O CONTRATO-PROMESSA SINALIZADO COM ENTREGA DE COISA NA INSOLVÊNCIA ANA FILIPA RIBEIRO SANTOS Trabalho realizado sob a orientação do Professor Doutor Luís Miguel Pestana de Vasconcelos MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICO-PRIVATISTICAS | JULHO 2011
O CONTRATO-PROMESSA SINALIZADO COM ENTREGA DE COISA NA INSOLVEcircNCIA
ANA FILIPA RIBEIRO SANTOS Trabalho realizado sob a orientaccedilatildeo do Professor Doutor Luiacutes Miguel Pestana de Vasconcelos
MESTRADO EM CIEcircNCIAS JURIacuteDICO-PRIVATISTICAS | JULHO 2011
O contrato-promessa sinalizado com entrega de coisa na insolvecircncia
Com o presente estudo pretende-se analisar a disciplina juriacutedica aplicaacutevel aos efeitos da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizado com entrega de coisa
procurando-se determinar essencialmente em que medida e de que forma o sistema juriacutedico
estabelece o equiliacutebrio entre o interesse imanente agrave tutela das expectativas e direitos da
contraparte do insolvente e aquele que eacute o veacutertice primacial do regime legal da insolvecircncia a
defesa dos interesses patrimoniais dos credores
Encetaremos assim o nosso trabalho por uma breve incursatildeo no regime geral dos efeitos
da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso concentrando o nosso estudo no
acircmbito e regime legal do artigo 102ordm do Coacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de
Empresas Seguidamente centrar-nos-emos na anaacutelise do acircmbito concreto desses efeitos no
contrato-promessa sinalizada com tradiccedilatildeo da coisa com eficaacutecia real e com eficaacutecia
meramente obrigacional
Seratildeo os contratos-promessa com eficaacutecia meramente obrigacional que suscitaratildeo as
questotildees mais relevantes e controversas da nossa exposiccedilatildeo designadamente no que tange ao
acircmbito e regime do direito indemnizatoacuterio do promitente-comprador bem como agraves eventuais
garantias ndash especificamente o direito de retenccedilatildeo - questotildees estas que tecircm levantado inuacutemeras
vozes doutrinais e jurisprudenciais dissonantes perante as quais procuraremos tomar posiccedilatildeo
A resposta a estas questotildees passaraacute ainda pela exegese das normas insolvenciais e
civiliacutesticas atinentes ao regime do contrato-promessa designadamente atraveacutes da
consideraccedilatildeo dos interesses que o legislador teve em vista ao dispor sobre aquele regime bem
como pela busca sempre circunscrita pelo teor daquelas normas de um equiliacutebrio na
composiccedilatildeo justa dos referidos interesses
A nossa reflexatildeo natildeo deixaraacute de assacar as inevitaacuteveis criacuteticas agrave falta de perceptibilidade
e transparecircncia da lei insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em
curso a qual gera escusadas obscuridades interpretativas potenciadoras de situaccedilotildees de grave
injusticcedila que urge pugnar por esclarecer o que se torna ainda mais premente face ao aumento
exponencial do nuacutemero de processos de insolvecircncia ao longo dos uacuteltimos anos
Promissory contract with down payment and delivery on insolvency
As an introduction the object of this study is to analyze the legal framework that
applies to the declaration of insolvency effects on the promissory contract with down payment
and delivery by trying to determine essentially in what measure and in what way the legal
system establishes a balance between the interests of safeguarding the inherent rights and
expectations of the insolvent counterparty and that which is the main vertex of the
insolvencyrsquos legal regime the defense of the creditors patrimonial interests
Thus wersquoll begin our report by a brief review on the legal regime of the declaration of
insolvency effects on the ongoing businesses focusing our attention on the scope and legal
regime of the article 102ordm of the Coacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Next
wersquoll analyze the specific extent of those effects on the promissory contract with down
payment and delivery with and without erga omnes effects
Those promissory contracts without erga omnes obligations will be the ones which will
elicit the most relevant and controversial issues of our report particularly regarding the scope
and legal regime of the compensatory right of the promisor-buyer as well as the eventual
guarantees - specifically the right to withhold - issues that have raised numerous doctrinal
and jurisprudential dissonant voices on which wersquoll try to take a stand
The answer to these questions will further require the exegesis of civil and insolvencial
law regarding the promissory contract regime specifically through the observation of the
interests that the legislator had in mind when he established those regime as well as through
the search always restricted by the content of those standards for a fair balance in the
composition of those interests
Our study will certainly remark the inevitable critiques to the lack of transparency and
intelligibility of the insolvencial law regarding the ongoing promissory contracts which
generates unnecessary interpretative difficulties that may cause serious situations of
unfairness that urgently need to be clarified This becomes even more urgent before the major
increase in the number of insolvency proceedings over the past few years
O CONTRATO-PROMESSA SINALIZADO COM ENTREGA DE COISA
NA INSOLVEcircNCIA
IacuteNDICE
I ndash INTRODUCcedilAtildeO---------------------------------------------------------------------------------------1
II - Efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso-----------------------------4
1 - Acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 102ordm CIRE---------------------------------------------------------4
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE-----------------------------------------------------6
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei------------11
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia----------------------------12
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real---------------------------------------------------------12
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional---------------------------------15
121 Efeitos da recusa do cumprimento-------------------------------------------------------------16
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio------------------------------------------------------------------------17
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE------------------------------------------------20
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada-----------------------------------------------------23
1212 Direito de Retenccedilatildeo----------------------------------------------------------------------------27
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil-----------------------29
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de cumprimento pelo
administrador---------------------------------------------------------------------------------------------33
IV ndash CONCLUSAtildeO-------------------------------------------------------------------------------------37
BIBLIOGRAFIA----------------------------------------------------------------------------------------41
1
I - INTRODUCcedilAtildeO
O Coacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas1 aprovado pelo Decreto-Lei
532004 de 18 de Marccedilo veio introduzir alteraccedilotildees substanciais no regime da insolvecircncia A
mais significativa foi indubitavelmente aquela que o Preacircmbulo daquele Decreto-Lei refere
como ldquouma mais correcta perspectivaccedilatildeo e delineaccedilatildeo das finalidades e da estrutura do
processo a que preside uma filosofia autoacutenoma e distintardquo e que sinteticamente se define
na seguinte asserccedilatildeo ldquoO objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a
satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo
Surge assim como caracteriza OLIVEIRA ASCENSAtildeO um ldquoterremoto no sistema em
vigorrdquo2 na medida em que abandonando o regime vigente no Coacutedigo dos Processos
Especiais de Recuperaccedilatildeo da Empresa e de Falecircncia3 em que se dava prioridade agrave
recuperaccedilatildeo da empresa sobre a falecircncia (como ademais o proacuteprio tiacutetulo do corpo legislativo
indiciava) estabelecendo como finalidade preciacutepua do processo insolvencial a protecccedilatildeo do
insolvente e a manutenccedilatildeo da empresa passa-se a dar prioridade agrave satisfaccedilatildeo dos interesses
dos credores ndash sendo estes em uacuteltima instacircncia quem decide pelo encerramento da empresa
ou pela manutenccedilatildeo da sua actividade tendo sempre em vista qual dos meios eacute mais
conveniente agrave satisfaccedilatildeo dos seus interesses
Neste contexto a tutela dos interesses patrimoniais dos credores e o princiacutepio par
conditio creditorum conduzem e marcam a todo o passo o regime legal da insolvecircncia E eacute no
fraacutegil equiliacutebrio entre o interesse comum dos credores e a tutela dos direitos individuais das
contrapartes do insolvente no acircmbito de um contrato-promessa sinalizado e com entrega de
coisa que encontramos a temaacutetica que ora pretendemos abordar
Assim procura-se compreender quais os efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nesse
contrato-promessa caminho que natildeo se adivinha faacutecil natildeo soacute porque o capiacutetulo do CIRE que
rege os efeitos da insolvecircncia nos negoacutecios em curso foi uma profunda inovaccedilatildeo
relativamente ao anterior CPEREF como sublinha PESTANA DE VASCONCELOS quando
afirma que esta mateacuteria ldquofoi uma daquelas em que maiores alteraccedilotildees foram introduzidas e
tambeacutem onde mais perto se nota a sombra da Insolvenzordnung no que constitui um motivo
1 De ora em diante designado por CIRE 2 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo in Themis 2005 ediccedilatildeo especial Almedina Coimbra pp 105 e ss p 111 3 De ora em diante designado por CPEREF
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adicional para o seu estudordquo4 mas tambeacutem porque a lei neste domiacutenio particular apresenta-se
complexa e lacunosa exigindo ao inteacuterprete um esforccedilo exegeacutetico substancial que tem dado
origem a exposiccedilotildees doutrinais e jurisprudenciais divergentes e mesmo contraditoacuterias
Natildeo obstante o aumento exponencial do nuacutemero de processos de insolvecircncia
consequecircncia do clima de crise econoacutemica que tatildeo intensamente assola o paiacutes justifica a
necessidade de um conhecimento profundo sobre o regime da insolvecircncia ndash e o facto dos
sectores de actividade mais atingidos pela crise econoacutemica serem precisamente o sector
imobiliaacuterio e o da construccedilatildeo civil cujas empresas (promitentes-vendedores em diversos
contratos-promessa celebrados e natildeo cumpridos) se vecircm frequentemente arrastadas para
situaccedilotildees de insolvecircncia imprime ao presente estudo uma proficiecircncia praacutetica indiscutiacutevel
Por outro lado o facto de estarem em causa contratos-promessa em que jaacute houve tradiccedilatildeo da
coisa e prestaccedilatildeo de sinal pelo promitente-comprador gera uma necessidade acrescida de
tutela de expectativas e direitos da contraparte sobretudo se tivermos em linha de conta que
na maioria dos casos e como nos mostra a experiecircncia o promitente-comprador seraacute um
consumidor e o objecto do contrato seraacute um edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma para sua habitaccedilatildeo
A temaacutetica que nos propomos abordar no presente relatoacuterio eacute assim a dos efeitos da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia no contrato-promessa sinalizado com entrega de coisa Como
decorre naturalmente da natureza do estudo centrar-nos-emos sobretudo no caso da
insolvecircncia do promitente-vendedor ndash natildeo apenas por ser aquela que sucede com mais
frequecircncia mas tambeacutem porque eacute a que levanta um maior nuacutemero de duacutevidas e contendas
juriacutedicas mas ainda pela imperiosidade de protecccedilatildeo e tutela da posiccedilatildeo juriacutedica do
promitente-comprador que seraacute na maioria das vezes a parte mais deacutebil da relaccedilatildeo contratual
O problema central a desenvolver eacute evidentemente o dos efeitos da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia na esfera da contraparte da insolvente no acircmbito de um contrato-promessa
sinalizado com entrega de coisa Para cuidar este tema iniciaremos uma breve incursatildeo no
regime geral dos efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso centrando a
nossa reflexatildeo no acircmbito e regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE Posteriormente
analisaremos concretamente qual o acircmbito concreto desses efeitos no contrato-promessa
sinalizada com tradiccedilatildeo da coisa com eficaacutecia real e com eficaacutecia meramente obrigacional
Relativamente a estes uacuteltimos centraremos a nossa reflexatildeo nos efeitos da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor no que tange ao direito indemnizatoacuterio do promitente-
4 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto III (2006) pp 521 e ss p 523
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comprador e eventuais garantias que tutelem esse direito procurando tomar posiccedilatildeo sobre as
inuacutemeras vozes doutrinais e juriprudenciais dissonantes que se tecircm vindo a manifestar sobre a
questatildeo
Estamos certos que muito ficaraacute por dizer sobre este tema que pela sua complexidade e
amplitude tem vindo a gerar posiccedilotildees diacutespares na doutrina e na jurisprudecircncia e a suscitar
profundas reflexotildees juriacutedicas que atendendo aos paracircmetros da presente exposiccedilatildeo natildeo
poderatildeo ser abordadas em toda a sua dimensatildeo Todavia tentaremos fazer uma abordagem o
mais ampla e completa possiacutevel remetendo sempre que possiacutevel para a jurisprudecircncia
existente e para a bibliografia dos Autores que se ocuparam das questotildees sobre os quais ora
iremos dissertar
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II - Efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso
A declaraccedilatildeo de insolvecircncia desencadeia os efeitos regulados no Tiacutetulo IV do CIRE o
qual se reparte por cinco capiacutetulos sendo que os quatro primeiros regulam sucessivamente
os efeitos sobre o devedor e outras pessoas (artigo 81ordm e ss) os efeitos processuais (artigo 85ordm
e ss) os efeitos sobre os creacuteditos (art 90ordm e ss) os efeitos sobre os negoacutecios em curso (art
102ordm e ss) e por uacuteltimo a resoluccedilatildeo em benefiacutecio da massa dos negoacutecios juriacutedicos
celebrados pelo insolvente (art 120ordm e ss)
Os principais efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia satildeo sobejamente conhecidos por
qualquer jurista pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia o insolvente eacute privado dos poderes de
disposiccedilatildeo e administraccedilatildeo dos seus bens presentes e futuros que passam a integrar a massa
falida poderes esses que passam a competir ao administrador da insolvecircncia todos os bens
susceptiacuteveis de penhora ainda que tenham sido penhorados arrestados ou por qualquer forma
apreendidos ou detidos noutro processo satildeo apreendidos vencem-se todas as obrigaccedilotildees do
falido entre outros
Atendendo ao tema que nos propomos tratar centrar-nos-emos apenas na disciplina
juriacutedica dos negoacutecios em curso actualmente prevista nos artigos 102ordm e seguintes do CIRE e
que podemos definir como ldquorelaccedilotildees juriacutedicas jaacute constituiacutedas incumpridas total ou
parcialmente por um ou por ambos os titulares ou mesmo relaccedilotildees juriacutedicas duradouras (por
exemplo o arrendamento o contrato de trabalho a associaccedilatildeo em participaccedilatildeo) cujo
denominador comum reside na necessidade de um regimen falencial particular (de
manutenccedilatildeo de extinccedilatildeo ou ateacute de suspensatildeo de cumprimento integral ou de cumprimento
rateadordquo5
1 - Acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 102ordm CIRE
O artigo 102ordm CIRE propotildee-se estabelecer nos termos da sua epiacutegrafe um ldquoprinciacutepio
geral quanto a negoacutecios ainda natildeo cumpridosrdquo Relativamente a esta mateacuteria o CPEREF
nos seus artigos 161ordm e seguintes havia optado por uma regulaccedilatildeo casuiacutestica para diversos
negoacutecios juriacutedicos tipificados natildeo prevendo qualquer princiacutepio geral que regulasse os
5 A definiccedilatildeo eacute de MARIA DO ROSAacuteRIO EPIFAcircNIO (ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo Universidade Catoacutelica Porto 2000) e foi elaborada agrave luz do CPEREF mas pensamos que manteacutem a sua actualidade face ao CIRE
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negoacutecios juriacutedicos em curso Esta soluccedilatildeo foi no entanto ao longo da vigecircncia do CPEREF
alvo de diversas vozes criacuteticas6
Nessa medida a norma prevista no mencionado artigo 102ordm constitui uma inovaccedilatildeo face
ao regime anterior7 Todavia parece-nos que a epiacutegrafe deste artigo seraacute demasiado
pretensiosa relativamente ao seu verdadeiro acircmbito ndash uma leitura atenta do seu teor permite
compreender o seu restrito acircmbito de aplicaccedilatildeo jaacute que a soluccedilatildeo nele consagrada apenas se
aplica a contratos sinalagmaacuteticos em que natildeo haja ainda total cumprimento nem pelo
insolvente nem pela outra parte contratual
Do seu acircmbito ficam portanto excluiacutedos ldquoos negoacutecios unilaterais os contratos
unilaterais os contratos bilaterais imperfeitos assim como aqueles contratos bilaterais
signalamaacuteticos em que uma das partes jaacute tenha cumprido na iacutentegrardquo8 Esta exclusatildeo natildeo eacute
de todo despicienda porquanto se reveste de uma importacircncia praacutetica manifesta
Efectivamente ldquoActos muito importantes da vida corrente satildeo negoacutecios juriacutedicos unilaterais
Eacute-o a promessa puacuteblica e ateacute a proposta simples de contrato eacute-o o negoacutecio cambiaacuterio satildeo-
no mesmo os negoacutecios em mercados de capitais (hellip)9 Nesta conformidade estamos de acordo
com MENEZES LEITAtildeO quando propugna que ldquouma norma sobre contratos bilaterais
6 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoEfeitos da Falecircncia sobre a Pessoa e os Negoacutecios do Falidordquo in Revista da Ordem dos Advogados III ano 55 Dezembro 1995 pp 641 e ss p 658 7 Dado o caraacutecter naturalmente sucinto do presente relatoacuterio natildeo tem aqui cabimento uma anaacutelise da evoluccedilatildeo histoacuterica do regime em estudo Dir-se-aacute apenas que no regime do CPC vigente ateacute agrave entrada em vigor do CPEREF em 1993 se encontrava tambeacutem prevista um princiacutepio geral relativo aos contratos bilaterais do falido no seu artigo 1197ordm Diversamente o CPEREF nos seus artigos 161ordm e seguintes optou por uma soluccedilatildeo casuiacutestica estabelecendo um regime particular para negoacutecios juriacutedicos tipificados 8 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 537 9 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo op cit pag 111 Este autor defende a aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime previsto no artigo 102ordm aos negoacutecios juriacutedicos unilaterais e aos contratos unilaterais propugnando que ldquoSe o que se assegura eacute um tempo de espera em que se pondera se o cumprimento eacute ou natildeo beneacutefico para a situaccedilatildeo decorrente da insolvecircncia entatildeo do mesmo modo parece aqui conveniente a suspensatildeo A comum natureza de negoacutecio juriacutedico associada agrave ratio legis ampara bem esta soluccedilatildeordquo salientando no entanto que ldquoa aplicaccedilatildeo eacute analoacutegica uma vez que natildeo haacute razatildeo para pretender que o legislador disse menos que o que queriardquo Contra a descrita interpretaccedilatildeo manifestou-se Menezes Leitatildeo expondo que ldquonatildeo vemos que a analogia se justifiquerdquo (novo pag 182) Cremos que assiste razatildeo a este uacuteltimo Autor Efectivamente a justificaccedilatildeo para a suspensatildeo dos contratos bilaterais eacute precisamente a existecircncia do sinalagma conforme explica ainda Menezes Leitatildeo ldquoCorrespondendo no entanto esses negoacutecios em curso a contratos bilaterais o sinalagma leva a que a outra parte natildeo seja obrigada a cumprir se o insolvente natildeo o fizer Ora como o cumprimento desses contratos pode ser conveniente aos interesses da massa concede-se ao administrador a possibilidade de optar entre o cumprimento do contrato e a sua recusa consoante for ou natildeo conveniente para a massardquo Assim se natildeo nos faltaratildeo exemplos de situaccedilotildees no acircmbito de contratos bilaterais em que seja conveniente para a massa o cumprimento do contrato apesar da declaraccedilatildeo de insolvecircncia por ter interesse na realizaccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo jaacute dificilmente tal sucederaacute no acircmbito de um negoacutecio juriacutedico unilateral porquanto a massa insolvente natildeo eacute neste caso credora de qualquer prestaccedilatildeo Parece-nos assim de iure constituendo que natildeo seria desapropriada a configuraccedilatildeo de uma norma que previsse o princiacutepio geral de extinccedilatildeo automaacutetica de negoacutecios juriacutedicos unilaterais e contratos unilaterais (em que fosse obrigado o insolvente obviamente jaacute que a situaccedilatildeo inversa cairia no acircmbito do artigo 91ordm do CIRE)
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dificilmente pode ser elevada agrave categoria de princiacutepio geral uma vez que os contratos natildeo
sinalagmaacuteticos ficam de fora e em relaccedilatildeo a estes natildeo aparece qualquer regimerdquo10 A isto
acresce ainda como assinala o mesmo Autor11 o facto de ser rara a hipoacutetese de natildeo haver de
nenhuma das partes cumprimento total do contrato
Por outro lado haacute ainda que ter em linha de conta que a disposiccedilatildeo normativa do nordm 1
do artigo 102ordm ressalva logo no seu iniacutecio ldquoSem prejuiacutezo do disposto nos artigos seguintesrdquo
o que equivale por dizer que a norma aqui prevista acaba por gozar de caraacutecter supletivo face
agrave regulaccedilatildeo particular do destino de negoacutecios juriacutedicos em curso nos artigos 104ordm a 118ordm do
CIRE ao inveacutes da forccedila de princiacutepio geral que o legislador aparentemente lhe quis atribuir
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE
O princiacutepio geral quanto aos negoacutecios ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia estabelecido no nordm 1 do artigo 102ordm CIRE eacute a suspensatildeo do cumprimento ateacute que
o administrador da insolvecircncia declare optar pela execuccedilatildeo ou recusar o cumprimento Assim
no que tange aos contratos bilaterais ainda natildeo integralmente cumpridos pelas partes agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia a lei determina um princiacutepio geneacuterico da manutenccedilatildeo daqueles
num estado de suspensatildeo ateacute ao exerciacutecio do direito de opccedilatildeo pelo administrador Trata-se de
uma suspensatildeo transitoacuteria que tem como funccedilatildeo conceder ao administrador da insolvecircncia o
periacuteodo de tempo necessaacuterio agrave ponderaccedilatildeo da conveniecircncia do cumprimento do contrato para
os interesses da massa
A opccedilatildeo pelo cumprimento ou pela recusa concedida ao administrador da insolvecircncia
natildeo eacute livre na medida em que seraacute sempre norteada pela defesa dos interesses da massa
Efectivamente e como esclarece GRAVATO MORAIS ldquoA ldquoopccedilatildeordquo por uma ou outra via
pressupotildee a devida ponderaccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia da situaccedilatildeo concreta agrave luz
dos interesses da massa e em vista da satisfaccedilatildeo dos credores da insolvecircncia natildeo tendo
portanto total liberdade para se pronunciar num ou noutro sentidordquo12 Pode assim dizer-se
que a faculdade de opccedilatildeo do administrador eacute tendencialmente livre tendo em conta as funccedilotildees
10 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo in ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresasrdquo publicaccedilatildeo do Ministeacuterio da Justiccedila Gabinete de Poliacutetica Legislativa e Planeamento Coimbra Editora 2004 pp 61 e ss p 118 11 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118 12 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo Cadernos de Direito Privado nordm 29 JaneiroMarccedilo 2010 pp 3 e ss p 7
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que lhe satildeo cometidas pelo artigo 55ordm do CIRE no acircmbito das quais ela estaacute ainda iacutensita Natildeo
podemos assim olvidar que toda a actuaccedilatildeo do administrador eacute pautada pelo superior interesse
da massa insolvente13 conforme bem resumem LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA
quando esclarecem que ldquoO administrador deve prover ao exerciacutecio de todos os direitos de
caraacutecter patrimonial que integram a massa e garantir dentro das possibilidades a melhor
rentabilidade dos bens apreendidos de sorte a que no miacutenimo ela cubra a inflaccedilatildeo deve
obviar agrave realizaccedilatildeo de despesas e agrave contenccedilatildeo de encargos desnecessaacuterios ou que natildeo gerem
um retorno pelo menos equivalente a valores actualizados e deve promover a alienaccedilatildeo
dos bens pelos meios e modos que em concreto se mostrem mais adequados agrave maximizaccedilatildeo
do valor dos mesmosrdquo14
Nesta conformidade este direito natildeo pode ser exercido de forma arbitraacuteria ou leviana -
na base da decisatildeo do administrador deveraacute estar sempre a anaacutelise da opccedilatildeo ser mais
favoraacutevel aos interesses da massa e acima de tudo se essa opccedilatildeo natildeo prejudica tais interesses
de forma relevante15 Os credores satildeo no acircmbito do CIRE os titulares do principal direito que
o processo insolvencial visa acautelar que mais natildeo eacute que o pagamento dos respectivos
creacuteditos Por forccedila dessa sua posiccedilatildeo eacute a vontade dos credores que comanda todo o processo
Por outro lado a escolha do administrador da insolvecircncia encontra-se ainda
condicionada pelo disposto no nordm 4 do artigo 102ordm que dispotildee que ldquoa opccedilatildeo pela execuccedilatildeo eacute
abusiva se o cumprimento pontual das obrigaccedilotildees contratuais por parte da massa insolvente
for manifestamente improvaacutevelrdquo Estabelece-se assim um limite definitivo agrave ponderaccedilatildeo dos
interesses em causa pelo administrador da insolvecircncia limite que OLIVEIRA ASCENSAtildeO
caracteriza como um verdadeiro ldquodever de recusar o cumprimentordquo16 Conforme esclarecem
13 Como ensina MENEZES LEITAtildeOldquoO administrador da insolvecircncia tem essencialmente como funccedilotildees assumir o controlo da massa insolvente proceder agrave sua administraccedilatildeo e liquidaccedilatildeo e repartir pelos credores o respectivo produto finalrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2011 p 122) 14 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo Lisboa Quid Juris 2005 p 257 15 Tais criteacuterios emanam da proacutepria natureza e finalidades prosseguidas com o processo de insolvecircncia fixados no preacircmbulo do Decreto-Lei 522004 de 18 de Marccedilo que estabeleceldquoo objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo Efectivamente ldquoCom o hellip CIREhellip o fim da recuperaccedilatildeo eacute subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade uacutenica que orienta todo o regimehellip conferindo a soberania aos credoresrdquo (FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoPressupostos Objectivos e Subjectivos da Insolvecircnciardquo in Themis da Faculdade de Direito da UNL 2005 pp 11 e ss p 12) Pode assim afirmar-se indubitavelmente que o CIRE consagra o retorno ao princiacutepio da insolvecircncia-liquidaccedilatildeo em benefiacutecio dos credores (satildeo paradigmaacuteticos neste sentido os artigos 52ordm 53ordm nordm 2 do artigo 56ordm e 59ordm do CIRE) em substituiccedilatildeo da primazia agrave recuperaccedilatildeo da empresa visiacutevel nos artigos 1ordm 2ordm e 3ordm do CPEREF 16 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 119
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LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA 17 esta disposiccedilatildeo legal visa ldquorepor o equiliacutebrio
dos interesses em presenccedilardquo dando ainda conta estes Autores da possibilidade da contraparte
da insolvente invocar judicialmente a excepccedilatildeo aqui prevista
A atribuiccedilatildeo legal deste direito de escolha ao administrador da insolvecircncia tem o seu
alicerce na impossibilidade geral de cumprimento das obrigaccedilotildees resultante da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia Efectivamente ldquose o insolvente se visse forccedilado a cumprir negoacutecios em curso os
pagamentos que efectuasse beneficiariam alguns credores em detrimento de outros sendo
por isso que a lei estabelece que os credores perdem com a declaraccedilatildeo de insolvecircncia a
possibilidade de exigir autonomamente os seus creacuteditosrdquo18 Compreende-se assim a
faculdade concedida ao administrador o cumprimento dos contratos sinalagmaacuteticos fica desta
forma dependente da sua conveniecircncia aos interesses da massa buscando-se desta forma uma
conciliaccedilatildeo destes interesses com o princiacutepio par conditio creditorum
Decidindo o administrador pelo cumprimento retoma-se o curso normal do contrato o
que significa que tanto o administrador da insolvecircncia como a contraparte do insolvente
podem exigir entre si o cumprimento das obrigaccedilotildees assumidas no contrato celebrado com a
especificidade de nos termos previstos na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 51ordm CIRE o creacutedito da
contraparte constituir creacutedito sobre a massa19 com as consequecircncias que tal qualificaccedilatildeo
acarreta (nordm 1 do artigo 46ordm e artigo 172ordm do CIRE)
Refira-se que natildeo satildeo legalmente estabelecidas sanccedilotildees para a massa pelo decurso do
periacuteodo de suspensatildeo designadamente no que tange aos efeitos da mora no cumprimento (por
exemplo juros ou outras indemnizaccedilotildees)20 o que significa que natildeo decorre da suspensatildeo pelo
administrador da insolvecircncia o direito a qualquer indemnizaccedilatildeo ou compensaccedilatildeo para a
contraparte do insolvente
Conforme se referiu supra a suspensatildeo do contrato prevista no nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE tem caraacutecter meramente transitoacuterio21 o que eacute assinalado por OLIVEIRA ASCENSAtildeO
17 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo ob cit p 393 18 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 182 19 ldquosalvo na medida correspondente agrave contraprestaccedilatildeo jaacute realizada pela outra parte anteriormente agrave declaraccedilatildeo de insolvecircnciaou que se reporte a periacuteodo anterior a essa declaraccedilatildeordquo como bem esclarece MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 e 184 20 Sobre este tema escreveu OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118) que ldquose era ao insolvente que cabia cumprir a ldquomorardquonatildeo eacute taxada de ilicitude Se era agrave outra parte natildeo se consente que se tirem em prejuiacutezo da massa as consequecircncias da mora do credorrdquo 21 Assim explica MENEZES LEITAtildeO queldquoa declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo afecta as pretensotildees de cumprimento destes contratos bilaterais pela outra parte apenas as suspendendo provisoriamente Eacute apenas a
Ograve
9
ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
Ograve
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ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
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certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
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consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
14
Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
15
lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
16
comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
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1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
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consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
19
contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
21
frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
22
vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
26
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
35
equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
36
declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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O contrato-promessa sinalizado com entrega de coisa na insolvecircncia
Com o presente estudo pretende-se analisar a disciplina juriacutedica aplicaacutevel aos efeitos da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizado com entrega de coisa
procurando-se determinar essencialmente em que medida e de que forma o sistema juriacutedico
estabelece o equiliacutebrio entre o interesse imanente agrave tutela das expectativas e direitos da
contraparte do insolvente e aquele que eacute o veacutertice primacial do regime legal da insolvecircncia a
defesa dos interesses patrimoniais dos credores
Encetaremos assim o nosso trabalho por uma breve incursatildeo no regime geral dos efeitos
da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso concentrando o nosso estudo no
acircmbito e regime legal do artigo 102ordm do Coacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de
Empresas Seguidamente centrar-nos-emos na anaacutelise do acircmbito concreto desses efeitos no
contrato-promessa sinalizada com tradiccedilatildeo da coisa com eficaacutecia real e com eficaacutecia
meramente obrigacional
Seratildeo os contratos-promessa com eficaacutecia meramente obrigacional que suscitaratildeo as
questotildees mais relevantes e controversas da nossa exposiccedilatildeo designadamente no que tange ao
acircmbito e regime do direito indemnizatoacuterio do promitente-comprador bem como agraves eventuais
garantias ndash especificamente o direito de retenccedilatildeo - questotildees estas que tecircm levantado inuacutemeras
vozes doutrinais e jurisprudenciais dissonantes perante as quais procuraremos tomar posiccedilatildeo
A resposta a estas questotildees passaraacute ainda pela exegese das normas insolvenciais e
civiliacutesticas atinentes ao regime do contrato-promessa designadamente atraveacutes da
consideraccedilatildeo dos interesses que o legislador teve em vista ao dispor sobre aquele regime bem
como pela busca sempre circunscrita pelo teor daquelas normas de um equiliacutebrio na
composiccedilatildeo justa dos referidos interesses
A nossa reflexatildeo natildeo deixaraacute de assacar as inevitaacuteveis criacuteticas agrave falta de perceptibilidade
e transparecircncia da lei insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em
curso a qual gera escusadas obscuridades interpretativas potenciadoras de situaccedilotildees de grave
injusticcedila que urge pugnar por esclarecer o que se torna ainda mais premente face ao aumento
exponencial do nuacutemero de processos de insolvecircncia ao longo dos uacuteltimos anos
Promissory contract with down payment and delivery on insolvency
As an introduction the object of this study is to analyze the legal framework that
applies to the declaration of insolvency effects on the promissory contract with down payment
and delivery by trying to determine essentially in what measure and in what way the legal
system establishes a balance between the interests of safeguarding the inherent rights and
expectations of the insolvent counterparty and that which is the main vertex of the
insolvencyrsquos legal regime the defense of the creditors patrimonial interests
Thus wersquoll begin our report by a brief review on the legal regime of the declaration of
insolvency effects on the ongoing businesses focusing our attention on the scope and legal
regime of the article 102ordm of the Coacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Next
wersquoll analyze the specific extent of those effects on the promissory contract with down
payment and delivery with and without erga omnes effects
Those promissory contracts without erga omnes obligations will be the ones which will
elicit the most relevant and controversial issues of our report particularly regarding the scope
and legal regime of the compensatory right of the promisor-buyer as well as the eventual
guarantees - specifically the right to withhold - issues that have raised numerous doctrinal
and jurisprudential dissonant voices on which wersquoll try to take a stand
The answer to these questions will further require the exegesis of civil and insolvencial
law regarding the promissory contract regime specifically through the observation of the
interests that the legislator had in mind when he established those regime as well as through
the search always restricted by the content of those standards for a fair balance in the
composition of those interests
Our study will certainly remark the inevitable critiques to the lack of transparency and
intelligibility of the insolvencial law regarding the ongoing promissory contracts which
generates unnecessary interpretative difficulties that may cause serious situations of
unfairness that urgently need to be clarified This becomes even more urgent before the major
increase in the number of insolvency proceedings over the past few years
O CONTRATO-PROMESSA SINALIZADO COM ENTREGA DE COISA
NA INSOLVEcircNCIA
IacuteNDICE
I ndash INTRODUCcedilAtildeO---------------------------------------------------------------------------------------1
II - Efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso-----------------------------4
1 - Acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 102ordm CIRE---------------------------------------------------------4
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE-----------------------------------------------------6
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei------------11
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia----------------------------12
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real---------------------------------------------------------12
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional---------------------------------15
121 Efeitos da recusa do cumprimento-------------------------------------------------------------16
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio------------------------------------------------------------------------17
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE------------------------------------------------20
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada-----------------------------------------------------23
1212 Direito de Retenccedilatildeo----------------------------------------------------------------------------27
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil-----------------------29
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de cumprimento pelo
administrador---------------------------------------------------------------------------------------------33
IV ndash CONCLUSAtildeO-------------------------------------------------------------------------------------37
BIBLIOGRAFIA----------------------------------------------------------------------------------------41
1
I - INTRODUCcedilAtildeO
O Coacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas1 aprovado pelo Decreto-Lei
532004 de 18 de Marccedilo veio introduzir alteraccedilotildees substanciais no regime da insolvecircncia A
mais significativa foi indubitavelmente aquela que o Preacircmbulo daquele Decreto-Lei refere
como ldquouma mais correcta perspectivaccedilatildeo e delineaccedilatildeo das finalidades e da estrutura do
processo a que preside uma filosofia autoacutenoma e distintardquo e que sinteticamente se define
na seguinte asserccedilatildeo ldquoO objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a
satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo
Surge assim como caracteriza OLIVEIRA ASCENSAtildeO um ldquoterremoto no sistema em
vigorrdquo2 na medida em que abandonando o regime vigente no Coacutedigo dos Processos
Especiais de Recuperaccedilatildeo da Empresa e de Falecircncia3 em que se dava prioridade agrave
recuperaccedilatildeo da empresa sobre a falecircncia (como ademais o proacuteprio tiacutetulo do corpo legislativo
indiciava) estabelecendo como finalidade preciacutepua do processo insolvencial a protecccedilatildeo do
insolvente e a manutenccedilatildeo da empresa passa-se a dar prioridade agrave satisfaccedilatildeo dos interesses
dos credores ndash sendo estes em uacuteltima instacircncia quem decide pelo encerramento da empresa
ou pela manutenccedilatildeo da sua actividade tendo sempre em vista qual dos meios eacute mais
conveniente agrave satisfaccedilatildeo dos seus interesses
Neste contexto a tutela dos interesses patrimoniais dos credores e o princiacutepio par
conditio creditorum conduzem e marcam a todo o passo o regime legal da insolvecircncia E eacute no
fraacutegil equiliacutebrio entre o interesse comum dos credores e a tutela dos direitos individuais das
contrapartes do insolvente no acircmbito de um contrato-promessa sinalizado e com entrega de
coisa que encontramos a temaacutetica que ora pretendemos abordar
Assim procura-se compreender quais os efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nesse
contrato-promessa caminho que natildeo se adivinha faacutecil natildeo soacute porque o capiacutetulo do CIRE que
rege os efeitos da insolvecircncia nos negoacutecios em curso foi uma profunda inovaccedilatildeo
relativamente ao anterior CPEREF como sublinha PESTANA DE VASCONCELOS quando
afirma que esta mateacuteria ldquofoi uma daquelas em que maiores alteraccedilotildees foram introduzidas e
tambeacutem onde mais perto se nota a sombra da Insolvenzordnung no que constitui um motivo
1 De ora em diante designado por CIRE 2 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo in Themis 2005 ediccedilatildeo especial Almedina Coimbra pp 105 e ss p 111 3 De ora em diante designado por CPEREF
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adicional para o seu estudordquo4 mas tambeacutem porque a lei neste domiacutenio particular apresenta-se
complexa e lacunosa exigindo ao inteacuterprete um esforccedilo exegeacutetico substancial que tem dado
origem a exposiccedilotildees doutrinais e jurisprudenciais divergentes e mesmo contraditoacuterias
Natildeo obstante o aumento exponencial do nuacutemero de processos de insolvecircncia
consequecircncia do clima de crise econoacutemica que tatildeo intensamente assola o paiacutes justifica a
necessidade de um conhecimento profundo sobre o regime da insolvecircncia ndash e o facto dos
sectores de actividade mais atingidos pela crise econoacutemica serem precisamente o sector
imobiliaacuterio e o da construccedilatildeo civil cujas empresas (promitentes-vendedores em diversos
contratos-promessa celebrados e natildeo cumpridos) se vecircm frequentemente arrastadas para
situaccedilotildees de insolvecircncia imprime ao presente estudo uma proficiecircncia praacutetica indiscutiacutevel
Por outro lado o facto de estarem em causa contratos-promessa em que jaacute houve tradiccedilatildeo da
coisa e prestaccedilatildeo de sinal pelo promitente-comprador gera uma necessidade acrescida de
tutela de expectativas e direitos da contraparte sobretudo se tivermos em linha de conta que
na maioria dos casos e como nos mostra a experiecircncia o promitente-comprador seraacute um
consumidor e o objecto do contrato seraacute um edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma para sua habitaccedilatildeo
A temaacutetica que nos propomos abordar no presente relatoacuterio eacute assim a dos efeitos da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia no contrato-promessa sinalizado com entrega de coisa Como
decorre naturalmente da natureza do estudo centrar-nos-emos sobretudo no caso da
insolvecircncia do promitente-vendedor ndash natildeo apenas por ser aquela que sucede com mais
frequecircncia mas tambeacutem porque eacute a que levanta um maior nuacutemero de duacutevidas e contendas
juriacutedicas mas ainda pela imperiosidade de protecccedilatildeo e tutela da posiccedilatildeo juriacutedica do
promitente-comprador que seraacute na maioria das vezes a parte mais deacutebil da relaccedilatildeo contratual
O problema central a desenvolver eacute evidentemente o dos efeitos da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia na esfera da contraparte da insolvente no acircmbito de um contrato-promessa
sinalizado com entrega de coisa Para cuidar este tema iniciaremos uma breve incursatildeo no
regime geral dos efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso centrando a
nossa reflexatildeo no acircmbito e regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE Posteriormente
analisaremos concretamente qual o acircmbito concreto desses efeitos no contrato-promessa
sinalizada com tradiccedilatildeo da coisa com eficaacutecia real e com eficaacutecia meramente obrigacional
Relativamente a estes uacuteltimos centraremos a nossa reflexatildeo nos efeitos da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor no que tange ao direito indemnizatoacuterio do promitente-
4 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto III (2006) pp 521 e ss p 523
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comprador e eventuais garantias que tutelem esse direito procurando tomar posiccedilatildeo sobre as
inuacutemeras vozes doutrinais e juriprudenciais dissonantes que se tecircm vindo a manifestar sobre a
questatildeo
Estamos certos que muito ficaraacute por dizer sobre este tema que pela sua complexidade e
amplitude tem vindo a gerar posiccedilotildees diacutespares na doutrina e na jurisprudecircncia e a suscitar
profundas reflexotildees juriacutedicas que atendendo aos paracircmetros da presente exposiccedilatildeo natildeo
poderatildeo ser abordadas em toda a sua dimensatildeo Todavia tentaremos fazer uma abordagem o
mais ampla e completa possiacutevel remetendo sempre que possiacutevel para a jurisprudecircncia
existente e para a bibliografia dos Autores que se ocuparam das questotildees sobre os quais ora
iremos dissertar
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II - Efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso
A declaraccedilatildeo de insolvecircncia desencadeia os efeitos regulados no Tiacutetulo IV do CIRE o
qual se reparte por cinco capiacutetulos sendo que os quatro primeiros regulam sucessivamente
os efeitos sobre o devedor e outras pessoas (artigo 81ordm e ss) os efeitos processuais (artigo 85ordm
e ss) os efeitos sobre os creacuteditos (art 90ordm e ss) os efeitos sobre os negoacutecios em curso (art
102ordm e ss) e por uacuteltimo a resoluccedilatildeo em benefiacutecio da massa dos negoacutecios juriacutedicos
celebrados pelo insolvente (art 120ordm e ss)
Os principais efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia satildeo sobejamente conhecidos por
qualquer jurista pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia o insolvente eacute privado dos poderes de
disposiccedilatildeo e administraccedilatildeo dos seus bens presentes e futuros que passam a integrar a massa
falida poderes esses que passam a competir ao administrador da insolvecircncia todos os bens
susceptiacuteveis de penhora ainda que tenham sido penhorados arrestados ou por qualquer forma
apreendidos ou detidos noutro processo satildeo apreendidos vencem-se todas as obrigaccedilotildees do
falido entre outros
Atendendo ao tema que nos propomos tratar centrar-nos-emos apenas na disciplina
juriacutedica dos negoacutecios em curso actualmente prevista nos artigos 102ordm e seguintes do CIRE e
que podemos definir como ldquorelaccedilotildees juriacutedicas jaacute constituiacutedas incumpridas total ou
parcialmente por um ou por ambos os titulares ou mesmo relaccedilotildees juriacutedicas duradouras (por
exemplo o arrendamento o contrato de trabalho a associaccedilatildeo em participaccedilatildeo) cujo
denominador comum reside na necessidade de um regimen falencial particular (de
manutenccedilatildeo de extinccedilatildeo ou ateacute de suspensatildeo de cumprimento integral ou de cumprimento
rateadordquo5
1 - Acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 102ordm CIRE
O artigo 102ordm CIRE propotildee-se estabelecer nos termos da sua epiacutegrafe um ldquoprinciacutepio
geral quanto a negoacutecios ainda natildeo cumpridosrdquo Relativamente a esta mateacuteria o CPEREF
nos seus artigos 161ordm e seguintes havia optado por uma regulaccedilatildeo casuiacutestica para diversos
negoacutecios juriacutedicos tipificados natildeo prevendo qualquer princiacutepio geral que regulasse os
5 A definiccedilatildeo eacute de MARIA DO ROSAacuteRIO EPIFAcircNIO (ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo Universidade Catoacutelica Porto 2000) e foi elaborada agrave luz do CPEREF mas pensamos que manteacutem a sua actualidade face ao CIRE
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negoacutecios juriacutedicos em curso Esta soluccedilatildeo foi no entanto ao longo da vigecircncia do CPEREF
alvo de diversas vozes criacuteticas6
Nessa medida a norma prevista no mencionado artigo 102ordm constitui uma inovaccedilatildeo face
ao regime anterior7 Todavia parece-nos que a epiacutegrafe deste artigo seraacute demasiado
pretensiosa relativamente ao seu verdadeiro acircmbito ndash uma leitura atenta do seu teor permite
compreender o seu restrito acircmbito de aplicaccedilatildeo jaacute que a soluccedilatildeo nele consagrada apenas se
aplica a contratos sinalagmaacuteticos em que natildeo haja ainda total cumprimento nem pelo
insolvente nem pela outra parte contratual
Do seu acircmbito ficam portanto excluiacutedos ldquoos negoacutecios unilaterais os contratos
unilaterais os contratos bilaterais imperfeitos assim como aqueles contratos bilaterais
signalamaacuteticos em que uma das partes jaacute tenha cumprido na iacutentegrardquo8 Esta exclusatildeo natildeo eacute
de todo despicienda porquanto se reveste de uma importacircncia praacutetica manifesta
Efectivamente ldquoActos muito importantes da vida corrente satildeo negoacutecios juriacutedicos unilaterais
Eacute-o a promessa puacuteblica e ateacute a proposta simples de contrato eacute-o o negoacutecio cambiaacuterio satildeo-
no mesmo os negoacutecios em mercados de capitais (hellip)9 Nesta conformidade estamos de acordo
com MENEZES LEITAtildeO quando propugna que ldquouma norma sobre contratos bilaterais
6 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoEfeitos da Falecircncia sobre a Pessoa e os Negoacutecios do Falidordquo in Revista da Ordem dos Advogados III ano 55 Dezembro 1995 pp 641 e ss p 658 7 Dado o caraacutecter naturalmente sucinto do presente relatoacuterio natildeo tem aqui cabimento uma anaacutelise da evoluccedilatildeo histoacuterica do regime em estudo Dir-se-aacute apenas que no regime do CPC vigente ateacute agrave entrada em vigor do CPEREF em 1993 se encontrava tambeacutem prevista um princiacutepio geral relativo aos contratos bilaterais do falido no seu artigo 1197ordm Diversamente o CPEREF nos seus artigos 161ordm e seguintes optou por uma soluccedilatildeo casuiacutestica estabelecendo um regime particular para negoacutecios juriacutedicos tipificados 8 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 537 9 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo op cit pag 111 Este autor defende a aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime previsto no artigo 102ordm aos negoacutecios juriacutedicos unilaterais e aos contratos unilaterais propugnando que ldquoSe o que se assegura eacute um tempo de espera em que se pondera se o cumprimento eacute ou natildeo beneacutefico para a situaccedilatildeo decorrente da insolvecircncia entatildeo do mesmo modo parece aqui conveniente a suspensatildeo A comum natureza de negoacutecio juriacutedico associada agrave ratio legis ampara bem esta soluccedilatildeordquo salientando no entanto que ldquoa aplicaccedilatildeo eacute analoacutegica uma vez que natildeo haacute razatildeo para pretender que o legislador disse menos que o que queriardquo Contra a descrita interpretaccedilatildeo manifestou-se Menezes Leitatildeo expondo que ldquonatildeo vemos que a analogia se justifiquerdquo (novo pag 182) Cremos que assiste razatildeo a este uacuteltimo Autor Efectivamente a justificaccedilatildeo para a suspensatildeo dos contratos bilaterais eacute precisamente a existecircncia do sinalagma conforme explica ainda Menezes Leitatildeo ldquoCorrespondendo no entanto esses negoacutecios em curso a contratos bilaterais o sinalagma leva a que a outra parte natildeo seja obrigada a cumprir se o insolvente natildeo o fizer Ora como o cumprimento desses contratos pode ser conveniente aos interesses da massa concede-se ao administrador a possibilidade de optar entre o cumprimento do contrato e a sua recusa consoante for ou natildeo conveniente para a massardquo Assim se natildeo nos faltaratildeo exemplos de situaccedilotildees no acircmbito de contratos bilaterais em que seja conveniente para a massa o cumprimento do contrato apesar da declaraccedilatildeo de insolvecircncia por ter interesse na realizaccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo jaacute dificilmente tal sucederaacute no acircmbito de um negoacutecio juriacutedico unilateral porquanto a massa insolvente natildeo eacute neste caso credora de qualquer prestaccedilatildeo Parece-nos assim de iure constituendo que natildeo seria desapropriada a configuraccedilatildeo de uma norma que previsse o princiacutepio geral de extinccedilatildeo automaacutetica de negoacutecios juriacutedicos unilaterais e contratos unilaterais (em que fosse obrigado o insolvente obviamente jaacute que a situaccedilatildeo inversa cairia no acircmbito do artigo 91ordm do CIRE)
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dificilmente pode ser elevada agrave categoria de princiacutepio geral uma vez que os contratos natildeo
sinalagmaacuteticos ficam de fora e em relaccedilatildeo a estes natildeo aparece qualquer regimerdquo10 A isto
acresce ainda como assinala o mesmo Autor11 o facto de ser rara a hipoacutetese de natildeo haver de
nenhuma das partes cumprimento total do contrato
Por outro lado haacute ainda que ter em linha de conta que a disposiccedilatildeo normativa do nordm 1
do artigo 102ordm ressalva logo no seu iniacutecio ldquoSem prejuiacutezo do disposto nos artigos seguintesrdquo
o que equivale por dizer que a norma aqui prevista acaba por gozar de caraacutecter supletivo face
agrave regulaccedilatildeo particular do destino de negoacutecios juriacutedicos em curso nos artigos 104ordm a 118ordm do
CIRE ao inveacutes da forccedila de princiacutepio geral que o legislador aparentemente lhe quis atribuir
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE
O princiacutepio geral quanto aos negoacutecios ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia estabelecido no nordm 1 do artigo 102ordm CIRE eacute a suspensatildeo do cumprimento ateacute que
o administrador da insolvecircncia declare optar pela execuccedilatildeo ou recusar o cumprimento Assim
no que tange aos contratos bilaterais ainda natildeo integralmente cumpridos pelas partes agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia a lei determina um princiacutepio geneacuterico da manutenccedilatildeo daqueles
num estado de suspensatildeo ateacute ao exerciacutecio do direito de opccedilatildeo pelo administrador Trata-se de
uma suspensatildeo transitoacuteria que tem como funccedilatildeo conceder ao administrador da insolvecircncia o
periacuteodo de tempo necessaacuterio agrave ponderaccedilatildeo da conveniecircncia do cumprimento do contrato para
os interesses da massa
A opccedilatildeo pelo cumprimento ou pela recusa concedida ao administrador da insolvecircncia
natildeo eacute livre na medida em que seraacute sempre norteada pela defesa dos interesses da massa
Efectivamente e como esclarece GRAVATO MORAIS ldquoA ldquoopccedilatildeordquo por uma ou outra via
pressupotildee a devida ponderaccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia da situaccedilatildeo concreta agrave luz
dos interesses da massa e em vista da satisfaccedilatildeo dos credores da insolvecircncia natildeo tendo
portanto total liberdade para se pronunciar num ou noutro sentidordquo12 Pode assim dizer-se
que a faculdade de opccedilatildeo do administrador eacute tendencialmente livre tendo em conta as funccedilotildees
10 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo in ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresasrdquo publicaccedilatildeo do Ministeacuterio da Justiccedila Gabinete de Poliacutetica Legislativa e Planeamento Coimbra Editora 2004 pp 61 e ss p 118 11 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118 12 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo Cadernos de Direito Privado nordm 29 JaneiroMarccedilo 2010 pp 3 e ss p 7
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que lhe satildeo cometidas pelo artigo 55ordm do CIRE no acircmbito das quais ela estaacute ainda iacutensita Natildeo
podemos assim olvidar que toda a actuaccedilatildeo do administrador eacute pautada pelo superior interesse
da massa insolvente13 conforme bem resumem LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA
quando esclarecem que ldquoO administrador deve prover ao exerciacutecio de todos os direitos de
caraacutecter patrimonial que integram a massa e garantir dentro das possibilidades a melhor
rentabilidade dos bens apreendidos de sorte a que no miacutenimo ela cubra a inflaccedilatildeo deve
obviar agrave realizaccedilatildeo de despesas e agrave contenccedilatildeo de encargos desnecessaacuterios ou que natildeo gerem
um retorno pelo menos equivalente a valores actualizados e deve promover a alienaccedilatildeo
dos bens pelos meios e modos que em concreto se mostrem mais adequados agrave maximizaccedilatildeo
do valor dos mesmosrdquo14
Nesta conformidade este direito natildeo pode ser exercido de forma arbitraacuteria ou leviana -
na base da decisatildeo do administrador deveraacute estar sempre a anaacutelise da opccedilatildeo ser mais
favoraacutevel aos interesses da massa e acima de tudo se essa opccedilatildeo natildeo prejudica tais interesses
de forma relevante15 Os credores satildeo no acircmbito do CIRE os titulares do principal direito que
o processo insolvencial visa acautelar que mais natildeo eacute que o pagamento dos respectivos
creacuteditos Por forccedila dessa sua posiccedilatildeo eacute a vontade dos credores que comanda todo o processo
Por outro lado a escolha do administrador da insolvecircncia encontra-se ainda
condicionada pelo disposto no nordm 4 do artigo 102ordm que dispotildee que ldquoa opccedilatildeo pela execuccedilatildeo eacute
abusiva se o cumprimento pontual das obrigaccedilotildees contratuais por parte da massa insolvente
for manifestamente improvaacutevelrdquo Estabelece-se assim um limite definitivo agrave ponderaccedilatildeo dos
interesses em causa pelo administrador da insolvecircncia limite que OLIVEIRA ASCENSAtildeO
caracteriza como um verdadeiro ldquodever de recusar o cumprimentordquo16 Conforme esclarecem
13 Como ensina MENEZES LEITAtildeOldquoO administrador da insolvecircncia tem essencialmente como funccedilotildees assumir o controlo da massa insolvente proceder agrave sua administraccedilatildeo e liquidaccedilatildeo e repartir pelos credores o respectivo produto finalrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2011 p 122) 14 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo Lisboa Quid Juris 2005 p 257 15 Tais criteacuterios emanam da proacutepria natureza e finalidades prosseguidas com o processo de insolvecircncia fixados no preacircmbulo do Decreto-Lei 522004 de 18 de Marccedilo que estabeleceldquoo objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo Efectivamente ldquoCom o hellip CIREhellip o fim da recuperaccedilatildeo eacute subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade uacutenica que orienta todo o regimehellip conferindo a soberania aos credoresrdquo (FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoPressupostos Objectivos e Subjectivos da Insolvecircnciardquo in Themis da Faculdade de Direito da UNL 2005 pp 11 e ss p 12) Pode assim afirmar-se indubitavelmente que o CIRE consagra o retorno ao princiacutepio da insolvecircncia-liquidaccedilatildeo em benefiacutecio dos credores (satildeo paradigmaacuteticos neste sentido os artigos 52ordm 53ordm nordm 2 do artigo 56ordm e 59ordm do CIRE) em substituiccedilatildeo da primazia agrave recuperaccedilatildeo da empresa visiacutevel nos artigos 1ordm 2ordm e 3ordm do CPEREF 16 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 119
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LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA 17 esta disposiccedilatildeo legal visa ldquorepor o equiliacutebrio
dos interesses em presenccedilardquo dando ainda conta estes Autores da possibilidade da contraparte
da insolvente invocar judicialmente a excepccedilatildeo aqui prevista
A atribuiccedilatildeo legal deste direito de escolha ao administrador da insolvecircncia tem o seu
alicerce na impossibilidade geral de cumprimento das obrigaccedilotildees resultante da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia Efectivamente ldquose o insolvente se visse forccedilado a cumprir negoacutecios em curso os
pagamentos que efectuasse beneficiariam alguns credores em detrimento de outros sendo
por isso que a lei estabelece que os credores perdem com a declaraccedilatildeo de insolvecircncia a
possibilidade de exigir autonomamente os seus creacuteditosrdquo18 Compreende-se assim a
faculdade concedida ao administrador o cumprimento dos contratos sinalagmaacuteticos fica desta
forma dependente da sua conveniecircncia aos interesses da massa buscando-se desta forma uma
conciliaccedilatildeo destes interesses com o princiacutepio par conditio creditorum
Decidindo o administrador pelo cumprimento retoma-se o curso normal do contrato o
que significa que tanto o administrador da insolvecircncia como a contraparte do insolvente
podem exigir entre si o cumprimento das obrigaccedilotildees assumidas no contrato celebrado com a
especificidade de nos termos previstos na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 51ordm CIRE o creacutedito da
contraparte constituir creacutedito sobre a massa19 com as consequecircncias que tal qualificaccedilatildeo
acarreta (nordm 1 do artigo 46ordm e artigo 172ordm do CIRE)
Refira-se que natildeo satildeo legalmente estabelecidas sanccedilotildees para a massa pelo decurso do
periacuteodo de suspensatildeo designadamente no que tange aos efeitos da mora no cumprimento (por
exemplo juros ou outras indemnizaccedilotildees)20 o que significa que natildeo decorre da suspensatildeo pelo
administrador da insolvecircncia o direito a qualquer indemnizaccedilatildeo ou compensaccedilatildeo para a
contraparte do insolvente
Conforme se referiu supra a suspensatildeo do contrato prevista no nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE tem caraacutecter meramente transitoacuterio21 o que eacute assinalado por OLIVEIRA ASCENSAtildeO
17 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo ob cit p 393 18 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 182 19 ldquosalvo na medida correspondente agrave contraprestaccedilatildeo jaacute realizada pela outra parte anteriormente agrave declaraccedilatildeo de insolvecircnciaou que se reporte a periacuteodo anterior a essa declaraccedilatildeordquo como bem esclarece MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 e 184 20 Sobre este tema escreveu OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118) que ldquose era ao insolvente que cabia cumprir a ldquomorardquonatildeo eacute taxada de ilicitude Se era agrave outra parte natildeo se consente que se tirem em prejuiacutezo da massa as consequecircncias da mora do credorrdquo 21 Assim explica MENEZES LEITAtildeO queldquoa declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo afecta as pretensotildees de cumprimento destes contratos bilaterais pela outra parte apenas as suspendendo provisoriamente Eacute apenas a
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ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
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ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
11
certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
13
consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
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Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
16
comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
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1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
18
consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
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Promissory contract with down payment and delivery on insolvency
As an introduction the object of this study is to analyze the legal framework that
applies to the declaration of insolvency effects on the promissory contract with down payment
and delivery by trying to determine essentially in what measure and in what way the legal
system establishes a balance between the interests of safeguarding the inherent rights and
expectations of the insolvent counterparty and that which is the main vertex of the
insolvencyrsquos legal regime the defense of the creditors patrimonial interests
Thus wersquoll begin our report by a brief review on the legal regime of the declaration of
insolvency effects on the ongoing businesses focusing our attention on the scope and legal
regime of the article 102ordm of the Coacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Next
wersquoll analyze the specific extent of those effects on the promissory contract with down
payment and delivery with and without erga omnes effects
Those promissory contracts without erga omnes obligations will be the ones which will
elicit the most relevant and controversial issues of our report particularly regarding the scope
and legal regime of the compensatory right of the promisor-buyer as well as the eventual
guarantees - specifically the right to withhold - issues that have raised numerous doctrinal
and jurisprudential dissonant voices on which wersquoll try to take a stand
The answer to these questions will further require the exegesis of civil and insolvencial
law regarding the promissory contract regime specifically through the observation of the
interests that the legislator had in mind when he established those regime as well as through
the search always restricted by the content of those standards for a fair balance in the
composition of those interests
Our study will certainly remark the inevitable critiques to the lack of transparency and
intelligibility of the insolvencial law regarding the ongoing promissory contracts which
generates unnecessary interpretative difficulties that may cause serious situations of
unfairness that urgently need to be clarified This becomes even more urgent before the major
increase in the number of insolvency proceedings over the past few years
O CONTRATO-PROMESSA SINALIZADO COM ENTREGA DE COISA
NA INSOLVEcircNCIA
IacuteNDICE
I ndash INTRODUCcedilAtildeO---------------------------------------------------------------------------------------1
II - Efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso-----------------------------4
1 - Acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 102ordm CIRE---------------------------------------------------------4
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE-----------------------------------------------------6
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei------------11
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia----------------------------12
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real---------------------------------------------------------12
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional---------------------------------15
121 Efeitos da recusa do cumprimento-------------------------------------------------------------16
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio------------------------------------------------------------------------17
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE------------------------------------------------20
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada-----------------------------------------------------23
1212 Direito de Retenccedilatildeo----------------------------------------------------------------------------27
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil-----------------------29
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de cumprimento pelo
administrador---------------------------------------------------------------------------------------------33
IV ndash CONCLUSAtildeO-------------------------------------------------------------------------------------37
BIBLIOGRAFIA----------------------------------------------------------------------------------------41
1
I - INTRODUCcedilAtildeO
O Coacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas1 aprovado pelo Decreto-Lei
532004 de 18 de Marccedilo veio introduzir alteraccedilotildees substanciais no regime da insolvecircncia A
mais significativa foi indubitavelmente aquela que o Preacircmbulo daquele Decreto-Lei refere
como ldquouma mais correcta perspectivaccedilatildeo e delineaccedilatildeo das finalidades e da estrutura do
processo a que preside uma filosofia autoacutenoma e distintardquo e que sinteticamente se define
na seguinte asserccedilatildeo ldquoO objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a
satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo
Surge assim como caracteriza OLIVEIRA ASCENSAtildeO um ldquoterremoto no sistema em
vigorrdquo2 na medida em que abandonando o regime vigente no Coacutedigo dos Processos
Especiais de Recuperaccedilatildeo da Empresa e de Falecircncia3 em que se dava prioridade agrave
recuperaccedilatildeo da empresa sobre a falecircncia (como ademais o proacuteprio tiacutetulo do corpo legislativo
indiciava) estabelecendo como finalidade preciacutepua do processo insolvencial a protecccedilatildeo do
insolvente e a manutenccedilatildeo da empresa passa-se a dar prioridade agrave satisfaccedilatildeo dos interesses
dos credores ndash sendo estes em uacuteltima instacircncia quem decide pelo encerramento da empresa
ou pela manutenccedilatildeo da sua actividade tendo sempre em vista qual dos meios eacute mais
conveniente agrave satisfaccedilatildeo dos seus interesses
Neste contexto a tutela dos interesses patrimoniais dos credores e o princiacutepio par
conditio creditorum conduzem e marcam a todo o passo o regime legal da insolvecircncia E eacute no
fraacutegil equiliacutebrio entre o interesse comum dos credores e a tutela dos direitos individuais das
contrapartes do insolvente no acircmbito de um contrato-promessa sinalizado e com entrega de
coisa que encontramos a temaacutetica que ora pretendemos abordar
Assim procura-se compreender quais os efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nesse
contrato-promessa caminho que natildeo se adivinha faacutecil natildeo soacute porque o capiacutetulo do CIRE que
rege os efeitos da insolvecircncia nos negoacutecios em curso foi uma profunda inovaccedilatildeo
relativamente ao anterior CPEREF como sublinha PESTANA DE VASCONCELOS quando
afirma que esta mateacuteria ldquofoi uma daquelas em que maiores alteraccedilotildees foram introduzidas e
tambeacutem onde mais perto se nota a sombra da Insolvenzordnung no que constitui um motivo
1 De ora em diante designado por CIRE 2 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo in Themis 2005 ediccedilatildeo especial Almedina Coimbra pp 105 e ss p 111 3 De ora em diante designado por CPEREF
9
2
adicional para o seu estudordquo4 mas tambeacutem porque a lei neste domiacutenio particular apresenta-se
complexa e lacunosa exigindo ao inteacuterprete um esforccedilo exegeacutetico substancial que tem dado
origem a exposiccedilotildees doutrinais e jurisprudenciais divergentes e mesmo contraditoacuterias
Natildeo obstante o aumento exponencial do nuacutemero de processos de insolvecircncia
consequecircncia do clima de crise econoacutemica que tatildeo intensamente assola o paiacutes justifica a
necessidade de um conhecimento profundo sobre o regime da insolvecircncia ndash e o facto dos
sectores de actividade mais atingidos pela crise econoacutemica serem precisamente o sector
imobiliaacuterio e o da construccedilatildeo civil cujas empresas (promitentes-vendedores em diversos
contratos-promessa celebrados e natildeo cumpridos) se vecircm frequentemente arrastadas para
situaccedilotildees de insolvecircncia imprime ao presente estudo uma proficiecircncia praacutetica indiscutiacutevel
Por outro lado o facto de estarem em causa contratos-promessa em que jaacute houve tradiccedilatildeo da
coisa e prestaccedilatildeo de sinal pelo promitente-comprador gera uma necessidade acrescida de
tutela de expectativas e direitos da contraparte sobretudo se tivermos em linha de conta que
na maioria dos casos e como nos mostra a experiecircncia o promitente-comprador seraacute um
consumidor e o objecto do contrato seraacute um edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma para sua habitaccedilatildeo
A temaacutetica que nos propomos abordar no presente relatoacuterio eacute assim a dos efeitos da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia no contrato-promessa sinalizado com entrega de coisa Como
decorre naturalmente da natureza do estudo centrar-nos-emos sobretudo no caso da
insolvecircncia do promitente-vendedor ndash natildeo apenas por ser aquela que sucede com mais
frequecircncia mas tambeacutem porque eacute a que levanta um maior nuacutemero de duacutevidas e contendas
juriacutedicas mas ainda pela imperiosidade de protecccedilatildeo e tutela da posiccedilatildeo juriacutedica do
promitente-comprador que seraacute na maioria das vezes a parte mais deacutebil da relaccedilatildeo contratual
O problema central a desenvolver eacute evidentemente o dos efeitos da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia na esfera da contraparte da insolvente no acircmbito de um contrato-promessa
sinalizado com entrega de coisa Para cuidar este tema iniciaremos uma breve incursatildeo no
regime geral dos efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso centrando a
nossa reflexatildeo no acircmbito e regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE Posteriormente
analisaremos concretamente qual o acircmbito concreto desses efeitos no contrato-promessa
sinalizada com tradiccedilatildeo da coisa com eficaacutecia real e com eficaacutecia meramente obrigacional
Relativamente a estes uacuteltimos centraremos a nossa reflexatildeo nos efeitos da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor no que tange ao direito indemnizatoacuterio do promitente-
4 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto III (2006) pp 521 e ss p 523
Ograve
3
comprador e eventuais garantias que tutelem esse direito procurando tomar posiccedilatildeo sobre as
inuacutemeras vozes doutrinais e juriprudenciais dissonantes que se tecircm vindo a manifestar sobre a
questatildeo
Estamos certos que muito ficaraacute por dizer sobre este tema que pela sua complexidade e
amplitude tem vindo a gerar posiccedilotildees diacutespares na doutrina e na jurisprudecircncia e a suscitar
profundas reflexotildees juriacutedicas que atendendo aos paracircmetros da presente exposiccedilatildeo natildeo
poderatildeo ser abordadas em toda a sua dimensatildeo Todavia tentaremos fazer uma abordagem o
mais ampla e completa possiacutevel remetendo sempre que possiacutevel para a jurisprudecircncia
existente e para a bibliografia dos Autores que se ocuparam das questotildees sobre os quais ora
iremos dissertar
Ograve
4
II - Efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso
A declaraccedilatildeo de insolvecircncia desencadeia os efeitos regulados no Tiacutetulo IV do CIRE o
qual se reparte por cinco capiacutetulos sendo que os quatro primeiros regulam sucessivamente
os efeitos sobre o devedor e outras pessoas (artigo 81ordm e ss) os efeitos processuais (artigo 85ordm
e ss) os efeitos sobre os creacuteditos (art 90ordm e ss) os efeitos sobre os negoacutecios em curso (art
102ordm e ss) e por uacuteltimo a resoluccedilatildeo em benefiacutecio da massa dos negoacutecios juriacutedicos
celebrados pelo insolvente (art 120ordm e ss)
Os principais efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia satildeo sobejamente conhecidos por
qualquer jurista pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia o insolvente eacute privado dos poderes de
disposiccedilatildeo e administraccedilatildeo dos seus bens presentes e futuros que passam a integrar a massa
falida poderes esses que passam a competir ao administrador da insolvecircncia todos os bens
susceptiacuteveis de penhora ainda que tenham sido penhorados arrestados ou por qualquer forma
apreendidos ou detidos noutro processo satildeo apreendidos vencem-se todas as obrigaccedilotildees do
falido entre outros
Atendendo ao tema que nos propomos tratar centrar-nos-emos apenas na disciplina
juriacutedica dos negoacutecios em curso actualmente prevista nos artigos 102ordm e seguintes do CIRE e
que podemos definir como ldquorelaccedilotildees juriacutedicas jaacute constituiacutedas incumpridas total ou
parcialmente por um ou por ambos os titulares ou mesmo relaccedilotildees juriacutedicas duradouras (por
exemplo o arrendamento o contrato de trabalho a associaccedilatildeo em participaccedilatildeo) cujo
denominador comum reside na necessidade de um regimen falencial particular (de
manutenccedilatildeo de extinccedilatildeo ou ateacute de suspensatildeo de cumprimento integral ou de cumprimento
rateadordquo5
1 - Acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 102ordm CIRE
O artigo 102ordm CIRE propotildee-se estabelecer nos termos da sua epiacutegrafe um ldquoprinciacutepio
geral quanto a negoacutecios ainda natildeo cumpridosrdquo Relativamente a esta mateacuteria o CPEREF
nos seus artigos 161ordm e seguintes havia optado por uma regulaccedilatildeo casuiacutestica para diversos
negoacutecios juriacutedicos tipificados natildeo prevendo qualquer princiacutepio geral que regulasse os
5 A definiccedilatildeo eacute de MARIA DO ROSAacuteRIO EPIFAcircNIO (ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo Universidade Catoacutelica Porto 2000) e foi elaborada agrave luz do CPEREF mas pensamos que manteacutem a sua actualidade face ao CIRE
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negoacutecios juriacutedicos em curso Esta soluccedilatildeo foi no entanto ao longo da vigecircncia do CPEREF
alvo de diversas vozes criacuteticas6
Nessa medida a norma prevista no mencionado artigo 102ordm constitui uma inovaccedilatildeo face
ao regime anterior7 Todavia parece-nos que a epiacutegrafe deste artigo seraacute demasiado
pretensiosa relativamente ao seu verdadeiro acircmbito ndash uma leitura atenta do seu teor permite
compreender o seu restrito acircmbito de aplicaccedilatildeo jaacute que a soluccedilatildeo nele consagrada apenas se
aplica a contratos sinalagmaacuteticos em que natildeo haja ainda total cumprimento nem pelo
insolvente nem pela outra parte contratual
Do seu acircmbito ficam portanto excluiacutedos ldquoos negoacutecios unilaterais os contratos
unilaterais os contratos bilaterais imperfeitos assim como aqueles contratos bilaterais
signalamaacuteticos em que uma das partes jaacute tenha cumprido na iacutentegrardquo8 Esta exclusatildeo natildeo eacute
de todo despicienda porquanto se reveste de uma importacircncia praacutetica manifesta
Efectivamente ldquoActos muito importantes da vida corrente satildeo negoacutecios juriacutedicos unilaterais
Eacute-o a promessa puacuteblica e ateacute a proposta simples de contrato eacute-o o negoacutecio cambiaacuterio satildeo-
no mesmo os negoacutecios em mercados de capitais (hellip)9 Nesta conformidade estamos de acordo
com MENEZES LEITAtildeO quando propugna que ldquouma norma sobre contratos bilaterais
6 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoEfeitos da Falecircncia sobre a Pessoa e os Negoacutecios do Falidordquo in Revista da Ordem dos Advogados III ano 55 Dezembro 1995 pp 641 e ss p 658 7 Dado o caraacutecter naturalmente sucinto do presente relatoacuterio natildeo tem aqui cabimento uma anaacutelise da evoluccedilatildeo histoacuterica do regime em estudo Dir-se-aacute apenas que no regime do CPC vigente ateacute agrave entrada em vigor do CPEREF em 1993 se encontrava tambeacutem prevista um princiacutepio geral relativo aos contratos bilaterais do falido no seu artigo 1197ordm Diversamente o CPEREF nos seus artigos 161ordm e seguintes optou por uma soluccedilatildeo casuiacutestica estabelecendo um regime particular para negoacutecios juriacutedicos tipificados 8 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 537 9 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo op cit pag 111 Este autor defende a aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime previsto no artigo 102ordm aos negoacutecios juriacutedicos unilaterais e aos contratos unilaterais propugnando que ldquoSe o que se assegura eacute um tempo de espera em que se pondera se o cumprimento eacute ou natildeo beneacutefico para a situaccedilatildeo decorrente da insolvecircncia entatildeo do mesmo modo parece aqui conveniente a suspensatildeo A comum natureza de negoacutecio juriacutedico associada agrave ratio legis ampara bem esta soluccedilatildeordquo salientando no entanto que ldquoa aplicaccedilatildeo eacute analoacutegica uma vez que natildeo haacute razatildeo para pretender que o legislador disse menos que o que queriardquo Contra a descrita interpretaccedilatildeo manifestou-se Menezes Leitatildeo expondo que ldquonatildeo vemos que a analogia se justifiquerdquo (novo pag 182) Cremos que assiste razatildeo a este uacuteltimo Autor Efectivamente a justificaccedilatildeo para a suspensatildeo dos contratos bilaterais eacute precisamente a existecircncia do sinalagma conforme explica ainda Menezes Leitatildeo ldquoCorrespondendo no entanto esses negoacutecios em curso a contratos bilaterais o sinalagma leva a que a outra parte natildeo seja obrigada a cumprir se o insolvente natildeo o fizer Ora como o cumprimento desses contratos pode ser conveniente aos interesses da massa concede-se ao administrador a possibilidade de optar entre o cumprimento do contrato e a sua recusa consoante for ou natildeo conveniente para a massardquo Assim se natildeo nos faltaratildeo exemplos de situaccedilotildees no acircmbito de contratos bilaterais em que seja conveniente para a massa o cumprimento do contrato apesar da declaraccedilatildeo de insolvecircncia por ter interesse na realizaccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo jaacute dificilmente tal sucederaacute no acircmbito de um negoacutecio juriacutedico unilateral porquanto a massa insolvente natildeo eacute neste caso credora de qualquer prestaccedilatildeo Parece-nos assim de iure constituendo que natildeo seria desapropriada a configuraccedilatildeo de uma norma que previsse o princiacutepio geral de extinccedilatildeo automaacutetica de negoacutecios juriacutedicos unilaterais e contratos unilaterais (em que fosse obrigado o insolvente obviamente jaacute que a situaccedilatildeo inversa cairia no acircmbito do artigo 91ordm do CIRE)
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dificilmente pode ser elevada agrave categoria de princiacutepio geral uma vez que os contratos natildeo
sinalagmaacuteticos ficam de fora e em relaccedilatildeo a estes natildeo aparece qualquer regimerdquo10 A isto
acresce ainda como assinala o mesmo Autor11 o facto de ser rara a hipoacutetese de natildeo haver de
nenhuma das partes cumprimento total do contrato
Por outro lado haacute ainda que ter em linha de conta que a disposiccedilatildeo normativa do nordm 1
do artigo 102ordm ressalva logo no seu iniacutecio ldquoSem prejuiacutezo do disposto nos artigos seguintesrdquo
o que equivale por dizer que a norma aqui prevista acaba por gozar de caraacutecter supletivo face
agrave regulaccedilatildeo particular do destino de negoacutecios juriacutedicos em curso nos artigos 104ordm a 118ordm do
CIRE ao inveacutes da forccedila de princiacutepio geral que o legislador aparentemente lhe quis atribuir
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE
O princiacutepio geral quanto aos negoacutecios ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia estabelecido no nordm 1 do artigo 102ordm CIRE eacute a suspensatildeo do cumprimento ateacute que
o administrador da insolvecircncia declare optar pela execuccedilatildeo ou recusar o cumprimento Assim
no que tange aos contratos bilaterais ainda natildeo integralmente cumpridos pelas partes agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia a lei determina um princiacutepio geneacuterico da manutenccedilatildeo daqueles
num estado de suspensatildeo ateacute ao exerciacutecio do direito de opccedilatildeo pelo administrador Trata-se de
uma suspensatildeo transitoacuteria que tem como funccedilatildeo conceder ao administrador da insolvecircncia o
periacuteodo de tempo necessaacuterio agrave ponderaccedilatildeo da conveniecircncia do cumprimento do contrato para
os interesses da massa
A opccedilatildeo pelo cumprimento ou pela recusa concedida ao administrador da insolvecircncia
natildeo eacute livre na medida em que seraacute sempre norteada pela defesa dos interesses da massa
Efectivamente e como esclarece GRAVATO MORAIS ldquoA ldquoopccedilatildeordquo por uma ou outra via
pressupotildee a devida ponderaccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia da situaccedilatildeo concreta agrave luz
dos interesses da massa e em vista da satisfaccedilatildeo dos credores da insolvecircncia natildeo tendo
portanto total liberdade para se pronunciar num ou noutro sentidordquo12 Pode assim dizer-se
que a faculdade de opccedilatildeo do administrador eacute tendencialmente livre tendo em conta as funccedilotildees
10 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo in ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresasrdquo publicaccedilatildeo do Ministeacuterio da Justiccedila Gabinete de Poliacutetica Legislativa e Planeamento Coimbra Editora 2004 pp 61 e ss p 118 11 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118 12 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo Cadernos de Direito Privado nordm 29 JaneiroMarccedilo 2010 pp 3 e ss p 7
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que lhe satildeo cometidas pelo artigo 55ordm do CIRE no acircmbito das quais ela estaacute ainda iacutensita Natildeo
podemos assim olvidar que toda a actuaccedilatildeo do administrador eacute pautada pelo superior interesse
da massa insolvente13 conforme bem resumem LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA
quando esclarecem que ldquoO administrador deve prover ao exerciacutecio de todos os direitos de
caraacutecter patrimonial que integram a massa e garantir dentro das possibilidades a melhor
rentabilidade dos bens apreendidos de sorte a que no miacutenimo ela cubra a inflaccedilatildeo deve
obviar agrave realizaccedilatildeo de despesas e agrave contenccedilatildeo de encargos desnecessaacuterios ou que natildeo gerem
um retorno pelo menos equivalente a valores actualizados e deve promover a alienaccedilatildeo
dos bens pelos meios e modos que em concreto se mostrem mais adequados agrave maximizaccedilatildeo
do valor dos mesmosrdquo14
Nesta conformidade este direito natildeo pode ser exercido de forma arbitraacuteria ou leviana -
na base da decisatildeo do administrador deveraacute estar sempre a anaacutelise da opccedilatildeo ser mais
favoraacutevel aos interesses da massa e acima de tudo se essa opccedilatildeo natildeo prejudica tais interesses
de forma relevante15 Os credores satildeo no acircmbito do CIRE os titulares do principal direito que
o processo insolvencial visa acautelar que mais natildeo eacute que o pagamento dos respectivos
creacuteditos Por forccedila dessa sua posiccedilatildeo eacute a vontade dos credores que comanda todo o processo
Por outro lado a escolha do administrador da insolvecircncia encontra-se ainda
condicionada pelo disposto no nordm 4 do artigo 102ordm que dispotildee que ldquoa opccedilatildeo pela execuccedilatildeo eacute
abusiva se o cumprimento pontual das obrigaccedilotildees contratuais por parte da massa insolvente
for manifestamente improvaacutevelrdquo Estabelece-se assim um limite definitivo agrave ponderaccedilatildeo dos
interesses em causa pelo administrador da insolvecircncia limite que OLIVEIRA ASCENSAtildeO
caracteriza como um verdadeiro ldquodever de recusar o cumprimentordquo16 Conforme esclarecem
13 Como ensina MENEZES LEITAtildeOldquoO administrador da insolvecircncia tem essencialmente como funccedilotildees assumir o controlo da massa insolvente proceder agrave sua administraccedilatildeo e liquidaccedilatildeo e repartir pelos credores o respectivo produto finalrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2011 p 122) 14 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo Lisboa Quid Juris 2005 p 257 15 Tais criteacuterios emanam da proacutepria natureza e finalidades prosseguidas com o processo de insolvecircncia fixados no preacircmbulo do Decreto-Lei 522004 de 18 de Marccedilo que estabeleceldquoo objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo Efectivamente ldquoCom o hellip CIREhellip o fim da recuperaccedilatildeo eacute subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade uacutenica que orienta todo o regimehellip conferindo a soberania aos credoresrdquo (FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoPressupostos Objectivos e Subjectivos da Insolvecircnciardquo in Themis da Faculdade de Direito da UNL 2005 pp 11 e ss p 12) Pode assim afirmar-se indubitavelmente que o CIRE consagra o retorno ao princiacutepio da insolvecircncia-liquidaccedilatildeo em benefiacutecio dos credores (satildeo paradigmaacuteticos neste sentido os artigos 52ordm 53ordm nordm 2 do artigo 56ordm e 59ordm do CIRE) em substituiccedilatildeo da primazia agrave recuperaccedilatildeo da empresa visiacutevel nos artigos 1ordm 2ordm e 3ordm do CPEREF 16 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 119
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LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA 17 esta disposiccedilatildeo legal visa ldquorepor o equiliacutebrio
dos interesses em presenccedilardquo dando ainda conta estes Autores da possibilidade da contraparte
da insolvente invocar judicialmente a excepccedilatildeo aqui prevista
A atribuiccedilatildeo legal deste direito de escolha ao administrador da insolvecircncia tem o seu
alicerce na impossibilidade geral de cumprimento das obrigaccedilotildees resultante da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia Efectivamente ldquose o insolvente se visse forccedilado a cumprir negoacutecios em curso os
pagamentos que efectuasse beneficiariam alguns credores em detrimento de outros sendo
por isso que a lei estabelece que os credores perdem com a declaraccedilatildeo de insolvecircncia a
possibilidade de exigir autonomamente os seus creacuteditosrdquo18 Compreende-se assim a
faculdade concedida ao administrador o cumprimento dos contratos sinalagmaacuteticos fica desta
forma dependente da sua conveniecircncia aos interesses da massa buscando-se desta forma uma
conciliaccedilatildeo destes interesses com o princiacutepio par conditio creditorum
Decidindo o administrador pelo cumprimento retoma-se o curso normal do contrato o
que significa que tanto o administrador da insolvecircncia como a contraparte do insolvente
podem exigir entre si o cumprimento das obrigaccedilotildees assumidas no contrato celebrado com a
especificidade de nos termos previstos na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 51ordm CIRE o creacutedito da
contraparte constituir creacutedito sobre a massa19 com as consequecircncias que tal qualificaccedilatildeo
acarreta (nordm 1 do artigo 46ordm e artigo 172ordm do CIRE)
Refira-se que natildeo satildeo legalmente estabelecidas sanccedilotildees para a massa pelo decurso do
periacuteodo de suspensatildeo designadamente no que tange aos efeitos da mora no cumprimento (por
exemplo juros ou outras indemnizaccedilotildees)20 o que significa que natildeo decorre da suspensatildeo pelo
administrador da insolvecircncia o direito a qualquer indemnizaccedilatildeo ou compensaccedilatildeo para a
contraparte do insolvente
Conforme se referiu supra a suspensatildeo do contrato prevista no nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE tem caraacutecter meramente transitoacuterio21 o que eacute assinalado por OLIVEIRA ASCENSAtildeO
17 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo ob cit p 393 18 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 182 19 ldquosalvo na medida correspondente agrave contraprestaccedilatildeo jaacute realizada pela outra parte anteriormente agrave declaraccedilatildeo de insolvecircnciaou que se reporte a periacuteodo anterior a essa declaraccedilatildeordquo como bem esclarece MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 e 184 20 Sobre este tema escreveu OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118) que ldquose era ao insolvente que cabia cumprir a ldquomorardquonatildeo eacute taxada de ilicitude Se era agrave outra parte natildeo se consente que se tirem em prejuiacutezo da massa as consequecircncias da mora do credorrdquo 21 Assim explica MENEZES LEITAtildeO queldquoa declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo afecta as pretensotildees de cumprimento destes contratos bilaterais pela outra parte apenas as suspendendo provisoriamente Eacute apenas a
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ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
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ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
11
certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
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consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
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Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
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comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
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1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
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consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
21
frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
28
No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
30
ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
O CONTRATO-PROMESSA SINALIZADO COM ENTREGA DE COISA
NA INSOLVEcircNCIA
IacuteNDICE
I ndash INTRODUCcedilAtildeO---------------------------------------------------------------------------------------1
II - Efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso-----------------------------4
1 - Acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 102ordm CIRE---------------------------------------------------------4
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE-----------------------------------------------------6
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei------------11
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia----------------------------12
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real---------------------------------------------------------12
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional---------------------------------15
121 Efeitos da recusa do cumprimento-------------------------------------------------------------16
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio------------------------------------------------------------------------17
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE------------------------------------------------20
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada-----------------------------------------------------23
1212 Direito de Retenccedilatildeo----------------------------------------------------------------------------27
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil-----------------------29
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de cumprimento pelo
administrador---------------------------------------------------------------------------------------------33
IV ndash CONCLUSAtildeO-------------------------------------------------------------------------------------37
BIBLIOGRAFIA----------------------------------------------------------------------------------------41
1
I - INTRODUCcedilAtildeO
O Coacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas1 aprovado pelo Decreto-Lei
532004 de 18 de Marccedilo veio introduzir alteraccedilotildees substanciais no regime da insolvecircncia A
mais significativa foi indubitavelmente aquela que o Preacircmbulo daquele Decreto-Lei refere
como ldquouma mais correcta perspectivaccedilatildeo e delineaccedilatildeo das finalidades e da estrutura do
processo a que preside uma filosofia autoacutenoma e distintardquo e que sinteticamente se define
na seguinte asserccedilatildeo ldquoO objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a
satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo
Surge assim como caracteriza OLIVEIRA ASCENSAtildeO um ldquoterremoto no sistema em
vigorrdquo2 na medida em que abandonando o regime vigente no Coacutedigo dos Processos
Especiais de Recuperaccedilatildeo da Empresa e de Falecircncia3 em que se dava prioridade agrave
recuperaccedilatildeo da empresa sobre a falecircncia (como ademais o proacuteprio tiacutetulo do corpo legislativo
indiciava) estabelecendo como finalidade preciacutepua do processo insolvencial a protecccedilatildeo do
insolvente e a manutenccedilatildeo da empresa passa-se a dar prioridade agrave satisfaccedilatildeo dos interesses
dos credores ndash sendo estes em uacuteltima instacircncia quem decide pelo encerramento da empresa
ou pela manutenccedilatildeo da sua actividade tendo sempre em vista qual dos meios eacute mais
conveniente agrave satisfaccedilatildeo dos seus interesses
Neste contexto a tutela dos interesses patrimoniais dos credores e o princiacutepio par
conditio creditorum conduzem e marcam a todo o passo o regime legal da insolvecircncia E eacute no
fraacutegil equiliacutebrio entre o interesse comum dos credores e a tutela dos direitos individuais das
contrapartes do insolvente no acircmbito de um contrato-promessa sinalizado e com entrega de
coisa que encontramos a temaacutetica que ora pretendemos abordar
Assim procura-se compreender quais os efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nesse
contrato-promessa caminho que natildeo se adivinha faacutecil natildeo soacute porque o capiacutetulo do CIRE que
rege os efeitos da insolvecircncia nos negoacutecios em curso foi uma profunda inovaccedilatildeo
relativamente ao anterior CPEREF como sublinha PESTANA DE VASCONCELOS quando
afirma que esta mateacuteria ldquofoi uma daquelas em que maiores alteraccedilotildees foram introduzidas e
tambeacutem onde mais perto se nota a sombra da Insolvenzordnung no que constitui um motivo
1 De ora em diante designado por CIRE 2 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo in Themis 2005 ediccedilatildeo especial Almedina Coimbra pp 105 e ss p 111 3 De ora em diante designado por CPEREF
9
2
adicional para o seu estudordquo4 mas tambeacutem porque a lei neste domiacutenio particular apresenta-se
complexa e lacunosa exigindo ao inteacuterprete um esforccedilo exegeacutetico substancial que tem dado
origem a exposiccedilotildees doutrinais e jurisprudenciais divergentes e mesmo contraditoacuterias
Natildeo obstante o aumento exponencial do nuacutemero de processos de insolvecircncia
consequecircncia do clima de crise econoacutemica que tatildeo intensamente assola o paiacutes justifica a
necessidade de um conhecimento profundo sobre o regime da insolvecircncia ndash e o facto dos
sectores de actividade mais atingidos pela crise econoacutemica serem precisamente o sector
imobiliaacuterio e o da construccedilatildeo civil cujas empresas (promitentes-vendedores em diversos
contratos-promessa celebrados e natildeo cumpridos) se vecircm frequentemente arrastadas para
situaccedilotildees de insolvecircncia imprime ao presente estudo uma proficiecircncia praacutetica indiscutiacutevel
Por outro lado o facto de estarem em causa contratos-promessa em que jaacute houve tradiccedilatildeo da
coisa e prestaccedilatildeo de sinal pelo promitente-comprador gera uma necessidade acrescida de
tutela de expectativas e direitos da contraparte sobretudo se tivermos em linha de conta que
na maioria dos casos e como nos mostra a experiecircncia o promitente-comprador seraacute um
consumidor e o objecto do contrato seraacute um edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma para sua habitaccedilatildeo
A temaacutetica que nos propomos abordar no presente relatoacuterio eacute assim a dos efeitos da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia no contrato-promessa sinalizado com entrega de coisa Como
decorre naturalmente da natureza do estudo centrar-nos-emos sobretudo no caso da
insolvecircncia do promitente-vendedor ndash natildeo apenas por ser aquela que sucede com mais
frequecircncia mas tambeacutem porque eacute a que levanta um maior nuacutemero de duacutevidas e contendas
juriacutedicas mas ainda pela imperiosidade de protecccedilatildeo e tutela da posiccedilatildeo juriacutedica do
promitente-comprador que seraacute na maioria das vezes a parte mais deacutebil da relaccedilatildeo contratual
O problema central a desenvolver eacute evidentemente o dos efeitos da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia na esfera da contraparte da insolvente no acircmbito de um contrato-promessa
sinalizado com entrega de coisa Para cuidar este tema iniciaremos uma breve incursatildeo no
regime geral dos efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso centrando a
nossa reflexatildeo no acircmbito e regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE Posteriormente
analisaremos concretamente qual o acircmbito concreto desses efeitos no contrato-promessa
sinalizada com tradiccedilatildeo da coisa com eficaacutecia real e com eficaacutecia meramente obrigacional
Relativamente a estes uacuteltimos centraremos a nossa reflexatildeo nos efeitos da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor no que tange ao direito indemnizatoacuterio do promitente-
4 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto III (2006) pp 521 e ss p 523
Ograve
3
comprador e eventuais garantias que tutelem esse direito procurando tomar posiccedilatildeo sobre as
inuacutemeras vozes doutrinais e juriprudenciais dissonantes que se tecircm vindo a manifestar sobre a
questatildeo
Estamos certos que muito ficaraacute por dizer sobre este tema que pela sua complexidade e
amplitude tem vindo a gerar posiccedilotildees diacutespares na doutrina e na jurisprudecircncia e a suscitar
profundas reflexotildees juriacutedicas que atendendo aos paracircmetros da presente exposiccedilatildeo natildeo
poderatildeo ser abordadas em toda a sua dimensatildeo Todavia tentaremos fazer uma abordagem o
mais ampla e completa possiacutevel remetendo sempre que possiacutevel para a jurisprudecircncia
existente e para a bibliografia dos Autores que se ocuparam das questotildees sobre os quais ora
iremos dissertar
Ograve
4
II - Efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso
A declaraccedilatildeo de insolvecircncia desencadeia os efeitos regulados no Tiacutetulo IV do CIRE o
qual se reparte por cinco capiacutetulos sendo que os quatro primeiros regulam sucessivamente
os efeitos sobre o devedor e outras pessoas (artigo 81ordm e ss) os efeitos processuais (artigo 85ordm
e ss) os efeitos sobre os creacuteditos (art 90ordm e ss) os efeitos sobre os negoacutecios em curso (art
102ordm e ss) e por uacuteltimo a resoluccedilatildeo em benefiacutecio da massa dos negoacutecios juriacutedicos
celebrados pelo insolvente (art 120ordm e ss)
Os principais efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia satildeo sobejamente conhecidos por
qualquer jurista pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia o insolvente eacute privado dos poderes de
disposiccedilatildeo e administraccedilatildeo dos seus bens presentes e futuros que passam a integrar a massa
falida poderes esses que passam a competir ao administrador da insolvecircncia todos os bens
susceptiacuteveis de penhora ainda que tenham sido penhorados arrestados ou por qualquer forma
apreendidos ou detidos noutro processo satildeo apreendidos vencem-se todas as obrigaccedilotildees do
falido entre outros
Atendendo ao tema que nos propomos tratar centrar-nos-emos apenas na disciplina
juriacutedica dos negoacutecios em curso actualmente prevista nos artigos 102ordm e seguintes do CIRE e
que podemos definir como ldquorelaccedilotildees juriacutedicas jaacute constituiacutedas incumpridas total ou
parcialmente por um ou por ambos os titulares ou mesmo relaccedilotildees juriacutedicas duradouras (por
exemplo o arrendamento o contrato de trabalho a associaccedilatildeo em participaccedilatildeo) cujo
denominador comum reside na necessidade de um regimen falencial particular (de
manutenccedilatildeo de extinccedilatildeo ou ateacute de suspensatildeo de cumprimento integral ou de cumprimento
rateadordquo5
1 - Acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 102ordm CIRE
O artigo 102ordm CIRE propotildee-se estabelecer nos termos da sua epiacutegrafe um ldquoprinciacutepio
geral quanto a negoacutecios ainda natildeo cumpridosrdquo Relativamente a esta mateacuteria o CPEREF
nos seus artigos 161ordm e seguintes havia optado por uma regulaccedilatildeo casuiacutestica para diversos
negoacutecios juriacutedicos tipificados natildeo prevendo qualquer princiacutepio geral que regulasse os
5 A definiccedilatildeo eacute de MARIA DO ROSAacuteRIO EPIFAcircNIO (ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo Universidade Catoacutelica Porto 2000) e foi elaborada agrave luz do CPEREF mas pensamos que manteacutem a sua actualidade face ao CIRE
Ograve
5
negoacutecios juriacutedicos em curso Esta soluccedilatildeo foi no entanto ao longo da vigecircncia do CPEREF
alvo de diversas vozes criacuteticas6
Nessa medida a norma prevista no mencionado artigo 102ordm constitui uma inovaccedilatildeo face
ao regime anterior7 Todavia parece-nos que a epiacutegrafe deste artigo seraacute demasiado
pretensiosa relativamente ao seu verdadeiro acircmbito ndash uma leitura atenta do seu teor permite
compreender o seu restrito acircmbito de aplicaccedilatildeo jaacute que a soluccedilatildeo nele consagrada apenas se
aplica a contratos sinalagmaacuteticos em que natildeo haja ainda total cumprimento nem pelo
insolvente nem pela outra parte contratual
Do seu acircmbito ficam portanto excluiacutedos ldquoos negoacutecios unilaterais os contratos
unilaterais os contratos bilaterais imperfeitos assim como aqueles contratos bilaterais
signalamaacuteticos em que uma das partes jaacute tenha cumprido na iacutentegrardquo8 Esta exclusatildeo natildeo eacute
de todo despicienda porquanto se reveste de uma importacircncia praacutetica manifesta
Efectivamente ldquoActos muito importantes da vida corrente satildeo negoacutecios juriacutedicos unilaterais
Eacute-o a promessa puacuteblica e ateacute a proposta simples de contrato eacute-o o negoacutecio cambiaacuterio satildeo-
no mesmo os negoacutecios em mercados de capitais (hellip)9 Nesta conformidade estamos de acordo
com MENEZES LEITAtildeO quando propugna que ldquouma norma sobre contratos bilaterais
6 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoEfeitos da Falecircncia sobre a Pessoa e os Negoacutecios do Falidordquo in Revista da Ordem dos Advogados III ano 55 Dezembro 1995 pp 641 e ss p 658 7 Dado o caraacutecter naturalmente sucinto do presente relatoacuterio natildeo tem aqui cabimento uma anaacutelise da evoluccedilatildeo histoacuterica do regime em estudo Dir-se-aacute apenas que no regime do CPC vigente ateacute agrave entrada em vigor do CPEREF em 1993 se encontrava tambeacutem prevista um princiacutepio geral relativo aos contratos bilaterais do falido no seu artigo 1197ordm Diversamente o CPEREF nos seus artigos 161ordm e seguintes optou por uma soluccedilatildeo casuiacutestica estabelecendo um regime particular para negoacutecios juriacutedicos tipificados 8 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 537 9 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo op cit pag 111 Este autor defende a aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime previsto no artigo 102ordm aos negoacutecios juriacutedicos unilaterais e aos contratos unilaterais propugnando que ldquoSe o que se assegura eacute um tempo de espera em que se pondera se o cumprimento eacute ou natildeo beneacutefico para a situaccedilatildeo decorrente da insolvecircncia entatildeo do mesmo modo parece aqui conveniente a suspensatildeo A comum natureza de negoacutecio juriacutedico associada agrave ratio legis ampara bem esta soluccedilatildeordquo salientando no entanto que ldquoa aplicaccedilatildeo eacute analoacutegica uma vez que natildeo haacute razatildeo para pretender que o legislador disse menos que o que queriardquo Contra a descrita interpretaccedilatildeo manifestou-se Menezes Leitatildeo expondo que ldquonatildeo vemos que a analogia se justifiquerdquo (novo pag 182) Cremos que assiste razatildeo a este uacuteltimo Autor Efectivamente a justificaccedilatildeo para a suspensatildeo dos contratos bilaterais eacute precisamente a existecircncia do sinalagma conforme explica ainda Menezes Leitatildeo ldquoCorrespondendo no entanto esses negoacutecios em curso a contratos bilaterais o sinalagma leva a que a outra parte natildeo seja obrigada a cumprir se o insolvente natildeo o fizer Ora como o cumprimento desses contratos pode ser conveniente aos interesses da massa concede-se ao administrador a possibilidade de optar entre o cumprimento do contrato e a sua recusa consoante for ou natildeo conveniente para a massardquo Assim se natildeo nos faltaratildeo exemplos de situaccedilotildees no acircmbito de contratos bilaterais em que seja conveniente para a massa o cumprimento do contrato apesar da declaraccedilatildeo de insolvecircncia por ter interesse na realizaccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo jaacute dificilmente tal sucederaacute no acircmbito de um negoacutecio juriacutedico unilateral porquanto a massa insolvente natildeo eacute neste caso credora de qualquer prestaccedilatildeo Parece-nos assim de iure constituendo que natildeo seria desapropriada a configuraccedilatildeo de uma norma que previsse o princiacutepio geral de extinccedilatildeo automaacutetica de negoacutecios juriacutedicos unilaterais e contratos unilaterais (em que fosse obrigado o insolvente obviamente jaacute que a situaccedilatildeo inversa cairia no acircmbito do artigo 91ordm do CIRE)
Ograve
6
dificilmente pode ser elevada agrave categoria de princiacutepio geral uma vez que os contratos natildeo
sinalagmaacuteticos ficam de fora e em relaccedilatildeo a estes natildeo aparece qualquer regimerdquo10 A isto
acresce ainda como assinala o mesmo Autor11 o facto de ser rara a hipoacutetese de natildeo haver de
nenhuma das partes cumprimento total do contrato
Por outro lado haacute ainda que ter em linha de conta que a disposiccedilatildeo normativa do nordm 1
do artigo 102ordm ressalva logo no seu iniacutecio ldquoSem prejuiacutezo do disposto nos artigos seguintesrdquo
o que equivale por dizer que a norma aqui prevista acaba por gozar de caraacutecter supletivo face
agrave regulaccedilatildeo particular do destino de negoacutecios juriacutedicos em curso nos artigos 104ordm a 118ordm do
CIRE ao inveacutes da forccedila de princiacutepio geral que o legislador aparentemente lhe quis atribuir
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE
O princiacutepio geral quanto aos negoacutecios ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia estabelecido no nordm 1 do artigo 102ordm CIRE eacute a suspensatildeo do cumprimento ateacute que
o administrador da insolvecircncia declare optar pela execuccedilatildeo ou recusar o cumprimento Assim
no que tange aos contratos bilaterais ainda natildeo integralmente cumpridos pelas partes agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia a lei determina um princiacutepio geneacuterico da manutenccedilatildeo daqueles
num estado de suspensatildeo ateacute ao exerciacutecio do direito de opccedilatildeo pelo administrador Trata-se de
uma suspensatildeo transitoacuteria que tem como funccedilatildeo conceder ao administrador da insolvecircncia o
periacuteodo de tempo necessaacuterio agrave ponderaccedilatildeo da conveniecircncia do cumprimento do contrato para
os interesses da massa
A opccedilatildeo pelo cumprimento ou pela recusa concedida ao administrador da insolvecircncia
natildeo eacute livre na medida em que seraacute sempre norteada pela defesa dos interesses da massa
Efectivamente e como esclarece GRAVATO MORAIS ldquoA ldquoopccedilatildeordquo por uma ou outra via
pressupotildee a devida ponderaccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia da situaccedilatildeo concreta agrave luz
dos interesses da massa e em vista da satisfaccedilatildeo dos credores da insolvecircncia natildeo tendo
portanto total liberdade para se pronunciar num ou noutro sentidordquo12 Pode assim dizer-se
que a faculdade de opccedilatildeo do administrador eacute tendencialmente livre tendo em conta as funccedilotildees
10 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo in ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresasrdquo publicaccedilatildeo do Ministeacuterio da Justiccedila Gabinete de Poliacutetica Legislativa e Planeamento Coimbra Editora 2004 pp 61 e ss p 118 11 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118 12 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo Cadernos de Direito Privado nordm 29 JaneiroMarccedilo 2010 pp 3 e ss p 7
Ograve
7
que lhe satildeo cometidas pelo artigo 55ordm do CIRE no acircmbito das quais ela estaacute ainda iacutensita Natildeo
podemos assim olvidar que toda a actuaccedilatildeo do administrador eacute pautada pelo superior interesse
da massa insolvente13 conforme bem resumem LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA
quando esclarecem que ldquoO administrador deve prover ao exerciacutecio de todos os direitos de
caraacutecter patrimonial que integram a massa e garantir dentro das possibilidades a melhor
rentabilidade dos bens apreendidos de sorte a que no miacutenimo ela cubra a inflaccedilatildeo deve
obviar agrave realizaccedilatildeo de despesas e agrave contenccedilatildeo de encargos desnecessaacuterios ou que natildeo gerem
um retorno pelo menos equivalente a valores actualizados e deve promover a alienaccedilatildeo
dos bens pelos meios e modos que em concreto se mostrem mais adequados agrave maximizaccedilatildeo
do valor dos mesmosrdquo14
Nesta conformidade este direito natildeo pode ser exercido de forma arbitraacuteria ou leviana -
na base da decisatildeo do administrador deveraacute estar sempre a anaacutelise da opccedilatildeo ser mais
favoraacutevel aos interesses da massa e acima de tudo se essa opccedilatildeo natildeo prejudica tais interesses
de forma relevante15 Os credores satildeo no acircmbito do CIRE os titulares do principal direito que
o processo insolvencial visa acautelar que mais natildeo eacute que o pagamento dos respectivos
creacuteditos Por forccedila dessa sua posiccedilatildeo eacute a vontade dos credores que comanda todo o processo
Por outro lado a escolha do administrador da insolvecircncia encontra-se ainda
condicionada pelo disposto no nordm 4 do artigo 102ordm que dispotildee que ldquoa opccedilatildeo pela execuccedilatildeo eacute
abusiva se o cumprimento pontual das obrigaccedilotildees contratuais por parte da massa insolvente
for manifestamente improvaacutevelrdquo Estabelece-se assim um limite definitivo agrave ponderaccedilatildeo dos
interesses em causa pelo administrador da insolvecircncia limite que OLIVEIRA ASCENSAtildeO
caracteriza como um verdadeiro ldquodever de recusar o cumprimentordquo16 Conforme esclarecem
13 Como ensina MENEZES LEITAtildeOldquoO administrador da insolvecircncia tem essencialmente como funccedilotildees assumir o controlo da massa insolvente proceder agrave sua administraccedilatildeo e liquidaccedilatildeo e repartir pelos credores o respectivo produto finalrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2011 p 122) 14 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo Lisboa Quid Juris 2005 p 257 15 Tais criteacuterios emanam da proacutepria natureza e finalidades prosseguidas com o processo de insolvecircncia fixados no preacircmbulo do Decreto-Lei 522004 de 18 de Marccedilo que estabeleceldquoo objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo Efectivamente ldquoCom o hellip CIREhellip o fim da recuperaccedilatildeo eacute subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade uacutenica que orienta todo o regimehellip conferindo a soberania aos credoresrdquo (FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoPressupostos Objectivos e Subjectivos da Insolvecircnciardquo in Themis da Faculdade de Direito da UNL 2005 pp 11 e ss p 12) Pode assim afirmar-se indubitavelmente que o CIRE consagra o retorno ao princiacutepio da insolvecircncia-liquidaccedilatildeo em benefiacutecio dos credores (satildeo paradigmaacuteticos neste sentido os artigos 52ordm 53ordm nordm 2 do artigo 56ordm e 59ordm do CIRE) em substituiccedilatildeo da primazia agrave recuperaccedilatildeo da empresa visiacutevel nos artigos 1ordm 2ordm e 3ordm do CPEREF 16 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 119
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LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA 17 esta disposiccedilatildeo legal visa ldquorepor o equiliacutebrio
dos interesses em presenccedilardquo dando ainda conta estes Autores da possibilidade da contraparte
da insolvente invocar judicialmente a excepccedilatildeo aqui prevista
A atribuiccedilatildeo legal deste direito de escolha ao administrador da insolvecircncia tem o seu
alicerce na impossibilidade geral de cumprimento das obrigaccedilotildees resultante da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia Efectivamente ldquose o insolvente se visse forccedilado a cumprir negoacutecios em curso os
pagamentos que efectuasse beneficiariam alguns credores em detrimento de outros sendo
por isso que a lei estabelece que os credores perdem com a declaraccedilatildeo de insolvecircncia a
possibilidade de exigir autonomamente os seus creacuteditosrdquo18 Compreende-se assim a
faculdade concedida ao administrador o cumprimento dos contratos sinalagmaacuteticos fica desta
forma dependente da sua conveniecircncia aos interesses da massa buscando-se desta forma uma
conciliaccedilatildeo destes interesses com o princiacutepio par conditio creditorum
Decidindo o administrador pelo cumprimento retoma-se o curso normal do contrato o
que significa que tanto o administrador da insolvecircncia como a contraparte do insolvente
podem exigir entre si o cumprimento das obrigaccedilotildees assumidas no contrato celebrado com a
especificidade de nos termos previstos na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 51ordm CIRE o creacutedito da
contraparte constituir creacutedito sobre a massa19 com as consequecircncias que tal qualificaccedilatildeo
acarreta (nordm 1 do artigo 46ordm e artigo 172ordm do CIRE)
Refira-se que natildeo satildeo legalmente estabelecidas sanccedilotildees para a massa pelo decurso do
periacuteodo de suspensatildeo designadamente no que tange aos efeitos da mora no cumprimento (por
exemplo juros ou outras indemnizaccedilotildees)20 o que significa que natildeo decorre da suspensatildeo pelo
administrador da insolvecircncia o direito a qualquer indemnizaccedilatildeo ou compensaccedilatildeo para a
contraparte do insolvente
Conforme se referiu supra a suspensatildeo do contrato prevista no nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE tem caraacutecter meramente transitoacuterio21 o que eacute assinalado por OLIVEIRA ASCENSAtildeO
17 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo ob cit p 393 18 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 182 19 ldquosalvo na medida correspondente agrave contraprestaccedilatildeo jaacute realizada pela outra parte anteriormente agrave declaraccedilatildeo de insolvecircnciaou que se reporte a periacuteodo anterior a essa declaraccedilatildeordquo como bem esclarece MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 e 184 20 Sobre este tema escreveu OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118) que ldquose era ao insolvente que cabia cumprir a ldquomorardquonatildeo eacute taxada de ilicitude Se era agrave outra parte natildeo se consente que se tirem em prejuiacutezo da massa as consequecircncias da mora do credorrdquo 21 Assim explica MENEZES LEITAtildeO queldquoa declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo afecta as pretensotildees de cumprimento destes contratos bilaterais pela outra parte apenas as suspendendo provisoriamente Eacute apenas a
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ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
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ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
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certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
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consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
14
Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
15
lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
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comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
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1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
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consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
31
comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
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anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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ss
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoA Cessatildeo de Creacuteditos em garantia e a
Insolvecircncia em particular da posiccedilatildeo do cessionaacuterio na insolvecircncia do cedenterdquo Coimbra
Editora Coimbra 2007
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VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e
falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito das Garantiasrdquo Almedina
Coimbra 2010
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa
e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss
Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
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I - INTRODUCcedilAtildeO
O Coacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas1 aprovado pelo Decreto-Lei
532004 de 18 de Marccedilo veio introduzir alteraccedilotildees substanciais no regime da insolvecircncia A
mais significativa foi indubitavelmente aquela que o Preacircmbulo daquele Decreto-Lei refere
como ldquouma mais correcta perspectivaccedilatildeo e delineaccedilatildeo das finalidades e da estrutura do
processo a que preside uma filosofia autoacutenoma e distintardquo e que sinteticamente se define
na seguinte asserccedilatildeo ldquoO objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a
satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo
Surge assim como caracteriza OLIVEIRA ASCENSAtildeO um ldquoterremoto no sistema em
vigorrdquo2 na medida em que abandonando o regime vigente no Coacutedigo dos Processos
Especiais de Recuperaccedilatildeo da Empresa e de Falecircncia3 em que se dava prioridade agrave
recuperaccedilatildeo da empresa sobre a falecircncia (como ademais o proacuteprio tiacutetulo do corpo legislativo
indiciava) estabelecendo como finalidade preciacutepua do processo insolvencial a protecccedilatildeo do
insolvente e a manutenccedilatildeo da empresa passa-se a dar prioridade agrave satisfaccedilatildeo dos interesses
dos credores ndash sendo estes em uacuteltima instacircncia quem decide pelo encerramento da empresa
ou pela manutenccedilatildeo da sua actividade tendo sempre em vista qual dos meios eacute mais
conveniente agrave satisfaccedilatildeo dos seus interesses
Neste contexto a tutela dos interesses patrimoniais dos credores e o princiacutepio par
conditio creditorum conduzem e marcam a todo o passo o regime legal da insolvecircncia E eacute no
fraacutegil equiliacutebrio entre o interesse comum dos credores e a tutela dos direitos individuais das
contrapartes do insolvente no acircmbito de um contrato-promessa sinalizado e com entrega de
coisa que encontramos a temaacutetica que ora pretendemos abordar
Assim procura-se compreender quais os efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nesse
contrato-promessa caminho que natildeo se adivinha faacutecil natildeo soacute porque o capiacutetulo do CIRE que
rege os efeitos da insolvecircncia nos negoacutecios em curso foi uma profunda inovaccedilatildeo
relativamente ao anterior CPEREF como sublinha PESTANA DE VASCONCELOS quando
afirma que esta mateacuteria ldquofoi uma daquelas em que maiores alteraccedilotildees foram introduzidas e
tambeacutem onde mais perto se nota a sombra da Insolvenzordnung no que constitui um motivo
1 De ora em diante designado por CIRE 2 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo in Themis 2005 ediccedilatildeo especial Almedina Coimbra pp 105 e ss p 111 3 De ora em diante designado por CPEREF
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adicional para o seu estudordquo4 mas tambeacutem porque a lei neste domiacutenio particular apresenta-se
complexa e lacunosa exigindo ao inteacuterprete um esforccedilo exegeacutetico substancial que tem dado
origem a exposiccedilotildees doutrinais e jurisprudenciais divergentes e mesmo contraditoacuterias
Natildeo obstante o aumento exponencial do nuacutemero de processos de insolvecircncia
consequecircncia do clima de crise econoacutemica que tatildeo intensamente assola o paiacutes justifica a
necessidade de um conhecimento profundo sobre o regime da insolvecircncia ndash e o facto dos
sectores de actividade mais atingidos pela crise econoacutemica serem precisamente o sector
imobiliaacuterio e o da construccedilatildeo civil cujas empresas (promitentes-vendedores em diversos
contratos-promessa celebrados e natildeo cumpridos) se vecircm frequentemente arrastadas para
situaccedilotildees de insolvecircncia imprime ao presente estudo uma proficiecircncia praacutetica indiscutiacutevel
Por outro lado o facto de estarem em causa contratos-promessa em que jaacute houve tradiccedilatildeo da
coisa e prestaccedilatildeo de sinal pelo promitente-comprador gera uma necessidade acrescida de
tutela de expectativas e direitos da contraparte sobretudo se tivermos em linha de conta que
na maioria dos casos e como nos mostra a experiecircncia o promitente-comprador seraacute um
consumidor e o objecto do contrato seraacute um edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma para sua habitaccedilatildeo
A temaacutetica que nos propomos abordar no presente relatoacuterio eacute assim a dos efeitos da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia no contrato-promessa sinalizado com entrega de coisa Como
decorre naturalmente da natureza do estudo centrar-nos-emos sobretudo no caso da
insolvecircncia do promitente-vendedor ndash natildeo apenas por ser aquela que sucede com mais
frequecircncia mas tambeacutem porque eacute a que levanta um maior nuacutemero de duacutevidas e contendas
juriacutedicas mas ainda pela imperiosidade de protecccedilatildeo e tutela da posiccedilatildeo juriacutedica do
promitente-comprador que seraacute na maioria das vezes a parte mais deacutebil da relaccedilatildeo contratual
O problema central a desenvolver eacute evidentemente o dos efeitos da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia na esfera da contraparte da insolvente no acircmbito de um contrato-promessa
sinalizado com entrega de coisa Para cuidar este tema iniciaremos uma breve incursatildeo no
regime geral dos efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso centrando a
nossa reflexatildeo no acircmbito e regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE Posteriormente
analisaremos concretamente qual o acircmbito concreto desses efeitos no contrato-promessa
sinalizada com tradiccedilatildeo da coisa com eficaacutecia real e com eficaacutecia meramente obrigacional
Relativamente a estes uacuteltimos centraremos a nossa reflexatildeo nos efeitos da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor no que tange ao direito indemnizatoacuterio do promitente-
4 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto III (2006) pp 521 e ss p 523
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comprador e eventuais garantias que tutelem esse direito procurando tomar posiccedilatildeo sobre as
inuacutemeras vozes doutrinais e juriprudenciais dissonantes que se tecircm vindo a manifestar sobre a
questatildeo
Estamos certos que muito ficaraacute por dizer sobre este tema que pela sua complexidade e
amplitude tem vindo a gerar posiccedilotildees diacutespares na doutrina e na jurisprudecircncia e a suscitar
profundas reflexotildees juriacutedicas que atendendo aos paracircmetros da presente exposiccedilatildeo natildeo
poderatildeo ser abordadas em toda a sua dimensatildeo Todavia tentaremos fazer uma abordagem o
mais ampla e completa possiacutevel remetendo sempre que possiacutevel para a jurisprudecircncia
existente e para a bibliografia dos Autores que se ocuparam das questotildees sobre os quais ora
iremos dissertar
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II - Efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso
A declaraccedilatildeo de insolvecircncia desencadeia os efeitos regulados no Tiacutetulo IV do CIRE o
qual se reparte por cinco capiacutetulos sendo que os quatro primeiros regulam sucessivamente
os efeitos sobre o devedor e outras pessoas (artigo 81ordm e ss) os efeitos processuais (artigo 85ordm
e ss) os efeitos sobre os creacuteditos (art 90ordm e ss) os efeitos sobre os negoacutecios em curso (art
102ordm e ss) e por uacuteltimo a resoluccedilatildeo em benefiacutecio da massa dos negoacutecios juriacutedicos
celebrados pelo insolvente (art 120ordm e ss)
Os principais efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia satildeo sobejamente conhecidos por
qualquer jurista pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia o insolvente eacute privado dos poderes de
disposiccedilatildeo e administraccedilatildeo dos seus bens presentes e futuros que passam a integrar a massa
falida poderes esses que passam a competir ao administrador da insolvecircncia todos os bens
susceptiacuteveis de penhora ainda que tenham sido penhorados arrestados ou por qualquer forma
apreendidos ou detidos noutro processo satildeo apreendidos vencem-se todas as obrigaccedilotildees do
falido entre outros
Atendendo ao tema que nos propomos tratar centrar-nos-emos apenas na disciplina
juriacutedica dos negoacutecios em curso actualmente prevista nos artigos 102ordm e seguintes do CIRE e
que podemos definir como ldquorelaccedilotildees juriacutedicas jaacute constituiacutedas incumpridas total ou
parcialmente por um ou por ambos os titulares ou mesmo relaccedilotildees juriacutedicas duradouras (por
exemplo o arrendamento o contrato de trabalho a associaccedilatildeo em participaccedilatildeo) cujo
denominador comum reside na necessidade de um regimen falencial particular (de
manutenccedilatildeo de extinccedilatildeo ou ateacute de suspensatildeo de cumprimento integral ou de cumprimento
rateadordquo5
1 - Acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 102ordm CIRE
O artigo 102ordm CIRE propotildee-se estabelecer nos termos da sua epiacutegrafe um ldquoprinciacutepio
geral quanto a negoacutecios ainda natildeo cumpridosrdquo Relativamente a esta mateacuteria o CPEREF
nos seus artigos 161ordm e seguintes havia optado por uma regulaccedilatildeo casuiacutestica para diversos
negoacutecios juriacutedicos tipificados natildeo prevendo qualquer princiacutepio geral que regulasse os
5 A definiccedilatildeo eacute de MARIA DO ROSAacuteRIO EPIFAcircNIO (ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo Universidade Catoacutelica Porto 2000) e foi elaborada agrave luz do CPEREF mas pensamos que manteacutem a sua actualidade face ao CIRE
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negoacutecios juriacutedicos em curso Esta soluccedilatildeo foi no entanto ao longo da vigecircncia do CPEREF
alvo de diversas vozes criacuteticas6
Nessa medida a norma prevista no mencionado artigo 102ordm constitui uma inovaccedilatildeo face
ao regime anterior7 Todavia parece-nos que a epiacutegrafe deste artigo seraacute demasiado
pretensiosa relativamente ao seu verdadeiro acircmbito ndash uma leitura atenta do seu teor permite
compreender o seu restrito acircmbito de aplicaccedilatildeo jaacute que a soluccedilatildeo nele consagrada apenas se
aplica a contratos sinalagmaacuteticos em que natildeo haja ainda total cumprimento nem pelo
insolvente nem pela outra parte contratual
Do seu acircmbito ficam portanto excluiacutedos ldquoos negoacutecios unilaterais os contratos
unilaterais os contratos bilaterais imperfeitos assim como aqueles contratos bilaterais
signalamaacuteticos em que uma das partes jaacute tenha cumprido na iacutentegrardquo8 Esta exclusatildeo natildeo eacute
de todo despicienda porquanto se reveste de uma importacircncia praacutetica manifesta
Efectivamente ldquoActos muito importantes da vida corrente satildeo negoacutecios juriacutedicos unilaterais
Eacute-o a promessa puacuteblica e ateacute a proposta simples de contrato eacute-o o negoacutecio cambiaacuterio satildeo-
no mesmo os negoacutecios em mercados de capitais (hellip)9 Nesta conformidade estamos de acordo
com MENEZES LEITAtildeO quando propugna que ldquouma norma sobre contratos bilaterais
6 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoEfeitos da Falecircncia sobre a Pessoa e os Negoacutecios do Falidordquo in Revista da Ordem dos Advogados III ano 55 Dezembro 1995 pp 641 e ss p 658 7 Dado o caraacutecter naturalmente sucinto do presente relatoacuterio natildeo tem aqui cabimento uma anaacutelise da evoluccedilatildeo histoacuterica do regime em estudo Dir-se-aacute apenas que no regime do CPC vigente ateacute agrave entrada em vigor do CPEREF em 1993 se encontrava tambeacutem prevista um princiacutepio geral relativo aos contratos bilaterais do falido no seu artigo 1197ordm Diversamente o CPEREF nos seus artigos 161ordm e seguintes optou por uma soluccedilatildeo casuiacutestica estabelecendo um regime particular para negoacutecios juriacutedicos tipificados 8 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 537 9 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo op cit pag 111 Este autor defende a aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime previsto no artigo 102ordm aos negoacutecios juriacutedicos unilaterais e aos contratos unilaterais propugnando que ldquoSe o que se assegura eacute um tempo de espera em que se pondera se o cumprimento eacute ou natildeo beneacutefico para a situaccedilatildeo decorrente da insolvecircncia entatildeo do mesmo modo parece aqui conveniente a suspensatildeo A comum natureza de negoacutecio juriacutedico associada agrave ratio legis ampara bem esta soluccedilatildeordquo salientando no entanto que ldquoa aplicaccedilatildeo eacute analoacutegica uma vez que natildeo haacute razatildeo para pretender que o legislador disse menos que o que queriardquo Contra a descrita interpretaccedilatildeo manifestou-se Menezes Leitatildeo expondo que ldquonatildeo vemos que a analogia se justifiquerdquo (novo pag 182) Cremos que assiste razatildeo a este uacuteltimo Autor Efectivamente a justificaccedilatildeo para a suspensatildeo dos contratos bilaterais eacute precisamente a existecircncia do sinalagma conforme explica ainda Menezes Leitatildeo ldquoCorrespondendo no entanto esses negoacutecios em curso a contratos bilaterais o sinalagma leva a que a outra parte natildeo seja obrigada a cumprir se o insolvente natildeo o fizer Ora como o cumprimento desses contratos pode ser conveniente aos interesses da massa concede-se ao administrador a possibilidade de optar entre o cumprimento do contrato e a sua recusa consoante for ou natildeo conveniente para a massardquo Assim se natildeo nos faltaratildeo exemplos de situaccedilotildees no acircmbito de contratos bilaterais em que seja conveniente para a massa o cumprimento do contrato apesar da declaraccedilatildeo de insolvecircncia por ter interesse na realizaccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo jaacute dificilmente tal sucederaacute no acircmbito de um negoacutecio juriacutedico unilateral porquanto a massa insolvente natildeo eacute neste caso credora de qualquer prestaccedilatildeo Parece-nos assim de iure constituendo que natildeo seria desapropriada a configuraccedilatildeo de uma norma que previsse o princiacutepio geral de extinccedilatildeo automaacutetica de negoacutecios juriacutedicos unilaterais e contratos unilaterais (em que fosse obrigado o insolvente obviamente jaacute que a situaccedilatildeo inversa cairia no acircmbito do artigo 91ordm do CIRE)
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dificilmente pode ser elevada agrave categoria de princiacutepio geral uma vez que os contratos natildeo
sinalagmaacuteticos ficam de fora e em relaccedilatildeo a estes natildeo aparece qualquer regimerdquo10 A isto
acresce ainda como assinala o mesmo Autor11 o facto de ser rara a hipoacutetese de natildeo haver de
nenhuma das partes cumprimento total do contrato
Por outro lado haacute ainda que ter em linha de conta que a disposiccedilatildeo normativa do nordm 1
do artigo 102ordm ressalva logo no seu iniacutecio ldquoSem prejuiacutezo do disposto nos artigos seguintesrdquo
o que equivale por dizer que a norma aqui prevista acaba por gozar de caraacutecter supletivo face
agrave regulaccedilatildeo particular do destino de negoacutecios juriacutedicos em curso nos artigos 104ordm a 118ordm do
CIRE ao inveacutes da forccedila de princiacutepio geral que o legislador aparentemente lhe quis atribuir
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE
O princiacutepio geral quanto aos negoacutecios ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia estabelecido no nordm 1 do artigo 102ordm CIRE eacute a suspensatildeo do cumprimento ateacute que
o administrador da insolvecircncia declare optar pela execuccedilatildeo ou recusar o cumprimento Assim
no que tange aos contratos bilaterais ainda natildeo integralmente cumpridos pelas partes agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia a lei determina um princiacutepio geneacuterico da manutenccedilatildeo daqueles
num estado de suspensatildeo ateacute ao exerciacutecio do direito de opccedilatildeo pelo administrador Trata-se de
uma suspensatildeo transitoacuteria que tem como funccedilatildeo conceder ao administrador da insolvecircncia o
periacuteodo de tempo necessaacuterio agrave ponderaccedilatildeo da conveniecircncia do cumprimento do contrato para
os interesses da massa
A opccedilatildeo pelo cumprimento ou pela recusa concedida ao administrador da insolvecircncia
natildeo eacute livre na medida em que seraacute sempre norteada pela defesa dos interesses da massa
Efectivamente e como esclarece GRAVATO MORAIS ldquoA ldquoopccedilatildeordquo por uma ou outra via
pressupotildee a devida ponderaccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia da situaccedilatildeo concreta agrave luz
dos interesses da massa e em vista da satisfaccedilatildeo dos credores da insolvecircncia natildeo tendo
portanto total liberdade para se pronunciar num ou noutro sentidordquo12 Pode assim dizer-se
que a faculdade de opccedilatildeo do administrador eacute tendencialmente livre tendo em conta as funccedilotildees
10 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo in ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresasrdquo publicaccedilatildeo do Ministeacuterio da Justiccedila Gabinete de Poliacutetica Legislativa e Planeamento Coimbra Editora 2004 pp 61 e ss p 118 11 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118 12 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo Cadernos de Direito Privado nordm 29 JaneiroMarccedilo 2010 pp 3 e ss p 7
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que lhe satildeo cometidas pelo artigo 55ordm do CIRE no acircmbito das quais ela estaacute ainda iacutensita Natildeo
podemos assim olvidar que toda a actuaccedilatildeo do administrador eacute pautada pelo superior interesse
da massa insolvente13 conforme bem resumem LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA
quando esclarecem que ldquoO administrador deve prover ao exerciacutecio de todos os direitos de
caraacutecter patrimonial que integram a massa e garantir dentro das possibilidades a melhor
rentabilidade dos bens apreendidos de sorte a que no miacutenimo ela cubra a inflaccedilatildeo deve
obviar agrave realizaccedilatildeo de despesas e agrave contenccedilatildeo de encargos desnecessaacuterios ou que natildeo gerem
um retorno pelo menos equivalente a valores actualizados e deve promover a alienaccedilatildeo
dos bens pelos meios e modos que em concreto se mostrem mais adequados agrave maximizaccedilatildeo
do valor dos mesmosrdquo14
Nesta conformidade este direito natildeo pode ser exercido de forma arbitraacuteria ou leviana -
na base da decisatildeo do administrador deveraacute estar sempre a anaacutelise da opccedilatildeo ser mais
favoraacutevel aos interesses da massa e acima de tudo se essa opccedilatildeo natildeo prejudica tais interesses
de forma relevante15 Os credores satildeo no acircmbito do CIRE os titulares do principal direito que
o processo insolvencial visa acautelar que mais natildeo eacute que o pagamento dos respectivos
creacuteditos Por forccedila dessa sua posiccedilatildeo eacute a vontade dos credores que comanda todo o processo
Por outro lado a escolha do administrador da insolvecircncia encontra-se ainda
condicionada pelo disposto no nordm 4 do artigo 102ordm que dispotildee que ldquoa opccedilatildeo pela execuccedilatildeo eacute
abusiva se o cumprimento pontual das obrigaccedilotildees contratuais por parte da massa insolvente
for manifestamente improvaacutevelrdquo Estabelece-se assim um limite definitivo agrave ponderaccedilatildeo dos
interesses em causa pelo administrador da insolvecircncia limite que OLIVEIRA ASCENSAtildeO
caracteriza como um verdadeiro ldquodever de recusar o cumprimentordquo16 Conforme esclarecem
13 Como ensina MENEZES LEITAtildeOldquoO administrador da insolvecircncia tem essencialmente como funccedilotildees assumir o controlo da massa insolvente proceder agrave sua administraccedilatildeo e liquidaccedilatildeo e repartir pelos credores o respectivo produto finalrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2011 p 122) 14 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo Lisboa Quid Juris 2005 p 257 15 Tais criteacuterios emanam da proacutepria natureza e finalidades prosseguidas com o processo de insolvecircncia fixados no preacircmbulo do Decreto-Lei 522004 de 18 de Marccedilo que estabeleceldquoo objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo Efectivamente ldquoCom o hellip CIREhellip o fim da recuperaccedilatildeo eacute subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade uacutenica que orienta todo o regimehellip conferindo a soberania aos credoresrdquo (FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoPressupostos Objectivos e Subjectivos da Insolvecircnciardquo in Themis da Faculdade de Direito da UNL 2005 pp 11 e ss p 12) Pode assim afirmar-se indubitavelmente que o CIRE consagra o retorno ao princiacutepio da insolvecircncia-liquidaccedilatildeo em benefiacutecio dos credores (satildeo paradigmaacuteticos neste sentido os artigos 52ordm 53ordm nordm 2 do artigo 56ordm e 59ordm do CIRE) em substituiccedilatildeo da primazia agrave recuperaccedilatildeo da empresa visiacutevel nos artigos 1ordm 2ordm e 3ordm do CPEREF 16 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 119
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LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA 17 esta disposiccedilatildeo legal visa ldquorepor o equiliacutebrio
dos interesses em presenccedilardquo dando ainda conta estes Autores da possibilidade da contraparte
da insolvente invocar judicialmente a excepccedilatildeo aqui prevista
A atribuiccedilatildeo legal deste direito de escolha ao administrador da insolvecircncia tem o seu
alicerce na impossibilidade geral de cumprimento das obrigaccedilotildees resultante da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia Efectivamente ldquose o insolvente se visse forccedilado a cumprir negoacutecios em curso os
pagamentos que efectuasse beneficiariam alguns credores em detrimento de outros sendo
por isso que a lei estabelece que os credores perdem com a declaraccedilatildeo de insolvecircncia a
possibilidade de exigir autonomamente os seus creacuteditosrdquo18 Compreende-se assim a
faculdade concedida ao administrador o cumprimento dos contratos sinalagmaacuteticos fica desta
forma dependente da sua conveniecircncia aos interesses da massa buscando-se desta forma uma
conciliaccedilatildeo destes interesses com o princiacutepio par conditio creditorum
Decidindo o administrador pelo cumprimento retoma-se o curso normal do contrato o
que significa que tanto o administrador da insolvecircncia como a contraparte do insolvente
podem exigir entre si o cumprimento das obrigaccedilotildees assumidas no contrato celebrado com a
especificidade de nos termos previstos na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 51ordm CIRE o creacutedito da
contraparte constituir creacutedito sobre a massa19 com as consequecircncias que tal qualificaccedilatildeo
acarreta (nordm 1 do artigo 46ordm e artigo 172ordm do CIRE)
Refira-se que natildeo satildeo legalmente estabelecidas sanccedilotildees para a massa pelo decurso do
periacuteodo de suspensatildeo designadamente no que tange aos efeitos da mora no cumprimento (por
exemplo juros ou outras indemnizaccedilotildees)20 o que significa que natildeo decorre da suspensatildeo pelo
administrador da insolvecircncia o direito a qualquer indemnizaccedilatildeo ou compensaccedilatildeo para a
contraparte do insolvente
Conforme se referiu supra a suspensatildeo do contrato prevista no nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE tem caraacutecter meramente transitoacuterio21 o que eacute assinalado por OLIVEIRA ASCENSAtildeO
17 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo ob cit p 393 18 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 182 19 ldquosalvo na medida correspondente agrave contraprestaccedilatildeo jaacute realizada pela outra parte anteriormente agrave declaraccedilatildeo de insolvecircnciaou que se reporte a periacuteodo anterior a essa declaraccedilatildeordquo como bem esclarece MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 e 184 20 Sobre este tema escreveu OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118) que ldquose era ao insolvente que cabia cumprir a ldquomorardquonatildeo eacute taxada de ilicitude Se era agrave outra parte natildeo se consente que se tirem em prejuiacutezo da massa as consequecircncias da mora do credorrdquo 21 Assim explica MENEZES LEITAtildeO queldquoa declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo afecta as pretensotildees de cumprimento destes contratos bilaterais pela outra parte apenas as suspendendo provisoriamente Eacute apenas a
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ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
Ograve
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ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
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certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
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contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
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consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
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Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
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comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
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1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
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consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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9
2
adicional para o seu estudordquo4 mas tambeacutem porque a lei neste domiacutenio particular apresenta-se
complexa e lacunosa exigindo ao inteacuterprete um esforccedilo exegeacutetico substancial que tem dado
origem a exposiccedilotildees doutrinais e jurisprudenciais divergentes e mesmo contraditoacuterias
Natildeo obstante o aumento exponencial do nuacutemero de processos de insolvecircncia
consequecircncia do clima de crise econoacutemica que tatildeo intensamente assola o paiacutes justifica a
necessidade de um conhecimento profundo sobre o regime da insolvecircncia ndash e o facto dos
sectores de actividade mais atingidos pela crise econoacutemica serem precisamente o sector
imobiliaacuterio e o da construccedilatildeo civil cujas empresas (promitentes-vendedores em diversos
contratos-promessa celebrados e natildeo cumpridos) se vecircm frequentemente arrastadas para
situaccedilotildees de insolvecircncia imprime ao presente estudo uma proficiecircncia praacutetica indiscutiacutevel
Por outro lado o facto de estarem em causa contratos-promessa em que jaacute houve tradiccedilatildeo da
coisa e prestaccedilatildeo de sinal pelo promitente-comprador gera uma necessidade acrescida de
tutela de expectativas e direitos da contraparte sobretudo se tivermos em linha de conta que
na maioria dos casos e como nos mostra a experiecircncia o promitente-comprador seraacute um
consumidor e o objecto do contrato seraacute um edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma para sua habitaccedilatildeo
A temaacutetica que nos propomos abordar no presente relatoacuterio eacute assim a dos efeitos da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia no contrato-promessa sinalizado com entrega de coisa Como
decorre naturalmente da natureza do estudo centrar-nos-emos sobretudo no caso da
insolvecircncia do promitente-vendedor ndash natildeo apenas por ser aquela que sucede com mais
frequecircncia mas tambeacutem porque eacute a que levanta um maior nuacutemero de duacutevidas e contendas
juriacutedicas mas ainda pela imperiosidade de protecccedilatildeo e tutela da posiccedilatildeo juriacutedica do
promitente-comprador que seraacute na maioria das vezes a parte mais deacutebil da relaccedilatildeo contratual
O problema central a desenvolver eacute evidentemente o dos efeitos da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia na esfera da contraparte da insolvente no acircmbito de um contrato-promessa
sinalizado com entrega de coisa Para cuidar este tema iniciaremos uma breve incursatildeo no
regime geral dos efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso centrando a
nossa reflexatildeo no acircmbito e regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE Posteriormente
analisaremos concretamente qual o acircmbito concreto desses efeitos no contrato-promessa
sinalizada com tradiccedilatildeo da coisa com eficaacutecia real e com eficaacutecia meramente obrigacional
Relativamente a estes uacuteltimos centraremos a nossa reflexatildeo nos efeitos da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor no que tange ao direito indemnizatoacuterio do promitente-
4 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto III (2006) pp 521 e ss p 523
Ograve
3
comprador e eventuais garantias que tutelem esse direito procurando tomar posiccedilatildeo sobre as
inuacutemeras vozes doutrinais e juriprudenciais dissonantes que se tecircm vindo a manifestar sobre a
questatildeo
Estamos certos que muito ficaraacute por dizer sobre este tema que pela sua complexidade e
amplitude tem vindo a gerar posiccedilotildees diacutespares na doutrina e na jurisprudecircncia e a suscitar
profundas reflexotildees juriacutedicas que atendendo aos paracircmetros da presente exposiccedilatildeo natildeo
poderatildeo ser abordadas em toda a sua dimensatildeo Todavia tentaremos fazer uma abordagem o
mais ampla e completa possiacutevel remetendo sempre que possiacutevel para a jurisprudecircncia
existente e para a bibliografia dos Autores que se ocuparam das questotildees sobre os quais ora
iremos dissertar
Ograve
4
II - Efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso
A declaraccedilatildeo de insolvecircncia desencadeia os efeitos regulados no Tiacutetulo IV do CIRE o
qual se reparte por cinco capiacutetulos sendo que os quatro primeiros regulam sucessivamente
os efeitos sobre o devedor e outras pessoas (artigo 81ordm e ss) os efeitos processuais (artigo 85ordm
e ss) os efeitos sobre os creacuteditos (art 90ordm e ss) os efeitos sobre os negoacutecios em curso (art
102ordm e ss) e por uacuteltimo a resoluccedilatildeo em benefiacutecio da massa dos negoacutecios juriacutedicos
celebrados pelo insolvente (art 120ordm e ss)
Os principais efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia satildeo sobejamente conhecidos por
qualquer jurista pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia o insolvente eacute privado dos poderes de
disposiccedilatildeo e administraccedilatildeo dos seus bens presentes e futuros que passam a integrar a massa
falida poderes esses que passam a competir ao administrador da insolvecircncia todos os bens
susceptiacuteveis de penhora ainda que tenham sido penhorados arrestados ou por qualquer forma
apreendidos ou detidos noutro processo satildeo apreendidos vencem-se todas as obrigaccedilotildees do
falido entre outros
Atendendo ao tema que nos propomos tratar centrar-nos-emos apenas na disciplina
juriacutedica dos negoacutecios em curso actualmente prevista nos artigos 102ordm e seguintes do CIRE e
que podemos definir como ldquorelaccedilotildees juriacutedicas jaacute constituiacutedas incumpridas total ou
parcialmente por um ou por ambos os titulares ou mesmo relaccedilotildees juriacutedicas duradouras (por
exemplo o arrendamento o contrato de trabalho a associaccedilatildeo em participaccedilatildeo) cujo
denominador comum reside na necessidade de um regimen falencial particular (de
manutenccedilatildeo de extinccedilatildeo ou ateacute de suspensatildeo de cumprimento integral ou de cumprimento
rateadordquo5
1 - Acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 102ordm CIRE
O artigo 102ordm CIRE propotildee-se estabelecer nos termos da sua epiacutegrafe um ldquoprinciacutepio
geral quanto a negoacutecios ainda natildeo cumpridosrdquo Relativamente a esta mateacuteria o CPEREF
nos seus artigos 161ordm e seguintes havia optado por uma regulaccedilatildeo casuiacutestica para diversos
negoacutecios juriacutedicos tipificados natildeo prevendo qualquer princiacutepio geral que regulasse os
5 A definiccedilatildeo eacute de MARIA DO ROSAacuteRIO EPIFAcircNIO (ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo Universidade Catoacutelica Porto 2000) e foi elaborada agrave luz do CPEREF mas pensamos que manteacutem a sua actualidade face ao CIRE
Ograve
5
negoacutecios juriacutedicos em curso Esta soluccedilatildeo foi no entanto ao longo da vigecircncia do CPEREF
alvo de diversas vozes criacuteticas6
Nessa medida a norma prevista no mencionado artigo 102ordm constitui uma inovaccedilatildeo face
ao regime anterior7 Todavia parece-nos que a epiacutegrafe deste artigo seraacute demasiado
pretensiosa relativamente ao seu verdadeiro acircmbito ndash uma leitura atenta do seu teor permite
compreender o seu restrito acircmbito de aplicaccedilatildeo jaacute que a soluccedilatildeo nele consagrada apenas se
aplica a contratos sinalagmaacuteticos em que natildeo haja ainda total cumprimento nem pelo
insolvente nem pela outra parte contratual
Do seu acircmbito ficam portanto excluiacutedos ldquoos negoacutecios unilaterais os contratos
unilaterais os contratos bilaterais imperfeitos assim como aqueles contratos bilaterais
signalamaacuteticos em que uma das partes jaacute tenha cumprido na iacutentegrardquo8 Esta exclusatildeo natildeo eacute
de todo despicienda porquanto se reveste de uma importacircncia praacutetica manifesta
Efectivamente ldquoActos muito importantes da vida corrente satildeo negoacutecios juriacutedicos unilaterais
Eacute-o a promessa puacuteblica e ateacute a proposta simples de contrato eacute-o o negoacutecio cambiaacuterio satildeo-
no mesmo os negoacutecios em mercados de capitais (hellip)9 Nesta conformidade estamos de acordo
com MENEZES LEITAtildeO quando propugna que ldquouma norma sobre contratos bilaterais
6 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoEfeitos da Falecircncia sobre a Pessoa e os Negoacutecios do Falidordquo in Revista da Ordem dos Advogados III ano 55 Dezembro 1995 pp 641 e ss p 658 7 Dado o caraacutecter naturalmente sucinto do presente relatoacuterio natildeo tem aqui cabimento uma anaacutelise da evoluccedilatildeo histoacuterica do regime em estudo Dir-se-aacute apenas que no regime do CPC vigente ateacute agrave entrada em vigor do CPEREF em 1993 se encontrava tambeacutem prevista um princiacutepio geral relativo aos contratos bilaterais do falido no seu artigo 1197ordm Diversamente o CPEREF nos seus artigos 161ordm e seguintes optou por uma soluccedilatildeo casuiacutestica estabelecendo um regime particular para negoacutecios juriacutedicos tipificados 8 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 537 9 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo op cit pag 111 Este autor defende a aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime previsto no artigo 102ordm aos negoacutecios juriacutedicos unilaterais e aos contratos unilaterais propugnando que ldquoSe o que se assegura eacute um tempo de espera em que se pondera se o cumprimento eacute ou natildeo beneacutefico para a situaccedilatildeo decorrente da insolvecircncia entatildeo do mesmo modo parece aqui conveniente a suspensatildeo A comum natureza de negoacutecio juriacutedico associada agrave ratio legis ampara bem esta soluccedilatildeordquo salientando no entanto que ldquoa aplicaccedilatildeo eacute analoacutegica uma vez que natildeo haacute razatildeo para pretender que o legislador disse menos que o que queriardquo Contra a descrita interpretaccedilatildeo manifestou-se Menezes Leitatildeo expondo que ldquonatildeo vemos que a analogia se justifiquerdquo (novo pag 182) Cremos que assiste razatildeo a este uacuteltimo Autor Efectivamente a justificaccedilatildeo para a suspensatildeo dos contratos bilaterais eacute precisamente a existecircncia do sinalagma conforme explica ainda Menezes Leitatildeo ldquoCorrespondendo no entanto esses negoacutecios em curso a contratos bilaterais o sinalagma leva a que a outra parte natildeo seja obrigada a cumprir se o insolvente natildeo o fizer Ora como o cumprimento desses contratos pode ser conveniente aos interesses da massa concede-se ao administrador a possibilidade de optar entre o cumprimento do contrato e a sua recusa consoante for ou natildeo conveniente para a massardquo Assim se natildeo nos faltaratildeo exemplos de situaccedilotildees no acircmbito de contratos bilaterais em que seja conveniente para a massa o cumprimento do contrato apesar da declaraccedilatildeo de insolvecircncia por ter interesse na realizaccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo jaacute dificilmente tal sucederaacute no acircmbito de um negoacutecio juriacutedico unilateral porquanto a massa insolvente natildeo eacute neste caso credora de qualquer prestaccedilatildeo Parece-nos assim de iure constituendo que natildeo seria desapropriada a configuraccedilatildeo de uma norma que previsse o princiacutepio geral de extinccedilatildeo automaacutetica de negoacutecios juriacutedicos unilaterais e contratos unilaterais (em que fosse obrigado o insolvente obviamente jaacute que a situaccedilatildeo inversa cairia no acircmbito do artigo 91ordm do CIRE)
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dificilmente pode ser elevada agrave categoria de princiacutepio geral uma vez que os contratos natildeo
sinalagmaacuteticos ficam de fora e em relaccedilatildeo a estes natildeo aparece qualquer regimerdquo10 A isto
acresce ainda como assinala o mesmo Autor11 o facto de ser rara a hipoacutetese de natildeo haver de
nenhuma das partes cumprimento total do contrato
Por outro lado haacute ainda que ter em linha de conta que a disposiccedilatildeo normativa do nordm 1
do artigo 102ordm ressalva logo no seu iniacutecio ldquoSem prejuiacutezo do disposto nos artigos seguintesrdquo
o que equivale por dizer que a norma aqui prevista acaba por gozar de caraacutecter supletivo face
agrave regulaccedilatildeo particular do destino de negoacutecios juriacutedicos em curso nos artigos 104ordm a 118ordm do
CIRE ao inveacutes da forccedila de princiacutepio geral que o legislador aparentemente lhe quis atribuir
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE
O princiacutepio geral quanto aos negoacutecios ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia estabelecido no nordm 1 do artigo 102ordm CIRE eacute a suspensatildeo do cumprimento ateacute que
o administrador da insolvecircncia declare optar pela execuccedilatildeo ou recusar o cumprimento Assim
no que tange aos contratos bilaterais ainda natildeo integralmente cumpridos pelas partes agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia a lei determina um princiacutepio geneacuterico da manutenccedilatildeo daqueles
num estado de suspensatildeo ateacute ao exerciacutecio do direito de opccedilatildeo pelo administrador Trata-se de
uma suspensatildeo transitoacuteria que tem como funccedilatildeo conceder ao administrador da insolvecircncia o
periacuteodo de tempo necessaacuterio agrave ponderaccedilatildeo da conveniecircncia do cumprimento do contrato para
os interesses da massa
A opccedilatildeo pelo cumprimento ou pela recusa concedida ao administrador da insolvecircncia
natildeo eacute livre na medida em que seraacute sempre norteada pela defesa dos interesses da massa
Efectivamente e como esclarece GRAVATO MORAIS ldquoA ldquoopccedilatildeordquo por uma ou outra via
pressupotildee a devida ponderaccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia da situaccedilatildeo concreta agrave luz
dos interesses da massa e em vista da satisfaccedilatildeo dos credores da insolvecircncia natildeo tendo
portanto total liberdade para se pronunciar num ou noutro sentidordquo12 Pode assim dizer-se
que a faculdade de opccedilatildeo do administrador eacute tendencialmente livre tendo em conta as funccedilotildees
10 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo in ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresasrdquo publicaccedilatildeo do Ministeacuterio da Justiccedila Gabinete de Poliacutetica Legislativa e Planeamento Coimbra Editora 2004 pp 61 e ss p 118 11 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118 12 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo Cadernos de Direito Privado nordm 29 JaneiroMarccedilo 2010 pp 3 e ss p 7
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que lhe satildeo cometidas pelo artigo 55ordm do CIRE no acircmbito das quais ela estaacute ainda iacutensita Natildeo
podemos assim olvidar que toda a actuaccedilatildeo do administrador eacute pautada pelo superior interesse
da massa insolvente13 conforme bem resumem LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA
quando esclarecem que ldquoO administrador deve prover ao exerciacutecio de todos os direitos de
caraacutecter patrimonial que integram a massa e garantir dentro das possibilidades a melhor
rentabilidade dos bens apreendidos de sorte a que no miacutenimo ela cubra a inflaccedilatildeo deve
obviar agrave realizaccedilatildeo de despesas e agrave contenccedilatildeo de encargos desnecessaacuterios ou que natildeo gerem
um retorno pelo menos equivalente a valores actualizados e deve promover a alienaccedilatildeo
dos bens pelos meios e modos que em concreto se mostrem mais adequados agrave maximizaccedilatildeo
do valor dos mesmosrdquo14
Nesta conformidade este direito natildeo pode ser exercido de forma arbitraacuteria ou leviana -
na base da decisatildeo do administrador deveraacute estar sempre a anaacutelise da opccedilatildeo ser mais
favoraacutevel aos interesses da massa e acima de tudo se essa opccedilatildeo natildeo prejudica tais interesses
de forma relevante15 Os credores satildeo no acircmbito do CIRE os titulares do principal direito que
o processo insolvencial visa acautelar que mais natildeo eacute que o pagamento dos respectivos
creacuteditos Por forccedila dessa sua posiccedilatildeo eacute a vontade dos credores que comanda todo o processo
Por outro lado a escolha do administrador da insolvecircncia encontra-se ainda
condicionada pelo disposto no nordm 4 do artigo 102ordm que dispotildee que ldquoa opccedilatildeo pela execuccedilatildeo eacute
abusiva se o cumprimento pontual das obrigaccedilotildees contratuais por parte da massa insolvente
for manifestamente improvaacutevelrdquo Estabelece-se assim um limite definitivo agrave ponderaccedilatildeo dos
interesses em causa pelo administrador da insolvecircncia limite que OLIVEIRA ASCENSAtildeO
caracteriza como um verdadeiro ldquodever de recusar o cumprimentordquo16 Conforme esclarecem
13 Como ensina MENEZES LEITAtildeOldquoO administrador da insolvecircncia tem essencialmente como funccedilotildees assumir o controlo da massa insolvente proceder agrave sua administraccedilatildeo e liquidaccedilatildeo e repartir pelos credores o respectivo produto finalrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2011 p 122) 14 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo Lisboa Quid Juris 2005 p 257 15 Tais criteacuterios emanam da proacutepria natureza e finalidades prosseguidas com o processo de insolvecircncia fixados no preacircmbulo do Decreto-Lei 522004 de 18 de Marccedilo que estabeleceldquoo objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo Efectivamente ldquoCom o hellip CIREhellip o fim da recuperaccedilatildeo eacute subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade uacutenica que orienta todo o regimehellip conferindo a soberania aos credoresrdquo (FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoPressupostos Objectivos e Subjectivos da Insolvecircnciardquo in Themis da Faculdade de Direito da UNL 2005 pp 11 e ss p 12) Pode assim afirmar-se indubitavelmente que o CIRE consagra o retorno ao princiacutepio da insolvecircncia-liquidaccedilatildeo em benefiacutecio dos credores (satildeo paradigmaacuteticos neste sentido os artigos 52ordm 53ordm nordm 2 do artigo 56ordm e 59ordm do CIRE) em substituiccedilatildeo da primazia agrave recuperaccedilatildeo da empresa visiacutevel nos artigos 1ordm 2ordm e 3ordm do CPEREF 16 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 119
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LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA 17 esta disposiccedilatildeo legal visa ldquorepor o equiliacutebrio
dos interesses em presenccedilardquo dando ainda conta estes Autores da possibilidade da contraparte
da insolvente invocar judicialmente a excepccedilatildeo aqui prevista
A atribuiccedilatildeo legal deste direito de escolha ao administrador da insolvecircncia tem o seu
alicerce na impossibilidade geral de cumprimento das obrigaccedilotildees resultante da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia Efectivamente ldquose o insolvente se visse forccedilado a cumprir negoacutecios em curso os
pagamentos que efectuasse beneficiariam alguns credores em detrimento de outros sendo
por isso que a lei estabelece que os credores perdem com a declaraccedilatildeo de insolvecircncia a
possibilidade de exigir autonomamente os seus creacuteditosrdquo18 Compreende-se assim a
faculdade concedida ao administrador o cumprimento dos contratos sinalagmaacuteticos fica desta
forma dependente da sua conveniecircncia aos interesses da massa buscando-se desta forma uma
conciliaccedilatildeo destes interesses com o princiacutepio par conditio creditorum
Decidindo o administrador pelo cumprimento retoma-se o curso normal do contrato o
que significa que tanto o administrador da insolvecircncia como a contraparte do insolvente
podem exigir entre si o cumprimento das obrigaccedilotildees assumidas no contrato celebrado com a
especificidade de nos termos previstos na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 51ordm CIRE o creacutedito da
contraparte constituir creacutedito sobre a massa19 com as consequecircncias que tal qualificaccedilatildeo
acarreta (nordm 1 do artigo 46ordm e artigo 172ordm do CIRE)
Refira-se que natildeo satildeo legalmente estabelecidas sanccedilotildees para a massa pelo decurso do
periacuteodo de suspensatildeo designadamente no que tange aos efeitos da mora no cumprimento (por
exemplo juros ou outras indemnizaccedilotildees)20 o que significa que natildeo decorre da suspensatildeo pelo
administrador da insolvecircncia o direito a qualquer indemnizaccedilatildeo ou compensaccedilatildeo para a
contraparte do insolvente
Conforme se referiu supra a suspensatildeo do contrato prevista no nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE tem caraacutecter meramente transitoacuterio21 o que eacute assinalado por OLIVEIRA ASCENSAtildeO
17 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo ob cit p 393 18 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 182 19 ldquosalvo na medida correspondente agrave contraprestaccedilatildeo jaacute realizada pela outra parte anteriormente agrave declaraccedilatildeo de insolvecircnciaou que se reporte a periacuteodo anterior a essa declaraccedilatildeordquo como bem esclarece MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 e 184 20 Sobre este tema escreveu OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118) que ldquose era ao insolvente que cabia cumprir a ldquomorardquonatildeo eacute taxada de ilicitude Se era agrave outra parte natildeo se consente que se tirem em prejuiacutezo da massa as consequecircncias da mora do credorrdquo 21 Assim explica MENEZES LEITAtildeO queldquoa declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo afecta as pretensotildees de cumprimento destes contratos bilaterais pela outra parte apenas as suspendendo provisoriamente Eacute apenas a
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ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
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ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
11
certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
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consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
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Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
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comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
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1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
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consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
31
comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
Ograve
3
comprador e eventuais garantias que tutelem esse direito procurando tomar posiccedilatildeo sobre as
inuacutemeras vozes doutrinais e juriprudenciais dissonantes que se tecircm vindo a manifestar sobre a
questatildeo
Estamos certos que muito ficaraacute por dizer sobre este tema que pela sua complexidade e
amplitude tem vindo a gerar posiccedilotildees diacutespares na doutrina e na jurisprudecircncia e a suscitar
profundas reflexotildees juriacutedicas que atendendo aos paracircmetros da presente exposiccedilatildeo natildeo
poderatildeo ser abordadas em toda a sua dimensatildeo Todavia tentaremos fazer uma abordagem o
mais ampla e completa possiacutevel remetendo sempre que possiacutevel para a jurisprudecircncia
existente e para a bibliografia dos Autores que se ocuparam das questotildees sobre os quais ora
iremos dissertar
Ograve
4
II - Efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso
A declaraccedilatildeo de insolvecircncia desencadeia os efeitos regulados no Tiacutetulo IV do CIRE o
qual se reparte por cinco capiacutetulos sendo que os quatro primeiros regulam sucessivamente
os efeitos sobre o devedor e outras pessoas (artigo 81ordm e ss) os efeitos processuais (artigo 85ordm
e ss) os efeitos sobre os creacuteditos (art 90ordm e ss) os efeitos sobre os negoacutecios em curso (art
102ordm e ss) e por uacuteltimo a resoluccedilatildeo em benefiacutecio da massa dos negoacutecios juriacutedicos
celebrados pelo insolvente (art 120ordm e ss)
Os principais efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia satildeo sobejamente conhecidos por
qualquer jurista pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia o insolvente eacute privado dos poderes de
disposiccedilatildeo e administraccedilatildeo dos seus bens presentes e futuros que passam a integrar a massa
falida poderes esses que passam a competir ao administrador da insolvecircncia todos os bens
susceptiacuteveis de penhora ainda que tenham sido penhorados arrestados ou por qualquer forma
apreendidos ou detidos noutro processo satildeo apreendidos vencem-se todas as obrigaccedilotildees do
falido entre outros
Atendendo ao tema que nos propomos tratar centrar-nos-emos apenas na disciplina
juriacutedica dos negoacutecios em curso actualmente prevista nos artigos 102ordm e seguintes do CIRE e
que podemos definir como ldquorelaccedilotildees juriacutedicas jaacute constituiacutedas incumpridas total ou
parcialmente por um ou por ambos os titulares ou mesmo relaccedilotildees juriacutedicas duradouras (por
exemplo o arrendamento o contrato de trabalho a associaccedilatildeo em participaccedilatildeo) cujo
denominador comum reside na necessidade de um regimen falencial particular (de
manutenccedilatildeo de extinccedilatildeo ou ateacute de suspensatildeo de cumprimento integral ou de cumprimento
rateadordquo5
1 - Acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 102ordm CIRE
O artigo 102ordm CIRE propotildee-se estabelecer nos termos da sua epiacutegrafe um ldquoprinciacutepio
geral quanto a negoacutecios ainda natildeo cumpridosrdquo Relativamente a esta mateacuteria o CPEREF
nos seus artigos 161ordm e seguintes havia optado por uma regulaccedilatildeo casuiacutestica para diversos
negoacutecios juriacutedicos tipificados natildeo prevendo qualquer princiacutepio geral que regulasse os
5 A definiccedilatildeo eacute de MARIA DO ROSAacuteRIO EPIFAcircNIO (ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo Universidade Catoacutelica Porto 2000) e foi elaborada agrave luz do CPEREF mas pensamos que manteacutem a sua actualidade face ao CIRE
Ograve
5
negoacutecios juriacutedicos em curso Esta soluccedilatildeo foi no entanto ao longo da vigecircncia do CPEREF
alvo de diversas vozes criacuteticas6
Nessa medida a norma prevista no mencionado artigo 102ordm constitui uma inovaccedilatildeo face
ao regime anterior7 Todavia parece-nos que a epiacutegrafe deste artigo seraacute demasiado
pretensiosa relativamente ao seu verdadeiro acircmbito ndash uma leitura atenta do seu teor permite
compreender o seu restrito acircmbito de aplicaccedilatildeo jaacute que a soluccedilatildeo nele consagrada apenas se
aplica a contratos sinalagmaacuteticos em que natildeo haja ainda total cumprimento nem pelo
insolvente nem pela outra parte contratual
Do seu acircmbito ficam portanto excluiacutedos ldquoos negoacutecios unilaterais os contratos
unilaterais os contratos bilaterais imperfeitos assim como aqueles contratos bilaterais
signalamaacuteticos em que uma das partes jaacute tenha cumprido na iacutentegrardquo8 Esta exclusatildeo natildeo eacute
de todo despicienda porquanto se reveste de uma importacircncia praacutetica manifesta
Efectivamente ldquoActos muito importantes da vida corrente satildeo negoacutecios juriacutedicos unilaterais
Eacute-o a promessa puacuteblica e ateacute a proposta simples de contrato eacute-o o negoacutecio cambiaacuterio satildeo-
no mesmo os negoacutecios em mercados de capitais (hellip)9 Nesta conformidade estamos de acordo
com MENEZES LEITAtildeO quando propugna que ldquouma norma sobre contratos bilaterais
6 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoEfeitos da Falecircncia sobre a Pessoa e os Negoacutecios do Falidordquo in Revista da Ordem dos Advogados III ano 55 Dezembro 1995 pp 641 e ss p 658 7 Dado o caraacutecter naturalmente sucinto do presente relatoacuterio natildeo tem aqui cabimento uma anaacutelise da evoluccedilatildeo histoacuterica do regime em estudo Dir-se-aacute apenas que no regime do CPC vigente ateacute agrave entrada em vigor do CPEREF em 1993 se encontrava tambeacutem prevista um princiacutepio geral relativo aos contratos bilaterais do falido no seu artigo 1197ordm Diversamente o CPEREF nos seus artigos 161ordm e seguintes optou por uma soluccedilatildeo casuiacutestica estabelecendo um regime particular para negoacutecios juriacutedicos tipificados 8 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 537 9 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo op cit pag 111 Este autor defende a aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime previsto no artigo 102ordm aos negoacutecios juriacutedicos unilaterais e aos contratos unilaterais propugnando que ldquoSe o que se assegura eacute um tempo de espera em que se pondera se o cumprimento eacute ou natildeo beneacutefico para a situaccedilatildeo decorrente da insolvecircncia entatildeo do mesmo modo parece aqui conveniente a suspensatildeo A comum natureza de negoacutecio juriacutedico associada agrave ratio legis ampara bem esta soluccedilatildeordquo salientando no entanto que ldquoa aplicaccedilatildeo eacute analoacutegica uma vez que natildeo haacute razatildeo para pretender que o legislador disse menos que o que queriardquo Contra a descrita interpretaccedilatildeo manifestou-se Menezes Leitatildeo expondo que ldquonatildeo vemos que a analogia se justifiquerdquo (novo pag 182) Cremos que assiste razatildeo a este uacuteltimo Autor Efectivamente a justificaccedilatildeo para a suspensatildeo dos contratos bilaterais eacute precisamente a existecircncia do sinalagma conforme explica ainda Menezes Leitatildeo ldquoCorrespondendo no entanto esses negoacutecios em curso a contratos bilaterais o sinalagma leva a que a outra parte natildeo seja obrigada a cumprir se o insolvente natildeo o fizer Ora como o cumprimento desses contratos pode ser conveniente aos interesses da massa concede-se ao administrador a possibilidade de optar entre o cumprimento do contrato e a sua recusa consoante for ou natildeo conveniente para a massardquo Assim se natildeo nos faltaratildeo exemplos de situaccedilotildees no acircmbito de contratos bilaterais em que seja conveniente para a massa o cumprimento do contrato apesar da declaraccedilatildeo de insolvecircncia por ter interesse na realizaccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo jaacute dificilmente tal sucederaacute no acircmbito de um negoacutecio juriacutedico unilateral porquanto a massa insolvente natildeo eacute neste caso credora de qualquer prestaccedilatildeo Parece-nos assim de iure constituendo que natildeo seria desapropriada a configuraccedilatildeo de uma norma que previsse o princiacutepio geral de extinccedilatildeo automaacutetica de negoacutecios juriacutedicos unilaterais e contratos unilaterais (em que fosse obrigado o insolvente obviamente jaacute que a situaccedilatildeo inversa cairia no acircmbito do artigo 91ordm do CIRE)
Ograve
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dificilmente pode ser elevada agrave categoria de princiacutepio geral uma vez que os contratos natildeo
sinalagmaacuteticos ficam de fora e em relaccedilatildeo a estes natildeo aparece qualquer regimerdquo10 A isto
acresce ainda como assinala o mesmo Autor11 o facto de ser rara a hipoacutetese de natildeo haver de
nenhuma das partes cumprimento total do contrato
Por outro lado haacute ainda que ter em linha de conta que a disposiccedilatildeo normativa do nordm 1
do artigo 102ordm ressalva logo no seu iniacutecio ldquoSem prejuiacutezo do disposto nos artigos seguintesrdquo
o que equivale por dizer que a norma aqui prevista acaba por gozar de caraacutecter supletivo face
agrave regulaccedilatildeo particular do destino de negoacutecios juriacutedicos em curso nos artigos 104ordm a 118ordm do
CIRE ao inveacutes da forccedila de princiacutepio geral que o legislador aparentemente lhe quis atribuir
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE
O princiacutepio geral quanto aos negoacutecios ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia estabelecido no nordm 1 do artigo 102ordm CIRE eacute a suspensatildeo do cumprimento ateacute que
o administrador da insolvecircncia declare optar pela execuccedilatildeo ou recusar o cumprimento Assim
no que tange aos contratos bilaterais ainda natildeo integralmente cumpridos pelas partes agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia a lei determina um princiacutepio geneacuterico da manutenccedilatildeo daqueles
num estado de suspensatildeo ateacute ao exerciacutecio do direito de opccedilatildeo pelo administrador Trata-se de
uma suspensatildeo transitoacuteria que tem como funccedilatildeo conceder ao administrador da insolvecircncia o
periacuteodo de tempo necessaacuterio agrave ponderaccedilatildeo da conveniecircncia do cumprimento do contrato para
os interesses da massa
A opccedilatildeo pelo cumprimento ou pela recusa concedida ao administrador da insolvecircncia
natildeo eacute livre na medida em que seraacute sempre norteada pela defesa dos interesses da massa
Efectivamente e como esclarece GRAVATO MORAIS ldquoA ldquoopccedilatildeordquo por uma ou outra via
pressupotildee a devida ponderaccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia da situaccedilatildeo concreta agrave luz
dos interesses da massa e em vista da satisfaccedilatildeo dos credores da insolvecircncia natildeo tendo
portanto total liberdade para se pronunciar num ou noutro sentidordquo12 Pode assim dizer-se
que a faculdade de opccedilatildeo do administrador eacute tendencialmente livre tendo em conta as funccedilotildees
10 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo in ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresasrdquo publicaccedilatildeo do Ministeacuterio da Justiccedila Gabinete de Poliacutetica Legislativa e Planeamento Coimbra Editora 2004 pp 61 e ss p 118 11 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118 12 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo Cadernos de Direito Privado nordm 29 JaneiroMarccedilo 2010 pp 3 e ss p 7
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que lhe satildeo cometidas pelo artigo 55ordm do CIRE no acircmbito das quais ela estaacute ainda iacutensita Natildeo
podemos assim olvidar que toda a actuaccedilatildeo do administrador eacute pautada pelo superior interesse
da massa insolvente13 conforme bem resumem LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA
quando esclarecem que ldquoO administrador deve prover ao exerciacutecio de todos os direitos de
caraacutecter patrimonial que integram a massa e garantir dentro das possibilidades a melhor
rentabilidade dos bens apreendidos de sorte a que no miacutenimo ela cubra a inflaccedilatildeo deve
obviar agrave realizaccedilatildeo de despesas e agrave contenccedilatildeo de encargos desnecessaacuterios ou que natildeo gerem
um retorno pelo menos equivalente a valores actualizados e deve promover a alienaccedilatildeo
dos bens pelos meios e modos que em concreto se mostrem mais adequados agrave maximizaccedilatildeo
do valor dos mesmosrdquo14
Nesta conformidade este direito natildeo pode ser exercido de forma arbitraacuteria ou leviana -
na base da decisatildeo do administrador deveraacute estar sempre a anaacutelise da opccedilatildeo ser mais
favoraacutevel aos interesses da massa e acima de tudo se essa opccedilatildeo natildeo prejudica tais interesses
de forma relevante15 Os credores satildeo no acircmbito do CIRE os titulares do principal direito que
o processo insolvencial visa acautelar que mais natildeo eacute que o pagamento dos respectivos
creacuteditos Por forccedila dessa sua posiccedilatildeo eacute a vontade dos credores que comanda todo o processo
Por outro lado a escolha do administrador da insolvecircncia encontra-se ainda
condicionada pelo disposto no nordm 4 do artigo 102ordm que dispotildee que ldquoa opccedilatildeo pela execuccedilatildeo eacute
abusiva se o cumprimento pontual das obrigaccedilotildees contratuais por parte da massa insolvente
for manifestamente improvaacutevelrdquo Estabelece-se assim um limite definitivo agrave ponderaccedilatildeo dos
interesses em causa pelo administrador da insolvecircncia limite que OLIVEIRA ASCENSAtildeO
caracteriza como um verdadeiro ldquodever de recusar o cumprimentordquo16 Conforme esclarecem
13 Como ensina MENEZES LEITAtildeOldquoO administrador da insolvecircncia tem essencialmente como funccedilotildees assumir o controlo da massa insolvente proceder agrave sua administraccedilatildeo e liquidaccedilatildeo e repartir pelos credores o respectivo produto finalrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2011 p 122) 14 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo Lisboa Quid Juris 2005 p 257 15 Tais criteacuterios emanam da proacutepria natureza e finalidades prosseguidas com o processo de insolvecircncia fixados no preacircmbulo do Decreto-Lei 522004 de 18 de Marccedilo que estabeleceldquoo objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo Efectivamente ldquoCom o hellip CIREhellip o fim da recuperaccedilatildeo eacute subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade uacutenica que orienta todo o regimehellip conferindo a soberania aos credoresrdquo (FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoPressupostos Objectivos e Subjectivos da Insolvecircnciardquo in Themis da Faculdade de Direito da UNL 2005 pp 11 e ss p 12) Pode assim afirmar-se indubitavelmente que o CIRE consagra o retorno ao princiacutepio da insolvecircncia-liquidaccedilatildeo em benefiacutecio dos credores (satildeo paradigmaacuteticos neste sentido os artigos 52ordm 53ordm nordm 2 do artigo 56ordm e 59ordm do CIRE) em substituiccedilatildeo da primazia agrave recuperaccedilatildeo da empresa visiacutevel nos artigos 1ordm 2ordm e 3ordm do CPEREF 16 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 119
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LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA 17 esta disposiccedilatildeo legal visa ldquorepor o equiliacutebrio
dos interesses em presenccedilardquo dando ainda conta estes Autores da possibilidade da contraparte
da insolvente invocar judicialmente a excepccedilatildeo aqui prevista
A atribuiccedilatildeo legal deste direito de escolha ao administrador da insolvecircncia tem o seu
alicerce na impossibilidade geral de cumprimento das obrigaccedilotildees resultante da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia Efectivamente ldquose o insolvente se visse forccedilado a cumprir negoacutecios em curso os
pagamentos que efectuasse beneficiariam alguns credores em detrimento de outros sendo
por isso que a lei estabelece que os credores perdem com a declaraccedilatildeo de insolvecircncia a
possibilidade de exigir autonomamente os seus creacuteditosrdquo18 Compreende-se assim a
faculdade concedida ao administrador o cumprimento dos contratos sinalagmaacuteticos fica desta
forma dependente da sua conveniecircncia aos interesses da massa buscando-se desta forma uma
conciliaccedilatildeo destes interesses com o princiacutepio par conditio creditorum
Decidindo o administrador pelo cumprimento retoma-se o curso normal do contrato o
que significa que tanto o administrador da insolvecircncia como a contraparte do insolvente
podem exigir entre si o cumprimento das obrigaccedilotildees assumidas no contrato celebrado com a
especificidade de nos termos previstos na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 51ordm CIRE o creacutedito da
contraparte constituir creacutedito sobre a massa19 com as consequecircncias que tal qualificaccedilatildeo
acarreta (nordm 1 do artigo 46ordm e artigo 172ordm do CIRE)
Refira-se que natildeo satildeo legalmente estabelecidas sanccedilotildees para a massa pelo decurso do
periacuteodo de suspensatildeo designadamente no que tange aos efeitos da mora no cumprimento (por
exemplo juros ou outras indemnizaccedilotildees)20 o que significa que natildeo decorre da suspensatildeo pelo
administrador da insolvecircncia o direito a qualquer indemnizaccedilatildeo ou compensaccedilatildeo para a
contraparte do insolvente
Conforme se referiu supra a suspensatildeo do contrato prevista no nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE tem caraacutecter meramente transitoacuterio21 o que eacute assinalado por OLIVEIRA ASCENSAtildeO
17 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo ob cit p 393 18 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 182 19 ldquosalvo na medida correspondente agrave contraprestaccedilatildeo jaacute realizada pela outra parte anteriormente agrave declaraccedilatildeo de insolvecircnciaou que se reporte a periacuteodo anterior a essa declaraccedilatildeordquo como bem esclarece MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 e 184 20 Sobre este tema escreveu OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118) que ldquose era ao insolvente que cabia cumprir a ldquomorardquonatildeo eacute taxada de ilicitude Se era agrave outra parte natildeo se consente que se tirem em prejuiacutezo da massa as consequecircncias da mora do credorrdquo 21 Assim explica MENEZES LEITAtildeO queldquoa declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo afecta as pretensotildees de cumprimento destes contratos bilaterais pela outra parte apenas as suspendendo provisoriamente Eacute apenas a
Ograve
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ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
Ograve
10
ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
11
certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
13
consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
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Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
16
comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
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1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
18
consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
19
contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
22
vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
36
declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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Ograve
4
II - Efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em curso
A declaraccedilatildeo de insolvecircncia desencadeia os efeitos regulados no Tiacutetulo IV do CIRE o
qual se reparte por cinco capiacutetulos sendo que os quatro primeiros regulam sucessivamente
os efeitos sobre o devedor e outras pessoas (artigo 81ordm e ss) os efeitos processuais (artigo 85ordm
e ss) os efeitos sobre os creacuteditos (art 90ordm e ss) os efeitos sobre os negoacutecios em curso (art
102ordm e ss) e por uacuteltimo a resoluccedilatildeo em benefiacutecio da massa dos negoacutecios juriacutedicos
celebrados pelo insolvente (art 120ordm e ss)
Os principais efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia satildeo sobejamente conhecidos por
qualquer jurista pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia o insolvente eacute privado dos poderes de
disposiccedilatildeo e administraccedilatildeo dos seus bens presentes e futuros que passam a integrar a massa
falida poderes esses que passam a competir ao administrador da insolvecircncia todos os bens
susceptiacuteveis de penhora ainda que tenham sido penhorados arrestados ou por qualquer forma
apreendidos ou detidos noutro processo satildeo apreendidos vencem-se todas as obrigaccedilotildees do
falido entre outros
Atendendo ao tema que nos propomos tratar centrar-nos-emos apenas na disciplina
juriacutedica dos negoacutecios em curso actualmente prevista nos artigos 102ordm e seguintes do CIRE e
que podemos definir como ldquorelaccedilotildees juriacutedicas jaacute constituiacutedas incumpridas total ou
parcialmente por um ou por ambos os titulares ou mesmo relaccedilotildees juriacutedicas duradouras (por
exemplo o arrendamento o contrato de trabalho a associaccedilatildeo em participaccedilatildeo) cujo
denominador comum reside na necessidade de um regimen falencial particular (de
manutenccedilatildeo de extinccedilatildeo ou ateacute de suspensatildeo de cumprimento integral ou de cumprimento
rateadordquo5
1 - Acircmbito de aplicaccedilatildeo do artigo 102ordm CIRE
O artigo 102ordm CIRE propotildee-se estabelecer nos termos da sua epiacutegrafe um ldquoprinciacutepio
geral quanto a negoacutecios ainda natildeo cumpridosrdquo Relativamente a esta mateacuteria o CPEREF
nos seus artigos 161ordm e seguintes havia optado por uma regulaccedilatildeo casuiacutestica para diversos
negoacutecios juriacutedicos tipificados natildeo prevendo qualquer princiacutepio geral que regulasse os
5 A definiccedilatildeo eacute de MARIA DO ROSAacuteRIO EPIFAcircNIO (ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo Universidade Catoacutelica Porto 2000) e foi elaborada agrave luz do CPEREF mas pensamos que manteacutem a sua actualidade face ao CIRE
Ograve
5
negoacutecios juriacutedicos em curso Esta soluccedilatildeo foi no entanto ao longo da vigecircncia do CPEREF
alvo de diversas vozes criacuteticas6
Nessa medida a norma prevista no mencionado artigo 102ordm constitui uma inovaccedilatildeo face
ao regime anterior7 Todavia parece-nos que a epiacutegrafe deste artigo seraacute demasiado
pretensiosa relativamente ao seu verdadeiro acircmbito ndash uma leitura atenta do seu teor permite
compreender o seu restrito acircmbito de aplicaccedilatildeo jaacute que a soluccedilatildeo nele consagrada apenas se
aplica a contratos sinalagmaacuteticos em que natildeo haja ainda total cumprimento nem pelo
insolvente nem pela outra parte contratual
Do seu acircmbito ficam portanto excluiacutedos ldquoos negoacutecios unilaterais os contratos
unilaterais os contratos bilaterais imperfeitos assim como aqueles contratos bilaterais
signalamaacuteticos em que uma das partes jaacute tenha cumprido na iacutentegrardquo8 Esta exclusatildeo natildeo eacute
de todo despicienda porquanto se reveste de uma importacircncia praacutetica manifesta
Efectivamente ldquoActos muito importantes da vida corrente satildeo negoacutecios juriacutedicos unilaterais
Eacute-o a promessa puacuteblica e ateacute a proposta simples de contrato eacute-o o negoacutecio cambiaacuterio satildeo-
no mesmo os negoacutecios em mercados de capitais (hellip)9 Nesta conformidade estamos de acordo
com MENEZES LEITAtildeO quando propugna que ldquouma norma sobre contratos bilaterais
6 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoEfeitos da Falecircncia sobre a Pessoa e os Negoacutecios do Falidordquo in Revista da Ordem dos Advogados III ano 55 Dezembro 1995 pp 641 e ss p 658 7 Dado o caraacutecter naturalmente sucinto do presente relatoacuterio natildeo tem aqui cabimento uma anaacutelise da evoluccedilatildeo histoacuterica do regime em estudo Dir-se-aacute apenas que no regime do CPC vigente ateacute agrave entrada em vigor do CPEREF em 1993 se encontrava tambeacutem prevista um princiacutepio geral relativo aos contratos bilaterais do falido no seu artigo 1197ordm Diversamente o CPEREF nos seus artigos 161ordm e seguintes optou por uma soluccedilatildeo casuiacutestica estabelecendo um regime particular para negoacutecios juriacutedicos tipificados 8 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 537 9 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo op cit pag 111 Este autor defende a aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime previsto no artigo 102ordm aos negoacutecios juriacutedicos unilaterais e aos contratos unilaterais propugnando que ldquoSe o que se assegura eacute um tempo de espera em que se pondera se o cumprimento eacute ou natildeo beneacutefico para a situaccedilatildeo decorrente da insolvecircncia entatildeo do mesmo modo parece aqui conveniente a suspensatildeo A comum natureza de negoacutecio juriacutedico associada agrave ratio legis ampara bem esta soluccedilatildeordquo salientando no entanto que ldquoa aplicaccedilatildeo eacute analoacutegica uma vez que natildeo haacute razatildeo para pretender que o legislador disse menos que o que queriardquo Contra a descrita interpretaccedilatildeo manifestou-se Menezes Leitatildeo expondo que ldquonatildeo vemos que a analogia se justifiquerdquo (novo pag 182) Cremos que assiste razatildeo a este uacuteltimo Autor Efectivamente a justificaccedilatildeo para a suspensatildeo dos contratos bilaterais eacute precisamente a existecircncia do sinalagma conforme explica ainda Menezes Leitatildeo ldquoCorrespondendo no entanto esses negoacutecios em curso a contratos bilaterais o sinalagma leva a que a outra parte natildeo seja obrigada a cumprir se o insolvente natildeo o fizer Ora como o cumprimento desses contratos pode ser conveniente aos interesses da massa concede-se ao administrador a possibilidade de optar entre o cumprimento do contrato e a sua recusa consoante for ou natildeo conveniente para a massardquo Assim se natildeo nos faltaratildeo exemplos de situaccedilotildees no acircmbito de contratos bilaterais em que seja conveniente para a massa o cumprimento do contrato apesar da declaraccedilatildeo de insolvecircncia por ter interesse na realizaccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo jaacute dificilmente tal sucederaacute no acircmbito de um negoacutecio juriacutedico unilateral porquanto a massa insolvente natildeo eacute neste caso credora de qualquer prestaccedilatildeo Parece-nos assim de iure constituendo que natildeo seria desapropriada a configuraccedilatildeo de uma norma que previsse o princiacutepio geral de extinccedilatildeo automaacutetica de negoacutecios juriacutedicos unilaterais e contratos unilaterais (em que fosse obrigado o insolvente obviamente jaacute que a situaccedilatildeo inversa cairia no acircmbito do artigo 91ordm do CIRE)
Ograve
6
dificilmente pode ser elevada agrave categoria de princiacutepio geral uma vez que os contratos natildeo
sinalagmaacuteticos ficam de fora e em relaccedilatildeo a estes natildeo aparece qualquer regimerdquo10 A isto
acresce ainda como assinala o mesmo Autor11 o facto de ser rara a hipoacutetese de natildeo haver de
nenhuma das partes cumprimento total do contrato
Por outro lado haacute ainda que ter em linha de conta que a disposiccedilatildeo normativa do nordm 1
do artigo 102ordm ressalva logo no seu iniacutecio ldquoSem prejuiacutezo do disposto nos artigos seguintesrdquo
o que equivale por dizer que a norma aqui prevista acaba por gozar de caraacutecter supletivo face
agrave regulaccedilatildeo particular do destino de negoacutecios juriacutedicos em curso nos artigos 104ordm a 118ordm do
CIRE ao inveacutes da forccedila de princiacutepio geral que o legislador aparentemente lhe quis atribuir
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE
O princiacutepio geral quanto aos negoacutecios ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia estabelecido no nordm 1 do artigo 102ordm CIRE eacute a suspensatildeo do cumprimento ateacute que
o administrador da insolvecircncia declare optar pela execuccedilatildeo ou recusar o cumprimento Assim
no que tange aos contratos bilaterais ainda natildeo integralmente cumpridos pelas partes agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia a lei determina um princiacutepio geneacuterico da manutenccedilatildeo daqueles
num estado de suspensatildeo ateacute ao exerciacutecio do direito de opccedilatildeo pelo administrador Trata-se de
uma suspensatildeo transitoacuteria que tem como funccedilatildeo conceder ao administrador da insolvecircncia o
periacuteodo de tempo necessaacuterio agrave ponderaccedilatildeo da conveniecircncia do cumprimento do contrato para
os interesses da massa
A opccedilatildeo pelo cumprimento ou pela recusa concedida ao administrador da insolvecircncia
natildeo eacute livre na medida em que seraacute sempre norteada pela defesa dos interesses da massa
Efectivamente e como esclarece GRAVATO MORAIS ldquoA ldquoopccedilatildeordquo por uma ou outra via
pressupotildee a devida ponderaccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia da situaccedilatildeo concreta agrave luz
dos interesses da massa e em vista da satisfaccedilatildeo dos credores da insolvecircncia natildeo tendo
portanto total liberdade para se pronunciar num ou noutro sentidordquo12 Pode assim dizer-se
que a faculdade de opccedilatildeo do administrador eacute tendencialmente livre tendo em conta as funccedilotildees
10 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo in ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresasrdquo publicaccedilatildeo do Ministeacuterio da Justiccedila Gabinete de Poliacutetica Legislativa e Planeamento Coimbra Editora 2004 pp 61 e ss p 118 11 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118 12 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo Cadernos de Direito Privado nordm 29 JaneiroMarccedilo 2010 pp 3 e ss p 7
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que lhe satildeo cometidas pelo artigo 55ordm do CIRE no acircmbito das quais ela estaacute ainda iacutensita Natildeo
podemos assim olvidar que toda a actuaccedilatildeo do administrador eacute pautada pelo superior interesse
da massa insolvente13 conforme bem resumem LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA
quando esclarecem que ldquoO administrador deve prover ao exerciacutecio de todos os direitos de
caraacutecter patrimonial que integram a massa e garantir dentro das possibilidades a melhor
rentabilidade dos bens apreendidos de sorte a que no miacutenimo ela cubra a inflaccedilatildeo deve
obviar agrave realizaccedilatildeo de despesas e agrave contenccedilatildeo de encargos desnecessaacuterios ou que natildeo gerem
um retorno pelo menos equivalente a valores actualizados e deve promover a alienaccedilatildeo
dos bens pelos meios e modos que em concreto se mostrem mais adequados agrave maximizaccedilatildeo
do valor dos mesmosrdquo14
Nesta conformidade este direito natildeo pode ser exercido de forma arbitraacuteria ou leviana -
na base da decisatildeo do administrador deveraacute estar sempre a anaacutelise da opccedilatildeo ser mais
favoraacutevel aos interesses da massa e acima de tudo se essa opccedilatildeo natildeo prejudica tais interesses
de forma relevante15 Os credores satildeo no acircmbito do CIRE os titulares do principal direito que
o processo insolvencial visa acautelar que mais natildeo eacute que o pagamento dos respectivos
creacuteditos Por forccedila dessa sua posiccedilatildeo eacute a vontade dos credores que comanda todo o processo
Por outro lado a escolha do administrador da insolvecircncia encontra-se ainda
condicionada pelo disposto no nordm 4 do artigo 102ordm que dispotildee que ldquoa opccedilatildeo pela execuccedilatildeo eacute
abusiva se o cumprimento pontual das obrigaccedilotildees contratuais por parte da massa insolvente
for manifestamente improvaacutevelrdquo Estabelece-se assim um limite definitivo agrave ponderaccedilatildeo dos
interesses em causa pelo administrador da insolvecircncia limite que OLIVEIRA ASCENSAtildeO
caracteriza como um verdadeiro ldquodever de recusar o cumprimentordquo16 Conforme esclarecem
13 Como ensina MENEZES LEITAtildeOldquoO administrador da insolvecircncia tem essencialmente como funccedilotildees assumir o controlo da massa insolvente proceder agrave sua administraccedilatildeo e liquidaccedilatildeo e repartir pelos credores o respectivo produto finalrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2011 p 122) 14 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo Lisboa Quid Juris 2005 p 257 15 Tais criteacuterios emanam da proacutepria natureza e finalidades prosseguidas com o processo de insolvecircncia fixados no preacircmbulo do Decreto-Lei 522004 de 18 de Marccedilo que estabeleceldquoo objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo Efectivamente ldquoCom o hellip CIREhellip o fim da recuperaccedilatildeo eacute subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade uacutenica que orienta todo o regimehellip conferindo a soberania aos credoresrdquo (FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoPressupostos Objectivos e Subjectivos da Insolvecircnciardquo in Themis da Faculdade de Direito da UNL 2005 pp 11 e ss p 12) Pode assim afirmar-se indubitavelmente que o CIRE consagra o retorno ao princiacutepio da insolvecircncia-liquidaccedilatildeo em benefiacutecio dos credores (satildeo paradigmaacuteticos neste sentido os artigos 52ordm 53ordm nordm 2 do artigo 56ordm e 59ordm do CIRE) em substituiccedilatildeo da primazia agrave recuperaccedilatildeo da empresa visiacutevel nos artigos 1ordm 2ordm e 3ordm do CPEREF 16 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 119
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LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA 17 esta disposiccedilatildeo legal visa ldquorepor o equiliacutebrio
dos interesses em presenccedilardquo dando ainda conta estes Autores da possibilidade da contraparte
da insolvente invocar judicialmente a excepccedilatildeo aqui prevista
A atribuiccedilatildeo legal deste direito de escolha ao administrador da insolvecircncia tem o seu
alicerce na impossibilidade geral de cumprimento das obrigaccedilotildees resultante da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia Efectivamente ldquose o insolvente se visse forccedilado a cumprir negoacutecios em curso os
pagamentos que efectuasse beneficiariam alguns credores em detrimento de outros sendo
por isso que a lei estabelece que os credores perdem com a declaraccedilatildeo de insolvecircncia a
possibilidade de exigir autonomamente os seus creacuteditosrdquo18 Compreende-se assim a
faculdade concedida ao administrador o cumprimento dos contratos sinalagmaacuteticos fica desta
forma dependente da sua conveniecircncia aos interesses da massa buscando-se desta forma uma
conciliaccedilatildeo destes interesses com o princiacutepio par conditio creditorum
Decidindo o administrador pelo cumprimento retoma-se o curso normal do contrato o
que significa que tanto o administrador da insolvecircncia como a contraparte do insolvente
podem exigir entre si o cumprimento das obrigaccedilotildees assumidas no contrato celebrado com a
especificidade de nos termos previstos na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 51ordm CIRE o creacutedito da
contraparte constituir creacutedito sobre a massa19 com as consequecircncias que tal qualificaccedilatildeo
acarreta (nordm 1 do artigo 46ordm e artigo 172ordm do CIRE)
Refira-se que natildeo satildeo legalmente estabelecidas sanccedilotildees para a massa pelo decurso do
periacuteodo de suspensatildeo designadamente no que tange aos efeitos da mora no cumprimento (por
exemplo juros ou outras indemnizaccedilotildees)20 o que significa que natildeo decorre da suspensatildeo pelo
administrador da insolvecircncia o direito a qualquer indemnizaccedilatildeo ou compensaccedilatildeo para a
contraparte do insolvente
Conforme se referiu supra a suspensatildeo do contrato prevista no nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE tem caraacutecter meramente transitoacuterio21 o que eacute assinalado por OLIVEIRA ASCENSAtildeO
17 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo ob cit p 393 18 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 182 19 ldquosalvo na medida correspondente agrave contraprestaccedilatildeo jaacute realizada pela outra parte anteriormente agrave declaraccedilatildeo de insolvecircnciaou que se reporte a periacuteodo anterior a essa declaraccedilatildeordquo como bem esclarece MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 e 184 20 Sobre este tema escreveu OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118) que ldquose era ao insolvente que cabia cumprir a ldquomorardquonatildeo eacute taxada de ilicitude Se era agrave outra parte natildeo se consente que se tirem em prejuiacutezo da massa as consequecircncias da mora do credorrdquo 21 Assim explica MENEZES LEITAtildeO queldquoa declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo afecta as pretensotildees de cumprimento destes contratos bilaterais pela outra parte apenas as suspendendo provisoriamente Eacute apenas a
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ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
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ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
11
certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
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consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
14
Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
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comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
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1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
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consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de
Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss
SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo
Almedina Coimbra 2010
SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo
do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm
274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss
SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra
2006
VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo
Almedina Coimbra 1994
VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo
Almedina Coimbra 1992
VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoSobre o contrato-promessardquo 2ordf ediccedilatildeo
Coimbra Editora Coimbra 1989
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra
e Vendardquo in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto III (2006) pp 521 e
ss
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoA Cessatildeo de Creacuteditos em garantia e a
Insolvecircncia em particular da posiccedilatildeo do cessionaacuterio na insolvecircncia do cedenterdquo Coimbra
Editora Coimbra 2007
Ҝ
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VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e
falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito das Garantiasrdquo Almedina
Coimbra 2010
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa
e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss
Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
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negoacutecios juriacutedicos em curso Esta soluccedilatildeo foi no entanto ao longo da vigecircncia do CPEREF
alvo de diversas vozes criacuteticas6
Nessa medida a norma prevista no mencionado artigo 102ordm constitui uma inovaccedilatildeo face
ao regime anterior7 Todavia parece-nos que a epiacutegrafe deste artigo seraacute demasiado
pretensiosa relativamente ao seu verdadeiro acircmbito ndash uma leitura atenta do seu teor permite
compreender o seu restrito acircmbito de aplicaccedilatildeo jaacute que a soluccedilatildeo nele consagrada apenas se
aplica a contratos sinalagmaacuteticos em que natildeo haja ainda total cumprimento nem pelo
insolvente nem pela outra parte contratual
Do seu acircmbito ficam portanto excluiacutedos ldquoos negoacutecios unilaterais os contratos
unilaterais os contratos bilaterais imperfeitos assim como aqueles contratos bilaterais
signalamaacuteticos em que uma das partes jaacute tenha cumprido na iacutentegrardquo8 Esta exclusatildeo natildeo eacute
de todo despicienda porquanto se reveste de uma importacircncia praacutetica manifesta
Efectivamente ldquoActos muito importantes da vida corrente satildeo negoacutecios juriacutedicos unilaterais
Eacute-o a promessa puacuteblica e ateacute a proposta simples de contrato eacute-o o negoacutecio cambiaacuterio satildeo-
no mesmo os negoacutecios em mercados de capitais (hellip)9 Nesta conformidade estamos de acordo
com MENEZES LEITAtildeO quando propugna que ldquouma norma sobre contratos bilaterais
6 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoEfeitos da Falecircncia sobre a Pessoa e os Negoacutecios do Falidordquo in Revista da Ordem dos Advogados III ano 55 Dezembro 1995 pp 641 e ss p 658 7 Dado o caraacutecter naturalmente sucinto do presente relatoacuterio natildeo tem aqui cabimento uma anaacutelise da evoluccedilatildeo histoacuterica do regime em estudo Dir-se-aacute apenas que no regime do CPC vigente ateacute agrave entrada em vigor do CPEREF em 1993 se encontrava tambeacutem prevista um princiacutepio geral relativo aos contratos bilaterais do falido no seu artigo 1197ordm Diversamente o CPEREF nos seus artigos 161ordm e seguintes optou por uma soluccedilatildeo casuiacutestica estabelecendo um regime particular para negoacutecios juriacutedicos tipificados 8 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 537 9 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo op cit pag 111 Este autor defende a aplicaccedilatildeo analoacutegica do regime previsto no artigo 102ordm aos negoacutecios juriacutedicos unilaterais e aos contratos unilaterais propugnando que ldquoSe o que se assegura eacute um tempo de espera em que se pondera se o cumprimento eacute ou natildeo beneacutefico para a situaccedilatildeo decorrente da insolvecircncia entatildeo do mesmo modo parece aqui conveniente a suspensatildeo A comum natureza de negoacutecio juriacutedico associada agrave ratio legis ampara bem esta soluccedilatildeordquo salientando no entanto que ldquoa aplicaccedilatildeo eacute analoacutegica uma vez que natildeo haacute razatildeo para pretender que o legislador disse menos que o que queriardquo Contra a descrita interpretaccedilatildeo manifestou-se Menezes Leitatildeo expondo que ldquonatildeo vemos que a analogia se justifiquerdquo (novo pag 182) Cremos que assiste razatildeo a este uacuteltimo Autor Efectivamente a justificaccedilatildeo para a suspensatildeo dos contratos bilaterais eacute precisamente a existecircncia do sinalagma conforme explica ainda Menezes Leitatildeo ldquoCorrespondendo no entanto esses negoacutecios em curso a contratos bilaterais o sinalagma leva a que a outra parte natildeo seja obrigada a cumprir se o insolvente natildeo o fizer Ora como o cumprimento desses contratos pode ser conveniente aos interesses da massa concede-se ao administrador a possibilidade de optar entre o cumprimento do contrato e a sua recusa consoante for ou natildeo conveniente para a massardquo Assim se natildeo nos faltaratildeo exemplos de situaccedilotildees no acircmbito de contratos bilaterais em que seja conveniente para a massa o cumprimento do contrato apesar da declaraccedilatildeo de insolvecircncia por ter interesse na realizaccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo jaacute dificilmente tal sucederaacute no acircmbito de um negoacutecio juriacutedico unilateral porquanto a massa insolvente natildeo eacute neste caso credora de qualquer prestaccedilatildeo Parece-nos assim de iure constituendo que natildeo seria desapropriada a configuraccedilatildeo de uma norma que previsse o princiacutepio geral de extinccedilatildeo automaacutetica de negoacutecios juriacutedicos unilaterais e contratos unilaterais (em que fosse obrigado o insolvente obviamente jaacute que a situaccedilatildeo inversa cairia no acircmbito do artigo 91ordm do CIRE)
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dificilmente pode ser elevada agrave categoria de princiacutepio geral uma vez que os contratos natildeo
sinalagmaacuteticos ficam de fora e em relaccedilatildeo a estes natildeo aparece qualquer regimerdquo10 A isto
acresce ainda como assinala o mesmo Autor11 o facto de ser rara a hipoacutetese de natildeo haver de
nenhuma das partes cumprimento total do contrato
Por outro lado haacute ainda que ter em linha de conta que a disposiccedilatildeo normativa do nordm 1
do artigo 102ordm ressalva logo no seu iniacutecio ldquoSem prejuiacutezo do disposto nos artigos seguintesrdquo
o que equivale por dizer que a norma aqui prevista acaba por gozar de caraacutecter supletivo face
agrave regulaccedilatildeo particular do destino de negoacutecios juriacutedicos em curso nos artigos 104ordm a 118ordm do
CIRE ao inveacutes da forccedila de princiacutepio geral que o legislador aparentemente lhe quis atribuir
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE
O princiacutepio geral quanto aos negoacutecios ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia estabelecido no nordm 1 do artigo 102ordm CIRE eacute a suspensatildeo do cumprimento ateacute que
o administrador da insolvecircncia declare optar pela execuccedilatildeo ou recusar o cumprimento Assim
no que tange aos contratos bilaterais ainda natildeo integralmente cumpridos pelas partes agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia a lei determina um princiacutepio geneacuterico da manutenccedilatildeo daqueles
num estado de suspensatildeo ateacute ao exerciacutecio do direito de opccedilatildeo pelo administrador Trata-se de
uma suspensatildeo transitoacuteria que tem como funccedilatildeo conceder ao administrador da insolvecircncia o
periacuteodo de tempo necessaacuterio agrave ponderaccedilatildeo da conveniecircncia do cumprimento do contrato para
os interesses da massa
A opccedilatildeo pelo cumprimento ou pela recusa concedida ao administrador da insolvecircncia
natildeo eacute livre na medida em que seraacute sempre norteada pela defesa dos interesses da massa
Efectivamente e como esclarece GRAVATO MORAIS ldquoA ldquoopccedilatildeordquo por uma ou outra via
pressupotildee a devida ponderaccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia da situaccedilatildeo concreta agrave luz
dos interesses da massa e em vista da satisfaccedilatildeo dos credores da insolvecircncia natildeo tendo
portanto total liberdade para se pronunciar num ou noutro sentidordquo12 Pode assim dizer-se
que a faculdade de opccedilatildeo do administrador eacute tendencialmente livre tendo em conta as funccedilotildees
10 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo in ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresasrdquo publicaccedilatildeo do Ministeacuterio da Justiccedila Gabinete de Poliacutetica Legislativa e Planeamento Coimbra Editora 2004 pp 61 e ss p 118 11 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118 12 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo Cadernos de Direito Privado nordm 29 JaneiroMarccedilo 2010 pp 3 e ss p 7
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que lhe satildeo cometidas pelo artigo 55ordm do CIRE no acircmbito das quais ela estaacute ainda iacutensita Natildeo
podemos assim olvidar que toda a actuaccedilatildeo do administrador eacute pautada pelo superior interesse
da massa insolvente13 conforme bem resumem LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA
quando esclarecem que ldquoO administrador deve prover ao exerciacutecio de todos os direitos de
caraacutecter patrimonial que integram a massa e garantir dentro das possibilidades a melhor
rentabilidade dos bens apreendidos de sorte a que no miacutenimo ela cubra a inflaccedilatildeo deve
obviar agrave realizaccedilatildeo de despesas e agrave contenccedilatildeo de encargos desnecessaacuterios ou que natildeo gerem
um retorno pelo menos equivalente a valores actualizados e deve promover a alienaccedilatildeo
dos bens pelos meios e modos que em concreto se mostrem mais adequados agrave maximizaccedilatildeo
do valor dos mesmosrdquo14
Nesta conformidade este direito natildeo pode ser exercido de forma arbitraacuteria ou leviana -
na base da decisatildeo do administrador deveraacute estar sempre a anaacutelise da opccedilatildeo ser mais
favoraacutevel aos interesses da massa e acima de tudo se essa opccedilatildeo natildeo prejudica tais interesses
de forma relevante15 Os credores satildeo no acircmbito do CIRE os titulares do principal direito que
o processo insolvencial visa acautelar que mais natildeo eacute que o pagamento dos respectivos
creacuteditos Por forccedila dessa sua posiccedilatildeo eacute a vontade dos credores que comanda todo o processo
Por outro lado a escolha do administrador da insolvecircncia encontra-se ainda
condicionada pelo disposto no nordm 4 do artigo 102ordm que dispotildee que ldquoa opccedilatildeo pela execuccedilatildeo eacute
abusiva se o cumprimento pontual das obrigaccedilotildees contratuais por parte da massa insolvente
for manifestamente improvaacutevelrdquo Estabelece-se assim um limite definitivo agrave ponderaccedilatildeo dos
interesses em causa pelo administrador da insolvecircncia limite que OLIVEIRA ASCENSAtildeO
caracteriza como um verdadeiro ldquodever de recusar o cumprimentordquo16 Conforme esclarecem
13 Como ensina MENEZES LEITAtildeOldquoO administrador da insolvecircncia tem essencialmente como funccedilotildees assumir o controlo da massa insolvente proceder agrave sua administraccedilatildeo e liquidaccedilatildeo e repartir pelos credores o respectivo produto finalrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2011 p 122) 14 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo Lisboa Quid Juris 2005 p 257 15 Tais criteacuterios emanam da proacutepria natureza e finalidades prosseguidas com o processo de insolvecircncia fixados no preacircmbulo do Decreto-Lei 522004 de 18 de Marccedilo que estabeleceldquoo objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo Efectivamente ldquoCom o hellip CIREhellip o fim da recuperaccedilatildeo eacute subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade uacutenica que orienta todo o regimehellip conferindo a soberania aos credoresrdquo (FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoPressupostos Objectivos e Subjectivos da Insolvecircnciardquo in Themis da Faculdade de Direito da UNL 2005 pp 11 e ss p 12) Pode assim afirmar-se indubitavelmente que o CIRE consagra o retorno ao princiacutepio da insolvecircncia-liquidaccedilatildeo em benefiacutecio dos credores (satildeo paradigmaacuteticos neste sentido os artigos 52ordm 53ordm nordm 2 do artigo 56ordm e 59ordm do CIRE) em substituiccedilatildeo da primazia agrave recuperaccedilatildeo da empresa visiacutevel nos artigos 1ordm 2ordm e 3ordm do CPEREF 16 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 119
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LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA 17 esta disposiccedilatildeo legal visa ldquorepor o equiliacutebrio
dos interesses em presenccedilardquo dando ainda conta estes Autores da possibilidade da contraparte
da insolvente invocar judicialmente a excepccedilatildeo aqui prevista
A atribuiccedilatildeo legal deste direito de escolha ao administrador da insolvecircncia tem o seu
alicerce na impossibilidade geral de cumprimento das obrigaccedilotildees resultante da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia Efectivamente ldquose o insolvente se visse forccedilado a cumprir negoacutecios em curso os
pagamentos que efectuasse beneficiariam alguns credores em detrimento de outros sendo
por isso que a lei estabelece que os credores perdem com a declaraccedilatildeo de insolvecircncia a
possibilidade de exigir autonomamente os seus creacuteditosrdquo18 Compreende-se assim a
faculdade concedida ao administrador o cumprimento dos contratos sinalagmaacuteticos fica desta
forma dependente da sua conveniecircncia aos interesses da massa buscando-se desta forma uma
conciliaccedilatildeo destes interesses com o princiacutepio par conditio creditorum
Decidindo o administrador pelo cumprimento retoma-se o curso normal do contrato o
que significa que tanto o administrador da insolvecircncia como a contraparte do insolvente
podem exigir entre si o cumprimento das obrigaccedilotildees assumidas no contrato celebrado com a
especificidade de nos termos previstos na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 51ordm CIRE o creacutedito da
contraparte constituir creacutedito sobre a massa19 com as consequecircncias que tal qualificaccedilatildeo
acarreta (nordm 1 do artigo 46ordm e artigo 172ordm do CIRE)
Refira-se que natildeo satildeo legalmente estabelecidas sanccedilotildees para a massa pelo decurso do
periacuteodo de suspensatildeo designadamente no que tange aos efeitos da mora no cumprimento (por
exemplo juros ou outras indemnizaccedilotildees)20 o que significa que natildeo decorre da suspensatildeo pelo
administrador da insolvecircncia o direito a qualquer indemnizaccedilatildeo ou compensaccedilatildeo para a
contraparte do insolvente
Conforme se referiu supra a suspensatildeo do contrato prevista no nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE tem caraacutecter meramente transitoacuterio21 o que eacute assinalado por OLIVEIRA ASCENSAtildeO
17 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo ob cit p 393 18 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 182 19 ldquosalvo na medida correspondente agrave contraprestaccedilatildeo jaacute realizada pela outra parte anteriormente agrave declaraccedilatildeo de insolvecircnciaou que se reporte a periacuteodo anterior a essa declaraccedilatildeordquo como bem esclarece MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 e 184 20 Sobre este tema escreveu OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118) que ldquose era ao insolvente que cabia cumprir a ldquomorardquonatildeo eacute taxada de ilicitude Se era agrave outra parte natildeo se consente que se tirem em prejuiacutezo da massa as consequecircncias da mora do credorrdquo 21 Assim explica MENEZES LEITAtildeO queldquoa declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo afecta as pretensotildees de cumprimento destes contratos bilaterais pela outra parte apenas as suspendendo provisoriamente Eacute apenas a
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ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
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ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
11
certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
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consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
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Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
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comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
17
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
18
consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
20
podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
21
frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
22
vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
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anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
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dificilmente pode ser elevada agrave categoria de princiacutepio geral uma vez que os contratos natildeo
sinalagmaacuteticos ficam de fora e em relaccedilatildeo a estes natildeo aparece qualquer regimerdquo10 A isto
acresce ainda como assinala o mesmo Autor11 o facto de ser rara a hipoacutetese de natildeo haver de
nenhuma das partes cumprimento total do contrato
Por outro lado haacute ainda que ter em linha de conta que a disposiccedilatildeo normativa do nordm 1
do artigo 102ordm ressalva logo no seu iniacutecio ldquoSem prejuiacutezo do disposto nos artigos seguintesrdquo
o que equivale por dizer que a norma aqui prevista acaba por gozar de caraacutecter supletivo face
agrave regulaccedilatildeo particular do destino de negoacutecios juriacutedicos em curso nos artigos 104ordm a 118ordm do
CIRE ao inveacutes da forccedila de princiacutepio geral que o legislador aparentemente lhe quis atribuir
2- Regime legal decorrente do artigo 102ordm CIRE
O princiacutepio geral quanto aos negoacutecios ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia estabelecido no nordm 1 do artigo 102ordm CIRE eacute a suspensatildeo do cumprimento ateacute que
o administrador da insolvecircncia declare optar pela execuccedilatildeo ou recusar o cumprimento Assim
no que tange aos contratos bilaterais ainda natildeo integralmente cumpridos pelas partes agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia a lei determina um princiacutepio geneacuterico da manutenccedilatildeo daqueles
num estado de suspensatildeo ateacute ao exerciacutecio do direito de opccedilatildeo pelo administrador Trata-se de
uma suspensatildeo transitoacuteria que tem como funccedilatildeo conceder ao administrador da insolvecircncia o
periacuteodo de tempo necessaacuterio agrave ponderaccedilatildeo da conveniecircncia do cumprimento do contrato para
os interesses da massa
A opccedilatildeo pelo cumprimento ou pela recusa concedida ao administrador da insolvecircncia
natildeo eacute livre na medida em que seraacute sempre norteada pela defesa dos interesses da massa
Efectivamente e como esclarece GRAVATO MORAIS ldquoA ldquoopccedilatildeordquo por uma ou outra via
pressupotildee a devida ponderaccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia da situaccedilatildeo concreta agrave luz
dos interesses da massa e em vista da satisfaccedilatildeo dos credores da insolvecircncia natildeo tendo
portanto total liberdade para se pronunciar num ou noutro sentidordquo12 Pode assim dizer-se
que a faculdade de opccedilatildeo do administrador eacute tendencialmente livre tendo em conta as funccedilotildees
10 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo in ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresasrdquo publicaccedilatildeo do Ministeacuterio da Justiccedila Gabinete de Poliacutetica Legislativa e Planeamento Coimbra Editora 2004 pp 61 e ss p 118 11 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118 12 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo Cadernos de Direito Privado nordm 29 JaneiroMarccedilo 2010 pp 3 e ss p 7
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que lhe satildeo cometidas pelo artigo 55ordm do CIRE no acircmbito das quais ela estaacute ainda iacutensita Natildeo
podemos assim olvidar que toda a actuaccedilatildeo do administrador eacute pautada pelo superior interesse
da massa insolvente13 conforme bem resumem LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA
quando esclarecem que ldquoO administrador deve prover ao exerciacutecio de todos os direitos de
caraacutecter patrimonial que integram a massa e garantir dentro das possibilidades a melhor
rentabilidade dos bens apreendidos de sorte a que no miacutenimo ela cubra a inflaccedilatildeo deve
obviar agrave realizaccedilatildeo de despesas e agrave contenccedilatildeo de encargos desnecessaacuterios ou que natildeo gerem
um retorno pelo menos equivalente a valores actualizados e deve promover a alienaccedilatildeo
dos bens pelos meios e modos que em concreto se mostrem mais adequados agrave maximizaccedilatildeo
do valor dos mesmosrdquo14
Nesta conformidade este direito natildeo pode ser exercido de forma arbitraacuteria ou leviana -
na base da decisatildeo do administrador deveraacute estar sempre a anaacutelise da opccedilatildeo ser mais
favoraacutevel aos interesses da massa e acima de tudo se essa opccedilatildeo natildeo prejudica tais interesses
de forma relevante15 Os credores satildeo no acircmbito do CIRE os titulares do principal direito que
o processo insolvencial visa acautelar que mais natildeo eacute que o pagamento dos respectivos
creacuteditos Por forccedila dessa sua posiccedilatildeo eacute a vontade dos credores que comanda todo o processo
Por outro lado a escolha do administrador da insolvecircncia encontra-se ainda
condicionada pelo disposto no nordm 4 do artigo 102ordm que dispotildee que ldquoa opccedilatildeo pela execuccedilatildeo eacute
abusiva se o cumprimento pontual das obrigaccedilotildees contratuais por parte da massa insolvente
for manifestamente improvaacutevelrdquo Estabelece-se assim um limite definitivo agrave ponderaccedilatildeo dos
interesses em causa pelo administrador da insolvecircncia limite que OLIVEIRA ASCENSAtildeO
caracteriza como um verdadeiro ldquodever de recusar o cumprimentordquo16 Conforme esclarecem
13 Como ensina MENEZES LEITAtildeOldquoO administrador da insolvecircncia tem essencialmente como funccedilotildees assumir o controlo da massa insolvente proceder agrave sua administraccedilatildeo e liquidaccedilatildeo e repartir pelos credores o respectivo produto finalrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2011 p 122) 14 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo Lisboa Quid Juris 2005 p 257 15 Tais criteacuterios emanam da proacutepria natureza e finalidades prosseguidas com o processo de insolvecircncia fixados no preacircmbulo do Decreto-Lei 522004 de 18 de Marccedilo que estabeleceldquoo objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo Efectivamente ldquoCom o hellip CIREhellip o fim da recuperaccedilatildeo eacute subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade uacutenica que orienta todo o regimehellip conferindo a soberania aos credoresrdquo (FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoPressupostos Objectivos e Subjectivos da Insolvecircnciardquo in Themis da Faculdade de Direito da UNL 2005 pp 11 e ss p 12) Pode assim afirmar-se indubitavelmente que o CIRE consagra o retorno ao princiacutepio da insolvecircncia-liquidaccedilatildeo em benefiacutecio dos credores (satildeo paradigmaacuteticos neste sentido os artigos 52ordm 53ordm nordm 2 do artigo 56ordm e 59ordm do CIRE) em substituiccedilatildeo da primazia agrave recuperaccedilatildeo da empresa visiacutevel nos artigos 1ordm 2ordm e 3ordm do CPEREF 16 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 119
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LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA 17 esta disposiccedilatildeo legal visa ldquorepor o equiliacutebrio
dos interesses em presenccedilardquo dando ainda conta estes Autores da possibilidade da contraparte
da insolvente invocar judicialmente a excepccedilatildeo aqui prevista
A atribuiccedilatildeo legal deste direito de escolha ao administrador da insolvecircncia tem o seu
alicerce na impossibilidade geral de cumprimento das obrigaccedilotildees resultante da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia Efectivamente ldquose o insolvente se visse forccedilado a cumprir negoacutecios em curso os
pagamentos que efectuasse beneficiariam alguns credores em detrimento de outros sendo
por isso que a lei estabelece que os credores perdem com a declaraccedilatildeo de insolvecircncia a
possibilidade de exigir autonomamente os seus creacuteditosrdquo18 Compreende-se assim a
faculdade concedida ao administrador o cumprimento dos contratos sinalagmaacuteticos fica desta
forma dependente da sua conveniecircncia aos interesses da massa buscando-se desta forma uma
conciliaccedilatildeo destes interesses com o princiacutepio par conditio creditorum
Decidindo o administrador pelo cumprimento retoma-se o curso normal do contrato o
que significa que tanto o administrador da insolvecircncia como a contraparte do insolvente
podem exigir entre si o cumprimento das obrigaccedilotildees assumidas no contrato celebrado com a
especificidade de nos termos previstos na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 51ordm CIRE o creacutedito da
contraparte constituir creacutedito sobre a massa19 com as consequecircncias que tal qualificaccedilatildeo
acarreta (nordm 1 do artigo 46ordm e artigo 172ordm do CIRE)
Refira-se que natildeo satildeo legalmente estabelecidas sanccedilotildees para a massa pelo decurso do
periacuteodo de suspensatildeo designadamente no que tange aos efeitos da mora no cumprimento (por
exemplo juros ou outras indemnizaccedilotildees)20 o que significa que natildeo decorre da suspensatildeo pelo
administrador da insolvecircncia o direito a qualquer indemnizaccedilatildeo ou compensaccedilatildeo para a
contraparte do insolvente
Conforme se referiu supra a suspensatildeo do contrato prevista no nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE tem caraacutecter meramente transitoacuterio21 o que eacute assinalado por OLIVEIRA ASCENSAtildeO
17 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo ob cit p 393 18 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 182 19 ldquosalvo na medida correspondente agrave contraprestaccedilatildeo jaacute realizada pela outra parte anteriormente agrave declaraccedilatildeo de insolvecircnciaou que se reporte a periacuteodo anterior a essa declaraccedilatildeordquo como bem esclarece MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 e 184 20 Sobre este tema escreveu OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118) que ldquose era ao insolvente que cabia cumprir a ldquomorardquonatildeo eacute taxada de ilicitude Se era agrave outra parte natildeo se consente que se tirem em prejuiacutezo da massa as consequecircncias da mora do credorrdquo 21 Assim explica MENEZES LEITAtildeO queldquoa declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo afecta as pretensotildees de cumprimento destes contratos bilaterais pela outra parte apenas as suspendendo provisoriamente Eacute apenas a
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ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
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ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
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certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
13
consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
14
Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
16
comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
17
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
18
consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
19
contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
20
podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
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anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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Ograve
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que lhe satildeo cometidas pelo artigo 55ordm do CIRE no acircmbito das quais ela estaacute ainda iacutensita Natildeo
podemos assim olvidar que toda a actuaccedilatildeo do administrador eacute pautada pelo superior interesse
da massa insolvente13 conforme bem resumem LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA
quando esclarecem que ldquoO administrador deve prover ao exerciacutecio de todos os direitos de
caraacutecter patrimonial que integram a massa e garantir dentro das possibilidades a melhor
rentabilidade dos bens apreendidos de sorte a que no miacutenimo ela cubra a inflaccedilatildeo deve
obviar agrave realizaccedilatildeo de despesas e agrave contenccedilatildeo de encargos desnecessaacuterios ou que natildeo gerem
um retorno pelo menos equivalente a valores actualizados e deve promover a alienaccedilatildeo
dos bens pelos meios e modos que em concreto se mostrem mais adequados agrave maximizaccedilatildeo
do valor dos mesmosrdquo14
Nesta conformidade este direito natildeo pode ser exercido de forma arbitraacuteria ou leviana -
na base da decisatildeo do administrador deveraacute estar sempre a anaacutelise da opccedilatildeo ser mais
favoraacutevel aos interesses da massa e acima de tudo se essa opccedilatildeo natildeo prejudica tais interesses
de forma relevante15 Os credores satildeo no acircmbito do CIRE os titulares do principal direito que
o processo insolvencial visa acautelar que mais natildeo eacute que o pagamento dos respectivos
creacuteditos Por forccedila dessa sua posiccedilatildeo eacute a vontade dos credores que comanda todo o processo
Por outro lado a escolha do administrador da insolvecircncia encontra-se ainda
condicionada pelo disposto no nordm 4 do artigo 102ordm que dispotildee que ldquoa opccedilatildeo pela execuccedilatildeo eacute
abusiva se o cumprimento pontual das obrigaccedilotildees contratuais por parte da massa insolvente
for manifestamente improvaacutevelrdquo Estabelece-se assim um limite definitivo agrave ponderaccedilatildeo dos
interesses em causa pelo administrador da insolvecircncia limite que OLIVEIRA ASCENSAtildeO
caracteriza como um verdadeiro ldquodever de recusar o cumprimentordquo16 Conforme esclarecem
13 Como ensina MENEZES LEITAtildeOldquoO administrador da insolvecircncia tem essencialmente como funccedilotildees assumir o controlo da massa insolvente proceder agrave sua administraccedilatildeo e liquidaccedilatildeo e repartir pelos credores o respectivo produto finalrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2011 p 122) 14 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo Lisboa Quid Juris 2005 p 257 15 Tais criteacuterios emanam da proacutepria natureza e finalidades prosseguidas com o processo de insolvecircncia fixados no preacircmbulo do Decreto-Lei 522004 de 18 de Marccedilo que estabeleceldquoo objectivo preciacutepuo de qualquer processo de insolvecircncia eacute a satisfaccedilatildeo pela forma mais eficiente possiacutevel dos direitos dos credoresrdquo Efectivamente ldquoCom o hellip CIREhellip o fim da recuperaccedilatildeo eacute subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade uacutenica que orienta todo o regimehellip conferindo a soberania aos credoresrdquo (FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoPressupostos Objectivos e Subjectivos da Insolvecircnciardquo in Themis da Faculdade de Direito da UNL 2005 pp 11 e ss p 12) Pode assim afirmar-se indubitavelmente que o CIRE consagra o retorno ao princiacutepio da insolvecircncia-liquidaccedilatildeo em benefiacutecio dos credores (satildeo paradigmaacuteticos neste sentido os artigos 52ordm 53ordm nordm 2 do artigo 56ordm e 59ordm do CIRE) em substituiccedilatildeo da primazia agrave recuperaccedilatildeo da empresa visiacutevel nos artigos 1ordm 2ordm e 3ordm do CPEREF 16 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 119
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LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA 17 esta disposiccedilatildeo legal visa ldquorepor o equiliacutebrio
dos interesses em presenccedilardquo dando ainda conta estes Autores da possibilidade da contraparte
da insolvente invocar judicialmente a excepccedilatildeo aqui prevista
A atribuiccedilatildeo legal deste direito de escolha ao administrador da insolvecircncia tem o seu
alicerce na impossibilidade geral de cumprimento das obrigaccedilotildees resultante da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia Efectivamente ldquose o insolvente se visse forccedilado a cumprir negoacutecios em curso os
pagamentos que efectuasse beneficiariam alguns credores em detrimento de outros sendo
por isso que a lei estabelece que os credores perdem com a declaraccedilatildeo de insolvecircncia a
possibilidade de exigir autonomamente os seus creacuteditosrdquo18 Compreende-se assim a
faculdade concedida ao administrador o cumprimento dos contratos sinalagmaacuteticos fica desta
forma dependente da sua conveniecircncia aos interesses da massa buscando-se desta forma uma
conciliaccedilatildeo destes interesses com o princiacutepio par conditio creditorum
Decidindo o administrador pelo cumprimento retoma-se o curso normal do contrato o
que significa que tanto o administrador da insolvecircncia como a contraparte do insolvente
podem exigir entre si o cumprimento das obrigaccedilotildees assumidas no contrato celebrado com a
especificidade de nos termos previstos na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 51ordm CIRE o creacutedito da
contraparte constituir creacutedito sobre a massa19 com as consequecircncias que tal qualificaccedilatildeo
acarreta (nordm 1 do artigo 46ordm e artigo 172ordm do CIRE)
Refira-se que natildeo satildeo legalmente estabelecidas sanccedilotildees para a massa pelo decurso do
periacuteodo de suspensatildeo designadamente no que tange aos efeitos da mora no cumprimento (por
exemplo juros ou outras indemnizaccedilotildees)20 o que significa que natildeo decorre da suspensatildeo pelo
administrador da insolvecircncia o direito a qualquer indemnizaccedilatildeo ou compensaccedilatildeo para a
contraparte do insolvente
Conforme se referiu supra a suspensatildeo do contrato prevista no nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE tem caraacutecter meramente transitoacuterio21 o que eacute assinalado por OLIVEIRA ASCENSAtildeO
17 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo ob cit p 393 18 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 182 19 ldquosalvo na medida correspondente agrave contraprestaccedilatildeo jaacute realizada pela outra parte anteriormente agrave declaraccedilatildeo de insolvecircnciaou que se reporte a periacuteodo anterior a essa declaraccedilatildeordquo como bem esclarece MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 e 184 20 Sobre este tema escreveu OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118) que ldquose era ao insolvente que cabia cumprir a ldquomorardquonatildeo eacute taxada de ilicitude Se era agrave outra parte natildeo se consente que se tirem em prejuiacutezo da massa as consequecircncias da mora do credorrdquo 21 Assim explica MENEZES LEITAtildeO queldquoa declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo afecta as pretensotildees de cumprimento destes contratos bilaterais pela outra parte apenas as suspendendo provisoriamente Eacute apenas a
Ograve
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ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
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ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
11
certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
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contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
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consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
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Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
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comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
17
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
18
consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
19
contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
28
No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
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37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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Ograve
8
LUIacuteS FERNANDES e JOAtildeO LABAREDA 17 esta disposiccedilatildeo legal visa ldquorepor o equiliacutebrio
dos interesses em presenccedilardquo dando ainda conta estes Autores da possibilidade da contraparte
da insolvente invocar judicialmente a excepccedilatildeo aqui prevista
A atribuiccedilatildeo legal deste direito de escolha ao administrador da insolvecircncia tem o seu
alicerce na impossibilidade geral de cumprimento das obrigaccedilotildees resultante da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia Efectivamente ldquose o insolvente se visse forccedilado a cumprir negoacutecios em curso os
pagamentos que efectuasse beneficiariam alguns credores em detrimento de outros sendo
por isso que a lei estabelece que os credores perdem com a declaraccedilatildeo de insolvecircncia a
possibilidade de exigir autonomamente os seus creacuteditosrdquo18 Compreende-se assim a
faculdade concedida ao administrador o cumprimento dos contratos sinalagmaacuteticos fica desta
forma dependente da sua conveniecircncia aos interesses da massa buscando-se desta forma uma
conciliaccedilatildeo destes interesses com o princiacutepio par conditio creditorum
Decidindo o administrador pelo cumprimento retoma-se o curso normal do contrato o
que significa que tanto o administrador da insolvecircncia como a contraparte do insolvente
podem exigir entre si o cumprimento das obrigaccedilotildees assumidas no contrato celebrado com a
especificidade de nos termos previstos na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 51ordm CIRE o creacutedito da
contraparte constituir creacutedito sobre a massa19 com as consequecircncias que tal qualificaccedilatildeo
acarreta (nordm 1 do artigo 46ordm e artigo 172ordm do CIRE)
Refira-se que natildeo satildeo legalmente estabelecidas sanccedilotildees para a massa pelo decurso do
periacuteodo de suspensatildeo designadamente no que tange aos efeitos da mora no cumprimento (por
exemplo juros ou outras indemnizaccedilotildees)20 o que significa que natildeo decorre da suspensatildeo pelo
administrador da insolvecircncia o direito a qualquer indemnizaccedilatildeo ou compensaccedilatildeo para a
contraparte do insolvente
Conforme se referiu supra a suspensatildeo do contrato prevista no nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE tem caraacutecter meramente transitoacuterio21 o que eacute assinalado por OLIVEIRA ASCENSAtildeO
17 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo ob cit p 393 18 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 182 19 ldquosalvo na medida correspondente agrave contraprestaccedilatildeo jaacute realizada pela outra parte anteriormente agrave declaraccedilatildeo de insolvecircnciaou que se reporte a periacuteodo anterior a essa declaraccedilatildeordquo como bem esclarece MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 e 184 20 Sobre este tema escreveu OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 118) que ldquose era ao insolvente que cabia cumprir a ldquomorardquonatildeo eacute taxada de ilicitude Se era agrave outra parte natildeo se consente que se tirem em prejuiacutezo da massa as consequecircncias da mora do credorrdquo 21 Assim explica MENEZES LEITAtildeO queldquoa declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo afecta as pretensotildees de cumprimento destes contratos bilaterais pela outra parte apenas as suspendendo provisoriamente Eacute apenas a
Ograve
9
ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
Ograve
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ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
11
certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
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consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
14
Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
16
comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
17
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
18
consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
19
contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
20
podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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Ograve
9
ldquoMas a suspensatildeo nunca eacute por si uma soluccedilatildeo Daacute tempo para que se pondere qual essa
soluccedilatildeo mas natildeo eacute mais do que um statu quo que haveraacute que transcenderrdquo22
De facto seria excessivamente penoso para a contraparte do insolvente que a suspensatildeo
se pudesse prolongar indefinidamente no tempo23 Assim o nordm 2 do artigo 102ordm CIRE
reconhece agravequele o direito de fixar ao administrador da insolvecircncia um prazo razoaacutevel
cominatoacuterio para que este exerccedila a sua opccedilatildeo Natildeo estabelecendo a letra da lei qualquer
criteacuterio que permita aferir da razoabilidade do prazo fixado natildeo oferecendo sequer directrizes
nesse sentido pensamos que cabe agrave contraparte do insolvente proceder agrave fixaccedilatildeo do prazo que
lhe pareccedila razoaacutevel sem prejuiacutezo de caso exista discordacircncia entre as partes ser suscitada a
intervenccedilatildeo judicial24
No caso de o administrador nada declarar antes de extinto o prazo que lhe foi fixado a
lei considera haver recusa de cumprimento Estamos assim perante uma situaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo
de valor declarativo ao silecircncio nos termos e para os efeitos do artigo 218ordm do Coacutedigo Civil
Quando o administrador da insolvecircncia declare optar pela recusa de cumprimento do
contrato25 desenrolar-se-atildeo as consequecircncias previstas no nordm 3 do artigo 102ordm Como
corolaacuterio de todo o regime previsto neste nuacutemero define a aliacutenea a) que a recusa do
cumprimento natildeo atribui a qualquer das partes o direito agrave restituiccedilatildeo do que houver prestado
antes da suspensatildeo do cumprimento do contrato Assim apesar de o contrato deixar de poder
ser executado para o futuro a recusa natildeo tem eficaacutecia retroactiva26 No entanto o
administrador da insolvecircncia pode exigir o valor da contraprestaccedilatildeo ainda natildeo realizada pela
contraparte correspondente agrave prestaccedilatildeo jaacute efectuada pelo insolvente (aliacutenea b) desta
disposiccedilatildeo) havendo ainda a outra parte direito a exigir como creacutedito sobre a insolvecircncia o
valor da prestaccedilatildeo do devedor deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente que
decisatildeo do administrador da insolvecircncia no caso de optar pela recusa do cumprimento que inviabiliza essas pretensotildeesrdquo (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) 22 ASCENSAtildeO JOSEacute DE OLIVEIRA ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 23 Neste sentido JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 119 observa que ldquoA suspensatildeo representa um gravame para a outra parte que se supotildee inocente do estado de falecircncia Natildeo se pode permitir que esse gravame se eternizerdquo 24 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo p 394 25 Ou evidentemente no caso de o administrador nada disser no prazo cominatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 102ordm em que os efeitos seratildeo evidentemente os da recusa 26 Eacute esta natildeo retroactividade que provoca em JOSEacute DE OLIVEIRA ASCENSAtildeO (ldquoInsolvecircncia efeitos sobre os negoacutecios em cursordquo p 122) ldquorelutacircncia em qualificar como resoluccedilatildeordquo a opccedilatildeo pelo administrador pelo natildeo cumprimento ponderando este Autor que ldquonatildeo se compreenderia que a queda na insolvecircncia provocasse uma incursatildeo pelos efeitos passados dos contratos e nomeadamente a extinccedilatildeo retroactiva destes A dissoluccedilatildeo (extinccedilatildeo ex nunc) eacute suficiente e adequadardquo posiccedilatildeo que subscrevemos na iacutentegra
Ograve
10
ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
11
certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
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consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
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Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
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comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
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1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
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consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
31
comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
Ograve
10
ainda natildeo tenha sido realizada (nos termos da aliacutenea c)) A opccedilatildeo pela recusa natildeo afectaraacute o
direito agrave separaccedilatildeo de bens caso exista que pode continuar a ser exercido nos termos dos
artigos 141ordm e seguintes do CIRE
Eacute de extrema relevacircncia o facto da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia natildeo obstante natildeo se encontrar ferido de ilicitude27 porquanto inserida no acircmbito
das funccedilotildees que lhe estatildeo legalmente cometidas natildeo prejudicar o direito agrave indemnizaccedilatildeo do
contratante natildeo insolvente pelos prejuiacutezos causados pelo incumprimento28 A extensatildeo desta
indemnizaccedilatildeo eacute todavia restringida aos estritos limites estabelecidos pelas condicionantes
estabelecidas na aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm Neste contexto a indemnizaccedilatildeo para aleacutem
de constituir creacutedito sobre a insolvecircncia vecirc o seu montante reduzido ao valor da prestaccedilatildeo a
que o devedor insolvente se encontrava obrigado na parte que natildeo foi por aquele cumprida
deduzido do valor da contraprestaccedilatildeo correspondente ao que a outra parte estava obrigada a
prestar mas da qual ficou exonerada em virtude da recusa do cumprimento Encontra-se
assim consagrada nesta aliacutenea c) a teoria da diferenccedila29 associando a lei o montante dos
prejuiacutezos causados pela declaraccedilatildeo de insolvecircncia agrave contraparte do insolvente ao valor da
prestaccedilatildeo incumprida mas natildeo deixando de ter em consideraccedilatildeo que esse prejuiacutezo eacute atenuado
pela desoneraccedilatildeo daquela do cumprimento da prestaccedilatildeo que ainda natildeo realizou Neste sentido
manifestou-se PESTANA DE VASCONCELOS esclarecendo que ldquoDo criteacuterio legal resulta
que no fundo a intenccedilatildeo do legislador parece ter sido a de estabelecer na al c) do nordm 3 do
art 102ordm do CIRE um mecanismo que possibilite a fixaccedilatildeo de forma raacutepida do valor
indemnizatoacuterio (recorrendo agrave teoria da diferenccedila) permitindo no entanto ao vendedor
exigir um montante superior sempre que os prejuiacutezos que a recusa do cumprimento pelo
administrador tenha gerado sejam superiores ao valor acima apurado [para o que existe em
27 Neste sentido L M PESTANA DE VASCONCELOS ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss p 62 e MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183 28 Segundo MENEZES LEITAtildeO (ldquoDireito da Insolvecircnciardquo ob cit p 183) esse direito de indemnizaccedilatildeo deve considerar-se ldquocorrespondente a uma responsabilidade por factos liacutecitosrdquo 29 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO in ldquoOs efeitos da declaraccedilatildeo de insolvecircncia sobre os negoacutecios em cursordquo ob cit p 6) A teoria da diferenccedila pode resumir-se sumariamente como aquela em que se considera que ldquoA indemnizaccedilatildeo pecuniaacuteria deve manifestamente medir-se por uma diferenccedila (por id quod interest como diziam os glosadores) ndash pela diferenccedila entre a situaccedilatildeo (real) em que o facto deixou o lesado e a situaccedilatildeo (hipoteacutetica) em que ele se encontraria sem o dano sofridordquo (VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1994 p 924) plasmando-se esta teoria no nosso regime indemnizatoacuterio civilista designadamente no nordm 2 do artigo 566ordm do Coacutedigo Civil
ā
11
certos casos ou seja quando houver lugar agrave obrigaccedilatildeo prevista no art 102ordm nordm 3 aliacutenea b)
um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
13
consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
14
Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
15
lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
16
comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
17
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
18
consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
34
hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
35
equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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um limite]rdquo30
O recurso agrave teoria da diferenccedila como criteacuterio de fixaccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo parece-nos
em princiacutepio adequada ateacute porque fica salvaguardada a possibilidade de reclamaccedilatildeo pela
contraparte do insolvente de prejuiacutezos superiores conforme decorre da aliacutenea d) do nordm 3
ainda que com as estritas limitaccedilotildees aiacute constantes
III ndash Efeitos da insolvecircncia sobre o contrato-promessa sinalizada com traditio rei
Eacute paciacutefico que existindo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e
venda (designadamente havendo alienaccedilatildeo do bem a terceiro ou resoluccedilatildeo do contrato por
uma das partes) antes da declaraccedilatildeo de insolvecircncia este incumprimento gera a aplicaccedilatildeo das
regras civilistas Assim caso o incumprimento seja imputaacutevel ao promitente-vendedor a
outra parte contratual teraacute direito a uma indemnizaccedilatildeo correspondente ao pagamento do sinal
em dobro nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil sendo-lhe ainda atribuiacutedo o
direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil com os
efeitos e consequecircncias previstos nos artigos 754ordm e seguintes
Declarada a insolvecircncia o credor poderaacute reclamar o seu creacutedito e como titular do
direito de retenccedilatildeo retirar as vantagens daiacute inerentes ndash assim o seu creacutedito seraacute qualificado
como garantido nos termos da aliacutenea a) do nordm 4 do artigo 47ordm do CIRE pelo que seraacute pago
imediatamente apoacutes terem sido deduzidas as importacircncias necessaacuterias agrave satisfaccedilatildeo das diacutevidas
da massa insolvente e logo que seja liquidado o bem prometido vender nos termos do nordm 1
do artigo 174ordm CIRE O credor teraacute mesmo direito a ser ldquocompensado pelo prejuiacutezo causado
pelo retardamento da alienaccedilatildeo do bem objecto da garantia que lhe natildeo seja imputaacutevel bem
como pela desvalorizaccedilatildeo do mesmo resultante da sua utilizaccedilatildeo em proveito da massa
insolventerdquo (artigo 166ordm CIRE) e pode ainda nos termos do artigo 164ordm CIRE adquirir o bem
sobre o qual recai a garantia
O regime ora explanado eacute paciacutefico e natildeo apresenta grande complexidade O mesmo jaacute
natildeo se poderaacute dizer no entanto do regime do contrato-promessa sinalizado com entrega de
coisa que esteja ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash ou seja em que natildeo
houve por qualquer das partes contratuais o incumprimento definitivo da sua prestaccedilatildeo
30 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra e Vendardquo op cit p 540
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
13
consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
14
Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
15
lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
16
comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
17
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
18
consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
19
contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
20
podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
)
12
contratual ndash regime que pela sua complexidade e dissentimentos jurisprudenciais e doutrinais
que tem vindo a gerar constituiraacute a parte central da presente exposiccedilatildeo
1 ndash Contrato-promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
11 Contrato-promessa com eficaacutecia real
Em regra os contratos-promessa tecircm eficaacutecia meramente obrigacional todavia eacute
possiacutevel agraves partes convencionarem a oponibilidade a terceiros de contrato-promessa de
transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo
nos termos do nordm 1 do artigo 413ordm do Coacutedigo Civil que dispotildee ldquoAgrave promessa de transmissatildeo
ou constituiccedilatildeo de direitos reais sobre bens imoacuteveis ou moacuteveis sujeitos a registo podem as
partes atribuir eficaacutecia real mediante declaraccedilatildeo expressa e inscriccedilatildeo no registordquo
Preenchidos os pressupostos elencados na disposiccedilatildeo legal citada ndash a declaraccedilatildeo
expressa pelas partes de que pretendem atribuir-lhe eficaacutecia real a inscriccedilatildeo no registo e
constar de escritura puacuteblica ou documento particular com reconhecimento de assinatura
quando aquela natildeo for exigiacutevel ndash ldquoo direito do promissaacuterio agrave aquisiccedilatildeo ou oneraccedilatildeo da coisa
prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente sobre ela se
constituam o que equivale a dizer que se transforma num direito real (direito real de
aquisiccedilatildeo)rdquo31 Assim e como explica ALMEIDA COSTAldquoA oponibilidade erga omnes da
promessa com eficaacutecia real determina a invalidade ou ineficaacutecia dos actos juriacutedicos
realizados em sua violaccedilatildeo Surge um direito real de aquisiccedilatildeo que prevalece sobre todos os
direitos pessoais ou reais referentes agrave coisa desde que natildeo se encontrem registados antes do
registo do contrato-promessardquo32
Equivale isto por dizer que e deslocando-nos agora do regime insolvencial para nos
focarmos apenas nos efeitos civis verificados os requisitos constantes do artigo 413ordm do
Coacutedigo Civil e no caso de violaccedilatildeo de contrato-promessa pelo promitente-vendedor pela
alienaccedilatildeo da coisa a terceiro o promitente-comprador pode demandar natildeo apenas o
promitente-alienante mas tambeacutem o terceiro adquirente o qual em caso de procedecircncia da
acccedilatildeo de execuccedilatildeo especiacutefica se encontra tambeacutem adstrito ao cumprimento da sentenccedila e
31 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987 p 386 32 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquocedil 8ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2004 p 50 e 51
X
13
consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
14
Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
15
lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
16
comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
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1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
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consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
25
insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
35
equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
36
declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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X
13
consequentemente obrigado agrave entrega da coisa Surge assim um direito de creacutedito revestido de
eficaacutecia absoluta ou noutro entendimento um direito real de aquisiccedilatildeo33
Nos termos do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE no caso de ter sido atribuiacuteda pelas partes
eficaacutecia real agrave promessa e desde que o promitente-comprador se encontre jaacute na posse da
coisa o administrador da insolvecircncia natildeo pode recusar o cumprimento do contrato promessa
pelo que ambas as partes se encontram vinculadas agrave celebraccedilatildeo do contrato definitivo Trata-
se assim de uma excepccedilatildeo ao ldquoprinciacutepio geralrdquo consagrado no artigo 102ordm - neste caso o
administrador de insolvecircncia encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento
Esta disposiccedilatildeo legal como aliaacutes sucede com outros normativos que a precedem (v g
artigo 104ordm e 105ordm do CIRE) traduz um claro propoacutesito do legislador em tutelar as legiacutetimas
expectativas juriacutedicas dos outorgantes que na economia do respectivo contrato se apresentem
com um grau elevado de estabilidade e solidez designadamente no acircmbito dos direitos reais e
de posse ndash a lei pretende assim tutelar a situaccedilatildeo de facto criada com a entrega da coisa ao
promitente-comprador
Por outro lado esta soluccedilatildeo converge tambeacutem com a oponibilidade a terceiros que
resulta da atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real que supra se referiu Estando o contrato-promessa
munido desta eficaacutecia erga omnes o direito do promitente-comprador eacute oponiacutevel a todos os
credores e agrave proacutepria massa insolvente ndash o que justifica que ao administrador de insolvecircncia
esteja vedada a opccedilatildeo de recusar o cumprimento em funccedilatildeo dos interesses da massa
Em conformidade e natildeo sendo liacutecito ao Administrador de Insolvecircncia a recusa do
cumprimento se este o recusar (ou se o aceitar e depois natildeo o cumprir) assiste agrave parte
contraacuteria o direito de requerer a execuccedilatildeo especiacutefica nos termos do artigo 830ordm do Coacutedigo
Civil
Retira-se a contrario da leitura deste nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE que eacute livre a recusa
de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia no caso de promessa com eficaacutecia real
simples (sem traditio) Parece-nos ldquodificilmente justificaacutevelrdquo34 a exigecircncia do requisito da
tradiccedilatildeo como pressuposto da obrigatoriedade do Administrador cumprir o contrato35
33 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit pag 191 e MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 181 34 A expressatildeo eacute de MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p191 35 Neste sentido MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss p 21 FERNANDES LUIacuteS A CARVALHO LABAREDA JOAtildeO ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresas Anotadordquo op cit p 405 e ainda VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss p 11 que
)
14
Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
)
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
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comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
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1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
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consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
33
elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
34
hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
35
equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
36
declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
)
14
Efectivamente a eficaacutecia erga omnes do contrato-promessa nos termos e com os efeitos que
vecircm de se explicar depende apenas da atribuiccedilatildeo ao mesmo de eficaacutecia real pelas partes natildeo
existindo qualquer imposiccedilatildeo legal de tradiccedilatildeo da coisa para que essa oponibilidade a
terceiros se verifique Natildeo se compreende assim a soluccedilatildeo adoptada pelo legislador que ao
estabelecer o requisito da traditio como condiccedilatildeo para a impossibilidade de recusa pelo
administrador da insolvecircncia parece retirar ao contrato com eficaacutecia real uma parte
significativa do seu nuacutecleo de protecccedilatildeo na medida em que estabelece que esta eficaacutecia deixa
de se verificar em consequecircncia da declaraccedilatildeo de insolvecircncia pelo menos perante a massa
insolvente e os credores Tendo em conta o acircmbito alargado de protecccedilatildeo que a lei concede
aos contratos com eficaacutecia real parece-nos que a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato
deveria ser suficiente para estabelecer a obrigatoriedade legal de impossibilidade de recusa
pelo administrador da insolvecircncia Neste sentido manifestou-se MENEZES LEITAtildeO36
sustentando que ldquoo contrato-promessa com eficaacutecia real constitui um direito real de
aquisiccedilatildeo a favor do beneficiaacuterio da promessa que natildeo se vecirc por que deva ser afectado pela
insolvecircncia independentemente de o bem se encontrar ou natildeo na sua posserdquo
Eacute tambeacutem na senda da perplexidade gerada por esta norma na grande parte da doutrina
que MENEZES LEITAtildeO tem vindo a propugnar uma interpretaccedilatildeo correctiva do nordm 1 do
artigo 106ordm CIRE da qual resulte ldquoque o contrato-promessa com eficaacutecia real natildeo seja em
caso algum afectado pela declaraccedilatildeo de insolvecircnciardquo37 A posiccedilatildeo deste insigne Autor natildeo
parece todavia de aceitar Efectivamente na interpretaccedilatildeo da lei haacute sempre que considerar o
elemento literal nos termos do nordm 2 do artigo 9ordm do Coacutedigo Civil o qual claramente expressa
ldquoNatildeo pode poreacutem ser considerado pelo inteacuterprete o pensamento legislativo que natildeo tenha
na letra da lei um miacutenimo de correspondecircncia verbal ainda que imperfeitamente expressordquo
Face ao citado dispositivo natildeo nos parece admissiacutevel a interpretaccedilatildeo correctiva Valemo-nos
a este propoacutesito das palavras de ANTUNES VARELA ldquoEste eacute na verdade o tributo
miacutenimo que a certeza e a seguranccedila do Direito valores fundamentais da ordem juriacutedica
cobram do idealismo do inteacuterprete na fixaccedilatildeo do sentido da norma Eacute a capacidade verbal do
texto legislativo que constitui por outras palavras o uacuteltimo reduto da uniformidade do
Direito essencial ao pensamento constitucional da igualdade de todos os cidadatildeos perante a
considera que esta soluccedilatildeo ldquomerece as maiores reservasrdquo porquanto ldquodebilita desnecessariamente o contrato-promessa com eficaacutecia real e deveria ser revistardquo 36 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 191 37 MENEZES LEITAtildeO ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192
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lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
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comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
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1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
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consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
21
frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
30
ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
31
comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
35
equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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)
15
lei (art 13ordm nordm 1 da Constituiccedilatildeo) contra o arbiacutetrio do inteacuterprete e o casuiacutesmo equitativo do
julgadorrdquo38
No entanto e de iure constituendo sufragamos integralmente esta posiccedilatildeo defendendo
a alteraccedilatildeo da norma prevista nesta artigo para uma disposiccedilatildeo que natildeo fizesse depender da
traditio rei a impossibilidade de recusa de cumprimento pelo administrador antes definindo
como uacutenica condiccedilatildeo dessa impossibilidade a atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato39
12 Contrato promessa com eficaacutecia meramente obrigacional
Visto o regime do contrato-promessa com eficaacutecia real com e sem tradiccedilatildeo da coisa
importa agora analisar as consequecircncias da insolvecircncia naqueles contratos aos quais as partes
natildeo atribuem eficaacutecia real e que portanto cingem os seus termos e os seus efeitos
unicamente agraves partes contratuais
A estes contratos natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE aplicar-se-aacute o
regime previsto no nordm 2 da mesma norma que prescreve ldquoAgrave recusa de cumprimento de
contrato-promessa de compra e venda pelo administrador de insolvecircncia eacute aplicaacutevel o
disposto no nordm 5 do artigo 104ordm com as necessaacuterias adaptaccedilotildees quer a insolvecircncia respeite
ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedorrdquo Natildeo existindo assim qualquer
disposiccedilatildeo especial susceptiacutevel de afastar o princiacutepio geral do artigo 102ordm dever-se-aacute fazer a
aplicaccedilatildeo deste regime40 Equivale isto por dizer que tratando-se de um contrato-promessa
com caraacutecter obrigacional com ou sem tradiccedilatildeo da coisa quer o insolvente seja o promitente-
38 Tambeacutem no sentido de afastar a interpretaccedilatildeo correctiva desta disposiccedilatildeo legal por MENEZES LEITAtildeO vide Acordatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 12-05-2011 (processo 515106TBAVRC1S1 ndash MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) o qual explica ldquonem tem fundamento a proposta de interpretaccedilatildeo correctiva apresentada por este uacuteltimo autor como aliaacutes resulta laquoda perfeita harmonia com o equivalente estatuiacutedo no nordm 1 do artordm 104ordmraquo do CIRE para o caso da recusa de cumprimento de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade em caso de insolvecircncia do vendedor (hellip) nem a expressa e manifesta alteraccedilatildeo legislativa a suporta No confronto entre os interesses da massa insolvente e do promitente comprador a lei manteve a exigecircncia da eficaacutecia real da promessa (cognosciacutevel pelos demais credores do insolvente tendo em conta o registo respectivo) mas restringiu a prevalecircncia da posiccedilatildeo do uacuteltimo agrave hipoacutetese de jaacute ter ocorrido a tradiccedilatildeo da coisardquo 39 Era diferente a soluccedilatildeo consagrada no acircmbito do CPEREF que no nordm 2 do seu artigo 164ordm-A previa que ldquoTratando-se de promessa com eficaacutecia real o promitente-adquirente poderaacute exigir agrave massa falida a celebraccedilatildeo do contrato prometido ou recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica que lhe seja facultada sendo o falido promitente-adquirente ao liquidataacuterio judicial cabe decidir sobre a conveniecircncia da execuccedilatildeo do contrato satisfazendo a contraprestaccedilatildeo convencionadardquo 40 Desde que evidentemente estejam cumpridos os pressupostos de aplicaccedilatildeo desta norma e portanto que o contrato-promessa natildeo esteja cumprido agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia nem pelo insolvente nem pela contraparte
)
16
comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
17
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
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consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
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contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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httpwwwdgsipt
)
16
comprador quer seja o promitente-alienante este fica suspenso ateacute que o administrador
exerccedila a opccedilatildeo de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato
Optando o administrador de insolvecircncia pelo cumprimento celebra-se o contrato
prometido natildeo se levantando a este respeito qualquer dificuldade Nesta hipoacutetese caso o
administrador da insolvecircncia natildeo celebre o contrato definitivo o promitente-comprador pode
resolver o contrato e exigir o sinal em dobro e mesmo recorrer agrave execuccedilatildeo especiacutefica nos
termos e condiccedilotildees previstas no nordm 3 do artigo 830ordm do Coacutedigo Civil Efectivamente nesta
situaccedilatildeo o incumprimento do administrador eacute jaacute um acto iliacutecito e culposo com as
consequecircncias previstas no artigo 442ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambos do Coacutedigo
Civil
Se o administrador opta por natildeo cumprir as consequecircncias seratildeo de natureza mais duacutebia
e complexa pelo que se impotildee uma reflexatildeo mais demorada sobre os efeitos de tal recusa
121 Efeitos da recusa do cumprimento
Natildeo havendo sido atribuiacuteda eficaacutecia real ao contrato promessa celebrado com a
insolvente o administrador da insolvecircncia pode livremente recusar o cumprimento
Efectivamente nesta situaccedilatildeo jaacute natildeo se verificam os fundamentos ou valores de
consolidaccedilatildeo da relaccedilatildeo juriacutedica estabelecida ou de tutela das fundadas expectativas das
partes que presidem agrave proibiccedilatildeo iacutensita no nordm 1 do artigo 106ordm
No caso de recusa do cumprimento e natildeo obstante a recusa consubstanciar um acto
liacutecito o promitente natildeo insolvente tem direito a exigir um creacutedito indemnizatoacuterio sobre a
insolvecircncia justificaacutevel pela frustraccedilatildeo da expectativa do promitente natildeo insolvente no
cumprimento do contrato
Neste caso estabelece o nordm 2 do artigo 106ordm que se aplica o disposto no nordm 3 do artigo
102ordm ex vi o nordm 5 do artigo 104ordm ambos do CIRE Surge assim consagrada a teoria da
diferenccedila Todavia o regime aplicaacutevel por forccedila da articulaccedilatildeo destas disposiccedilotildees legais
parece negligenciar por um lado a importacircncia do instituto do sinal no regime do contrato-
promessa e por outro lado e em consequecircncia disso o mecanismo indemnizatoacuterio previsto
no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Impotildee-se assim analisar se e em que medida o
promitente natildeo insolvente teraacute direito a ser indemnizado nos termos do mencionado nordm 2 do
artigo 442ordm do Coacutedigo Civil pela recusa do cumprimento do administrador da insolvecircncia
)
17
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
18
consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
19
contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
20
podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
21
frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
22
vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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)
17
1211 Creacutedito indemnizatoacuterio
Conforme vem de se expor os efeitos da recusa do cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia encontram-se regulados no nordm 2 do artigo 106ordm o qual manda seguir com as
necessaacuterias adaptaccedilotildees o regime do nordm 5 do artigo 104ordm - do que resulta ser aplicaacutevel o nordm 3
do artigo 102ordm salvo quanto ao direito previsto na sua aliacutenea c) Assim e fazendo a literal
aplicaccedilatildeo deste artigo o promitente-comprador perante a recusa de cumprimento apenas
teria direito agrave indemnizaccedilatildeo pela diferenccedila se esta calculada nos termos do nordm 5 do artigo
104ordm fosse positiva sem prejuiacutezo de poder exigir uma indemnizaccedilatildeo em montante superior
fazendo prova dos danos sofridos nos termos da aliacutenea d) do nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE
sem direito agrave devoluccedilatildeo do sinal prestado
O actual CIRE natildeo estabelece qualquer distinccedilatildeo entre promessas sinalizadas e natildeo
sinalizadas Essa falta de distinccedilatildeo resulta aleacutem do mais num problema de indefiniccedilatildeo
relativamente ao montante indemnizatoacuterio a que teraacute direito o promitente-comprador em caso
de natildeo cumprimento do contrato em virtude de insolvecircncia do promitente alienante Eacute sabido
que a constituiccedilatildeo de sinal no acircmbito do contrato-promessa aleacutem de marcadamente ter o
sentido de confirmar a integridade do compromisso assumido pelas partes tem ainda a
especial funccedilatildeo de fixar o quantum indemnizatoacuterio no caso de incumprimento contratual
Efectivamente o sinal como ensina CALVAtildeO DA SILVA para aleacutem de garantir o
cumprimento do contrato pela coerccedilatildeo indirecta que exerce sobre o devedor ldquoconstitui
tambeacutem a fixaccedilatildeo preventiva e convencional da indemnizaccedilatildeo devida em caso de natildeo
cumprimento imputaacutevel a uma das partes Isto eacute se a finalidade coercitiva do sinal natildeo for
alcanccedilada ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante de natildeo
cumprimento independentemente do montante ou ateacute da existecircncia do dano efectivordquo41
Ora perante as especificidades do regime consagrado no nordm 5 do artigo 104ordm e tendo
em linha de conta o facto de o CIRE natildeo distinguir entre contratos promessa sinalizadas ou
natildeo sinalizadas importa definir se o promitente-adquirente teraacute direito por forccedila do regime
geral consagrado no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil a uma indemnizaccedilatildeo calculada nos
termos definidos nesse artigo ou seja em montante correspondente ao dobro do sinal
prestado ou ao aumento do valor da coisa
Esta questatildeo eacute de manifesto interesse praacutetico natildeo soacute face agrave relevacircncia do instituto do
sinal no acircmbito do regime do contrato promessa mas tambeacutem tendo em atenccedilatildeo as
41 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2006 p 145
)
18
consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
19
contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
20
podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
21
frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
22
vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
31
comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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httpwwwdgsipt
)
18
consequecircncias praacuteticas do recurso ao regime do sinal de acordo com este deixa de recair
sobre o promitente-comprador o oacutenus de prova dos danos porquanto o montante
indemnizatoacuterio eacute fixado a priori e se o sinal constituiacutedo for de montante razoavelmente
elevado este acaba por operar como um instrumento para compelir ao cumprimento Por
outro lado saliente-se que no traacutefego juriacutedico os contratos de promessa sinalizados satildeo
celebrados com uma frequecircncia significativamente superior facto que aliada ao nuacutemero
tendencialmente crescente de insolvecircncias declaradas acentua a importacircncia praacutetica desta
questatildeo Por este motivo a jurisprudecircncia jaacute tem sido chamada por diversas vezes a
pronunciar-se sobre esta mateacuteria manifestando todavia posiccedilotildees divergentes
O CPEREF inicialmente natildeo regulava esta questatildeo mas veio depois na alteraccedilatildeo
introduzida pelo Decreto-Lei nordm 31598 de 20 de Outubro aditar o artigo 164ordm-A o qual sob
a epiacutegrafe ldquopromessa de contratordquo regia sob o seu nuacutemero 2 que ldquoo contrato promessa sem
eficaacutecia real que se encontre por cumprir agrave data da declaraccedilatildeo de falecircncia extingue-se com
esta com perda do sinal entregue ou restituiccedilatildeo em dobro do sinal recebido como diacutevida da
massa falida consoante os casosrdquo42
No acircmbito do CIRE natildeo existe qualquer disposiccedilatildeo legal que remeta ou da qual se
possa inferir remissatildeo para a aplicaccedilatildeo do regime do sinal previsto no artigo 442ordm CC
Poderiacuteamos assim ser levados a concluir que o legislador intencionalmente afastou a
aplicaccedilatildeo desse regime do corpo normativo insolvencial optando por consagrar as normas
especiacuteficas constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e no nordm 4 do artigo 105ordm ambos do CIRE
Este tem sido o entendimento de parte da jurisprudecircncia a qual com fundamento na
natildeo ilicitude da opccedilatildeo pelo administrador da insolvecircncia pelo natildeo cumprimento considera
que o creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se restringiraacute ao montante definido no
nordm 4 do art 105 ex vi nordm 3 do artigo 102ordm do CIRE ficando assim afastada a aplicabilidade
do regime do sinal estabelecido no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil Neste sentido defende esta
jurisprudecircncia que ldquono contexto especial da insolvecircncia a lei tratando-se de promessa natildeo
dotada de eficaacutecia real como que transmuda os deveres que normalmente (isto eacute natildeo fora a
declaraccedilatildeo de insolvecircncia) decorreriam para o promitente devedor sem que o administrador
possa ser visto como estando vinculado como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo
42 Parece assim resultar desta disposiccedilatildeo que a diferenccedila de regime entre o contrato-promessa sinalizado e o natildeo sinalizado residiria na forma de caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida A doutrina veio a concretizar o teor da norma esclarecendo que no caso de contrato-promessa sinalizado a indemnizaccedilatildeo seria calculada em abstracto de acordo com a regra expressamente prevista na letra da lei jaacute no caso de promessa natildeo sinalizada a indemnizaccedilatildeo seria calculada em concreto em funccedilatildeo dos danos sofridos pelo promitente fiel (neste sentido rosaacuterio Epifacircnio efeitos substantivos da falecircncia
)
19
contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
20
podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
21
frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
22
vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de
Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss
SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo
Almedina Coimbra 2010
SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo
do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm
274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss
SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra
2006
VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo
Almedina Coimbra 1994
VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo
Almedina Coimbra 1992
VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoSobre o contrato-promessardquo 2ordf ediccedilatildeo
Coimbra Editora Coimbra 1989
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra
e Vendardquo in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto III (2006) pp 521 e
ss
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoA Cessatildeo de Creacuteditos em garantia e a
Insolvecircncia em particular da posiccedilatildeo do cessionaacuterio na insolvecircncia do cedenterdquo Coimbra
Editora Coimbra 2007
Ҝ
43
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e
falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito das Garantiasrdquo Almedina
Coimbra 2010
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa
e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss
Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
)
19
contraacuterio o administrador funciona como um representante da massa insolvente e como tal
defensor dos interesses desta) ao cumprimento da promessardquo43 A questatildeo em causa eacute o
facto incontroverso do regime estabelecido no nordm 2 do artigo 442ordm CC pressupor um
incumprimento devido a causa imputaacutevel a um dos contraentes resultando expressamente da
letra da lei que a indemnizaccedilatildeo prevista nesse normativo apenas seraacute devida em caso de
incumprimento contratual culposo do inadimplente Conforme ensina CALVAtildeO DA SILVA
ldquoO regime juriacutedico do art 442 nordm 2 pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel
ao tradens ou ao accipiens do sinal Eacute o que resulta do proacuteprio texto do artigo em anaacutelise
Pelo que em caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442 nordm 2 natildeo se produzem Eacute
que quando a prestaccedilatildeo se torna impossiacutevel por causa natildeo imputaacutevel ao devedor a
obrigaccedilatildeo extingue-se (art 790ordm) ficando o credor desobrigado da contraprestaccedilatildeo ou com o
direito se jaacute a tiver realizado de exigir a sua restituiccedilatildeo nos termos previstos para o
enriquecimento sem causa (art 795 nordm 1) natildeo havendo lugar a indemnizaccedilatildeo por falta de
culpa do devedorrdquo44
Alicerccedilando-se nesta exigecircncia do preceito legal e uma vez que o administrador da
insolvecircncia ao exercer a opccedilatildeo de recusa age no acircmbito das atribuiccedilotildees e competecircncias que
lhe estatildeo legalmente atribuiacutedas considera esta jurisprudecircncia que natildeo ocorre incumprimento
culposo mas antes uma forma especiacutefica de extinccedilatildeo do contrato legalmente prevista45 Pelo
exposto estaria legalmente vedada a possibilidade de aplicaccedilatildeo do regime do sinal por falta
de um pressuposto essencial da norma em apreccedilo
Ora natildeo parece ser de aceitar o entendimento vertido nestes Acoacuterdatildeos parecendo mais
defensaacutevel agrave luz do direito vigente a aplicaccedilatildeo das consequecircncias gerais do nordm 2 do artigo
442ordm do Coacutedigo Civil Apesar da disciplina desta figura ter deixado de ser evidente como era
ao abrigo do CPEREF parece-nos que face ao ordenamento juriacutedico insolvencial vigente
43 A citaccedilatildeo eacute do Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) que considerou ainda que neste caso o promitente-comprador teria apenas direito a ser reintegrado no valor do sinal prestado caso natildeo mostrasse a existecircncia de uma diferenccedila positiva a seu favor entre o preccedilo convencionado e o valor da coisa na data da recusa 44 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 45 Neste sentido vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 30-11-2010 (Processo 273052TBGVAC1 Relator CARLOS QUERIDO) que sumaria ldquoAinda que haja sinal porque o administrador da insolvecircncia actua de forma liacutecita no acircmbito das suas atribuiccedilotildees e competecircncias legais ao abrigo da faculdade de recusa que lhe eacute conferida pelo artigo 106ordm do CIRE natildeo se verifica o incumprimento culposo mas antes uma forma especial de extinccedilatildeo do contrato prevista na lei sem que importe restituiccedilatildeo em dobrordquo
)
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podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
36
declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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)
20
podemos e devemos sustentar a aplicaccedilatildeo desse regime agrave recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia
Neste sentido pronunciou-se aliaacutes a maioria da jurisprudecircncia sem que todavia
manifestassem nos arestos pronunciados os argumentos de que se valeram para fazer a
asserccedilatildeo da aplicaccedilatildeo daquela disposiccedilatildeo legal ao CIRE limitando-se a considerar o facto de
o CIRE permitir a aplicaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil como uma verdade
incontestaacutevel46
Adiantando que jaacute que eacute nosso entendimento que o nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE deve
ser interpretado restritivamente no sentido de restringir o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo ao
contrato-promessa natildeo sinalizado e que portanto deve ter aplicaccedilatildeo o regime do nordm 2 do
artigo 442ordm agrave recusa de cumprimento pelo administrador nos termos do artigo 102ordm do CIRE
importa no entanto analisar os fundamentos desta tomada de posiccedilatildeo
a) Interpretaccedilatildeo restritiva do artigo 106ordm CIRE
Antes de mais foquemo-nos sinteticamente no regime aplicaacutevel ao caso da insolvecircncia
do promitente-comprador Agrave luz do criteacuterio fixado no nordm 2 do artigo 106ordm seriam de aplicar as
disposiccedilotildees constantes do nordm 3 do artigo 102ordm e do nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE no caso de
recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia No entanto natildeo parece ser
admissiacutevel a atribuiccedilatildeo da indemnizaccedilatildeo prevista nesses artigos Por um lado porque o nordm 4
do artigo 442ordm expressamente exclui a atribuiccedilatildeo de ldquoqualquer outra indemnizaccedilatildeordquo Por outro
lado porque perante a declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-comprador o promitente
alienante encontra-se numa posiccedilatildeo particularmente privilegiada na medida em que ldquopode
simplesmente fazer definitivamente seu o sinal na sua totalidade sem ter que se sujeitar
como os outros agrave limitaccedilatildeo da massardquo47 Ou seja e na medida em que a aliacutenea a) do nordm 3 do
artigo 102ordm estabelece que nenhuma das partes tem direito agrave restituiccedilatildeo do que prestou e
portanto o promitente vendedor natildeo teraacute de restituir o sinal prestado este reteacutem sem mais o
sinal sem ter de participar no concurso de credores ndash com a inerente contingecircncia do rateio e
46 Vide a tiacutetulo de exemplo o Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Coimbra de 01-07-2008 Processo 63078TBMGR-MC1 relatado por ARTUR DIAS que se limita a afirmar que ldquotendo optado pela recusa do cumprimento a execuccedilatildeo especiacutefica ficou irremediavelmente inviabilizada reconduzindo-se o direito da promitente compradora a um mero direito de creacutedito ao direito de obter da insolvente uma quantia em dinheiro a calcular de acordo com as regras dos artordms 442ordm do CC e 102ordm do CIRErdquo 47 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13
涠∆
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frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
22
vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
31
comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
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涠∆
21
frequente risco da perda total do creacutedito Nesta conformidade e como ensina PESTANA DE
VASCONCELOS ldquotemos uma situaccedilatildeo de satisfaccedilatildeo privilegiada e isolada de um credor
pelo valor de um determinado bem no caso da declaraccedilatildeo de insolvecircncia do devedorrdquo48
Parece-nos assim que no caso de insolvecircncia do promitente-comprador seraacute mais
adequado considerar com PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS que o
nordm 2 do artigo 106ordm e consequentemente a indemnizaccedilatildeo prevista no nordm 5 do artigo 104ordm ex vi
nordm 3 do artigo 102ordm todos do CIRE tem o seu acircmbito de aplicaccedilatildeo restringido agraves promessas
natildeo sinalizadas aplicando-se no acircmbito das promessas sinalizadas o regime geral do sinal
Posto isto parece-nos inegaacutevel que em ordem a manter a integridade do regime e
tendo como assente a aplicaccedilatildeo do regime do sinal ao caso de recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia no acircmbito de insolvecircncia do promitente-comprador natildeo
podemos deixar de aplicar o mesmo regime na hipoacutetese inversa porquanto se assim natildeo
fosse gerar-se-ia uma incongruecircncia no proacuteprio mecanismo do sinal
Por outro lado natildeo deveremos olvidar que o criteacuterio da teoria da diferenccedila conforme
consagrado no art 104ordm nordm 5 se encontra especificamente previsto para contratos
(designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo financeira)
em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade de ldquoexigir o cumprimento do contrato
[ao administrador de insolvecircncia] se a coisa jaacute lhe tiver sido entregue na data da declaraccedilatildeo
de insolvecircnciardquo Ou seja defendendo a aplicaccedilatildeo do regime previsto neste artigo ao contrato
promessa de compra e venda sinalizado com entrega de coisa estar-se-ia como ensina
GRAVATO MORAIS ldquoa aplicar uma regra ndash que pressupotildee a natildeo entrega da coisa ndash a um
caso em que aquela foi entregue (e houve aliaacutes um pagamento substancial a tiacutetulo de
sinalrdquo49
Todavia para aleacutem dos fundamentos aduzidos existem tambeacutem fundamentos de origem
material
Efectivamente da aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 5 do artigo 105ordm resulta um
prejuiacutezo consideraacutevel para o promitente fiel porquanto lhe concede apenas o direito a uma
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor da coisa agrave data da recusa e o montante
em deacutebito pelo promitente vendedor a essa data ndash indemnizaccedilatildeo essa que na maioria das
48 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 13 49 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 9
Γ
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vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
23
PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
䬀Җ
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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Γ
22
vezes seraacute substancialmente mais baixa relativamente ao dobro do sinal sobretudo quando
este sinal eacute de montante substancial como eacute regra
Natildeo podemos deixar de ter em linha de conta o facto do regime do contrato-promessa
ter um caraacutecter marcadamente protector do promitente-adquirente Natildeo eacute de todo despiciendo
o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm2 do artigo 442ordm que possibilita ao promitente fiel
reivindicar o montante correspondente ao dobro do sinal prestado sem o oacutenus (pesado e
muitas vezes intransponiacutevel) da prova dos danos sofridos ndash montante que pode mesmo ser
superior ao que obteria se natildeo tivesse prestado sinal ainda que conseguisse fazer prova de
todos os danos sofridos em virtude do incumprimento
Perante o cenaacuterio que vem de se descrever natildeo se vecirc que razotildees podem presidir agrave tatildeo
acentuada fragilizaccedilatildeo deste mecanismo de tutela na insolvecircncia ndash tanto mais tendo em conta
o prejuiacutezo que resulta do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador se encontrar sujeito
a concurso e rateio Acresce a isto que como salienta PESTANA DE VASCONCELOS50
ldquonatildeo parece curial que pelo facto de o incumprimento se ter dado antes da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia do promitente-vendedor a outra parte verificados os pressupostos do art 442ordm
nordm 2 possa optar por essa indemnizaccedilatildeo que faraacute depois valer no processo insolvencial
(como creacutedito comum ou garantido) enquanto se for o administrador a optar pela recusa jaacute
natildeo o possa fazer (podendo mediar um periacuteodo bastante curto entre uma hipoacutetese e outra e
mesmo haver diversos promitentes-vendedores com direitos diferentes estando em situaccedilotildees
bastante anaacutelogas)
Por todos os fundamentos aduzidos concluiacutemos pela interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do
artigo 106ordm no sentido de limitar a sua aplicaccedilatildeo a contratos-promessa em que natildeo tenha
havido constituiccedilatildeo de sinal51 Assim subscrevemos integralmente a tese propugnada por
50 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 17 51 MENEZES LEITAtildeO faz uma vez mais uma interpretaccedilatildeo correctiva da norma em apreccedilo considerando que ldquoo contrato-promessa sem eficaacutecia real natildeo poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiaacuterio tiver obtido a tradiccedilatildeo da coisa sendo esta a hipoacutetese contemplada no art 106ordm nordm 1 Neste enquadramento o nordm 2 abrangeria apenas as situaccedilotildees em que ainda natildeo ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador caso em que pode haver recusa de cumprimento nos termos gerais apenas com a diferenccedila de o creacutedito sobre a insolvecircncia previsto no art 102ordm nordm 3 c) ser calculado de acordo com o criteacuterio do art 104ordm nordm 5rdquo(ldquoDireito da Insolvecircnciardquo op cit p 192) Pelas razotildees manifestadas supra refutamos mais uma vez a interpretaccedilatildeo ora exposta Por outro lado entendemos que a traditio rei natildeo faz nascer na esfera do comprador um verdadeiro direito real de aquisiccedilatildeo que justifique o regime defendido pelo Ilustre professor natildeo existindo assim qualquer fundamento que justifique atribuir agrave tradiccedilatildeo da coisa outros efeitos nas posiccedilotildees contratuais que natildeo sejam os legalmente previstos (designadamente e remetendo-nos agora ao regime geral de direito a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e o caacutelculo da indemnizaccedilatildeo nos termos do nordm 2 do artigo 442ordm do mesmo diploma) o que se verificaria caso ficasse vedada legalmente a possibilidade de recusa de cumprimento ao administrador da insolvecircncia
Γ
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
ⷀҔ
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
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anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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ss
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoA Cessatildeo de Creacuteditos em garantia e a
Insolvecircncia em particular da posiccedilatildeo do cessionaacuterio na insolvecircncia do cedenterdquo Coimbra
Editora Coimbra 2007
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VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e
falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito das Garantiasrdquo Almedina
Coimbra 2010
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa
e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss
Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
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PESTANA DE VASCONCELOS quando afirma relativamente a este nordm 2 do artigo 106ordm
que ldquoeacute defensaacutevel que a lei se limita a fixar de forma mais simples e raacutepida a posiccedilatildeo do
promitente que seja contraparte do insolvente quando natildeo tenha sido constituiacutedo sinalrdquo
sendo certo que ldquoquando tal suceder aplicar-se-aacute o regime da promessa sinalizada ponto eacute
como se referiu que o art 442ordm nordm 2 do CC possa funcionarrdquo52
b) Regime aplicaacutevel agrave promessa sinalizada
Afastada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 106ordm CIRE importa
aferir qual seraacute entatildeo o criteacuterio para a fixaccedilatildeo do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-
comprador no caso de recusa do administrador da insolvecircncia e especificamente se eacute
possiacutevel lanccedilarmos matildeo do regime previsto no nordm 2 do artigo 442ordm
Reitera-se que a aplicaccedilatildeo deste regime implica sempre a existecircncia de um
incumprimento culposo do contraente na verdade a necessidade da verificaccedilatildeo do
incumprimento contratual ser imputaacutevel agrave outra parte resulta expressamente da letra da lei
Assim a doutrina eacute unacircnime ao considerar que ldquoo regime juriacutedico do artigo 442ordm nordm 2
pressupotildee um incumprimento devido a causa imputaacutevel ao tradens ou ao accipiens do sinalrdquo
pelo que ldquoem caso de incumprimento devido a causa natildeo imputaacutevel a qualquer dos
contraentes os efeitos do sinal previstos e regulados no art 442ordm nordm 2 natildeo se produzemrdquo53
Natildeo se afigura difiacutecil compreender a dificuldade de reconduccedilatildeo deste regime agrave situaccedilatildeo
de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvecircncia ndash encontrando-se tal
acto de recusa enquadrado no acircmbito das funccedilotildees que legalmente lhe estatildeo atribuiacutedas natildeo
pode de forma alguma considerar-se que se trata de um acto iliacutecito ou culposo e muito menos
se poderaacute qualificaacute-lo como um incumprimento imputaacutevel agrave massa insolvente54
Alguma doutrina e jurisprudecircncia tecircm vindo a manifestar-se no sentido de considerar a
aplicaccedilatildeo desse regime defendendo um conceito de ldquoimputabilidade reflexardquo ndash assim
propugnam que uma vez que o acto de recusa radica em primeira instacircncia na declaraccedilatildeo de
52 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquo ob cit p 62 Igual entendimento sustenta GRAVATO MORAIS quando afirma que ldquoparece que legitimamente se pode concluir pela interpretaccedilatildeo restritiva do art 106ordm nordm 2 de sorte que este tatildeo-somente se deve aplicar agraves promessas natildeo sinalizadasrdquo pelo que ldquoagraves promessas sinalizadas vale o regime geral do art 442ordm nordm 2 do CC na mesma medida em que isso estava previsto no art 164ordm-A do CPEREFrdquo (MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo ob cit p 7) 53 SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo op cit p 143 54 ldquoConstitui um poder conferido por lei que o administrador exerce no interesse da massardquo conforme expotildee PESTANA DE VASCONCELOS ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
33
elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
34
hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
35
equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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httpwwwdgsipt
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insolvecircncia em si (natildeo fosse a declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo havia possibilidade de
desoneraccedilatildeo liacutecita do contrato por qualquer das partes) e que essa declaraccedilatildeo de insolvecircncia
ainda que venha a ser qualificada como fortuita eacute sempre lato sensu imputaacutevel ao insolvente
teriacuteamos que o incumprimento contratual derivado da recusa de cumprimento pelo
administrador de insolvecircncia seria sempre em uacuteltima linha passiacutevel de ser imputado ao
insolvente Este entendimento deduz ainda essa imputabilidade do facto da declaraccedilatildeo de
insolvecircncia poder ldquoter na base os factos-iacutendice do art 20ordm nordm 1 aliacutenea a) a suspensatildeo
generalizada do pagamento das obrigaccedilotildees vencidas a falta de cumprimento que revela a
impossibilidade de satisfaccedilatildeo pontual da generalidade das obrigaccedilotildees a fuga do titular da
empresahelliprdquo55 bem como da presunccedilatildeo de culpa iacutensita no nordm 1 do artigo 799ordm do Coacutedigo
Civil que aplicada a esta situaccedilatildeo teria como consequecircncia considerar que a impossibilidade
de cumprimento procedeu sempre de culpa do devedor (insolvente)56
Em sentido coincidente manifestou-se GRAVATO MORAIS57 que considera que ldquoa
ideia de imputabilidade deve ser entendida cum granum salis em sede de insolvecircncia e no
exacto sentido de laquoter dado causa araquo laquoter motivado araquo Assim deduz este autor a
imputabilidade da proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia referenciando designadamente os factos-
iacutendice previstos no artigo 20ordm do CIRE como fundamento de tal deduccedilatildeo Temos assim que e
de acordo com a exposta interpretaccedilatildeo natildeo obstante a licitude da recusa do administrador eacute a
proacutepria declaraccedilatildeo de insolvecircncia que estabelece um nexo de imputabilidade do
incumprimento ao insolvente nexo esse suficiente para abrir as portas agrave aplicaccedilatildeo do
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Natildeo perfilhamos todavia este entendimento Antes de mais natildeo nos parece que se
possa afirmar sem mais que o natildeo cumprimento do contrato decorre da insolvecircncia do
devedor ndash esse natildeo cumprimento deriva antes de uma escolha do administrador escolha essa
que reitere-se pode conduzir ao cumprimento ou ao natildeo cumprimento do contrato Nem tatildeo
pouco se pode dizer que esta escolha do administrador eacute praticada em representaccedilatildeo do
55 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10 e 11 56 Nesse sentido vide o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 19-09-2006 (Processo 06ordf2335 ndash Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS) cujo teor foi integralmente confirmado jaacute na vigecircncia do CIRE pelo Acoacuterdatildeo do mesmo Tribunal de 22-02-2011 (Processo 1548069TBEPS-DG1S1 Relator AZEVEDO RAMOS) no qual se sustenta que ldquoessa extinccedilatildeo do contrato eacute sem qualquer duacutevida imputaacutevel ao falido que se colocou na situaccedilatildeo de natildeo poder satisfazer pontualmente as suas obrigaccedilotildees Mas ainda que assim natildeo se entendesse sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa ex vi do disposto no art 799 nordm 1 do Coacutedigo Civilrdquo 57 MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo op cit p 10
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
28
No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
31
comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
陀Ҕ
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insolvente (e portanto imputaacutevel a este) porquanto se trata de um acto enquadrado no
exerciacutecio das suas funccedilotildees sempre com vista ao superior interesse da satisfaccedilatildeo dos credores
Por outro lado a experiecircncia sobretudo no cenaacuterio de crise econoacutemica que o paiacutes
vivencia presentemente tem-nos demonstrado que grande parte das insolvecircncias
judicialmente declaradas dificilmente podem ser imputadas aos insolventes derivando antes
das contingecircncias do proacuteprio traacutefego comercial profundamente afectado pela crise Poder-se-
ia eventualmente equacionar a hipoacutetese de aplicar a qualificaccedilatildeo de insolvecircncia como fortuita
ou culposa como criteacuterio delimitador da imputabilidade ndash tal natildeo nos parece no entanto
defensaacutevel natildeo soacute porque a qualificaccedilatildeo da insolvecircncia como culposa implica sempre um
juiacutezo de dolo ou culpa grave nos termos do artigo 186ordm CIRE (ficando assim excluiacuteda a culpa
leve que se inclui ainda no conceito de culpa para os efeitos do nordm 2 do artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil) mas tambeacutem porque ldquotal conduziria a fazer variar o regime do contrato-
promessa na insolvecircncia (e a protecccedilatildeo do promitente-adquirente) em funccedilatildeo da sua causa
ao contraacuterio do que sucede com os outros contratos em curso O que tambeacutem natildeo pode
serrdquo58
Nesta conformidade natildeo nos parece defensaacutevel a tese de que no caso de recusa de
cumprimento se encontre preenchido o pressuposto da imputabilidade necessaacuterio para fazer a
aplicaccedilatildeo directa do regime previsto do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil
Em sentido coincidente manifestou-se CATARINA SERRA sustentando que
ldquoexistindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuiacutedo
ao administrador da insolvecircncia pelo art 106 nordm 2 em ligaccedilatildeo com o art 102ordm) natildeo existe
um dever de cumprir natildeo existindo um dever de cumprir natildeo haacute ilicitude e natildeo haacute culpa
faltando pois no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da
insolvecircncia a imputabilidade do natildeo cumprimento ao promitente-vendedor e
consequentemente um dos factos constitutivos do direito do promitente-compradorrdquo59
Entende assim esta Autora que entre o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia e o direito agrave restituiccedilatildeo do sinal em dobro pelo promitente-
comprador existe uma autecircntica ldquocontradiccedilatildeo teleoloacutegicardquo Todavia CATARINA SERRA
propugna uma aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 106ordm aos contratos promessa sinalizados
com entrega de coisa defendendo assim que o promitente-comprador teria direito a uma 58 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 18 59 SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo Almedina Coimbra 2010 p 93
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indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
31
comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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䬀Җ
26
indemnizaccedilatildeo correspondente agrave diferenccedila entre o valor do objecto do contrato prometido na
data da recusa de cumprimento do contrato-promessa e o montante do preccedilo convencionado
actualizado para a data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia ndash posiccedilatildeo que natildeo cremos ser sustentaacutevel
perante a interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm CIRE que supra defendemos60
Aqui chegados arredada que estaacute a aplicaccedilatildeo do regime do nordm 2 do artigo 106ordm do
CIRE ou a aplicaccedilatildeo directa do nordm 2 do artigo 442ordm aos efeitos da recusa do cumprimento do
contrato-promessa pelo administrador de insolvecircncia do promitente vendedor podemos
afirmar com seguranccedila a existecircncia de uma lacuna no regime insolvencial porquanto natildeo
existe no ordenamento juriacutedico qualquer norma susceptiacutevel de ser aplicada a este caso apesar
da proacutepria coerecircncia normativa da lei impor essa regulamentaccedilatildeo Inferimos assim na senda
do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS61 querdquoda anaacutelise dos regimes civil e
insolvencial do contrato-promessa resulta que haacute um caso especiacutefico aquele dos efeitos da
recusa de cumprimento por parte do administrador no contrato-promessa sinalizado em que
o promitente-vendedor seja insolvente que natildeo estaacute regulado sendo que atendendo agrave
teleologia desses regimes o deveria estar Estamos face a uma lacuna ldquoteleoloacutegicardquo patente
inicialrdquo
Assim impotildee-se determinar no fito da coerecircncia normativa a disposiccedilatildeo aplicaacutevel em
face do escopo visado pelo legislador integrando o caso omisso dentro do espiacuterito do sistema
Como se sabe a lacuna deve ser preenchida sempre que possiacutevel pelo recurso agrave analogia
Nesta conformidade fundando-se a analogia ldquono reconhecimento de que em todos esses
casos eacute apropriada a mesma apreciaccedilatildeo juriacutedicardquo62 de acordo com o princiacutepio da igualdade
juriacutedica que define que devem ser tratados de forma semelhante as situaccedilotildees similares deve
aplicar-se o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil63 por
ser o que pelos fundamentos que supra se expuseram melhor se adequa ao ldquopostulado da
60 Cfr supra ponto 1211 a) paacuteginas 20 a 23 61 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 19 62 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Porto 1978 p 439 63 E natildeo a prevista no nordm 1 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil porquanto o facto de se encontrar previsto o direito agrave indemnizaccedilatildeo pelos prejuiacutezos decorrentes do natildeo cumprimento do contrato decorrente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos artigos 106ordm nordm 2 104ordm nordm 5 e 102ordm nordm 3 todos do CIRE permite-nos concluir que esse direito teraacute de ser enquadrado no acircmbito indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm e natildeo no domiacutenio da impossibilidade da prestaccedilatildeo natildeo imputaacutevel agraves partes previsto no nordm 1 desse artigo
A
27
justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
Ҕ
28
No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
31
comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
34
hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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Ҝ
42
LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I 4ordf ediccedilatildeo revista
e actualizada Coimbra Editora Coimbra 1987
MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia
Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora
Coimbra 2003
MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com
tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo Cadernos de Direito Privado nordm
29 JaneiroMarccedilo 2010 pp 3 e ss
NETO ABIacuteLIO ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo 16ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Ediforum Lisboa
2009
PRATA ANA ldquoO Contrato-promessa e o seu Regime Civilrdquo Almedina Coimbra 1999
PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos
promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de
Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss
SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo
Almedina Coimbra 2010
SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo
do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm
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SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra
2006
VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo
Almedina Coimbra 1994
VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo
Almedina Coimbra 1992
VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoSobre o contrato-promessardquo 2ordf ediccedilatildeo
Coimbra Editora Coimbra 1989
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra
e Vendardquo in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto III (2006) pp 521 e
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Insolvecircncia em particular da posiccedilatildeo do cessionaacuterio na insolvecircncia do cedenterdquo Coimbra
Editora Coimbra 2007
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43
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falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito das Garantiasrdquo Almedina
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VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa
e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss
Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
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justiccedila de tratar juridicamente da mesma maneira o que eacute da mesma espeacutecie ou melhor o
que tem o mesmo sentidordquo64
1212 Direito de Retenccedilatildeo
O artigo 754ordm do Coacutedigo Civil consagra em termos geneacutericos o direito de retenccedilatildeo
como direito real de garantia dispondo que ldquoO devedor que disponha de um creacutedito contra o
seu credor goza do direito de retenccedilatildeo se estando obrigado a entregar certa coisa o seu
creacutedito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causadosrdquo
Procurando uma definiccedilatildeo do conceito e balizado pelos contornos do normativo supra
citado ANTUNES VARELA afirma ser de retenccedilatildeo o ldquodireito conferido ao credor que se
encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de natildeo soacute recusar a entrega dela
enquanto o devedor natildeo cumprir mas tambeacutem de executar a coisa e se pagar agrave custa do
valor dela com preferecircncia sobre os demais credoresrdquo65
Deste normativo legal retira-se que satildeo pressupostos do direito de retenccedilatildeo a licitude da
detenccedilatildeo da coisa a reciprocidade de creacuteditos e a conexatildeo substancial entre a coisa retida e o
creacutedito do autor da retenccedilatildeo ndash neste contexto a recusa da entrega da coisa ao proprietaacuterio eacute
legitimada se o creacutedito do recusante tiver resultado de despesas feita por causa da (ou de
danos causados pela) coisa
Ora a aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil atribui o direito de retenccedilatildeo ao
beneficiaacuterio do contrato-promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida ndash direito de
retenccedilatildeo que se destina a garantir o creacutedito que de acordo com o disposto no artigo 442ordm do
Coacutedigo Civil decorre desde que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa para o promitente-
comprador por forccedila do inadimplemento contratual imputaacutevel ao promitente-vendedor66
Uma das questotildees mais duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa
em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com os efeitos da recusa do
cumprimento por parte do administrador de insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo 102ordm
deste diploma no que tange agrave existecircncia ou inexistecircncia desse direito de retenccedilatildeo na esfera do
promitente-comprador como garantia do seu creacutedito indemnizatoacuterio
64 LARENZ KARL ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 439 65 VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 1992 p 572 66 Trata-se de um direito ldquoope legisrdquo que natildeo necessita de ser declarado ou reconhecido pelo tribunal para operar
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No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
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um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
35
equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
36
declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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httpwwwdgsipt
Ҕ
28
No domiacutenio da vigecircncia do anterior CPEREF esta questatildeo foi amplamente debatida
havendo Autores que negavam a existecircncia de direito de retenccedilatildeo no acircmbito de contratos
promessa com eficaacutecia obrigacional e tradiccedilatildeo da coisa ora por considerarem que o legislador
era peremptoacuterio ao qualificar o creacutedito resultante da aplicaccedilatildeo do nordm 1 do artigo 164ordm-A como
comum pelo que natildeo gozaria de qualquer garantia67 ora por considerarem que o direito agrave
restituiccedilatildeo do sinal em dobro natildeo consubstanciava um ldquocreacutedito resultante do natildeo
cumprimento imputaacutevel agrave contraparterdquo68 o que conforme se referiu supra constitui
pressuposto de aplicabilidade da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Mas a jurisprudecircncia ainda na vigecircncia do CPEREF jaacute vinha defendendo a existecircncia
de direito de retenccedilatildeo havendo o Supremo Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 28-05-
200269 sustentado agrave luz daquele diploma que ldquoCom a extinccedilatildeo da falida e subsequente
substituiccedilatildeo pela massa falida o credor jaacute natildeo pode compelir quem deixou de existir a
cumprir qualquer das obrigaccedilotildees decorrentes do contrato promessa e mau grado a
subsistecircncia do direito de retenccedilatildeo em favor do promitente-comprador a funccedilatildeo de garantia
do direito de retenccedilatildeo em processo de falecircncia restringe-se agrave preferecircncia sobre os demais
credoresrdquo posiccedilatildeo que reafirmou no seu Acoacuterdatildeo de 19-09-200670 ldquoA aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil garante o direito de retenccedilatildeo ao beneficiaacuterio do contrato-
promessa que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prometida retenccedilatildeo que sobre ela incide pelo
creacutedito resultante do natildeo cumprimento imputaacutevel ao outro promitente nos termos do artigo
442ordmrdquo
Agrave luz do CIRE a questatildeo natildeo deixou de ser controvertida permanecendo as
divergecircncias doutrinais e jurisprudenciais e mais do que isso a perplexidade gerada pela
total ausecircncia de regulaccedilatildeo desta figura no acircmbito insolvencial (o que se mostra ainda mais
incompreensiacutevel tendo em conta as vozes que sobre este assunto se fizeram ouvir no acircmbito
do CPEREF) perplexidade essa manifestada por MENEZES LEITAtildeO quando escreve ldquoEsta
disposiccedilatildeo omite poreacutem a hipoacutetese muito frequente de o beneficiaacuterio da promessa de venda
sem eficaacutecia real se encontrar na posse da coisa caso em que o art 755ordm f) CC lhe atribui
67 EPIFAcircNIO MARIA DO ROSAacuteRIO ldquoEfeitos substantivos da Falecircnciardquo p 292 68 SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm 274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss p 304 69 Processo 02A436 Relator FARIA ANTUNES 70 Processo 06A2335 Relator SEBASTIAtildeO POacuteVOAS
懲ґ
29
um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
Ҕ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
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anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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懲ґ
29
um direito de retenccedilatildeo que constitui uma garantia que tem que ser atendida em sede de
insolvecircnciardquo 71
Os assertores da natildeo existecircncia do direito de retenccedilatildeo estribam a sua posiccedilatildeo no facto
de natildeo se traduzindo a opccedilatildeo do administrador pela recusa do cumprimento do contrato-
promessa num acto iliacutecito esta natildeo consubstancia um ldquonatildeo cumprimento imputaacutevelrdquo ao
promitente-vendedor o que excluiria desde logo a aplicabilidade da aliacutenea f) do nuacutemero 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por natildeo se verificar um dos seus pressupostos De resto a natildeo
atribuiccedilatildeo da garantia de retenccedilatildeo ao promitente-comprador encontrar-se-ia de acordo com
este entendimento em conformidade com o princiacutepio par conditio creditorum que enforma
todo o regime legal da insolvecircncia72
Na senda do propugnado por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO
MORAIS tendemos para a admissibilidade do direito de retenccedilatildeo na promessa obrigacional
de compra e venda com tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente vendedor pelos
fundamentos que seguidamente se aduziratildeo
a) Interpretaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil
Analisemos antes de mais a ratio da norma contida na mencionada aliacutenea f) do nuacutemero
1 do artigo 755ordm CC Esta disposiccedilatildeo legal natildeo existia no texto primitivo do Coacutedigo Civil
havendo sido introduzido pelo Decreto-Lei 23680 de 18 de Julho ldquocom o objectivo
expresso no respectivo preacircmbulo de reforccedilar a posiccedilatildeo juriacutedica do promitente-comprador
especialmente no campo das transacccedilotildees de imoacuteveis urbanos para habitaccedilatildeordquo 73
Efectivamente a norma em questatildeo visou a tutela eficiente do promitente-comprador
especificamente quando o contrato-promessa diz respeito a edifiacutecios ou fracccedilotildees autoacutenomas
para habitaccedilatildeo proacutepria daquele74 O reconhecimento deste direito tem fundamento no facto de
a constituiccedilatildeo de sinal e a tradiccedilatildeo da coisa terem ldquosubjacente uma forte confianccedila na firmeza
71 LEITAtildeO LUIacuteS MANUEL TELES DE MENEZES ldquoDireito da Insolvecircnciardquo p 191 72 Neste sentido Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo de Guimaratildees de 14-12-2010 extraiacutedo do processo 6132080TBBRG (Relator MANSO RAIacuteNHO) no qual se conclui que a promitente-compradora in casu ldquonatildeo goza nem do direito agrave indemnizaccedilatildeo fixada no artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal) nem do direito de retenccedilatildeo sobre a coisa traditada Na realidade face aos normativos citados tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestadordquo 73 LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 777 74 Os quais como assinala ANTOacuteNIO MENEZES CORDEIRO (ldquoTratado de Direito civilrdquo II Almedina Coimbra 2010 p 401) representam ldquoa quase totalidade dos casos que chegam aos nossos tribunaisrdquo revestindo-se assim da maior relevacircncia
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
31
comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
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37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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ou concretizaccedilatildeo do negoacuteciordquo75 sendo assim um dos ldquomecanismos de especial tutela do
promitente fielrdquo76 O direito de retenccedilatildeo atribuiacutedo ao promitente-comprador tem assim um
caraacutecter marcadamente social de tutela do promitente adquirente face ao risco real de o
promitente adquirente vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar
a celebraccedilatildeo do contrato definitivo e pagar a indemnizaccedilatildeo correspondente se a perda fosse
compensada pela valorizaccedilatildeo que o imoacutevel tivesse eventualmente sofrido
Esta tutela eacute ainda amplamente reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo legal contida no nordm 2
do artigo 759ordm do Coacutedigo Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia
sobre uma hipoteca anteriormente registada ndash o que significa que no concurso entre o creacutedito
do promitente-comprador e o do credor hipotecaacuterio o primeiro seraacute graduado em primeiro
lugar na execuccedilatildeo ou na insolvecircncia Procura-se desta forma proteger de forma eficiente o
promitente-comprador evitando o prejuiacutezo que para ele acarretaria a prevalecircncia do creacutedito
hipotecaacuterio sobre o seu creacutedito conduzindo-o tanto a perder o bem objecto do contrato como
o sinal prestado
Sobretudo por forccedila desta norma a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-
comprador tem sido alvo de diversas criacuteticas77 78 Entendemos no entanto que esta garantia
legal se justifica plenamente porque de iure constituto eacute o uacutenico mecanismo susceptiacutevel de
impedir o enfraquecimento da posiccedilatildeo contratual do promitente-fiel face agraves contingecircncias de
uma eventual execuccedilatildeo ou insolvecircncia do promitente-alienante
Neste enquadramento importa ponderar o teor do Preacircmbulo do Decreto-Lei 37986 de
11 de Novembro diploma que transferiu a previsatildeo do direito de retenccedilatildeo do promitente- 75 COSTA MAacuteRIO JUacuteLIO DE ALMEIDA ldquoContrato-promessa uma siacutentese do regime vigenterdquo op cit p 73 76 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e falecircnciainsolvecircnciardquoI op cit p 63 77 Aceacuterrimos criacuteticos desta soluccedilatildeo legislativa PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defenderam que
ldquoAleacutem de juridicamente condenaacutevel por afectar a seguranccedila e a solidez do creacutedito hipotecaacuterio a soluccedilatildeo sob o ponto de vista econoacutemico eacute susceptiacutevel de redundar em prejuiacutezo das pessoas em cujo benefiacutecio foi estabelecida (os candidatos agrave aquisiccedilatildeo de preacutedios urbanos ou de suas fracccedilotildees autoacutenomas) na medida em que pode tornar mais difiacutecil a obtenccedilatildeo de creacutedito para a construccedilatildeo urbana e originar por esse motivo o encarecimento dos imoacuteveisrdquo (LIMA PIRES DE VARELA ANTUNES ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo Vol I op cit p 778) tambeacutem propugnando este entendimento vide FREITAS JOSEacute LEBRE DE ldquoSobre a prevalecircncia no apenso de reclamaccedilatildeo de creacuteditos do direito de retenccedilatildeo reconhecido por sentenccedilardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 66 Setembro 2006 pp581 e ss e ainda COSTA SALVADOR DA ldquoO Concurso de Credoresrdquo 3ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra 2005 p 220 78 Realccedila-se no entanto que o Tribunal Constitucional natildeo julgou organicamente inconstitucionais as normas dos Decretos-Lei nordm 23680 de 18 de Julho e 37986 de 11 de Novembro respeitantes ao direito de retenccedilatildeo e natildeo julgou materialmente inconstitucionais as normas constantes do nordm 3 do artigo 410ordm e aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm ambas do Coacutedigo Civil (na redacccedilatildeo que resulta daqueles diplomas) nos termos da qual o direito de retenccedilatildeo do beneficiaacuterio da promessa de transmissatildeo ou constituiccedilatildeo de direito real que obteve a tradiccedilatildeo da coisa prevalece sobre a garantia hipotecaacuteria registada em data anterior agrave referida tradiccedilatildeo posiccedilatildeo que foi sucessivamente reafirmada por este Tribunal (vide Acoacuterdatildeos 37403 de 15 de Julho 59403 de 3 de Dezembro e 35604 de 19 de Maio)
ґ
31
comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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comprador para o contexto dos casos especiais de atribuiccedilatildeo deste direito mediante a adiccedilatildeo
de uma nova aliacutenea ao nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil na medida em que explicita a
intenccedilatildeo do legislador ao consagrar o direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador
discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posiccedilatildeo do legislador
Pela sua relevacircncia citamos o trecho que cremos ser fundamental agrave compreensatildeo do
verdadeiro alcance da norma ldquoO problema soacute levanta particulares motivos de reflexatildeo
precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia a da promessa de
venda de edifiacutecios ou de fracccedilotildees autoacutenomas destes sobretudo destinados a habitaccedilatildeo por
empresas construtoras que via de regra recorrem a empreacutestimos maxime tomados de
instituiccedilotildees de creacutedito Ora o direito de retenccedilatildeo prevalece sobre a hipoteca ainda que
anteriormente registada (artigo 759ordm n ordm 2 do Coacutedigo Civil) Logo natildeo faltaratildeo situaccedilotildees
em que a preferecircncia dos beneficiaacuterios de promessas de venda prejudique o reembolso de tais
empreacutestimos Neste conflito de interesses afigura-se razoaacutevel atribuir prioridade agrave tutela dos
particulares Vem na loacutegica da defesa do consumidor Natildeo que se desconheccedilam ou esqueccedilam
a protecccedilatildeo devida aos legiacutetimos direitos das instituiccedilotildees de creacutedito e o estiacutemulo que
merecem como elementos de enorme importacircncia na dinamizaccedilatildeo da actividade econoacutemico-
financeira Poreacutem no caso estas instituiccedilotildees como profissionais podem precaver-se por
exemplo atraveacutes de criteacuterios ponderados de selectividade do creacutedito mais facilmente do que
o comum dos particulares a respeito das deficiecircncias e da solvecircncia das empresas
construtorasrdquo
Assim o reconhecimento do direito de retenccedilatildeo surge como uma medida de defesa do
promitente-comprador considerado como parte deacutebil do contrato na medida em que natildeo
dispondo de qualquer meio eficaz para fazer cumprir a promessa a sua posiccedilatildeo no acircmbito do
mecanismo contratual se vecirc muito fragilizada O legislador optou por consagrar a atribuiccedilatildeo
deste direito ao promitente-comprador em prejuiacutezo dos interesses dos credores hipotecaacuterios ndash
mas sempre sublinhe-se e conforme claramente decorre do preacircmbulo supra citado tendo
como alvo subjectivo um credor especiacutefico ndash o consumidor79
A atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-adquirente tem assim um caraacutecter
marcadamente social caraacutecter reconhecido por MENEZES CORDEIRO que considerou que
na avaliaccedilatildeo da preponderacircncia entre o ldquoalcance socialrdquo da norma e ldquoos inconvenientes
79 Esta eacute a posiccedilatildeo defendida por VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE em ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES em ldquoTratado de Direito civilrdquo II op cit p 401 e PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeO ldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo op cit p 14
аҒ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
34
hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
36
declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
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anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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perante a bancardquo ldquoo legislador optou por dar a primazia aos aspectos sociaisrdquo 80 O
legislador buscou assim proteger o promitente fiel de riscos concretos e reais por um lado ldquoo
do incentivo ao natildeo cumprimento se fosse economicamente mais vantajoso recusar a
alienaccedilatildeo e pagar o sinal em dobro caso a valorizaccedilatildeo que o imoacutevel entretanto tivesse
sofrido compensasse essa perdardquo81 por outro lado o da privaccedilatildeo do bem resultante da
postergaccedilatildeo do promitente-comprador em sede de graduaccedilatildeo de bens na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia do promitente-alienante
Tambeacutem a jurisprudecircncia aquiesce neste entendimento sublinhando o Supremo
Tribunal de Justiccedila no seu Acoacuterdatildeo de 6-11-200182 que ldquoo legislador ao contemplar o
direito de retenccedilatildeo do promitente comprador de fracccedilatildeo autoacutenoma com tradiccedilatildeo da coisa
procedeu na loacutegica da tutela do consumidor o que constitui um imperativo constitucional em
que o legislador deu primazia aos aspectos sociais e que no conflito entre as instituiccedilotildees de
creacutedito credoras do promitente vendedor e os interesses dos promitentes compradores com
tradiccedilatildeo prevalecem justificadamente os segundosrdquo83
Cremos assim e de acordo com os doutos ensinamentos de PESTANA DE
VASCONCELOS que ldquoEsta disposiccedilatildeo eacute assim materialmente uma norma de tutela do
consumidorrdquo na medida em que ldquoFoi para ele que criou este mecanismo de tutela O que
bem se compreende eacute o consumidor promitente-comprador de edifiacutecio ou fracccedilatildeo autoacutenoma
dele que eacute a parte mais deacutebil (debilidade que se traduz em regra numa falta de preparaccedilatildeo
e de conhecimentos) e que a lei precisa de protegerrdquo 84
Neste enquadramento entendemos que o direito de retenccedilatildeo deveraacute ser atribuiacutedo apenas
quando o promitente-comprador eacute um consumidor85 Assim seguimos a tese defendida por
PESTANA DE VASCONCELOS ldquoO art 755ordm nordm 1 aliacutenea f) eacute uma norma material de
protecccedilatildeo do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a
80 CORDEIRO ANTOacuteNIO MENEZES ldquoDa retenccedilatildeo do promitente na venda executivardquo in Revista da Ordem dos Advogados II ano 57 Abril 1997 pp 547 e ss p 551 81 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p7 82 Processo 21401 Relator AFONSO DE MELO 83 Neste sentido vide tambeacutem o Acoacuterdatildeo do Supremo Tribunal de Justiccedila de 27-11-2007 (Processo 07A3680 Relator SILVA SALAZAR) e Acoacuterdatildeo do Tribunal da Relaccedilatildeo do Porto de 31-03-2009 (Processo 708070TBPRD-GP1 Relator MAacuteRIO SERRANO) 84 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 8 85 Nos termos do nordm 1 do artigo 2ordm da Lei de Defesa do Consumidor entende-se por consumidor ldquotodo aquele a quem sejam fornecidos bens prestados serviccedilos ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso natildeo profissional por pessoa que exerccedila com caraacutecter profissional uma actividade econoacutemica que vise a obtenccedilatildeo de benefiacuteciosrdquo conceito que aqui adoptamos
ॠҒ
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elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
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hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
36
declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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ॠҒ
33
elerdquo86 Nos casos em que natildeo o seja parece-nos natildeo existir qualquer fundamento para o
creacutedito se sobrepor agrave posiccedilatildeo do credor hipotecaacuterio e dos credores comuns na execuccedilatildeo ou
insolvecircncia
b) Direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador face agrave recusa de
cumprimento pelo administrador
Perante esta interpretaccedilatildeo restritiva da norma contida na aliacutenea f) do artigo 755ordm CC
impotildee-se agora avaliar em que medida o creacutedito de que o promitente natildeo insolvente eacute titular
em resultado da recusa de cumprimento pelo administrador da insolvecircncia goza ou natildeo do
direito de retenccedilatildeo previsto na aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm CC
Entendemos que face agrave ratio que preside agrave atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao
consumidor e que supra deixaacutemos explanada eacute evidente a pertinecircncia substantiva do
reconhecimento de tal direito ao promitente-comprador de um contrato-promessa sem eficaacutecia
real sinalizado em que tenha havido tradiccedilatildeo da coisa no acircmbito da insolvecircncia do
promitente-alienante na medida em que soacute desta forma eacute possiacutevel acautelar uma eventual
debilitaccedilatildeo da posiccedilatildeo contratual do promitente-comprador
Efectivamente tendo em linha de conta a forccedila que o legislador procurou imprimir agrave
tutela do promitente-comprador atribuindo-lhe um direito de garantia de tal modo forte que
se sobrepotildee agrave hipoteca anteriormente constituiacuteda e atendendo ainda o facto da aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil se traraacute de uma norma material de protecccedilatildeo de consumidor
e portanto constitucionalmente tutelada87 o afastamento desse direito no acircmbito da
insolvecircncia apenas seria aceitaacutevel se existisse um superior interesse da insolvecircncia que
fundamentasse a retirada desse direito
Conforme se explicou supra as vozes discordantes da atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo
defendem que este se mostra incompatiacutevel com o princiacutepio par conditio creditorum De
acordo com este entendimento o princiacutepio do tratamento igualitaacuterio dos credores do
insolvente exigiria o enfraquecimento da tutela do promitente-comprador Natildeo nos merece
concordacircncia este entendimento Eacute evidente que o nosso regime insolvencial prevecirc a
86 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 21 87 Com a introduccedilatildeo do artigo 60ordm na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa pela Lei Constitucional nordm 189 de 8 de Julho ldquoos direitos dos consumidores alcanccedilaram a dignidade de direitos fundamentaisrdquo (MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora Coimbra 2003 p 40)
巐ґ
34
hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
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equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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巐ґ
34
hierarquizaccedilatildeo dos creacuteditos da insolvecircncia atribuindo-lhes uma ordem determinada na
prioridade da sua satisfaccedilatildeo na medida em que consagra o escalonamento entre creacuteditos
privilegiados comuns e subordinados88 aceitando portanto a manutenccedilatildeo das garantias reais
dos creacuteditos reclamados Natildeo existe assim qualquer impedimento legal agrave existecircncia de
posiccedilotildees privilegiadas de certos credores pelo que natildeo existindo qualquer obstaacuteculo legal agrave
atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo ao promitente-compradorpossuidor natildeo se vecirc com que
fundamento este lhe pode ser retirado
Face agrave conclusatildeo de que natildeo existe qualquer fundamento formal ou substantivo que
justifique o afastamento do direito de retenccedilatildeo do promitente-comprador no domiacutenio da
insolvecircncia impotildee-se agora perante uma anaacutelise cuidada da norma contida na aliacutenea f) do nordm
1 do artigo 755ordm CC debater se esse direito existe perante a recusa de cumprimento do
administrador da insolvecircncia nos termos do artigo 102ordm CIRE
Eacute indubitaacutevel que os dois primeiros pressupostos da norma ndash a promessa de compra e
venda e a traditio rei ndash se encontram preenchidos A questatildeo centra-se portanto em saber se
o incumprimento contratual pode ser considerado como imputaacutevel agrave insolvente
Efectivamente a atribuiccedilatildeo do direito de retenccedilatildeo nos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo
755ordm do Coacutedigo Civil pressupotildee indubitavelmente o incumprimento culposo do promitente-
alienante Ora o acto que conduz ao natildeo cumprimento do contrato eacute uma recusa de
cumprimento liacutecita inserta no acircmbito das funccedilotildees do administrador da insolvecircncia Natildeo
consideramos possiacutevel uma interpretaccedilatildeo extensiva desta norma que permitisse o afastamento
deste pressuposto porquanto significando esta ldquoa interpretaccedilatildeo que (hellip) se estenda ateacute ao
limite do sentido literal possiacutevelrdquo89 natildeo existe qualquer margem textual da norma que
sustente um diferente entendimento
Jaacute vimos que natildeo aderimos agraves correntes doutrinais e jurisprudenciais que defendem que
o acto de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvecircncia eacute sempre lato sensu
imputaacutevel ao insolvente fazendo radicar nesse facto a imputabilidade culposa necessaacuteria ao
preenchimento da norma argumentaccedilatildeo para a qual remetemos90
Natildeo obstante a retirada deste mecanismo de garantia do promitente-comprador que o
legislador lhe concedeu efectivamente com o sentido de ldquoreajustar o regime legal do
contrato-promessa por forma a adequaacute-lo agraves realidades actuais estabelecendo verdadeiro
88 Cfr artigo 47ordm do CIRE 89 A definiccedilatildeo eacute de KARL LARENZ ldquoMetodologia da Ciecircncia do Direitordquo op cit p 399 90 Cfr supra ponto 1211 b) paacuteginas 23 a 27
巐ґ
35
equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
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declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
巐ґ
35
equiliacutebrio entre os outorgantes (o que passa pela mais eficiente tutela do promitente-
comprador) e desmotivando a sua resoluccedilatildeo com intuitos meramente especulativosrdquo91
parece-nos dificilmente aceitaacutevel Eacute que a teleologia da norma contida nesta aliacutenea f) do nordm1
do artigo 755ordm assente na tutela do consumidor e portanto com guarida constitucional leva-
nos a crer seguindo de perto as asserccedilotildees de PESTANA DE VASCONCELOS que ldquono caso
particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradiccedilatildeo da coisa e
consequentemente seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir verificamos sem
grande esforccedilo que essa carecircncia de protecccedilatildeo se verifica principalmente na insolvecircncia da
sua contraparterdquo92 O mesmo entendimento parece ter ANA PRATA quando escreve
ldquoobservar-se-aacute que por um lado sendo como eacute do conhecimento geral frequentes as
dificuldades dos promissaacuterios sobretudo das vendas de imoacuteveis ou suas fracccedilotildees autoacutenomas
de obterem dos promitentes faltosos os pagamentos indemnizatoacuterios que lhes cabem por
insuficiente solvabilidade quando natildeo por falecircncia ou insolvecircncia daqueles este foi por
certo o motivo que levou a lei a conferir o direito de retenccedilatildeo Pretender dispensar mais
extensa e eficiente tutela aos promissaacuterios maxime da aquisiccedilatildeo eliminando os estiacutemulos agraves
condutas iliacutecitas e especulativas dos promitentes criados pelo sistema atraveacutes da atribuiccedilatildeo
de um direito indemnizatoacuterio de maior valor constituiria medida inuacutetil se desacompanhada de
providecircncias de prevenccedilatildeo da frustraccedilatildeo desse objectivo que facilmente se obteria pela
alienaccedilatildeo do bem prometido vender a um terceiro e dissipaccedilatildeo do produto de tal alienaccedilatildeordquo
Neste enquadramento se admitirmos a inexistecircncia do direito de retenccedilatildeo como
garantia do creacutedito indemnizatoacuterio do promitente-comprador no caso de insolvecircncia do
promitente-comprador e subsequente recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia este uacuteltimo na maioria das vezes e na prossecuccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses
do credor ver-se-ia precisamente obrigado agrave recusa do cumprimento
Em conformidade com o que vem de expor concluiacutemos pela existecircncia de uma lacuna
no ordenamento insolvencial a qual deveraacute manifestamente ser preenchida por analogia
pelo recurso aos termos da aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil e portanto pela
atribuiccedilatildeo de direito de retenccedilatildeo ao promitente-comprador ndash na medida em que a ratio desta
disposiccedilatildeo (a tutela do promitente atraveacutes de uma garantia que lhe permita efectivamente
assegurar o pagamento do seu creacutedito) se verifica com muito mais intensidade na situaccedilatildeo de
91 Preacircmbulo do DL 23680 de 18 de Julho que introduziu na nossa legislaccedilatildeo a garantia do direito de retenccedilatildeo concedida ao promitente-comprador 92 VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa e insolvecircnciardquo op cit p 25
掀ґ
36
declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
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BIBLIOGRAFIA
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promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de
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Insolvecircncia em particular da posiccedilatildeo do cessionaacuterio na insolvecircncia do cedenterdquo Coimbra
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
掀ґ
36
declaraccedilatildeo de insolvecircncia do promitente-vendedor e sequente recusa de cumprimento pelo
administrador da insolvecircncia 93
Deste modo ficam devidamente acauteladas as expectativas do promitente-comprador ndash
a constituiccedilatildeo de um sinal relativamente elevado teraacute como efeito uma efectiva compulsatildeo do
administrador ao cumprimento ndash e por outro lado ainda que o administrador opte pela
recusa o promitente-comprador garantido com direito de retenccedilatildeo manteraacute sempre a
possibilidade de adquirir o bem nos termos prescritos no artigo 164ordm CIRE ndash alcanccedilando-se
assim o propoacutesito da tutela do consumidor na insolvecircncia
93 Posiccedilatildeo manifestamente divergente eacute sustentada por CATARINA SERRA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo op cit p 95 que entende que natildeo havendo lugar agrave aplicaccedilatildeo do art 442ordm nordm 2 do CC fica automaticamente precludida a aplicaccedilatildeo da aliacutenea f) do nordm 1 do art 755ordm do Coacutedigo Civil uma vez que faltaria sempre o pressuposto imposto pela mencionada norma de o creacutedito garantido pelo direito de retenccedilatildeo resultar do ldquonatildeo cumprimento imputaacutevel agrave outra parte nos termos do artigo 442ordmrdquo Esta Autora sustenta ainda que esse direito estaria precludido ainda que existisse o direito ao recebimento do dobro do sinal nos termos do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil (como sucedia ao abrigo do anterior CPEREF) porquanto falharia sempre o preenchimento do requisito da imputabilidade do incumprimento Assim o creacutedito do promitente comprador seria ldquoum creacutedito comum estando excluiacuteda qualquer possibilidade de o promitente-comprador invocar a titularidade de um direito de retenccedilatildeo sobre a coisa objecto de tradiccedilatildeordquo
댠ґ
37
IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
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anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
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IV - CONCLUSAtildeO
Percorrido o caminho a que nos propusemos na introduccedilatildeo do presente relatoacuterio
importa agora elaborar uma reflexatildeo conclusiva sobre as questotildees sobre os quais nos
debruccedilaacutemos ao longo desta exposiccedilatildeo
As criacuteticas repetidamente assacadas ao regime previsto no CPEREF para os negoacutecios
em curso designadamente no que concerne agrave natildeo previsatildeo de um princiacutepio geral mas antes
de uma soluccedilatildeo casuiacutestica para diferentes tipos de negoacutecios deram azo agrave previsatildeo no artigo
102ordm do actual CIRE de um pretenso princiacutepio geral aplicaacutevel a todos os negoacutecios que
estivessem ainda em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
O princiacutepio geral acabou como se clarificou ao longo deste relatoacuterio por ver o seu
acircmbito restringido bem aqueacutem da pretensa generalidade da sua epiacutegrafe (porquanto se aplica
apenas a contratos bilaterais sinalagmaacuteticos ainda natildeo cumpridos nem pelo insolvente nem
pela contraparte) ndash todavia teve este artigo pelo menos a virtualidade de consistir um passo
na direcccedilatildeo do abandono das soluccedilotildees casuiacutesticas e da adopccedilatildeo de regras gerais o que parece
ser o caminho desejaacutevel para se obter uma justiccedila o mais possiacutevel conforme ao princiacutepio da
igualdade dos credores
No que tange agrave aplicaccedilatildeo deste regime ao contrato-promessa em curso agrave data da
declaraccedilatildeo de insolvecircncia natildeo surgem grandes duacutevidas interpretativas quando o
administrador no uso da faculdade potestativa que lhe eacute concedida pelo nordm 1 do artigo 102ordm
CIRE opta por cumprir o contrato
Tambeacutem natildeo se vislumbra qualquer incerteza no que tange aos contratos-promessa com
eficaacutecia real em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia desde que tenha havido tradiccedilatildeo da
coisa jaacute que quanto a estes a norma do nordm 1 do artigo 106ordm do CIRE eacute esclarecedora quando
vincula o administrador ao seu cumprimento Jaacute no que se reporta aos contratos-promessa
com a mesma eficaacutecia real em que natildeo tenha havido tradiccedilatildeo da coisa a soluccedilatildeo legal parece-
nos infeliz porquanto permitindo a recusa do cumprimento do contrato pelo administrador
debilita o nuacutecleo de protecccedilatildeo inerente agrave atribuiccedilatildeo de eficaacutecia real ao contrato sem qualquer
fundamento que o suporte pelo que sustentaacutemos que a soluccedilatildeo de iure constituendo passaria
pela vinculaccedilatildeo do administrador da insolvecircncia ao cumprimento de todos os contratos-
promessa com eficaacutecia real ainda natildeo cumpridos agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia
mediante a consagraccedilatildeo legal da impossibilidade de recusa do cumprimento
independentemente da existecircncia de tradiccedilatildeo
提ґ
38
As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
砀ґ
39
insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
40
anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
砀ґ
41
BIBLIOGRAFIA
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Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
提ґ
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As dificuldades interpretativas surgem outrossim quando o administrador opta
licitamente pela recusa do contrato e designadamente quando nos debruccedilamos sobre os
efeitos das consequecircncias dessa recusa na esfera do promitente-comprador contraparte do
insolvente num contrato-promessa sinalizado em que houve tradiccedilatildeo da coisa objecto do
contrato
Neste ponto o regime anteriormente previsto no CPEREF relativo aos contratos-
promessa em curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia fazia uma distinccedilatildeo evidente no que
tange ao caacutelculo da indemnizaccedilatildeo devida estabelecendo que no caso de haver sido
constituiacutedo sinal pelo promitente-comprador esse caacutelculo se faria em abstracto sendo o
montante indemnizatoacuterio correspondente ao dobro do sinal recebido
Natildeo se compreende bem qual a razatildeo de ser da alteraccedilatildeo da soluccedilatildeo legislativa ndash o que eacute
certo eacute que o legislador do CIRE optou por omitir essa distinccedilatildeo o que origina desde logo a
primeira hesitaccedilatildeo interpretativa teraacute sido intenccedilatildeo do legislador apartar em absoluto o
mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil do regime
insolvencial
Ora o nordm 2 do artigo 106ordm procura ter a virtualidade de ser aplicaacutevel a todos os
contratos-promessa natildeo subsumiacuteveis ao nordm 1 da disposiccedilatildeo ndash ou seja a todos os contratos com
eficaacutecia meramente obrigacional e agravequeles em que apesar de terem eficaacutecia real natildeo houve
traditio rei ou em que o insolvente eacute o promitente-comprador No entanto a soluccedilatildeo legal
emergente da articulaccedilatildeo das disposiccedilotildees legais constantes do nordm 2 do artigo 106ordm nordm 5 do
artigo 104ordm e aliacutenea c) do nuacutemero 3 do artigo 102ordm se estes forem interpretados literalmente
resulta manifestamente infeliz porquanto se desconsidera em absoluto a importacircncia do sinal
no acircmbito do contrato-promessa ndash o qual aleacutem do claro propoacutesito de atestar a seriedade da
promessa contratada tem ainda o desiacutegnio de fixaccedilatildeo do quantum indemnizatoacuterio em caso de
incumprimento contratual
Natildeo parece no entanto possiacutevel fazer uma tal interpretaccedilatildeo destas normas o que
sustentamos em trecircs fundamentos essenciais primeiramente em ordem a evitar uma
incongruecircncia no nuacutecleo do contrato-promessa e atendendo ao facto da indemnizaccedilatildeo do
promitente-vendedor em caso de insolvecircncia do promitente-comprador assentar no regime do
sinal ter-se-aacute de admitir a aplicaccedilatildeo do mesmo regime na hipoacutetese inversa por outro lado o
legislador consagrou a teoria da diferenccedila no nordm 5 do artigo 104ordm do CIRE tendo em vista
contratos (designadamente o de compra e venda com reserva de propriedade e o de locaccedilatildeo
financeira) em que se encontra legalmente estabelecida a faculdade da contraparte do
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
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anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
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Jvridica 73 Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Editora
Coimbra 2003
MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com
tradiccedilatildeo da coisa e insolvecircncia do promitente-vendedorrdquo Cadernos de Direito Privado nordm
29 JaneiroMarccedilo 2010 pp 3 e ss
NETO ABIacuteLIO ldquoCoacutedigo Civil Anotadordquo 16ordf ediccedilatildeo revista e actualizada Ediforum Lisboa
2009
PRATA ANA ldquoO Contrato-promessa e o seu Regime Civilrdquo Almedina Coimbra 1999
PROENCcedilA JOSEacute CARLOS BRANDAtildeOldquoPara a necessidade de uma melhor tutela dos
promitentes-adquirentes de bens imoacuteveis (maxime com fim habitacional)rdquo Cadernos de
Direito Privado nordm 22 AbrilJunho 2008 pp 3 e ss
SERRA CATARINA ldquoO Novo Regime Portuguecircs da Insolvecircncia Uma Introduccedilatildeordquo
Almedina Coimbra 2010
SERRA CATARINA ldquoEfeitos da Declaraccedilatildeo de Falecircncia sobre o Falido (apoacutes a alteraccedilatildeo
do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm
274276 Jul-Dez 1998 pp 267 e ss
SILVA JOAtildeO CALVAtildeO ldquoSinal e contrato promessardquo 11ordf ediccedilatildeo Almedina Coimbra
2006
VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol I 8ordf ediccedilatildeo
Almedina Coimbra 1994
VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoDas Obrigaccedilotildees em Geralrdquo vol 2 5ordf ediccedilatildeo
Almedina Coimbra 1992
VARELA JOAtildeO DE MATOS ANTUNES ldquoSobre o contrato-promessardquo 2ordf ediccedilatildeo
Coimbra Editora Coimbra 1989
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoO Novo Regime Insolvencial da Compra
e Vendardquo in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto III (2006) pp 521 e
ss
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoA Cessatildeo de Creacuteditos em garantia e a
Insolvecircncia em particular da posiccedilatildeo do cessionaacuterio na insolvecircncia do cedenterdquo Coimbra
Editora Coimbra 2007
Ҝ
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VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoContrato-promessa e
falecircnciainsolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 24 OutDez 2008 pp 43 e ss
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito das Garantiasrdquo Almedina
Coimbra 2010
VASCONCELOS LUIacuteS MIGUEL PESTANA DE ldquoDireito de retenccedilatildeo contrato-promessa
e insolvecircnciardquo in Cadernos de Direito Privado nordm 33 JanMar 2011 pp 3 e ss
Todos os Acoacuterdatildeos citados se encontram disponiacuteveis e foram consultados no site
httpwwwdgsipt
砀ґ
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insolvente exigir ao administrador da insolvecircncia o cumprimento do contrato se a coisa jaacute lhe
tiver sido entregue pelo que natildeo faria sentido a sua aplicaccedilatildeo no acircmbito do regime do
contrato-promessa e por uacuteltimo consideraacutemos o caraacutecter marcadamente protector do
promitente-adquirente ambicionado pelo nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil concluindo que
natildeo existia qualquer fundamento que presidisse agrave fragilizaccedilatildeo desta tutela quando faz mais
sentido que ela exista ndash na insolvecircncia da contraparte do promitente-fiel
Assim propugnamos uma interpretaccedilatildeo restritiva do nordm 2 do artigo 106ordm do CIRE
considerando que esta norma se aplica apenas aos contratos-promessa natildeo sinalizados e
perante esta asserccedilatildeo concluimos que os efeitos da recusa de cumprimento do contrato-
promessa sinalizado natildeo se encontram regulados
Por outro lado o mecanismo indemnizatoacuterio previsto no nordm 2 do artigo 442ordm natildeo pode
tambeacutem ser directamente aplicado ao caso de recusa de cumprimento pelo administrador da
insolvecircncia porquanto natildeo estando este acto ferido de ilicitude falha o preenchimento do
pressuposto do incumprimento culposo do contraente exigido por aquela disposiccedilatildeo legal
Estamos assim face a uma lacuna teleoloacutegica cujo preenchimento se impotildee pelo
recurso agrave analogia ndash a qual ditaraacute por forccedila da teleologia dos regimes em causa a aplicaccedilatildeo
do nordm 2 do artigo 442ordm do Coacutedigo Civil aos casos de recusa de cumprimento do contrato-
promessa pelo administrador da insolvecircncia
Outra das questotildees duacutebias que se levantam perante o regime do contrato-promessa em
curso agrave data da declaraccedilatildeo de insolvecircncia prende-se com a aplicabilidade da norma contida na
aliacutenea f) do nordm 1 do artigo 755ordm do Coacutedigo Civil ao caso de recusa do cumprimento daquele
contrato pelo administrador Destaca-se efectivamente a obscuridade deste regime legal que
dificulta em grande medida o trabalho do inteacuterprete que dificilmente consegue penetrar de
forma rigorosa na intenccedilatildeo do legislador o que eacute ainda mais repreensiacutevel tendo em
consideraccedilatildeo as vozes que jaacute se haviam levantado no acircmbito do CPEREF relativamente a esta
mateacuteria
Natildeo obstante sustentamos a aplicaccedilatildeo do regime previsto naquela norma aos casos de
recusa do contrato-promessa pelo administrador da insolvecircncia nos termos do nordm 1 do artigo
102ordm CIRE Com efeito deve a mencionada norma ser considerada uma verdadeira norma
material de protecccedilatildeo do consumidor interpretaccedilatildeo que com alguma evidecircncia encontra
suporte no caraacutecter marcadamente social deste direito de tutela do promitente-adquirente
(tutela esta assaz reforccedilada por forccedila da disposiccedilatildeo prevista no nordm 2 do artigo 759ordm do Coacutedigo
Civil que confere ao titular do direito de retenccedilatildeo a prevalecircncia sobre uma hipoteca
搠ґ
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anteriormente registada norma que foi causa do alvoroccedilo de inuacutemeras vozes criacuteticas) Aliaacutes
ponderando o teor do preacircmbulo do diploma legislativo que transferiu a previsatildeo desta
garantia do promitente-comprador para o nordm1 do artigo 755ordm facilmente observamos que a
intenccedilatildeo do legislador foi efectivamente reconhecer o direito de retenccedilatildeo como uma medida
de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
artigo 755ordm do Coacutedigo Civil por falta do requisito da imputabilidade agrave insolvente deparamo-
nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
insolvencial no que respeita ao regime dos contratos-promessa em curso a qual gera
obscuridades interpretativas que conduzem a situaccedilotildees de manifesta injusticcedila porquanto ao
natildeo reflectirem cabalmente a intenccedilatildeo do legislador fazem depender as decisotildees quase em
absoluto da interpretaccedilatildeo do aplicador com os perigos evidentes que tal acarreta Urge assim
e dado o periacuteodo de tempo jaacute longo de vigecircncia do CIRE pugnar por colmatar as omissotildees
normativas ora identificadas ndash o que eacute ainda mais premente face ao aumento exponencial dos
processos de insolvecircncia particularmente acentuado nas aacutereas da construccedilatildeo civil e
imobiliaacuteria aacutereas em que as questotildees focadas no presente relatoacuterio teratildeo mais relevacircncia
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BIBLIOGRAFIA
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sobre os negoacutecios em cursordquo in ldquoCoacutedigo da Insolvecircncia e da Recuperaccedilatildeo de Empresasrdquo
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de defesa do promitente-comprador como parte deacutebil do contrato enquadrando sempre a
tutela daquele contratante enquanto consumidor Temos assim por assente que esta norma
deve ser interpretada restritivamente no sentido da sua aplicaccedilatildeo se cingir apenas aos casos
em que o promitente-comprador se enquadra no conceito de consumidor
Face a esta interpretaccedilatildeo e tendo por assente a ratio de protecccedilatildeo e tutela do
promitente-adquirente inerente agrave norma ndash ratio que aleacutem do mais eacute constitucionalmente
tutelada ndash natildeo deixaria de constituir uma incoerecircncia valorativa o facto de a lei oferecer este
mecanismo de protecccedilatildeo ao consumidor promitente-comprador e vir depois permitir que esta
garantia lhe fosse retirada caso fosse decretada a insolvecircncia do promitente-vendedor
incoerecircncia tanto mais profunda quanto a atribuiccedilatildeo desta garantia ficaria dependente da data
do incumprimento definitivo do insolvente ser anterior ou posterior agrave declaraccedilatildeo de
insolvecircncia hellip Certo eacute que as exigecircncias que presidiram agrave atribuiccedilatildeo deste direito de retenccedilatildeo
ao promitente-comprador encontram a sua justificaccedilatildeo maacutexima quando declarada a
insolvecircncia da sua contraparte porque eacute aiacute que se manifesta a verdadeira necessidade de
tutela
Posto isto e estando inviabilizada a aplicaccedilatildeo directa do regime da aliacutenea f) do nordm 1 do
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nos assim com uma lacuna no ordenamento juriacutedico insolvencial a qual deveraacute ser
preenchida pelo recurso agrave analogia por aquela norma por ser aquela que mais adequada se
mostra a manter a coerecircncia teleoloacutegica do sistema legislativo
Cumpre terminar insistindo na falta de perceptibilidade e transparecircncia da lei
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MONTEIRO ANTOacuteNIO PINTO ldquoA defesa do consumidor no limiar do Seacutec XXIrdquo Stvdia
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MORAIS FERNANDO GRAVATO ldquoPromessa obrigacional de compra e venda com
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do DL nordm 31598 de 20 de Outubro ao CPEREF)rdquo in Scientia Iuridica t XLVII nordm
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Almedina Coimbra 1992
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