capitalis-mo, não podemos perder de vista o fato de queainda é, até que sejam efetivamente apresentadasoutras esferas constitutivas de existência socialcapazes de destituí-lo, o elemento dominante navida de um enorme contingente de indivíduos,fundamentalmente daqueles que integram as clas-ses populares. Isso porque, para esses indivídu-os, a sobrevivência está diretamente ligada à ne-cessidade de venderem sua força de trabalho e,por isso, apesar de eventualmente não percebe-rem subjetivamente a classe trabalhadora comosua principal fonte identitária, objetivamente a elapertencem devido à sua condição. Veja-se que“quando a modernidade substituiu os estados pré-modernos (que determinavam a identidade pelonascimento e assim proporcionavam poucas opor-tunidades para que surgisse a questão do ‘quemsou eu?’) pelas classes, as identidades se torna-ram tarefas que os indivíduos tinham de desem-penhar. [...] Como Jean-Paul Sartre afirmou demodo admirável, para ser burguês não basta ternascido na burguesia – é preciso viver a vida in-teira como burguês! Quando se trata de pertencera uma classe, é necessário provar pelos própriosatos, pela ‘vida inteira’ – não apenas exibindo os-tensivamente uma certidão de nascimento –, quede fato se faz parte da classe a que se afirma per-tencer. Deixando de fornecer essa prova convin-cente, pode-se perder a qualificação de classe,tornar-se déclassé” (BAUMAN, 2005, p. 55-56;grifos no original).

Como chama-nos atenção Bendassoli (2007),na perspectiva analítica defendida por Bauman, oque estaríamos testemunhando no atual estágioda modernidade é a configuração de um contextosocial em que o dinheiro tornou-se a principal forçamotivadora da ação, sendo que este não se apre-senta apenas como fator que determina a tendên-cia atual de avaliar o valor e a dignidade humana apartir de recompensas monetárias, mas também,e principalmente, é o elemento responsável pelodeslocamento da subjetividade dos indivíduos paraa esfera do consumo. A conseqüência desse pro-cesso seria um golpe destituidor da ética do tra-

balho e da sua visão valorizadora do trabalho e doindivíduo que trabalha.

Para Bauman (1998), estamos testemunhandoo deslocamento da subjetividade da esfera do tra-balho para a esfera do consumo, ou seja, a passa-gem de uma sociedade de produtores para umasociedade de consumidores. Se na primeira osindivíduos são integrados basicamente por suacapacidade de produzir, na segunda seria a ima-gem dos indivíduos como consumidores que as-sume primazia. Se na primeira tínhamos a éticatradicional do trabalho que limitava ferreamente aliberdade individual, na segunda a liberdade con-verteu-se em imperativo categórico.

O ponto fundamental de mudança dessa pas-sagem diz respeito ao deslocamento dosreferenciais de construção da identidade da esferado trabalho para a esfera do consumo. Na socie-dade de consumidores, a identidade, similarmenteao que ocorre com qualquer bem de consumo,passou a ser adquirida nos moldes estabelecidospor um processo que pressupõe aquisição, des-carte e apropriações contínuas. A construção daidentidade em um tipo de sociedade passa anortear-se pelos caminhos voláteis e erráticos domercado, por esse motivo ela converte-se em umprocesso de conquista. Esse processo teria comosuas forças motrizes os fluxos de imagens e abusca de sensações (idem; BENDASSOLI, 2007).

Ao consideramos o processo deindividualização inerente ao projeto damodernidade, mas especificamente a sua promessade autonomização, não podemos simplesmenteenxergá-lo em sua dimensão negativa, até mesmoporque não temos dúvidas de que exista uma di-mensão potencialmente positiva, principalmentequando consideramos que o mundo hoje está cadavez mais interconectado pelas tecnologiasinformacionais e de transportes.

Transitar pelo planeta tornou-se não apenasmais fácil, mas também uma experiência de me-nor estranhamento. Isso se deve ao caráter “cos-mopolita” da chamada “cultura global” que se pro-paga pelos fluxos informacionais midiáticos ecorporifica-se em um amálgama confuso e inco-erente que a indústria cultural trata de fomentarsem preocupar-se em esmiuçar adequadamente ossentidos originais que os diferentes elementos queo constituem de fato possuem. Entretanto, nãopodemos esquecer que o acesso a esse

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“cosmopolitismo” é absolutamente seletivo e estánormalmente circunscrito àqueles que constitu-em a nova elite global, ou seja, o conjunto de indi-víduos beneficiados pela mobilidade que seus ca-pitais econômico, cultural e social conferem-lhesno mundo globalizado e que, conseqüentemente,podem efetivamente desenraizarem-se de seus lu-gares de origem (BAUMAN, 2003).

No caso da forma de individualização inspira-da no ideário neoliberal e da lógica da flexibilizaçãoé inegável a existência de certa carga negativa ede efeitos prejudiciais para as formas de sociabili-dade dos indivíduos, principalmente quando con-sideramos o fenômeno da precarização dos direi-tos vinculados à condição de assalariamento e afragilização dos vínculos sociais produzida pelacrise do Estado como esfera provedora de benspúblicos. Como indica Paugam, é preciso consi-derar que “a experiência da precariedade profissi-onal é, efetivamente, mais dolorosa quando atingeos indivíduos no cerne da vida ativa. Quanto mai-or é a precariedade profissional, menor é a possi-bilidade do indivíduo auferir ajuda do seu meiosocial [...] a consequência disto tudo é que o ris-co de enfraquecimento dos vínculos sociais é pro-porcional às dificuldades encontradas no merca-do de trabalho” (PAUGAM, 1999, p. 72).

Essa situação incide com toda intensidade so-bre o conjunto de indivíduos massificados pelaimpossibilidade de integração social em um projetocomum de sociedade que os reconheça como do-tados de direitos sociais. O mal-estar gerado pelainsustentabilidade fática desse tipo deindividualização, em termos duradouros nas traje-tórias de vida pessoal da maioria, conduz os indiví-duos a apegarem-se a qualquer metanarrativa ouideologia que lhes dê a mínima sensação de segu-rança ontológica, e aqui estamos falando de qual-quer tipo, religiosas, políticas ou as ditas “científi-cas”. Por motivos como esses, entendemos serfundamental, caso queiramos efetivamente com-preender bem as mudanças ocorridas no mundodo trabalho, levar em conta a sugestão de Nardi,quando ele defende que “[...] as relações entre osujeito e o trabalho devem ser analisadas buscandoidentificar os dispositivos que atuam nos proces-sos de subjetivação, para, desta forma, compreen-der os parâmetros que balizam a reflexão ética dostrabalhadores em relação à vida em sociedade, ouseja, à decodificação das regras morais presentesno jogo das verdades próprio a cada época. Estes

dispositivos compreendem sanções sociais queagenciam modos de ser. Dependem, portanto, dasrelações de poder presentes nos jogos de domina-ção e resistência que inscrevem os indivíduos navida em sociedade” (NARDI, 2006, p. 52).

III. INSEGURANÇA SOCIAL E ONTOLÓGICAEM TEMPOS DE FLEXIBILIZAÇÃO PRO-DUTIVA

Nos modelos de produção flexível, a fábricaenxuta é o ideal a ser alcançado; ideal este que sebusca alcançar por intermédio da remoção dascamadas consideradas desnecessárias de traba-lho vivo. Sobre esse assunto, Taiichi Ohno, enge-nheiro responsável pela criação do modelo de pro-dução japonês da Toyota, é bastante claro: “naToyota, o conceito de economia é indissociávelda busca de redução de efetivos e de redução decustos” (Ohno apud CORIAT, 1994, p. 33). ParaOhno, basicamente há duas maneiras de pensar aprodutividade: a) aumentar as quantidades produ-zidas e b) reduzir o pessoal de produção. No seuentendimento, a primeira maneira não só era a maispopular no período taylorista-fordista, como tam-bém era a mais fácil, porque a segunda implica anecessidade de repensar-se todas as variáveis edetalhes da organização do trabalho.

Para Coriat (1994), o modelo Toyota inverteas regras tradicionais da lógica fordista, que seassentavam na parcelização das tarefas e separa-ção entre concepção e execução, em que os tra-balhadores do chão de fábrica eram desincumbidosde pensar o processo de trabalho ao qual tinhamde sujeitar-se. Tal mudança teria sido possíveldevido ao estabelecimento paralelo do desenrolardos fluxos reais de produção e de um fluxo deinformação que vai de jusante à montante da ca-deia produtiva, o que torna a produção mais en-xuta, pois assim ela ocorre no ritmo dos pedidosrealizados. Desta feita, esse sistema, denominadojust in time, não preconiza a produção em largaescala, mas sim em lotes de séries menores deter-minados pelo fluxo da demanda. A partir do finalda década de 1960, com um maior desenvolvi-mento da telemática e da robótica, diminui-se ain-da mais a necessidade de trabalho vivo e, conse-qüentemente, o processo de trabalho passou a serpensado e realizado em equipes de trabalhadoresmais diretamente ligados ao processo produtivo.A partir de então, o modelo japonês de produçãocomeça a posicionar-se como um exemplo a serobservado e considerado como uma solução pos-

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sível para as crises posteriores a 1973 do modelode acumulação capitalista baseado na produçãotaylorista-fordista vigente no Ocidente. Não ape-nas o sistema just in time, mas o sistema TotalQuality Control3, a noção de team work, as práti-cas de outsourcing (terceirização), Kan-Ban4, 5S5,entre outras que integram o rol dos modelos deprodução flexível passaram a ser copiadas e adap-tadas às realidades dos países capitalistas ociden-tais.

No modelo toyotista, o conceito de flexibilida-de não se restringe simplesmente a uma condiçãode flexibilidade interna proveniente da maior ca-pacidade de adaptação dos trabalhadores ante umprocesso de ampliação do conteúdo e da variaçãodas tarefas a serem executadas, ele também pres-supõe uma flexibilidade externa, decorrente da

estratégia de redução de custos com efetivos porintermédio do estabelecimento de uma rede desubcontratações de empresas fornecedoras demão-de-obra para as atividades consideradas nãodiretamente ligadas à atividade-fim. Nessa matrizprodutiva, “o conceito de flexibilidade do trabalhoabrange quatro dimensões: emprego, conteúdo dotrabalho, jornada de trabalho e remuneração” (NE-VES, 2006, p. 151). Todas essas dimensões con-tribuem significativamente para o estabelecimen-to de um tipo de gestão e organização do trabalhoque conduz à individualização do trabalhador.

A fábrica pensada por Ohno é organizada paratrabalhar com um número mínimo de operários,objetivando torná-los os mais multifuncionaisquanto possível, isto é, visando uma maior flexi-bilidade do trabalho. Não por outra razão, faz-senecessário apelar para a subjetividade do traba-lhador. No toyotismo, fábrica eficiente é sinôni-mo de fábrica mínima, de fábrica que, com umnúmero menor de trabalhadores, consegue-se au-mentar os níveis de produtividade. Situação bemdiferente do modelo tayloristo-fordista, em que,como salienta Antunes (1999), a pujança de umaempresa era mensurada pelo número de operáriosque nela exerciam suas atividades de trabalho. Porisso, não é à toa que a experiência japonesa daToyota tem na terceirização uma prática inerenteao seu modelo organizacional de fábrica enxuta.

Atualmente, a fábrica mínima, ou se preferir-mos, a “fábrica enxuta”, passa a ser entendidacomo condição básica de sobrevivência empresa-rial devido à saturação progressiva da norma deconsumo fordista que deu origem a uma deman-da de consumo por bens duráveis e, ao mesmotempo, flutuante e diversificada. Comoconsequência, mercados mais incertos e hetero-gêneos surgiram e produziram uma contradiçãodireta com a rigidez e a onerosidade do modelo deprodução tayloristo-fordista, que só consegueamortizar rapidamente os investimentos em equi-pamentos com uma produção contínua em mas-sa. Portanto, o aumento da variabilidade da de-manda exigiu uma maior flexibilidade do proces-so de trabalho via introdução de meios de trabalhoaptos para o ajuste da capacidade produtiva aovolume e à composição desse tipo de demanda(BIHR, 1998). Assim, a fábrica enxuta passou aser apresentada como a solução para a crise doparadigma tayloristo-fordista e, a partir de então,tudo aquilo que é visto pelas empresas como ex-

3 Sistema administrativo organizado pelo Grupo de Pes-quisa de Controle de Qualidade da JUSE (Union of JapaneseScientists and Engineers) com base em diversas idéias epráticas gerenciais norte-americanas, entre as quais: aspec-tos da organização do trabalho, de Frederick W. Taylor(1856-1915); o controle estatístico de qualidade desenvol-vido por Walter A. Shewhart (1891-1967); os conceitos deAbraham Maslow (1908-1970) sobre o comportamentohumano; as ideias sobre qualidade contidos nos trabalhosde William E. Deming (1900-1993) e de Joseph M. Juran(1904-2008). É um sistema concebido para garantir a so-brevivência da empresa por meio de uma mudança subs-tancial nas práticas gerenciais. A expressão “Total QualityControl” deve ser creditada a Armand V. Feigenbaum, es-pecialista norte-americano em controle de qualidade, apa-recendo em seu livro “Total Quality Control”, publicadoem 1961. Na concepção de Feigenbaum, o controle da qua-lidade é exercido por especialistas, o que o mantém inscritono modelo taylorista-fordista. O modelo japonês diferedesse enfoque porque adota o Controle da Qualidade Totalcom envolvimento de todos os empregados de todos ossetores da organização, em todos os níveis hierárquicos.Daí ser denominado de TQC “no estilo japonês”.4 Sistema desenvolvido por Taiichi Ohno que consiste deum cartão elaborado para evitar o excesso de produção egarantir que as peças necessárias sejam passadas de umprocesso a outro na ordem inversa. É um sistema de rea-bastecimento projetado para controlar as quantidades deprodução em cada processo.5 Método de organização do espaço de trabalho. O objeti-vo primordial desse método é evitar a perda de tempo naprocura de objetos e ferramentas usadas no espaço com-partilhado de trabalho. Os 5S são: Seiri: senso de utiliza-ção; Seiton: senso de organização; Seiso: senso de limpeza;Seiketsu: senso de padronização; Shitsuke: senso deautodisciplina.

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cesso dentro do processo produtivo e exceda acapacidade de absorção do mercado precisa sereliminado, tendo em vista a necessidade das em-presas tornarem-se mais competitivas no merca-do global.

O atual padrão de acumulação capitalista, istoé, o regime de acumulação flexível, tem nos avan-ços da tecnologia da informação um suporte fun-damental para a disseminação e a legitimação dalógica societal que lhe é inerente, por conta disso,não é por acaso estarmos testemunhando no mun-do contemporâneo uma transformação dramáticado conceito de ocupação. Isto é, a formação deum novo paradigma de trabalho, no qual os motessão a flexibilização, a precarização e odesprovimento das garantias de estabilidades as-sociadas ao padrão tradicional de emprego. A per-plexidade causada por essa situação nas socieda-des ocidentais, se é nitidamente mais dramática, oé porque nestas o emprego tem desempenhadoum papel central não apenas no que diz respeito àobtenção de renda, mas também como um ele-mento que possibilita a integração social do indi-víduo e a formação de sua identidade pessoal(DUPAS, 1999).

O que estamos testemunhando é o surgimentode uma condição de vulnerabilidade tanto nas con-dições objetivas de vida dos trabalhadores, quan-to na percepção subjetiva que estes fazem de simesmos a partir da esfera do trabalho. Nesse sen-tido, a sociedade passa a conviver com a fragili-dade da relação salarial, mas também a assistir odesmoronamento dos princípios reguladores efundadores de coesão do sistema de vida social eo ambiente de insegurança social dele decorrente(CASTEL, 2003). Essa situação configura umasensação de insegurança ontológica para todosaqueles que por ela são afetados, e aqui entendamo-la como a falta de sentido de continuidade e or-dem nos eventos que estão dentro ou não do am-biente perceptual imediato dos indivíduos(GIDDENS, 2002). Até mesmo porque “a inse-gurança social não alimenta somente a pobreza.Ela age como um princípio de desmoralização, dedissociação social à maneira de um vírus que im-pregna a vida cotidiana. Dissolve os laços sociaise mina as estruturas psíquicas dos indivíduos. Elainduz uma ‘corrosão do caráter’ para retomar umaexpressão que Richard Sennett emprega num ou-tro contexto. Estar em numa insegurança perma-nente é não poder nem controlar o presente, nem

antecipar positivamente o futuro” (CASTEL, 2005,p. 31).

Essa situação passou a tornar-se visível a par-tir do final da década de 1970, pois um processode fragmentação crescente do proletariado oci-dental, decorrente da lógica da flexibilização pro-dutiva, deu início a um movimento dedesomogeinização e paralisação deste como forçasocial, não apenas no que concerne ao potencial desujeito coletivo histórico de derrubada do poder docapital que lhe fora atribuído no legado teóricomarxista, mas também nos limites da atuação eco-nômico-corporativa que caracterizava a atuação dossindicatos no âmbito do período de vigência do“compromisso fordista”. Desse modo, a força detrabalho que caracterizou o período fordista foi atin-gida severamente pelas mudanças ocorridas nasrelações de emprego e trabalho promovidas pelosprocessos de inovações técnico-gerenciais promo-vidos pela flexibilização produtiva.

Também é preciso não perder de vista que aflexibilização não se restringiu aos limites meramenteinternos das fábricas, já que, como parte de seuspressupostos, também se fez necessário repensaras relações salariais existentes; o que acabou porconfigurar uma situação na qual a flexibilização dosdireitos trabalhistas passou a ser apresentada comoum processo de ajustamento às novas formas deralação entre capital e trabalho que surgiram com omodelo de produção flexível. Ante essas mudan-ças, tanto a homogeneidade das categorias profis-sionais, quanto (mais amplamente) as instâncias deregulação coletivas passaram a ser colocadas emcheque. A ocorrência disso, como bem demonstraCastel, está intimamente ligada ao fato de que “odesemprego em massa e a precarização das rela-ções de trabalho não afetam apenas diferencialmenteas diversas categoriais de trabalhadores ferindo maisduramente a base da hierarquia salarial. Provocamtambém imensas disparidades intracategoriais – porexemplo entre dois operários, mas também entredois quadros do mesmo nível de qualificação, umdos quais terá garantido seu emprego. A solidarie-dade dos estatutos profissionais tende assim a trans-formar-se em concorrência entre iguais. Em vezde unir todos os membros de uma mesma catego-ria em torno de objetivos comuns que beneficiarãoo conjunto do grupo, cada um é levado a colocarem evidência sua diferença para manter ou melho-rar sua própria condição” (idem, p. 44-45; grifosno original).

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A transformação da relação salarial aliada àsestratégias de cooptação dos trabalhadores aosinteresses das empresas por intermédio da estra-tégia de individualização do trabalhador é fatordecisivo para a crescente heterogeneização edesmobilização da classe trabalhadora na era daprodução flexível. O modelo de fábrica enxuta,pensada por Ohno, é a corporificação dessa situ-ação desassociativa, pois instaura de um lado umnúcleo cada vez mais reduzido de trabalhadoresprotegidos pelo welfare rareado oportunizado porgrandes empresas e, de outro, um conjunto detrabalhadores cada vez mais numeroso desprovi-do de quaisquer benefícios sociais realmente efe-tivos, segregando-os não apenas pela diferencia-ção de estatutos, mas também por recortes dequalificação técnica, de gênero e geracionais. Porisso, “quando se fala hoje da reestruturação domundo do trabalho e da preponderância que é pre-ciso atribuir ao bom desempenho das empresaspara serem competitivas em face dos desafiosimpostos pela concorrência exacerbada e pelaglobalização do intercâmbio, não é mais a mesmadinâmica das relações profissionais que se invocacomo sendo a mais apta a assegurar o desenvol-vimento econômico. É muito mais do contrárioque se trata. Uma gestão fluída e individualizadado mundo do trabalho deve substituir sua gestãocoletiva à base de situações estáveis de emprego.Com um pouco de recuo começa-se a perceberque o que está em jogo, através da mutação docapitalismo que começou a produzir seus efeitosno começo dos anos de 1970, é fundamentalmen-te a instauração de uma mobilidade generalizadadas relações de trabalho, das carreiras profissio-nais e das proteções ligadas ao estatuto do empre-go. Dinâmica profunda que é, simultaneamente,de descoletivização, de reindividualização e deinsegurização” (idem, p. 45; grifos no original).

O quadro produzido pela transformação dasrelações salariais tem dado ensejo à configuraçãode novas imagens proletárias, sendo que três gran-des conjuntos estão delineando-se: a) os proletá-rios estáveis com garantias, uma reminiscênciado período tayloristo-fordista; b) os proletáriosexcluídos do trabalho, aqueles condenados aodesemprego e à dependência da seguridade soci-al; c) uma massa flutuante de trabalhadores instá-veis, na qual se incluem os trabalhadores em tem-po parcial, os temporários, os informais e osterceirizados. Essas diferentes imagens dificultama construção de uma identidade comum da classe

trabalhadora, assim como também contribuempara o enfraquecimento dos sindicatos comoagentes coletivos de defesa dos interesses dos tra-balhadores (BIHR,1998).

Do ponto de vista do capital, é correto pensarque a mudança de um modelo de produção maisrígido para um mais flexível traz mais benefíciosdo que malefícios. Até porque, além da reduçãode custos operacionais decorrentes da substitui-ção de trabalho vivo por trabalho morto, ou seja,da substituição de força de trabalho por inovaçõestecnológicas possibilitadas pelas aplicações datelemática e da robótica no universo empresarial,parece-nos claras outras três situações benéficasgeradas pela associação dessas aplicações ao con-junto de técnicas organizacionais inspiradas nomodelo japonês, quais sejam: 1) a apropriação nãoapenas da força física do trabalhador, mas tam-bém de sua capacidade intelectual devido à exi-gência por um maior engajamento na gestão dosprocessos produtivos nos quais estão diretamen-te envolvidos (vide a criação dos círculos de con-trole de qualidade); 2) o estabelecimento de umambiente competitivo interno entre os trabalhado-res diretos entre si e destes com os terceirizados,pois o emprego passa a ter de ser garantido pordemonstrações contínuas não apenas de compe-tência e envolvimento com o trabalho, mas tam-bém de adesão aos ideários da culturaorganizacional das empresas; 3) o enfraquecimentoda coesão e da solidariedade entre os grupos comdiferentes estatutos que integram a classe traba-lhadora, vide o enfraquecimento do poder de pres-são dos sindicatos sobre as empresas e o esvazi-amento do Estado como esfera promotora de aces-so aos direitos políticos e sociais.

No período tayloristo-fordista, apesar dasheterogeneidades e desigualdades existentes entreos membros da classe trabalhadora, era possívelnotar a predominância de certa tendência àhomogeneização devido a uma “estratégia deintegração” do proletariado possibilitada pelo con-vívio de grandes contingentes de operários com omesmo estatuto social nas instalações fabris, oque de certa maneira permitia-lhes uma troca deexperiências que permitia mais facilmente pensara idéia de um destino comum e, conseqüentemen-te, de uma identidade comum que tornava menosdifícil a tomada de uma “consciência de classe”em oposição aos proprietários dos meios de pro-dução. Essa tendência foi fortalecida após o tér-

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mino da II Guerra Mundial, devido à preocupaçãode que os países centrais do capitalismo passa-ram a ter com uma possível expansão da influên-cia da experiência socialista soviética sobre o ima-ginário dos trabalhadores no que concerne à pos-sibilidade de um modelo societal alternativo ao ca-pitalismo. A partir de então, configurou-se a ne-cessidade de instituírem-se os “direitos sociais”ligados ao trabalho por intermédio dos mecanis-mos compensatórios do Welfare State, que trazi-am consigo uma forte estratégia de inserção, mí-nima que o fosse, da classe trabalhadora nos pa-drões de consumo do modelo fordista visando oenfraquecimento do potencial de sujeito históricorevolucionário do proletariado.

Nesse contexto, os sindicatos passaram a serreconhecidos pelo Estado como entidades repre-sentativas dos interesses econômico-corporativosdas categoriais de trabalhadores a que representa-vam, e não como portadores de um projeto declasse alternativo ao capital. O resultado disso foium “compromisso social” entre capital e trabalhoviabilizado primordialmente nos países do capita-lismo avançado, em que a demanda acompanhavaos investimentos em larga escala (HARVEY, 2004;CASTEL, 2005).

As principais características desse compromis-so foram a negociação coletiva, a uniformizaçãoda condição jurídica dos diferentes trabalhadorese a efetividade do emprego. Essa estratégia dedisponibilização de garantias de direitos sociais epolíticos, mínimos que o fossem aos olhos dossindicatos e partidos de esquerda que a ela nãoaderiram, como se sabe, foi bastante exitosa, poisse por um lado promovera melhorias efetivas nascondições de vida dos trabalhadores dos paísesdo capitalismo avançado posteriormente a 1945,por outro contribuiu de modo significativo para aintegração dos trabalhadores ao modo de vida ca-pitalista, já que os mesmos passaram a ter suaatuação social circunscrita às demandas econô-mico-corporativas de suas categorias profissio-nais nos limites do próprio compromisso que foraestabelecido, configurando assim uma espécie de“parceria antagônica” entre capital e trabalho.Dessa feita, a tendência homogeneizante da clas-se trabalhadora pela via das categorias profissio-nais ganhou corpo, pois, o “‘compromisso soci-al’ que caracteriza os anos de crescimento é umequilíbrio mais ou menos estável, negociado porramo e por profissão, fruto de acordos

interprofissionais entre sindicatos e patronato, soba égide do Estado. Havia como que um círculovirtuoso entre as relações de trabalho estruturadasnum modo coletivo, a força de sindicatos de mas-sa, a homogeneidade das regulações do Direito doTrabalho e a forma generalista das intervençõesdo Estado que permite uma gestão coletiva daconflitualidade social” (idem, p. 44).

Apesar de todas as tensões sociais geradas noâmbito do compromisso fordista, principalmenteaquelas relacionadas ao problema da rotinização eao esvaziamento do conteúdo subjetivo do traba-lho, fatores que motivavam as ações sindicais nabusca por melhorias das condições de trabalho,tanto nos países em que efetivamente fez-se pre-sente, como por exemplo, o Canadá e parte daEuropa Ocidental, quanto naqueles em que se deude modo parcial ou restrito, como o Brasil, ofordismo conseguiu manter-se firme até a crisede 1973. Vide os padrões materiais de vida e altoslucros corporativos alcançados nos países do ca-pitalismo avançado (HARVEY, 2004).

Diferentemente do quadro configurado pelocompromisso fordista, no qual era possível paraos trabalhadores por ele beneficiados pensaremsuas trajetórias de vida em longo prazo, em umcontexto social norteado pelo ideário neoliberal ebaseado na lógica do regime de acumulação flexí-vel, a noção de longo prazo fica bastante fragilizadadevido à fluidez e à instabilidade das relações so-ciais. Para Ehrenberg (1991) a indeterminaçãoapresenta-se como uma tendência norteadora davida em sociedade, principalmente nas socieda-des democráticas avançadas. Isso porque, comolembra Bendassoli (2007), a incerteza em relaçãoao futuro e a fragilização da confiança em um tipode sociedade que seja capaz de responsabilizar-sepelas ações dos indivíduos e por projetos e ideaispublicamente sustentados são expressões clarasdessa tendência norteadora. No período no qualse tinha à vista o projeto do Estado do Bem-EstarSocial, “a vida era vivida pela maior parte das pes-soas como um destino coletivo; hoje, ela é umahistória pessoal. Cada um, de agora em diante,indubitavelmente confrontado com o incerto, pre-cisa apoiar-se sobre si mesmo para inventar suaprópria vida, lhe conferir sentido e engajar-se ati-vamente” (EHRENBERG, 1999, p. 18).

Segundo Ehrenberg, a receita que é hoje apre-sentada ao indivíduo para lidar com as incertezasacarretadas por essa situação é o “culto à

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performance”. Em uma mistura discursiva queabarca o discurso esportivo, do consumo e, prin-cipalmente, empresarial, tem-se um recrudesci-mento do individualismo sobre uma nova base:símbolo da valorização das iniciativas da socieda-de civil e da crise da representação política base-ada em corporações coletivas.

Na impossibilidade da esfera política lidaradequadamente com os problemas causados pelacrise do projeto do Estado do Bem Estar Social –entenda-se aqui principalmente nos países da Eu-ropa Ocidental –, o econômico chama para si acompetência de dizer como fazê-lo, daí, a empre-sa ter sido apresentada como a solução miraculosa,posto que se torne cidadã, vide o espraiamentodo discurso da responsabilidade social no meioempresarial, inclusive no Brasil, como indicamPaoli (2002) e Barbosa (2007). Bendassoli sus-tenta, seguindo a linha interpretativa proposta porEhrenberg: “Nesse ambiente, altera-se a represen-tação social da empresa, a qual deixa de ser per-cebida como instrumento de dominação dos gran-des sobre os pequenos para funcionar como mo-delo ideal de conduta para o indivíduo, já que ela ésímbolo de eficácia e de iniciativas ousadas numcontexto turbulento. Ela abandona o terreno eco-nômico stricto sensu e fornece modelos desubjetivação para a grande massa da população. Aempresa é a fornecedora oficial de um tipo muitoparticular de singularização: a performance”(EHRENBERG, 2007, p. 207).

Desse modo, não é de admirar-se que a figu-ra do empreendedor de si mesmo esteja embebidana idéia de responsabilização dos trabalhadores;não apenas no que concerne ao processo produti-vo e ao processo de trabalho, mas também a umaeventual condição de desemprego que possa virsobre eles nos próximos programas dereestruturação produtiva. Afinal de contas, comocada indivíduo situa-se em um mercado de traba-lho cada vez mais competitivo, é entendido nessamatriz discursiva como uma situação que depen-de fundamentalmente do desempenho de cada um,isto é, da performance.

Nos últimos trinta anos, os discursos deinspiração neoliberal e as estratégias deflexibilização produtiva procuraram disseminar aidéia de que o agravamento do desemprego, oaumento do mercado informal de trabalho e a in-tensificação dos problemas sociais sãoconsequências da incapacidade do Estado em li-

dar adequadamente com essas questões, haja vis-ta que o Estado teria se concentrado em ativida-des que seriam mais bem conduzidas pelos mer-cados. A omissão do fato de que o desempregoestrutural e a instalação da precarização do traba-lho são inerentes ao modelo de acumulação flexí-vel, aliada à desmobilização dos sindicatos comoagentes coletivos de representação da classe tra-balhadora produzida pelo paradigma produtivo dasfábricas enxutas, são fatores-chaves para a dis-seminação de duas idéias centrais dessa lógica: a)o mercado como sendo mais eficiente que o Esta-do no que diz respeito à administração dos fluxoseconômico-financeiros em tempos de globalização;b) a responsabilização dos indivíduos por sua con-dição de empregabilidade e pela permanência ounão em determinada condição de existência mate-rial.

Ambas idéias podem ser entendidas como par-tes constitutivas de uma mesma construçãodiscursiva que tenta impor-se como o antídotoadequado ao ambiente de insegurança social queos processos de flexibilização instalam tanto nomundo do trabalho quanto no que se refere àredefinição do papel do Estado como esfera pú-blica de garantias de direitos sociais e de acessoaos bens públicos. No cerne dessa construçãodiscursiva está o projeto de um novo indivíduo,polivalente, desvinculado de filiações coletivas, umindivíduo resiliente que se perceba como o únicoresponsável por sua condição material de existên-cia; o que em termos do mundo do trabalho signi-fica dizer um indivíduo responsável por sua con-dição de empregabilidade, um indivíduo que este-ja disposto a aderir aos objetivos da empresa quelhe emprega pelo tempo que esta estiver dispostaa lhe empregar.

IV. A REFLEXIVIDADE NO MUNDO DO TRA-BALHO EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

A atual configuração do capitalismo no con-texto da globalização estabelece a organização daeconomia em torno de um padrão de organizaçãoem redes globais, nas quais a interconexão einterdependência dos fluxos de capital, detecnologia, de interação organizacional, de infor-mações, de imagens, sons e símbolos apresen-tam-se como a principal característica. Sendo quetais fluxos, segundo Castells, “não representamapenas um elemento da organização social: são aexpressão dos processos que dominam nossa vidaeconômica, política e simbólica” (CASTELLS,

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2002, p. 501). Seguindo essa linha de raciocí-nio, Castells entende que no mundo atual ocorre“[...] uma nova forma espacial característica daspráticas sociais que dominam e moldam a socie-dade em rede: o espaço de fluxos. O espaço defluxos é a organização material das práticas so-ciais de tempo compartilhado que funcionam pormeio de fluxos. Por fluxos, entendo as sequênciasintencionais, repetitivas e programáveis de inter-câmbio e interação entre posições fisicamente de-sarticuladas, mantidas por atores sociais nas es-truturas econômica, política e simbólica da so-ciedade. Práticas sociais dominantes são aque-las que estão embutidas nas estruturas sociaisdominantes. Por estruturas sociais dominantes,entendo aqueles procedimentos organizacionaise instituições cuja lógica interna desempenhapapel estratégico na formulação das práticas so-ciais e da consciência social para a sociedadegeral” (CASTELLS, 2002, p. 501; sem grifos nooriginal).

No atual estágio de internacionalização do ca-pitalismo, as empresas com orientação para omercado cada vez mais norteiam suas ações soba égide do isomorfismo institucional que caracte-riza o campo organizacional no qual elas estãoinseridas (DIMAGGIO & POWELL, 1999). Des-se modo, está claro que o modelo organizacionalda empresa em rede, que se tornou hegemônicoem tempos de acumulação flexível, só é viáveldevido ao caráter isomórfico das práticas técni-co-gerenciais adotadas dentro dos camposorganizacionais.

O atual estágio de desenvolvimento do capita-lismo tornou definitivamente insuficiente os me-ros limites do Estado-nação para os interesses daacumulação capitalista, assim, como indica Nardi,“a reestruturação produtiva pode ser definidacomo a transformação do modelo de acumulaçãotaylorista-fordista no contexto do estado-naçãopara a acumulação flexível no contexto daglobalização” (NARDI, 2006, p. 53).

A disseminação de sistemas organizacionaispadronizados permite que o fluxo informacionaltransite pela rede empresarial a partir de parâmetrosorganizacionais constituídos sobre a égide daracionalidade instrumental do mercado. Parâmetrosestes que estabelecem os critérios globais de ava-liação de desempenho empresarial para todo umconjunto de interessados, ou seja, (primordialmen-te) os acionistas.

Contudo, é preciso que se diga que outros ato-res sociais envolvidos, como os trabalhadores eas comunidades, nas quais as atividades da em-presa atuam, também são afetados pelos efeitosdessa padronização. Dizemos isso porque todosos sistemas e práticas organizacionais inspiradosnos preceitos da flexibilização produtiva, como justin time, círculos de controle de qualidade, a no-ção de team work, as práticas de outsourcing(terceirização), Kan-Ban e 5S promovem mudan-ças na vida social de todos aqueles que lhes prati-cam. Todos esses elementos contribuem signifi-cativamente para o estabelecimento de um tipo degestão e organização do trabalho que conduz àindividualização do trabalhador, haja vista que “asfirmas exigem do trabalhador uma profundainteração com os objetivos da empresa e, para tan-to, inúmeras medidas são implementadas em umcontexto de controle, tensões e solicitações. Oapelo à subjetividade do trabalhador é uma cons-tante desses novos modelos, investindo na moti-vação e no desenvolvimento da qualidade pessoalde cada um” (LINHART, 2000, p. 27).

No entanto, é preciso considerar que esse pro-cesso de mudança na subjetividade dos trabalha-dores não os torna meros expectadores passivos,e aqui consideramos necessário levar em consi-deração aquilo que Giddens (1991; 1997; 2002)denomina de reflexividade, isto é, a capacidade decognição que os atores sociais possuem a respei-to do modo como suas ações têm impacto sobreo mundo e como este o tem sobre eles. Nessalinha interpretativa, os indivíduos são entendidoscomo atores sociais, agentes humanos, sujeitosprovidos de uma capacidade de cognição que lhespermite um considerável conhecimento das con-dições e consequências do que fazem em suasvidas cotidianas. Nesses termos, isso implica emum ponto de partida hermenêutico, porque paracompreendermos as atividades humanas no âm-bito de determinada sociedade, devemos proce-der ao exame do conhecimento que os própriosatores sociais têm de suas condutas. Por isso, paraGiddens, existiriam dois níveis de análise na com-preensão da conduta reflexiva: em primeiro pla-no, a reflexividade está contida na consciênciadiscursiva dos atores sociais e, em um segundoplano, a reflexividade está contida na consciênciaprática dos atores sociais.

As técnicas de gestão inspiradas no modelojaponês, além de intensificarem o processo de tra-balho, ainda trazem consigo a estratégia de sub-

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meter ao máximo o trabalhador à égide dos inte-resses das empresas. Os discursos empresariaisatuais enfatizam que a parceria entre o capital e otrabalho é capaz de gerar mais benefícios do quemalefícios para os trabalhadores. Tal crença tentaadquirir consistência e legitimidade a partir de umaparato discursivo-ideológico no qual o trabalha-dor, no contexto da fábrica, deve perceber-secomo valorizado em sua autonomia para tomardecisões sobre o processo de trabalho ao qual estásujeito, mesmo que tal autonomia seja apenas re-lativa, já que se depara com os norteamentos queestão implícitos nas estratégias adotadas pela altaadministração das empresas. Nesse sentido, au-tores como Antunes defendem que “a subsunçãodo ideário do trabalhador àquele veiculado pelocapital, a sujeição do ser que trabalha ao ‘espírito’Toyota, à ‘família’ Toyota, é de muito maior in-tensidade, é qualitativamente distinta daquela exis-tente na era do fordismo. Esta era movida cen-tralmente por uma lógica mais despótica; aquela,a do toyotismo, é mais consensual, maisenvolvente, mais participativa, em verdade maismanipulatória” (ANTUNES, 2005, p. 42; grifosno original).

Para Antunes, as empresas que se inspiram nomodelo japonês promovem um “envolvimentocooptado” que permite a apropriação do saber edo fazer dos trabalhadores, fazendo-os pensar eagir em consonância com os interesses do capi-tal, isto é, visando o aumento da produtividade.No rastro dessa mesma linha interpretativa, Alves(1999) advoga que o toyotismo não deve ser con-siderado um novo modo de regulação da econo-mia capitalista, tal como o fordismo fora identifi-cado pelos integrantes da chamada escola daregulação, mas sim como uma nova lógica de pro-dução de mercadorias, um novo conjunto de prin-cípios de administração da produção capitalista ede gestão da força de trabalho, no qual o intentofundamental é constituição de uma nova hegemoniado capital na produção. Até este ponto não temoso que discordar dessa linha interpretativa, porémnão compartilhamos da idéia, mais especificamentedo segundo autor, de que essa nova hegemoniaprocesse-se por intermédio da “captura da subje-tividade” operária.

Falar em “envolvimento cooptado” soa-nospertinente e heuristicamente válido, desde que seentenda haver certa margem de liberdade na açãode envolver-se. Por sua vez, falar em “captura da

subjetividade” soa-nos mais como uma categoriadotada de conteúdo retórico do que propriamenteanalítico, não porque não haja uma ofensiva docapital sobre a subjetividade dos trabalhadores, massim porque falar em captura remete a arresto, aapreensão, a aprisionamento, o que pressupõeausência de liberdade, como se a subjetividade dealguém estivesse única e exclusivamente circuns-crita nos limites de sua identidade como membroda classe trabalhadora.

Para nós, mais ofensivo do que a ofensiva docapital é pensar que as adesões dos que se permi-tem “iludir” são simples evidências de uma condi-ção de alienação e estranhamento alimentada pordiscursos ideológicos que lhes destituem a capa-cidade de cognição da realidade, isto é, de suacondição de reflexividade sobre o modo como omundo social afeta-lhes e por eles é afetado; ca-pacidade esta que é inerente a todos, mas que semanifesta de formas e em níveis diferenciados,de acordo com as distribuições de capital econô-mico em suas diferentes formas, de capital cultu-ral e de capital simbólico que estão em jogo tantonas relações objetivas, quanto nas relações subje-tivas existentes entre os agentes sociais(BOURDIEU, 2004).

A operação de redefinição da condição de tra-balhador para “colaborador interno” ou “clienteinterno” está claramente inscrita no conjunto deestratégias que objetiva transformar a subjetivida-de do trabalhador no que diz respeito ao modocomo ele percebe sua relação com a empresa, ouse preferirmos, a relação capital-trabalho. No en-tanto, para essa ressignificação parecer minima-mente verossímil aos olhos dos trabalhadores; elaprecisa sair da simples esfera discursiva e passara ser vivenciada no espaço fabril em que o pro-cesso de trabalho ocorre, caso contrário, o senti-do do envolvimento que se busca obter fica com-prometido, já que seu conteúdo simbólico esvai-se na experiência das práticas cotidianas e, con-seqüentemente, a opacidade da situação seria sen-tida na discrepância entre o que versam as pres-crições discursivas gerenciais e o que efetivamenteoperacionalizam as práticas gerenciais.

Tendo isso em mente, entendemos ser funda-mental considerar que a lógica da flexibilizaçãoprodutiva não apenas desmobiliza o coletivo detrabalhadores pela via da fragmentação de classepromovida pelas novas formas de contrato de tra-balho, ela também produz aquilo que Zarifian cha-

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ma de um engajamento subjetivo, isto é, uma si-tuação que se apresenta como possuidora de duasfaces, quais sejam: “a da captação da atividadesubjetiva do assalariado, sob uma forma renova-da de relação de dominação, e a do sentido pesso-al e coletivo dado à ação social, sob uma formarenovada de relação de emancipação” (ZARIFIAN,2002, p. 30). Para Zarifian, e aqui alinhamo-nosao seu modo de ver, qualquer análise que tenteisolar uma face da outra está fadada à não com-preensão dessa realidade.

A manifestação do engajamento subjetivo dostrabalhadores nos modelos de organização de tra-balho inspirados na lógica da flexibilização se ma-nifesta por meio de um “assujeitamento consenti-do”, pois mesmo o envolvimento sendo forçado,“no sentido de uma força que se exerce sobre aforça do assalariado de maneira estruturalmentedesigual” (idem, p. 31), não é possível falar emausência de liberdade. Até mesmo porque, comoressalta Zarifian: “[...] há a liberdade. E liberdade,em primeiro lugar, no exercício da potência depensar, agir e cooperar dos indivíduos-sujeitos(que se tornam sujeitos nesse exercício). Todasas pesquisas que realizo, há mais seis anos, emgrandes empresas de serviços me confirmam estaasserção: não somente os sujeitos demandam ini-ciativas, mas as exercem. O que há de novo é quea sociedade de controle, num movimento parado-xal, por deslegitimar e fluidificar a disciplinataylorista, amplia e mistura os devires em que seengajam os sujeitos: o devir não mais se limita àempresa que os emprega, combinando-se, muitomais diretamente que antes, com a pluralidade dedevires, precisamente porque os espaços (a famí-lia, a escola, a fábrica, o hospital etc.) deixam deser fechados e, por conseguinte, os problemasque supostamente deveriam regrar (ordenar) dei-xam de ser confinados e estritamente delimitados”(ibidem).

A “adesão” dos trabalhadores à lógica daflexibilização produtiva que passa a nortear a or-ganização do trabalho dentro das empresas pare-ce ocorrer com uma abdicação relativamente cons-ciente de um possível projeto de classe, mas nãocom a abdicação de um busca por emancipaçãodo indivíduo. Aos olhos daqueles que possuemuma visão monolítica da relação capital-trabalho,se essa situação parece claramente caracterizaruma sujeição ideológica a um projeto que não sejao mais adequado aos “interesses” (seus) da clas-

se trabalhadora, para os trabalhadores, no nívelde suas vivências práticas, confere-lhes a sensa-ção de fazer-se parte de uma coletividade queoportuniza, mesmo que de modo instável e transi-tório, a sensação de transcender o meropertencimento amorfo da condição de classe.

Isso porque, devido às diversas nuanças darealidade e às diversas formas de percebê-la, prin-cipalmente no nível das vivências cotidianas dostrabalhadores afetados pelas estratégias de pro-dução de assujeitamento consentido, é precisoconsiderar que em uma sociedade de indivíduos,coisa que o são todas as sociedades minimamenteinscritas no legado do projeto iluminista damodernidade, para o bem ou para o mal, “lado alado com o desejo de ser alguém por si, ao qual asociedade dos outros se opõe como algo externoe obstrutivo, freqüentemente existe o desejo deestar inteiramente inserido na sociedade. A neces-sidade de se destacar caminha de mãos dadas coma necessidade de fazer parte. O sentimento departicipar, de estar envolvido, muitas vezes semistura com o de estar descomprometido, desli-gado – ‘Que me importa tudo isto?’ [...] o objeti-vo de ser alguém único e incomparável é acom-panhado, muitas vezes, pelo de não se destacar,de se conformar” (ELIAS, 1994, p. 124).

Se, por um lado, o “engajamento subjetivo”produzido pela lógica da flexibilização produtivafaz os trabalhadores submeterem-se ao ideário docapital quando da introjeção dos valores da cultu-ra organizacional e da sensação de fazer parte da“grande família” que ela pretende ideologicamen-te representar, por outro, concretamente dá-lhesum sentimento de pertença a uma coletividade,sentimento este que é efetivamente sentido nassuas vivências cotidianas, por mais instável e tran-sitório que isso possa vir a ser e por mais tensõesque possam existir entre os trabalhadores e a em-presa. De um modo geral, essa situação cria umcenário no qual a ideia de maior responsabilizaçãono processo produtivo pode ser assimilada de for-ma relativamente positiva por um grande contin-gente de trabalhadores.

Entretanto, não podemos esquecer a existên-cia de um elemento crucial de desmobilização co-letiva que é inerente ao projeto de globalização deinspiração neoliberal: a percepção de que o Estadoé uma instância incapaz de assumir o protagonismona tarefa de promover o bom funcionamento dasociedade como um todo. Mais isto: que tal situa-

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ção corresponde muito mais a uma construçãodiscursiva que lhe imputa essa condição do quepropriamente às impossibilidades que lhes sejaminerentes.

Como lembra-nos Bourdieu (2002), esse dis-curso não possui a neutralidade alegada por seusdefensores, até porque sua origem é socialmentebem definida e sustenta-se em três postuladosdistorcidos da teoria econômica: 1) a economiaentendida como um domínio à parte do mundosocial, esfera regida por leis naturais e universaisque não podem ser contrariadas pelos governos;2) o mercado como sendo a instância capaz deotimizar a organização das relações sociais, as tro-cas, a produção, assim como garantir uma distri-buição equitativa; 3) a exigência pela redução dasdespesas do Estado no âmbito de uma economiaglobalizada, ou seja, a supressão de tudo que pos-sa vir a ser um impeditivo para a expansão dosmercados, e aqui estão incluídos os direitos soci-ais ligados ao emprego e à previdência social, vis-tos nessa linha de raciocínio, que resgata a lógicado laissez faire, como onerosos e disfuncionais.Aliado a essas distorções, ainda se têm o discur-so, nitidamente inspirado no velho discurso ame-ricano calvinista do self-help (‘virar-se’ por con-ta própria). Ante a situação configurada por essalógica discursiva, não é de se estranhar que “nes-se momento, no mundo inteiro só se fala em res-ponsabilidade. Evidentemente o axioma principalé que o pobre é responsável por sua pobreza. Emmeu jargão, digo que isso é uma sociodicéia, ouseja, uma narrativa que tem por função justificara sociedade tal como ela é” (BOURDIEU, 2002,p. 26; grifos no original).

A incorporação dessa narrativa conduz os in-divíduos à crença de que a transformação de suascondições de vida é uma tarefa que compete ex-clusivamente a si mesmos, de modo isolado ouagregado a outros indivíduos que estejam em si-tuações semelhantes (vide, por exemplo, o cres-cimento das cooperativas de trabalho e de produ-ção no Brasil a partir do final dos anos de 1980,situação demonstrada nos trabalhos de Lima(2002; 2004).

Como aponta Castel (2005), o discurso daresponsabilização dos agentes na era daflexibilização produtiva está inegavelmente asso-ciado ao processo de individualização das tarefase das trajetórias profissionais decorrentes dasreestruturações ocorridas no mundo do trabalho.

A promoção dessas reestruturações sustenta-se emum discurso disseminado pelo mundo empresari-al de que se faz necessário maximizar o desempe-nho das empresas visando torná-las competitivasante os desafios impostos pelo ambiente de con-corrência exacerbada que caracterizam osenredamentos de uma economia capitalistaglobalizada.

Nessa linha discursiva de responsabilização dosagentes, o problema maior não vem a ser como oatual estágio de acumulação capitalista configura-se, mas sim como disseminar o espírito empreen-dedor para aqueles sobre os quais a destituição doacesso a um emprego socialmente protegido im-põe-se. Alicerçada em uma ideologia da compe-tência, essa narrativa produz o cenário propício àdisseminação da idéia do indivíduo como empre-endedor de si mesmo, isto é, responsável por suacondição de empregabilidade. Como lembra-nosFreitas, é inerente a essa lógica a idéia de que “secada um é o projeto de si mesmo, quem não con-segue emprego é porque não soube escolher asqualificações que as empresas necessitam ou po-dem vir a necessitar” (FREITAS, 2006, p. 77).

Desse modo, o precário naturaliza-se na esfe-ra do trabalho à medida que esse discurso é assi-milado pelos trabalhadores como a resposta maisadequada para o desemprego estrutural que seapresenta como condição inerente ao atual está-gio de configuração da economia capitalista. Emdecorrência disso, o trabalhador, dentro e fora doambiente fabril, cada vez mais se percebe como oúnico responsável por si mesmo, mesmo que odesemprego ameace-lhe não apenas no sentido detomar-lhe o trabalho como meio de sustento devida, mas acima de tudo, como meio de conferirsentido a ela.

No atual estágio de acumulação capitalista, te-mos uma situação em que as constantes inova-ções tecnológicas espraiam-se em escala globalde maneira isomórfica e a lógica da flexibilizaçãotornou-se, ao mesmo tempo, norteadora das dire-trizes organizacionais do mundo empresarial eforça debilitadora dos direitos sociais ligados àsconquistas dos movimentos de trabalhadores nodecorrer do século XX. Como consequência, osindivíduos que ingressam hoje no mercado de tra-balho são impelidos a desenvolver uma capacida-de quase que “reflexa” de adaptação ante as mu-danças técnico-organizacionais ocorridas no mun-do do trabalho e de recuperação ante os “infortú-

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nios” que sobre eles possam vir a abater-se, comopor exemplo, uma demissão decorrente de umprocesso de enxugamento no quadro funcional ouuma redução no elenco de benefícios oferecidospelas empresas. Desse modo, a capacidade deresiliência torna-se um dos elementos que com-põem o perfil do trabalhador almejado pelas em-presas em tempos de produção flexível. Enten-damos por resiliência não uma atitude resignadaante as desventuras vividas no mundo social, eem nosso caso, mais especificamente no mundodo trabalho, mas sim, aquilo que Grotberg de-signa como, “a capacidade humana para enfren-tar, vencer e ser fortalecido ou transformado porexperiências de adversidade. [...] As condutasresilientes supõem a presença e a interação dinâ-mica de fatores e esses fatores vão mudando nasdiferentes etapas do desenvolvimento. As situa-ções de adversidade não são estáticas, mudam erequerem mudanças nas condutas resilientes. Aconduta resiliente exige se preparar, viver e apren-der com as experiências adversas (GROTBERG,2005, p. 15-17).

No mundo do trabalho, isso não é visível ape-nas a partir das necessidades que os trabalhado-res passam a ter de adaptarem-se e de superarrapidamente as inovações técnico-organizacionaisimpostas pela lógica da flexibilização produtiva,que lhes exige um nível mais elevado deresponsabilização no processo produtivo e ummaior envolvimento com a cultura organizacionalda empresa. Mas também o é quando considera-mos a disseminação do discurso deresponsabilização dos indivíduos pela sua condi-ção de empregabilidade, discurso que se personi-fica na figura do empreendedor de si mesmo. Asveiculações hodiernas desses discursos nãoobjetivam apenas a tentativa de constituir um novotipo de trabalhador, mas acima de tudo um novotipo humano; um tipo mais afeito e adequado aosriscos característicos de uma economia globalsujeita às instabilidades dos mercados financeirose à insegurança social e ontológica provenientesde uma situação de precarização de direitos soci-ais vinculadas à condição de assalariamento e deuma redução ao status de cidadania quase que ex-clusivamente à capacidade de tornarem-se con-sumidores.

Assim, torna-se extremamente difícil, paraparte considerável dos indivíduos, a percepção desi mesmo como sujeito plenamente seguro de suas

vinculações sociais e do papel que lhe poderia ca-ber na esfera pública; o que não significa dizerque não exista margem alguma para a reflexãodos indivíduos sobre o modo como se inserem ecomo atuam no mundo social. Contudo, não po-demos perder de vista que as dificuldades produ-zidas por essa situação acabam convertendo indi-víduos que poderiam potencialmente desenvolver-se como sujeitos efetivamente autônomos dentrodo mundo do trabalho em objetos sobre os quaisincidem os efeitos deletérios da ação de mercadoscada vez mais fluídos, voláteis e instáveis.

Por isso, o que se tem é algo muito próximode uma massa amorfa incapaz de conceber econstruir qualquer projeto de interesse comum, jáque a única coisa que compartilham é uma condi-ção comum de incapacidade de integração, comomuito bem mostrou Hannah Arendt (1989; 2005)em seus estudos sobre os regimes totalitários, e,mais recentemente, tem-nos mostrado RobertCastel (2003; 2005), quando fala de uma situaçãode desassociação social decorrente dodesmantelamento do que ele chama de projeto desociedade salarial; situação esta que caracteriza oprocesso de desfiliação dos indivíduos ante a co-letividade, pois como defende Castel, o trabalhodeve ser pensando não “enquanto relação técnica,mas como suporte privilegiado de inscrição naestrutural social” (CASTEL, 2005, p. 24), não oúnico suporte, mas um suporte privilegiado, poisé preciso reconhecer que há “uma forte correla-ção entre o lugar ocupado na divisão social dotrabalho e a participação nas redes de sociabilida-de de proteção que ‘cobrem’ um indivíduo diantedos acasos da existência. Donde há a possibilida-de de construir o que chamarei, metaforicamen-te, de ‘zonas’ de coesão social. Assim, a associa-ção trabalho estável – inserção relacional sólidacaracteriza uma área de integração. Inversamentea ausência de participação em qualquer atividadeprodutiva e o isolamento relacional conjugam seusefeitos negativos para produzir a exclusão, oumelhor, [...] a desfiliação. A vulnerabilidade socialé uma zona intermediária instável, que conjuga aprecariedade do trabalho e a fragilidade dos su-portes de proximidade” (ibidem).

Para nós, está claro que, apesar de não estar-mos mais diante de problemas produzidos pelosestados totalitários analisados por Arendt, estamosdiante dos efeitos produzidos por aquilo que Oli-veira (1999) chama de totalitarismo neoliberal, no

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qual as sensações de insegurança social eontológica são nutridas pelas estratégias dedesmantelamento do Estado como esfera públicae pelas estratégias de flexibilização tanto internaquanto externa no mundo empresarial.

A instabilidade e o desprovimento de uma redede proteção social que caracterizam as situaçõesdos que são afetados por essa situação dedesassociação social contribui significativamentepara uma sensação de incerteza do presente, sen-sação essa que, como nos chama atenção Bauman,“age como uma poderosa força individualizadora”(BAUMAN, 2001, p. 170), pois conduz a umaimpossibilidade de planejar o futuro na esfera pri-vada e a uma obstacularização da possibilidade depensar-se a idéia de interesses comuns. Desta fei-ta, a possibilidade de construção de vínculos co-letivos duradouros vê-se cada vez mais debilita-da. Até mesmo por que “os medos, ansiedades eangústias contemporâneos são feitos para seremsofridos em solidão. Não se somam, não se acu-mulam numa ‘causa comum’, não têm ‘domicilionatural’. Isso destitui uma postura solidária queteve lugar no passado como tática racional e indi-ca uma estratégia de vida totalmente diferente daque conduziu ao estabelecimento da defesa da clas-se trabalhadora e de suas organizações militantes(idem, p. 35).

Como indica Sennett, não é à toa que, “no re-gime flexível, as dificuldades cristalizam-se numdeterminado ato, o ato de correr riscos”(SENNETT, 2005, p. 88). Se o herói do capitalis-mo flexível é o indivíduo destinado a correr riscoe a “pagar para ver” independente de ser o resul-tado recompensador ou não, não podemos esque-cer que a incorporação do desígnio da incertezaconduz a uma impossibilidade de planejar o futu-ro na esfera privada e a obstacularização do pen-sar a idéia de interesses comuns na esfera públi-ca.

V. CONCLUSÕES

Apesar de considerarmos pertinente a hipóte-se da constituição de um novo trabalhador coleti-vo pela flexibilização produtiva, quando do esta-belecimento de um modelo de cooperação basea-do nos princípios da responsabilidade, qualifica-ção e participação, acreditamos que o elementopotencialmente de maior ruptura com o períodofordista é a constituição de um novo indivíduo.Novo indivíduo que possui basicamente três ca-

racterísticas: 1) desfiliação dos laços coletivos depertencimento à classe social; 2) responsabilizaçãopor sua condição de empregabilidade; 3) capaci-dade de resiliência como fonte de renovação desuas energias ante aos reveses sofridos não ape-nas no mundo do trabalho.

Diante dessas constatações, defendemos queo processo de individualização produzido pela si-tuação de desassociação social configura-se comopotencialmente deletério, porque atira os indiví-duos a uma condição de “virar-se” e agir porconta própria, a uma condição de guerra de todoscontra todos – no melhor sentido hobbesiano dotermo –, instaurada por um luta pela sobrevivên-cia claramente inspirada em um darwinismo soci-al que fornece suporte ideológico para a gradativadesregulação do mercado trabalho. Assim, umaeventual potencialidade positiva do processo deindividualização não se realiza, pois as sociedadescapitalistas contemporâneas estão assentadas so-bre a égide da volatilidade e do descomprometi-mento do capital financeiro em relação a quais-quer demandas sociais que ponham em risco seucírculo reprodutivo. Cindida por relações sociaisfluídas e transitórias e sem poder contar mais como suporte de trajetórias profissionais mais segu-ras e lineares, a sociedade dos indivíduos em tem-pos de flexibilização e precarização testemunha ainsuficiência da experiência do reconhecimentosocial nas esferas de sociabilidade meramente ins-trumentais.

Em um cenário global de crescentedesassociação e exclusão social, produzidas pelahegemonia do capital financeiro, fica difícil falarem coletividades de indivíduos. O que parece res-tar são coleções de indivíduos, visto que cada vezmais estes são lançados à própria sorte, chama-dos à responsabilização pela permanência ou nãoem determinada condição de existência material eapenas circunstancialmente percebendo-se comoinseridos em algum tipo de coletividade – porquedelas sentem-se desfiliados –, a qual, no caso domundo do trabalho, corresponderia à responsabili-zação pela condição de empregabilidade.

Em um mundo em que a condição de precari-edade tende a naturalizar-se, o discurso daresponsabilização individual, revigorado e comares de desprendimento diante de filiações coleti-vas como Estado-nação, classe ou, até mesmo, afamília, entendidas nessa matriz como âncoras queimpedem o indivíduo de realizar toda a sua

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potencialidade, não soa necessariamente comofalacioso, mas tão pouco soa como verdadeiro.Para espraiar-se basta-lhe soar minimamente ve-rossímil.

Tal discurso localiza-se em uma zona cinzen-ta, na qual é processada uma redefinição cognitivadas funções do Estado, dos mercados e principal-mente da noção de indivíduo, uma zona nebulosaem que o trabalho perde espaço para a empresacomo referencial de mundo, não por ser esta olugar da acumulação de capital ou o lugar ondeganha-se o sustento ou é possível dignificar-secom o trabalho, mas por ser o lugar onde empre-ende-se, onde incentiva-se a disposição de apren-dizado constante, que estimula o estar aberto paraviver coisas novas e desprender-se das antigas, olugar onde a racionalidade instrumental coloniza asubjetividade do indivíduo e canaliza-a para o exer-cício da ação de voltar-se para si mesmo.

No nível dos discursos e das narrativas, o queestamos testemunhando é uma tentativa de cons-trução da imagem do empreendedor de si mesmocomo o indivíduo capaz de vencer as incertezas einseguranças da vida social dentro do contexto docapitalismo flexível. Por outro lado, no nível dasvivências práticas, o que de fato estamos teste-munhando é muito mais o alargamento das filei-ras das vítimas dos efeitos deletérios daflexibilização produtiva.

Em outras palavras, estamos diante de um in-divíduo jogado em um mundo em que uma formade sociabilidade baseada na condição de precarie-dade tende a naturalizar-se. Para tal, os discursosde inspiração neoliberal tentam realçar tão somen-te a dimensão positiva da figura do empreendedorde si mesmo e gradativamente esvaziar o caráternocivo que as noções de incerteza e insegurançapossuem no imaginário dos que nuncavivenciaram, e que, até segunda ordem, não maisterão a possibilidade de vivenciar alguns impor-tantes direitos sociais ligados ao mundo do traba-lho.

Todavia, não podemos esquecer que esses dis-cursos não fazem os efeitos deletérios da condi-ção de precariedade desaparecerem da vida dosdesfiliados e dos que não mais poderão filiar-se,apenas os escamoteiam insidiosamente no discursode responsabilização individual, apenas fazem crerque os lugares ocupados pelos indivíduos na es-trutura social ou são uma decorrência do simplesmérito de cada um ou da simples falta dele, ou, oque é pior ainda, uma mera questão de ter ou não“o perfil desejado pelo mercado”.

Portanto, estamos diante de um indivíduomuito mais desvinculado de qualquer sentido depertença coletiva e desprovido de qualquer senti-do do que venha a significar o termo proteçãosocial do que de um indivíduo efetivamente capazde converter-se em senhor de si mesmo, no âm-bito de uma sociedade que se pretende igualitária.Até mesmo porque, quando consideramos a ex-periência da precariedade profissional que se ins-taura no mundo da flexibilização produtiva e afetaum número cada vez maior de pessoas, comodefende Paugam (1999), a desqualificação socialproduzida por essa situação é nitidamente umaexperiência humilhante e desestabilizadora das re-lações com os outros, tendendo, assim, a fragilizaros vínculos sociais e a conduzir o indivíduo a fe-char-se sobre si mesmo.

Se tal idéia de indivíduo soa como dotada desentido e tem certa força como paradigma de com-portamento para muitos, mesmo que essesmuitos não possuam condições socioeconômicasfavoráveis para pô-la em prática, é porque ela pa-rece estar em estreita consonância com os tiposde relações sociais que são configuradas pela ló-gica da flexibilização produtiva. Porém, é precisolembrar, como o faz Castells, que “as elites sãocosmopolitas, as pessoas são locais. Os espaçosde poder e riqueza são projetados pelo mundo,enquanto a vida e a experiência das pessoas ficamenraizadas em lugares, em sua cultura, em suahistória” (CASTELLS, 2002, p. 505).

Attila Magno e Silva Barbosa ([email protected]) é Doutor em Sociologia pela UniversidadeFederal de São Carlos (Ufscar).

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O EMPREENDEDOR DE SI MESMO E A FLEXIBILIZAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 295-300 OUT. 2010

BEING ONE’S OWN ENTREPRENEUR AND FLEXIBILIZATION IN THE WORLD OFWORK

Attila Magno e Silva Barbosa

The social existence of individuals, for many of their interpreters – whether the latter resort toreligious or political discourses or even certain currents of sociological thought – seems not to bepossible without the existence of metanarratives that infuse it with meaning. This article engages intheoretical discussion of the discursive construction of those who act as their own entrepreneurs, asindividuals capable of confronting quick and drastic changes occurring within the world of workwith the advent of productive flexibilization. We advocate the hypothesis that this discursiveconstruction does not portray a type of individual that is potentially accessible to all, insofar as itrefers to a construction that does not involve the support of a shared societal project. In otherwords, we are looking at a type of individual who is disconnected from social ties and lacking in anytype of State- supplied social protection and therefore, cannot provide a universal standard of behaviorfor a society that seeks to attenuate social inequality.

KEYWORDS: Flexible Production; Precarization; Social and Ontological Insecurity;Entrepreneurship.

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CASE STUDIES IN RESEARCH ON ENVIRONMENTAL POLICIES: ADVANTAGES ANDLIMITATIONS

Andréa Steiner

The analysis of environmental issues in a political context is a topic that attracts growing attentionwithin Political Science, yet requires specific methodological considerations. One of methods that ismost frequently employed in research linked to environmental policy is that of case studies. Thepurpose of this article is to discuss the role of such a methodology within the sub-discipline. Somegeneral conceptual issues on the method and the advantages and disadvantages it offers are sketchedout. Furthermore, the study of environmental politics is distinguished from other research topicswithin Political Science, contextualizing its specific methodological needs and the role of case studiesin research on environmental politics is analyzed, looking at its inherent ambiguities, the advantagesand general limitations of the methodology and five forms of analysis and inference: covarianceanalysis, counterfactual analysis, causal process tracing and tests for congruence and comparisonof cases. Of these five approaches, two stand out as particularly relevant for political andenvironmental research, although they occupy almost opposite positions in terms of practicaladvantages and applicability: causal process tracing and counterfactual analysis. The complementaryuse of these and other approaches, whether in one or more studies on issues of environmentalpolicy, is extremely useful for the empirical and theoretical development of the sub-discipline.

KEYWORDS: Case Studies; Environmental Policy; Methodologies in Political Science; QualitativeMethodologies.

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NATURE RESERVES AS A MECHANISM OF STATE CONTROL

Gustavo Villela Lima da Costa

This article seeks an understanding of several aspects of the disputes and conflicts that emergearound the implementation of a Nature Reserve or Reserva Biológica (a conservation unit that ischaracterized by its particular restrictions on human presence) at Aventureiro Beach, on Ilha Gran-de, an island in the state of Rio de Janeiro. Our analytical perspective is based on the notion of theconstruction of a symbolic world focused on urban centers – the metropoles of nation-states –

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 303-309 OUT. 2010

L'ENTREPRENEUR DE SOI ET LA FLEXIBILISATION DANS LE MONDE DU TRAVAIL

Attila Magno e Silva Barbosa

L’existence sociale des individus, pour beaucoup de ses interprètes, soit par la voie de discoursreligieux, de discours politiques ou soit même par la voie de certains courants de la pensée sociologique,semble ne pas être possible sans l’existence de métarécits pour les donner du sens. Cet article visefaire une discussion théorique sur la construction discursive de l’entrepreneur de soi tant qu’unindividu capable de faire face aux changements rapides et radicaux qui ont lieu dans le monde dutravail avec l’avènement de la flexibilisation productive. Nous défendons l’hypothèse que cetteconstruction discursive ne présente pas un type d'individu potentiellement accessible à tous, car ilprésuppose la construction de soi sans les appuis d’un projet commun de société. En d’autrestermes, nous sommes devant un type d’individu séparé des domaines collectifs et sans aucun typede protection sociale fournie par l’Etat et, pour ça, sans possibilité d’être considéré comme unstandard universel de comportement dans une société qui cherche la diminution des inégalités sociales.

MOTS-CLES: production flexible; précarisation; insecurité sociale et ontologique; entrepreneur desoi.

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L’UTILISATION D’ETUDES DE CAS DANS DES RECHERCHES SUR LA POLITIQUE DEL’ENVIRONNEMENT: LES AVANTAGES ET LES LIMITATIONS

Andréa Steiner

L’analyse des questions de l’environnement dans un contexte politique est un domaine d’étude enplein essor dans la Science Politique, mais qui demande des considérations méthodologiquesspécifiques. L’une des méthodes les plus fréquemment utilisées dans les recherches liées à lapolitique de l’environnement, est l’étude de cas. L’objectif de cet article est de discuter le rôle decette méthodologie dans cette sous-discipline. Les questions conceptuelles générales sur la méthodesont délimitées, avec ses avantages et inconvénients; l’étude de la politique de l’environnement sedistingue des autres thèmes de recherche dans la Science Politique, en incluant ses nécessitésméthodologiques spécifiques; et on analyse le rôle des études de cas dans les recherches sur lapolitique de l’environnement, en abordant ses ambigüités inhérentes et les avantages et limitationsgénérales de la méthodologie et de cinq formes d’analyse et extraction de conséquences: analysede la moyenne, utilisation de contrefactuelles, processus causal de traçage et test de congruence etcomparaison entre cas. Parmi ces cinq approches, deux sont en évidence pour les recherchespolitiques et d’environnement, malgré le fait qu’elles occupent des positions pratiquement opposéespar rapport aux avantages pratiques et l’applicabilité: processus causal de traçage et utilisation decontrefactuelles. L’utilisation complémentaire de ces approches et d’autres, soit dans une étude ouplus, sur des thèmes de politique d’environnement, est extrêmement utile pour le développementempirique et théorique de cette sous-discipline.

MOTS-CLES: études de cas; politique d’environnement; méthodologie en Science Politique;méthodologie qualitative.

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LES RESERVES BIOLOGIQUES TANT QUE MECANISME DE CONTROLE D'ETAT

Gustavo Villela Lima da Costa

Cet article cherche à comprendre certains aspects des disputes et conflits qui surgissent à partir del’instauration d’une Réserve Biologique (Unité de Conservation plus restrictive par rapport à la