O DIÁLOGO SOCRÁTICO
Coleção Cátedracoordenada por gabriele Cornelli
• Platão: A construção do conhecimento José Gabriel Trindade Santos
• Introdução à “filosofia pré-socrática” André Laks
• A filosofia antes de Sócrates – Uma introdução com textos e comentárioRichard D. McKirahan
• Fílon de AlexandriaFrancesca Calabi
• Introdução à filosofia do mitoLuc Brisson
• A ética dos antigosMario Vegetti
• O diálogo socráticoLivio Rossetti
título originalLe dialogue socratique© 2011, Éditions les Belles lettres – collection encre MarineisBn: 978-2-35088-041-9
tradução: Janaína Mafratradução do posfácio: Nicola Galgano
direção editorial: Claudiano Avelino dos Santosassistente editorial: Jacqueline Mendes Fontescoordenador de revisão: Tiago José Risi Lemerevisão: Caio Pereiradiagramação: Dirlene França Nobre da Silvacapa: Marcelo Campanhãimpressão e acabamento: Paulus
© Paulus – 2015 RuaFranciscoCruz,229•04117-091•SãoPaulo(Brasil) Fax(11)5579-3627•Tel.(11)5087-3700 www.paulus.com.br•[email protected]
isBn 978-85-349-4240-9
1ª edição, 2015
DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)(CâmaraBrasileiradoLivro,SP,Brasil)
rossetti, livioOdiálogosocrático/LivioRossetti;[traduçãoJanaínaMafra].–SãoPaulo:Paulus,2015.–(ColeçãoCátedra)Títulooriginal:Ledialoguesocratique.
BibliografiaisBn 978-85-349-4240-9
1.Filosofia-História2.Filosofiaantiga3.Filósofospré-socráticos4.SócratesI.Título.II.Série.
15-07618 CDD-182
índices para catálogo sistemático:1.Pré-socráticos:Filosofiaantiga182
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SumáriO
aPresentação da coleção............................................................ 7
Prefácio à edição francesa, por François Roustang ..................................... 11
Prefácio à edição brasileira, por Livio Rossetti (inédito).............................. 15
Capítulo 1o diálogo socrático in statu nascendi ....................................................... 17Capítulo 2o Eutidemo de Xenofonte........................................................................... 49
Capítulo 3Saberimitaréconhecer,ocasodosMemoráveis iii 8................................. 95
Capítulo 4o Êutifron como acontecimento comunicativo......................................... 115
Capítulo 5OridículocomoarmanasmãosdeSócratesedeseusalunos................. 187
Capítulo 6AretóricadeSócrates................................................................................ 207
Capítulo 7o lado inautêntico do dialogar platônico................................................... 237
Capítulo 8Ossocráticos“primeirosfilósofos”eSócrates“primeirofilósofo”........... 257
Posfácioàediçãobrasileira:Sócrateseodiálogosocrático...................... 271–LauraCandiottoconversacomLivioRossetti(inédito)
fontes da edição francesa.......................................................... 297
BiBliografia......................................................................................... 299
índice de noMes................................................................................. 309
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APrESENTAÇÃO dA cOlEÇÃO
a Coleção Cátedra deriva seu nome da Cátedra UNESCO Archai: as origens do pensamento ocidental, que quis em-
prestaraestacoleçãosuafilosofiadetrabalhoesuasensibilidadeparaosestudosdasorigensdopensamentoocidental.
AUNESCO,patrocinandooGrupoArchai comosuaCá-tedra, e tornando-o membro da rede unitWin da UNESCO Chairs,reconheceuoimpactocientíficodesuasdiversasativida-des.Defato,Archaiatuahámaisdeumadécadacomocentrodeconsolidação de pesquisas, organização de cursos e seminários, epublicaçãode livrose revistas,comforteatuaçãonoâmbitonacional e internacional, procurando construir uma abordagem interdisciplinar que permita fazer compreender a filosofia antiga emseucontextopolítico,econômico,religiosoeliterário.
em parceria com a Paulus, editora renomada e de grande alcance no mercado editorial brasileiro, a coleção visa disponi-bilizar, para um público brasileiro de especialistas e interessa-dos, cada dia mais amplo e exigente, monografias, comentários, traduções, compêndios e obras temáticas que explorem o vasto campodopensamentoocidentalemsuasorigensgreco-romanas.
Gabriele Cornelli
diretor da coleção cátedraCoordenadordaCátedraUNESCOArchai
www.archai.unb.br
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PrEfáciO à EdiÇÃO frANcESA
em busca da figuradeSócrates,cruzei,umpoucoporacaso,comumacontribuiçãoemumcolóquio.Elaera
intitulada:“Oladoinautênticododialogarplatônico”.Pareiparareler e, comonão tinhameenganado, pensei que algopoucocomumtinhairrompidonopequenomundodosestudosplatô-nicos.Nãofuidecepcionadopelaleituradotexto.Alémdopra-zer de encontrar a impertinência em um meio tão afetado, eu descobria a força e a leveza de um comentador que fazia ressoar odiscursoplatôniconamultidãodeseusharmônicos.Eraumespecialista que falava, ele mostrava sua familiaridade tanto com oconjuntoquantocomodetalhedosdiálogos.Mas,maisainda,eraumleitorimpiedosoquepediarazõesaoautor,nãolhedavacréditoepodia,porconseguinte,pesarovalordosargumentos.Éramos convidados a uma leitura crítica de nível mais profundo, arevelarosvolteiosedesviosdofilósofo,aapreendertodasasfacetas de sua arte, a descobrir que ele não está lá apenas para buscaraverdadeedizê-la,masqueseadiz,étambémnosdes-viandonessapesquisamesmaparanosfazeracreditarqueelaédesvendadaapenasquandoéescondidamelhor.
LivioRossettiinventouumanovachavedeleituraaomos-trarqueosdiálogosplatônicossedesenvolvememdoisníveis.Àretóricadodiscursomanifestoseacrescentaumaoutra,queelechamade“macrorretórica”.Trata-seaídetrazeràluzaatmosferana qual um diálogo imerge, uma atmosfera que o envolve para lhedaroutrossentidosqueescapamaospreconceitoscomuns.O
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leitor na maioria das vezes não a percebe, ainda que ela sirva para proteger as formulações que sem ela pareceriam muito frágeis ou para impedir o leitor de alcançar uma autonomia de pensamento quandotudoparecefeitoparaautorizá-la.Essamacrorretóricanão deve ser confundida com o quadro narrativo que permanece exterioràsconversastidas.Aindaquenãosedeixedetectarfacil-mente, ela não se insinua menos no movimento do pensamento para abri-lo a uma variedade de interpretações verdadeiras ou falsas. Rossetti torna evidente que os comentadores escolhemmuitorápidoentreaquelasquesãopossíveis.
Oleitorquenãoésensívelaesseinvólucrododiscursonãopode deixar de situar no mesmo plano e de considerar com a mes-maseriedadetodasasconversasacontecidas.Ora,aoobservá-las,graçasaoprismadessamacrorretórica,algumasargumentaçõespa-recemfracasealgumasafirmações,nitidamentefalsas.Oinvólucroestáláparaapagarafraquezaeafalsidade.Daíaevidênciadequeháum“ladoinautênticododialogarplatônico”.Oquepoderiaserinterpretado não como uma falta cometida contra alguma regra moral,mascomoummodoparticulardefilosofar.Segundoumainclinação irresistível, o leitor busca reconstituir uma doutrina sem suspeitardequeémanipuladosemcessaraserlevadoaadmitircomoverdadeiroedefinitivooqueaindaéduvidosoouparcialequecontinuaráassim.Trata-se,então,delheensinaradesconfiareapercorrerosdédalosnosquaisoautoroconduz.Oquepoderiatercomoconsequênciaumainteligêncianovadadoutrinaplatônica.
rossetti não descobriu apenas a necessidade de trazer à luz umamacrorretórica,eleresolveuumproblemaquepareciain-solúvel,aqueledadita“questãosocrática”.OsséculosanterioresprocuraramdeterminarquemfoioverdadeiroSócrates.Podia-sedarcréditoaAristófanes,umcontemporâneoquetinhaconheci-dobemocotidianodeSócratesemAtenas,queotinhaencontra-doeouvidofalardele.MasoretratoqueAristófanesfazdeSócra-tesétãocaricaturalqueseéforçadoatomardistânciadele.Haviaainda,certamente,Platão.Massabe-sequeafiguradeSócratesfoiutilizadapelofilósofocomosuportedeseuprópriopensamento.OndetraçarumalinhadedivisãoentreoSócrateshistóricoeo
Prefácio à edição francesa
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porta-vozouomito?Pareciapreferívelapoiar-seemXenofonte.Tratava-sedeumhistoriadorehavia,então,motivoparadarcré-ditoaele.Masreconheceu-sequeasdeclaraçõesdeXenofonteerammuitomarcadas por sua perspectiva apologética.O quefazer comessa variedadede pontos de vista?Oshistoriadoresmodernos,quequeremtomarporbaseapenasostestemunhosdos quais se deve poder mostrar a validade por reconstituições, renunciaramacontinuarsuaspesquisas.ElesconcluemdaíquejamaissesaberáquemfoioSócratesdahistória,vistoquecadaumreconstróisuaimagemaseubel-prazer.
ÉnessecontextodeconfusãoqueRossetti intervém,pro-pondoparaasoluçãoda“questãosocrática”umaviadeacessocompletamentediferente,claraeincontestável:passarparaahis-tóriadosgênerosliterários.Oqueissoquerdizer?Aspesquisasmostraramque,durantemaisdevinteanos,nocomeçodoséculoquartoantesdenossaera,istoé,apósamortedeSócrates,cen-tenasdediálogosforamescritosaomodosocrático.Essaspubli-cações invadiram o campo da literatura a ponto de extenuar as produçõesteatraisqueastinhamantecedidoequeeramomododeexpressãoliteráriadaépocaanterior.Comonãohápossibili-dadealgumadenãoligaràpessoadeSócratesessefenômenodeedição,éprecisoconcluirdaíqueSócrateséocriadordogêneroliterário“diálogosocrático”.Ora,issobastaparaencontrar,comoRossettidiz,Sócrates“emcarneeosso”,parafazeroretratodessafigurae,então,resolvera“questãosocrática”.
continua-se, então, a insistir na natureza do “diálogo socráti-co”.Maisconcretamente,vistoqueSócrateséodiálogosocráticoempessoa,deve-seperguntar:comoSócratesdialoga?Rossettires-pondeàperguntademodomagistralnoquechamadeoEutidemo de Xenofonte, um diálogo contado nos Memoráveis que ele isola parafazerdeleumaréplicadeumdiálogoplatônico.Vê-seaícomoépostaempráticaamacrorretórica,comoSócratespreparahabil-mente o encontro ou, mais exatamente, como prepara o interlo-cutor para o encontro, como monta artificiosamente uma armadi-lhaindetectávelecomoasenxurradasdeperguntassãosucedidas,moduladas e inventadas em função das reações de Eutidemo.Um
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diálogoantológiconoqualsãovisíveistodososdomíniosdodiálo-go socrático, da encenação sedutora ao abandono do interlocutor naaflição.AlémdarevelaçãodeumXenofontedesconhecido,ocomentáriorevelaarelaçãooriginalqueSócratesmantémcomafilosofia.QuandoselêapenasPlatão,tem-sedificuldadededesven-cilhar-sedaimagemdeumSócratesque,apesardosdesvios,visaàinstituiçãodeumadoutrina.SobapenadeXenofonte,entretan-to,descobre-seumSócratesquesesupunha,masdoqualnãosepodemaisduvidar,ouseja,umSócratescujabenevolêncianãoéexcessiva,quefazointerlocutorsofrerumtratamentodechoquee que não está muito preocupado com os meios que utiliza para alcançaressefim.Estávamosacostumadosaverneleumindivíduoparticularmente atento aos outros, adotando facilmente seu modo depensarparamelhorconduzi-losàvirtude.Ora,algumaspáginasdeRossettibastamparadesmitificarafigura.Sócratesjogacomseusprotagonistasezombadelesmuitasvezes.Nãosedevemaisadmirar-se de que sua sutileza sem limite possa coabitar com a arrogânciaoucomoprazerderidicularizar.
SeriapossívelextrairdostrabalhosdeRossettialgumascon-sequências.Adescobertadamacrorretóricadeveria levaraumareinterpretaçãodafilosofiadePlatãoatravésdadeSócrates.Pensa--se muitas vezes que essa última seria a busca de uma resposta à pergunta“oqueé?”avirtude,ajustiça,apiedade.Masseodiálo-gosocráticoécompletamenteorientadopelaexperiênciadacon-fusão,doembaraçoedavergonha,afilosofiaéumapráticaquereclamaumamodificaçãodomododeviver.Aaporiaqueestánofinaldealgunsdiálogosnãoémaisumafantasiasupérfluadaqualalgunscomentadoresqueremminimizaroalcance.ElaénecessáriaaodiálogocomogêneroliterárioinventadoporSócratesealcançaaimpossibilidadedesabercomoresultadoinelutáveldotrabalhodepensamento.Adoutrinateriasuaimportânciasomenteporqueseriasemprematériaindispensávelparaoquestionamento.
F. RoustangParis, dezembro de 2010.
Prefácio à edição francesa
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PrEfáciO à EdiÇÃO brASilEirA
eis um livro que não se limita a reproduzir fielmente o original francês.Meu texto apresenta-se com seus
limites, assim como, espero, seu grau de vitalidade, mas conti-nuamedianteumaquinzena de páginas inéditas, sob a formade diálogo sobre o diálogo. LauraCandiotto, daUniversidadede veneza, quis muito voltar ao Diálogo socrático e, no intervalo de dois anos, explorou-se o que esse livro não diz, continuou-se sobretudoaexploraçãodoassuntoSócrates+diálogosocrático,temaqueconsideroumlaboratórioaberto.
Poistem-seaimpressãodequeháaindamuitoadescobrir(ouaomenosnotar)ecompreender,diantedocostumetãocorrentedebuscarSócratesondeelenãoseencontra(antesdetudo,nasdoutrinas,comoseelefosseumprofessoraomododeAristóteles!),de argumentar que os socráticos diferem notavelmente uns dos outros(semdiscernirseelesdiferememsuamaneiradeesboçarumretratodeSócratesousoboângulodasdoutrinasquecadaumdelesdesenvolve)ouderenunciarafalardeSócratesporlimitar-seaointeressepeloSócratesdePlatão(comosefosseimpossívelfazermelhordoqueisso).Eistantasmaneirasdesubavaliaracomplexi-dadedeumassuntoverdadeiramentedifícil.Assuntocujadificul-dade,emgeral,nãoconsisteemdefrontar-secomtextosinéditos(porexemplo,papirosnovos),masemalcançar,notar,nãodeixarescaparoqueseapresentabemclassificadoemnossasfontes.
Quantoamim,esseassuntoaindanãocessa degerarumasensação de agradável surpresa, já que, de tempos em tempos,
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Prefácio à edição brasileira
ocorre-metomarconsciênciadecoisasquetinhammeescapado,como,porexemplo,umladoconhecidohámuitotempo(vistoquemuitobemtestemunhadopornossasfontes),masqueconti-nuoudesapercebidoatéoséculoXXI(éocasodealgumas “confi-dências”dofilósofo, dasquais se faladurante a conversa comCandiotto).
Por sua vez, a presente tradução – pela qual agradeço calo-rosamente ao claudiano avelino dos santos, da Paulus editora, e àJanaínaMafra(daUFMG)comotradutoracompetenteepene-trante–ébemvindanãosóporelamesma,mastambémpelofatode me assegurar a possibilidade de uma atualização diante de uma pesquisa que, tendo começado em 1970, ainda está em curso, portanto, pela possibilidade de levar em conta outros aspectos de um assunto bastante complicado e de deixar a porta aberta à continuidadedeumainvestigaçãodelongofôlego.
L. RossettiPerugia, janeiro 2014.