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O Caso do Homem que Morreu Rindo - Redirecting to Google Groups

May 01, 2023

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Khang Minh
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Tarquin Hall

O caso do homem que morreu rindo

Título original em inglês: The case of the man who died laughing

Tradução de Renato Preloren�ou

Editora Record • Rio de Janeiro • São Paulo

Copyright © 2010 by Sacred Cow Media, Ltd.

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Todos os direitos reservados.

Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios.

Os direitos morais do autor foram assegurados.

Editoração eletrônica: Abreus System

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Hall, Tarquin, 1969—

H184c

O caso do homem que morreu rindo / Tarquin Hall; tradução de Renato Preloren�ou. — Rio

de Janeiro: Record, 2012.

Tradução de: The case of the man who died laughing

ISBN 978-85-01-09159-8

1. Investigação criminal — Índia — Ficção. 2. História de suspense. 3. Ficção inglesa. I.

Preloren�ou, Renato. II. Título.

12-1044

CDD: 823

CDU: 821.111-3

Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa somente para o Brasil

adquiridos pela

EDITORA RECORD LTDA.

Rua Argentina, 171 — Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 -Tel.: 2585-2000

que se reserva a propriedade literária desta tradução.

Impresso no Brasil

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ISBN 978-85-01-09159-8

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sinopse

Assassinato não é motivo de riso.No entanto, um proeminente cientista indiano morre em um

ataque de riso quando uma deusa hindu surge de uma névoa e cravauma espada em seu peito.

O único que ri agora é o principal suspeito, um guru poderosochamado Maharaj Swami, que parece ter acabado com seu críticomais vocal.

Vish Puri, o investigador mais particular da Índia, mestre dodisfarce e amante de todas as coisas fritas e picantes, não acreditaque o assassinato seja uma ocorrência sobrenatural, e provar quemrealmente matou o Dr. Suresh Jha exigirá todas as faculdades

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terrenas do detetive. Para saber a verdade, ele e sua equipe deagentes secretos — Cosmética, Lanterna e Descarga — viajam dafavela onde os mágicos hereditários da Índia devem ser persuadidosa revelar seus segredos para a cidade sagrada de Haridwar, noGanges.

Ilustrações de Lavanya Karthik(Edição Sacred Cow Media Ltd., UK)

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Para as parteiras do Hospital Homerton, East London

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capítulo 1

ENCOLHIDO NO BANCO DE TRÁS de seu Ambassador, com as janelasfechadas e o ar-condicionado funcionando a todo vapor, Vish Purimantinha um olhar atento na rachadura do para-brisa. Ela haviasurgido como uma pequena fenda — obra de uma pedra soltaarremessada pelos pneus de um caminhão que corria na MathuraRoad naquela tarde. Mas, apesar da fita adesiva colada ao vidrocomo uma bandagem, a fissura estava começando a aumentar.

O calor infernal de Nova Deli comprimia o vidro, tentando seaproveitar de sua fraqueza, determinado a conquistar a desafianteporção interior de ar frio. O detetive imaginou como se sentiria umexplorador de mares profundos ouvindo sua pequenina nave rangersob milhares de toneladas de pressão.

Naquela segunda-feira do início de junho a temperatura máximana capital era de 44 graus Celsius, ou 111 Fahrenheit — tão quenteque o asfalto das ruas ficou mole e pegajoso como alcaçuz. Tãoquente que, mesmo agora, uma hora após a escuridão surgir, o arparecia queimar os pulmões.

Porém, nada abrandava o frenético espírito da hora do rush emDeli. Para onde quer que Puri olhasse, milhares e milhares depessoas abriam caminho através do calor, do barulho do trânsito edas fumaças expelidas que os faróis iluminavam. Trabalhadores,empregados e estudantes lotavam ônibus sem ar condicionado;

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ciclistas em camisas empapadas de suor se esforçavam nos pedais;três, quatro ou até cinco membros de uma família passavam emscooters, as mães sentadas de lado, os filhos pequenos em seus colos,as crianças maiores espremidas no banco.

E por toda parte prosperava o comércio. Lascas de coco gelado ecópias piratas de romances premiados eram vendidos por criançasque perambulavam entre os carros. Melancias estavam amontoadasnas calçadas. Folhetos que divulgavam os poderes de um hakim1 queprometia exorcizar espíritos malignos e neutralizar maldições eramenfiados sob os limpadores dos para-brisas.

Enquanto Puri observava incontáveis rostos ensebados ebrilhantes de suor, os olhos piscando devido à poluição e os lábiosressequidos de sede, fora atingido pelo estoicismo com que os “Dilliwallahs”, como eram conhecidos os delianos, enfrentavam suas vidas,aparentemente resignados com as duras e, para muitos, cada vezmais graves condições da capital. Parte dele admirava a resistênciadaquelas pessoas, seu surpreendente bom humor diante de tãomassacrante adversidade; mas ele também lamentava a capacidadehumana de se ajustar a qualquer situação e entendê-la como normal.

“O instinto de sobrevivência é uma bênção e, também, umamaldição”, era o que ele dizia.

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O detetive, por sua vez, tinha se acostumado ao ar condicionado.Sem ele, seria difícil vestir sua marca registrada: ternos safári echapéus Sandown. No auge do verão, Puri ficava o maior tempopossível no ar condicionado. Quando uma aventura externa erainevitável, Freio de Mão, seu motorista, tinha de andar a seu ladocom um guarda-sol, assegurando que o patrão permanecesse nasombra. O detetive investira, ainda, em um pequeno ventilador demão movido a pilha. Mas, em temperaturas como essas, o objetocausava o efeito oposto da intenção: era como colocar o rosto nafrente de um exaustor.

Agora ele só podia rezar para que o para-brisa aguentasse.Amanhã, bem cedo, mandaria Freio de Mão trocá-lo.

Seria uma noite muito longa.Puri consultou o relógio. Faltavam dez minutos para as 20 horas

— dez minutos para a entrega ser feita no Fun'N'Food Village.— Alvo se aproximando do viaduto IGI, câmbio — disse ele no

walkie-talkie.O Safari prateado que ele estava perseguindo deixava os bairros e

as casas chiques do sul de Deli e se dirigia para a nova e elevada viaexpressa de três faixas que serpenteava pelo Aeroporto InternacionalIndira Gandhi.

— Em posição, chefe — respondeu a voz. Esta pertencia a um dosmelhores agentes secretos da Mais Particulares Investigadores. Puri,que tinha o hábito de apelidar as pessoas, o chamava de Lanterna,porque o agente costumava “demorar para acender” de manhã.

— Perfeito — retrucou o detetive. — Provavelmente estaremoscom você logo. Se ao menos esse maldito se mexesse um pouco. MeuDeus, que carroça!

Desde o momento em que começaram a seguir o Safari, odetetive acompanhara seu lento movimento com incredulidade.Diferentemente de todos os outros carros, que tratavam a rua comoum circuito de Fórmula 1, costurando entre veículos lotados de

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mercadorias e ônibus que expeliam fumaça de óleo diesel, o Safari semanteve precisamente dentro do limite de velocidade. Era o únicoveículo que não ocupava duas faixas e que tinha os faróiscorretamente acesos.

E sua buzina permaneceu em silêncio, a despeito das instruçõespintadas nas traseiras dos caminhões: buzine, por favor!

— Eiiiita! — exclamou Puri, frustrado, quando o Safari abriupassagem para um humilde riquixá. — Sou a favor da direçãoconsciente, a velocidade traz emoção e também morte, afinal. Masesse homem está de brincadeira, hein?

Freio de Mão também estava abismado:— Onde ele aprendeu a dirigir, Sir? — perguntou em híndi. —

No colégio para moças?— Não, nos Estados Unidos — respondeu o detetive, com uma

risada.De fato, Shanmuga Sundaram Rathinasabapathy, o mais novo

cliente da Mais Particulares Investigadores Ltda., tirara sua carteirade motorista em Raleigh, Carolina do Norte.

De acordo com o dossiê de Rathinasabapathy — Puri conseguirauma cópia com um de seus colegas de Academia Militar que agoratrabalhava na Inteligência Indiana —, “Sam” Rathinasabapathy erafilho de um cirurgião cardíaco de Tamil e havia nascido e crescido noestado de Tar Heel. Físico nuclear graduado no MIT, ele “retornara”à Índia no mês anterior, trazendo esposa e dois filhos pequenos,todos indianos não residentes (NRI).2 Ele deveria estar trabalhandopara um consórcio indo-americano na construção de uma novageração de reatores nucleares, mas até agora gastara todo o tempolidando com problemas e práticas corruptas na tentativa de alugarum apartamento, matricular os filhos na escola e andar pela cidade.

Três dias antes, em meio à crise, Sam Rathinasabapathy tinha idover Puri em seu escritório no Khan Market e explicara sua situação.

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— É sobre meus filhos que estamos falando! O que eu vou fazer?Estou totalmente desesperado!

O detetive concordara em ajudá-lo, aconselhando o honesto eescrupuloso Rathinasabapathy a fazer o jogo e aceitar as exigênciasdo atravessador que o contatara.

— Pague a esse maldito goonda os dois lakhs e deixe o restocomigo — foi sua resposta.

Depois daquele primeiro encontro, Puri, admirado, comentoucom sua secretária particular, Elizabeth Rani, sobre a ingenuidade“desses NRI”. Um número cada vez maior deles era enviado à Índiapor multinacionais e grandes instituições financeiras. Como osbritânicos antes deles, a maioria vivia entre luxos e mimos, gastavaboa parte do tempo reclamando dos empregados e dos problemas deDéli e não tinha a menor ideia de como as coisas funcionavam naÍndia.

— Esse Sam pode até ser um figurão, mas aqui na Índia ele é umbebê — dissera o detetive. — O que é necessário nessas ocasiões sãoexperiência e aptidão. Felizmente, Vish Puri pode oferecer ambasfacilmente e de bom grado.

Tendo agraciado seu novo cliente com a alcunha de Coco — “Ocamarada pode ser marrom por fora mas é cem por cento gora pordentro” —, o detetive pusera seu plano em ação.

Naquela tarde, Sam Rathinasabapathy havia sacado do banco as200 mil rupias exigidas — 100 K para cada filho. Ele trouxera aquantia para a Mais Particulares Investigadores Ltda., onde Puritinha anotado os números de série das notas e colocado os maços dedinheiro em uma sacola marrom.

O telefonema do atravessador explicando onde fazer a entregafora às 18h. Tempo suficiente para que Lanterna chegasse primeiroao Fun'N'Food e se colocasse em posição.

Agora, tudo o que Rathinasabapathy tinha a fazer era entregar odinheiro.

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— Tempo estimado para chegada dez... por Deus, é melhor 15minutos, câmbio — disse Puri, com um suspiro, enquanto o Safari deRathinasabapathy deixava a via expressa e pegava uma estradaempoeirada numa rua de pista única.

Ali, confrontado com buracos e lombadas não sinalizadas, bemcomo com a usual cacofonia de buzinas do trânsito, o veículodesacelerou até quase rastejar, raspando em uma bicicleta quetransportava uma grande pilha de bandejas cheias de ovos. Freio deMão, esforçando-se para manter uma distância segura e recebendo aira de um caminhão Bedford, foi forçado a frear de repente. Aomesmo tempo, instintivamente tocou a buzina.

— Desculpe, Chefe! — desculpou-se o motorista rapidamente. —Mas ele dirige como uma velha senhora!

— Todos os americanos dirigem assim — afirmou o detetive.— Eles devem ter muitos acidentes na Am-eeri-ca — murmurou

Freio de Mão.Eram 20h15 quando Rathinasabapathy chegou ao destino e

estacionou em frente ao Fun'N'Food Village. Correu até a bilheteriacom a sacola nas mãos e entrou na fila.

Puri abriu a porta, e o calor e a umidade o atingiram de uma sóvez. Ficou sem fôlego e teve que se recompor. Foi apenas umaquestão de segundos até que a primeira gota de suor descesse peloseu pescoço. A transpiração começou a aparecer em seu lábiosuperior, abaixo do bigode em forma de guidom.

Abanando-se com um jornal, o detetive comprou um ingresso eseguiu o cliente, passando pela catraca.

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Fun'N'Food Village, famoso parque de diversões indiano, comsuas populares atrações aquáticas, estava abarrotado de criançaseufóricas. Esguichos de água atravessavam o ar quando elas desciamnos tobogãs ou remavam como cachorrinhos pelo rio Preguiça: “Denovo, de novo!”. Mães em brilhantes trajes panjabi de algodão ecalças baggy enroladas até os joelhos ficavam ensopadas na parterasa da piscina, brincando com seus bebês. Na piscina de ondas, umgrupo de garotos sikhs em sungas e patkas jogava vôlei. Em bancosdispostos nas bordas das piscinas, titias mergulhavam os dedões naágua fria e comiam dhokla salgado com coentro fresco e pimentasverdes. De vez em quando, sobrinhos e netos insolentes jogavamágua nelas.

Puri seguiu Rathinasabapathy enquanto ele se esquivava damultidão e rumava para uma das muitas esculturas de gessoespalhadas pelo parque: uma temível efígie de três metros de alturado feroz demônio-rei de dez cabeças, Ravana. Com olhos selvagens elábios zombeteiros, ele brandia uma grande cimitarra com a qual sepreparava para abater uma serpente hedionda.

O atravessador instruíra o cliente de Puri a esperar em frente aRavana.

Rathinasabapathy parou à sombra da imensa divindade. Seusolhos apreensivos fitavam a multidão de foliões que ia e vinha.Enquanto isso, o detetive, sem perder o cliente de vista, entrou naconfusa fila do dhaba mais próximo. Quando chegou sua vez, pediuum prato de aloo tikki masala. Poderia levar horas até que ele pudessecomer de novo, pensou, e a “costeleta vegetariana” do almoçoespecial do Gymkhana Club o deixara com vontade de algo picante— pouco importava que houvesse encharcado a comida com meiagarrafa de molho de pimenta Maggi.

A comida estava deliciosa, e quando as últimas gotas de molhopicante foram raspadas do fundo do prato de folha de tabaco, elepediu outra porção. A segunda foi acompanhada por um chuski

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atjeera com xarope extra, que ele teve de comer rapidamente antesque derretesse, evitando manchas incriminadoras na roupa, quepoderiam ser notadas pelos olhos de águia de sua mulher.

Por volta das 20h30 ainda não havia sinal do atravessador. Puriestava começando a pensar que o plano tinha dado errado. Ele semaldizia por não ter previsto as parcas habilidades automobilísticasdo cliente. Mas também, que tipo de camarada não contratava ummotorista?

Um anúncio ecoou pelo sistema de som, primeiro em híndi edepois em inglês. “Namashkar”, disse a agradável voz. “Pedimosgentilmente aos visitantes que não urinem na água. Os toaleteslocalizam-se na parte de trás do parque. Apreciamos sua gentilcooperação.”

Outros cinco minutos se passaram. Puri evitava,cuidadosamente, fazer contato visual com o cliente, pois oatravessador podia estar por perto. Um vendedor de balões quevinha fazendo negócios em frente à piscina de ondas chegou e ficouparado poucos metros à esquerda de Rathinasabapathy.

Então, um homem baixo e troncudo, de pescoço largo e cabelostingidos de preto, aproximou-se do físico nuclear. Estava de costaspara a dhaba, por isso o detetive não podia ver seu rosto. Mas, alémdo óbvio — o homem tinha 50 e poucos anos, era casado, tinha umcachorro e acabara de chegar de uma reunião com os amigos —, Purifoi capaz de deduzir que ele tinha um caso amoroso (era clara amarca de uma embalagem de preservativo aberta em seu bolso detrás) e crescera em zona rural onde a água era contaminada porarsênico (as mãos eram repletas de manchas pretas).

Puri pressionou o minirreceptor que usava dentro do ouvido eque estava conectado ao microfone instalado na bandeira da Índia

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presa ao bolso da camisa do cliente.— Sr. Rathinasabapathy, não é? — o detetive ouviu a pergunta

do atravessador em meio à algazarra das crianças. Sua voz sugeriaconfiança e presunção.

— Sim, isso mesmo — respondeu o físico nuclear, soandoapreensivo. — Quem é você?

— Nós conversamos mais cedo ao telefone.— Você me disse para estar aqui às oito da noite. Estou

esperando há quase meia hora.— Oito no horário indiano, sahib cientista. Sabe como funciona o

horário indiano? Sempre mais atrasado do que você pode imaginar.— O atravessador deixou escapar uma pequena risada. — Por essehorário, sou rigorosamente pontual. Mas chega desse assunto. O quevocê carrega aí? Algo para mim, espero.

— Olha, não vou entregar dinheiro nenhum até saber exatamentecom quem estou lidando — insistiu Rathinasabapathy, repetindo aspalavras que Puri lhe instruíra a dizer.

O atravessador balançou a cabeça com petulância e se virou decostas para o vendedor de balões.

— Não fique tão preocupado com minha identidade. Oimportante é que sou um homem que faz tudo bem-feito — disse ele.

— Você deve ter um nome. Como devo chamá-lo?— Algumas pessoas me conhecem como Sr. Dez por Cento.— Isso é muito engraçado — disse Rathinasabapathy, secamente.— Que bom que você acha, sahib cientista. Mas não sou palhaço

para ficar aqui fazendo você rir. Então, vamos aos negócios, certo?Você tem a quantia toda, exata e precisa?

— Sim, eu trouxe seus dois lakhs de rupias — disseRathinasabapathy, de volta ao diálogo que Puri lhe escrevera —, mascomo vou saber se você vai manter sua parte no acordo? Como vousaber se não vai apenas pegar o dinheiro e minhas crianças aindaficarão sem...

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— Escute aqui, papagaio! — interrompeu o Sr. Dez por Cento. —Na Índia, trato é trato. Isso aqui não é a América, com sua Enron.Tudo já foi acertado. Agora, você vai passar a grana ou não vai?

Rathinasabapathy hesitou por um momento, mas entregou asacola.

— Está tudo aí. Duzentas... mil... rupias — disse ele, aumentandoo tom de voz e enunciando cada palavra com clareza.

O atravessador pegou a sacola e a segurou pelas alças com a mãodireita, aferindo o peso.

— Muito bom — disse ele, aparentemente satisfeito.— Você não vai contar o dinheiro?— Aqui? Num lugar público? — ele riu. — Se alguém visse tanto

dinheiro assim poderia ter alguma ideia errada. Quem sabe? Poderiame roubar. Vou lhe contar, tem dacoity por todos os lados esses dias.E um pequeno conselho para você, sahib cientista: fique de olho nacarteira, certo? Outro dia mesmo um ladrão arrancou o celular daminha mão, acredita? Bem no meio da rua, em plena luz do dia.Sorte minha que consegui o celular de volta uma hora depois. Opróprio ladrão me devolveu. Depois de descobrir de quem era ocelular. Ele pediu milhões de desculpas.

O Sr. Dez por Cento estendeu a mão.— Foi muito bom fazer negócio com você — disse ele. — Seja

bem-vindo à Índia. Muita sorte.— É isso? Quando terei notícias suas de novo?— Você não terá notícias minhas. O próximo contato será feito

pelo diretor.Com isso, o atravessador se encaminhou para a saída,

desaparecendo no meio da multidão.O vendedor de balões foi logo atrás dele.Seus muitos balões prateados flutuavam sobre as cabeças das

crianças felizes e de seus pais, indicando sua posição e a de seu alvocom a exatidão de um dispositivo eletrônico.

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Puri observou a movimentação por alguns segundos. Depois, odetetive fez sinal para que seu cliente aguardasse pelo menos dezminutos e partiu atrás de Lanterna e seus balões — e do Sr. Dez porCento.

________________1 Para as palavras desconhecidas, ver glossário no fim do livro.2 Non-Resident Indian (indiano não residente): cidadão indiano

que migrou para outro país ou pessoa de origem indiana nascidafora da Índia. (N. do E.)

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capítulo 2

ÀS 5H45 DA MANHÃ SEGUINTE o Dr. Suresh Jha chegou ao Portão daÍndia, elemento central da Nova Déli colonial de Lutyens. Ele pareciacalmo, embora lhe tivessem dito que este seria o dia de sua morte.

Após deixar seu velho Fiat Premier Padmini na habitual vaga doestacionamento, ele caminhou pelo Rajpath, a grande avenidaimperial que passava pelo Parlamento e pelo Secretariado e levavaaté os portões de Rashtrapati Bhavan — que no passado fora a casado vice-rei britânico, mas que agora era a residência oficial dopresidente da Índia.

Não tinha havido sinal de brisa nos últimos dias, e as emissõescoletivas de 16 milhões de almas pesavam no ar matinal. O densomormaço criava halos em torno dos postes de iluminação vitorianose afiava os feixes de luz dos veículos que passavam. O sol nascenteera pouco mais que um fraco brilho no céu. Com visibilidade inferiora 30 metros, as cúpulas de arenito e os chu�ris dos palácios do poderindiano sumiam à distância, encobertos.

Em ambos os lados da avenida havia caminhos de areia e, decada lado destes, amplos gramados cercados por árvores. O Dr. Jhatomou seu caminho pelo lado esquerdo, não sem antes esfregar umpunhado de bálsamo de eucalipto no lábio superior para combater ofedor nauseante que emanava do rio Yamuna, a dois quilômetros emeio dali.

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Apesar do horário, ele não estava sozinho. Muitos outrosfrequentadores que vinham ao Rajpath todas as manhãs para seexercitar antes que o calor do dia fizesse tal atividade parecerimpensável cruzavam seu caminho: o flácido casal de meia idadecom viseiras combinando que fazia uma rigorosa “caminhadarápida”, mas nunca perdia peso; o alto e musculoso militarmuçulmano que sempre corria toda a extensão do Rajpath e voltavacom a camiseta ensopada de suor; o decrépito cavalheiro comexpressão de dor empurrado em sua cadeira de rodas peloempregado.

O Dr. Jha, por sua vez, também era uma figura instantaneamentereconhecível. Tinha uma barba longa e branca, usava sandáliasabertas e dhoti. Qualquer um que o visse pela primeira vez seriaperdoado se achasse que se tratava de um asceta. Mas o matemáticoaposentado era a total antítese do eclesiástico. Fundador do Institutopara o Racionalismo e a Educação de Déli, ou DIRE (Déli Institute forRationalism and Education), ele era reconhecido por milhões detelespectadores que o haviam assistido ridicularizar e desmascararos gurus da Índia em rede nacional. Eles o chamavam de “Caçadorde Gurus”.

Essa fama repentina não era algo que o Dr. Jha houvesse buscadoou recebido de bom grado. Era uma coisa que o atingira nos anosanteriores, desde que os canais de notícias 24 horas haviamcomeçado a relatar casos de supostos milagres como se fossemeventos relevantes, não deixando ao doutor outra alternativa a nãoser pegar um avião e sair pregando o evangelho da razão e da lógica.

Ao agir assim, ele perdera o anonimato. Admiradores fascinadosestavam sempre se aproximando para cumprimentá-lo em público. Eele também era constantemente incomodado pelas pessoasignorantes que, depois de tê-lo assistido demonstrar na TV quãosimples eram os “milagres” — como andar sobre brasas ou fazercinzas sagradas aparecerem nas mãos —, acreditavam que ele

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adquirira os mesmos poderes que tentava desmistificar. Umasemana antes, por exemplo, pediram que ele exorcizasse um espíritomaligno de um garoto de cinco anos que era incapaz de falar.Posteriormente, o Dr. Jha fizera algumas perguntas e descobriu queo garoto tivera icterícia na infância, era parcialmente surdo e, logo,incapaz de mimetizar os sons como qualquer criança.

Mas, ali no Rajpath, onde os madrugadores pertenciam às classesmais ricas e educadas, a privacidade do Dr. Jha raramente erainvadida. Também o ajudava o fato de sua linguagem corporal serreservada. Caminhava com os braços estudadamente nas costas e acabeça inclinada para cima, em contemplação. Nesta manhã emparticular, enquanto sua mente recordava a ameaça de morte que elerecebera no dia anterior, seus pensamentos se voltaram para ainfância, para a primeira vez em que colocara os pés no Rajpath.

Suresh Jha tinha sete anos na época, ainda era pequeno osuficiente para sentar nos ombros do pai. Daquela altura vertiginosa,a visão em todas as direções tinha sido inesquecível: um vastooceano de gente, suas cabeças adornadas com todo tipo de adereço— pagris, turbantes maharashianos e gandhianos —, surgindo dosmuros do Secretariado e do Parlamento.

A data: 15 de agosto de 1947, o dia em que a Índia ganhara aindependência e no qual, à meia-noite, Jawaharlal Nehru, o primeiroprimeiro-ministro do país, fizera seu famoso discurso “Encontro como destino”.

“Chegamos ao momento, a que se chega raramente na história, emque deixamos o velho em direção ao novo (...) em que a alma de umanação, há muito oprimida, encontra expressão”, dissera Pandit-ji.“Nós hoje encerramos um período de má sorte, e a Índia descobre a simesma novamente.”

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O entusiasmo de Nehru, sua crença em que a Índia secular,democrática e socialista pudesse se modernizar, construir fábricas eusinas de energia, escolas e universidades, clínicas e hospitais — fatoque a recolocaria em seu lugar de direito como líder do mundocivilizado —, foi contagioso. O jovem Suresh Jha, transbordando deotimismo pelo futuro, fora um dos primeiros estudantes a entrar norecém-inaugurado Instituto Indiano de Tecnologia, em Déli. Anosmais tarde, ele ajudaria a projetar a primeira rede detelecomunicações do país, feita com tecnologia nacional.

Durante os anos 1970 e 1980, porém, enquanto a China, a Coreiado Sul e Taiwan injetavam bilhões de dólares em pesquisa edesenvolvimento, a tecnologia indiana ficou muito para trás.Economicamente, o país também não ia bem. A chamada Licença Rajgarantia que um pequeno número de famílias industriaismonopolizasse a produção manufatureira. A corrupção devorava ocoração do sistema político.

Agora em seus 60 anos, o Dr. Jha se sentia amargamentedesapontado com os atrasos do país.

“Enquanto a elite da classe média fica cada vez mais rica e desenvolveum grau de tolerância excepcionalmente alto diante dos desumanos níveisde privação que os circundam, a Índia ainda definha entre os países maispobres do mundo — logo atrás da Guiné Equatorial e das Ilhas Salomãono Índice de Desenvolvimento Humano”, escrevera ele na última ediçãode Prova, a revista trimestral do DIRE, da qual era editor-chefe. “AÍndia permanecerá uma sociedade feudal enquanto as pessoas continuarem aacreditar que seus destinos são governados por algum inexistente podersuperior — seja ele Deus, Alá ou Vishnu — e não tomarem para si mesmaso controle de suas vidas.”

Sua campanha lhe rendera incontáveis inimigos. Muitos faquiresdo interior e viajantes saahu haviam jurado vingança depois que oCaçador de Gurus os desmascarou. O Dr. Jha fora chamado de

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“demônio” e “macaco” pela Igreja e pelos mulás. Também provocaraa ira dos indianos hindus. Mas seu mais famoso — eindiscutivelmente mais poderoso — adversário era Sua SantidadeMaharaj Swami.

“Swami-ji”, como era chamado por todos, alcançaraproeminência nos últimos três anos. Reverenciado como santo vivopor mais de 30 milhões de seguidores e assistido por outros milhõesem todo o mundo no Canal OM, o semideus de túnica cor de açafrãoalegava possuir poderes miraculosos. Ele frequentemente levitava,produzia pedras preciosas e objetos valiosos a partir do ar ecomungava com um antigo rishi, cuja fantasmagórica face milharesde pessoas diziam ter visto materializar-se diante de seus olhos.

O Dr. Jha chegara a descrevê-lo como “uma fraude”, “umtrapaceiro”, “um David Blaine com vestes cor de açafrão”. Em váriasocasiões ele inclusive desafiou a alegação de que Swami-ji era capazde curar câncer, diabetes e Aids.

E, então, no mês anterior, os dois finalmente ficaram frente afrente quando, sem saber um da presença do outro, foramconvidados para o mesmo programa de TV, ao vivo, para aquilo queo apresentador anunciara como “confronto”.

Aproveitando a oportunidade de atacar Maharaj Swami frente auma audiência de milhões de pessoas, o Dr. Jha o denunciaraferozmente como um “charlatão” que estava enganando o povo.

— Você deveria ser indiciado como um criminoso comum —dissera ele, acrescentando: — Se você pode levitar, mostre-nos agora!

Com seu sorriso uniforme e beatífico, Swami-ji explicaracalmamente que realizara milagres apenas quando “havia propósitoe necessidade” e que tais proezas eram feitas para “inspirar ahumanidade a entender seu verdadeiro potencial”. Ele tambémacrescentara que não era um “artista de circo”.

— Cientistas buscam enfraquecer nossa crença no divino —continuara o guru, dedilhando seu rosário rudraksha. — O poder do

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intelecto e da tecnologia moderna é insignificante se comparado aopoder do amor que cada um de nós carrega em seu coração. Detempos em tempos, as pessoas precisam ser lembradas disso...precisam ver algo verdadeiramente miraculoso. Isso ajuda a renovara fé. Por isso, dentro de um mês, realizarei um milagre espetacularque não deixará ninguém, nem mesmo os ateus, como meu amigoDr. Jha aqui, com dúvidas sobre meus poderes.

O apresentador do programa pressionara o guru a explicar anatureza daquele “evento sobrenatural” que acabara de anunciar,mas Maharaj Swami se recusara a responder. Ele prometera, noentanto, que o Dr. Jha ia ficar “sem palavras”.

Então, no dia anterior, a ameaça de morte foi enviada.

SEMPRE QUE HÁ UM ENFRAQUECIMENTO DA ORDEM E

UM FORTALECIMENTO DA DESORDEM, EU ME MANIFESTO.PARA A SALVAÇÃO DOS JUSTOS E PARA A DESTRUIÇÃO DOS QUE

PRATICAM O MAL, PARA O FIRME ESTABELECIMENTO DA LEI,

EU NASÇO, ERA APÓS ERA.DESCRENTE! AMANHÃ VOCÊ MORRERÁ!

As palavras em híndi haviam sido formadas por letras recortadasde um jornal e coladas em um pedaço de papel.

Apavorada, a mulher do Dr. Jha chamara a polícia que, por suavez, aconselhara o marido a ficar em casa. Mas o Caçador de Gurusestava determinado a cumprir regularmente seu compromissomatinal.

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O Dr. Jha passou por vários outros grupos no amplo gramadoque se estendia à esquerda do Rajpath: o primeiro era de uma sessãode ioga para senhoras, as flexíveis participantes arqueavam tanto ascostas que pareciam caracóis gigantes. Em seguida, cinco sul-indianos sem camisa praticavam a antiga arte marcial kerelan deKalaripayat, o barulho de suas longas varas de madeira batendoumas nas outras soava como tambores. E, por fim, membros daseção local da Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS) conduziam seusexercícios matinais em uniformes cáquis ao estilo da juventudehitlerista.

No passado, o Dr. Jha questionou o direito de a RSS utilizar oRajpath; a seu ver, o grupo representava uma clara ameaça à lei e àordem pública, pouco importava quantos trabalhos sociaisrealizasse. Os swayamsevaks não receberam seus protestos muitobem, e em diversas ocasiões houve acaloradas discussões entre eles.Mas, nesta manhã, o Caçador de Gurus passou pelos “fascistasincitadores de ódio”, como frequentemente os chamava, semincidentes.

Algumas centenas de metros adiante, à sombra de um jamelão,quatro homens vestidos com roupas esportivas formavam umcírculo.

Quando o Dr. Jha se aproximou, eles ergueram seus braços e osalongaram em direção ao céu. A voz do instrutor deu um comando eeles baixaram as mãos para a cintura. Então, três dos quatro homensinclinaram a cabeça e começaram a rir. Não um riso abafado, um risocontido, nem mesmo uma gargalhada: eles relinchavam risadascomo bêbados.

Por dez segundos eles se contorceram em contagiante alegria,ficando abruptamente em silêncio, como se a piada que haviacausado o divertimento coletivo tivesse perdido a graça de repente.A voz do instrutor retumbou de novo e, com graus variados desucesso e gemidos de desconforto, os homens se inclinaram para a

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frente, tentando alcançar os próprios dedões dos pés. Então elesabriram os braços e explodiram em mais um ataque de alegrehisteria.

— Seja bem-vindo, Dr. Sahib! — disse o radiante instrutor,professor Pandey, que contava 50 e muitos anos. Ele tinha um rostogrande encimado por um maço de cabelos brancos parcialmentemanchados de amarelo por causa do cachimbo. — Bem-vindo, bem-vindo, bem-vindo! Estamos fazendo nosso aquecimento! Junte-se anós!

O Dr. Jha, que havia dois anos era membro do Clube do Riso deRajpath, saudou os outros homens antes de tomar seu lugar nocírculo.

— Infelizmente, poucos de nós estão presentes hoje porquemuitas pessoas viajaram no feriado — continuou o professorPandey.

O Clube do Riso tinha pelo menos uma dúzia de membrosassíduos. Suas sessões matinais eram sempre barulhentas edescontroladas, e havia reclamações de outros grupos defrequentadores — por esse motivo, sempre se reuniam bem longe doRajpath.

— Agora que estamos todos reunidos corretamente, bom dia atodos! — disse o professor Pandey.

— Bom dia! — respondeu o grupo em coro.— É um prazer vê-los, cavalheiros! — continuou o professor,

sorrindo enquanto falava. — A primeira ordem do dia: temos umnovo membro. Permitam-me lhes apresentar o Sr. Shivraj Sharma.Por favor, deem-lhe as boas-vindas.

— Bom dia! — ecoaram os demais, com uma salva de palmas.— Sr. Sharma, qual é sua profissão, por favor? — perguntou o

professor Pandey, dirigindo-se ao distinto cavalheiro de meia-idadeque trajava roupa de corrida roxa.

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— Sou arqueólogo do Centro de Pesquisas da Índia — respondeuele com altivez.

— Muito bom, Sr. Sharma — disse o professor Pandey sorrindo,como se falasse com uma criança que recitara corretamente atabuada. — Agora, precisa saber que aqui no Clube do Riso nósfazemos risoterapia. É um método maravilhoso que envolveexercícios, respiração e risadas, o que é bom para o coração e para aalma. E o que somos nós sem coração ou alma?

Houve um coletivo “Nada!” de todos, excetuando o Sr. Sharma.— Exatamente! O objetivo principal da risoterapia é trazer a paz

para o mundo. Pessoas de todos os lugares e de todas as culturasdão risadas. O riso é a linguagem comum que todoscompartilhamos. Pois, então, como podemos trazer paz para omundo com risadas? É muito simples! Quando você ri...

Os outros homens se juntaram em coro novamente:— Você muda. E quando você muda, o mundo todo muda com você!— Muito bem, muito bem, muito bem! — exclamou o professor

Pandey, dirigindo-se cada vez a uma parte do círculo. — Então, Sr.Sharma, sabe o que é um brincalhão?

Antes que o arqueólogo pudesse responder, o instrutorcontinuou:

— É um comediante e, por isso mesmo, ri mais alto que todomundo. Então, vamos fazer agora a risada do brincalhão. Vou contaraté três. Um, dois...

No três o professor Pandey apontou para o homem que estava dolado oposto do círculo, como se ele tivesse acabado de contar a piadamais engraçada que o mundo jamais escutara, e começou a rirfreneticamente.

Os outros homens imitaram o professor, cambaleando comoadolescentes intoxicados, tapando as bocas com as mãos.

Sharma fez seu melhor para se integrar, mas pareciaconstrangido e desajeitado.

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— Ho, ho, ha-ha-ha! Ho ho, ha-ha-ha! — entoava o grupo ao finaldo Exercício do Brincalhão, dando pequenos saltinhos e batendopalmas.

— Muito bem, muito bem, muito bem! — gritou o professorPandey. — Próximo: Exercício do Balbucio! O que é balbuciar, Sr.Sharma?

A carranca do novato sugeriu o que ele estava pensando:“Qualquer coisa que saia da sua boca!” Mas, novamente, o professorPandey respondeu por ele.

— Balbucio é disparate — disse ele. — É o que os bebês falam. —Ele sorriu de novo. — Então, vamos fingir que temos de novo doisanos de idade.

O professor Pandey passou o minuto seguinte emitindoembaraçosos ruídos de bebê e rodando os braços como se fosse ummoinho de vento.

Depois vieram mais exercícios: Risada Silenciosa (que consistia emencher as bochechas de ar, colocar os dedos nos lábios e chiar comoum velho fole, levantando e abaixando os ombros) e, finalmente, aGalinha.

— Ho, ho, ha-ha-ha! Muito bem, muito bem, muito bem!Antes do fim da sessão, que durara cerca de 30 minutos, o

professor Pandey perguntou se alguém queria compartilhar umapiada engraçada com o restante do grupo.

— Nada de piadas sujas, por favor! — disse ele. — Nada quevocê não contaria para sua nani-p!

— Mas, Pandey Sahib, minha nani-p conta as piadas mais sujas detodas! — bradou o Sr. Karat, um dos integrantes do grupo, quepodia fazer uma personificação de galinha alarmantemente realista.

O comentário provocou mais risadas — risadas genuínas,naturais e totalmente espontâneas. E, então, outro integrante, o Sr.Gupta, anunciou que tinha ouvido uma boa na noite anterior.

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— O gerente pergunta ao sardar-ji na entrevista: “O senhor podesoletrar uma palavra que tenha mais de cinco letras?” O sardarresponde: “T-V-a-c-a-b-o.”

O professor Pandey deu seguimento com uma piada de toc-toc.— Toc-toc — disse ele.— Quem é?— Bunty.— Que Bunty?— Bunty — repetiu Pandey, sorrindo.— Que Bunty? — perguntaram os outros, instigando-o

novamente.Mas o professor não conseguiu responder. Como o Tio Albert em

Mary Poppins, a risada já tinha tomado conta dele.— Sério, professor Pandey, o senhor tem que terminar a piada.

Senão, não faz sentido! — disse o Sr. Karat, sorrindo. Mas, então, elemesmo irrompeu em um acesso de riso.

O Dr. Jha e o Sr. Gupta seguiram o exemplo, rindo comogarotinhas.

Dessa vez, no entanto, era diferente; dessa vez eles nãoconseguiam parar.

— Eu... eu... eu não consigo me controlar! — declarou o professorPandey em meio à gargalhada. — E eu... eu não consigo mover ospés!

O Dr. Jha disse que também estava com os pés enterrados nochão. Para alarme geral, Karat e Gupta sentiam o mesmo. Todos elesolharam para baixo, tentando averiguar o que os segurava nomesmo lugar. Nesse momento, uma névoa começou a se formar emvolta de seus tornozelos. Em poucos minutos a névoa cobria a terra,envolvendo suas pernas.

Somente Sharma não era afetado pelo que estava ocorrendo. Masele não se atreveu a sair da posição. Os vira-latas que vadiavam nasombra das árvores do Rajpath começaram a cercar o grupo,

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uivando e latindo. Dúzias de corvos voavam em círculos sobre acabeça deles, grasnando ameaçadoramente.

O céu parecia escurecer. Trovões ressoavam. Houve um raioofuscante. E, então, no meio do grupo, apareceu uma figuraassombrosa.

Hediondamente feia, com quatro braços contorcidos, um rostopreto como azeviche e uma enorme língua pendurada em sua bocaensanguentada, ela usava um colar de crânios humanos em volta dopescoço.

Os homens, ainda rindo, porém tomados de terror,reconheceram-na imediatamente, era a deusa Kali.

— Descrente! — ecoou uma estridente voz de bruxa, enquanto anévoa envolvia seu corpo.

A deusa apontou um de seus longos e encarquilhados dedos parao Dr. Jha e se elevou no ar, flutuando a vários metros do chão. Emuma das mãos ela empunhava uma espada banhada de sangue, naoutra, a cabeça decepada de um homem.

— Eu sou Kali, consorte de Shiva! Eu sou a Redenção! Eu sou aMorte!

Um jorro de fogo saiu de sua boca.— Você! Que se atreveu a me insultar! Você, que se atreveu a

zombar do meu poder! Você provará o sangue!A deusa deslizou pelo ar em direção ao Dr. Jha, vomitando mais

fogo. O grasnar dos corvos e o uivo dos cães ficaram mais intensos.

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— Mero mortal! Agora você está sem palavras! — ela gargalhou.O Dr. Jha agora estava frente a frente com a deusa, ainda incapaz

de mover os pés graças a alguma força invisível. Ele pareciaaterrorizado e, ainda assim, continuava a rir.

— Agora morra! — guinchou Kali em um coro de vozes.Ela levantou a espada e então a enterrou no peito do doutor. O

sangue jorrou da ferida e foi cuspido pela boca. Com as mãos nopeito, o Caçador de Gurus emitiu uma última gargalhada e depoiscaiu para trás, na grama, morto.

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capítulo 3

O DIA DE PURI COMEÇOU SEM QUALQUER INDICAÇÃO de que em breveele estaria investigando uma “ocorrência sobrenatural” destinada aatrair a imaginação de todo o país — um caso que ele mais tardedescreveria como “único nos anais do crime”.

Seu Ambassador parou no estacionamento atrás do Khan Marketàs 10 em ponto. Freio de Mão foi despachado para trocar o vidro dopara-brisa, enquanto o detetive percorria seu caminho diário até oescritório.

Agora o mais caro centro comercial de toda a Índia, o KhanMarket, era endereço de novas butiques que vendiam a preçosexorbitantes capas de almofadas e peças de alta-costura indiana“tamanho zero”. Surgiram bares e restaurantes da moda, um parquede diversões noturno para os emergentes de Déli. Onde antes umverdureiro fazia suas vendas, hoje eram oferecidos biscoitosamericanos de chocolate e macadâmia a 80 rupias, mais do que oganho diário da maior parte dos trabalhadores do país.

Mas uma porção de negócios familiares ainda prosperava, e olocal continuou desalinhado e despretensioso, mantendo — pelomenos aos olhos de Puri — o aspecto reconfortante que faltava aosnovos e assépticos shoppings: a pintura descascada nas paredes deconcreto, os emaranhados de fios e cabos elétricos pendurados nosforros, muitos letreiros de lojas tortos. E o rebanho de princesas

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panjabis, com seus ares de madames, saltos altos e óculos escurosenormes, tinha de negociar com cães sonolentos e vendedoresambulantes seu espaço no piso irregular e arrebentado.

— Kaise ho? — gritou Puri para o Sr. Saluja, que estava do lado defora da alfaiataria, supervisionando um de seus empregados jogarágua no piso para baixar a poeira. O chaveiro também estava sepreparando para o trabalho, dispondo suas ferramentas medievaissobre um saco de batatas no pavimento: martelo, formões,compridas limas de metal e um enorme chaveiro enferrujado quereunia os moldes não lapidados com os quais ele faria as cópias deseus clientes.

Depois de escalar os íngremes e estreitos degraus que levavamaté a Mais Particulares Investigadores, acima da livraria Bahri Sons,Puri foi recebido por um caloroso sorriso e um “Bom dia, Sir” deElizabeth Rani, cuja mesa tomava um quarto da pequena recepção.

A primeira coisa que ele fez ao entrar em sua sala — isto é,depois de ligar o ar-condicionado — foi acender um incenso nopequeno altar puja logo abaixo dos dois retratos pendurados naparede, do lado direito de sua mesa. Um deles continha a fotografiade seu pai, Om Chander Puri; o outro, uma imagem de Chanakya, oguia e guru do detetive, que vivera por volta do ano 300 a.C. efundara a arte da espionagem e da investigação. O detetive rezouuma pequena prece, pedindo orientação a ambos, e depois chamousua secretária pelo interfone.

Elizabeth Rani trouxe a correspondência e os recados e percorreuuma lista de assuntos mundanos que exigiam a atenção do patrão:

— A esposa de Kanwal Sibal deu à luz um menino. Vai visitá-losou devo enviar nozes e frutas?

Em seguida, Batente, o garoto do chá, entregou a Puri sua xícaramatinal de kahwa, um chá da Caxemira misturado com açafrão,cardamomo, canela, açúcar e amêndoas.

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O detetive saboreou o líquido doce enquanto ficava a par doscasos registrados nos arquivos. A Mais Particulares Investigadoresestava atarefada como nunca.

VISH PURI, DIRETOR EXECUTIVO,

CHEFE DE OPERAÇÕES E VENCEDOR DE

UM PRÊMIO INTERNACIONAL

E DE SEIS NACIONAIS

CONFIDENCIALIDADE É NOSSO LEMA

Somente neste mês a agência tinha conduzido sete investigaçõesmatrimoniais, as quais requeriam averiguação de antecedentes e dapersonalidade de noivos e noivas de casamentos arranjados. Umacompanhia de seguros havia contratado a empresa para confirmar seuma tal Sra. Aastha Jain, 74 anos, morrera de causas naturaisdurante a peregrinação anual a Gangotri (o detetive descobrira queela estava viva e muito bem, vivendo em Goa com um nome falso). E

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o detetive também conseguira uma rápida conclusão para oincomum sequestro do pai do Sr. Satish Sinha. O velho Sinha haviareencarnado como macaco, e Puri o localizara seguindo o maiorcliente do vendedor de bananas local.

Ainda assim, há tempos o detetive não enfrentava um casoverdadeiramente sensacional e desafiador. O Caso da Liga dosTurbantes Azuis ocorrera uns bons seis meses atrás.

Quanto ao problema do cientista nuclear Rathinasabapathy, bem,era um caso padrão, embora satisfatória e decentementeremunerado. Puri esperava ansiosamente a visita do cliente, aomeio-dia, quando o deslumbraria com suas descobertas. Comopreparação, gastou dez minutos dispondo todas as evidênciasfotográficas em ordem.

Foi então que ele notou algo do lado de fora de sua janela — umpedaço de pão branco pendurado, como isca em uma linha.

Logo sumiu. Mas em seguida apareceu uma embalagem decereal. Um minuto depois, um pacote de Mango Frooti.

Zahir, que era cego e dono do pequeno armazém vizinho dalivraria Bahri Sons, estava tirando as coisas do depósito que alugarano andar de cima.

Puri não estava de todo contente com essa prática. Recentemente,no meio de uma reunião com uma cliente estressada, cujo maridohavia sido assassinado, potes de masala instantânea começaram abater na janela. Mas, além de cortar a linha com uma tesoura, nãohavia muito o que fazer.

Além do mais, Puri era particularmente a favor de alguns dosprodutos que o gentil Zahir estocava — como aqueles maravilhososbiscoitos de coco, por exemplo. E, às vezes, quando eles apareciamna janela, ele os colocava para dentro e pagava a conta depois.

Era quase suspeito o modo como os pacotes de biscoitos de cocoapareciam todas as tardes, sempre no mesmo horário.

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Pouco depois das 11 da manhã Elizabeth Rani entrou na sala dePuri, e sua voz tremeu quando ela colocou um exemplar do DelhiMidday Standard na mesa do patrão.

— Achei que o senhor gostaria de ver isso. É uma notícia terrível,temo eu. Esse senhor era um homem tão gentil. Realmente, não seiaonde o mundo vai parar.

DEUSA VOADORA APUNHALA E MATA RISONHO

CAÇADOR DE GURUS. POLÍCIA SEM PISTAS.

— Por Deus! — exclamou o detetive, endireitando-se na cadeirade couro. Ele examinou a cobertura do assassinato do Dr. Suresh Jhaatentamente, deixando escapar vários suspiros e, em três ocasiões,um doloroso “Hai!”.

O jornal citava os integrantes do Clube do Riso, que descreveramde que maneira, depois de matar o Dr. Suresh Jha, a “aparição”sumira em um “grande flash luminoso”.

“Ela estava a uns sete metros do chão, uma visão terrível, como umpesadelo”, disse uma testemunha, o professor R. K. Pandey. “Pensei quetodos nós seríamos mortos.”

O advogado N. K. Gupta acrescentou: “Não tenho a menor dúvidade que era a deusa Kali. Hoje nós testemunhamos um fato sobrenatural.Não há dúvida.”

O artigo continuava: Muitos delianos correram para os templos dacidade em busca de proteção, enquanto centenas de adoradores de Kaliconvergiram para o Rajpath para celebrar a aparição da deusa, fato queacreditam ser um evento divino.

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O ceticismo dos céticos lia-se no título de outro artigo na página2, que citava um racionalista de Mumbai dizendo que, certamente, oDr. Jha fora assassinado não pela deusa — “Como ela pode ter cometidoo crime se ela não existe?” —, mas por alguém fantasiado de deusa Oracionalista, contudo, não foi capaz de explicar como um assassino poderiater escapado da cena do crime em plena luz do dia e diante de tantastestemunhas, continuou o artigo. Ele lembrou que, no mês passado,durante uma discussão ao vivo entre o Dr. Jha e Maharaj Swami, o guruprometera realizar um milagre para confirmar seus poderes. Quando foiquestionado sobre o assunto esta manhã, um dos assessores de Swami-ji, emoff, que Sua Santidade certamente era capaz de invocar Kali. Mas até agorao homem santo não se pronunciou sobre o caso.

Puri colocou o jornal de lado, com uma cara de raiva e desgosto.— Madame Rani, lembra-se deste falecido homem?— Claro que sim, senhor, ele era...— Dr. Suresh Jha, o Caçador de Gurus — disse o detetive,

completando a sentença da secretária. — Eu fiz uma investigaçãopara ele há alguns anos. Lembra-se?

Ela se lembrava, sim, e confirmou com um aceno de cabeça. MasElizabeth Rani trabalhava para Puri há tempo suficiente para saberque ele ia repassar todos os detalhes do caso do astrólogo que previua própria morte, independentemente do que ela respondesse.

— Tudo começou quando um astrólogo chamado Baba BholaRam previu o dia e a hora da própria morte — iniciou ele. — Oscanais de notícias 24 horas, sempre tentando atrair todos os olhares,pegaram a história e a transformaram em um espetáculo nacional.

Elizabeth Rani relembrou que assistiu à cobertura ao vivo nocanal Notícias em Ação!

“Vedika, já há alguma indicação sobre como ele vai morrer?”,perguntara o âncora à jovem repórter que estava em frente à casa doastrólogo, minutos antes da hora marcada para a morte.

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“Há muita especulação sobre esse ponto”, respondera a repórter, semo menor sinal de ironia. “Um tarólogo local alega ter previsto que algocairá do céu e atingirá o astrólogo na cabeça. O próprio Baba Bhola Ram dizsaber apenas quando vai morrer, mas não como. Sua previsão vai serealizar? Certamente, ele tem muito a perder: no mínimo, sua reputação. Devolta com vocês aí no estúdio.”

— Milhões sintonizaram para saber se esse Baba Bhola Ram iaviver ou morrer — continuou Puri. — Minutos antes da horaprevista, a esposa do astrólogo apareceu, em prantos, e anunciouque o marido “pela graça de Deus Todo-poderoso, havia ido parauma grande morada no céu”.

O Dr. Suresh Jha visitou a Mais Particulares Investigadores Ltda.na manhã seguinte. Sua fundação, o DIRE, trabalhava para “explicar oinexplicável”, e os racionalistas queriam contratar Puri para refutar osuposto milagre perpetrado por Baba Bhola Ram.

“A trama está sendo costurada diante de nossos olhos”, eledissera ao detetive naquela ocasião. “Se as pessoas continuarem aacreditar nesse tipo de coisa, elas continuarão cegas.”

— Por meio do raciocínio dedutivo e da mais meticulosa análisedas evidências recolhidas, eu conclui que as suspeitas do Dr. Jhaestavam corretíssimas — relembrou Puri. — O astrólogo fora mesmoassassinado. Os malfeitores eram os mais confiáveis e dedicadosdiscípulos de Baba Bhola Ram. Com medo de que a reputação de seuguru fosse arruinada, eles decidiram não deixar dúvidas sobre arealização da profecia. Sabendo dos problemas cardíacos do guru,eles colocaram óleo de mamona no chá do mestre, e ele morreu.

Puri permaneceu em um silêncio contemplativo. Agora, ele seinclinava para a frente, com os cotovelos sobre a mesa.

— Naturalmente, a justiça foi feita — acrescentou ele. — Masuma coisa nesse caso nunca foi bem resolvida, uma coisa que francae honestamente até o dia de hoje me atormenta.

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— O que é, Sir? — perguntou Elizabeth Rani, embora ela pudesseantecipar o que ele ia dizer.

— Baba Bhola Ram morreria na hora em que havia previsto?— Acredito que isso é uma coisa que nunca saberemos nesta

vida, Sir — disse a secretária de Puri.— Indubitavelmente, madame Rani! — disse o detetive,

abandonando sua lamentação. — Como sempre, está corretíssima.Só Deus sabe, não é mesmo?

O telefone celular de Puri tocou, e ele leu o nome no visor: JAGAT.Atendeu.

— Inspetor! Kidd-an?A chamada não demorou mais que dois minutos. Terminou com

o detetive dizendo:— Chegarei em uma hora.Ele olhou para o relógio sobre a mesa, um presente da Federação

dos Negociantes de Automóveis Associados da Índia.— O Sr. Sam Rathinasabapathy estará aqui a qualquer momento

— disse ele a Elizabeth Rani. — Serão necessários no máximo 30minutos. Depois disso, minha presença é requisitada no Rajpath.Não pela primeira vez, o inspetor Jagat Prakash Singh vai precisarda orientação de um especialista.

— O senhor vai investigar o assassinato do Dr. Jha? — perguntoua secretária, com uma voz esperançosa.

— Nada está confirmado ainda, madame Rani. Mas não possoficar aqui esperando que esse crime fique impune, não é? O Dr. Jha eeu não concordávamos em uma série de assuntos, isso é certo, masele era um dos homens mais honrados dessas bandas.

Elizabeth voltou para sua mesa com plena confiança de que opatrão pegaria o caso, embora isso significasse trabalho sempagamento.

A ideia de que Vish Puri poderia resistir a investigar um caso tãotentador era uma bobagem. Era tão improvável quanto ele passar

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um dia sem almoçar.Sam Rathinasabapathy estava 15 minutos atrasado. Um jawan de

trânsito lhe dera uma challan na Panchsheel Marg.— O policial disse que eu me esqueci de ligar a seta quando virei

para a direita! O senhor acredita nisso? Eu lhe pergunto, Sr. Puri, osenhor já viu uma única pessoa neste país dar seta no trânsito... umaúnica vez? Pessoalmente, acho que ele queria propina. Ele nãoparava de dizer a palavra “lifafa”. Isso significa “envelope”, não é?

— O senhor está correto — disse Puri, pacientemente, ummínimo traço de sorriso em seus lábios.

— Não posso acreditar em quão corrupto é este lugar. Todomundo estende a mão a toda hora. Não consigo nem um botijão degás sem pagar baksheesh. Não é de espantar que o país esteja essabagunça!

— Senhor, não é preciso ficar tenso — disse Puri, conduzindoRathinasabapathy para uma das confortáveis poltronas em frente àsua mesa. — Permita-me lhe dar um conselho. O senhor vai meagradecer depois, certamente.

— É claro, Sr. Puri — disse o físico nuclear com um suspiro,enquanto se sentava.

— Um cavalheiro instruído e bem-sucedido como o senhor nãodeveria ir daqui pra lá sem um bom motorista. Francamente, senhor,não fica bem. O senhor deveria apenas ficar sentado no banco detrás, só isso. Desse modo, o senhor não tem que lidar com esse tipode preocupação. Os policiais vão saber que o senhor é alguémimportante, e não alguém da ralé. — Puri pronunciava os erres comgosto.

— Mas estou acostumado a dirigir — protestouRathinasabapathy.

— Acredite em mim, senhor, eu entendo. O senhor valoriza suaindependência. Mas permita-me encontrar para o senhor ummotorista adequado. Ele terá bom caráter e, naturalmente, não será

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um beberrão. Os que vêm das regiões montanhosas são os melhores.Eles têm que aprender a guiar os veículos naquelas curvasapertadas. Senão, caem no precipício.

— Sim, bem, suponho que isso seria um ponto positivo — disseRathinasabapathy.

— Muito bem! Mais tarde mando meu empregado selecionaralguns candidatos. O senhor vai ter que pagar cinco ou seis mil pormês, no máximo.

— OK, Sr. Puri, como o senhor quiser. Agora, o senhor não vaime contar o que aconteceu ontem à noite no Food Village? Onde estámeu dinheiro?

Puri buscou embaixo da mesa e puxou uma mochila esportiva,colocando-a em cima da mesa.

— Está aqui, senhor. Dois lakhs exatamente.— O senhor pegou de volta! Mas como?— Na verdade, senhor, o dinheiro nunca saiu desta sala.— Não estou entendendo.— Vou explicar. Era necessário que o senhor fizesse o saque, para

o caso de eles estarem de olho no senhor. Mas o dinheiro que deunão foi o que sacou do banco.

— Não entendo. O que tinha na sacola que entreguei àquelesujeito? Aquele cara gordo de camisa de seda, Sr. Dez por Cento.

Puri sorriu.— Seu nome verdadeiro é Rupinder Khullar. Ele é um lizer

profissional.— Um o quê?— Um lizer — repetiu o detetive. — Quer dizer: o homem que

arranja as coisas. Déli está cheia de caras assim. Eu lhe digo, jogueuma pedra em qualquer direção e com certeza você acerta um deles.Esses sujeitos arranjam tudo, e tudo tem um preço. Arrumam umemprego para o seu filho em algum ministério, fazem pressão paraconseguir alvarás de funcionamento para sua fábrica. O Sr. Rupinder

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Khullar, em particular, tem muitos contatos políticos. Podemos dizerque tem um dedo dele em toda samosa — disse Puri, dando umapequena risada.

— Então, o que eu dei a ele? — perguntou Rathinasabapathy, quepelo jeito não havia achado a metáfora engraçada.

— Dinheiro falso — respondeu o detetive.— Eu dei o quê? — gritou o físico nuclear, levantando-se da

poltrona.— Por favor, senhor, mantenha-se calmo. Tenha certeza de que

tudo está 200 por cento certo. Pukka! Eu peguei o dinheiroemprestado de um velho colega da Divisão Antifalsificação. Sob acondição de que cada nota seria devolvida, naturalmente. Elas sãoevidências criminais de outro caso. Hoje em dia tem muito dinheiroesquisito entrando no país pela fronteira com o Paquistão, vou lhecontar.

— E isso é legal?— Meu senhor, na Índia, a linha entre o que é legal e o que é

ilegal está quase sempre em fiapos.Puri abriu o arquivo de Rathinasabapathy e puxou as fotografias

que Lanterna havia tirado do Sr. Dez por Cento. Elas serviam parailustrar a movimentação do atravessador depois do encontro. Suaprimeira parada fora em um bar de hotel, onde ele havia “tomadouns tragos de uísque importado” com um político local. Duas horasdepois, o Sr. Dez por Cento foi a um apartamento no Setor Nove, DLF

City, onde passou algumas divertidas horas com sua amante, uma VJde 26 anos para quem ele arrumara um emprego em um importantecanal de música. O imóvel está registrado no nome dele. Ela é umaVP, por assim dizer.

— VP?— Significa Visita Paga. O Sr. Dez por Cento então retornou ao

Raja Garden, para sua casa, sua esposa, seus dois filhos, trêsempregados e um pequinês. Esta manhã, bem cedo, ele foi até a

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Escola Ultra Moderna — continuou Puri. — Lá, ele entregou os 200mil ao Sr. S. C. Bhatnagar.

Bhatnagar era o diretor da escola. Na semana anterior, ele haviaoferecido a Rathinasabapathy duas vagas para seus filhos, em trocade uma volumosa propina.

— Toda a conversa dos dois foi gravada por câmeras de vídeoescondidas na sala do Sr. Bhatnagar — continuou Puri. — Na fita, osdois podem ser claramente vistos e ouvidos, discutindo, inclusive, oseu caso e a comissão de Rupinder Khullar.

— Deixe-me adivinhar. Dez por cento.— Correto.— Mas como conseguiu pegar o dinheiro de volta, o dinheiro

falsificado?— Eu liguei para esse tal diretor e deixei a situação bem clara:

que nós tínhamos todas as evidências para levar para as autoridadese que ele estava de posse de uma grande quantia em dinheiro falso.Imediatamente, eu lhe dei instruções sobre onde devolver odinheiro, isto é, o total de dois lakhs. Ele foi muito prestativo. — Purifez uma pausa. — Sir, eu fico feliz em dizer, também, que elegentilmente me assegurou que suas duas queridas crianças estãocom vaga confirmada na Escola Ultra Moderna.

— O senhor quer dizer que eles estão matriculados?! — exclamouRathinasabapathy. Ele pulou da poltrona de novo.

— Eles podem começar na segunda.O alívio preencheu o cliente de Puri.— É uma notícia fantástica, Sr. Puri! — disse ele. — Não sei como

agradecer. Eu estava tão preocupado. Eu havia tentado em muitasescolas, e todos eles sempre queriam propina. Só de pensar que ascrianças não entrariam em uma boa instituição... Bem, eu não sei oque faria.

Rathinasabapathy suspirou, relaxou os ombros e se encostou napoltrona. Mas então lhe ocorreu um pensamento e ele ficou sério.

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— Espere um minuto... E o Sr. Dez por Cento? Ele vai ficar muitocontrariado! — disse ele.

— Aquele lá vai ficar bem quietinho. Ele não vai querer aparecernos jornais de amanhã.

— Mas ele não virá atrás de mim?Puri negou com a cabeça.— E ele não virá atrás do senhor?— Não se preocupe comigo — disse o detetive, rindo. — Também

tenho meus contatos. Além disso, minha identidade permanece emtotal sigilo. Vish Puri é apenas uma voz ao telefone, só isso.

A testa de Rathinasabapathy ainda estava franzida depreocupação.

— Eu não sei, Sr. Puri — disse ele, mexendo-se na poltrona. —Ainda não sei se estou seguro com tudo isso. Tudo parece... Bem,parece arriscado demais.

O detetive juntou as mãos e as balançou, em um gesto que dizia“Por que está tão preocupado?”.

— Confie em mim, Sir — disse ele, orgulhoso —, eu cuidei detudo.

Rathinasabapathy fitou o chão por uns instantes, ponderandotudo em sua mente, e então disse:

— Bem, se o senhor diz. Mas ainda não entendo como tanta gentenesta cidade consegue colocar seus filhos na escola.

— Eu disse ao senhor quando nos encontramos dias atrás, não?As escolas na Índia são um grande negócio. E qualquer negóciofunciona com oferta e demanda. Nesse caso, há excesso de demandae quase nada de oferta. Desse modo, as escolas podem cobrarfortunas pela matrícula. Vou lhe contar: os pais em Déli passam porum inferno para conseguir colocar seus filhos em boas escolas. Osenhor não acreditaria no que minha sobrinha Chiki teve que passar— continuou o detetive. — Ela tentou se inscrever em seis escolas.Todas exigiram uma taxa de matrícula de 400 a 700 rupias.

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Naturalmente, havia inúmeras formas de acréscimo. Todas as vezes,a criança teve que se submeter a um teste e uma entrevista. E todasas vezes os pais foram entrevistados também.

— Os pais também? — exclamou Rathinasabapathy.— Exatamente. Entrevistados separadamente, para que as

respostas fossem confrontadas. Quais eram suas aspirações? Suasopiniões sobre disciplina? Chiki brinca que ela e o marido tiveramque se preparar para os testes também. Depois disso a universidadeficou parecendo jardim de infância.

— Mas, então, o que aconteceu?— Graças a Deus, Ragev conseguiu uma vaga na Vale

Ensolarado. Mas só depois de seu pai fazer uma doação paracomprar o novo ônibus escolar.

— Inacreditável.— Vou lhe contar, Sir, isso não é nada. Conheço uma família, eles

têm uma lavanderia. Em troca da matrícula na Escola VallabhbhaiJhaverbhai eles concordaram em lavar toda a roupa da família doprofessor titular! Agora já faz seis anos que eles estão lavando suascamisas e roupas de baixo.

— Por que as pessoas não mandam seus filhos para as escolaspúblicas?

Puri estalou a língua, com desprezo.— O filho da minha empregada frequenta a escola do nosso

bairro, senhor. Mesmo assim, tive que intervir para matriculá-lo,tamanha é a procura. E é realmente chocante. Os professores nemaparecem. A comida é de péssima qualidade. O filho dela semprereclama de moscas no daal. Para as meninas, não há nem sanitários.Hoje em dia o padrão só piora. Com a liberalização da economia, ogoverno está se eximindo de suas responsabilidades a cada dia.

Rathinasabapathy balançou a cabeça, descrente.— Não há nada que se possa fazer? — perguntou ele. — E essa

prova que o senhor tem contra o diretor da Escola Ultra Moderna?

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Nós devíamos ir a público!— Nós certamente poderíamos — disse Puri —, os canais de TV

adoram essas filmagens. Mas aí seus filhos não seriam admitidos naescola. E o senhor teria que voltar à estaca zero, lidando com o Sr.Dez Por Cento ou com um de seus concorrentes.

O físico nuclear parou para pensar e depois disse:— É, bem, acho que talvez nós devêssemos deixar isso pra lá, não

é? Quero dizer, o mais importante é que a gente não precisou pagara propina e as crianças estão indo para uma boa escola.

— Vejo que o senhor está começando a ter uma ideia de como ascoisas funcionam aqui na Índia — disse Puri com um sorriso,levantando-se da poltrona e devolvendo o dinheiro deRathinasabapathy. — E se não houver mais nada, devo ir andando.Preciso dar uma olhada em um assassinato muito enigmático.

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capítulo 4

LOGO DEPOIS QUE RATHINASABAPATHY SAIU, Elizabeth Rani chamouPuri pelo interfone e sugeriu que ele ligasse a televisão.

— Parece que há um vídeo impressionante do assassinato —disse ela.

O canal Notícias em Ação! estava de fato mostrando um vídeoexclusivo, feito por um turista francês naquela manhã.

Exatamente às 6h37 Edouard Lecomte estava passeando em umônibus turístico diante do Palácio Presidencial. Enquanto filmavapela janela, teve sua atenção atraída pelo que parecia um “exóticoritual hindu” realizado por um pequeno grupo em um dosgramados. Só depois ele percebeu o que havia filmado: o assassinatodo Dr. Jha.

A imagem estava tremida e também nebulosa devido à poluiçãoe à distância. Mas mostrava a deusa Kali, com seus quatro braçostortuosos e uma horrenda língua vermelha, flutuando a mais de ummetro do chão. Era possível vê-la fincando a espada no Dr. Jha,gargalhando descontroladamente. Então, veio um raio luminoso.Evidentemente, o flash assustou o francês, que baixou a câmera emurmurou “Putain de merde!”

O canal estava exibindo os trinta e poucos segundos do vídeosem parar, em câmera lenta, com zoom e traçando pequenos círculosem torno de certos detalhes. A filmagem provava que a coisa ou a

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pessoa que matara o Caçador de Gurus não estava pendurada porfios amarrados aos galhos das árvores. A maneira leve com a qual a“aparição” deslizava no ar também sugeria que ela não estava sobrepernas de pau ou coisas desse tipo.

— Poderia ser alguém usando um jato propulsor? — questionouum dos âncoras do canal Notícias em Ação!

— Daria para notar se fosse algo assim — respondeu umcomentarista de ciências. — Haveria um escape de gás e amovimentação seria brusca. Esses equipamentos são difíceis decontrolar. Não consigo explicar o que estamos vendo aqui.

Puri, que assistiu ao vídeo inúmeras vezes no pequeno aparelhoque tinha no escritório, concordou com esta última afirmação.

— Absolutamente estonteante — murmurava para si mesmo.Uma parte do detetive queria acreditar que aquela era uma

ocorrência sobrenatural genuína, que a deusa Kali realmente sematerializara na Terra. Acreditar em algo fantástico, em algoinexplicável, era sempre mais fácil do que aceitar a verdademundana. Mas Puri tinha certeza de que seus olhos estavam sendoenganados, de que um mero mortal assassinara o Dr. Jha e de que jáse sentia movido pelo desafio de perseguir o assassino.

O vídeo também o convencia de outra coisa: o público, em geral,acreditaria que aquilo tinha sido um milagre.

As autoridades, evidentemente, tinham chegado à mesmaconclusão.

Tropas de choque da polícia armadas com lathis, bombas de gáslacrimogêneo e canhões de água haviam fechado as ruas de acessoao Rajpath. E, como Puri logo descobriu, sentado no banco de trás doAmbassador com para-brisa novo, isto causara transtorno nasalinhadas ruas de bangalôs britânicos de Nova Déli. As muitasrotatórias — congestionadas e caóticas, na melhor das hipóteses —eram um só engarrafamento de carros e riquixás que tocavam umadiscordante sinfonia de buzinas.

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Noventa minutos depois o detetive tinha chegado apenas àSafdarjung Road, e foi aí que ele decidiu abandonar o carro. Depoisde combinar com o recepcionista do Gymkhana Club para deixar oAmbassador no estacionamento (e de aproveitar a oportunidadepara almoçar — o prato do dia era kadi chaaval seguido de moong daalhalwd), ele e Freio de Mão continuaram a pé.

Puri achou o caminho muito difícil. Fazia um calor escaldante eestava abafado, e não demorou muito até que ele se sentissenadando dentro do terno safári. Os meios-fios extraordinariamentealtos que os angrezi haviam construído ao longo de suas avenidasenfadonhas — presumivelmente para evitar que ciclistas emotociclistas trafegassem nas calçadas — brindavam Puri com umdesafio formidável, graças à sua curta perna esquerda. Toda vez queele tinha de atravessar a rua ou passar pela entrada de um dosmuitos bangalôs, precisava de ajuda.

Para Freio de Mão, o passeio não estava muito mais fácil. Expostoa toda força do sol do meio-dia, ele tinha de andar ao lado do chefe,amparando-o com um guarda-sol preto. Mas, dos dois, o motoristafoi quem alcançou o cruzamento das ruas Janpath e Maulana Azad(onde as barreiras da polícia os impediam de seguir adiante) emmelhor forma e sem reclamações. Puri, por outro lado, parecia que iadesmaiar e precisou descansar à sombra de uma árvore por dezminutos para recuperar o fôlego. Virando de um só gole uma garrafade água fresca comprada de um vendedor de sorvetes que passavapor ali, ele nem lamentou o fato de não poder prosseguir eagradeceu aos céus quando o inspetor Jagat Prakash Singh veioresgatá-lo em seu jipe com ar-condicionado.

— Por que demorou tanto? — perguntou o detetive entrando noveículo, deixando Freio de Mão para trás, sentando-se, ofegante, noar gelado, como um cachorro calorento. — Está mais quente que oinferno lá fora.

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— Entrevista coletiva, Sir — respondeu o inspetor com sua vozde barítono.

O inspetor Singh era um urso: dois metros e tanto de altura, mãosenormes e sapatos número 46. Ele estava sentado no banco de trásdo jipe (seu motorista estava ao volante), com a cabeça encostada noteto, o pescoço e a coluna tortos como um arco e os joelhosespremidos contra o banco da frente. Embora fosse sikh, elemantinha a barba preta bem aparada. Seus cabelos também eramcurtos, e ele não usava turbante.

Mas, se a religiosidade de Singh era liberal, seu estiloinvestigativo era convencional. Graduado na Academia Nacional dePolícia Sardar Vallabhbhai Patel, filho e neto de ex-oficiais, ele tinhaum bom currículo quando o assunto era assaltos a bancos, estupros,sequestros, roubos e crimes passionais cujas pistas lhe batiam nacara e cujos suspeitos eram poucos. Mas quando lidava com crimesmais sofisticados, como assassinatos ardilosos, orquestrados oupremeditados, por exemplo, o inspetor frequentemente se via emapuros.

Em tais circunstâncias, ele procurava Puri.O detetive resolvera vários casos de Singh e o colocara no

caminho certo em muitos outros, mas nunca teve seu trabalhoreconhecido. Isso o irritava; Puri adorava o brilho das câmeras e aoportunidade de impressionar a todos com sua perspicácia ehabilidade. Ainda assim, o que ele ganhava em troca por sua ajudaanônima era precioso. Ele podia contar com informações ecooperação para os próprios casos. E sempre era bom ter um aliadono departamento para tirar o diretor, que o chamava de “jasoos sujo”,da sua cola.

Não havia outro homem em Déli com quem Puri pudesse terfeito tal arranjo. Singh era incorruptível. E não fazia mal que, tendoele apenas 34 anos, agisse com a deferência devida. Nem que fossepanjabi e gostasse de uns tragos depois de um longo dia de trabalho.

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— Então, inspetor, que avanços temos até agora? — perguntou odetetive, enxugando o rosto com o lenço e bebendo mais água.

O sikh estendeu os dedos enormes sobre os joelhos, observandoas juntas peludas e a aliança de casamento.

— Honestamente? Não estou entendendo nada aqui — admitiuele. — Estou começando a acreditar que algo sobrenatural realmenteaconteceu. Sério mesmo. As pessoas não desaparecem assim no ar,Sir. Além do mais, ninguém foi visto indo ou voltando. E mais:tenho quatro testemunhas que juram que viram a deusa matar o Dr.Jha. E também há o vídeo. Assistiu?

Puri fez que sim com a cabeça.— Parece tão... Bem, parece tão real, Sir. Aquele rosto, os braços,

o fato de ela estar levitando. O assassinato ocorreu sob uma árvore ealguns galhos passam por cima do local. Mas eu mesmo examinei osgalhos, e não há nenhuma marca de corda. A única coisa queencontrei foram alguns furos no tronco da árvore.

— Inspetor, sou um homem que crê em milagres, pode acreditarem mim. Diferentemente do Dr. Jha, eu sei que algumas coisaspodem acontecer, e que realmente acontecem. Mas não é porqueexiste ouro que não pode existir também ouro de tolo.

Singh fez uma careta.— Como é, Sir?— Nem toda ocorrência estranha é automaticamente um milagre

— esclareceu o detetive. — Aquele incidente de alguns anos atrás,quando estátuas de Ganesha começaram a beber leite, por exemplo.Milhões acreditaram que algo miraculoso estava acontecendo. Umpandemônio tomou o país todo. Mas era tudo uma grande bobagem,apenas uns sujeitos inescrupulosos tirando vantagem das crenças esuperstições das pessoas. Fizeram essas pessoas acreditar queacontecia uma coisa que, na verdade, não acontecia. Palavras sealastrando como incêndios florestais. Garanto a você que nãoaconteceu nenhum milagre aqui.

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— Tenho certeza de que tem razão, Sir, mas nunca me depareicom nada desse tipo.

— O que o “melhor policial” de Déli tem a dizer sobre o assunto?— Sempre que Puri se referia ao diretor, sua voz se carregava desarcasmo.

— O senhor o conhece. Se não tem solução, não se aborreçatentando solucionar. Concentre-se em casos que podemos resolverde maneira fácil e rápida. Este é seu lema. Se a vítima fosse a filha de12 anos de um médico ou de um engenheiro, aí seria diferente. Masnenhum de seus superiores o está pressionando nesse caso.

Puri esvaziou a garrafa de água. Ele estava começando a serefrescar.

— O paradeiro de Swami-ji esta manhã é conhecido, correto? —perguntou ele.

— Ele estava em Déli, a convite do ministro da Saúde, VikramBha�. O próprio ministro ligou para o diretor hoje de manhã parainformá-lo.

— Meu Deus! — murmurou Puri.— Acha que Swami-ji pode estar por trás disso? — perguntou

Singh.— É muito cedo para dizer, não é? Mas ele, por certo, alega ter

poderes miraculosos, como o de levitar. Dizem que ele tambémconsegue estar em dois lugares ao mesmo tempo. Além disso, eletinha um motivo, depois de ter prometido, em rede nacional, algumtipo de milagre para comprovar seus poderes.

Singh parecia preocupado.— Algo errado? — perguntou Puri, embora pudesse imaginar o

que era.— O diretor quer que deixemos Maharaj Swami quieto. Intocável.

Ele não será investigado.O detetive suspirou.

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— Nenhuma surpresa nisso, inspetor — disse ele. — Mas se vocêestá me pedindo ajuda, e me parece que está, não pode esperar queeu faça uma investigação completa e adequada ignorando oprincipal suspeito.

— Sir, só estou dizendo que devemos caminhar com cuidado.— Isso é óbvio, inspetor. Agora não vamos perder mais tempo

com besteiras. Leve-me ao local do crime.

A cena do crime havia sido isolada com barricadas de metal.Mas, mesmo com um exame superficial, Puri podia dizer que elashaviam sido colocadas tarde demais para ter alguma serventia.Dúzias de bidi descartados e pontas de cigarro, restos de paancuspidas e recentes manchas de urina sob o jamelão — que ficavaaproximadamente três metros ao norte do local onde o Dr. Jha foraassassinado — indicavam o tamanho da multidão que estivera aliantes da chegada da polícia.

Muitos vestígios apontavam ainda para a presença devendedores oportunistas. Eles haviam montado barraquinhas paravender bebidas geladas (tampas de garrafas espalhadas por toda aárea) e jornais híndi (folhetos da promoção de 50 por cento doPalácio do Calçado Jessy em Pahar Ganj estavam em toda parte).Alguém também andara fazendo um movimentado comércio deincenso: dúzias deles haviam sido fincados no chão e acesos no localonde a deusa supostamente aparecera.

— Deve ter sido uma festa, não é? — disse Puri ao passar paradentro da área cercada, usando seus óculos escuros de aviador, comFreio de Mão a seu lado, guarda-sol acima.

Singh era a única pessoa na cena além deles. Havia dispensadoseus subordinados com alguma desculpa (caso algum delesreportasse ao diretor a visita de Puri) e a imprensa estava limitada a

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um ponto em frente ao Portão da Índia. De lá até a cena do crime, oRajpath se dissolvia em uma miragem líquida e ondulada. Os carrosao longo da rua pareciam derreter como se fossem feitos dechocolate. As figuras assumiam dimensões alienígenas.

— O patrulhamento policial da área foi quem chegou primeiro,certo? — perguntou Puri.

— Sim, senhor. O policial R. V. Dubey chegou dez minutosdepois do assassinato.

Puri anotou o nome, enquanto Singh continuava:— Naquele momento, já havia uma multidão de mais de cem

pessoas, condutores de riquixás que passavam por aqui, garotos deescola, mulheres que faziam ioga. O número de curiosos aumentourapidamente.

O próprio inspetor só chegara ao Rajpath às 8h30. Naquela hora,centenas de pessoas, incluindo toda a imprensa de Déli, já haviampisoteado a cena do crime.

— O assassino poderia até ter deixado seu cartão de visitas,nunca o encontraríamos — comentou o detetive, secamente.

Singh não respondeu ao deboche. Ele sabia muito bem que otempo de reação da polícia de Déli era um absurdo. Não faziasentido tentar defendê-la.

— Sabe onde estavam os membros desse tal Clube do Riso? —perguntou Puri.

Singh puxou o caderno de notas e leu os nomes de todos eles,indicando onde cada um estava no momento do assassinato. Puridesenhou as posições em uma página de seu bloco de anotações.Marcou a posição do Dr. Jha com um X; no meio do círculo eledesenhou um ponto de interrogação.

— Esses outros camaradas, estavam todos aqui quando vocêchegou?

— Não, senhor, eles haviam sido levados para a delegacia paraprestar depoimento. Mas eu interroguei cada um deles

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pessoalmente. Vou mandar as transcrições para o seu escritório. Umdeles, Shivraj Sharma, um arqueólogo, disse que não viu o queaconteceu porque seus óculos caíram. Mas todos os outros estãoconvencidos de que testemunharam um evento paranormal, emborasuas descrições variem, claro. O Sr. Ved Karat, redator de discursospolíticos, descreveu a deusa com seis metros de altura. O Sr. Gupta,advogado da Suprema Corte, diz que os olhos dela “queimavamcomo brasa”.

— Testemunhas sempre relatam coisas distintas, inspetor — dissePuri. — Os olhos funcionam do mesmo modo, mas a mente... É umacoisa totalmente diferente, não é?

— Sim, senhor — entoou Singh, que aprendera a aturar ospequenos discursos de Puri.

— Eu também quero interrogar todos esses cavalheirospessoalmente — disse o detetive.

O inspetor já antecipara isso e escrevera seus nomes e endereçosem um pedaço de papel. Sem dizer uma palavra, ele o entregou aPuri.

— Você me conhece melhor do que eu mesmo, não é? — sorriuele, antes de começar um exame mais cuidadoso da cena.

Singh ficou por perto, observando atentamente as ações dodetetive, como se tentasse perceber algum método secreto.

— Inspetor, as pegadas de botas de seus rapazes estão por todosos lados — repreendeu Puri, após um minuto. — Um cachorro detrês patas também esteve presente. Mas não há mais nada aqui alémde uma mancha de sangue. — Ele fez uma pausa. — Está faltandoalguma coisa?

Sua pergunta antecipava que a principal evidência havia sidoretirada da cena do crime por algum delinquente. No passado, Purivira ladrõezinhos se passando por médicos para roubar carteiras,alianças e até sapatos dos cadáveres. Não era raro ver policiaisfazendo o mesmo.

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— Sir, lamentavelmente, a arma do crime não está em lugaralgum — respondeu Singh.

— Alguém pode ter roubado.— É possível, Sir, mas... — O inspetor, de repente, não pareceu

muito seguro de si.— Diga logo — instou Puri.— Isso é ridículo, eu sei, mas o professor Pandey diz ter visto a

espada se desintegrar diante de seus olhos, enquanto ainda estavafincada no peito da vítima.

— Desintegrar?— Em cinzas, Sir.— Você encontrou essas cinzas?— Eu encontrei um pouco de pó cinza perto do local onde o Dr.

Jha caiu. Mandei para o laboratório. Teremos os resultados emalguns dias.

Puri escreveu algo em seu bloco de notas novamente.— Esse tal Pandey é quem estava mais perto do corpo. Talvez por

isso tenha visto a espada se desintegrar, e os outros não.— Mas o senhor disse que não acredita que qualquer coisa

paranormal tenha acontecido! — contestou Singh.— Correto, inspetor. Mas pode ser que a espada tenha realmente

se desintegrado. Um bom detetive sempre mantém a mente aberta.Nesse momento Puri estava parado sobre a mancha de sangue,

única indicação do local onde o Dr. Jha caíra.— Parece que houve um bocado de sangue — disse ele. — Por

quanto tempo o corpo ficou aqui no chão?— Cinco minutos, no máximo. O professor Pandey levou a

vítima ao pronto-socorro, onde ele foi declarado “morto ao chegar”.Puri perguntou sobre o ferimento.— Eu mesmo o examinei, Sir, dois centímetros à esquerda do

coração. O legista disse que ele morreu rápido.— Você liberou o corpo?

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— Sim, senhor. A cremação será hoje mesmo.Puri aquiesceu. Não havia nada de estranho nisso; os funerais na

Índia eram normalmente feitos poucas horas depois da morte.— Faça uma coisa, inspetor — disse o detetive. — Vá até ali e

fique atrás da árvore.Singh fez o que lhe foi pedido, enquanto Puri se colocou em cada

um dos locais onde os membros do Clube do Riso estiveram.— É o que eu suspeitava — anunciou ele. — Qualquer pessoa

escondida atrás da árvore teria passado despercebida. O tronco émuito largo.

— Mas, certamente, eles teriam visto o assassino se aproximar —disse Singh, surgindo de trás da árvore.

— Não se eles viessem do sul. Dessa região a árvore oferece umacobertura mais que suficiente.

— Eles? — perguntou Singh.— Havia pelo menos duas pessoas, não? Uma para cometer o ato

em si, outra para soltar a fumaça e disparar aqueles raios luminosospara distrair as testemunhas.

— Isso faz sentido, Sir — disse Singh, parecendo tomado deentusiasmo. — Suponho que o segundo homem, escondido atrás daárvore, também tenha soltado gás hilariante. Isso explicaria por quetodos os membros começaram a gargalhar descontroladamente.

— É uma possibilidade, inspetor. Por que não checar se esse gáshilariante é prontamente acessível? Quem tem acesso a ele? Semdúvida, deve haver pequenos cilindros portáteis disponíveis.

Os dois ficaram em silêncio por um momento, ambosmergulhados em reflexões. Então Singh perguntou:

— Tem alguma teoria sobre como o assassino levitou?— Até agora eu tenho certeza de apenas uma coisa — respondeu

Puri.— Do quê?

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— De que este é um dos casos mais extraordinários com que medeparei em minha longa e notável carreira. As pessoas que estão portrás disso são mestres do crime. Nenhuma dúvida quanto a isso. —Ele fez uma pausa. — Mas, me diga, inspetor. Esses buracos quevocê mencionou mais cedo. Onde eles estão exatamente?

Singh levou o detetive até o lado leste da árvore e apontou paraquatro pequenos furos feitos no tronco, a uma altura de uns trêsmetros.

— Parece que eles usaram algum tipo de suporte — sugeriu Puri,na ponta dos pés.

— Para sustentar um guincho, talvez?— Um pequeno guincho, possivelmente. Mas só o tempo vai nos

dizer.Eles pegaram o caminho de volta pelo gramado até o jipe.— Então, está com vontade de assumir o caso? — perguntou

Singh, soando esperançoso.— Vontade é pouco. Mas vamos cumprir as regras de sempre. Eu

o mantenho informado de todo e qualquer desdobramento. Mas, porenquanto, trabalho sozinho.

— Mas, e se for preciso prender alguém...-— Não há com o que se preocupar, inspetor, este é seu

departamento. Quando chegar a hora, vou lhe telefonar, só isso.Singh estava franzindo a testa novamente.— Sir, uma coisa ainda me preocupa: Maharaj Swami. Alguns

dos homens mais ricos da Índia se curvam para beijar seus pés. Até oprimeiro-ministro visitou seu ashram não faz muito tempo. Devetomar cuidado.

Puri sorriu.— Não precisa se preocupar comigo, inspetor. Afinal, o perigo é

meu aliado.

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Depois de ligar para a residência dos Jha e ser informado sobre ahora e o local do funeral, o detetive tomou o rumo norte pela RingRoad, cruzando as escarpadas muralhas de arenito da Cidade Velha,que um dia fora a magnífica capital do imperador mogol Shah Jahan.Ele passou pelo auditório branco como leite que alojara o Trono doPavão e pela torre octogonal de Shahi Burj, o rei da biblioteca domundo.

Dez minutos depois o Ambassador surgiu na entrada doprincipal crematório de Déli, na margem oeste do rio Yamuna.

Para Puri, nenhum outro lugar lembrava com tanta força amortalidade do homem, o fato de que, para todos nós, há apenas umúnico sopro que separa esta vida da próxima. Encarar essa verdadenão era uma coisa ruim. Mas o lugar, ao mesmo tempo, também lhetrazia memórias tristes. A primeira vez em que estivera ali foi aoscinco anos, para o enterro de sua bisavó; mais recentemente, eletrouxera seu amado pai para ser cremado.

Om Chander Puri sofrerá um ataque cardíaco fulminante quandofazia sua caminhada matinal diária. Menos de 12 horas depois, emconformidade com os costumes hindus, Puri e seus irmãoscarregaram o corpo do pai para o crematório em uma maca e ocolocaram em uma das mais de quarenta covas de cremação queficavam a poucos metros umas das outras sob um enegrecido teto demetal. Uma multidão de “amigos e parentes” se reunira e um panditrealizara o antim-samskara, os últimos ritos, ajudando a união daalma, atma, com o Espírito Santo. Borrifando água do rio Gangessobre o corpo, o sacerdote removera a mortalha de algodão paradescobrir a face do pai, e colocou um pouco de mel e um pequenotorrão de ghee em sua boca.

Lentamente — cuidadosamente — Puri e seus três irmãos haviamempilhado pedaços de madeira sobre o corpo. Dois sacos de folhasaromáticas foram espalhados pela pira para amenizar o odor de

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carne queimada. E, então, o irmão mais velho de Puri acendera achama.

Agora o detetive assistia a outra família encenando os mesmosrituais milenares mais ou menos no mesmo lugar onde seu pai — emilhares de outros desde então — haviam sido cremados. O calor deuma fogueira queimando ali perto fez sua bochecha direita arder.Seis outras covas continham pedaços de madeira carbonizados eossos enegrecidos. Eles permaneceriam ali, intocados, até a manhãdo dia seguinte, quando os homens das famílias voltariam pararevolver as cinzas com as mãos e recolher os restos mortais de seusentes queridos.

Este, porém, não era o lugar onde o Dr. Jha seria cremado. OCaçador de Gurus, que passara toda a vida adulta protestandocontra as cerimônias religiosas (sem mencionar a preciosa lenha queo funeral hindu tradicional requeria), deixara instruções precisaspara a cremação do seu corpo, sem estardalhaço, em um incineradora gás.

Puri então voltou das fogueiras e percorreu a curta distância até ocrematório de gás natural comprimido, perto dali.

Seria difícil imaginar uma construção mais desalmada. Comoalgo saído de um campo de concentração nazista, o prédio era feitode blocos de concreto e ferro fundido, e havia uma grande ehorrorosa chaminé acima do teto.

Para ali eram levados os cadáveres não identificados da cidade,juntamente com os mais pobres dos pobres. Um funeral semafetações custava apenas 500 rupias e era desprovido de beleza. Umpátio cavernoso abrigava seis fornos gigantes repletos de medidores,botões e alavancas.

Puri chegara a tempo de ver o corpo do Dr. Jha, o qual foracosturado dentro de uma mortalha e carregado até um pesadocarrinho de metal que alimentava o forno número cinco. A viúva,Ashima, que era uns 12 anos mais nova que seu finado marido, ficou

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em frente ao forno, vestida de branco. A filha passava um braço emtorno dela, abraçando-a. Ambas soluçavam em silêncio. Cerca desetenta familiares e amigos se reuniam em volta delas.

O detetive ficou atrás da aglomeração, com as mãosrespeitosamente unidas à frente do corpo, enquanto um dos antigoscolegas do Dr. Jha, do Departamento de Comunicação ePlanejamento Wireless, onde os dois haviam trabalhado por cerca de30 anos, lia uma homenagem comovente. Esta incluía uma citação deMarx e uma crítica sobre como o falecido uma vez perguntara a SaiBaba por que ele dava aos ricos, e não aos pobres, as correntes deouro que alegava materializar.

Isso trouxe sorrisos carinhosos a muitos rostos.E, então, Puri notou um homem em pé à sombra do forno

número quatro. Ele estava segurando uma câmera de vídeo. A julgarpela luz vermelha na parte da frente do equipamento, estavagravando o velório do Dr. Jha.

Passou pela cabeça do detetive que esse indivíduo talvezestivesse trabalhando para um canal de notícias, o que explicaria ofato de estar longe, tentando, aparentemente, manter a discrição.Mas a câmera que ele segurava era muito menor que as utilizadaspor cinegrafistas profissionais.

Puri, curioso, começou a se mover para a direita, na esperança deconseguir ver o rosto do homem. Mas, neste instante, todos foraminstados a se afastar do forno, e o detetive se viu cercado por seuscompanheiros de lamentação.

Dois funcionários do crematório empurraram o carrinho paradentro da boca do forno, e a atenção do detetive foi atraída por taisprocedimentos.

Uma pesada porta de metal baixou com um ruído estridente.Sem cerimônia, o empregado do crematório mexeu em algumasalavancas no painel de controle, esperou alguns segundos e depois

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apertou o botão vermelho. O forno tremeu quando o gás em seuinterior se inflamou.

O termômetro subiu abruptamente e logo indicou uma faixavermelha.

No instante seguinte, quando Puri procurou o homem com acâmera, ele já não estava mais ali.

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capítulo 5

PURI CORREU PARA CASA PARA RECEBER sua segunda filha, Jaiya, queestava chegando de Agra com o marido.

O bebê de Jaiya, terceiro neto de Puri, nasceria em oito semanas.Como rezava a tradição, ela estava voltando à casa dos pais, ondeficaria até que a criança tivesse pelo menos um mês.

Durante as semanas anteriores, houve preparações frenéticaspara a chegada de Jaiya, e todas as noites, ao chegar em casa, Puridescobria que sua conta bancária sofrera outro golpe. Rumpi, quenormalmente poderia ser chamada de comedida, chamaradecoradores para pintar o maior dos três quartos de hóspedes. Obanheiro adjacente também recebera novos azulejos, tudo em tonsde rosa. Um colchão de molas importado Slumber (14 mil rupias!)tinha sido comprado, juntamente com um berço imenso, inúmerosjogos de lençóis e fronhas estampados com motivos de elefantes epinguins e outros incontáveis apetrechos infantis. Um estranhotravesseiro em forma de bumerangue também fora comprado emuma das exorbitantes lojas do Grande Shopping da Índia — “Umshopping para todos!”.

O detetive, que ficava de olho em tudo que respirava dentro decasa, às vezes até espionando os empregados, também descobriraum grande estoque de fraldas descartáveis escondido numadependência dos serviçais.

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Isto o fizera protestar contra as exorbitantes somas de dinheiroque vinham sendo gastas.

— Por que você está comprando tanto de tudo? De quantascoisas essa criança vai precisar? Você acha que paisa dá em árvore,minha querida?

Rumpi não respondera nada. Encorajado, Puri continuara oprotesto:

— Não há necessidade desses produtos importados. Os que sãofeitos na Índia são tão bons quanto, se não melhores. Todos nósusamos fraldas de pano e nossos traseiros nunca sofreram.

Nesse momento sua esposa fechou a cara e disse que era elequem precisava de fraldas.

— Por que, exatamente, minha querida? — perguntara Puri,irritado e confuso.

— Por causa de toda essa diarreia verbal! — rebatera ela.No dia seguinte o detetive abriu sua marmita de almoço e

encontrou um monte de aipo. Um dia depois, apenas broto de feijão.E assim por diante...

Para fazer as pazes, ele tinha levado para Rumpi um mixer novo,o mesmo que ele vinha prometendo havia meses (o velho tinhaapenas nove anos de uso, enfim...). O modelo que comprara era umdos melhores do mercado, fabricado na China, como quase tudo nosdias de hoje. De acordo com aquele vendedor desgraçado que serecusara a dar desconto, “isso corta e picota até pensamento”.

Houve uma sensível melhoria na qualidade dos almoços de Puridepois disso. Mas os gastos com frivolidades não pararam.

A última aquisição descoberta por Puri, ao chegar em casa, às19h, foi uma banheira de plástico em forma de baleia, que estavaencostada na parede do corredor. O preço na etiqueta indicava 3.500rupias.

— Por Deus... — murmurou Puri —, é praticamente uma piscina!

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— O que você disse, meu marido? — perguntou Rumpi,surgindo da cozinha para recebê-lo.

— Nada, nada mesmo, minha querida — disse ele, evitandoargumentar que ele e os irmãos haviam, todos, tomado banho embaldes de metal e isso não lhes fizera mal algum. — Eu estavaapenas admirando esta bela banheira. A criança vai aprender anadar, não vai?

— Nada disso, Gorducho — disse Rumpi, bruscamente. — E nãoquero ouvir nenhuma história sobre como você e seus irmãostomavam banho em algum balti.

— Sim, minha querida. Nikhee deve estar chegando, não é? —Nikhee, Pequenina, era o apelido de Jaiya.

— Ela ligou há uns 20 minutos. Um caminhão virou na estrada.Ainda vai levar pelo menos uma hora.

Rumpi colocou Puri a par dos outros assuntos da casa: toda acomida, exceto o kadi, que Malika queimara, estava pronta; não tinhaágua quente no banheiro do andar de baixo de novo; e era precisoencher as diyas com óleo.

— Agora não fique aí parado, Gorducho. Faça algo útil. Nossogenro vai chegar logo!

Rumpi voltou para a cozinha.— Sim, minha querida — murmurou Puri, tirando os sapatos e

aconchegando-se em suas pantufas gravadas com o monograma VP.Ele começou a subir a escada. Na metade do caminho ele para de

repente e grita, a plenos pulmões:— Sweetuu!O empregado veio correndo da cozinha.— Sir? — perguntou ele, em posição de sentido no meio do

corredor, com uma prontidão que agradava ao patrão.— Sweetu, quanto é cinco vezes seis, me diga? — perguntou Puri,

em híndi.

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— Cinco vezes seis, sahib? — murmurou ele para si mesmo, eentão declarou: — Trinta... Sahib.

— Muito bem. Você fez seu dever de casa?Puri havia matriculado Sweetu, que trabalhava na casa há quase

um ano, em aulas de matemática no período da tarde. No anoseguinte, o garoto órfão começaria um curso de mecânica; quandoficasse mais velho, o detetive lhe arranjaria até uma esposa. Esse erao tipo de ajuda que todos os indianos ricos deviam oferecer aosmenos afortunados, na opinião do detetive. Esse era o dharma, odever dos mais ricos — se ao menos eles se dessem conta disso.

— Tudo feito, sahib — respondeu Sweetu.— Muito bem. Agora vá ajudar a patroa.Puri foi para o andar de cima, tomou um banho frio de balde,

vestiu um pijama kurta recém-passado, espalhou um pouco da loçãopós-barba Sexy Men e colocou um chapéu de pano.

Poucos minutos depois ele estava no terraço, um generoso copode uísque Royal Challenge na mão. Regou suas estimadaspimenteiras e então ficou algum tempo olhando os pontos de luz dapaisagem, cintilando no poluído ar da noite.

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Quando Puri se mudara para Gurgaon, cerca de 16 anos antes,aquilo ainda era um minúsculo vilarejo. Ele construíra sua casa, umaimitação das vilas espanholas, com telhas alaranjadas e toldos damesma cor, em um terreno cercado por quilômetros de campos demostarda e cana-de-açúcar. Mas não conseguiu escapar da cidade.Na última década, ela se expandira em ritmo vertiginoso.

Gurgaon, parte da Região da Capital Nacional — atualmente amaior aglomeração humana do planeta, com uma população que seaproxima rapidamente dos 17 milhões —, de repente setransformara em uma área de conjuntos habitacionais, monstruososcomplexos de shoppings e edifícios comerciais de vidro reluzenteque pareciam crescer da noite para o dia, como se fossem semeadoscom feijão mágico. Seriam os guindastes que pairavam sobre assuperestruturas de concreto gigantes regadores de jardim?

Nas sombras e rachaduras desse moderno mundo corporativo,nos terrenos onde ainda se construiriam prédios, dezenas demilhares de trabalhadores migrantes viviam em abrigosimprovisados sem banheiro ou água corrente. Frágeis tendasvendendo chai, tarra e sachês de xampu por uma rupia haviam seenraizado nas calçadas como obstinadas trepadeiras japonesas.Barbeiros e limpadores de cerume cumpriam seus ofícios entre astubulações de esgoto que esperavam para serem instaladas.

Enquanto fitava o horizonte, os pensamentos de Puri voltaram-separa seu guru. Em sua grande obra do ano 300 a.C., Arthashastra,literalmente, A ciência do ganho material, Chanakya enfatizara aimportância da produção de riquezas. Talvez um dos primeiroseconomistas do mundo, além de gênio da política, ele fora tambémum convicto capitalista.

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Chanakya teria ridicularizado as dinásticas medidasprotecionistas de Nehru e aplaudido o atual renascimentoeconômico da Índia, pensou Puri. Mas as favelas e a pobreza, adesigualdade e o abuso desenfreado dos recursos naturais, tudo issoo teria alarmado. Há mais de dois milênios ele ressaltara anecessidade de um governo justo e honesto. E ainda hoje, exceto porum punhado de políticos, a Índia era governada por um bando demalditos goondas.

Às vezes Puri pensava se o melhor não seria acontecer umarevolução. Mas ele duvidava de que isso acontecesse um dia. Osindianos eram, em sua maioria, camponeses, não revolucionários. Aguerra sempre fora característica da casta Kshatriya e, nos dias dehoje, grande parte deles era comerciante, executivo e engenheiro desoftwares. Alguns trabalhavam, inclusive, como detetivesparticulares.

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Uma buzina no portão trouxe Puri para a porta da frente com umgrande sorriso de expectativa no rosto.

Mas o sorriso se desfez quando um Indica vermelho, com o para-choque amassado, o para-lama batido e uma placa de Punjab entrou.O carro pertencia ao marido de sua irmã, Bagga-ji, que morava emLudhiana.

— Não me diga — gemeu o detetive para Rumpi, que estava aseu lado na varanda. Ela trocara de roupa e agora vestia um leve saride seda, que havia sido parte de seu enxoval de casamento. Tambémespalhara sindoor nos cabelos.

— Gorducho, pode parar com isso. Seja gentil. Eles têm notíciasboas.

— Estão se divorciando, é isso?— Já chega. Seja um bom anfitrião e não discuta mais com ele.Bagga-ji estacionou e saiu do carro. Tudo nele indicava coisas

baratas, desde a camisa de poliéster até o grande vão entre seusdentes pretos.

— Namaste-ji! — gritou ele, falando como se tivesse uma bola dealgodão na boca. — Como você está, Sr. Sherluck?

Puri se contorceu por dentro. Ele odiava que as pessoas ocomparassem a Sherlock Holmes. A grosseira pronúncia panjabi deBagga-ji deixava tudo ainda mais irritante.

— Olá, Sir-ji! — disse o detetive, pronunciando o “Sir” como“saar”. — Fez boa viagem?

— Bem, bem, bem, bem, bem — respondeu o cunhado.A irmã mais velha do detetive, Preeti, surgiu do outro lado do

Indica. De todos os pequenos, porém perniciosos males que sofriaessa grande e silenciosa mulher, o mais grave era a Baggatite.

— Gorducho, você perdeu uns quilinhos, não? — perguntou elaquando se cumprimentaram com um frouxo abraço de lado.

Isto foi dito com mais preocupação que admiração.

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— Não que eu saiba — disse Puri, observando a própria barriga,que saltava por cima do cinto.

Bagga-ji já tinha entrado na casa.Cinco minutos depois, quando Puri, Preeti e Rumpi chegaram à

sala de estar, ele já estava esparramado no chão. No carpete emfrente a ele, um grande copo de Royal Challenge e uma colagem depedaços de papel irregularmente recortados com nomes e númerosde telefone escritos em caligrafia aracnídea. Embalagens de cigarros,tíquetes de cinema, tiras rasgadas de envelopes — tudo isso serviacomo agenda de telefone para Bagga-ji e ficava, a maior parte dotempo, socado no bolso de sua camisa de manga curta.

— Desculpe, ji. Interurbano. Só cinco minutinhos. Você não seimporta, não é? — perguntou ele, segurando o telefone na orelha.

— Por favor, Sir-ji — respondeu o detetive —, sinta-se em casa.Você gostaria de uma almofada? De uma massagem nos pés?

O sarcasmo do detetive se perdeu antes de chegar ao cunhado.— Bem, bem, bem, bem, bem, bem, bem!O detetive ainda custava a acreditar que sua irmã se casara com

um Charlie. Mas Preeti nunca atraíra muitos pretendentes devido aseu peso e a sua pele. Ela já tinha 27 anos quando Jaideep Baggachegara com seu terno de segunda mão.

“Muito bom para nada, na?, fora a avaliação de Mama-ji depoisde encontrá-lo pela primeira vez.

Mas papai e o pai de Bagga-ji se acertaram e mamãe foraignorada.

O astrólogo da família selara o destino de Preeti. Jaideep Baggaera seu par perfeito. Não importava que o jovem só houvessedemonstrado aptidão para jogos de salão e comer grandesquantidades de laadus.

Durante os 33 anos que se passaram desde então, Bagga-ji — aquem Puri secretamente se referia como “Bagagem” — provara serum constante constrangimento para a família. O detetive temia

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convidá-lo para qualquer coisa, especialmente depois de suaperformance no casamento de Jaiya. Embriagado de uísque, elehavia tentado se insinuar para o ministro de Químicos eFertilizantes, pedindo um emprego para seu filho mais velho.Mesmo depois de receber uma severa reprimenda, Bagga-ji passarao resto da noite tentando aparecer em todas as fotos com umparlamentar de Chandigarh.

Abundavam piadas sobre os negócios de Bagga-ji. A companhiade transportes de seu finado pai falira há tempos. E, hectare porhectare, ele vendera quase toda a terra que herdara, torrando odinheiro recebido em empreendimentos insensatos. Certa vezchegara a investir em uma cadeia nepalesa de hambúrgueres deiaque. Mas, como todas as suas empresas, a Grande Iaque fora parao brejo.

Agora, ao que parecia, ele tramava alguma outra coisa. Com todacerteza, era “infalível” e faria dele o homem mais rico de Punjab.

— Lakshmi finalmente sorriu para mim! — disse ele em panjabicom um gesto grandioso, assim que desligou o telefone.

O detetive lançou-lhe um olhar de enfado.— Qual é o plano da vez? — perguntou ele, também mudando

para o panjabi. — Sorvete de leite de camelos de novo, é?— Na verdade, essa não foi uma ideia tão ruim — interrompeu

Preeti. Era raro que ela saísse em defesa do marido; normalmente,sofria em silêncio. — O sorvete era delicioso.

— O problema era tirar leite de todos aqueles malditos camelos!— gargalhou Puri.

— Pode rir o quanto quiser — disse Bagga-ji. — Logo você vaime parabenizar. Uma construtora quer levantar um shopping nomeu terreno. Estão me oferecendo um crore.1

— Que construtora? — perguntou o detetive, parecendo duvidar.

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— Uma construtora grande e respeitável. Eu visitei o escritóriodeles. Muito moderno. Estão oferecendo um contrato de tipoocidental.

Preeti acrescentou:— Tudo parece muito pukka, Gorducho.Outra buzina soou em frente ao portão. Puri olhou para fora a

tempo de ver Jaiya ser ajudada pelo marido a sair do carro.Sua barriga tinha ficado enorme e redonda.— Oi, papai! — disse ela, esforçando-se para caminhar até ele,

com um grande sorriso.— Nikhee, beta, tão bom ver você. Olhe para você! Quantos

meninos você tem aí dentro? — brincou ele.— Bem, na verdade, nós temos uma surpresa pra você, papai —

disse ela com um largo sorriso, apalpando a própria barriga.Os olhos do pai se arregalaram.— Não me diga.— Sim, papai, teremos gêmeos.— Por Deus! Minha querida, você ouviu isso? — gritou ele para

Rumpi. — Nikhee tem dois no tandoor!— Que notícia maravilhosa! — respondeu ela, tentando parecer

surpresa, embora fosse óbvio que já soubesse. — Tudo que possodizer é: ainda bem que preparamos tudo. Não é, Gorducho? — Episcou maliciosamente para Jaiya.

— Sim, minha querida — entoou Puri.

________________1 Outro tipo de moeda usada na Índia, além da rupia. (N. do E.)

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capítulo 6

NINGUÉM QUE VISSE O CONDUTOR DE RIQUIXÁ que estacionou seutriciclo na Basant Lane, atrás do Connaught Circus, poderiaimaginar que ele era um sa�ri — um espião, na antiga terminologiaChanakyan. Nem que ele conhecia cada bordel, cada casa de apostasilegal e cada rinha de galo da cidade — além da maioria de seusmelhores falsificadores, contrabandistas e fornecedores de qualquercoisa, de garrafas usadas de Johnnie Walker a vídeos pornôscaseiros. Cego de um olho, com cabelos pintados a hena e roupasvelhas e sujas de gordura, ele se misturava à paisagem urbana tãobem quanto os onipresentes corvos de Déli.

Nem mesmo sua família sabia de sua vida secreta.Talvez um dia, quando seus três filhos fossem bem grandes,

Baldev Pawar lhes contasse. Mas, por enquanto, era muito arriscado.Se uma única palavra sobre sua verdadeira identidade vazasse, suavida correria perigo e sua capacidade de operação seria severamentecomprometida.

Pior: ele cairia em desgraça aos olhos do pai.Papai Pawar, seguindo a grande tradição familiar, passara a vida

trabalhando como ladrão profissional. E como seu pai e o pai de seupai, trabalhara diligentemente para que seus filhos também setornassem hábeis e competentes trapaceiros.

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Aos sete anos, Baldev fora treinado para bater carteiras e aliviar opeso das bolsas das titias. Já adolescente, se graduara em trancas,ignições e cofres. Aos 20 e poucos ele começara a assaltar bancos.Mas depois de ter sido pego esvaziando o cofre da unidade deFaridabad do Banco Nacional de Punjab e, em seguida, confinadonuma cela infestada de ratos por cinco anos, ele decidira fazer oimpensável e se endireitar. Papai Pawar ficou devastado. Roubar etrapacear era o destino de seu filho; dacoity estava em seu sangue,argumentava ele. Mas a Índia estava mudando. O fato de vocênascer em determinada casta, tribo ou clã não significava quedevesse seguir o ofício prescrito por seus antepassados, Baldevcontra-argumentava.

Como Baldev, codinome Lanterna, se tornara um dos agentes deVish Puri era uma história à parte. Basta dizer que ele não a contariaao pai ou aos irmãos, os quais ainda se ocupavam dos negóciosfamiliares e moravam na vizinhança. Era melhor acreditarem que eleera um humilde condutor de riquixá a saberem que ele trabalhavapara um de seus inimigos naturais: um jasoos.

Além disso, riquixá wallah era o disfarce perfeito para o tipo detrabalho que Lanterna realizava agora — seguir noivos, espiarmaridos errantes, fazer amizade com os empregados das casas edeles obter os segredos de seus patrões. Ele não tinha de dar

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satisfações sobre seu paradeiro a ninguém; podia ficar em qualqueresquina ou em frente a qualquer banca de chai sem levantarsuspeitas; e, tirando as propinas pedidas pela polícia, o triciclo eraum meio de transporte ágil e econômico.

Rejeitar corridas tão pouco era um problema. Os clientes estavamacostumados a condutores de riquixás rudes e inflexíveis quenegavam transporte, sempre que o destino solicitado não lhesconvinha.

Ainda assim, quando Lanterna cruzava a cidade, às vezes pegavaclientes pagantes. Além de ganhar umas rupias extras, era umexcelente modo de sentir a pulsação da cidade.

Naquela manhã, a caminho de seu encontro com Puri, toda aconversa no banco de trás tinha sido sobre o sensacional assassinatodo dia anterior. Um casal de idosos descrevera Kali como se a tivessevisto com os próprios olhos. Do alto de seus 30 metros, ela haviaassassinado dúzias de pessoas, daí o cordão de isolamento da políciana área, disseram.

— Vamos rezar para que ela nos livre de nossos políticos! —declarara a senhora.

Um vendedor de fertilizantes da cidade de Indore acreditava queKali ia varrer os pecadores do mundo. A julgar por sua expressãoaterrorizada, parecia que ele havia pecado bastante.

Dainik Jagran, o jornal híndi mais vendido (56 milhões deleitores), também se ocupava das mesmas notícias.

Enquanto Lanterna esperava Puri no banco de trás do riquixá, leuuma descrição de como, na última noite, por razões de segurançanacional, a polícia tirara milhares de adoradores de Kali das ruaspróximas ao Portão da Índia.

Até agora, assinalava o editorial, os políticos nacionalistas hindus nãotentaram explorar a situação. Sem dúvida por causa da proximidade doParlamento e dos principais ministérios — sem mencionar suas própriasresidências —, eles pedem calma.

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— Acha que Swami-ji fez isso? — perguntou Lanterna em híndiquando o detetive finalmente chegou.

Os dois estavam em frente a um de seus dhabas prediletos, queservia kokis. O aroma de cebolas, pimentões verdes, sementes decominho e coentro fresco fritos em ghee pairava sobre eles. Os doispediram uma das panquecas à moda sindhi e sorveram seus copos dechai. A bebida parecia animar Lanterna, que ainda estava grogue,pois madrugar era um anátema para ele.

— Se ele for o culpado, será um desafio provar isso, pode tercerteza — disse Puri. — Nós precisaríamos que alguém se infiltrasseem seu ashram. É o único jeito.

Na quente tawa, o koki chiava e espirrava.— Como foi ontem à noite? — perguntou o detetive em híndi.Puri incumbira Lanterna de rastrear o policial R. V. Dubey,

primeiro a chegar à cena do crime, para descobrir se ele havia vistoou escutado qualquer coisa que não aparecera no panchnama oficial.

Este era o procedimento-padrão da Mais ParticularesInvestigadores, uma vez que policiais quase nunca passavam asinformações mais importantes aos superiores — fosse por puraincompetência (qualquer sujeito capaz de assinar o próprio nomepodia ser policial, e eles não recebiam nenhum tipo de treinamentoinvestigativo) ou deliberadamente (o mais comum era que fossemsubornados para ficar de bico calado ou que ficassem com medo).

— Fiz amizade com o policial Dubey em um bar — respondeuLanterna, que combinava o talento de fazer as pessoas falarem comuma resistência à bebida que poucos homens possuíam. — Nóssaboreamos um pouco de rum Old Monk juntos.

— E?— Chegando à cena do crime, ele passou por um vendedor de

sorvete que empurrava o carrinho. Ele estava com um catador delixo. Homem, 20 e poucos anos, pele escura.

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— Paagal! — berra Puri. — Era o assassino! Deixou ele escapar,não foi?

— É claro que sim, Chefe — Lanterna deu de ombros.Os kokis foram servidos com um toque de manteiga e

acompanhados de um pouco de coalhada e picles de alho.Enquanto eles os partiam avidamente com os dedos, o detetive

perguntou:— Esse Charlie viu a arma do crime?— Não viu, Chefe.— Você acredita nele?— Sim, Chefe. No fim da noite, ele estava tagarelando feito um

papagaio. Acredite em mim, fiquei sabendo de todos os segredos.Preferia não ter escutado a maioria deles.

— Agora tenho uma nova missão para você — disse Puri,acrescentando, em inglês: — Sem descanso para os ímpios, hein?

Lanterna não devolveu o sorriso maroto de Puri. Ele vinhatrabalhando muitas horas nas últimas semanas, e graças ao calor e às“reduções de carga” constantes, ou seja, aos cortes de energia, ele esua família iam para o telhado de sua pequena casa à noite. Dormirjá era difícil, ainda mais com os mosquitos e as incessantes brigas docasal vizinho. O agente precisava ser “desligado”. Mas este nãoparecia ser o melhor momento para tocar no assunto; o Chefe estavacom aquele olhar inquieto.

— Você conhece algum mágico? — perguntou Puri.— Jadoo wallahsi — Os olhos de Lanterna se arregalaram. — É

melhor ficar bem longe deles.— Por que, exatamente?— Eles têm poderes. Todo mundo sabe que eles jogam maldições

nas pessoas.Puri conseguiu apenas sorrir da natureza supersticiosa de seu

agente.— Mesmo assim, preciso falar com eles — insistiu.

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Lanterna olhou o patrão com cautela.— Eles vivem em Shadipur Depot, nas favelas — disse. — Têm

sua própria língua, uma língua de mágicos, passada de pai parafilho. Ninguém mais consegue entender. Nem mesmo eu. Mas temum velho babu que pode ajudar. Ele se chama Akbar, o Grande.

A tarefa do dia de Puri era procurar os membros sobreviventesdo Clube do Riso. Antes disso, ele planejava entrar no escritório doDr. Jha no DIRE. O detetive estava certo de que o instituto estariafechado e queria aproveitar a oportunidade para xeretar a mesa e osarquivos do Caçador de Gurus sem que ninguém soubesse. O queera típico no trabalho de detetive de Puri. “Quanto menos gentesouber o que eu sei, melhor” era um de seus lemas.

Freio de Mão o levou até Nizamuddin West, antes uma vilaindependente que abrigava o túmulo do mais venerado santo sufi daÍndia, mas agora apenas um bairro do sul de Déli. A Índia de ruelase becos estreitos, cheios de peregrinos muçulmanos, de mendigosdrogados embalando bebês e da fumaça dos fumegantes kebabs decarneiro dera lugar a ruas residenciais limpas, alinhadas por casas eapartamentos que pertenciam a ricos mercadores muçulmanos,advogados e comerciantes de pedras preciosas.

O quartel-general do DIRE era um bangalô dos anos 1950. Haviabarras enferrujadas nas pequenas janelas e buddleias crescendo nasrachaduras das paredes sujas de fuligem. Lia-se em um cartaz noportão:

VOCÊ TEM PODERES SOBRENATURAIS?VOCÊ PODE CURAR UMA PESSOA COM DOENÇA TERMINAL?

CONSERTAR UM TRANSISTOR USANDO O REIKI?

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ANDAR SOBRE AS ÁGUAS?LER A MENTE DAS OUTRAS PESSOAS?

VOAR PARA A LUA E RETORNAR SEM A AJUDA DE UMA NAVE ESPACIAL?SE SIM, VOCÊ PODE GANHAR DOIS CRORES DE RUPIAS!

É SÓ COMPROVAR SEUS PODERES EM UMA LOCALIZAÇÃO ESPECIFICADA

PELO RACIONALISTA E “CAÇADOR DE GURUS” DR. SURESH JHA.INSCREVA-SE AQUI.

NOTA IMPORTANTE: O DINHEIRO DO PRÊMIO NÃO ESTÁ EM NOSSO

ESCRITÓRIO.

Como já antecipara, Puri encontrou um cadeado no portão dafrente. Eram apenas nove da manhã, e a secretária do Dr. Jhademoraria pelo menos mais uma hora para chegar, se é que ela viriatrabalhar, coisa de que duvidava. De acordo com a Sra. Jha, comquem Puri conversara rapidamente depois da cremação do maridono dia anterior, o futuro do DIRE era incerto. O velho Caçador deGurus o dirigira mais ou menos sozinho e não apontara sucessor.

O detetive contornou o edifício até a porta da cozinha e aencontrou já aberta. Parecia que a tranca havia sido forçada,provavelmente por um rijo instrumento de metal, como uma faca.

Ele podia ouvir a movimentação dentro do bangalô — gavetassendo abertas e fechadas; farfalhar de papéis; alguém tossindo.

Puri entrou, mas teve de prosseguir devagar por conta do chiadoproduzido pelas solas de borracha de seus sapatos ortopédicos,usados devido ao encurtamento de sua perna esquerda.

Ele cruzou o piso de pedra da cozinha na ponta dos pés, semfazer um único ruído, e entrou na recepção-administraçâo. Era umasala grande, escura, mofada e decorada com simplicidade, comapenas algumas mesas e cadeiras e uma antiga impressora Gestetnercom um cartucho novo de tinta azul.

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A porta que levava ao escritório do Dr. Jha ficava do lado direitoda sala. Estava fechada, mas havia alguém lá dentro.

O detetive continuou na ponta dos pés. Mas quando chegou àporta sentiu uma dolorosa câimbra em sua perna esquerda. Isso ofez parar e, ao jogar todo o peso para o pé direito e quase perder oequilíbrio, seu sapato chiou como um pato de borracha no banho dascrianças.

Puri gelou, seu coração batendo loucamente. Esperou a câimbradiminuir, sem mover um músculo. Levou quase um minuto até ador passar. Então ele lentamente empurrou a porta do escritório doDr. Jha.

Estava vazio. No lado direito do cômodo ficava outra porta,entreaberta. Puri se aproximou cautelosamente. Abriu-a comsutileza.

Só então ele foi atingido por trás, na cabeça, por um objeto duro.Ouviu alguém dizer “Oh, pilantra” antes de cair no chão,inconsciente.

Quando Puri voltou a si, sentia uma dor de cabeça latejante eouvia o som da voz de uma mulher perguntando se ele podia escutá-la.

Aos poucos, sua visão recuperou o foco. A primeira coisa que viufoi um enorme e vacilante ponto vermelho. Quando sua visão ficoumais clara, reconheceu o rosto da secretária do Dr. Jha, a Sra. Ruchi,que estivera na cremação do dia anterior. Ela usava um grande bindivermelho.

— Sr. Vish Puri, o senhor está bem? — perguntou ela, olhandopara ele.

O detetive tentou responder, mas suas palavras saíramininteligíveis.

— É melhor descansar — disse ela. — Sofreu um golpe violento.Felizmente não há sangue.

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O detetive colocou a mão na parte de trás da cabeça; um grandegalo já se formara.

— Quem o atacou, Sir, usou isto — disse a Sra. Ruchi segurandoum taco de críquete. — Uma tacada e tanto, ao que parece.

Outros cinco minutos se passaram até que Puri conseguisse sesentar. O chão em volta estava coberto de papéis, do conteúdo dasgavetas da mesa do Dr. Jha e das próprias gavetas. Evidentemente,alguém havia revirado o lugar.

— A última coisa de que me lembro... — disse Puri, que sofriauma leve amnésia — era de cruzar a recepção... eu ouvi... algo ládentro. Mas depois... E isso... Não tinha nada. Tudo se apagou, sóisso.

— Viu quem o atacou? — perguntou a Sra. Ruchi, olhando-o comuma expressão carinhosa e complacente.

Ele hesitou antes de responder.— Eu acho que não... mas... — respondeu ele.Puri estava com uma sensação incômoda, como se tivesse se

esquecido de fazer alguma coisa, mas não conseguia lembrar o queera.

— Pode ser que eu me lembre depois — acrescentou ele. — Háquanto tempo estou aqui?

— Não tenho certeza, Sir. Cheguei há cinco minutos. São 9h30.A Sra. Ruchi ajudou o detetive a se sentar em uma cadeira e

depois saiu para buscar um copo d'água. Puri, sentado, observou oescritório. Pregada em um quadro na parede estava uma coleção defotos do Dr. Jha com um grupo de jovens voluntários trabalhando nazona rural da Índia, durante uma recente campanha de“conscientização” do DIRE. Eles se revezavam andando sobre asbrasas, uma façanha perpetrada por muitos sanyasis viajantes a fimde demonstrar seus “poderes sobrenaturais”. Um grupo decamponeses observava. A ideia era deixar claro para aqueles

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trabalhadores iletrados que os gurus da Índia eram apenascharlatães.

Será que algum dos voluntários ou talvez um racionalista rivalpoderia ter cometido o assassinato?, o detetive se perguntavavagamente. Essas pessoas estudavam os truques e as ilusões dosgurus, afinal. Será que algum deles queria o Dr. Jha fora docaminho?

— Sir, espero que não se aborreça com minha pergunta, mas oque o senhor estava fazendo aqui? — perguntou a Sra. Ruchi,interrompendo os pensamentos do detetive ao voltar com um copod'água.

— Eu estava apenas passando por aqui e vi a porta aberta. Amaçaneta tinha sido forçada. Então, naturalmente, era meu deverinvestigar.

— Suponho que tenha sido gente do Maharaj Swami — disse aSra. Ruchi.

— Viu quem era, não viu? — perguntou Puri, enquanto tomava aágua e sua cabeça começava a melhorar.

— Infelizmente, vi apenas de relance as costas dele quandoescalou o muro atrás do terreno. Tinha um carro esperando. Eu ouvio carro indo embora.

— O que ele estava procurando? — perguntou Puri.— O arquivo do Doutor-Sahib sobre o guru, provavelmente.— E ele o encontrou, o arquivo?— Por sorte, não. O Doutor-Sahib o guarda em um lugar secreto.

Quero dizer... — A Sra. Ruchi deixou seu olhar cair para o chão;subitamente, ela parecia tomada de tristeza. — Quero dizer, guardavao arquivo em local secreto.

— Sinto muitíssimo por sua perda — disse Puri, que não tivera aoportunidade de apresentar suas condolências no dia da cremação.— O Dr. Jha fará muita falta. Ele era um sujeito direito, em todos osaspectos.

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— Obrigada, Sir — disse ela, enquanto as lágrimas começavam arolar pelo seu rosto. Ela as enxugou com um lenço, rapidamenteretomando a compostura. — É verdade que está investigando oassassinato? — E acrescentou, rapidamente: — A Sra. Jha me contou.

— Certamente que sim — respondeu ele. — E lhe asseguro,minha querida Sra. Ruchi, definitivamente, vou até o fim disso, porbem ou por mal. Vish Puri sempre pega o homem, ou, nesse caso,devo dizer, “a divindade”?

— Fico contente em ouvir isso, Sir — disse ela. — Adorariaajudar de qualquer maneira. Assim como todo mundo, quero queMaharaj Swami enfrente a justiça.

— A senhora está certa de que foi ele, não está?— Quem mais poderia ter sido? — exclamou ela, olhos

arregalados, como se Puri tivesse blasfemado. — O Dr. Jha era oinimigo número um de Maharaj Swami. Estava em uma incansávelcampanha contra ele. E, recentemente, vinha investigando umsuicídio muito suspeito de uma jovem no ashram do guru, a Moradado Amor Eterno. O nome dela era Manika Gill. O Dr. Jha acreditavaque ela tinha sido assassinada. E tem mais uma coisa — continuou aSra. Ruchi. — Ontem o Dr. Jha recebeu uma ameaça de morte. Voutrazê-la para o senhor.

Ela desapareceu na recepção e logo voltou com o pedaço depapel escrito com letras recortadas de um jornal híndi. Puri leu emvoz alta:

— “Sempre que há um enfraquecimento da ordem e um fortalecimentoda desordem, eu me manifesto. Para a salvação dos justos e para adestruição dos que praticam o mal, para o firme estabelecimento da lei, eunasço, era após era.”

— Isto é do Bhagavad Gita, livro 4, creio — disse o detetive. —Algumas pessoas acreditam que significa que o Senhor Vishnu vaiaparecer na Terra quando a humanidade não mais distinguir o certo

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do errado. É um tipo de profecia apocalíptica. Como isso chegouaqui?

— Foi colocado na caixa de correio anteontem. Isto é, segunda-feira.

— Qual foi a reação do Dr. Jha, exatamente?— Ele não levava essas ameaças de morte a sério, Sr. Puri. Ele

recebeu muitas delas nos últimos anos, como pode imaginar.— Sra. Ruchi, tenha a bondade de me fazer uma cópia desse

papel e guarde o original em um lugar seguro aqui com a senhora.— É claro, Sir. Tem um tvallah de fotocópia sob a árvore pilu na

rua.— Eu também ficaria imensamente agradecido com uma cópia

do arquivo do Dr. Jha sobre Maharaj Swami. Isso seria possível?— Com certeza, Sir. Vou buscar.Ela foi procurar o arquivo, enquanto o detetive se levantava,

ainda zonzo, e voltava à cozinha.Procurar impressões digitais na maçaneta seria perda de tempo,

pensou ele. Mas Puri queria ver se havia qualquer outra pista: talvezuma pegada de bota no chão ou algum fio preso em um prego.

Ele examinava a porta quando a Sra. Ruchi veio ao seu encontro,segurando o bojudo arquivo.

— Para falar a verdade, essa maçaneta era fácil de abrir — disseela. — Um dia eu esqueci minha chave e consegui entrar usandouma chave de fenda que tenho no carro. Estou para consertá-la háséculos. Hoje à tarde vou chamar o chaveiro.

— Alguém mais sabia que ela estava quebrada?— Não que eu saiba. Além de mim, só os faxineiros usam essa

porta.Puri já tinha visto o bastante e acompanhou a secretária até a rua,

para solicitar os serviços do uallah de fotocópia.— Diga-me, Sra. Ruchi — disse ele —, por que a senhora veio ao

escritório hoje? Deveria estar descansando, não?

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— Alguém tem que tomar conta do escritório e... — Seus olhoscomeçaram a se encher de novo. — Acho que eu queria estar aqui...Estar, bem, perto dele. Isto soa estranho?

— De forma alguma. É plenamente compreensível.Lágrimas começaram a rolar de novo pelo rosto dela.— Não consigo acreditar que ele se foi — disse ela, esforçando-se

para manter a voz firme. — O Dr. Jha era como um pai para mim,tão calmo e gentil. É como se houvesse um grande buraco em meucoração. O que eu vou fazer sem ele?

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capítulo 7

ENQUANTO PURI SEGUIA PARA INTERROGAR os integrantessobreviventes do Clube do Riso, sua mulher estava sentada na casade cinco quartos de Lily Arora, em Greater Kailash, bairro luxuosodo sul de Déli.

Local escolhido para a reunião desse mês do Clube Ki�y Party, asala de estar fora decorada com mobílias “inspiradas” no mundoantigo. A mesa de centro de mogno parecia um altar grego. Os sofásitalianos, com braços dourados e desenhados como grandes folhasenroladas, sugeriam a devassidão romana. Estátuas de faraós, negrase douradas, e esfinges compradas na loja de um hotel de Las Vegasadornavam ambas as mesas laterais. E uma cornija de mármore foradecorada com os leões alados de Zaratustra. Maços de girassóis deplástico em réplicas de vasos fenícios pontilhavam todo o lugar —junto com suportes de guardanapo de dragões chineses cheios deguardanapos de papel cor-de-rosa.

O encosto rígido, escorregadio e curvo dos sofás não convidavaao aconchego ou relaxamento. Rumpi e as outras 14 integrantes daki�y party — todas donas de casa, muitas delas conhecidas de anos— tinham de se sentar na beira dos assentos. O que era muitoadequado à Sra. Nanda, que, com as costas eretas, o queixo elevado euma enxurrada de joias de ouro, era um modelo de atitude eelegância. Pequenina e de óculos, a Sra. Shankar, que praticava ioga

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e meditação e sempre vestia longos, capris folgadas e achkansestampadas, também estava empoleirada graciosamente. Mas, para ogosto da Sra. Devi, que, segundo ela mesma admitia, tinha “umaboca para o doce e outra para o salgado” e tomava muito maisespaço que as senhoras já mencionadas, a proposta de mobília deLily Arora era desconfortável e injustificada.

— O que eu não faria por um saco de feijão agora — murmuravapara Rumpi a Sra. Devi.

Mesmo assim, enquanto as serviçais circulavam com bandejas dechai “instantâneo”, chiivda apimentada, salada de amendoim esamosas vegetarianas, a sala se enchia de conversas — sem contar oinebriante perfume de Lily Arora. De um lado da sala se discutia arecente queda das ações da Bolsa de Mumbai. No meio, a conversaera sobre as provas de fim de ano que já estavam chegando. E umpunhado de senhoras perto da imitação de lareira fazia planos parao show de Anoushka Shankar no Parque Nehru.

Logo, porém, espalhou-se pelo salão a notícia de que a nora daSra. Bina Bakshi havia “fugido da gaiola” — ou, em outras palavras,da casa dos sogros. A Sra. Nanda, cujo marido era um consultormuito poderoso, ouvira que o “garoto” bebia demais.

— Ao que parece, ele fica tuly todas as noites — informou ela. —A nora da Sra. Bina Bakshi estava deprimida.

A Sra. Devi, mulher de um alto burocrata, agarrou-se avidamenteà fofoca, espalhando que soubera por uma fonte sigilosa que a Sra.Bakshi e a “garota” não “haviam se bicado desde o momento em queela entrou em casa”. A Sra. Bansal, única das presentes que haviacomparecido ao casamento de conto de fadas dos Bakshi, no Hya�,falou logo depois. A nora da Sra. Bakshi, disse ela em tomreprovador, tinha “ideias modernas”. Como não era uma “pessoacaseira”, estava tentando adiar o nascimento dos filhos para sededicar à carreira em marketing ou “em qualquer outra bobagem”.

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— Os pais dela devem ter ficado muito envergonhados —comentou outra mulher. — Não consigo nem imaginar.

— Será que ela não tem respeito? — opinou outra voz.Foi aí que a grisalha mãe de Puri, que comparecera à ki�y party

pela primeira vez, a convite de Rumpi, falou.— Muitas mudanças na sociedade estão acontecendo, eu vou lhes

contar — disse ela. — Relacionamentos estão virando uma bagunça,não? Os garotos são os principais culpados. Num minuto queremgarotas com estudo, no outro querem donas de casa. Há muitaconfusão, na verdade.

Como ela era pelo menos 15 anos mais velha que as outras nasala, suas palavras desencadearam uma saraivada de aprovações.

— Verdade total, Titia-ji.— Corretíssimo.— Concordo plenamente.Mas no fim do debate a opinião mais comum ainda se mantinha.— Os homens não são perfeitos, não há dúvida disso — concluiu

Lily Arora, cujos kurta rosa-shocking, churidar e salto alto com tirasprateadas eram acompanhados por mais maquiagem que a de todasas outras mulheres juntas. — Mas é dever da esposa aturar. Vejam oque eu tive que passar. Sanjeev é um cafajeste, falando francamente.Mas fugir era algo impensável. Isso traria muita dor para as duasfamílias, a minha e a dele. Nessas situações, você tem que pensar nosoutros.

“Quanto aos maridos — prosseguiu ela —, meu adestrador decães, Arti, sempre diz para recompensar seu vira-lata quando ele fazo que você pede e dar a reprimenda adequada quando ele não faz.Funciona do mesmo jeito com Sanjeev.

Depois que as gargalhadas terminaram, a Sra. Deepak anunciouo nascimento do quinto neto. Amar, quatro quilos, nascera naMaternidade Feliz e Sortudo.

— De cesariana — acrescentou ela, irradiando orgulho.

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Em seguida, a Sra. Azmat compartilhou suas novidades. Desdeque as senhoras se reuniram pela última vez, no mês anterior, ela e omarido fizeram um cruzeiro pelos Grandes Lagos.

— Eles são mesmo grandes em todos os sentidos — disse ela,mostrando às outras mulheres algumas das dúzias de fotografiasque o marido tirara dela na frente de uma série de paisagensdramáticas.

A conversa fluía — discutiam os eventos do Rajpath, o preçoastronômico do ouro e as notícias de uma nova epidemia de denguena cidade.

— Até o filho do presidente pegou.— Imagine só.— Ninguém está a salvo.Por volta de 13h, Lily Arora finalmente reuniu o grupo e fez

vários anúncios. O encontro do próximo mês seria no Chor Bizarre,que oferecera um almoço especial de ki�y party a 500 rupias porcabeça. Seu filho e sua nora, que eram membros de um dos novos“casais ki�ies”, estiveram lá e acharam o lugar “bem satisfatório”.

Em seguida, o palestrante convidado deste mês, um instrutor deexercícios físicos chamado Bappi, entrou na sala. Jovem diminutomas musculoso, com louros cabelos tingidos, ele tomou o lugar deLily Arora em frente à lareira, com o retrato do carrancudo avô deSanjeev Arora por trás dele. Enquanto as senhoras continuavam amastigar ruidosamente as chiwda fritas, ele perguntou se algumadelas tinha diabetes. Oito mãos se ergueram.

Quantas delas faziam exercícios regularmente?Mais uma vez, houve grande elevação de mãos.— Senhoras, caminhada casual não conta — repreendeu Bappi.A maioria das mãos foi abaixada.Bappi, então, pegou o folheto que tinha deixado sobre uma

bancada. A primeira página mostrava uma atarracada indiana demeia-idade. Ao lado dela, uma moça ocidental extremamente

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atlética usando collant. Mude de titia-ji para miss uau!, dizia amensagem embaixo.

— Vocês também podem ficar assim com apenas 30 minutos detreino todos os dias na Counter Contours — declarou Bappi. —Temos um programa de treinamento específico para cada idade.

Ele passou os 15 minutos seguintes demonstrando algunsexercícios muito simples. Quando terminou, as senhoras oaplaudiram.

— Eu estou certa de que concordamos que todas nós podemosfazer mais para ficarmos em forma, e o Sr. Bappi nos deu ótimassugestões — disse Lily Arora, enquanto o instrutor recolhia suascoisas e partia.

Estava na hora do momento mais ansiosamente esperado dafesta: o sorteio.

Tradicionalmente, cada membro de uma ki�y party traz umaquantia fixa de dinheiro todo mês. A soma total é dada à sócia cujonome é tirado de um chapéu. Cada uma pode ganhar apenas umavez, então, em sua essência, a ki�y party é um sistema de empréstimosem fins lucrativos. A festa de Lily Arora expressava o que havia demais moderno nos valores da classe média indiana, pois parte dodinheiro era dada à caridade e parte era guardada para as férias dogrupo, como a visita ao Parque Nacional Corbe� que as senhorasprogramavam para o fim do ano.

Este era o quinto sorteio.— Senhoras, é hora de sacar o dinheiro — disse a Sra. Arora com

um saco plástico nas mãos. — Estou colocando minhas 5 mil rupias.Por favor, senhoras, façam o mesmo. A única exceção é a Sra. Puri,que está participando pela primeira vez e, portanto, deve colocar asoma dos cinco meses. Essa é, reconhecidamente, uma práticaincomum, mas estamos todas encantadas por termos a Titia-jiconosco.

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As senhoras abriram as bolsas e tiraram maços de dinheiro, queforam colocados na sacola.

— O prêmio de hoje é de 80 mil. Dos quais 10 mil estamosdoando para caridade. Este mês a Sra. Azmat indicou uma ONG queajuda crianças carentes chamada Fundação Sorriso. Vinte vão para ofundo das férias. Sobram 60. Todas as senhoras que não receberam oprêmio nos meses anteriores podem entrar no sorteio.

Uma onda de expectativa inundou a sala enquanto 12 senhoras,incluindo Rumpi e mamãe, escreviam seus nomes em pequenospedaços de papel. Depois de dobrados, eles eram jogados em umapequena vasilha de plástico.

Lily Arora deu uma boa chacoalhada na vasilha, mexeu os papéise, com os olhos fechados, pegou um nome.

— E a vencedora é... — anunciou ela, fazendo uma pausa paraefeitos dramáticos, como Shahrukh Khan em Kaun Banega Crorepati?— Neeru Deepak! Parabéns!

A Sra. Deepak, aquela com abundância de netos, deixou escaparum gritinho de alegria e recolheu seu dinheiro.

— Diga-nos, o que você vai fazer com isso? — perguntou aanfitriã, quando entregou o prêmio.

— Prometi um Xbox novo para meu neto mais velho. Oaniversário dele está chegando — disse ela.

— Muito bem — disse Lily Arora, sorrindo. — Então, pelasregras, você vai fazer sua contribuição no mês que vem, mas nãopoderá participar do sorteio. Você também é a responsável pelaslembrancinhas do nosso próximo encontro.

As senhoras voltaram para o chá e para a fofoca enquantoesperavam o almoço ser servido.

Uns dez minutos depois, o poodle de Lily Arora começou a latirem um dos quartos de trás da casa. Houve um estouro na cozinha.Vozes exaltadas foram ouvidas. Rumpi achou que era algum tipo de

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discussão entre os empregados. Mas então dois homens invadiram asala de estar usando meias de náilon no rosto.

— Isso é um assalto! — gritou o mais alto dos homens em híndi,declarando o óbvio. Ele brandia um revólver de fabricação indiana.Parecia uma imitação precária de uma pistola inglesa. — Todomundo sentado e fazendo o que a gente quer, e ninguém vai semachucar!

Algumas mulheres gritaram. Lily Arora se levantou e berrou:— Como vocês se atrevem a invadir a minha casa assim! Quem

vocês pensam que são? Vocês sabem quem é o meu marido?— Cala a boca, mulher! — interrompeu o homem armado,

apontando o revólver para ela. — Senta aí!Lily Arora o olhou com desprezo, as mãos nos lábios.— Não vou fazer nada disso!— Senta aí senão eu atiro! — O homem engatilhou a pistola.O clique fez com que algumas mulheres gritassem de novo e

escondessem os rostos com as mãos.— Por favor, sente-se — insistiu a amedrontada Sra. Nanda,

puxando Lily Arora pelo churidar. — Não vale a pena. Faça o que elemanda.

Com um gélido olhar de desprezo, a anfitriã tomou seu lugar nosofá.

— Assim tá melhor — disse o bandido, colocando-se de costaspara a lareira, a posição central da sala, enquanto seu cúmplicevigiava a porta. Agora, a maioria das senhoras estava com as mãospara cima, embora eles não houvessem mandado.

— Nós queremos a grana do sorteio. Cadê? Passa para cá.— Está aqui, comigo — deixou escapar a Sra. Deepak, que

tremia. — Pegue. Só não machuque ninguém.O bandido pegou o dinheiro e o contou por alto. As mulheres

trocaram olhares perplexos, mas permaneceram em silêncio.— Só tem 50 ou 60 aqui. Cadê o resto? — quis saber ele.

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Uma voz calma e baixa falou. Era da mãe de Puri.— Não precisa gritar, na? — disse ela. — Está aqui comigo.O bandido atravessou a sala.— Onde? — perguntou ele.— Na minha bolsa, aqui. — Com “bolsa” ela queria dizer mala. O

homem a pegou e começou a remexer seu conteúdo. Embora detamanho médio, a mala continha uma considerável quantidade decoisas: carteira, celular, kit de maquiagem, uma volumosa agendatelefônica, uma pequena sacola plástica com prasad, uma cópia emminiatura do Gita e uma latinha de Mace. O bandido derruboumetade dos itens no chão em sua busca pelo dinheiro.

— Não tem nada aqui! — exclamou ele, por fim.— Tem certeza? Estranho, na? Deixe-me ver.Quando ela pegou a bolsa de volta, arranhou a mão esquerda do

bandido com a unha de seu indicador direito. O bandido ganiu.— Ei, o que você tá fazendo, titia? — gritou ele, afagando a

própria mão.— Que desastrada que sou, na? — disse ela, dando um sorriso de

desculpas. — Você vai precisar de um curativo. A Sra. Arora deveter.

— Esquece isso! Só me passa a grana, ou eu atiro! — Ele levantoude novo seu revólver esquisito. Dessa vez, ele apontou direto para atesta de mamãe.

— Está aqui, está aqui! — interrompeu Lily Arora, rapidamente.— Está comigo. Deixe-a em paz!

A anfitriã pegou o saco plástico do chão e o jogou para ele.— OK, vamos dar o fora daqui — disse o cúmplice na porta. Ele

era visivelmente jovem; dava para perceber pelas mudanças de tomda voz.

— Cala a boca, Salah! Vá ligar o carro!O adolescente hesitou e depois saiu correndo da sala.

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O homem com a arma também se encaminhou para a porta, seurevólver ainda ameaçando todo o grupo.

— Quero todo mundo de joelhos e com a cara no chão. Agora!Uma por uma, com diferentes graus de sucesso, as senhoras

cumpriram as instruções.— Agora fiquem aí por cinco minutos e nada de chamar a polícia!

Lembrem-se de uma coisa: eu sei onde vocês moram!O bandido deu uma última olhada pela sala e sua coleção de

traseiros apontados para cima. Depois foi embora.As senhoras soltaram um suspiro coletivo de alívio. Todas

ficaram no mesmo lugar, exceto mamãe.— Chame a polícia e não mexa nas minhas coisas — cochichou

ela para Rumpi.— Mama-ji, aonde vai? — perguntou a mulher de Puri, sentando-

se nos calcanhares. — É perigoso!Ignorando-a, a velha senhora colocou a cabeça para fora da porta

da sala a tempo de ver o bandido escapando pelos fundos da casa.Ela foi para o portão da frente, onde os motoristas de todas as

convidadas estavam sentados na calçada jogando teen pa�i.— Uns goondas fizeram um assalto à mão armada na nossa ki�y

party! — anunciou ela. — Cadê meu motorista, Majnu?— No banheiro, madame. — respondeu um dos homens.— Típico! Mas precisamos persegui-los, na? Um de vocês vai

dirigir. Vamos. Não fiquem enrolando.Todos os motoristas colocaram as cartas no chão e se levantaram

em sinal de respeito, mas nenhum se pôs em ação. Eles precisavamda autorização de suas respectivas madames antes de deixarem seuspostos, explicou um deles.

Mamãe voltou para dentro e procurou Lily Arora. Mas o Sumoda dona da casa estava preso atrás de outros quatro carros.

Quando eles foram tirados do caminho, os bandidos já estavambem longe.

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A polícia chegou à casa em tempo recorde e em número recorde,graças à Sra. Devi, cujo marido era amigo de infância do diretor depolícia.

Logo foram descobertos dois empregados na despensa,amarrados e amordaçados. Depois de libertados, foramsumariamente levados à delegacia, sob suspeita de cumplicidade nocrime.

O poodle de Lily Arora foi encontrado inconsciente no chão dacozinha e levado às pressas para o veterinário.

Um jovem subinspetor assistente tomou os depoimentos dassenhoras na sala de estar. Ele fez pouco caso de mamãe, que entãoprocurou seu superior.

O inspetor I. P. Kumar estava em frente ao portão de entrada comoutros três policiais estúpidos, falando com os pobres motoristas.

— Madame, a senhora prestou depoimento? — perguntou ele,cansado, quando ela insistiu em lhe falar.

— Para que isso? Que estúpido ele é, na? Tem rajma em vez decérebro, parece. Agora, algo há que você deve saber. Então presteatenção, na! Tenho uma prova cabal para mostrar.

Mamãe levantou a mão direita: ela tinha envolvido a mão em umsaco plástico.

— A senhora se machucou, madame? — perguntou o inspetorKumar.

— Nada disso — respondeu ela. — Só arranhei o bandidodeliberadamente.

— Por que, exatamente?— Para fazer uma coleta de DNA, naturalmente — disse ela, sem

paciência. — É isso que estou tentando dizer. Há amostras da peledaquele goonda debaixo da minha unha. As impressões digitais estãono meu Gita e no meu celular também.

Mamãe mostrou outro saco plástico, que continha as demaisevidências coletadas.

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— Madame — disse o inspetor Kumar com um suspiro de enfado—, aqui não é Miami, Estados Unidos da América. Nós não fazemosteste de DNA em assaltos corriqueiros. Isso é só para grandescrimes. Quando agentes não estatais explodem hotéis, por exemplo.Além disso, sua unha não constitui evidência. Pode ser que asenhora tenha arranhado o próprio braço ou passado a mão nocachorro. Como vamos saber?

Mamãe se enfureceu.— Pois fique sabendo que meu querido e finado marido era

inspetor de polícia e que eu era diretora da Escola Moderna...— Então é melhor a senhora continuar ensinando e deixar o

trabalho policial para os profissionais, madame — interrompeu oinspetor Kumar, antes de se virar e continuar interrogando osmotoristas.

Mamãe sentiu a mão de Rumpi em seu ombro.— Venha, Mama-ji, nós já devíamos estar em casa — disse ela.— Mas a polícia está sendo negligente com seu dever —

reclamou ela, ainda brandindo as evidências que coletara.— Eu sei. Você pode levar os camelos até a água, mas não pode

fazer com que eles a bebam. Venha.As duas caminharam até a rua, onde seus carros estavam

estacionados.Atrás delas, Kumar e os policiais riam conspiratoriamente.— Parece que Miss Marple está aqui — brincou um deles.— Malditos incompetentes — praguejou mamãe. — Não é por

acaso que tantos crimes fiquem sem solução.— Talvez devêssemos chamar o Gorducho — sugeriu Rumpi.— Por que pedir a ajuda dele, me diga? Ele não é melhor que nós.

Vai ficar apenas dando uma de mandão e nos dizendo para ficar foradisso. Mamães não são detetives e aquela coisa toda. Nós nãoprecisamos dele, não é?

— O que quer dizer com “nós”, Mama-ji?

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— Nós duas. Vamos resolver esse caso juntas, na? Quem maispoderia? Foi trabalho de alguém de dentro da casa, com certeza.

— Acha que os empregados estão envolvidos?— Aqueles pobres coitados? Muito dificilmente.Os olhos de Rumpi se arregalaram.— Está dizendo que foi uma das outras senhoras? — perguntou

ela, baixando a voz.Mamãe confirmou com a cabeça, gravemente.— Como pode ter certeza?— Simples, na? Aqueles goondas já sabiam de quanto seria o

prêmio do nosso sorteio. Hoje, com a minha parte, havia um bônus.E eles não cumpriram seu dever de roubar nossas joias. Tantoscolares e brincos e mangai sutra e tudo mais à disposição. Aquela Sra.Azmat estava usando uma prata que valia lakhs e lakhs. Mas nãopegaram um único item. Por quê?

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capítulo 8

SHIVRAJ SHARMA, CUJA PRIMEIRA VISITA ao Clube do Riso terminarade modo tão dramático e tumultuoso, era o primeiro nome na listade interrogatórios de Puri. Seu cargo era “ARQUEÓLOGO

SUPERINTENDENTE”; era o que dizia a placa na porta da sua sala nascatacumbas do Museu Nacional, a dois passos do Rajpath.

Os objetos da sala tão pouco deixavam o visitante com dúvidassobre sua ocupação. Caixas contendo pedaços de cerâmica efragmentos de estátuas envolvidas em plástico bolha estavamempilhadas nas prateleiras. As paredes eram cobertas por mapasque indicavam o território ocupado pela civilização do vale do Indo,que florescera entre 2600 e 1900 a.C. Pregadas em um quadro,estavam imagens via satélite da área que se estende entre o Himalaiae o mar da Arábia, com uma linha indicando uma das possíveis rotasdo perdido rio Sarasvati.

— Eu fico feliz por vê-lo, mas conversei com um policial ontem econtei tudo o que sei — Sharma explicou a Puri. Seu tom de voz eraamigável, mas denunciava certa despreocupação pueril, comumentre a chamada nata da Índia.

— Como o senhor pode ver, tenho muito trabalho a fazer poraqui — completou ele, apontando para o manuscrito desenrolado namesa à sua frente. — Eu realmente espero que isso não demoremuito.

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Sharma estava chegando aos 50, bem-vestido em uma camisalistrada, gravata de seda e blazer azul. Ele visitara o templo naquelamanhã, usava um fresco tilak na testa e um kalava amarrado nopulso. Tinha óculos espessos e seus olhos, como os de muitas outraspessoas em Déli nesses dias, sofriam com a poluição — daí o frascode colírio, que, a julgar por suas pálpebras úmidas, o arqueólogousara momentos antes de o detetive entrar na sala.

— Peço apenas cinco minutos, Sir — disse Puri.O homem roliço de terno safári e chapéu Sandown em pé na

frente da mesa de Sharma, cartão de visitas em mãos, não era oanimado Vish Puri que entretivera o genro na noite anterior comgenerosas doses de Royal Challenge. Nem sua versão durona eextremamente confiante. Frente a frente com um homem instruído eeducado, ele se tornava deferente e respeitador.

Essa era uma reação instintiva. Acadêmicos estavam no topo,junto com ministros e músicos virtuosos, e tal ambiente eruditodeixava o detetive verdadeiramente intimidado. Mas essa condutanão prejudicava sua causa. Servilismo era ao que os indianos dessaestirpe — barre admi, grandes homens — estavam habituados, e,como Puri bem sabia, evitar que sua altivez e presumidasuperioridade intelectual fossem desafiadas frequentemente seprovava útil.

— Muito bem, cinco minutos são tudo o que tenho a desperdiçar— disse Sharma, com um suspiro, não se dignando levantar ouapertar a mão do visitante. Ele indicou uma cadeira para Puri.

— É muita gentileza de sua parte, Sir, uma verdadeira honra,devo dizer — falou Puri. Ele observava a sala com um brilho infantilnos olhos. — Um ramo fascinante este em que o senhor trabalha.Tanta história e cultura! Eu mesmo tenho muito interesse peladinastia Mauryan. Uma verdadeira época de ouro.

— A Índia era, por certo, um lugar muito diferente naqueles dias,Sr... — Sharma consultou o cartão de visita do detetive — ...Puri —

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leu o arqueólogo, tentando ajustar o foco através das lentes bifocais.— Mas minha especialidade é a cultura do vale do Indo.

— Fascinante — disse Puri, radiante.— Atualmente, meu departamento está envolvido em um extenso

trabalho de pesquisa submarina na costa de Gujarat. Há fortesindícios de que tenhamos localizado Dvaraka.

— A cidade perdida do Mahabharata. — Os olhos de Puri searregalaram de admiração.

— Essa descoberta, juntamente com a do rio Sarasvati e demuitas outras evidências escavadas nos últimos quarenta anos, nãodeixa dúvida quanto à origem indiana da cultura védica —acrescentou Sharma.

A natureza polêmica dessa afirmação não passou em claro porPuri. Ela sugeria uma inclinação nacionalista hindu, uma rejeição àteoria de que tribos árabes haviam trazido as sagradas escriturashindus para a Índia. Mas ele disse somente:

— Imagine o que a Índia seria se não tivessem ocorrido tantasinvasões. Não é de se admirar que tudo seja um lance do acaso?

Sharma recebeu o olhar de Puri com uma apreciação silenciosa emeditativa.

— É inegável que certos, digamos, sistemas de crenças alheiosnos foram impingidos, causando danos consideráveis à nossacultura indiana. — Um mínimo sorriso passou por seus lábios. —Mas não foi sobre isso que o senhor veio conversar aqui, foi, Sr. Puri?— perguntou o arqueólogo.

— Correto, Sir — respondeu o detetive, puxando o bloco deanotações e abrindo-o em uma página em branco. — Apenasalgumas perguntas.

Sharma deu um vago sinal de incentivo.— Eu ficaria muitíssimo grato se o senhor me contasse com

precisão o que aconteceu na manhã de ontem — disse Puri.Sharma suspirou.

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— Como já contei à polícia — disse ele, de formadeliberadamente lenta —, é extremamente difícil para mimresponder a essa questão.

— Soube que o senhor deixou cair os óculos, não é?— Isso mesmo, Sr. Puri. E sem eles não consigo enxergar nada.

Tudo fica embaçado. Então, fiquei tateando no escuro durante algumtempo, por assim dizer.

— Em que momento exatamente o senhor perdeu os óculos, Sir?— Logo depois que o professor Pandey começou a contar sua tola

piada de toc-toc e que todos começaram a rir de novo. Eu vi umaneblina se formando no chão. De onde ela surgiu, não sei dizer. E aíveio um flash, um raio luminoso. Eu fiquei assustado e caí pra trás.Foi aí que meus óculos se perderam.

— O senhor começou a rir também, não é?— Eu, não. Mas todos os outros estavam se contorcendo de rir.

Eu pude ouvir.— Conseguia se mexer?— Perfeitamente, Sr. Puri.— E quando colocou de novo os óculos o Dr. Jha estava morto no

chão e a aparição de Kali já tinha ido embora?— Exato.— Então não chegou a vê-la?— Eu vi um vulto, mas estava muito embaçado.Puri perguntou se ele vira a arma do crime.— Mais uma vez, tudo isso está no depoimento que prestei à

polícia.— Sim, Sir. Eu estou apenas cruzando as referências. Às vezes

essas coisas ficam embaralhadas.— Eu não vi a arma do crime — declarou Sharma,

categoricamente.Puri rabiscou no seu bloco de notas e então perguntou:— Como se sentiu depois, Sir?

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— Péssimo, obviamente. Foi um grande choque. Esse tipo decoisa não acontece todos os dias.

— Disse ao inspetor Singh que teve dor de cabeça, não é?— Isso mesmo. Voltei para casa e passei um pouco de

Muchukunda.— E o que é isso, exatamente?— Nunca ouviu falar disso, Sr. Puri? — Sharma balançou a

cabeça em sinal de reprovação. — É um remédio ayurvédico. Umapasta que é aplicada na testa. Muito melhor que aspirina. É usado naÍndia desde tempos imemoriais.

Puri tentou anotar isso, mas sua caneta não funcionava. Eleescolheu uma das outras quatro que estavam no bolso externo doterno safári, mas esta também falhou. O mesmo aconteceu com aseguinte.

— É a umidade que está fazendo estragos — disse ele, como sepedisse desculpas.

— Aqui, pegue a minha — ofereceu Sharma, impaciente.O detetive anotou “Muchukunda”, checou se a ortografia estava

correta e então perguntou:— Viu alguma coisa incomum, Sir?— Incomum? Sr. Puri, creio que todo o episódio se encaixa nessa

categoria, não é verdade?— Sim, Sir. Viu alguém suspeito próximo ao local?— Depois do assassinato do Dr. Jha o local foi tomado por uma

multidão. Dúzias de pessoas apareceram do nada. Foi um caosabsoluto.

— Não viu nenhum vendedor de sorvetes, por exemplo?Sharma lhe deu um sorriso zombeteiro.— De manhã tão cedo?— Sim, Sir.— Não vi, não.

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Puri sentia que seu tempo estava acabando; ele logo emendou apergunta seguinte.

— Conhecia o Dr. Jha?— Fomos apresentados ontem de manhã — replicou Sharma,

rapidamente. — E agora, Sr. Puri, eu preciso voltar ao trabalho.Darei uma palestra esta noite no Centro de Convivência e tenho queme preparar.

— Na verdade, Sir, há uma última pergunta.— Última?— Indubitavelmente, Sir. — Puri fez uma pausa. — Só queria lhe

perguntar, era sua primeira vez no Clube do Riso?— Isso mesmo.— Como se juntou a eles?— Alguém me contou sobre eles, um amigo, acho. Eu precisava

fazer exercícios, então achei que devia experimentar.— Perdoe-me, Sir, mas me parece em ótima forma, se me permite

dizer.— Bem, as aparências podem enganar, Sr. Puri. Preciso fazer

exercícios físicos tanto quanto todos nós. E dizem que rir é bom paraa saúde.

— E o senhor se divertiu, Sir?— Agora já são quatro últimas perguntas, Sr. Puri, e,

francamente, não consigo ver qualquer relevância. Mas, já queperguntou, eu não me diverti. Há algo muito artificial no ato de seforçar a rir. Não me pareceu agradável.

— Não será mais um membro do clube, Sir?— Não, Sr. Puri, não é para mim. E agora, se não se importar,

devo pedir minha caneta de volta.

O segundo nome na lista de Puri era o de N. K. Gupta, advogado.

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Puri não teve dificuldade em localizar a casa dele, próxima aoMercado Bengali, mas encontrou a porta da frente trancada ebloqueada por dentro. Uma grande suástica fora pintada emvermelho no batente, para afastar o mal.

— Vá embora! Eu não quero falar com ninguém! — berrou Guptaatrás da porta, depois de Puri ter tocado a campainha três vezes.

— Mas é Vish Puri quem está deste lado. Estou procurando...— Não me interessa quem você é! — interrompeu o advogado. —

Aquela gente da imprensa está batendo à minha porta o dia inteiro.Eu só quero que me deixem em paz! Não tenho nada a dizer aninguém!

O detetive demorou uns bons dez minutos para persuadir Guptaa aparecer na janela da frente.

Mesmo assim ele se recusou a acender as luzes ou abrir ascortinas. Permaneceu alguns metros atrás da janela, mal dava paraver seu rosto.

— Nenhum de nós está a salvo! — exclamou ele. Puri viu derelance seus olhos ferozes e atormentados. — Ela vai voltar e matartodos nós!

— É pouco provável — replicou o detetive, tranquilamente. — Oque o senhor viu foi alguém fingindo ser a deusa, só isso.

— Como você sabe? Você não estava lá. Eu lhe digo que aquilonão era um ser humano! Era a própria deusa. Eu olhei nos olhosdela! Ela soltava fogo pelas ventas!

— Era só algum tipo de truque — disse Puri.De nada valeram suas palavras; não era possível convencer

Gupta. Mesmo assim, o advogado se ateve a suas faculdades legaise, a despeito da fala descontrolada, deu ao detetive um notável einteligível relato sobre o homicídio: como ele fora incapaz de pararde rir e se sentira transpassado por “uma força invisível”. Ele selembrou do grasnado dos corvos, do latido dos cães e da misteriosanévoa. Kali se materializara “do nada” e flutuara sobre eles.

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— Ela era absolutamente hedionda! Os braços contorcidos, ascaveiras penduradas no pescoço, tilintando. Não consigo tirar essebarulho da cabeça. E a voz dela, Sr. Puri! A voz! Parecia... pareciagritos de crianças assassinadas!

Gupta se aproximou da janela e olhou para a direita e para aesquerda da rua.

— E a cabeça decepada? Viu isso também? — perguntou Puri.— Sim! Sim! Tinha sangue pingando dela!— Reconheceu o rosto, o cavalheiro que fora aparentemente

privado de seu corpo, não foi?Gupta vacilou.— Eu... eu não vi muito bem — admitiu ele.— Não foi encontrado nenhum sangue na cena do crime, a não

ser o do Dr. Jha — assinalou Puri.Gupta ficou agitado de novo.— Estou lhe dizendo o que vi.O detetive perguntou sobre a espada.Gupta disse que vira a espada atravessar o peito do Caçador de

Gurus. Mas como ela saíra, ele não podia dizer.— Eu fechei os olhos. Depois disso, não consigo me lembrar de

muita coisa.— Quando conseguiu mexer os pés?— Imediatamente depois que ela desapareceu.— E, ao que me consta, ficou com dor de cabeça, não é verdade?— Sim, e não passa nunca, Sr. Puri! Não vai passar nunca! — Ele

puxou os cabelos com as duas mãos. — É como a voz dela! Pareceque ela está aqui agora, chamando meu nome!

O Sr. Ved Karat morava em New Rajendra Nagar. Redator dediscursos políticos para o Partido do Congresso, ele também estava

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em casa tentando se recuperar da provação do dia anterior. Tambémestava seriamente abalado. No seu caso, porém, foi o choque depresenciar um assassinato o que o afetou. A deusa não o haviaassustado.

— Na verdade, achei que ela era uma visão magnífica — disseele, sentado na sala de estar, ainda de pijama e roupão. Em uma dasmãos ele segurava um copo de nimboo pani gelada, à qual eleacrescentara uma pitada de sal. — Ela tinha uma auraextraordinária, uma emanação de puro poder. De certa forma, foifascinante.

Karat também fora incapaz de parar de rir e seus pés pareciam“de chumbo”. Descreveu a névoa misteriosa, a cabeça decepada e o“raio ofuscante” antes de Kali aparecer, “levitando muito acima dochão e soltando fogo”. O redator de discursos também testemunharaa morte do Dr. Jha e vira a espada saindo do peito do infeliz depoisde Kali ter “milagrosamente desaparecido”.

Quando Puri explicou que a arma do crime ainda não tinha sidoencontrada, ele pareceu surpreso.

— Alguém a pegou?— Armas de crime são, com frequência, removidas da cena.

Provavelmente, algum sujeito inescrupuloso se apossou dela.Karat se pôs a explicar o que acontecera depois: como ele parara

de rir no momento em que o Dr. Jha fora assassinado; como correraem seu auxílio.

— Havia muito sangue. Eu tentei sentir sua pulsação, mas ele játinha morrido.

— Ficou com dor de cabeça depois disso tudo?— Fiquei nauseado, mas, não, dor de cabeça, não — disse Karat.— Em que momento conseguiu mover os pés?O redator teve de pensar por um momento antes de responder.— Acho que foi logo depois que ela desapareceu — disse ele.

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Puri chegou à residência do professor R. K. Pandey, instrutor eorganizador do Clube do Riso, no fim da tarde. Uma casa isolada, dequatro quartos, em West Shalimar Bagh, cercada por um muro demais de dois metros de altura.

— É muito bom conhecê-lo! — Pandey saudou o detetive naporta da frente com um caloroso sorriso de boas-vindas. — Estáusando solas de borracha? Há risco de choque elétrico aqui.

Puri olhou para seus sapatos com uma expressão confusa.— São feitas de borracha natural. De Kerala, acredito.— Excelente! Então pode entrar.Puri o seguiu pelo hall casa adentro, que cheirava a tabaco de

cachimbo. Uma coleção de computadores velhos, televisores,aspiradores de pó, barbeadores elétricos, calculadoras eemaranhados de fios bagunçava o lugar. Placas de circuito,soldadores de ferro e testadores de corrente elétrica estavam sobreuma mesa junto à parede dos fundos. No centro da sala, uma velhamáquina de lavar roupa destituída de suas entranhas; parecia umrobô que sofrera um ataque de nervos.

— Estou construindo um gerador termoelétrico rudimentar —explicou Pandey, enquanto se ajoelhava ao lado de sua criação,apertando uma porca com uma chave.

— Um o quê? — perguntou Puri.— Ele converte calor em eletricidade. Este aqui cria ar frio a

partir do ar quente! E faz o trabalho a um custo muito mais baixoque o da energia solar. Pense no potencial aqui na Índia. Este é paraminha aula, vou mostrar a meus alunos. Iluminar suas mentes!

— É perigoso? — perguntou Puri, com uma expressão séria,encostando-se na porta.

— Todo cuidado é pouco, não é? Ainda mais quando o assunto éeletricidade. Por isso lhe perguntei sobre seus sapatos. A borracha

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isola. Olhe a minha! — Ele levantou o pé direito no ar para mostrarsuas botas a Puri. — Está vendo?

— Muito bom, Sir — disse Puri, entrando com cuidado na sala.— Veio por causa da morte do Dr. Jha? — quis saber Pandey,

radiante. Ele parecia até muito animado com essa perspectiva.— Estou fazendo minha própria investigação — explicou o

detetive, intrigado com a empolgação daquele homem. — Esseassassinato não pode nem vai ficar sem solução.

Pandey levantou os olhos do que estava fazendo.— Bom para você — disse ele, sorrindo. — E acredita que não

aconteceu nada de paranormal?— Até o presente momento estou interessado na sua opinião, só

isso — respondeu ele.— Ficaria feliz em lhe contar o que vi — disse Pandey com um

sorriso irônico. Ele se levantou, colocou a chave em cima da mesa epegou o cachimbo. — Francamente, é desconcertante — continuouele, esvaziando o cachimbo no lixo e depois enchendo-o com tabacofresco. — Como engenheiro elétrico, eu lido com dados, resultadosverificáveis, provas. Mas o que aconteceu ontem... Bem, eu nãoconsigo explicar. O que quer que fosse aquela coisa, uma deusa, umadeidade, uma aparição, ela levitou alguns metros. Isso não está entreas capacidades de um mortal.

— Deve ter sido algum tipo de truque — sugeriu o detetive.— Uma ilusão? — Pandey balançou a cabeça, acendeu o

cachimbo e soprou a fumaça para o alto. — Não vi nenhum cabo,nenhum fio, nenhuma plataforma.

— Claro, Sir, o senhor e os outros membros do clube estavamconfusos, não? Algo afetou os senhores, algum gás ou narcótico.Pode ser que isso tenha feito ver coisas que não estavam lá.

— Alucinação? É possível, suponho. De fato, fiquei com dor decabeça, o que pode ter sido um efeito colateral.

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— Sobre a levitação — disse Puri. — E se foi usado algum tipo demagnetismo?

— Um campo eletromagnético? Interessante! — Pandeyponderou a ideia por um momento. — Suponho que seria possívelalguém levitar usando tais meios. Mas nada disso foi feito até hoje.Seriam necessários muitos equipamentos, uma fonte de energia, porexemplo.

— E algum tipo de projeção? — perguntou Puri.— Outra ideia interessante! Mas, não, temo que não foi nada

disso. O que quer que tenha assassinado o Dr. Jha eradefinitivamente tridimensional.

Pandey continuou a relatar sua versão dos eventos. Elesustentava que o “avatar” ficara a sete metros do chão. Só depois deela desaparecer é que ele conseguiu mexer os pés de novo. A maiordiscrepância era sobre o que acontecera com a arma do crime.

— Mais uma vez, não posso explicar cientificamente o queaconteceu. Metal não pode se desintegrar por sua própria vontade.Isso é impossível. E, ainda assim, vi a espada virar pó — dissePandey, deixando escapar de repente uma risadinha.

Puri o olhou com curiosidade.— Por que ninguém mais viu isso acontecendo?— Como eles perderam isso, não posso imaginar.— E a aparição e o desaparecimento “miraculoso” da deusa?— Os flashes podem ter sido feitos facilmente pela mão humana

— cedeu o professor. — Eles causaram uma cegueira temporária.— Viu algum vendedor de sorvetes depois disso?— Não, mas eu estava ocupado tentando salvar a vida do Dr. Jha.Puri consultou suas anotações.— O Sr. Ved Karat diz que ele morreu na hora. Ele tentou sentir

sua pulsação, mas já não havia nenhuma.— Pode até ser, mas meu primeiro instinto foi levá-lo para o

hospital.

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Puri mudou de rumo.— Há quanto tempo o conhecia, o Dr. Jha? — perguntou ele.— Há dois anos, mais ou menos. Desde que ele se juntou ao

Clube do Riso.— Vocês eram próximos, Sir?— Nós nos tornamos amigos, sim. — O professor Pandey olhou

para o céu e ergueu a voz, dizendo: — O homem mais corajoso egeneroso que já andou sobre a face da Terra.

Uma vez mais o detetive se viu desconcertado pelo entusiasmodaquele homem.

— Por que não foi à cremação? — perguntou.— Mas eu fui, Sr. Puri. Não perderia isso por nada no mundo.— Sir, em se tratando de rostos, minha mente é melhor que as

câmeras. Porque nela nunca falta filme. Tenho 150 por cento decerteza de que o senhor não estava lá.

— Tudo que posso dizer é que, nesse caso, o senhor estáequivocado — disse o professor, aparentemente imperturbáveldiante da assertiva do detetive. — Eu fui um dos primeiros aapresentar as condolências. Talvez tenha chegado tarde e euestivesse de costas para o senhor.

Puri imaginou se Pandey não seria o homem com a câmera devídeo, mas concluiu que ele era muito alto.

— Tem uma coisa me deixando confuso — continuou o detetive.— O Dr. Jha era um grande amigo seu. Ainda assim, não está nadatriste com a morte dele. Está muito contente, na verdade.

— Posso lhe garantir que estou absolutamente devastado —respondeu Pandey. — Suresh era um homem muito, muito querido.Mas não é da minha natureza sofrer. Acredito em uma perspectivapositiva, sempre. Só temos uma vida, e sou da opinião de que temosde aproveitá-la ao máximo todos os minutos de todos os dias. Porisso faço risoterapia. Rir cura todos os males. Mantém você em umestado de consciência positivo.

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— Às vezes é necessário chorar também, não é?— Talvez. Mas rir é muito melhor! É o antídoto para todos os

sofrimentos do planeta. Minha resposta para a morte de Suresh épreparar um Funeral do Riso para ele. Estou convidando todas aspessoas que o conheciam e o amavam para irem ao Jardim dos CincoSentidos depois de amanhã. Juntos, daremos boas risadas, a melhorcoisa para nosso sofrimento. Espero que possa comparecer.

Puri disse que, lamentavelmente, ele estaria “envolvido de outramaneira”.

— Muito bem, muito bem, muito bem — disse Pandey, de novoefusivo, enquanto acompanhava Puri até a porta. — Toda a sorte domundo para sua investigação. Eu sinceramente torço para queencontre quem, ou devo dizer, o que, cometeu isso.

— Permita-me lhe assegurar, Sir, que Vish Puri não falha nunca— disse o detetive em voz seca e definitiva. — Nenhuma dose demisticismo ou trapaça vai me impedir.

Pandey conduziu Puri até o lado de fora e abriu o portão paraele.

— Mais uma coisa antes que vá embora — disse o professor. —Conhece alguma piada? Não ouvi nenhuma boa hoje.

O detetive não estava para piadas. Para ele, o frívolocomportamento de Pandey era, no mínimo, inapropriado.

— Nada que me venha à mente agora — respondeu.— Talvez na próxima vez — disse Pandey, com um sorriso largo.

— Sorria sempre. Lembre-se: a risada faz o mundo girar! Ho, ho! Ha,ha, ha!

Puri atravessou a rua correndo, fugindo do calor e da umidadesufocantes, e gritou para que Freio de Mão ligasse o motor doAmbassador. O motorista, que procurava uma sombra na calçada,

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pulou e obedeceu a ordem. O carro ganhou vida e em um minuto asaberturas no painel já produziam um sopro morno, mas, aindaassim, bem-vindo, de alívio.

Puri se acomodou no banco. Sua cueca estava úmida e colada àpele. E esta não era a única coisa que lhe causava desconforto. Haviaalguma coisa estranha — algo com Pandey, quer dizer.

— Primeiro — Puri contou a Lanterna por telefone, depois deterem combinado um encontro no Shadipur Depot, às 20h em ponto—, esse camarada está positivamente feliz. Como se estivessecomemorando, na verdade. Isso porque seu amigo foi cruelmenteassassinado. Segundo: por que ele disse que foi ao velório do Dr. Jhase, na verdade, não foi?

Puri não via nenhuma contradição em um homem de ciênciatambém acreditar de todo coração em milagres. Isso era umacaracterística muito comum entre os indianos. Ainda assim, haviaalguma coisa que não soava bem em sua versão dos fatos, sendo adescrição da espada se desintegrando a mais óbvia disparidade.

— Quer que eu fique na cola dele, Chefe?— Dia e noite. Esse camarada está armando alguma coisa.

Indubitavelmente.Puri também pediu para Lanterna checar os antecedentes de

Shivraj Sharma.— Esse aí tem esqueletos no armário. Sem dúvida, tem um ou

dois no porão também.

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capítulo 9

DUAS HORAS MAIS TARDE, DEPOIS DE COMER um paapri chaat comcamadas e camadas de geleia de tamarindo em uma barraca de rua,Puri desceu a escada rolante até o subsolo da estação do SecretariadoCentral.

Quando o barulho do trânsito cessou e o ar se tornouagradavelmente ameno, ele se viu em um cavernoso e fluorescentemundo subterrâneo de pisos reluzentes e paredes imaculadas.

Comprou um bilhete por poucas rupias em uma das eficientesbilheterias, passou pela segurança e pelas catracas automáticas,esperou em uma fila ordenada na plataforma e embarcou em umcintilante trem prateado.

Ser levado por túneis a mais de 20 metros sob a superfície dacapital, a uma velocidade de mais de 80 quilômetros por hora, eramotivo de grande orgulho para o detetive — como o era para amaioria dos delianos, alguns dos quais, suspeitava ele, seaventuravam nos subterrâneos só por diversão. A construção dometrô era uma história de sucesso fenomenal. A primeira fase foracompletada, sob padrões internacionais, com baixo custo e antes doprazo. O segredo do sucesso desse sistema residia no fato de que nãoera controlado por políticos ou burocratas — como era o caso dometrô de Calcutá, que era uma desgraça —, mas por uma entidade

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autônoma com fins lucrativos. Isto comprovava a capacidade dosetor privado indiano, “o melhor do mundo”, nas palavras de Puri.

O metrô também causara uma espécie de revolução social.Diferente dos trens da Índia, havia apenas uma classe disponível.Passageiros de todas as castas e religiões eram obrigados a ficar ladoa lado e tratar uns aos outros com certa cordialidade — umfenômeno impensável em Déli até tempos relativamente recentes eque permanecia uma raridade na Índia rural.

Mesmo assim, Puri raramente usava o metrô. A verdade era queele não gostava de viajar sem espaço, o que frequentementeacontecia. Tampouco lhe agradava o anonimato que o metrôimpunha.

“A igualdade é muito legal”, dissera ele ao amigo, o Dr. SubhrojitGhosh, no Gym, recentemente, quando eles refletiam sobre o apelodo ministro para que as classes médias usassem os transportespúblicos. “Mas vamos deixar que as outras pessoas a aproveitem. Euprefiro ficar com meu carro e meu motorista.”

Ele só optara pelo metrô esta noite porque sabia que oAmbassador era muito largo para as estreitas ruelas da favela ondevivia o mágico.

Seu plano era saltar em Shadipur, onde Lanterna o estariaesperando; dali, continuariam o trajeto no riquixá do agente.

A jornada de metrô exigia uma baldeação em Rajiv Chowk, ondeum painel digital previa corretamente a hora de chegada do próximotrem.

No meio do caminho, Puri descobriu que podia usar o telefonecelular. Ele ligou para um número gravado na memória dechamadas rápidas.

A voz sonolenta de uma mulher atendeu.— Acordei você? — perguntou Puri.— Eu já estava me levantando.— Vamos nos ver hoje à noite?

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— Que horas?— Lá pelas 21, 22 no máximo.O detetive desligou e depois ligou para casa.Monika, uma das empregadas, atendeu. A “madame” tinha

saído, explicou ela.Puri tentou o celular de Rumpi em seguida.Ela parecia distraída e não quis dizer onde estava ou o que fazia.

Ele podia ouvir a voz de mamãe ao fundo.— O que vocês duas estão aprontando? — perguntou.— Nada demais, Gorducho.— Mais compras, não é?Houve uma pequena pausa.— Isso. Você nos pegou no flagra. Estávamos comprando umas

coisinhas para os gêmeos.— Bem, eu vou chegar tarde. E amanhã vou para Haridwar ao

raiar do dia — explicou o detetive.Isso era um código para “quero ser alimentado quando chegar

em casa”, e Rumpi sabia disso muito bem.— Não se preocupe, Gorducho — disse ela. — Haverá muita

comida.O contraste entre o sossegado metrô e o frenético mundo acima

dele fez Puri pensar se não havia apenas imaginado aquela jornadasubterrânea.

Não era incomum para ele experimentar esse sentimento dedeslocamento trabalhando na Déli dos dias atuais. A Índia dosmendigos e dos camponeses suicidas e dos cafés que vendiamespumosos cappuccinos italianos pareciam dimensões paralelas.Quando ele ia de uma para a outra, sempre se pegava pensando noantigo axioma indiano segundo o qual este mundo é apenas maya,uma ilusão, um sonho coletivo.

No entanto, andar no banco de trás do riquixá de Lanterna,chacoalhando, tremendo e ziguezagueando pelos turbulentos

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atalhos de Shadipur, rapidamente despertou o detetive de seusonho.

A favela, uma das maiores de Déli, era quase inteiramentehabitada por artistas de rua: manipuladores de marionetes,encantadores de serpentes, domadores, acrobatas, músicos, trupesde atores que encenavam peças com mensagens sociais, contadoresde histórias e jadoo wallahs. Mas a visão através do vidro riscado econvexo era depressivamente familiar: um gueto sujo de casas detijolos em ruínas e atoladas em poças de esterco de vaca. Folhas deplástico, blocos de concreto e pedaços de metal retorcido serviam deteto. Barracas de lona eram fixadas em meio a pilhas de lixo, ondecrianças imundas e seminuas defecavam e brincavam.

Olhos — curiosos, ansiosos, inquisidores, enevoados de cataratas— espiavam pelos vãos das portas, pelas frestas das janelas, pelasvielas estreitas e esfumaçadas. Puri vislumbrou mulheres de peleescura com os rostos cobertos de véu cozinhando chappatis emfogueiras. Famílias agachadas sobre charpoys comendo de umagrande vasilha compartilhada com as mãos. Jovens do lado de foradas casas apenas de cuecas, lavando-se.

Como qualquer outra selva, esta era infestada de animais. Vira-latas sarnentos corriam e rosnavam ao lado do riquixá; galinhas epatos cacarejavam e grasnavam ao abrir caminho para o veículo quese aproximava; macacos pendurados nos cabos elétricos ilegaisgritavam para os invasores de seu território.

Lanterna parou em frente a uma casa estreita e arruinada.— Este é o lugar — disse ele em híndi, olhando para os lados

nervosamente. — Vou ter que esperar aqui fora. E completourapidamente: — Para ficar de olho no carro. E em seguida: —Alguém pode roubá-lo.

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— Vou encarar o jadoo wallah sozinho, é isso? — comentou Puriem inglês. — Vamos torcer para que ele não me transforme em umsapo.

— Vamos torcer, Chefe.— Mas ele disse que queria falar comigo, não foi?— Eu disse a ele que o senhor queria falar com um mágico e

estava disposto a pagar por isso. O resto é com o senhor.Puri bateu na porta. Um garoto atendeu, olhou o detetive de cima

a baixo e o fez entrar. Eles cruzaram um pequeno cômodo vazio esaíram para um quintal. Dali, subiram um lance de escadas deconcreto que circundava a casa como uma jiboia.

Akbar, o Grande, descendente de magos da corte, estava sentadoem um charpoy na laje. Seus olhos eram os de um homem aflito, quevivera a vida usando sua astúcia e esperava problemas a cadaesquina. Mesmo assim, recebeu o visitante com um respeitoso salaame a mão direita sobre o coração.

— Por favor, perdoe-nos as condições em que temos de recebertão honrada visita — disse ele em um urdu lírico raramente ouvidona Déli dos dias atuais. A face enrugada de Akbar, o Grande, eraencimada por um topi impecavelmente limpo. Sua barba brancachegava até o peito. — No passado, divertimos imperadoresmongóis. Babur, Humayan, Aurangzeb, todos amavam nossamágica. Naqueles dias pretéritos, eles nos recompensavam compedras preciosas, rubis de Badakhshan, diamantes de Golkonda.Mas hoje estamos condenados a nos apresentar nas ruas, em troca deum punhado de rupias, constantemente perseguidos e espancadospela polícia. Hoje cedo, estávamos em frente ao Forte Vermelho, eeles nos bateram e nos expulsaram com seus lathis.

— Não precisa pedir desculpas, Baba — disse o detetive, quesabia muito bem que os muçulmanos da Índia, a maior minoria domundo, eram os mais marginalizados. Ele se sentou em uma cadeira

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diante do mágico. — É uma honra conhecê-lo. Disseram-me que osenhor é o maior mágico de toda a Índia.

Akbar, o Grande, agradeceu o elogio com um presunçoso meneiode cabeça.

— Sou conhecido de uma ponta à outra da Índia! — declarou elecom largo gesto de suas mãos envelhecidas. — Não há uma cidadeou vilarejo onde eu não tenha me apresentado. Pergunte a qualquerum, e eles terão ouvido falar de Akbar, o Grande, aquele capaz detirar espinhos da língua, engolir esferas de aço e trazer os mortos devolta à vida! — Sua tagarelice parecia bem ensaiada; ele a enunciavacomo se estivesse na rua, diante do público. — Mas hoje em dia aspessoas não se interessam por mágica. Todas querem ficar em casavendo TV, uma invenção do mal, Shaitan!

O garoto que abrira a porta, um dos bisnetos de Akbar, o Grande,desligou a TV e serviu o chá em xícaras lascadas quando o chamadopara a oração muçulmana ecoou sobre a favela. Para além doprecipício que se abria depois da laje os telhados salientes eirregulares de Shadipur — antenas de TV feitas em casa, cordas devaral e caixas-d'água de plástico se sobrepunham contra o solpoente.

— Disseram-me que o senhor veio assistir à minha apresentação— disse Akbar, o Grande, enquanto eles começavam a beber o chá.— Meu preço é 500 rupias.

— Perdoe-me, Baba, mas não vim prestigiar seu show — dissePuri.

— Como é?— Eu vim atrás de informação. E por ela estou disposto a pagar

mil rupias. — Puri tirou o dinheiro da carteira.— Que tipo de informação? — Akbar, o Grande parecia

desconfiado, mas seus olhos estavam fixos no maço de notas de 100que o detetive tinha em mãos.

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— Baba, eu preciso da sua orientação. Estou investigando oassassinato do Dr. Jha, o Caçador de Gurus. O senhor deve terouvido falar que ele foi morto ontem de manhã no Rajpath. Acreditoque a suposta aparição de Kali não era nada do que parece. Era umailusão. Gostaria de entender, em particular, como a levitação foipossível.

Akbar o examinou franzindo profundamente as sobrancelhas.— O senhor é policial?— Não, Baba. Sou Vish Puri, detetive particular.— O senhor está trabalhando para quem?— Trabalho por conta própria. A vítima era um amigo meu.Akbar, o Grande pensou por um instante, acariciando a longa

barba, e então disse algo ao bisneto em uma língua estranha. Comum meneio de cabeça, o garoto deu um passo para a frente, estendeua mão para o dinheiro e o pegou. Aí o mágico falou:

— Como isso foi feito é irrelevante. Talvez tenha sido um jadoo deverdade. Talvez tenha sido apenas um truque. Quem pode saber? Oque importa é no que as pessoas acreditam.

— O que quer dizer com mágica de verdade?— Milagres genuínos realizados por aqueles que têm poderes

sobrenaturais genuínos, é claro.— Acredita que esse tipo de coisa é possível?— O Corão Sagrado está cheio de exemplos. Assim como a Bíblia

e o Ramayan. Água pode virar vinho. Muitas coisas que acontecemnesta vida não podem ser explicadas.

— O senhor tem esse tipo de poder, Baba? — perguntou Puri.O velho sorriu pela primeira vez. Era um sorriso gentil, amigável,

pensou o detetive consigo mesmo.— Ai de mim, sou apenas um humilde mágico — disse ele. — Eu

faço truques simples e divirto as pessoas. Mas no que o públicoacredita... Bem, isso é outra coisa. Quando trago uma galinha devolta à vida, e faço isso com frequência, eles me perguntam como

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consegui. Se eu digo a eles que foi apenas um truque de mágica, umgolpe de mãos que se aproveita da distração dos outros, eles ficammuito bravos e me acusam de enganá-los. Para acalmá-los precisodizer que fiquei poderoso dormindo em solo de cremação. Aí elesficam satisfeitos e param de me chamar de fraude! — O mágicosorriu com complacência. — O senhor vê — completou ele —, aspessoas precisam acreditar nessas coisas. Elas querem serenganadas, mas não querem ser feitas de bobas!

Um pensamento subitamente lhe ocorreu.— Eu vou fazer um truque simples — disse ele. — Não é parte do

meu repertório, então não me importo em explicar como é feito. Issopode ajudá-lo a entender como as pessoas são facilmente iludidas.

Em poucos minutos Akbar estava deitado na dura superfície deconcreto da laje. O garoto, que era regularmente fatiado nas ruas deDéli só para ser milagrosamente rejuntado de novo, anunciou comuma voz forte e confiante:

— Façam reverência aos pés de Indra, cujo nome se une à mágica,e aos pés de Shambara, cuja glória foi solidamente fundada emilusões!

Puri assistia com extasiada atenção.— Durante suas viagens de norte a sul da Índia, meu bisavô

colecionou muitos objetos mágicos. Anéis, capas que tornam vocêinvisível, uma garrafa que abriga um terrível djinn caído dos céusque nunca poderá escapar!

O garoto levantou um cobertor sujo.— Foi lá no alto do Himalaia que ele recebeu este presente de um

homem de três olhos! Agora, isto pode parecer um cobertor comum.Mas qualquer um que se deite sob ele vai levantar do chão e flutuarpelos ares!

Ele cobriu o bisavô com o cobertor.— Agora eu farei Akbar, o Grande, o maior mágico de toda a

Índia, flutuar sobre a terra! — declarou ele e, de lado, acrescentou

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com o humor atrevido característico dos jadoo wallahs das ruasindianas: — Vamos torcer para que o Baba não tenha comido muitono almoço, porque aí ele vai estar pesado demais!

O garoto fechou os olhos, colocou as mãos sobre o corpo dobisavô, moveu-as como se estivesse com uma varinha de condão eproferiu as palavras mágicas:

— Yantru-mantra-jaala-jaala-tantru!Nada aconteceu nos dez segundos seguintes. Ele repetiu o

encantamento, e então o corpo de Akbar, o Grande começou a vibrare se elevar.

O mágico levitou a uma altura de aproximadamente um metro epermaneceu suspenso no ar.

Por nada no mundo Puri conseguia ver como o truque fora feito.Não havia fios conectados ao cobertor; ninguém estava segurandoAkbar, o Grande; nenhuma caixa havia sido colocada sob ele; nãohavia alçapão.

— O senhor tinha algum tipo de elevador ali embaixo? —perguntou ele depois de o mágico ter delicadamente voltado aochão.

— O jasoos não faz a menor ideia! — gargalhou com prazerAkbar, o Grande. — Onde estão seus poderes dedutivos agora,sahib?

Ouviam-se risinhos dos outros cinco ou seis membros da famíliade Akbar, o Grande que agora haviam se juntado a eles na laje. Purise enfureceu; ele não gostava de fazer papel de bobo.

— O senhor não vai me dizer como isso foi feito? — exigiu ele.— Eu lhe disse antes, meus poderes vêm do solo de cremação!As gargalhadas foram crescendo, e então o mágico tirou o

cobertor.Sob ele havia dois tacos de hóquei velhos, um de cada lado do

mágico. Pares de sapatos e de meias idênticos aos que Akbar, oGrande estava usando haviam sido presos às pontas dos tacos.

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— Quando o cobertor foi colocado sobre mim, o senhor estavadistraído e não notou a troca. Aí eu levantei os tacos sob o cobertor e,ao mesmo tempo, elevei a cabeça. Meus pés e minhas costas ficaramno chão o tempo todo.

— Por Deus! Eu nunca poderia imaginar que era tão simples! —exclamou o detetive em inglês, batendo palmas, entusiasmado. E aí,voltando ao híndi, disse: — Mas seja lá o que assassinou o Dr. Jhaontem não estava sob um cobertor. O vídeo feito pelo turista francêsmostra Kali flutuando livremente. Como fizeram isso?

Akbar, o Grande deu de ombros.— Isso eu não sei dizer — respondeu ele.— Pode ao menos me dizer quem é capaz de tal proeza?A pergunta de Puri encontrou um silêncio de pedra. Akbar, o

Grande disse algo ao garoto, que se voltou para Puri dizendo polidae firmemente:

— Meu bisavô está ficando muito cansado e precisa repousar.O espetáculo chegara ao fim. Mas o detetive conseguiu fazer uma

última pergunta.— Diga-me, Baba, um racionalista conseguiria encenar essa

ilusão?Akbar, o Grande balançou a cabeça.— Racionalistas aprendem truques simples que são feitos por

sadhus viajantes, como segurar potes de óleo fervente nas mãos ou sefurar com agulhas. O homem que o senhor procura não é umracionalista. É um ilusionista. Ou talvez alguém que conheça amágica de verdade.

Puri e Lanterna tomaram o caminho de volta pela favela.O encontro fora útil, mas também frustrante.

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— Pode ser que Akbar, o Grande, saiba a identidade do assassino— disse Puri. — A questão é: por que protegê-lo?

— Provavelmente existe um código de mágicos, Chefe — sugeriuLanterna em híndi. — Se forem parecidos com a minha família, elesjuram nunca revelar a identidade de outro membro do clã. Talvez oassassino seja um parente. Nesse caso, ele nunca o entregaria.

Foi só depois de o riquixá entrar na estrada principal que Puripercebeu um pedaço de papel em um bolso de sua calça.

Havia um nome e um endereço escritos nele.— Manish, o Magnífico. Abracadabra! GK1, Bloco M.Ele mostrou o papel a Lanterna.— Alguém enfiou isso no meu bolso! — surpreendeu-se Puri.— Quer ir para GK, Chefe?Puri checou o relógio. Eram quase 20h.— Jaldi challo! — disse ele.

A foto de Manish, o Magnífico, apareceu em um cartaz naentrada do Abracadabra! — “mágica, comédia, música e mais!”. Eleusava um traje de marajá: turbante ornado de joias, robe de seda ebigode falso. Puri, no entanto, o reconheceu imediatamente. Seuverdadeiro nome era Jaideep Prabhu.

— Então você reencarnou depois de todos esses anos, hein,Jaideep? — disse a si mesmo o detetive. — Só um mestre do disfarceconsegue reconhecer outro mestre do disfarce.

A recepcionista o acompanhou até um bar e restauranteenfeitado com espelhos, globos de discoteca e cabines estofadas develudo. O lugar estava lotado de jovens bonitos. Risadas e fumaça decigarro enchiam o ar.

Puri se sentou em uma pequena mesa perto do palco, no qual umpianista e um saxofonista de jazz tocavam Take Five, de Dave

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Brubeck.— Por Deus! Oitocentos por um uísque! — exclamou ele em voz

alta quando deu uma olhada no cardápio de bebidas. — É pelagarrafa toda, não é?

O jovem garçom, que usava rabo de cavalo e tinha umcomportamento excessivamente informal, olhou para o homem deterno safári, chapéu Sandown e óculos de aviador sem disfarçar suaperplexidade.

— Ei, cara, que hora é seu show?— Como é?— Você veio fazer um dos shows de humor, não é?O detetive, que raramente perdia a paciência, quase não

conseguiu se conter.— Ouça aqui, Charlie, eu sou detetive particular e estou aqui

para falar com seu patrão — rosnou entre os dentes. — Dê isso a ele.— Puri passou seu cartão de visitas ao jovem insolente.

— Vish Puri, presidente-executivo, diretor, vencedor de seis prêmiosnacionais, confidencialidade é nosso lema — leu o garçom em voz alta. —Isso é hilário! Não posso esperar para ver seu show!

O detetive bateu forte com os punhos na mesa.— Não vou fazer show nenhum! — explodiu. — Agora vá dizer a

Jaideep Prabhu que Vish Puri está aqui!Os outros clientes ficaram olhando.— Tudo bem, cara — disse o garçom, levantando as mãos

defensivamente. — Pensei que você fosse... Então você é de verdademesmo? Uau! Vou dar seu cartão ao chefe. Relaxa, OK? Agora, o quevocê vai beber?

— Traga-me um uísque com soda. Sem gelo. E não me chame de“cara”! Você deveria se referir aos mais velhos por ji ou Sir !

— Tudo bem, Sir. Mas, só pra você saber, meu nome não éCharlie.

O garçom foi para o bar buscar o drinque.

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Puri se recostou na cadeira, fumegando. Alguns clientes aindaolhavam para ele. Pareciam se divertir. Por qual motivo, exatamente,o detetive não tinha a menor ideia. Atento à própria imagem, porém,ajeitou o chapéu para ver se estava colocado corretamente na cabeça.

Como ele odiava esses lugares da “moda”! Assim como osshoppings, eram um indício de que o crasso materialismo ehedonismo estavam minando os valores familiares que sustentavama sociedade indiana.

Aquelas mulheres na mesa ao lado, por exemplo, pensou Puri.Mostrando as pernas em público, bebendo álcool, usando linguagemchula: totalmente deplorável. Ou aqueles dois rapazes afeminadosali, aqueles com camisas de seda e costeletas compridas. Por Deus!Eles estão até de mãos dadas! Que diabo de lugar você tem aqui,Jaideep?, pensou ele.

Puri sentiu que estava saindo uma carta para o editor do Times ofIndia. Talvez ele pudesse justapor suas opiniões com as do finado Dr.Jha. O racionalista também não era fã dessa estúpida culturaamericanizada. Para ele, erudição e conhecimento eram o maisimportante.

Mas eles tinham visões opostas sobre religião. O Dr. Jha comfrequência se referira ao dogma como “fonte de todo o mal”. Odetetive, por sua vez, achava que a crença no divino era essencial.Sem ela, na sua perspectiva, a sociedade se desintegraria.

— O patrão mandou dizer que vai te esperar nos bastidoresdepois do show, Sir — disse o garçom ao voltar com o drinque dePuri.

Os músicos de jazz terminaram o show, as luzes foram seapagando e então uma névoa começou a se espalhar pelo chão dopalco.

— Senhoras e senhores! — falou uma voz fora de cena. — Estanoite vocês serão surpreendidos e encantados, levados a um novoplano de percepção da realidade! Prepare sua mente para viajar por

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novas fronteiras, além do tempo e do espaço! Prepare-se para serdeslumbrado pelo maior mágico da Índia!

Um flash e uma lufada de fumaça, e Manish, o Magníficoapareceu no palco. Sua súbita aparição gerou uma salva de palmas, eele se curvou regiamente.

— Para meu primeiro número de desafio à morte, precisarei deum voluntário da plateia — anunciou ele.

Uma das mulheres de pernas de fora da mesa ao lado foiescolhida e subiu ao palco, contendo o riso e trocando olhares comas amigas. O mágico sacou uma pistola.

— Gostaria que você examinasse isto e dissesse ao público se é deverdade.

Ela assim o fez e afirmou que certamente parecia verdadeira, eentão Manish, o Magnífico fez uma demonstração, carregando aarma com balas. Para provar que elas eram “de verdade”, ele pediuque um alvo de papel fosse colocado no fundo do palco. Quando oalvo foi colocado na posição, ele disparou três vezes. O alvo,perfurado pelas três balas, foi então exibido para a plateia.

— Agora é a sua vez — disse para a jovem voluntária. — Mas oseu alvo será esta latinha, que equilibrarei sobre a cabeça!

— Você está louco?!— Confie em mim, sou profissional!— Vai lá! Atire! — encorajou uma voz na plateia.A jovem, que Puri suspeitava fazer parte da armação, por fim

concordou em atender ao pedido. Ela mirou e disparou. E eis queManish, o Magnífico pegou a bala com os dentes.

— A seguir farei uma mangueira crescer deste caroço diante deseus olhos.

O mágico plantou o caroço em um vaso e o regou. Logo surgiuum broto verde. Em poucos minutos este já se tornara umaminiatura de árvore carregada de frutos, os quais ele colheu e jogoupara a plateia.

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Um dos truques mais antigos da Índia veio na sequência: umgaroto entrou em um cesto, e Manish, o Magnífico atravessou-o comespadas. As lâminas pareciam ensanguentadas, mas o garotoreapareceu milagrosamente ileso.

Por último, uma versão indiana do truque da corda.O mágico começou se sentando diante de um cesto e tocando

pungi, usada por encantadores de serpentes. A ponta de uma cordase ergueu como uma cobra e começou a se mover no ar. Quando elachegou a aproximadamente três metros de altura, o garoto a escaloue, aparentemente do nada, colheu alguns cocos.

Depois do show, Puri encontrou Manish, o Magnífico em seubem equipado escritório, baforando um gordo charuto. Nessemomento, ele já havia tirado o turbante e o bigode.

— Sr. Vish Puri, Sir — disse ele, cumprimentando frouxamente odetetive e o conduzindo a uma cadeira em frente à mesa. — Já fazmuito tempo. Mas não o bastante.

Dez anos se passaram desde que Jaideep roubara a Khanna Joias,em Karol Bagh, em plena luz do dia.

Passando-se por um cliente, ele trocara 50 lakhs em diamantes porréplicas de vidro sem que nenhum dos vendedores da lojapercebesse. O detetive, trabalhando a serviço dos proprietários, ocapturara quando ele tentava vender as pedras. Como consequência,Jaideep fora condenado a seis anos de prisão em Tihar. Puri, quenaquela época não sabia que o bandido era mágico, jamaiscompreendera como ele conseguira efetuar o roubo. Agora quetestemunhara o ilusionismo de Jaideep, o mistério estava, por fim,resolvido.

— Não vou ficar enrolando — falou Puri. — Quero saber ondevocê estava ontem de manhã, entre 6h e 6h30, mais precisamente.

O mágico sorriu por trás da nuvem de fumaça que os separava.— Ah, então é isso que veio fazer aqui. Está investigando o

assassinato no Rajpath. E acha que sou o culpado.

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— Responda à pergunta — cortou Puri.— Estou lisonjeado. Mas, veja, eu não poderia ter feito aquilo.— E por que, exatamente?— Porque sou um novo homem, Sr. Vish Puri, Sir. Fui

reintegrado à sociedade com êxito.— Não me venha com essa bobagem — repreendeu o detetive. —

Uma vez trapaceiro, sempre trapaceiro. Agora me diga onde estava.Jaideep tragou o charuto e soltou uma grande nuvem de fumaça

na direção do visitante.— Como qualquer outra pessoa sensata, eu estava na cama, claro.

Naturalmente, não estava sozinho. Acho que o nome dela era Mel.Ela era doce, com certeza.

— Alguém mais pode confirmar isso?— Naturalmente, meus empregados ficarão muito felizes em

fazê-lo. Meu motorista também. Posso lhe dar o telefone da Mel, sequiser. Ela cobra um preço bem razoável em domicílio, se estiverinteressado.

Puri não mordeu a isca.— Não há dúvida de que esse crime foi cometido por um mestre

do ilusionismo — disse ele. — Há poucos sujeitos por aqui capazesde fazer algo do tipo. Então, se não é você o culpado, pode pelomenos ter uma boa ideia de quem seja, não é verdade?

— Você espera que eu lhe dê nomes? Por que deveria?— Porque também sou um pouco mágico. Você não acredita, não

é? Muito bem. Permita-me mostrar-lhe um número que aprendi hámuito tempo.

O detetive pegou o celular do bolso.— Este é meu telefone celular. Nada demais. Mas está vendo este

botão? Quando eu aperto aqui — abracadabra! —, um númeroaparece. Sabe a quem ele pertence? Ao inspetor Jagat Prakash Singh,da polícia de Déli. Agora, eu não tenho nada na manga, está vendo?Nada escondido. Mas é só eu apertar este botão verde que em

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segundos o inspetor Singh vai aparecer, a qualquer hora do dia ouda noite. Agora, veja você... O inspetor Singh é um jovem oficialmuito motivado. Eu tenho certeza de que ele vai ficar muitointeressado em saber de onde veio tanto dinheiro para comprar umaboate tão chique como esta e em que tipo de atividades você estáenvolvido. Isto é, além de ficar tirando coelhos da cartola.

Jaideep recebeu o olhar duro e inflexível de Puri. Trou o charutoda boca e pousou-o no cinzeiro, passou os dedos pelos cabelos.

— Não tenho nada a esconder.— Sentado no seu bar nos últimos 40 minutos, vi três crimes

serem cometidos. Número 1: seu recepcionista estava oferecendodrogas aos clientes, cocaína, ao que me parece. Número 2: o barmanestava batizando o uísque. Número 3: você tem muitos ratos nacozinha.

— Como pode saber disso?— Sempre há ratos em todo lugar, Jaideep.O mágico fechou a cara.— Tudo bem, Sr. Vish Puri, Sir, pode deixar o celular de lado.

Tem razão. O que foi feito ontem no Rajpath, a levitação, querodizer, nunca foi feito antes, não a céu aberto. Foi a primeira vez. E,antes que pergunte, não tenho a menor ideia de como foi feito.Assisti àquele vídeo dezenas de vezes e não consegui descobrir.Alguém trabalhou muito para fazer aquela performance deilusionismo. É uma obra-prima.

— Quem fez aquilo? — O detetive ainda estava brandindo ocelular.

Manish, o Magnífico hesitou.— Quem? — insistiu Puri.— Há apenas três indivíduos capazes de fazer uma coisa daquele

tipo — disse o mágico. — O primeiro está atualmente na UTI, entãopode tirá-lo da lista. O segundo é um certo bengali, que está emturnê pela Europa.

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Puri tomou nota de seus nomes mesmo assim.— E o terceiro? — quis saber ele.O mágico parou, lambeu os lábios, que haviam ficado secos.— Atualmente, ele é conhecido pelas pessoas como o grande,

onipresente e onipotente... Maharaj Swami.— Você disse atualmente.O mágico de repente pareceu embaraçado.— Esse não é o nome que ele usou sempre.— Você já o conhecia, não é?— Ah, sim, eu o conhecia. Mas o que estou para lhe dizer não fui

eu quem disse. Entendeu?— Perfeitamente.— E, depois disso, vai embora e não vai voltar nunca mais?— É assim que você trata as visitas?Manish, o Magnífico tornou a pegar o charuto do cinzeiro e o

tragou até que ficasse mais uma vez incandescente.— Pouquíssimas pessoas sabem o que vou lhe contar — falou ele.

— Mas o grande homem santo cresceu em Shadipur, em uma famíliade mágicos. Seus pais eram hindus, mas morreram quando ele tinhaapenas quatro anos e então ele foi adotado por uma famíliamuçulmana. Seu verdadeiro nome é Aman. Nós éramos vizinhos,crescemos juntos, vendo os velhos jadoo wallahs nas ruas eaprendendo truques de mágica. Quando ficamos grandes osuficiente, nos tornamos parceiros e começamos a trabalhar porconta própria.

— Deixe-me adivinhar — disse o detetive. — Vocês entraram nomundo do crime e, no fim, algo deu errado.

O mágico o olhou com cautela.— Algo do tipo. Foi há uns 12 anos. Ele de repente desapareceu

com um monte de dinheiro que me pertencia.— E?

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— Naturalmente, tentei localizá-lo, mas ele não estava em lugaralgum.

Um pouco da cinza do charuto caiu sobre o colo de Manish, oMagnífico, e ele a jogou para longe.

— A vida seguiu em frente — continuou ele. — Fui para a prisão,como bem sabe. Então, há uns anos, eu estava vendo TV, e MaharajSwami apareceu. Eu não o reconheci a princípio. Não com todaaquela maquiagem e produção. Ele se fez parecer muito mais velhodo que é. Ele também tinha mudado fisicamente. Tornou-se mestreem respiração pranayama. Mas, no momento em que começou amaterializar objetos do nada, vi que era Aman. Reconheceria suatécnica em qualquer lugar.

Puri pensou por um instante e então falou:— Uma coisa está me deixando confuso aqui. Vamos supor que

seu antigo parceiro tenha mesmo traído você. Por que você ficou tãonervoso para revelar o passado dele?

— O senhor não ouviu, Sr. Vish Puri, Sir? Maharaj Swami é hojeum dos homens mais poderosos da Índia. O primeiro-ministro nãovai ao banheiro se ele não autorizar. Ele poderia tornar minha vidamuito desconfortável.

Ficou óbvio para Puri que, embora o mágico tivesse fingido quenão queria revelar o que sabia sobre Maharaj Swami, ele estavamuito feliz em divulgar o que sabia.

— Me parece que você não derramaria muitas lágrimas casoSwami-ji fosse parar atrás das grades — disse ele.

Manish, o Magnífico sorriu.— Não muitas.— Então temos algo em comum, nós dois.— Suponho que sim — respondeu o mágico, de má vontade.— Muito bem! Então, o que mais você pode me contar sobre seu

amigo Aman?

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— Apenas que ele é o mágico mais talentoso que já vi. Se alguémfosse capaz de realizar a ilusão do Rajpath, esse alguém seria ele.

— E a personalidade dele?— Ele é um perfeccionista. Nunca o vi desistir de nada.— Algum vício... Drogas, álcool?— Nada.— Mulheres?— Ele sempre ficava nervoso perto delas.Puri tomou nota disso.O mágico se lembrou de mais uma coisa.— Aman tinha esse hábito de colecionar coisas, pequenas

lembranças dos lugares onde esteve — disse. — Canhotos de bilhetede trens, cardápios de restaurante, cartões-postais. Era um tipo deobsessão. Ele também mantinha um diário. Uma vez ele o esqueceu,e eu li algumas partes. Tinha anotado tudo o que acontecera com ele,datas, nomes, junto com notas e diagramas sobre os números demágica que estava preparando.

— E onde ele guardava essas coisas, exatamente?— Em uma caixa de metal.

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capítulo 10

A RODOVIA NACIONAL 58, QUE CORRE POR 537 QUILÔMETROS a nordestede Déli, estivera em construção por quase uma década. Os poucostrechos concluídos entre Ghaziabad e a cidade sagrada de Haridwarofereciam três suaves faixas em ambos os sentidos. Os motoristasque chegavam a um desses trechos experimentavam euforiainstantânea, como se tivessem adentrado a terra prometida dosveículos, onde não havia o tedioso limite de velocidade.

Mas a euforia tinha vida curta. Depois de apenas algunsquilômetros, cada extensão de asfalto terminava abruptamente emuma fenda — obra destrutiva da corrupção e da inépcia e não, comopoderia parecer, um ato de Deus. Mesmo o mais resistente dosveículos tinha de frear imediatamente e descer os afiados declivesaté o purgatório das pistas esburacadas.

Os vidros eram rapidamente fechados assim que os pneuscomeçavam a levantar nuvens de fina poeira branca. Nessa mortalhaasfixiante motoristas e passageiros passavam por trabalhadores comrostos esbranquiçados quebrando pilhas de rochas com cinzéis emartelos. Vigas de concreto para os viadutos semiconstruídosapareciam de repente, obstáculos gigantes e potencialmente letais.Máquinas enferrujadas estavam paradas, como tanques de guerraabandonados por um exército em retirada.

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Que Puri fosse capaz de dormir pesadamente no meio de tudoisso — cabeça para trás, boca aberta, roncando alto — devia-se a umgene panjabi herdado e ainda por ser identificado, o qual o dotara dopoder de cair no sono em qualquer situação. Mas também ajudava ofato de que ele estivesse exausto após o encontro com o taco decríquete no escritório do Dr. Jha, seguido de um longo dia deinterrogatórios.

Eram quase 11h quando ele chegou finalmente ao Hotel MonteKailash, uma imunda “hospedagem para executivos” em ConnaughtPlace, onde passou uma hora.

O quarto 312 fora registrado no nome de “Srta. Neena”, quepossuía um acordo com o discreto gerente.

“Srta. Neena” era apenas um dos codinomes da adorável jovem.Na verdade, ela usava tantos que nem mesmo Puri, que vinhafazendo uso de seus serviços havia quase cinco anos, seguia a trilhade quem ela estava fingindo ser em determinada situação.

Será que ela já lhe dissera seu verdadeiro nome?, ele às vezes seperguntava.

O que ele sabia de seu passado era impreciso, esboçado a partirde fragmentos de informações.

Originária de Kathmandu, fugira de casa ainda adolescente parase unir a rebeldes maoistas, receber treinamento de combate emacampamentos das montanhas e fazer parte de inúmeras operaçõesde guerrilha contra o Estado nepalês. Desiludida com a causa, fugirapara a Índia.

Nos anos seguintes, perambulara pelo norte do país. Passou umano com uma trupe de teatro itinerante em Assam, trabalhou comogarçonete em Mumbai e como ayah para uma rica família de Déli. Nomeio-tempo, houve um casamento que acabou desastrosamente.

Puri também notara as seguintes características nela: nãoconfiava no sexo oposto; considerava o álcool nada menos que o

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diabo; era notívaga; podia se virar em uma briga melhor que amaioria dos homens.

Havia uma grande possibilidade de que ela tivesse um filho(várias vezes ele escutara choro ao fundo, nas conversas portelefone). Mas Puri nunca visitara sua casa ou se metera em sua vidaprivada.

Na verdade, a despeito da natureza sectária da moça, seurelacionamento era baseado em confiança mútua. Eles haviam seconhecido em Mumbai durante o caso do Dabawallah Surdo,quando Puri salvara sua vida. Como consequência, ela se mudarapara Déli e começara a trabalhar para ele como agente secreta.

Dado seu talento para se misturar em qualquer situação e “vestirtantos rostos”, ele a apelidara de “Cosmética”.

Agora ele pedira que ela cumprisse uma tarefa que demandariatodas as suas muitas habilidades: infiltrar-se na Morada do AmorEterno, o ashram de Maharaj Swami, ao norte de Haridwar.

Na noite anterior, no Hotel Monte Kailash, ela escutaraatentamente as instruções de Puri.

— Falando francamente, até agora não surgiu nada que ligasse onome de Swami-ji diretamente ao assassinato — ele lhe disse. — Masestou de posse do arquivo do Dr. Jha sobre “Sua Santidade” e láestão listados alguns motivos para a investigação, não há dúvidaquanto a isso. O Dr. Jha conversou com três ex-sócios de Swami-ji(naturalmente, isso foi extraoficial), e parece que nosso SantoHomem é muito ativo na lavagem de dinheiro para políticos. EssaMorada do Amor Eterno é também a Morada das Máquinas deLavar, poderíamos dizer. Entra dinheiro sujo e sai dinheiro limpo.

“Valendo-se da Lei de Direito à Informação — continuara Puri—, o Dr. Jha estava se esforçando para provar as práticas corruptasde Swami-ji. Por isso, ele entrara com uma petição para que amovimentação financeira de inúmeras contas bancárias do ashram na

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Índia e na Suíça viesse a público. O Dr. Jha se tornara um espinho nopé do Swami-ji.

— O Dr. Jha tinha inimigos políticos — ressaltou Cosmética. —Pode ter sido um deles o assassino.

— Balas na nuca fazem mais o estilo deles, não?Puri também informara Cosmética sobre o que Manish, o

Magnífico lhe contara sobre o passado secreto de Maharaj Swami esobre ele ser um obsessivo colecionador de lembranças pessoais. Elelhe deixou o arquivo, para que ela o estudasse.

Na viagem daquela manhã pela Rodovia 58, ela leu todas asinformações que o Dr. Jha levantara sobre a morte de uma devota de26 anos chamada Manika Gill, no ashram, em abril. Havia recortes dejornais, cópias de relatórios policiais, declarações de “testemunhas” edepoimentos da família da garota. As anotações do Dr. Jha e astranscrições de entrevistas que ele fizera com alguns amigos dajovem e com o fazendeiro da região que encontrara o corpo boiandono rio também estavam incluídas.

Cosmética foi capaz de vislumbrar o seguinte:Antes de ir para o ashram, Manika, cujo pai era um rico

comerciante de joias, era uma “jovem rebelde”. Por volta dos 20anos, ela “se envolvera” em vários relacionamentos sexuais casuais.Aos 25, descobrira que estava grávida. Por insistência do pai, ela“havia ido” para o aborto. É claro que tudo tinha sido abafado; alémdos pais, apenas sua melhor amiga, Neetu Chandra, sabia doassunto.

Logo depois, o Sr. e a Sra. Gill, ambos devotos de MaharajSwami, haviam encaminhado a desonrada filha à Morada do AmorEterno e implorado para que o guru lhe desse “direção”. Manikaachara o lugar “um tédio e um saco” no começo, mas depois passara

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por um “despertar espiritual”. De acordo com muitas fontesdistintas ela tivera uma visão durante um darshan especialconduzido pelo guru.

Neetu Chandra disse que Manika “não era a mesma pessoa”depois daquilo. Ela só falava no Maharaj Swami. As duas seafastaram. Sete meses se passaram. E então, na noite em que elamorreu, por volta das 20h, Neetu recebeu uma ligação aflita daamiga.

“Ela não falava coisa com coisa. Só balbuciava algo sobre não terdormido nos últimos dias e ter pesadelos horríveis. Eu disse a elapara cair fora daquele maldito show de horrores, mas ela disse quenão podia confiar em ninguém. Ela disse que tinha contado aos paisdela, mas eles não haviam acreditado. Contado o quê?, eu perguntei.Ela não respondeu. Ela parecia com medo, chorava sem parar. Eudisse a ela para ficar calma que eu ia até lá buscá-la.”

Neetu Chandra saiu de Déli na manhã seguinte. Na hora em quechegou, Manika já havia sido encontrada no Ganges, afogada. Apolícia rapidamente concluiu que ela fora dar um mergulho perto doashram por volta das 23h.

O Sr. e a Sra. Gill sustentaram que a filha se afogaraacidentalmente. Mas, de acordo com os amigos de Manika, ela nãosabia nadar e morria de medo de água.

Nenhum bilhete suicida foi encontrado.

Freio de Mão, ao volante do Mercedes com tração nas quatrorodas que Puri alugara para causar a impressão certa no ashram, saiuda Rodovia 58 ao sul de Haridwar. A estrada de pista única passavapor alagados arrozais verde-esmeralda alimentados pelo degelo damontanha do Ganges. Por toda parte, camponeses afundavam até os

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tornozelos no barro, cuidando de suas plantações, e bois zebusarrastavam arados de madeira pela lama rica e escorregadia.

A cidade sagrada de Haridwar, sobre a qual se acreditava quegotas do elixir da imortalidade haviam sido derramadas pelopássaro celestial Garuda, se anunciava com uma fila de hotéisbaratos com nomes como Disney Inn. Os idílicos campos de arrozdavam lugar aos familiares detritos de dhabas imundos, carroças devegetais e oficinas mecânicas com fachadas sujas de graxa.

Contornando a cidade velha pelo oeste, o Mercedes cruzou asrápidas águas de cobalto do Ganges. Uma gigantesca estátua deShiva, com seu pescoço ornado por uma cobra cuspideira, se erguiana beira da estrada. Atrás da deidade ficavam as escadarias Har kiPauri, para onde milhões vinham todos os anos se banhar e purificardos pecados. E, atrás delas, os domos brancos e os telhadospontiagudos de templos, santuários e ashrams. Mais adiantepassaram por três sadhus andando descalços longe da cidade emdireção às montanhas. Com seus cabelos emaranhados, tangas etridentes, eles pareciam homens das cavernas caçando mamuteslanosos.

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— Vocês se importariam se repassássemos nossa história? Estouficando um pouco esquecida em minha idade avançada.

A voz pertencia à Sra. Duggal, que prestava serviços ocasionais àMais Particulares Investigadores desde que se aposentara do ServiçoSecreto indiano. Puri pedira que ela se passasse por sua esposanaquele dia, e ela estava sentada ao lado de Cosmética.

— Sem problema — concordou o detetive. Ele repetiu os detalhesmais uma vez: o endereço da família Garodia em Cingapura, o nomeda escola da qual Queenie fora expulsa, os nomes dos avós paternose tudo mais.

A Sra. Duggal, de quem se esperava uma boa quantidade delágrimas durante a visita ao ashram, testou a barra de mentol que elamantinha na bolsa para tais situações. Esfregou-a nas narinas erapidamente verteu lágrimas.

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— Muito convincente — aprovou Puri.A Sra. Duggal enxugou o rosto com o lenço.— É sempre um prazer trabalhar com alguém tão talentoso, Sr.

Puri. Jamais o reconheceria com toda essa produção — disse ela.— É muita gentileza de sua parte — respondeu ele. — De fato,

disfarces sempre foram minha especialidade. Tão logo assumo umpapel, Vish Puri é posto de lado e eu me torno o personagem. Àsvezes, nem eu mesmo me reconheço, de tão absorto que fico.

Puri admirou seu disfarce no espelhinho de maquiagem: bigodetingido de hena, sobrancelhas, peruca — todos em escabrosovermelho-alaranjado — e um nariz aquilino.

A Sra. Duggal e Cosmética trocaram um olhar travesso.A Morada do Amor Eterno se espalhava por um vasto terreno no

sopé do Himalaia. Não fossem as estátuas de bronze de santoshindus ao longo da entrada e as idas e vindas de devotos vestindokurtas e sarongues brancos, o lugar se passaria pelo campus de umauniversidade americana. Belos gramados pontilhados por sombrasde árvores e bancos se aninhavam entre construções novas eutilitárias. Placas brancas indicavam aos visitantes o caminho certo:sala darshan; residência ananda; lar do conhecimento; caixaseletrônicos. Os bem cuidados canteiros de flores que cercavam oestacionamento eram adornados com cascas de árvores.

A recepção principal, com portas de correr automáticas,equipamentos de ar-condicionado e registro computadorizado,também contradizia todas as noções preconcebidas de quemodernidade não combinava com espiritualidade.

Maharaj Swami, de acordo com as pilhas de livros oferecidosgratuitamente aos visitantes, atingira o samadhi depois de meditar nuem uma caverna no alto do Himalaia por sete anos. Seus devotospoderiam alcançar o mesmo estágio apenas vivendo em dormitóriosbem-arrumados, comendo comida vegetariana, frequentando assessões de ioga pranayama na varanda de piso de mármore, ouvindo

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os discursos diários de Swami-ji e seguindo o programa dedesintoxicação pancha karma.

Para aqueles que tinham “problemas de saúde”, o Lar da Saúde,um multimilionário hospital de 200 leitos, oferecia tratamentos paratodas as doenças conhecidas, incluindo câncer e Aids. Uma curaayurvédica também era oferecida para a homossexualidade,considerada por Maharaj Swami uma “doença e um mal”.

Enquanto esperava na fila da recepção, a família Garodia — daetnia Marwari, que vinha de Cingapura, onde Lakshmi Garodiadirigia uma milionária fábrica têxtil — estava em boa e distintacompanhia. Atrás deles havia um jovem casal de Déli que vierapassar três dias no ashram.

— Estamos procurando algo mais na vida, além de trabalho,compras e mais trabalho, tipo um pensamento superior ou algoassim, sabe? — falou o marido, que pagara quase mil dólares pelo“Caminho Mais Curto para o Eu”.

— Lakshmi Garodia, de Cingapura — anunciou Puri em tomsonoro à jovem devota atrás do balcão quando chegou sua vez.

Ele colocou o cartão de visitas das Organizações Garodia sobre obalcão. Este listava uma série de endereços comerciais emCingapura, um site e um número de telefone que Descarga, o magoda computação e da eletrônica de Puri, direcionara para a Sala deComunicações da Mais Particulares Investigadores.

— Eu liguei faz um dia para inscrever minha filha, Queenie —disse Puri. — Fomos convidados a comparecer ao darshan às 16horas.

— Perfeitamente, Sr. Garodia. Estávamos a sua espera — disse adevota com um sorriso seráfico. Ela se levantou e uniu as palmas desuas delicadas mãos em um namaste.

Puri retribuiu, assim como a Sra. Duggal, ou seja, Sra. Garodia.— Aquela é sua filha? — perguntou a devota.

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Cosmética estava do outro lado da recepção, encostada naparede, ouvindo seu iPod, ligado no volume máximo. Uma fortebatida vazava pelos fones. Ela murmurava a letra da músicaenquanto lançava um olhar vago bem apropriado.

— Sim, aquela é Queenie — disse a Sra. Duggal, com um suspiro.A devota observou a jovem de jeans apertado e salto alto com um

sorriso curioso e excêntrico.— O queeee vocês tão olhando? — berrou Cosmética, fingindo

que tinha acabado de notar os olhares dos três. — Acham que eu soualgum tipo de aberração? Me deixem em paz, o-kaaay!

— Agora você passou dos limites! — gritou Puri. Ele zuniu pelarecepção e arrancou o iPod das mãos dela.

— Nossa, pa, qual é o seu problema, na?Todos na recepção se viraram para olhar a cena.— Como você se atreve, senhorita?! Acha que trouxemos você

aqui por nada, na?— Ninguém me perguntou se eu queria vir. Odeio este lugar. A

Índia é nojenta e fede. Tipo, você viu tudo sujo nas ruas ou não? Oshomens mijam nas paredes em qualquer lugar. Tem uns loucos sembraços pedindo, tipo, em todos os sinais. A Índia é um pesadelo, e euodeio esse lugar!

— A Índia é sua terra natal! — rugiu Puri. — E você está aquipara aprender sobre sua ascendência e cultura! Acha que a MTVpode lhe ensinar alguma coisa, na? Acha que pode ficar fazendonada da vida e ir a milhares de festas?

A Sra. Duggal interveio.— Por favor, beta, tente se comportar. Seu papai está com a

melhor das intenções. Ele está gastando muito dinheiro para vocêficar aqui e receber ajuda. Por que você não joga fora esse chiclete evem aqui se apresentar?

— Seeeeem chaaaance, ma. Isso é tudo besteira. Vocês não vão meobrigar a fazer nenhuma ioga ou qualquer coisa idiota do tipo. Eu

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quero ir pra casa!A Sra. Duggal rompeu em lágrimas.— Eu sabia que a gente não deveria ter ido morar em Cingapura!

— lamentou, virando-se para a recepcionista. — A culpa foi minha.Se Queenie tivesse sido criada direito, saberia apreciar a própriacultura. — A Sra. Duggal deixou escapar uma série de soluços altos.— Mas, em vez disso, ela vai... vai para boates... e... e dan... e dançacom ga...ga... — A Sra. Duggal respirou fundo antes de gritar de dor:— Garooootos!

Queenie teve de ser subornada com a promessa de um novo parde botas Ugg antes de concordar em ir com os pais até a sala dedarshan, onde Maharaj Swami recebia “suas crianças”.

Lá dentro, lustres brotavam de flores de lótus rosa-escuro eefígies de cera dos deuses espiavam a todos de suas caixas de vidroao longo das paredes. Uma enorme fonte de mármore jorrando águatingida de azul ocupava o centro do auditório, e no fundo da salaficava o palco.

Centenas de devotos sentados de pernas cruzadas em esteirascantavam músicas de devoção, acompanhados por músicos quetocavam santoor, bansuri e tabla. Outras centenas cantavam os 99nomes de Maharaj Swami. Sinos dobravam. Címbalos de mãoschocavam-se. Nuvens de incenso envolviam o grupo. O mais velhodos discípulos do Homem Santo, reconhecível por seu sarongueamarelado, sua estola de seda e seu aspecto intenso e confiante,acendia velas e distribuía cestos de pétalas de flores para seremjogadas aos pés do senhor.

A família Garodia tirou os sapatos do lado de fora das portas demadeira trabalhada e recebeu copos de suco de papaia. Então, foramconduzidos até a parte da frente do salão, onde todos os outrosconvidados e visitantes estavam sentados em acolchoadas esteiras deioga. Puri estimou que eram aproximadamente 300; pela aparênciadeles, pertenciam à nova classe média indiana.

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O homem sentado ao lado dele tinha uns 30 anos, umpublicitário de Mumbai. Assim como o detetive, ele estava acima dopeso e era incapaz de ficar na posição de lótus, então se sentou comas pernas curtas e gorduchas esticadas para a frente.

— Assisto ao Swami-ji no Canal OM e espero que ele possa meajudar com meu estresse e minha pressão alta — disse ele a Puri. —Nada funcionou até agora.

O detetive assistira ao Canal OM algumas vezes; Rumpi de vezem quando ligava a TV na sala. A emissora de Maharaj Swamioferecia um pouco de tudo: sabedoria védica, conselhos de saúdeayurvédicos, ioga, meditação e autoajuda no estilo Deepak Choprasobre como lidar com problemas associados aos desafios da vidamoderna — em outras palavras, estresse, filhos desobedientes ecasos extraconjugais. Uma nova forma de hinduísmo estavatomando a Índia. Era altamente ritualística e baseada no tipo depseudociência que ajudava a nova classe média a conciliar oconhecimento moderno e a tecnologia com suas crenças em “poderessobrenaturais supostamente corporificados em imagens, homens emulheres divinos, estrelas e planetas, rios, árvores e animaissagrados”, como dissera um comentarista recentemente. E o maisimportante? essa nova onda também tolerava o materialismo. “OBhagavad Gita e o Yoga Surras foram transformados em manuais deautoajuda para ganhar dinheiro e atingir o sucesso”, escrevera omesmo comentarista.

Não era o caso de Puri ou da maior parte da sua geração. Elestinham um hinduísmo mais contemplativo e filosófico, que torcia onariz para a ostentação. Além disso, ele odiava todos os pedidos dedoação e o marketing descarado. Usando técnicas inspiradas nosprogramas de TV evangélicos americanos, Swami-ji vendia livros,CDs e DVDs da mesma forma ridícula que se vendia sabão em pó.

“É como um hinduísmo novo e aprimorado que pode fazer o que osconcorrentes não fazem”, o detetive comentara recentemente com a

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esposa.Lakshmi Garodia, no entanto, era um fã ardoroso do guru.— Dá para sentir a presença e o poder dele pela TV, na verdade

— disse. — Não é à toa que ele curou tantas pessoas.— Muitas pessoas mesmo! — concordou o publicitário sem

fôlego. — Sabe, meu primo mora em Hong Kong e estava morrendode câncer. Estava à beira da morte. Aí Maharaj Swami foi até ele. Eleatravessou a parede do hospital e colocou as mãos na cabeça do meuprimo. Ele disse que sentiu literalmente o câncer ser destruído.Naquele mesmo dia meu primo saiu do hospital.

Um coro de trombetas anunciou a chegada de Maharaj Swami.Ele entrou pela arcada ornamentada do fundo do salão e entãoseguiu por um caminho que passava por fileiras de discípulosbajuladores e adoradores, muitos deles abaixados para tocar os pésdo guru. Ele parou algumas vezes para estender as mãos sobrecabeças inclinadas. E, com um sorriso seráfico, aspergiu vibhuti sobreos fiéis, a cinza sagrada que se materializava em suas mãos.

Puri e os outros visitantes permaneceram sentados no chãoenquanto o homem santo se aproximava. Com as mãos unidas, elessorriam como crianças afoitas implorando por suas bênçãos. Algunspoucos escolhidos receberam reconfortantes, quase piedosostapinhas nas cabeças.

— Swami-ji! Swami-ji! — gritava o publicitário com lágrimascorrendo pelas bochechas. — Abençoe-me, Swami-ji!

O canto de devoção, as músicas, os sinos e címbalos tornaram-sefebris quando Maharaj Swami subiu ao palco, onde os sacerdotes dotemplo o saudaram com flamejantes diyas de bronze.

Com a barba negra e o bigode repartido para revelar uma fila dedentes brancos e perfeitos (de acordo com os livros que Puri lera nosaguão de entrada, eles eram mantidos em perfeitas condições comos palitos de dentes neem, exclusivos da Morada do Amor Eterno),ele se sentou em um grande trono de prata. Suspenso por cabos atrás

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dele estava um círculo de luzes que piscavam e formavam um halo.Ele levantou a mão esquerda para silenciar a plateia.

O silêncio tomou conta do recinto, e sua voz profunda e cheia depompa ecoou sobre os ouvintes.

— Minhas crianças — disse ele em híndi —, hoje vamos pensarsobre a palavra “eu”, que se refere ao ego nascido de uma parte docorpo...

Por trinta minutos Puri ouviu atentamente o discurso de MaharajSwami, impressionado com sua capacidade de oratória. A Sra.Duggal também parecia cativada. Cosmética parecia um poucopálida, mas o detetive achou que não era nada demais.

Quando estava terminando seu sermão, o guru se levantou maisuma vez e foi até a frente do palco.

— Nenhum de vocês aqui é capaz de compreender minharealidade — explicou ele. — Embora eu pareça de carne e osso,existo em múltiplas dimensões. O tempo não significa nada paramim. Passado, presente e futuro são uma só unidade.

Dois dos discípulos mais velhos carregaram um braseiro cheio demadeira para o palco e o colocaram à esquerda do trono do guru.Isso gerou uma onda de expectativa em toda a plateia.

— Mas ao longo da história humana, santos e avatares foramenviados para guiar a humanidade, para revelar a infinitude douniverso. Isso acontece por meio dos milagres. Aqui e agora euofereço a vocês a revelação de um milagre. Eu ofereço umacomunicação através do tempo e do espaço com um dos sete rishis,Bharadwaja. Foi ele quem veio a mim e me revelou a Verdadedefinitiva, foi quem me mostrou o verdadeiro poder do amor deDeus.

— Nós somos mesmo abençoados — o empolgado publicitáriosussurrou a Puri. — Swami-ji raramente invoca Bharadwaja,geralmente apenas para convidados especiais. Dizem que a última

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vez foi para o primeiro-ministro. Depois foi escolhida a data daeleição!

As luzes do salão diminuíram e Maharaj Swami ordenou silêncioabsoluto. O salão ficou totalmente inerte.

Pressionando as pontas dos dedos contra a testa e as têmporas,ele fechou os olhos e começou a proferir encantamentosincompreensíveis. Levantou a mão direita e a apontou para obraseiro. Com um estalar de dedos, a madeira explodiu em chamas.Todos, inclusive Puri, engoliram em seco.

Maharaj Swami se aproximou do braseiro incandescente. Juntouas mãos e as apertou com força, murmurando algo entre os dentes.Quando ele separou as mãos de novo, elas estavam cobertas por umpó vermelho. Ele jogou o pó sobre as chamas, fazendo com que elasficassem mais altas.

Uma densa fumaça começou a subir, e então, como se ela tivessevontade própria, fez uma abrupta curva para a esquerda e continuouhorizontalmente até o meio do palco. Ali ela começou a girar,criando um redemoinho. E no meio dele uma luz branca e brilhanteapareceu.

Maharaj Swami fechou os olhos mais uma vez e moveu as mãossobre o braseiro.

A luz branca aos poucos tomou a forma de uma fantasmagóricacabeça de homem.

Puri podia ver os traços de seu rosto: os vincos na testa, o narizachatado, a papada flácida, as pálpebras envelhecidas.

Ele sentiu um arrepio na espinha quando um dos colegasvisitantes gritou:

— Ele está aqui! Bharadwaja está aqui!O rishi abriu os olhos e bocejou, como se despertasse de um sono

longo e tranquilo.— Quem se atreve a me perturbar? — falou a voz grave e

profunda que vinha de cima.

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— Sou eu — respondeu Maharaj Swami, que, neste momento,voltara para seu trono.

Um sorriso passou pelo rosto enrugado.— E o que você quer?— Todo-poderoso, eu não procuro nada para mim. Eu lhe peço

para guiar minhas crianças em sua busca pelo divino!— Nem todos podem ser ajudados — disse o rishi. — Aqueles

que resistem, que se recusam a abandonar noções preconcebidas,esses ficarão para sempre presos em um infinito círculo denascimento e renascimento.

Um tímido devoto foi chamado ao palco e se prostrou diante daaparição. Com uma voz hesitante, ele perguntou ao rishi sobre umacontecimento de uma de suas vidas passadas. Ele e os outros seisque se seguiram receberam respostas que pareciam chocá-los esurpreendê-los.

Todo o tempo Puri ficou sentado, como fizera na laje onde Akbar,o Grande levitara, tentando descobrir a técnica por trás da ilusão.

Não havia nenhum projetor; a face era tridimensional. Tambémnão era um holograma. Disso ele tinha certeza.

Era possível que houvesse um homem no palco usando umavestimenta para camuflar seu corpo? Como em resposta a estapergunta, a porta lateral do salão se abriu, lançando claridade sobreo palco, revelando que não havia nada atrás da cabeça flutuante dorishi.

O detetive e a Sra. Duggal trocaram um olhar furtivo e perplexo.Foi aí que Puri notou Cosmética encarando o palco sem qualquer

expressão. Ela parecia petrificada, como se tivesse sido hipnotizada,e havia lágrimas descendo pelo seu rosto.

Ele se esticou e tocou suas mãos. Na primeira vez, ela não reagiu.Ele tentou de novo. Cosmética se virou e olhou para ele e então,voltando a olhar para o palco, começou a gargalhar.

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Puri não sabia o que fazer. Havia algo errado? Ela estavaimprovisando?

Ele decidiu entrar no jogo, ficando de olho nela.Alguns minutos se passaram e ela começou a voltar a si. Mas aí

ela levantou de repente e, com os braços bem abertos, declarou paratodo mundo ouvir:

— Eu vi a verdade, e ela é linda!Muitos dos que estavam perto dela começaram a aplaudir. E

então Cosmética desmaiou, caindo no colo da pessoa de trás.

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capítulo 11

— SEGUNDO MEU FINADO MARIDO, a inteligência é o elemento chavepara resolver os casos. Mas dois tipos de inteligência existem, não?Informação e QI, também. Para a acurada resolução, ambas sãonecessárias.

— Sim, Mama-ji — disse Rumpi, cansada. — Mas, nesse caso,parece que não temos nenhum tipo de inteligência, inteligência doprimeiro tipo, quero dizer.

Era quinta-feira à tarde, 24 horas depois do assalto à ki�y party.Puri estava em Haridwar, enquanto a mulher e a mãe dele debatiama investigação no banco de trás do carro de mamãe em frente aoLaboratório Central de Ciências Forenses, na Lodhi Road, zona sulde Déli.

Elas haviam passado as últimas horas dentro do prédio do LCCF,onde o filho de uma das mais antigas amigas de mamãe trabalhavacomo técnico de laboratório. Com uma combinação de charme epura obstinação, ela o persuadira a detectar as impressões digitaisdos itens de sua bolsa e confrontá-las com o banco de dadosnacional. O computador não encontrara nenhum resultado. Mas,como o jovem timidamente admitira, essas buscas raramente davamem alguma coisa.

— Impressões digitais entram em jogo quando encontramos umaarma e precisamos comparar as impressões achadas com as de um

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suspeito — explicara ele. — Mas a maior parte dos nossosinvestigadores nem se incomoda em coletar evidências forenses. Elesconfiam mais nas confissões dos suspeitos.

Quando mamãe lhe pedira para fazer um teste de DNA na suaunha, ele respondera:

— Titia-ji, acho que a senhora está vendo muito CSI na TV, não?Mamãe não entendera o que ele quis dizer com aquilo. Ela nunca

tinha tempo para assistir à televisão, com todos os seus afazeres demãe e avó (ela ainda morava com o filho mais velho, Bhupinder, amulher e quatro filhos — e seus inúmeros compromissos semanais etrabalhos voluntários —, sem falar nas ocasionais investigações.

Mas ela não se abatera com esse contratempo.— Olhe pelo lado bom — disse mamãe à nora, enquanto elas

pensavam no próximo passo no banco de trás do carro —, asimpressões digitais vão se tornar úteis quando pegarmos essesgoondas. Agora precisamos de um plano B.

Rumpi não conseguia se lembrar de nenhum plano B. Nem sehavia um plano C ou D, aliás. Ela estava descobrindo que o trabalhode detetive não fazia parte de sua natureza. Tal ofício exigia umamente perspicaz, e ela ainda estava tentando lidar com a ideia deuma de suas amigas ter traído todo o conceito sobre o qual sebaseavam as ki�y parties.

— Tem certeza de que não pode ter sido um dos maridos? —perguntou a mulher de Puri.

— Você conta ao Gorducho sobre essas festinhas? — perguntoumamãe.

— Claro que não!— Esse é meu ponto. Nenhuma mulher indiana compartilha essa

informação com o marido. Suas economias e joias merecem ficar emsegredo sempre.

— Suponho que esteja certa, Mama-ji.

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Rumpi não estava inteiramente convencida de que não eramelhor deixar o assunto para os profissionais. Mas Jaiya havia saídopara visitar amigos, então ela decidiu fazer companhia à sogra —nem que fosse para evitar que ela se metesse em encrenca.

Impusera uma condição, porém. Mamãe nunca contaria a Purique elas estavam trabalhando juntas.

— Sabe o que ele pensa de mamães fazendo investigações. SóDeus sabe o que vai pensar das esposas!

Elas concordaram em fingir que saíam para fazer compras. —Aonde estamos indo agora? — perguntou Rumpi.

— Como já disse, alguma inteligência é necessária.— E onde planeja encontrá-la, Mama-ji?— Quando se trata de descobrir o que senhoras chiques estão

aprontando, só há um lugar a ir.Elas sorriram e disseram em uníssono:— Salão de Beleza da Arti!Uma empresa de cosméticos francesa havia inaugurado um salão

novo em folha chamado Chez Nous (localmente conhecido por“Shahnoos”) em frente ao Arti, no Khan Market. Ele oferecia os maisnovos “sistemas de limpeza” de Paris e uma taça de vinho brancopara cada nova cliente. As fotografias de modelos galesas fazendobeicinho com peles perfeitas exaltavam os benefícios da depilação alaser.

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O Salão de Beleza da Arti, ao contrário, era sujo e ultrapassado.As paredes eram cobertas de papel de parede cor-de-rosa e pôsteresde modelos que ostentavam o tipo de penteado que já havia saído demoda nos anos 1980. O sistema de agendamento ainda era com umgrosso caderno de folhas marcadas a caneta, e não com um velozApple Mac. As esteticistas usavam uniformes que as faziam parecerarrumadeiras de hospital. E o faxineiro encarregado de manter ochão limpo cumpria sua função com as mãos e de joelhos, secontorcendo em uma corrida de obstáculos entre pernas e sapatoscom um pano molhado e encardido.

Para as magras e jovens que chegavam ao Khan Market em seussedãs com motoristas e bolsas Louis Vui�on penduradas no braço, a

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escolha entre os salões rivais era óbvia.O estabelecimento francês atraía também muitos jovens clientes

do sexo masculino. Eles eram vistos através das janelas passandopelas mais modernas técnicas de clareamento de pele, aos cuidadosde especialistas malhados e vestidos de preto. “Porque beleza érealmente superficial”, dizia o slogan nas costas de suas camisas.

A afetação do Chez Nous não agradava às clientes de meia-idadeda Arti, mas outros fatores também garantiam sua lealdade. Ospreços eram menores, e ela oferecia produtos naturais indianos etécnicas tradicionais, como o tratamento capilar com hena. Onacionalismo falava alto, um preconceito muito explorado por Arti,que era positivamente xenófoba contra os franceses — “AqueleGeorge W. Bush tinha razão, não?” Sem falar no insuperável climade intimidade geral, em que brincadeiras e mexericos prosperavam.

Mamãe e Rumpi chegaram e viram todas as poltronas reclináveise giratórias do salão ocupadas. A filha da Sra. De Souza ia se casarnaquela semana e estava sendo paparicada por um séquito deesteticistas responsáveis pelos tratamentos: depilação, manicure,pedicure, esfoliação corporal pré-marital, vaporização com unguentode ervas, tratamento facial com pó de amêndoas. A Sra. De Souzaestava fazendo pé e depilação facial. Uma das madrinhas pareciaque havia caído de cara na lama, as partes brancas dos olhosimensos cercadas por uma escura máscara de sândalo.

Arti, que usava sombra verde nos olhos, andava de um lado aoutro do salão, dando ordens às esteticistas, mimando as clientes,fazendo piadas de mau gosto e dando conselhos de natureza pessoalem voz alta e para todas ouvirem.

— Você devia ajustar o número do seu sutiã! — comentou umadas clientes. — Vou lhe dar o número da garota. Essa coisa que vocêestá usando é duas vezes maior do que o seu número. Você fica todapelancuda.

À futura noiva ela disse:

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— Onde você arrumou tantas espinhas? Está comendo muitochocolate? Ou talvez sejam todos esses hormônios, hein? Já deveestar pensando na noite de núpcias!

Quando bateu o olho em mamãe e Rumpi esperando narecepção, Arti exclamou em voz agitada:

— Eu ouvi falar sobre o assalto! Que coisa horrível! MadameArora esteve aqui hoje de manhã e me contou tudo. O vira-lata delaestá em coma! Pobrezinho, não responde quando chamam seu nome.Quem vocês acham que fez isso? Provavelmente um daquelespurvanchali. As autoridades deviam mandá-los de volta para as vilas!

Sua atenção foi atraída para uma minicrise no salão. A cera dedepilação de uma cliente estava quente demais e ela soltou um berroquando o produto foi aplicado.

Rumpi foi conduzida a uma sala de tratamento privativo por suaesteticista de sempre, Uma.

Uma, que trabalhava no salão havia uns 15 anos, sempre contavaseus problemas à madame Puri: o marido beberrão, o telhado comvazamento, os cunhados que pediam dinheiro, o péssimo padrão deensino da escola dos três filhos. Seu emprego rendia o suficienteapenas para alimentar e vestir a família. Quando o preço doslegumes e do gás de cozinha aumentava, ela logo sentia no bolso.

Nos últimos meses, porém, as coisas tinham começado amelhorar, e Uma estava sempre com um sorriso nos lábios.

Hoje não era diferente.— E suas ações, vão indo bem? — perguntou Rumpi em híndi,

enquanto vestia um avental sem mangas, limpo, porém surrado.— Bharti Airtel subiu 20 rupias semana passada! — respondeu

ela.Já havia algum tempo que Rumpi ouvira algo sobre o sucesso da

esteticista no mercado de ações. Inicialmente, Uma investira metadedas economias, por volta de 10 mil rupias, em uma companhiachamada InfoSoft. Uma semana depois, a companhia fora comprada

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por uma empresa americana, e suas ações triplicaram de valor. Aesteticista embolsou o lucro de 20 mil rupias e o usou para comprarações de uma companhia de gás indiana chamada — muitoapropriadamente — Índia Gás. Menos de um mês depois essacompanhia fechou um contrato com a Prefeitura de Déli para fazer oencanamento de gás doméstico nas ruas da cidade. Em horas asações de Uma estavam valendo 35 por cento a mais do que ela haviapagado.

Rumpi suspeitava de que ela estava recebendo dicas de algumacliente. Mas Uma alegava fazer suas prudentes decisões deinvestimento com base no que diziam os especialistas dos canais denegócios na TV.

— Então, alguma dica boa para mim? — perguntou Rumpi,verdadeiramente interessada, devido ao sucesso de Uma.

— Ontem, madame, eu comprei 200 rupias em ações doLaboratórios Dr. Reddy. É uma companhia muito forte. Mas, seja lácomo for, não compre ações da InfoSoft!

— Por quê?— Não viu nos jornais o que aconteceu, madame? Duas semanas

atrás as ações despencaram 70 por cento.— Quanto você perdeu? — perguntou Rumpi, subitamente

preocupada.No passado, ela aconselhara Uma a guardar suas economias na

poupança.— Uns mil e pouco, madame. Mas ainda estou no lucro. Eu segui

seu conselho e coloquei 15 mil no banco.A esteticista esvaziou o pote cheio de uma pegajosa cera cor de

mel em um pequeno aquecedor elétrico.— Então, você ouviu falar do assalto? — perguntou Rumpi,

sabendo muito bem que este devia ter sido o principal assunto dasconversas do salão desde a tarde do dia anterior.

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— A Sra. Devi esteve aqui mais cedo e me contou tudo — disseela, quase sem respirar. — Deve ter sido assustador!

— Foi sim. O dacoit chefe tinha uma arma. E era muitoameaçador.

— Ouvi dizer que eles prenderam os empregados e também umpersonal trainer chamado Babbi, é verdade? A polícia acha que eleplanejou o assalto.

Rumpi riu.— Não acha que foi ele, madame?— Bem, acredito que seja possível — respondeu ela, lembrando-

se de que mamãe a havia alertado para não contar a nenhumaesteticista sobre sua suspeita. — Talvez a polícia saiba algo que agente não sabe.

Rumpi suspirou.— Só espero que eles consigam recuperar o dinheiro — disse ela.

— Nem todas somos cheias da grana. Não como a Sra. Azmat. Omarido dela é dentista, até onde sei. A profissão dele deve dar muitodinheiro. Recentemente ele a levou para um luxuoso cruzeiro pelosGrandes Lagos. Eu vi as fotos. Deve ter custado uma nota.

— Grandes Lagos, madame?— No Canadá.— Ah, sim, minha prima mora lá — disse Uma ao espalhar a cera

sobre a perna esquerda de Rumpi. — Ela diz que é um lugar muitoamigável. Cheio de indianos.

Rumpi mudou o rumo da conversa.— A Sra. Jain também nunca está apertada de dinheiro.— Claro que não — emendou Uma. — O marido dela é juiz da

Suprema Corte. Ouvi dizer que ele tem propriedades por toda Déli euma casa de praia em Goa também.

Depois da curta interrupção causada pelo garoto do chá, quebatera na porta pedindo os copos vazios de volta e não receberamuita atenção da esteticista, Rumpi disse:

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— Pobre Sra. Bansal. Ela ficou muito chateada. Parece que nuncateve muito dinheiro.

— Ha! Aquela é mais sovina que um marwari! — zombou Uma.— Ela nunca me dá mais que cinco rupias de gorjeta. E ela nãopagou a conta.

— Verdade? — disse Rumpi, fingindo inocência. — E quanto é?— Mais de quatro mil. Madame Arti estava falando sobre isso

ontem mesmo, dizendo que está ficando muito constrangedor. ASra. Bansal sempre diz que vai acertar, mas nunca acerta.

— Mas qual será o problema?Agora Uma estava acabando a perna direita de Rumpi,

espalhando a cera quente habilmente com uma faca de manteiga edepois arrancando-a com tiras de musselina. Ela baixou o tom devoz e disse:

— Da última vez que ela esteve aqui, eu a ouvi falando aotelefone. Parece que o marido está metido em alguma encrenca.

— Alguma ideia de que tipo de encrenca?— Em se tratando de homem, não é muito difícil adivinhar.De volta ao carro, Rumpi contou a mamãe sobre a conta não paga

da Sra. Bansal.— Arti disse que ela pagou a conta toda hoje de manhã — disse

mamãe, que ficara papeando com a proprietária durante otratamento, em outra sala privada.

— Pode ser coincidência... — sugeriu Rumpi, ainda se apegandoa outra explicação para o crime.

— Suposições não podem ser feitas — concordou mamãe. —Mas, mesmo assim, a Sra. Bansal é suspeita.

A mãe de Puri então resumiu o que mais havia escutado. Arti lhedissera que a Sra. Devi, outro membro da ki�y party, estava “fazendotravessuras com um rapaz”.

— Anita? Mas ela é duas vezes o meu tamanho!— Parece que eles se encontram três vezes por semana.

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Rumpi ficou em um silêncio assombrado por alguns segundos eentão disse:

— Suponho que isso só sirva para provar que nunca conhecemosas pessoas de verdade. Mas não consigo imaginá-la planejando umassalto, Mama-ji. O marido dela nada em dinheiro.

Nenhuma das outras mulheres parecia ter qualquer tipo dedificuldade matrimonial ou financeira.

— Então, qual é o próximo passo, Mama-ji? — perguntou Rumpi,olhando para o relógio. Eram quase 18h, hora de voltar para casa ecomeçar a preparar as refeições da noite para ela, Jaiya e Gorducho,que ligara mais cedo para dizer que estava voltando de Haridwar.

— Um trabalho de bastidores será necessário.— Sobre a Sra. Bansal? O que tem em mente?— Vamos interrogar os empregados. Esses tipos sempre veem e

ouvem tudo o que está acontecendo, não?

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capítulo 12

O INSPETOR SINGH NÃO ESTAVA COM O MELHOR dos humores. Quandoos alooparanthas foram colocados na sua frente, ele encarou o prato erosnou:

— Onde está o aachari?Os garçons do Gymkhana Clube, um bando de preguiçosos,

desde muito tempo haviam se tornado imunes às reclamações dossócios, muitos deles reclamões profissionais. Puri vira muitaspessoas gritarem com eles com o desprezo e a rigidez de sargentos,mas com pouco ou nenhum efeito. Em Singh, porém, eles haviamencontrado um páreo duro. A combinação de seu tamanho, seuuniforme policial e seu rosnado ameaçador os deixara feito baratastontas.

Em dois tempos uma tigela cheia de conserva de manga apareceue foi colocada diante do inspetor. Ele não olhou para cima nemagradeceu, mas com um resmungo irritado arrancou uma lasca deparantha, espetou um grande pedaço de aachar, mergulhou tudo nacoalhada e depois enfiou a comida na boca. Quando ele começou amastigar, aparentemente satisfeito, os garçons soltaram um suspirode alívio coletivo, olhando-o com cautela detrás do balcão.

Puri, que chegara de Haridwar tarde da noite na quinta-feira eacordara às sete nesta manhã para o que o inspetor considerara um

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encontro urgente, estava sentado defronte a seu convidado na mesade café da manhã do Gym.

Ele podia perceber que Singh não tivera uma boa noite de sono.O NCR fora atingido por três horas de redução da carga de energia, eo inspetor, que morava em uma modesta casa em Mustafabad,nordeste de Déli, não tinha gerador para usar os ventiladores de teto.

Esses sistemas não eram baratos. O policial, que tinha seis bocaspara alimentar, não podia comprar um com seu salário e não estavapreparado para extorqui-lo dos cidadãos. Seu mau humor era,portanto, um ponto a seu favor.

— Eu tentei ligar para o senhor ontem, mas parece que seucelular estava fora de área — disse ele, com a boca meio cheia.

— Alguns problemas de família — mentiu Puri, que estavaguardando sua visita a Haridwar e o fato de que infiltrara umaagente secreta no ashram em absoluto segredo.

O detetive rapidamente mudou de assunto.— Desde a última vez em que nos vimos, tive um encontro com

um taco de críquete — disse Puri, e se pôs a descrever como haviasido emboscado no escritório do Dr. Jha.

— Espero que não tenha invadido um domicílio de novo, Sir —disse Singh com reprovação. Ele não gostava muito de algunsmétodos de Puri.

— Nada disso. A porta lateral estava perfeitamente aberta, naverdade. Eu apenas surpreendi um intruso que tentava vasculhar osarquivos do Dr. Jha. Como ele conseguiu levar a melhor sobre mimainda é um mistério. Meus reflexos são como relâmpagos.

O mais frágil sinal de sorriso passou pelo rosto de Singh, quandoele, pegando outro pedaço de parantha, perguntou:

— Viu quem era?Por um momento Puri pareceu sem palavras.— Minha memória desses eventos está meio nebulosa — disse

ele. — É como se fosse um sonho, mas faltam alguns detalhes. Eu me

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lembro de alguém familiar dizendo alguma coisa. Mas não consigodefinir quem ou o quê.

— Tenho certeza de que isso logo ficará claro para o senhor —disse Singh, tentando ajudar. O café da manhã com chá salgadoparecia estar melhorando seu humor.

— Só espero que não demore semanas ou meses. Isso é muitofrustrante.

Um garçom chegou equilibrando um prato de idlis dispostossobre uma folha de bananeira e o colocou em frente a Puri. Eleimediatamente cortou um pedaço do bolo de arroz, afundou-o nacalda de coco e em um pouco de sambar apimentada e o devorou.

— Então me diga. O que é tão importante para me trazer à cidadetão cedo, inspetor?

Singh, que acabara de comer, limpou as mãos no guardanapo e ocolocou sobre a mesa.

— Sir, o chefe sabe que o senhor está investigando o caso Jha —disse ele, solenemente.

Puri deu de ombros.— E isto lá é novidade? Déli é como um vilarejo, com as

mulheres fofocando em volta da fonte. No final, todo mundo acabasabendo da vida de todo mundo. — E comeu mais um pouco dacomida.

— Ele sabe que levei o senhor até a cena do crime e está furiosocom isso. Ele ordenou que eu encontrasse o senhor esta manhã e oavisasse.

— Então me considero avisado — disse Puri com um largosorriso.

Singh bebeu um pouco de chá.— Mas me conte, Sir, aqui entre nós. Fez algum progresso?— Que isso, inspetor, sabe que não tenho o hábito de

compartilhar minhas teorias até que elas sejam testadas e aprovadas— respondeu Puri. A verdade, porém, era que ele tinha pouco a

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contar: apenas alguns fragmentos de informação e uma hipótese ououtra.

Não que Puri estivesse preocupado. Não muito. Ele solucionaramuitos casos no passado com ainda menos evidências disponíveis aessa altura da investigação. Na Índia, talvez mais do que emqualquer outro lugar do mundo, a metodologia da inteligênciadetetivesca estabelecida por Chanakya quase dois milênios e meioatrás era frequentemente o único caminho infalível até a revelaçãodo mistério. Era necessário paciência.

— Eu sei, Sir, mas é mesmo necessário me manter totalmente noescuro? — perguntou Singh. — Afinal, estamos do mesmo lado. Eume sinto inútil, impotente.

— Sentiu a mesma frustração no caso Picles Sansi. E veja comotudo acabou.

Puri se referia à captura, oito meses antes, do líder do famoso clãSansi, que era procurado por homicídio e formação de quadrilha.

A versão oficial era que Singh o capturara sozinho. Mas, naverdade, Descarga havia clonado o telefone celular da amante dePicles, uma dançarina exótica chamada Amorosa. Usando SMS, odetetive então atraíra o arredio mas confiante dom para umnamorico à meia-noite no Palácio Raj. Picles chegara ao hotel cincoestrelas esperando desfrutar, segundo as palavras de uma dasatrevidas mensagens do detetive, “A thali inteira, garotão!”. Em vezdisso, ele foi algemado.

Dada a temida reputação do clã Sansi, Puri não quis ter seu nomeassociado ao caso e deixou que o inspetor ficasse com toda a glória.A ação ajudara muito a promissora carreira de Singh.

— Então me diga — falou o detetive terminando de comer eafastando o prato —, aquelas “cinzas” encontradas na cena docrime? Você já recebeu o laudo do laboratório?

— Descobriram que é carvão vegetal — respondeu Singh.

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Se essa informação surpreendeu ou empolgou Puri, ele não quisdemonstrar.

— E sua teoria sobre o gás hilariante? Algum progresso?— Óxido nitroso, esse é o nome correto, científico — respondeu

Singh. — É fácil de conseguir. Médicos, dentistas, todos os tipos deprodutores de alimentos usam isso. Mais uma coisa. Conversei comum químico amigo meu e ele me disse que o termo “gás hilariante” éequivocado. Não faz com que as pessoas caiam na gargalhadaautomaticamente. Mas, de fato, faz com que as pessoas se sintamextremamente felizes. E, sob esse efeito, as pessoas, às vezes, podemrir muito.

— Isso pode explicar por que Shivraj Sharma era o único que nãoestava rindo e sentia que não podia se mexer — murmurou Puripara si mesmo.

— Ah, e quase me esqueço — acrescentou Singh, rapidamente —,pessoas sob efeito de óxido nitroso ficam geralmente suscetíveis esugestionáveis.

— Muito bom trabalho, inspetor! — declarou Puri antes de tomarnota dessa informação.

Singh ficou por um curto momento com a sensação de devercumprido. Mas ela logo passou.

Enquanto Puri tomava café no Gym, dois rapazes de Lanternavigiavam a casa do professor Pandey em West Shalimar Bagh.

Shashi e Zia estavam disfarçados de escavadores de valas, umdisfarce que eles adotavam com frequência, por causa dasimplicidade e do anonimato que oferecia. Pás e picaretas e maisalgumas roupas especialmente sujas eram todos os adereçosexigidos. O personagem também não era muito complicado:parecendo oprimidos e entediados, eles olhavam admirados para os

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carros chiques e falavam com forte sotaque bihari, usando frasescomo “Kaisan bhai” e “Jai Ramji ki”.

A visão desses trabalhadores miseráveis e mal pagos labutandoem canteiros de obra era comum em toda a cidade, e os moradoresquase não prestavam atenção neles. Delianos já estavam seacostumando com suas ruas e calçadas sendo constantementearrebentadas. Não havia nenhum bairro, setor ou distrito em quenovos encanamentos de gás, cabos de telecomunicações, tubulaçõesde água e de esgoto não fossem enterrados. Trincheiras com osmontes de sujeira correspondentes eram tão comuns quanto haviamsido no front ocidental, e não adiantava reclamar. Como todo mundosabia, as três corporações municipais de Déli eram completamentecorruptas e a polícia era subornada pelas empreiteiras, quetrabalhavam sem as licenças exigidas e violavam as mais básicasregras de segurança. Mesmo os mais ricos habitantes de Déli haviamaprendido a poupar saliva e tinta.

Com efeito, apenas um dos vizinhos do professor Pandey sequeixara quando, às seis da manhã do dia anterior, Shashi e Ziacomeçaram a furar a calçada em frente a sua casa. O majorRandhawa — de acordo com a placa de bronze no portão, reservistado Regimento de Rajput do Exército indiano — fora à rua parareclamar, de camisa regata, e, sem um “Bom Dia” ou um “Desculpeinterrompê-los”, começara a xingar os agentes de Lanterna como sefossem cães vadios. Também achara apropriado fazer comentáriosrepetidos e nada lisonjeiros sobre as mães e as irmãs deles.

Em resposta, Shashi e Zia, encontrando o perfeito equilíbrio entrea esmagada subserviência e a estupidez, murmuraram algo sobre apressão de água em um cano e o trabalho para um empreiteiro local.

Isso fizera com que o major Randhawa passasse a se referir demodo hostil à mãe e às filhas do empreiteiro.

— E depois que eu puser as mãos nele, ele não será mais pai denenhuma criança! — berrara.

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Fingindo ser analfabeto, Shashi mostrara ao cavalheiro umnúmero de celular escrito em um pedaço de papel encardido e lhedissera que o telefone pertencia ao patrão.

Depois de arrancar o papel das mãos dele, o major Randhawairrompera casa adentro para ligar para o empreiteiro e,presumivelmente, ameaçá-lo com uma castração rápida e brutal.

Shashi e Zia não ouviram mais nenhum pio dele depois daquilo eem algumas horas cavaram um buraco bem grande.

Eles haviam passado o resto do dia anterior seguindo Pandey,que saíra às 10h no carro dirigido por seu idoso motorista. Elechegara à Universidade de Déli em 30 minutos, ficou lá o dia todo,saiu, fez algumas compras e voltou para casa às 18h.

Outro garoto de Lanterna pegara o turno da noite, quetranscorrera sem qualquer incidente. Então, às seis da manhã, Shashie Zia retornaram, descansados e novamente sujos, para mais um diade trabalho.

Agora eram quase oito horas.Ainda não havia sinal do major Randhawa. Mas isso não era

surpresa, pois Lanterna, o empreiteiro, ameaçara cortar sua água, suaeletricidade e suas linhas telefônicas se ele não se acalmasse.

Quanto ao professor Pandey, ele estava de pé havia uma hora,ocupando-se das abluções. Seus sons limpando a garganta eassoando as narinas, amplificados pelas paredes de azulejos dopequeno banheiro, podiam ser claramente ouvidos da rua.

Shashi e Zia se encarregavam de espalhar um pouco de sujeira,fumar bidis e discutir os dotes físicos de suas atrizes de Bollywoodfavoritas.

— Katrina Kaif é magra como um gafanhoto — disse Shashienquanto mantinham um olho furtivo na casa do outro lado da rua.— Sem carne nos ossos, mano. Para mim é Vidya Balan. Você já viuaqueles olhos? Wah!

Ele começou a cantar sua versão de Tu Cheez Badi Hai Mast Mast.

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Depois do Gym, Puri foi até Basant Lane, onde encontrouLanterna às nove.

O agente estivera ocupado descobrindo tudo o que era possívelsobre o professor Pandey e o arqueólogo Shivraj Sharma,“escaneando ambos”, no jargão detetivesco. Empregados,motoristas, vizinhos e varredores de rua haviam sido consultados esubornados para contar fofocas e dar informações.

Ele tinha o seguinte para relatar:— A esposa de Sharma morreu dois anos atrás em um acidente

de carro. O filho também se machucou. Cadeira de rodas, vive emcasa. Sharma é brâmane estrito: empregados são proibidos de entrarna cozinha. Ele demitiu um deles no mês passado por beber em umde seus copos. Um cozinheiro brâmane prepara as refeições. Sharmaé muito religioso. Membro de longa data do VHP — VHP significavaVishwa Hindu Parishad, uma organização de direita que queriafazer da Índia uma nação unicamente hindu.

— E Pandey? — perguntou Puri.— Nada suspeito, Chefe. Excêntrico, obviamente. Sempre

sorridente. Nunca se casou. Morava com a mãe até ela morrer no anopassado. Uma coisa: seus empregados (cozinheiro, faxineira,motorista) foram todos embora na semana passada. Ninguém sabepor quê. Seu atual motorista é um substituto.

Eles debateram planos para invadir a casa do professor Pandey edar uma olhada, mas concluíram que precisavam saber mais sobreseus horários.

— Diga a seus garotos para ficarem de olho nele — instruiu odetetive. — Esse professor de risada está envolvido de algum jeito.Disso eu tenho certeza.

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O telefone de Lanterna tocou. Era Shashi informando que Pandeyestava saindo de casa e indo para o Jardim dos Cinco Sentidos, ondefaria seu Memorial do Riso para o Dr. Jha.

— Enquanto ele estiver ocupado, vou dar uma olhada na saladele na Universidade de Déli. Ver o que posso descobrir — disse odetetive.

Puri passou pelas Civil Lines, onde a Companhia Britânica dasÍndias Orientais estacionara seu exército antes da Guerra deIndependência de 1847, até a Universidade de Déli. Passou tambémpelo British Viceregal Lodge Estate, com seus pilares caiados ejardins de rosas, agora sede da Faculdade de Ciências, e logo chegouà Escola de Engenharia Elétrica.

Um bando de estudantes circulava do lado de fora, flertando e sedivertindo. O detetive tomou o rumo das escadarias do prédio,ouvindo ao longe a melodia de rap híndi tocado em um celular efragmentos dos atuais jargões de Déli — Qual é a funda, cara?, Ele éum desses artfraty, Bonita halfpants.

Lá dentro o corredor principal estava vazio, a não ser por algunsestudantes que andavam em sua direção. Ele perguntou onde era asala do professor Pandey e foi mandado para a terceira porta àdireita.

Enquanto esperava o corredor se esvaziar por completo, leu asnotícias afixadas no quadro de avisos. Uma delas anunciava opróximo tópico a ser discutido na sociedade: “A Índia conseguirá seraliada dos EUA?”; outra apelava para que a “pessoa ou pessoas queretiraram o esqueleto humano do laboratório de biologia o devolvamimediatamente”.

O detetive, cujo arsenal continha um jogo de chaves de tensão,não teve dificuldade em destrancar a porta da sala do professorPandey. A sala era pequena, mas organizada, as estantes estavamabarrotadas de livros de referência e fichários, a mesa, repleta de

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provas não corrigidas. Puri abriu as gavetas, procurou no arquivo evasculhou o lixo.

Passou então alguns minutos lendo as anotações de Pandey sobreuma palestra que ele daria sobre processamento de sinais.

“Sinais podem ser analógicos, caso em que o sinal variacontinuamente de acordo com a informação, ou digitais, caso em queo sinal varia de acordo com uma série de valores distintos querepresentam as informações. Para o tipo analógico, o processamentodo sinal pode envolver a amplificação e a filtragem de sinais deáudio por equipamentos de áudio ou a modulação e demodulaçãode sinais de telecomunicação. Para os sinais digitais...”

O detetive sentiu os olhos fechando e colocou as anotações devolta no lugar onde as encontrara. Sentou-se na poltrona de Pandeye olhou as fotos na parede. Uma delas fora tirada em uma sessãomatinal do Clube do Riso. O professor estava em pé, com a cabeçainclinada para trás, as mãos na cintura e o estômago ressaltado. Purilançou seu olhar sobre outras fotografias: pais, piqueniques, jovenssobrinhos olhando para a câmera com os olhos arregalados.

No alto da parede estava pendurada uma antiga foto em preto ebranco de nove homens em pé diante de um satélite indiano. Haviauma pequena placa de bronze pregada na parte inferior da moldura,na qual se lia: DEPARTAMENTO DE TELECOMUNICAÇÕES, INSAT, 1981.

Puri pegou a foto e a observou mais de perto. O jovem professorPandey estava no meio do grupo.

O detetive também reconheceu o homem ao lado dele.Era o Dr. Suresh Jha.Os dois se conheciam havia muito mais de dois anos.— Por que Pandey me escondeu isso? — murmurou Puri consigo

mesmo.

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capítulo 13

COSMÉTICA ACORDOU MUITO TEMPO DEPOIS DO RAIAR DO DIA. Elaachava que deveria ser por volta das nove. Sentindo-se grogue e coma cabeça pesada, ficou deitada na cama do dormitório onde estavainstalada e repassou os bizarros eventos do dia anterior.

Ela se lembrava de ter entrado no salão do darshan com Puri e aSra. Duggal e de tomar o suco de papaia oferecido por um dosdevotos mais velhos. Cosmética teve a impressão de ter recebido umcopo de trás da bandeja, enquanto as outras pessoas tinhamescolhido elas mesmas os seus copos.

Ela se sentara em frente ao palco, Maharaj Swami entrara e forasaudado por seus adoradores.

Foi mais ou menos neste momento que Cosmética começou a sesentir zonza.

A princípio, ela achara que era o incenso, o calor e o barulho. Maslogo suas pernas começaram a ficar pesadas e seus sentidos,estranhamente aguçados. A música e os cantos devocionais queenchiam o ambiente haviam desaparecido e as palavras de MaharajSwami ressoavam em seus ouvidos. Em um minuto ela sentira osossos gelados; no minuto seguinte, a temperatura no salão dedarshan pareceu insuportavelmente quente.

Todas as coisas de cores vivas à sua volta — a kurta amarelo-canário da mulher na sua frente, os cartazes cor de açafrão

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pendurados em ambos os lados do palco — começaram atransbordar e pulsar.

Ela, assustada, percebera que havia sido colocada algumasubstância alucinógena no suco de papaia. Mas seu medorapidamente cedera lugar a uma agradável leveza, a uma sensaçãode maravilhoso distanciamento. Ela se imaginara com 6 anosnovamente, brincando na imensa casa de seu avô em Kathmanducom sua velha boneca Kumari.

No palco, os círculos de luz atrás de Maharaj Swami haviamcomeçado a girar cada vez mais rápido até parecerem quaselíquidos. De repente sentira-se tomada pela emoção, incapaz decontrolar as lágrimas que rolavam pelo seu rosto ou o impulso de riralto.

Mas, aos poucos, os efeitos do alucinógeno começaram a passar.Enquanto Cosmética recuperava o controle sobre suas faculdades,ela tivera a presença de espírito de reverter os eventos a seu favor.

Suas exclamações dramáticas e o subsequente desmaio haviamenganado até Puri, que lhe dera uns tapinhas no rosto e um copod'água.

Uma multidão se juntara ao redor, empurrando, espreitando, eentão Cosmética começara a balbuciar animadamente sobre como“uma luz incrível, meio que celestial” tinha “tipo, transbordado doSwami-ji” e a enchido de “muito calor e bem-estar”.

— Eu podia sentir a pulsação dele passando por mim, é como seeu fosse parte do cosmos de verdade.

Maharaj Swami a convidara para ir ao palco, onde ele“interpretara” suas visões para a plateia.

— Queenie provou um pouco do Néctar Universal — anunciaraele. — Depois dessa experiência, ela vai entender seu verdadeiropotencial e compreender a verdade absoluta O objetivo dela, como ode todos vocês, é atingir moshka, a unidade com Deus.

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— Deus é como um oceano — continuara ele. — Mas, como asgotas de chuva caídas das nuvens, vocês se separaram Dele. Pormuito tempo vocês ficaram perdidos pelos céus. Algumas vezes sesentiram leves, outras, obscuros e zangados. Mas sempre semobjetivo, sem propósito. Nunca felizes. Agora é tempo de completaressa jornada. É uma jornada longa, difícil, cheia de obstáculos. Vocêsdevem estar preparados para uma transição e para se purificaremcomo a água que cai na montanha e passa por entre as pedras.Aqueles que forem preguiçosos e se distraírem com as coisasmundanas ficarão presos em poços profundos na terra. Aqueles quesuperarem os próprios egos irão desfrutar as conquistas e, no fim,um grande rio. Esse caminho leva de volta ao acolhedor Oceano,onde vocês vão sentir o amor infinito.

— Eu, tipo, nem tinha ideia, Swami-ji! — dissera Cosmética. —Obrigada! Muito obrigada! Você abriu meus olhos!

Os cantos de devoção começaram outra vez. E, então, MaharajSwami fizera um pronunciamento final, antes de encerrar o aarshan.

— Deste dia em diante — declarara ele —, você será conhecidacomo Mukti. Isso significa “salvação”.

Queenie havia renascido.Cosmética tomou um banho e vestiu a kurta branca e o sarongue

que agora eram parte integrante de sua nova identidade comodiscípula dedicada e suscetível. Ela abandonou a maquiagem,colocou um bindi vermelho na testa e prendeu seu longo cabelo paratrás, em um discreto rabo de cavalo.

A única lembrança da velha Queenie — iPods, celulares e JimmyChoos eram proibidos no ashram — era seu esmalte FramboesaEufórica.

Ela sabia, pelas rápidas instruções que recebera na noite anterior,que suas colegas de quarto — todas jovens indianas — estavam nassessões de ioga e meditação dadas todas as manhãs. Cosméticadecidiu sair e caminhar pelos gramados para ter uma visão melhor

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do lugar. Mas ela tinha se esquecido de que deveria permanecer emsilêncio no ashram até as 10 da manhã. Quando cumprimentou nasescadas alguns de seus colegas devotos com um namashkar, elescolocaram os indicadores sobre os lábios e fizeram uma careta.

Passando pela porta da frente do alojamento, por um instanteaturdida pelo brilho do sol e pelo calor úmido, ela cruzou com umade suas colegas de quarto. A jovem mandona lançou a Cosmética umolhar de reprovação, pegou-a pela mão e a levou até o gazebo.

Ali, em silêncio total, uns 200 devotos meditavam.Cosmética achou um lugar nos fundos, sentou-se sobre a esteira e

fechou os olhos.Trinta minutos de meditação eram parte de sua rotina e, depois

de toda a confusão do dia anterior, ela agradeceu a oportunidade deorganizar e acalmar a mente.

Ela não podia deixar de pensar, contudo, se a Mandona estiverana porta do alojamento apenas esperando por ela.

Depois do fim da sessão, todos os devotos se encaminharam parao refeitório, que era, na verdade, uma grande tenda, e Cosmética sejuntou às outras colegas para um lanche matinal de coalhada compedaços de papaia, maçã, romã e um pouco de masala.

Já que a conversa era agora permitida, todas elas batiam papo,apresentando-se umas às outras e contando suas histórias pessoais.A dinâmica do grupo logo ficou clara.

A personalidade mais assertiva era, de longe, a da Mandona, queera de Mumbai e vivia no ashram havia mais de um ano. Anoréxica eneurótica, ela falava de Maharaj Swami como se ninguém mais oentendesse como ela.

— Você não foi a única a ter uma visão — disse ela a Cosmética.— Outros também foram escolhidos, inclusive eu e Damayanti. —Ela se referia a outra integrante do grupo, uma bela e nervosa garotade 25 anos. — Swami-ji se move por caminhos misteriosos. As vezesele provoca uma mudança em alguém dando um mínimo vislumbre

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da verdade absoluta para que os outros possam observar a reação e ocomportamento e testemunhar todo o absoluto ego em ação. Nemsempre é o que parece.

Cosmética achou que era mais inteligente escutar com atençãotudo que ela tinha a dizer, pelo menos por enquanto, eocasionalmente disparar asneiras como “Uau! Isso é muitointeressante!”.

Mas ninguém conseguia dizer uma única palavra e todospareceram aliviados quando Mandona se levantou para ir embora.Como porta-voz do Maharaj Swami no Comitê para Redução daPobreza, ela tinha coisas importantes para fazer.

— Venha — disse Mandona a outra das colegas, de 22 anos —,você tem uma sessão de ioga em dez minutos. Você não pode seatrasar.

A garota mais jovem ainda não tinha acabado o café da manhã,mas, obediente, empurrou a tigela e disse:

— Você está certa, didi, preciso mesmo ir. — E as duas foramembora juntas.

As três garotas remanescentes eram Priyanka, Meghna eDamayanti.

Embora menos assertivas que Mandona, elas também nãofalavam em outra coisa senão em Maharaj Swami, seusensinamentos e suas próprias jornadas espirituais.

— Eu procurei muito tempo por um mestre de verdade — disseMeghna, uma sulista de Mangalore. — Tentei todos eles: Sai,Sadhguru, Amma, Sri Sri. Muitos. Diferente dos outros, Swami-jinão foi tão distante ou enfadonho. Quando eu o vi pela primeira vez,foi como um choque elétrico. Juro que meus cabelos ficaramarrepiados até a ponta. Senti que era totalmente insignificante, umapequena mancha no universo, e, ainda assim, entendi que Deustinha me trazido para seu verdadeiro representante.

Priyanka confessou que, quando criança, apanhara muito do pai.

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— Então um homem bondoso começou a aparecer nos meussonhos — disse ela. — Eu não sabia que era Swami-ji porque não oconhecia. Ele me disse que ia me proteger e que meu pai estavasofrendo e que eu deveria perdoá-lo. Aí, um dia, eu vi uma foto doSwami-ji em uma revista e o reconheci, então vim pra cá. Temposdepois eu convenci meu pai a vir comigo, e Swami-ji concordou emvê-lo. Ele teve um encontro privado. Aparentemente, antes deSwami-ji dizer qualquer palavra, papai rompeu em lágrimas.Swami-ji o ajudou a se livrar de todo o seu ódio e energia negativa.Hoje ele é uma pessoa completamente nova.

— Algumas pessoas dizem, tipo, que Swami-ji chamou a deusaKali para matar aquele cara, você sabe, aquele velho de Déli queestava pregando contra ele. Vocês acham que é verdade? —perguntou Cosmética.

— Não me surpreenderia. Ele é muito poderoso! — respondeuPriyanka.

— De jeito nenhum! Swami-ji nunca faria mal a ninguém — disseMeghna.

Damayanti, cujos pais também eram devotos e muitas vezesficavam junto com a filha no ashram por semanas, não havia faladomuito até então. Mas agora, com uma voz baixa, ela perguntou aCosmética o que a levara ao ashram.

— Eu não tive escolha — respondeu ela. — Este é, tipo, o últimolugar que eu pensei que gostaria de estar. Meu pai me obrigou. Masagora estou muito feliz por isso. Quer dizer, eu nunca experimenteinada assim. É maravilhoso. Me faz sentir bem, tipo, em contatocomigo mesma, sabe?

— Tem uma shloka no Bhagavad Gita que diz: “O guru aparecequando o discípulo está pronto” — disse Priyanka.

— Você tem muita sorte. Poucas pessoas são abençoadas comtanta atenção quanto Swami-ji lhe deu — disse Meghna, com umsorriso que deixava escapar um ciúme dissimulado.

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Priyanka levou Cosmética até o Lar da Saúde, o hospital de 200leitos que Maharaj Swami construíra com doações de váriosbilionários indianos, incluindo o recluso Scooter Raja R. K. Roy, cujaempresa, Roy Motors, dominava 64 por cento do comércio demotocicletas da Índia.

A fachada do hospital era feita de pedra rosa de Dholpur, comelefantes de tamanho real segurando o arco de entrada. Lá dentro,tudo era novo e brilhante, e os departamentos eram todos equipadoscom as mais modernas máquinas de diagnósticos, como aparelhosde ressonância magnética. Mas nenhuma cirurgia estava disponível;todos os problemas eram tratados como “naturais”.

A caminho da clínica de admissão, onde Cosmética faria examesmédicos, elas passaram por um laboratório isolado por grossosvidros de 10 centímetros, onde técnicos com jalecos brancos emáscaras espiavam por microscópios e placas de Petri.

— Companhias farmacêuticas ocidentais mandaram espiões paratentar descobrir os segredos de Swami-ji — disse Priyanka,apontando para as câmeras de segurança no corredor do laboratório.

Cosmética queria dizer: “Certamente, se Maharaj Swami é unocom o universo e tudo sabe e tudo vê, não é necessário instalarcâmeras!” Mas ela fechou a boca, sorriu inocentemente e disse:

— Este lugar é incrível. Alguém pode, tipo, ser tratado aqui?— As pessoas vêm de todos os lugares da Índia, com todo tipo de

problema. Se você não pode pagar, então é tudo de graça.— Isso é fantástico!— Esse é o jeito do Swami-ji. Ele está aqui para ajudar os outros.

Ele constrói poços, sistemas de irrigação, escolas. Quando aconteceuo tsunami, ele ajudou centenas de pescadores a reconstruir suasvidas.

Na clínica, uma médica amável explicou que todos os devotosque se hospedavam no ashram passavam por exames obrigatórios.

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— Por isso vamos checar seus pontos marma — explicou ela. —Existem 107 pontos no total, e ao examiná-los veremos o que estádeixando você doente.

— Mas eu me sinto, tipo, muito bem — protestou Cosmética.— Tenho certeza que sim — replicou a doutora com um sorriso.

— Mas muitos de nós sofremos todos os tipos de males sem nemmesmo percebermos. Estamos aqui para ajudar. Agora queira, porfavor, tirar a roupa e vestir aquele avental pendurado no gancho.

— Tirar a roupa? Tipo, ficar pelada? Não, obrigada.— Vamos lá, não precisa ficar com medo. Você pode ir ali para

trás daquele biombo, se preferir.Cosmética ficou em silêncio. Ela realmente não queria se despir.

Se tirasse a roupa, a médica veria as cicatrizes nas suas costas. E,então, haveria perguntas, perguntas que pertenciam a seu passado,às quais ela não queria responder. A ninguém.

— Algo errado?A agente de Puri tentou inventar uma desculpa para não fazer os

exames, mas, desta vez, ela vacilou.— É que...— Sério, não se preocupe — interrompeu a médica. — Agora,

seja uma boa menina e faça o que eu lhe disse. As outras pessoasestão esperando você.

Cosmética tirou a roupa lentamente, colocou o avental e deitou-se na maca de exame.

— Agora, sim. Isso não vai demorar nada.A médica apalpou, apertou e fez algumas anotações em um

prontuário. Depois de alguns minutos, pediu à paciente que sevirasse. Cosmética obedeceu, preparando-se para contar umahistória sobre ter caído em um canteiro de espinhos quando tinhasete anos. Mesmo depois de todo esse tempo, as cicatrizes aindaeram proeminentes; quatro delas corriam em paralelo do ombro

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direito ao lado esquerdo da cintura. A doutora não fez comentárioalgum.

— Viu, não doeu nada, doeu? — disse ela, animada, no final doexame.

Em seguida, amostras de sangue, urina e saliva foram coletadas,e então Cosmética teve de preencher um questionário, que consistiaem 150 questões de múltipla escolha, a maioria sobre sua relaçãocom os outros e sua percepção sobre si mesma. “Você diria que está:(a) feliz; (b) triste; (c) muito triste; (d) deprimida?”

Cosmética se pegou respondendo às questões com sinceridade,curiosa para saber como seria avaliada. Mas, quando devolveu oquestionário respondido, a médica deu apenas uma olhada rápidaantes de jogá-lo na mesa e prescrever vários “remédios” ayurvédicosda marca Maharaj Swami para ajudá-la a limpar seu organismo da“bile e de outras toxinas destrutivas que não deixam a energia fluir”.

— E o questionário? Quando vou saber quanto tirei?— Não é assim que funciona, não é como uma prova de escola —

respondeu a doutora, docemente. — Seja paciente. Swami-ji vairesponder a todas as suas perguntas na hora certa.

Depois da consulta, Cosmética se viu desacompanhada e, apesardo calor, foi dar uma volta pelas redondezas. Perto do hospital elaencontrou um duto de ventilação escondido atrás de uma moita.Havia outro idêntico àquele perto do salão do darshan e outropróximo ao alojamento. Isso indicava que havia uma rede de salas epassagens subterrâneas. Mas onde estavam os locais de acesso?

Antes que ela pudesse investigar um pouco mais, Mandonaapareceu e falou que todos estavam novamente reunidos no gazebo.

Cosmética passou o resto da manhã fazendo ioga e repetindo ummantra do Brihadaranyaka Upanishad.

— Isto serve para afastar da mente os desejos básicos e instintivosou as inclinações materiais, através da concentração em ideias

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espirituais, como “Eu sou uma manifestação da consciência divina”— explicou o devoto que conduzia a sessão.

Na hora do almoço Cosmética ajudou a servir a longa fila depobres e necessitados que iam ao ashram todos os dias por causa dacomida distribuída. Sua tarefa era encher centenas de pratos comuma concha de daal amarelo.

Depois de comer, decidiu tentar encontrar o trecho do rio ondeManika Gill supostamente se matara.

Quando ninguém estava olhando, ela saiu pelos fundos da tendae caminhou até o fim do gramado, onde cresciam muitas árvoresfrondosas. Foi ali que ela viu Damayanti sentada em um banco,sozinha.

— Eu vou ver o rio. Venha dar uma volta comigo — disseCosmética.

A devota hesitou.— Eu... Eu acho que não.— Mas eu quero ver o rio e não sei o caminho — implorou ela.— Eu... Eu não posso.— Claro que pode. Vamos lá, vai ser divertido.— E os outros?— Vamos logo, só nós duas! — disse Cosmética, falando como se

fosse uma ideia radical e empolgante.Damayanti olhou ao redor.— É melhor a gente ir rápido — disse ela, e as duas foram.Um portão nos fundos do gramado levava a uma trilha já bem

usada que rasgava o dossel de árvores rudraksha ao longo de umpenhasco nove metros acima do Ganges.

Aqui, o rio ainda estava em sua infância, livre dos poluentes queo esperavam ao longo de sua jornada de 2.400 quilômetros atravésda escaldante planície indo-gangética, lar de mais de um sétimo detoda a humanidade. Suas águas virginais desciam e seesparramavam sobre pedregulhos, giravam em torno de troncos de

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árvores caídas e respingavam nas rochas espalhadas ao longo desuas margens.

Cosmética e Damayanti viram martins-pescadores de penasbrilhantes e uma fila de mulheres e meninas da aldeia que cheiravama fumo e a terra e levavam feixes de lenha equilibrados nas cabeças.As locais observaram as duas, cochichando e rindo antes desumirem entre as árvores.

De repente, o vale se alargou e uma praia de areia apareceudiante delas na beira do rio, dourada sob a luz do sol. Uma trilhaíngreme levava até ela. Cosmética sugeriu que dessem ummergulho. Mas Damayanti ficou subitamente aterrorizada.

— O que foi?— Eu não quero ir lá embaixo. Nós podemos voltar?— Claro que sim. Mas me diga o que há de errado.— Não é nada. Só não gosto de ir lá.Cosmética fingiu ter uma revelação.— Não foi ali que aquela garota... Ela se afogou, não foi? Deus,

que coisa horrível! Eu li nos jornais. — Cosmética percebeu quequalquer um que se lembrasse da velha Queenie acharia isso bemimprovável, a menos, é claro, que essa notícia viesse parar na ediçãoindiana de Hello! — Não me lembro do nome dela. Como eramesmo?

— Manika — disse Damayanti.— Isso mesmo, Manika Gill. Ela era, tipo, tão nova e bonita. Eu vi

uma foto dela. Você a conhecia?A garota fez que sim.— Oh, meu Deus, me desculpe. Eu não sabia. Pobrezinha.Cosmética lhe deu um abraço afetuoso e a garota começou a

chorar em seu ombro.— Manika nem me disse adeus — soluçou ela. — Eu não

entendo. Ela não disse nada a ninguém.— Quando foi a última vez que você a viu?

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— Naquela noite mesmo. Todas nós fomos dormir. Mas namanhã seguinte ela já não estava mais lá.

— Quer dizer que ela ficava no seu, no nosso, dormitório?— Sim.— Oh, meu Deus! Isso é inacreditável. Então você devia conhecê-

la muito bem. Ela estava triste? Só estou curiosa, acho...Damayanti não respondeu. Ela parecia confusa, como se quisesse

dizer alguma coisa mas não tivesse coragem.— Eu realmente não quero falar sobre isso — declarou ela.Elas voltaram pelo mesmo caminho e depois se sentaram em

uma pedra lisa, ouvindo o barulho do rio. Cosmética começou ajogar pedrinhas no barranco, vendo-as cair na água.

— Posso perguntar uma coisa? — disse ela depois de um tempo.— Você teve muitas visões como a que eu tive ontem?

Damayanti fez que sim.— Manika teve alguma?Ela fez que sim de novo.— Muitas?Bem na hora uma voz masculina chamou o nome de Damayanti.— É meu pai — afirmou, alarmada. — Eu tenho que ir.Um homem de meia-idade apareceu. Ele usava o traje dos

devotos.— Aí está você — disse com uma voz doce porém firme. — Eu a

estava procurando. Por sorte, alguém disse que achava que tinhavisto você por aqui.

Lançando um olhar de suspeita sobre Cosmética, ele pegou afilha pela mão e a levou embora.

Cosmética voltou para o alojamento e encontrou suas colegas dequarto se preparando para ir a Haridwar assistir à cerimônia aarti danoite. Ela decidiu ir junto.

A bordo de um ônibus local e cantando músicas devocionaisdurante todo o caminho, elas chegaram à cidade ao entardecer. A

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população estava surgindo nas ruas. Ao longo das estreitas vielasmedievais, os sons de adoração vazavam de incontáveis templos.Pequenos geradores a diesel roncavam. Mendigos de membrosamputados imploravam por esmolas e mostravam suasdeformidades, com efeitos assustadores. Comerciantes de eletrônicosse sentavam no meio de pilhas de tiffins e baltis de aço inoxidável eenormes panelas que pareciam importadas de Brobdingnag, dasViagens de Gulliver.

O grupo de Cosmética se embrenhou na multidão, passou porvacas sagradas, por esgoto a céu aberto e por dúzias de barracas quevendiam suvenires religiosos de mau gosto, como chaveiros om, atéchegar ao Har ki Pauri ghat. Milhares de pessoas já estavamreunidas na beira d'água — homens e mulheres comuns que haviamviajado até a cidade para oferecer preces de agradecimento à deusado rio, Ganga; turistas estranhos e desleixados; membros de seitas ecultos, cada qual em seu distinto traje e ocupando blocos de degraus,como uma torcida de futebol.

Enquanto a escuridão caía, diyas eram acesas e lançadas sobre aágua, flutuando rio abaixo — uma frota em miniatura. Sinos egongos tiniam. Alto-falantes tocavam Ganga Mantra. Na margemoeste do rio, sacerdotes dos templos acendiam lâmpadas a óleo e asgiravam no ar, lançando luminosos reflexos alaranjados sobre aágua.

Sentada ali, assistindo a esse encantador espetáculo atemporal,Cosmética conseguia entender a atração que a vida no ashram exerciasobre suas colegas de quarto. A camaradagem e a sensação departilhar uma causa não eram diferentes do que havia nos camposmaoistas. Mas, como ela aprendera a duras penas no Nepal, talidealismo era facilmente esquecido.

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Ela se deu conta de que estava pensando em Maharaj Swami: quetipo de homem ele realmente era?

A Cosmética de 19 anos, que fugira de casa para integrar agloriosa causa maoista, poderia muito bem pensar que ele era umtipo de Robin Hood, que roubava dos ricos para dar aos pobres. Masela aprendera que tais homens não eram motivados pelagenerosidade. Construir poços, ajudar vítimas do tsunami — tudoera feito para impressionar os outros, para construir uma reputaçãosagrada. Poder era a única coisa que motivava esses homens. Eleseram viciados nisso.

Será que Swami-ji acreditava nas próprias mentiras?Cosmética esperava ter uma ideia mais apurada sobre ele na

noite do dia seguinte. Antes da saída para Haridwar houve umboato de que ele a receberia em uma audiência particular.

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capítulo 14

ERA SÁBADO DE MANHÃ E PURI ESTAVA EM CASA. O chá de bebê godhbharai de sua filha Jaiya começaria às 11, e todos na casa estavamocupados preparando a festa.

Rumpi parecia estar em todos os lugares ao mesmo tempo: nacozinha, supervisionando a preparação do barfl de pistache e do leitecom açafrão adocicado; na sala de estar, cuidando da decoração; e noandar de cima, esticando o sari de Jaiya, para que ela se acomodassea suas novas dimensões.

De seu santuário no terraço, onde estava deitado, Puri podiaouvir a mulher dando ordens. Era como se estivesse escutando ochefe de cozinha de um restaurante.

— Malika! Não deixe o khoya passar do ponto de novo!— Monika... Vá comprar um quilo de aloo... ou peça a alguém!

Peça a madame Deepak. Rápido!— Sweetu! O que você está fazendo? Pare de ficar aí com cara de

sonso e encha as bolas direito... Bem, encha mais!Puri sabia que era apenas uma questão de tempo até que ele

mesmo fosse colocado para trabalhar. Nenhuma desculpa colaria:nem uma pista importante que exigia investigação imediata, nemmesmo um cliente morto.

Antes, porém, ele esperava terminar seu chá e abrir acorrespondência.

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Reconheceu um dos envelopes instantaneamente. Tinha o selo deLondres: o mais novo catálogo da Chapelaria Bates, em Piccadilly,fornecedores de seus chapéus Sandown. Havia outro envelope, dacompanhia de eletricidade, com a qual Puri estava em uma brigaconstante sobre a conta de luz. Quem em Déli não estava? Havia,ainda, uma circular do Rotary Clube.

“HIP HIP HIP HURRA!”, lia-se. “Rotarianos do sul de Déli celebramseu status de CLUBE DE PLATINA DO ROTARY INTERNACIONAL DIST. 301.Saudações, saudações, saudações.”

Também incluía fotos tiradas durante a cerimônia de gala de“instalação” do novo presidente e destacava que “membros doRotary District estavam presentes na ocasião, o que só elevou nossomoral”.

A circular ainda atualizava a situação de todos os trabalhossociais do clube, dos quais Puri e Rumpi participavam ativamente.

O celular tocou.— Bom dia. Sr. Vishwas Puri?Ninguém nunca o chamava de Vishwas, a versão completa do

seu primeiro nome, a não ser vendedores. Puri havia desenvolvidoum profundo ódio contra esses tipos. Eram como uma praga desanguessugas ou gafanhotos (ou qualquer outra criatura gosmenta,rastejante, asquerosa e parasita que ele pudesse imaginar),assediando as pessoas em todas as horas do dia e da noite comofertas de planos de telefonia, empréstimos bancários, cartões decrédito. Algum idiota havia ligado recentemente para saber se eleestava interessado em comprar um iate.

— Não me ligue nunca mais! — berrou Puri, antecipando-se aovendedor e desligando com raiva.

Poucos segundos depois o celular tocou de novo. Era a mesmavoz.

— Sir, a linha caiu, estou ligando de...

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— Escute aqui, seu maldito. Por que você está me ligando a estahora da manhã, na? Vocês não têm decência?

— Sir, é um prazer lhe informar que o senhor...— Khotay daputhar! Filho de macaco! — xingou ele em panjabi. —

Ik thapar mar key tey moonh torr dan ga! Eu vou partir sua cara com umtapa só!

— Sir, não precisa ficar nervoso. Veja, vou explicar, Sir. Seu nomefoi pré-aprovado para...

O detetive desligou de novo.Nem dez segundos se passaram antes de o celular tocar pela

terceira vez.— Saala maaderchod! Quero falar com seu supervisor agora

mesmo!— É você, Gorducho?Puri reconheceu a voz do irmão mais velho.— Bhuppi? Desculpe, na. Estava com um maldito vendedor na

linha. O idiota não entende ameaça direta e violenta nem quandorecebe uma.

“Bhuppi” era como todo mundo se referia a Bhupinder nafamília.

— Faça como eu, Gorducho. Diga a eles que você tem ficha napolícia. Fraude no cartão de crédito internacional. Essas coisas sãomuito sérias. Eles nunca mais vão ligar.

— E o que exatamente devo dizer a pessoas que tentam mevender um iate?

— Iate? Tipo, barco? O que você vai fazer com um iate em Déli?— Foi isso que eu disse.— E?Puri imitou a voz do vendedor:— “Por favor, Sir, o senhor não está entendendo, Sir. O senhor

pode estar deixando o iate no mar, Sir.” Aí eu respondi: “Seu idiota!

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Você não percebeu que não passou nenhum mar aqui pertoultimamente?”

Os dois deram uma boa risada.E então Bhuppi disse:— Gorducho, me desculpe, na, mas por acaso você pode pegar

Jassu? Eu vou chegar tarde. — Jassu era a mulher de Bhuppi.— Claro que sim. É uma bela desculpa para escapar. Devo pegar

mamãe também, não?— Mamãe não está. Saiu de casa ao raiar do dia.— Para onde, exatamente?— Sem explicações. Nos últimos dias ela tem entrado e saído a

toda hora.— Não me diga. Ela está fazendo investigações, não está?Puri relembrou Bhuppi da estrita proibição que eles e os outros

irmãos haviam imposto aos trabalhos de detetive da mãe.— O que a gente pode fazer? Desde que papai morreu, Mama-ji é

uma metralhadora giratória. Ninguém consegue pará-la. Acredite, játentei de tudo. Agradeça por não ter que ouvi-la contar seus sonhostodo santo dia pela manhã.

Puri desligou e ligou para a mãe.— Mama-ji, onde está?— Gorducho? Está tudo bem?— Maravilha. Onde a senhora está?— Vou chegar daqui a pouco, na. Só... — Sua voz foi afogada

pelos sinos dos templos e pela voz de um pandit em um alto-falante.— Mama-ji? Alô? Alô?— Gorducho? Eu estou no templo. Está lotado. Nada de errado,

na?— Não mamãe, mas...— Você já tomou seu café da manhã, espero. Diga a Rumpi que

estarei aí logo, logo, não se preocupe.E depois disso a ligação caiu.

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Mamãe não estava no templo. Estava apenas perto de um,enquanto esperava um ônibus em Pooth Khurd, nordeste de Déli.

Era ali que a empregada da Sra. Bansal, Naveen, pegava o 012para trabalhar seis vezes por semana.

Mamãe sabia disso porque ela e Rumpi haviam passado algumashoras do dia anterior vigiando a residência Bansal.

Elas também haviam descoberto que Naveen era uma mulhermal-humorada e conversadeira que não morria de amores pelospatrões. Pelo menos foi que o jornaleiro local contara.

O plano, portanto, era mamãe pegar o mesmo ônibus, interagircom a empregada e tentar descobrir tudo que pudesse sobre asituação financeira da Sra. Bansal.

Enquanto mamãe esperava por Naveen, uma sucessão de ônibusbatidos da Linha Azul parava no ponto, os passageiros corriam paraa porta e brigavam para subir os degraus de metal. Mamãe começoua se perguntar se sua nora não estaria certa. Talvez ela devesse teresperado até segunda-feira, quando as duas poderiam fazer opercurso juntas. Seus joelhos andavam doendo um bocado nosúltimos dias e já fazia muito tempo desde a última vez em que elativera de pegar um dos notoriamente perigosos ônibus assassinos deDéli.

Parada ali, ela se lembrava de quão privilegiada se tornara, comseu próprio carro para andar por aí. Era, de fato, muito diferente dasterríveis condições do trem de refugiados que a trouxera doPaquistão, com os demais sobreviventes de sua família, para asegurança, em 1947.

Quando a empregada da Sra. Bansal finalmente apareceu, haviamenos passageiros no ponto de ônibus, e ela decidiu prosseguir como plano.

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— Eu quero ir até Defense — disse ela polidamente, em híndi,mancando em direção à empregada com a bengala que Bhuppi lhedera, mas que ela normalmente se recusava a usar. — O ônibus saidaqui?

Naveen, que era baixa e roliça, disse que esse era, de fato, o pontocerto e que também ela estava indo para Defense.

— Shukkar-ey! Podemos ir juntas? Eu nunca estive nessa linha eodiaria perder o ponto. Estou indo para uma entrevista de emprego,uma família rica precisa de ayah. Eles querem uma mulher da minhaidade para cuidar das crianças e ensinar corretamente o híndi.

A empregada a olhou com curiosidade, como se não acreditassetotalmente em sua história. Mamãe continuou assim mesmo:

— Seis meses atrás meu marido morreu e não me deixou nada, eagora não tenho outra escolha, preciso trabalhar — explicou ela.

— Seus filhos não cuidam da senhora, Titia-ji?— Eles não têm tempo — disse ela, lamentando-se, com os olhos

baixos. — As pessoas mais novas andam muito ocupadasultimamente.

Um ônibus de outra linha apareceu. Um dos lados dianteirostinha sido arrebentado em um acidente; o capô estava levantado,como o focinho de um lobo rosnando.

— Super Bazar, Sabzi Mandi, estação Nai Dilli! — gritou omotorista, batendo na lateral do veículo enquanto os desafortunadospassageiros a bordo olhavam pelas janelas imundas.

— Onde está morando, Titia-ji? — perguntou Naveen enquanto oveículo arrancava com um monte de gente ainda nas escadas eportas, agarrando-se como podiam por suas vidas.

— Com minha irmã. Mas o marido dela reclama toda hora que émuito caro me alimentar. É por isso que estou procurando umemprego que me dê casa.

O ônibus 012 apareceu.

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As duas mulheres conseguiram subir antes que ele saísse emdisparada novamente. Elas viram que todos os assentos estavamocupados.

— Você não tem educação? — Naveen repreendeu um homemna parte da frente que estava comendo uma espiga de milho assadoe não se preocupou em ceder seu lugar quando viu mamãe. — Vocêdeveria se envergonhar. Levante agora mesmo!

Logo elas estavam sentadas juntas e discutindo sobre os defeitose as fraquezas dos homens indianos.

— Que vagabundos eles são — disse Naveen. — Meu marido ficasentado toda noite assistindo à TV enquanto eu cozinho, limpo acasa e cuido das crianças. Nunca levanta um dedo. Outro dia ele tevea coragem de me chamar de gorda. Gorda! Você deveria ver comoele é. A cara dele parece um poori engordurado gigante.

Mãe de três filhos, ela vivia com a família em um cômodo ecompartilhava o banheiro do fim do corredor com outras quatrofamílias.

— Você tem sorte de ter um emprego, muitas pessoas estão semtrabalho — disse mamãe.

— Rá! Sorte, eu, Titia-ji? — replicou com uma risada. —Trabalhar seis dias por semana, no mínimo dez ou doze horas tododia, 300 rupias de salário por mês? Só nosso aluguel é 150. E todo oresto está ficando mais caro a cada dia. Como vamos sobreviver?

— Trezentas rupias por mês não é o bastante — concordoumamãe.

— Enquanto isso, a madame — ela se referia à patroa — reclamaque as coisas estão apertadas! Ela nem faz ideia!

— Eles também têm problemas de dinheiro?— O sahib vem enfrentando dificuldades nos últimos meses.— Mesmo?— É, ele foi acusado de contrabando.— Que absurdo! Era diamante ou o quê?

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— Nada disso. Na verdade ele vende... Humm... A senhora sabeaquela tinta que tem dentro daquelas máquinas que fazemfotocópias? Acontece que ele estava importando essas coisasdisfarçadas de outra coisa... Algo usado para fazer pneus, que podeser importado sem imposto. De qualquer jeito, o pessoal daalfândega ficou esperto e barrou o carregamento.

— E agora ele está fora do mercado?— Nada disso, Titia-ji. Ele pagou uma bela propina e o

carregamento foi liberado. Agora tudo está voltando ao normal.Anteontem à noite ele estava até comemorando. Acordou quando jáera meio-dia ontem. Mas isso também não é nenhuma novidade.

— Talvez você devesse pedir um aumento.Naveen riu alto.— Sem chance, Titia-ji. A madame vai é tentar reduzir o meu

salário e depois comprar mais joias. Ela guarda essas coisas comocowwah. Não acreditaria no quanto ela tem escondido. Vale muitoscrores. Aquela nunca vai passar fome, com certeza...

Com a missão cumprida, mamãe desceu do ônibus em Defense,onde seu motorista, Majnu, a esperava num local combinado, àsombra de uma árvore.

Ele dormia sonoramente no banco totalmente reclinado. Tinhaabaixado todos os vidros do carro e sua porta estava aberta.

— Acorde, seu molenga!A estridente repreensão da patroa e algumas cutucadas de sua

bengala o acordaram imediatamente.— Quantas vezes já lhe disse, na? A responsabilidade pelo

veículo é sua. Como você pode ser responsável se está semprecochilando, eu lhe pergunto?

— Mas, madame...— Não resmungue! Agora se levante e me leve a Gurgaon.Majnu murmurou um pedido de desculpas enquanto esfregava

os olhos sonolentos, tomou um gole de água quente da garrafa que

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mantinha no console e deu a partida.Trinta minutos depois eles chegaram à casa de Puri.

Depois de trocar rapidamente a vestimenta a�ire comum queusara como disfarce por algo mais apropriado, mamãe encontrou asala de estar já lotada de mulheres, todas vestidas com os melhoressaris e suas mais ricas joias. Alguns tios mais velhos haviam seinfiltrado e estavam sentados na periferia, mas, estritamente falando,godh bharai era coisa só de mulheres.

Mamãe foi recebida com muitos toques nos pés, abraços, sorrisos,brincadeiras e risadas, e então Jaiya desceu para se juntar a elas.Estava vestida com um de seus saris de casamento, de seda lustrosadourada e vermelha, e usava também um conjunto completo de joias— um elaborado colar, brincos em formato de minilustrescombinando e um anel de nariz de maharani. Pés e mãos haviam sidoenfeitados com desenhos de hena. Flores frescas de jasmimenfeitavam seus cabelos.

Depois de cumprimentar todos, a futura mãe se sentou em umapoltrona posicionada no centro da sala. Rumpi acendeu uma diya debronze, circulou-a diante da filha e lhe aplicou um sinal vermelho natesta. Entre muitas brincadeiras e risadas, as outras mulheres fizeramum círculo e cantaram Sola singaar karke, godhi bharaayi le. Chotujoaaweghar mein nani behlaawe... Payalpehenke nani naach dikhawe1.

Uma fita amarela foi amarrada no pulso direito da futura mãe. E,então, uma série de oferendas foi colocada em seu colo: frutas edoces, bétele, moedas de uma rupia e pequeninas tornozeleiras deprata para bebês. Bênçãos também eram sussurradas em seusouvidos.

— Jugjugjiy — disse mamãe depois de pintar ainda mais devermelho a testa da neta e acrescentar alguns pedaços de coco à

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crescente pilha em seu colo.Jaiya, então, ganhou pedaços de barfi e coco. Na mesa diante dela

foi posto um banquete de samosas e gulab jamuns.Depois que todos comeram e que a dança e a cantoria

começaram, mamãe puxou Rumpi para a cozinha.— Parece que a Sra. Bansal não é quem estamos procurando —

disse ela, mantendo a voz baixa e explicando por quê. — O maridodela está contrabandeando alguma coisa.

— Ele? Contrabandeando o quê? — exclamou Rumpi. Mas antesque mamãe pudesse responder, ela disse: — Na verdade, Mama-ji,nem quero saber. Essas revelações estão ficando muitopreocupantes. Só me diga uma coisa: aonde acha que isso vai parar?

— Eu estive pensando, na. Tem uma senhora que nós nãoconsideramos.

— Quem?— Lily Arora.— Lily? Que motivo ela poderia ter para assaltar a própria casa?

— Rumpi balançou a cabeça. — Com todo respeito, Mama-ji, achoque isso já foi longe demais. É hora de contar tudo ao Gorducho.

— Aí aqueles goondas vão se livrar, com certeza — disse ela, comteimosia. — O Gorducho está fazendo a investigação desseassassinato do Dr. Jha, não está? Assaltos a festinhas não são de seuinteresse, tão ocupado ele é. Sobrou para nós duas.

— Não, Mama-ji, me desculpe, já chega. Meus deveres estão aquiem casa. Agora é melhor eu voltar lá para dentro. Estou perdendotoda a festa.

O cenário na toca de Puri no fundo da casa era muito diferente,embora não menos tumultuado. Mais de vinte homens, quase todos

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de meia-idade e vestidos em camisas de algodão apertadas nabarriga, circulavam e bebiam grandes copos de Royal Challenge.

O centro das atenções era um dos cunhados de Puri, que tinhaum repertório aparentemente infinito de piadas “pouco limpas” e,no meio da sala, contava uma após outra.

— Santa Singh estava contando a Banta Singh sobre sua vidaamorosa. “Então, Santa, me diga, como vão as coisas com asgarotas?” Santa responde: “Mulheres para mim não são mais queobjetos sexuais.” “Mesmo?”, devolve Banta. “Sim”, diz Santa,“sempre que eu falo em sexo, elas objetam!”

Antes que a plateia pudesse se recuperar, ele disparava outra:— Um médico está examinando uma garota de admiráveis

proporções. Ouvindo a respiração da moça com o estetoscópio, elediz: “OK, encha o peito.” E ela responde: “Já estão cheios, e eu sótenho 15!”

Estrondosas risadas seguiram Puri pelo corredor, enquanto ele iaà cozinha dizer a Sweetu para levar mais gelo. No caminho de volta,trombou com a irmã, Preeti.

Ela parecia preocupada.— Bagga se meteu em outra encrenca, de novo, tenho certeza —

disse ela.Puri suspirou.— O que foi agora?— Esse negócio de que ele estava falando na outra noite. Você

lembra? Tem alguma coisa errada. Ele diz que a construtora quercomprar o terreno para construir um shopping. Mas, ao mesmotempo, ele está pedindo dinheiro emprestado.

— Para quê? — perguntou o detetive.— Só Deus sabe — disse ela.

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Mais tarde naquela noite, depois que todas as garrafas de uísquehaviam sido esvaziadas, que todas as samosas haviam sido comidas eque todos os convidados haviam finalmente partido, Puri recebeuuma ligação de Lanterna.

— Chefe, não vai acreditar.Ele se pôs a contar como Pandey, vestindo um terno elegante,

saíra de casa às sete. Seu motorista o levou a Connaught Place, ondeele havia parado em uma loja de bebidas para comprar uma garrafade champanhe. Dali ele seguira até uma floricultura e comprara umbuquê de rosas vermelhas.

— Depois, o motorista dirigiu até Pusa Hill e fez um retorno —disse Lanterna em híndi. — No começo, achei que ele estivesseperdido. Mas percebi que estava tomando precauções. Para o caso deestar sendo seguido.

Entretanto, o estratagema do motorista não funcionara, e oagente de Puri o seguira até Karol Bagh.

Ali ele estacionara em frente ao portão do número 32 do bloco B.— Mas é a casa do Dr. Jha! — disse Puri.— Sim, Chefe. Enquanto o portão se fechava, vi o Professor-ji

passando o braço em torno da Sra. Jha.O detetive ficou mudo por um momento.— Acha que ele está envolvido, Chefe? — perguntou Lanterna.— Pode ser que eles sejam apenas bons amigos. Ele está indo lá

para confortá-la, não?— Ou os dois queriam Jha fora do caminho para ficarem juntos.— O Dr. Jha não tinha apólice de seguro ou qualquer economia.

Este, sim, seria um bom motivo.— E se eles apenas se amam?— Amor? — zombou Puri. — Não, amor nunca é suficiente.

________________

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1 Linda em suas joias e maquiagem, nós enchemos seu colo combênçãos. Quando o pequeno vier, sua avó vai brincar com ele. Ela vaiamarrar sinos nos tornozelos e vai dançar para ele como uma garotanaach. (N. do E.)

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capítulo 15

O SEGUNDO DIA DE COSMÉTICA NO ASHRAM FOI TÃO programadoquanto o primeiro. As luzes foram acesas às cinco horas. Ameditação começou às 5h30. O café da manhã era à base de papaia,maçã e iogurte.

Depois do almoço ela conseguiu encontrar um telefone públicona rua para ligar para Puri. Ele a informou sobre os últimos esforçosde Descarga para se infiltrar no sistema de computadores da Moradado Amor Eterno. Ao que parecia, as medidas de segurança eramextremamente sofisticadas — “algum tipo de furo no wall ou coisa dogênero” — e talvez não fosse possível violá-las tão cedo. Elesconversaram sobre tentar acessar o sistema de dentro.

Então, no fim da tarde, Cosmética fez uma importantedescoberta.

As placas com os nomes dos doadores, fixadas na parede darecepção principal, incluíam o nome do professor Pandey.

Um mês antes, ele havia doado ao ashram 50 mil rupias.Questionamentos posteriores feitos ao suscetível rapaz da

recepção revelaram que Pandey havia feito a doação pessoalmente e,em seguida, passara uma semana na Morada do Amor Eterno.

Cosmética ainda não tivera chance de passar essa informação aPuri. Da recepção, ela fora arrastada por Mandona para a ioga e dalipara uma longuíssima sessão de cantoria. Então, às seis, Maharaj

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Swami fizera uma aparição na sacada de seus aposentos privativos,que ficavam bem atrás do salão de darshan. Uma multidão se reuniupara vê-lo, cantando, curvando-se e tocando sinos com o entusiasmode sempre.

Cosmética forçou-se a ir até lá e fazer seu papel, mas em suacabeça ela detestava essa cega obediência ao guru. Porém, às oito,quando foi chamada para a audiência agendada, ela teve o cuidadode parecer muito empolgada e em nervosa expectativa.

Conduzida por devotos mais antigos pelo grande hall de entrada,recebeu instruções para se sentar em um dos sofás dourados ao péde uma escadaria.

Para um homem que pregava a nobreza da pobreza, MaharajSwami era um tanto cafona, pensou Cosmética consigo mesmaenquanto esperava. Almofadas de veludo; imagens de Krishnapintadas à mão nas paredes; um lustre tingido de rosa...

A atmosfera, contudo, era estranhamente ameaçadora. Ninguémfalava mais alto que um sussurro, como se quem o fizesse violassealgum princípio sagrado. Os devotos mais antigos que andavampelo brilhante piso de mármore enquanto cuidavam dos negócios dacorte tinham feições solenes, ainda que satisfeitas. Os dois sacerdotesmal-encarados que guardavam a porta da sala de audiência deMaharaj Swami observavam Cosmética e os dois outros jovensdevotos escolhidos para conhecer Swami-ji com olhares inquisidoresque pareciam pôr em dúvida a adoração deles.

Algo que sempre impressionara Cosmética era como cultos, denatureza política ou religiosa, sempre pregavam igualdade efelicidade, mas acabavam promovendo o medo. Acontecera omesmo com os maoistas, que se fiavam tanto nas mulheres e nascrianças para encher suas fileiras. A propaganda do partido falava

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incansavelmente sobre o ideal comunista de igualdade, mas ahierarquia mantinha uma disciplina severa e submissãoinquestionável.

Sentada, aguardando, ela se lembrou da vez em que foraconvocada para conhecer o Grande Líder. O cenário tinha sido bemdiferente, é claro: uma simples casa camponesa de um vilarejo nopedregoso sopé do Himalaia. Mas o servilismo de seus bajuladores ea intensa devoção que eles estimulavam também se via aqui naMorada do Amor Eterno.

Ela se lembrou de ter ficado exultante e ao mesmo tempopetrificada quando teve de se perfilar, com outros colegas, paraconhecer O Líder. Sua presença fora irresistível. Eles haviamprestado atenção a cada uma de suas palavras. E, quando ele lhesfalara individualmente, agira como um pai carinhoso. Apesar de serquem era, Cosmética ficara vermelha.

Ela havia passado por muitas coisas desde então, crescera muito.Ainda assim, a agente de Puri não era imune ao medo. O nó noestômago era prova disso. Na verdade, agora que estava apenas aalguns minutos de encontrar Maharaj Swami frente a frente, ela seperguntava se não corria perigo. Uma devota já haviamisteriosamente morrido no ashram e outras tinham sido drogadas.

Com metade dos políticos da Índia no bolso e a polícia localsempre disposta a fazer o seu jogo, ele podia quase tudo. Cosméticase concentrou em sua respiração, como fazia antes de uma missãopotencialmente perigosa.

Meia hora depois a porta da sala de audiência se abriu e surgiuum homem cortês de meia-idade, vestindo sherwani preto sem gola.Não era Maharaj Swami, mas tão pouco se portou como um criado— Cosmética pensou que ele se encaixaria melhor em uma reuniãode executivos e políticos. Tão pouco era um visitante: tinha a chaveda porta do outro lado da recepção, que abriu antes de entrar na salaadiante.

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Logo um dos outros dois devotos foi chamado para o gabineteparticular de Maharaj Swami. Ele ficou dez minutos lá dentro e saiucom um sorriso extasiado e agarrando com força uma echarpe deseda. A audiência do segundo durou apenas cinco minutos, e ele nãosaiu com nada. Cosmética podia ver a perplexidade em seu rosto. Eunão mereço? Estou sendo testado?

Por fim, por volta das 9h30, seu nome — Mukti — foi anunciado.

Um devoto mais antigo com a cabeça raspada e rabo de cavalo aconduziu pelo grande hall de entrada, ressaltando o fato de que elaera “abençoada” por ter sido agraciada com uma audiênciaparticular.

“Aposto que se eu tivesse alguns crores no bolso teria quantasentrevistas particulares eu quisesse”, ela teve vontade de dizer.

O que os 50 mil do professor Pandey haviam comprado?, ela seperguntava.

Os sacerdotes empurraram a alta porta de carvalho e ela se viuem um aposento pouco iluminado, com uma mesa e um computadorde um lado e um longo e enfeitado divã no outro. Atrás do divãficava outra porta, meio escondida por umas cortinas. Ela erapesada, feita de ferro fundido e tinha duas trancas, notou. Estantesde livros ocupavam todas as paredes.

No meio da sala, Maharaj Swami estava sentado na posição delótus, com os olhos fechados, as mãos sobre os joelhos e as pontasdos indicadores tocando os dedões das mãos. O santo homem estavanu da cintura para cima. Ele tinha um físico rústico: pelos no peito,braços bem constituídos e uma larga cicatriz no antebraço direito.Ele não era especialmente bonito — a espessa barba negra cobriaapenas a metade das bochechas encovadas e seu nariz era grande e

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torto — mas, de algum modo, isso acrescentava à sua poderosapresença uma energia sexual bruta.

Cosmética entrou na sala com as mãos entrelaçadas. As portas sefecharam e ela ficou parada, sem saber ao certo o que fazer. O leverumor do ar-condicionado era o único som. Não havia maisninguém na sala.

E então sua voz — uma voz de barítono, assertiva e tambémreconfortante — quebrou o silêncio.

— Junte-se a mim, Mukti — disse ele, sem abrir os olhos.Ela se curvou para tocar seus pés e se ajoelhou na esteira diante

dele.Ela esperou. Passaram-se segundos. E então, sem qualquer aviso,

ele abriu os olhos e Cosmética se viu envolvida por seu olhar. Ela seencolheu muito sutilmente e depois olhou para baixo. Ela podia verseus olhos avaliando-a.

Ele disse:— Eu sei quão profundamente você foi ferida.Cosmética soube imediatamente que ele se referia às cicatrizes —

sobre as quais ele fora informado pela doutora que a examinara nodia anterior.

— Homens nunca entendem como são profundamente capazesde machucar as mulheres — continuou ele. — Com frequência, sãoas pessoas mais próximas a nós que nos traem. Aquelas em quemdepositamos nossa maior confiança. Diga-me, minha criança, quemfez isso a você?

Cosmética ficou em silêncio. Ela nunca, jamais falava sobre suascicatrizes — nem para si mesma, nem para ninguém. E, certamente,não para um homem que tiraria proveito de sua dor.

Ela se sentiu encurralada. Mas essa sensação de vulnerabilidaderapidamente deu lugar ao ódio — principalmente de si mesma, pornão ter previsto essa cena.

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Apesar disso, ela conseguiu ficar calma e manter a compostura.Estava ali para dar uma olhada dentro do santuário íntimo daquelehomem, lembrou a si mesma. E não importava o quanto esse guru,essa fraude, tentasse entrar em sua cabeça, ele nunca conseguiriaporque, diferente das outras, ela não acreditava nele.

— Não tenha medo. Vou guardar seu segredo... Mas se você querse livrar da tristeza e do ódio, precisa me dizer quem fez isso a você.

Cosmética olhou para ele novamente e, com olhos tristes elúgubres, disse que estava apavorada.

— Venha, minha criança — disse Maharaj Swami. Ele buscou asmãos dela, e quando as tocou com as suas, ela fingiu que queria tirá-las. — Deixe-me abrandar sua dor.

Tomando coragem, ela se inclinou para a frente, murmurando:— Sinto muito, Swami-ji.— Sou eu que sinto muito por você, minha criança, porque você

está faminta de amor verdadeiro. Você é forte e carrega muita dordentro de si. Isso vai destruir você um dia. Seu silêncio lhe deu maistempo, mas, no fim, você precisa permitir-se revelar essa dor paramim, para que eu possa curá-la de uma vez por todas.

Ela encontrou seu olhar de novo, e se perguntou, por ummomento, se ele havia mesmo entendido algo sobre ela ou se eramapenas palavras, e disse:

— Sim, Swami-ji.— Por enquanto, você deve usar isto — ele fechou o punho da

mão direita e então a abriu para revelar um cristal violeta.Cosmética ficou boquiaberta de espanto.— É maravilhoso! — exclamou ela.— Mantenha-o consigo o tempo todo. Depois de acordar,

pressione-o contra a testa. Isso vai ajudar a limpar seu ajna chakra.Volte a mim quando estiver pronta.

— Obrigada, Swami-ji! Mas como vou saber quando voltar?

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— Você saberá — disse ele. — Você deve aprender a escutar aintuição, e não a mente.

Maharaj Swami fechou os olhos mais uma vez. A audiênciaestava terminada.

Cosmética saiu da sala com as mãos unidas. No hall, elaencontrou Damayanti, que esperava sua vez com os pais. O pai e amãe queriam saber da audiência. Que sabedoria Swami-jicompartilhara? Ele fizera algum milagre?

Mas a filha deles estava taciturna. Quando o devoto os informouque Swami-ji pedira para vê-la a sós, ela evitou contato visual comCosmética.

— Vocês não vão juntos? — A agente de Puri perguntou aos pais.— Se Swami-ji nos chamar, iremos a ele de corações abertos. Hoje

Damayanti foi abençoada com uma audiência particular.Sem qualquer expressão, a jovem seguiu para as portas abertas.

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capítulo 16

PURI CHEGOU CEDO AO GYNKHANA CLUB — aos domingos de manhãnão havia tanto trânsito na estrada — e se sentou no bar para esperaro velho amigo, Dr. Subhrojit Ghosh. Às vezes, era bom deixar otrabalho de lado por puro prazer social. E o brunch coma-o-quanto-conseguir dos fins de semana do Gym, uma pechincha por 295 rupias,era sempre um convite bem-vindo.

Mas era impossível evitar o caso Jha. A TV estava exibindo umprograma de auditório, versão indiana da Oprah. O assassinato doDr. Jha vinha alimentando tais programas há quatro dias. Debatessobre crença e superstição, um tópico que gerava nada menos quehisteria em algumas bandas, predominavam.

“Nossa pesquisa mostra que 85 por cento de nós realmenteacredita em milagres. Nós estamos sendo enganados? Esta é apergunta do programa de hoje”, anunciou Kiran, apresentadora deKiran! “Vamos conversar com uma mulher que diz que sua bebêmorreu e foi trazida de volta à vida por esse guru, conhecido porEngenheiro Baba.” Um guru com a barba obrigatória e uma túnicacor de açafrão apareceu na tela. “Ele é muito famoso por suasprofecias e por ter ficado enterrado por semanas. Ele vai responderàs suas perguntas logo depois desse breve intervalo. Não saia daí!”

Puri pediu para o barman baixar o volume, enquanto seuspensamentos voltavam-se para os últimos desdobramentos do caso.

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Depois do encontro romântico de Pandey com a Sra. Jha, na noiteanterior, Puri ordenou que seus telefones fossem grampeados. Umadupla de rapazes de Lanterna também assumira seu posto diante dacasa dos Jha.

Além disso, Puri mandara seus investigadores de escritóriocomeçarem uma pesquisa nas contas bancárias dos dois suspeitos.

O passo seguinte seria fazer uma busca na casa de Pandey.Puri descartara fazer isso legalmente. Chamar o inspetor Singh e

pedir um mandado de busca comprometeria o caso:inevitavelmente, o diretor da polícia ficaria sabendo e exigiriaprisões. Quando os advogados e a mídia fossem envolvidos, Purinunca mais veria a justiça ser feita.

Ele então decidira invadir a casa na tarde do dia seguinte,quando o professor estivesse dando aula na universidade. E se eleencontrasse alguma evidência incriminadora... bem, chamaria Singhquando chegasse o momento certo.

O que mais?Abriu o bloco de anotações e leu os depoimentos das

testemunhas.Agora que em sua mente não havia mais dúvidas de que Pandey

era, no mínimo, cúmplice do homicídio, dois detalhes que haviamparecido sem importância durante os estágios preliminares dainvestigação ganhavam relevo.

1. — Pandey contara a piada toc-toc que fizera todos riremhistericamente antes de o Dr. Jha ser morto.

2. — Pandey foi o primeiro a declarar sua incapacidade de mexeros pés.

Quanto à declaração do professor de que havia visto a arma docrime virar cinzas... Puri duvidara de sua veracidade desde o início.Pandey poderia muito bem ter arrancado a espada ele mesmo edepois colocado o carvão vegetal perto do corpo.

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Algo mais passou pela cabeça do detetive enquanto ele ruminavaessas pistas.

Nos últimos dias ele assistira à performance de três mágicos:Akbar, o Grande; Manish, o Magnífico; e, claro, Maharaj Svvami.Todos os três haviam feito seus shows em lugares onde podiam usaracessórios escondidos. Antes de entrar em cena, eles podiamarrumar o cenário, digamos assim. Na cartilha de Puri, isso sechamava trapaça, mas era assunto para outro dia.

O que fizera o assassinato do Dr. Jha parecer tão desconcertantefoi o fato de ter sido cometido ao ar livre.

E se o cenário do crime, o local onde o Clube do Riso sempre sereunia, tivesse sido preparado com antecedência? Talvez de modoque não lhe parecera óbvio na primeira inspeção da cena do crime?Será que ele havia deixado passar algo? Algo escondido?

Puri decidiu voltar ao Rajpath e dar mais uma olhada.Assim que esse longo brunch com Shubho acabasse.O Dr. Subhrojit Ghosh retornara de suas duas semanas de férias

anuais em Shimla.— Notícias de Shom? — perguntou Puri. Shom era o filho mais

velho de Ghosh, que estudava em Chicago.— Maravilha. Ele está adorando o estágio. Tirando só 10. Dali

acha que tem uma garota, mas, quem sabe?— Que tipo de garota? — perguntou Puri, com um semblante de

reprovação.— Presumivelmente, da variedade feminina — riu o Dr. Ghosh.Eles se sentaram juntos no salão de jantar, onde o bufê era

servido — upma, poha, rabanadas e tudo mais.— Como está Mama-ji? — perguntou o Dr. Ghosh.— Fazendo das suas, como sempre. Não para nunca, vou lhe

contar: parece que ela está investigando, de novo.— Investigando o quê?

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— E quem é que sabe, Shabho-dada? Não tenho tempo nemdisposição para descobrir.

Dada significava irmão mais velho em bengali, língua nativa deGhosh.

— E Rumpi?— Muito bem. Jaiya vai ter gêmeos, já lhe contei?— Que beleza! Meus parabéns, Gorducho!Eles deram uma primeira passada pelo bufê. Puri voltou à mesa

com uma improvável seleção de poha e feijões cozidos. Do bolso elesacou uma pimenta vermelha cuidadosamente colhida mais cedo deuma de suas plantações do terraço. Era uma Naga Jolokia, maisconhecida como pimenta fantasma, a mais quente do mundo.

O detetive passou a ponta da pimenta no sal, mordeu-a ecomeçou a mastigá-la.

— Esta não é para covardes — disse ele, parecendo satisfeito.Ofereceu um pedaço ao Dr. Ghosh.

— Você deve estar de brincadeira — disse ele. — Essas coisas sãoletais. Eu estava lendo um dia desses que estão pensando em usá-lasem bombas de efeito moral!

Um garçom encheu o copo lascado do Gymkhana Club com ochá preto e ácido de uma jarra de prata que pingava sobre a toalhada mesa.

— Então, Gorducho, me diga, estou morrendo de curiosidade:como está sua investigação sobre o assassinato do Dr. Jha? Estoulendo essas coisas contraditórias nos jornais. Parece que o paísinteiro não fala de outra coisa.

— Certamente que não. E esse é o caso mais extraordinário que jáenfrentei até hoje — disse Puri, descrevendo o caso, sua viagem paraHaridwar e como Maharaj Swami evocara o oráculo rishi no palco.

— Muito impressionante, de fato. Não é incrível como as pessoassão enganadas por esse camarada?

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— É, certamente, um truque muito realista — disse o Dr. Ghosh.— Mas não muito original.

— Você já tinha visto antes, é isso?— Quando eu tinha 14 ou 15 anos. O velho professor Biswas fez

uma demonstração na nossa aula de física. “Fantasma do Pimenta”,foi o nome que ele falou, em homenagem ao britânico queaperfeiçoou o truque.

O sinal de entusiasmo de Puri era um encorajamento para oamigo continuar a história.

— São necessários apenas alguns espelhos e uma forte fonte deluz. O objeto fica escondido e sua imagem aparece refletida... Achoque é um par de espelhos... E aí passa por um painel de vidro. Aimagem aparece atrás dessa vidraça, translúcida como um fantasma.

Puri bateu nas próprias coxas e deu um grito de alegria.— Shubho-dada, você é o verdadeiro fazedor de milagres! —

exclamou ele. — Que mina de informação você é. Você deveria serdetetive, de verdade.

— Mas aí eu ia perder todas as viagens de graça paraconferências sobre, por exemplo, os mais recentes avanços dasdoenças intestinais inflamatórias!

Eles deram uma segunda volta pelo bufê. Desta vez Puri foi derabanada.

— Tempo para um joguinho? — perguntou o Dr. Ghosh quandoeles limparam os pratos de novo.

— Na verdade, Shubho-dada, é melhor eu ir andando, na.— Qual é, meu velho, nós nos vemos tão pouco. O que é uma

horinha com os amigos?— Há muito trabalho, de fato — insistiu Puri, olhando para o

relógio.— Tem certeza de que trabalho não é só uma desculpa

conveniente?— Certamente que não...

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— Eu entenderia, se fosse. Especialmente depois da surra que lhedei da última vez.

— Olha aqui — disse o detetive, bem-humorado —, você está nafrente por apenas um jogo.

— Eu não sabia que estávamos contando. Mas se você querassim...

Cinco minutos depois eles se sentavam frente a frente em umamesinha de centro no salão com colunas onde eram servidos chá esanduíches de pepino. Algumas das outras poltronas eram ocupadaspor frequentadores mais velhos, cujos olhos remelentos percorriam aedição de domingo do Times of India.

Diante de Puri e Dr. Ghosh, um tabuleiro de xadrez. Elesdispuseram as peças cuidando para que os rajas, ou reis, nãoficassem frente a frente — sendo esta uma das regras modernas doantigo precursor do xadrez, o chaturanga, o qual eles haviamcomeçado a jogar por pura diversão há mais ou menos um ano.

O detetive, cujas peças eram brancas, começou movendo umsippoy, ou peão, e seu oponente fez o mesmo. Puri, então, colocouum dos kuthareis, ou cavalos, em jogo.

Quando o Dr. Ghosh fez o segundo movimento, eles começarama jogar conversa fora sobre o Gym. Havia uma violenta batalha pelapresidência do clube. O marechal da Força Aérea indiana estavacontra o general do Exército.

— É uma campanha militar, mas de natureza distinta —comentou o detetive, que brincou dizendo que não ia demorar muitoaté que os inimigos cavassem trincheiras nos gramados.

O Dr. Ghosh colocou o mantri, ou conselheiro (equivalente àrainha, mas que você pode mover apenas uma casa por vez, e nadiagonal), em jogo. O movimento deixou Puri perplexo; era muito

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arriscado e estranho às cautelosas táticas usuais do oponente. Masele decidiu continuar com sua estratégia assim mesmo e posicionouum dos yaaneis —, ou elefantes, no ataque.

A conversa voltou para o assunto do assassinato.— O que me entristece é ver esses gurus enlameando o nome do

hinduísmo — disse Puri.— O clero é sempre corrompido, em todas as religiões — disse o

Dr. Ghosh.— Raramente são corretos, Shubho-dada. Eles mantêm a

sociedade refém da superstição e do absurdo. Não tem nada deespiritual neles. Malditos goondas, quase todos eles.

Até esse momento o detetive já havia tirado nove das peças dooponente, restavam dez. Mas o Dr. Ghosh estava longe de serderrotado e rapidamente lançou um contra-ataque sobre o flancoesquerdo de Puri, tomando seu último iratham, ou biga (equivalenteà torre). As defesas de Puri de repente ruíram e em poucosmovimentos ele viu seu raja sozinho, indicando o fim do jogo. Elehavia perdido mais uma vez.

— Você estava blefando, não estava? — perguntou Puri.— Perdoe-me, Gorducho. Andei jogando com meu sobrinho. Ele

é brilhante, tem apenas 11 anos e um belo dia vai limpar a granadaquele Viswanathan Anand. Ele blefa muito, sempre dá a ilusão deque está perdendo.

Puri fitou o amigo sem expressão alguma no rosto.— O que foi, Gorducho? — perguntou o Dr. Ghosh.Nenhuma reação.— Gorducho? — insistiu o amigo, já preocupado.— Por Deus! — exclamou o detetive. E mais alto: — Mas que

maldito idiota eu fui nesses últimos dias! É claro! É uma ilusãodentro de uma ilusão!

Ele se levantou. Os velhos baixaram os jornais e o encararam.

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— Finalmente eu sei! Vou lhe dizer, essa coisa estava medeixando maluco!

— Sabe o que, Gorducho?— Quem me nocauteou com o taco!— Você foi nocauteado? Quando? Você não me falou nada. Você

fez exames?— Shubho-dada, preciso ir. Não há tempo a perder!E antes que o Dr. Ghosh pudesse dizer qualquer palavra, o

detetive já tinha saído.

Quinze minutos depois Puri chegava ao extremo sul do Rajpathpara encontrar a rua ainda bloqueada pela polícia. O oficial deplantão informou que o tráfego não seria reaberto até o dia seguinte;enquanto isso, ele era convidado a continuar a pé.

Frustrado, mas sem outra opção, o detetive prosseguiu sozinho,guarda-sol em punho, seguindo os passos que o Dr. Jha dera cincodias antes.

Era quase meio-dia e o calor do sol castigava como um maçarico.Ele se moveu o mais rápido que a perna esquerda permitia, ossapatos escorregando com o suor, até chegar à sombra do jamelãoonde a ilusão de Kali aparecera. O cordão de isolamento já haviasido retirado da cena do crime, assim como os palitos de incenso e asoferendas deixadas no chão pelos adoradores. De cada lado dotronco da árvore estavam deitados um cão pulguento e um operário,ambos dormindo sonoramente, a despeito do calor e das moscas.

Puri demorou um pouco mais de um minuto para se recuperarda caminhada e secar o salgado suor de seus olhos. Então começou avasculhar a cena do crime.

Ele deu três lentas voltas em toda a área. Depois começou a andarde costas, afastando-se do local, para ter uma perspectiva diferente.

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Quando se afastou cerca de sete metros, notou algo estranho. Agrama em torno do local onde Kali levitara estava um pouco maisescura, como se tivesse recebido mais água da chuva ou, talvez, deum regador. Era uma diferença sutil, que poderia facilmente passardespercebida.

Voltou correndo, colocou o guarda-sol de lado e, com algumadificuldade devido a sua circunferência, ajoelhou-se. Sacando ochaveiro, que continha um canivete militar suíço, ele enfiou a lâminamaior na terra. A uma profundidade de cinco centímetros ela entrouem contato com algo sólido. Ele girou a lâmina. Parecia metal.

— Sinceras congratulações, Sr. Vish Puri, Sir! — exclamou ele emvoz alta, com uma risada, puxando na pronúncia de “siiiinceras”.

Testou a lâmina em mais seis pontos, todas as vezes com omesmo resultado, antes de ficar novamente em pé. Por cerca de umminuto ficou olhando para o chão, refletindo se deveria buscar umajudante com uma pá e escavar a grama, mas decidiu que isso teriade esperar.

Ainda precisava provar que o professor Pandey escondera aspeças de metal sob o gramado.

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Considerando que era domingo, isso levaria algum tempo.

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capítulo 17

COSMÉTICA ESTAVA SERVINDO O ALMOÇO. Por uma hora ela e seuscolegas devotos trabalharam andando de um lado para outro dasfileiras de visitantes sentados no chão da tenda, assegurando-se deque cada um recebesse sua porção.

Entre eles estava um jovem magrelo, de óculos grossos,bochechas esburacadas pelas espinhas e cabelos cuidadosamenterepartidos que brilhavam com Brylcreem. Seu bigode era pouco maisque um punhado de pelos finos e fofos, como as patas de umacentopeia, e suas roupas reforçavam sua imaturidade física, sendodesprovidas de qualquer elegância. Ele usava uma camisa cinza deestilo ocidental, fora da calça reta e também cinza. O bolso do peitoestava cheio de canetas e manchas de tinta. Em seu cinto estavampendurados um molho de chaves e um canivete.

Cosmética não conseguiu conter o sorriso ao vê-lo. Era raro verDescarga em operações externas. Sentado ali, ombro a ombro compessoas comuns, ele parecia atipicamente inseguro. Seu habitatnatural era uma sala escura onde não se distinguia o dia da noitecom facilidade, cercado por monitores, soldas, placas de circuitos ecaixas de pizza vazias. Em seus dias de folga, ele lia histórias emquadrinho e admirava as garotas da capa da edição indiana darevista Maxim.

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Ironicamente, porém, o mago da computação e da eletrônicapreenchia o primeiro requisito para um bom trabalho sob disfarce:assumir um personagem que se mistura no ambiente e não atraiatenção indevida. Seu sotaque híndi, inconfundivelmente caipira,ajudava a completar a figura de um nerd socialmente esquisito,rapidamente esquecido, sem representar ameaça a ninguém.

Quando chegou o momento de entregar o pequeno pacote queCosmética havia requisitado, ele o fez sem levantar qualquersuspeita, simplesmente escorregando a encomenda sob o pratoquando ela o recolheu.

Descarga então voltou para o hotel do outro lado da estrada doashram. Ele havia escolhido um quarto com vista para a entrada. E,dali, ele ainda tentava entrar na rede da Morada do Amor Eterno.

Enquanto isso, Cosmética foi checar o conteúdo do pacote naprivacidade de uma cabine no banheiro: uma pequena lanterna; umconjunto de chaves mestras e um pequeno arquivo de metal; umpingente de prata gravado com o símbolo de om que continha umpen drive escondido e, por último, mas não menos importante, umrelógio confiável. Isso era tudo de que ela precisava para invadir osaposentos privados de Maharaj Swami.

Até aquela manhã, ela tivera sérias restrições quanto a fazer issosozinha. Havia muitas pessoas por perto, e ela pedira a Puri paramandar Lanterna e alguns de seus rapazes especialistas em invasãopara ajudá-la.

Mas então a oportunidade caiu em seu colo.

Às oito da manhã um helicóptero pousou no meio do ashram,pegou Swami-ji e o homem de sherwani preto que Cosmética vira narecepção da residência particular e os levou para Déli. Entre osdevotos circulou o boato (e ninguém ficou surpreso ou muito menos

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desiludido com a contradição de o guru fazer uso de uma rudemáquina de voar quando poderia, supostamente, teletransportar-sede um lado a outro do planeta) de que Sua Santidade não voltariaaté o dia seguinte, e então Cosmética decidiu tentar invadir a sala deaudiências particulares naquela noite.

Com repartições fechadas no fim de semana e muitos oficiais deférias, Puri levou o resto do dia e uma boa dose de bajulação paraobter a prova de que precisava.

Já eram 19h e ele não comera nada desde o brunch. Localizandoum Nirulas no caminho para Déli Oeste, ele parou para algunsfranguinhos, que comeu com muito molho verde e lassi salgado.Depois ele ligou para Lanterna.

— Encontre-me em Shalimar Bagh West em 40 minutos — disseele.

— Quer dizer que resolveu o caso, Chefe?— Graças a Deus a resposta me veio na última hora, caso

contrário, teria feito papel de bobo — respondeu o detetive commodéstia incomum. — Essa foi a única vez que Vish Puri foi lento deraciocínio. Deve ser esse tempo quente que está fazendo estragos nomeu cérebro e no resto. A solução estava bem diante dos meus olhos.Pandey e seus cúmplices realmente armaram o crime perfeito, pode-se dizer.

— Devo levar meu revólver?— Não será necessário. Não haverá nenhum problema, disso eu

tenho certeza.Puri comprou um pedaço de bolo Floresta Negra para comer na

estrada e seguiu seu caminho. Quando chegou à casa de Pandey,Lanterna, Shashi e Zia o esperavam do outro lado da rua.

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Eles informaram que o professor passara o resto do dia na sala dafrente, aparentemente consertando suas engenhocas.

— O motorista dele também? — perguntou Puri.— Sim, Chefe — confirmou Shashi.— Perfeito — disse Puri, que estava tonto de empolgação, como

um garoto que acaba de montar uma armadilha. — Estou louco paraver isso. Uma grande surpresa, esses dois vão ter.

— Esses dois, Chefe? — disse Lanterna.— Ele e seu parceiro de crime.— O motorista?— Indubitavelmente!Os três agentes olharam para ele curiosos, claramente doidos

para conhecer a verdade. Mas eles sabiam que era melhor nãopressioná-lo demais.

— Quer que a gente fique nos fundos da casa, no caso de elestentarem fugir pelo beco? — perguntou Lanterna.

— Ninguém vai fugir. Fiquem em posição. Não vou demorarmais do que 15 ou 20 minutos, no máximo.

Puri se aproximou do portão de entrada e tocou a campainha.Uma versão de Jingle Bells tocou em algum lugar no interior da casa.

Trinta segundos se passaram sem qualquer resposta. O detetiveespiou pela estreita fresta entre o sólido portão de metal e o pilar queo sustentava. Podia ver uma luz na sala da frente, no chão. A sombrade uma figura se moveu do outro lado da cortina. O detetive tentoua campainha mais uma vez. Nada, ainda. Ele socou o portão com ospunhos.

— Professor-ji! Abra, yaar! Não precisa fazer joguinhos!As palavras do detetive foram respondidas com um tiro de

revólver.Puri rodopiou, desorientado. A perna esquerda enganchou no

tornozelo direito e ele tombou de lado no chão.

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— Veio lá de dentro, Chefe! — gritou Lanterna, correndo nadireção dele. — Não acho que miraram em você.

— Por Deus! Alguém está atirando! — gritou o detetive,apavorado. — Como isso é possível?

Barulhos de briga vieram de dentro da casa. Alguma coisa caiuno chão. Uma das janelas do térreo foi quebrada. O vidro seespatifou no concreto.

Lanterna ajudou Puri a se levantar, Shashi e Zia também vieram.Outro tiro foi disparado. Um homem gritou.Zia forçou o portão com o ombro, mas estava trancado por

dentro. Sem um instante de hesitação, ele começou a escalar oportão.

— Vocês dois, para os fundos! — o detetive ordenou aos outros.— Certo, Chefe!Lanterna e Shashi desceram a rua.Um terceiro tiro ressoou. Dez segundos depois veio o quarto.Nesse momento, Zia estava no alto do portão, com o pé direito

precariamente equilibrado entre os cacos de vidro. Ele conseguiupular para o outro lado, caindo sobre o capô do carro de Pandey.

Um instante depois o portão foi aberto.Zia e Puri contornaram agachados o carro agora avariado. Eles se

aproximaram da porta da frente. Estava destrancada. No corredor,alguns pares de sapato e uma pilha de jornais velhos. Havia umrádio ligado em algum lugar da casa, sintonizado na Rádio All India.

Eles também ouviam risadas.Cautelosamente, Puri passou pelo corredor e entrou na sala da

frente. O professor Pandey estava deitado de costas em uma poça desangue, perto da janela. Ele ria sozinho, como se estivesse selembrando de alguma coisa engraçada que tinha visto ou ouvido.

Aterrorizado, Puri correu para ele e gritou por cima do ombro:— Vá buscar um médico! Jaldi karo!

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O detetive rasgou a camisa ensanguentada do homem ferido. Elehavia sido baleado no estômago.

— Professor, está me ouvindo? — Ele inclinou a cabeça dePandey para trás, para que suas vias respiratórias ficassemdesobstruídas. — Quem fez isso? Você viu?

O moribundo riu mais uma vez e começou a engasgar. Cuspiusangue. Arqueou as costas e fez uma careta de dor.

— Tente relaxar. A ajuda está a caminho. Me diga, quem fez isso?O professor sorriu, como se um adorável pensamento de repente

lhe tivesse ocorrido, e então seu corpo perdeu a energia e seus olhosficaram vidrados.

— Por Deus, Professor-ji, no que foi que o senhor se meteu, na! —murmurou Puri enquanto se movia para vasculhar a casa.

Lanterna e Shashi viraram no beco atrás da casa do professorPandey. Viram uma figura masculina a 40 metros, correndo nadireção deles. Parou, se virou e começou a correr na direção oposta.

— Oi, rook! — gritou Lanterna.Os agentes de Puri foram atrás, chegando logo ao fim do beco.

Ali eles viraram para a direita e, com Shashi na frente, perseguiram afigura até a rua residencial que passava pela Escola PúblicaModerna.

Três cães vadios se juntaram à perseguição. Alvoroçados atrás dohomem em fuga, eles latiram e morderam seus calcanhares. Umdeles o puxou pela calça e por um momento pareceu que o vira-latao faria parar. Mas outro tiro foi disparado, o animal ganiu e tombouem uma poça de sangue. Choramingando, os outros dois cãesfugiram em direções opostas.

Lanterna e Shashi protegeram-se atrás de um carro estacionado.— Foram cinco tiros — disse Lanterna, sem fôlego. — Ele só deve

ter mais um.O assassino cruzou a Jhulelal Mandir Marg, fazendo com que

alguns carros freassem bruscamente, e subiu pelas grades que

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cercavam os antigos Jardins Mogóis de Shalimar Bagh.Meio minuto depois seus perseguidores foram atrás dele.O assassino correu por um caminho que passava pelas

abandonadas fontes ornamentais e árvores frutíferas que, nopassado, haviam sido tão queridas pelo imperador Shah Jahan.Chegou ao arruinado pavilhão central e sumiu lá dentro.

Poucos segundos depois o zumbido de um sexto tiro passou porLanterna e Shashi. Instintivamente, eles se jogaram no chão.

— Este deve ter sido o último — disse Lanterna, ofegante. — Sótem um jeito de entrar e sair desse lugar. Fique aqui e não o deixeescapar.

Lanterna rastejou até o pequeno edifício.— Você não tem como fugir! — gritou ele em híndi, subindo os

degraus. — A polícia já vai chegar. Pode se entregar!Suas palavras ecoaram nas paredes nuas. E ficaram sem resposta.

Ele avançou centímetro a centímetro pelas colunas da entrada. Oluar filtrado por uma janela no teto em ruínas iluminava oempoeirado interior. Lanterna quase vomitou com o fedor das fezesde morcego espalhadas pelo chão. Não havia ninguém lá dentro.

Confuso, ele rastejou de volta até a entrada.— Ele escapou por aqui? — sussurrou para Shashi sobre os

ombros.— Não, Chefe.— Tem certeza?— Positivo.— Mas... É impossível. Esse lugar só tem uma saída.Os dois deram outra busca, mas a figura havia desaparecido.

Cautelosamente, Puri vasculhou os quartos dos fundos do térreoda casa do professor Pandey.

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Ele passou pela cozinha e por um pequeno quintal, onde notoualguns tapetes de borracha, como os usados em carros, penduradosno muro de trás.

O detetive voltou para dentro e subiu as escadas.Encontrou uma mancha de sangue no terceiro degrau. Outra no

quinto. Correu até o patamar e contornou o corrimão.Lá encontrou outro homem deitado com o rosto no chão, sobre

uma poça de sangue.Puri sabia quem era, não precisou nem virar o corpo.Checou o pulso, esperando, em vão, que talvez o homem

pudesse ser salvo. Não sentindo pulsação alguma, desmoronou nodegrau mais alto da escada com o rosto nas mãos.

Foi ali que o médico o encontrou, dez minutos depois.— Temo dizer que este também está morto — disse ele depois de

examinar o corpo. — O senhor o conhecia?Puri não respondeu. Seus olhos estavam repletos de tristeza.— Sir, sabe o nome do falecido?O detetive soltou um longo e angustiado suspiro.— Sim, eu o conhecia — respondeu ele. — Seu nome era Dr.

Suresh Jha.

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capítulo 18

— MAS QUE DIABOS ESTÁ ACONTECENDO AQUI, SIR? — quis saber oinspetor Singh quando chegou à cena do crime. — Eu pensei que oDr. Jha estivesse morto. Como ele pode ter morrido de novo?

— Uma coisa de cada vez, inspetor — replicou Puri, calmamente.— Estou tentando reconstituir os passos do assassino.

Ele estava na sala de estar sobre uma cadeira, examinando umfuro de bala no teto.

— Muito provavelmente, foi um revólver de ação dupla — disseo detetive meio que para si mesmo, uma triste resignação na voz. Eledesceu da cadeira, piscando com o flash de luz azul lançado pelasirene de emergência sobre o jipe de Singh, que havia chegadoapenas alguns momentos antes.

— Inspetor, por acaso poderia desligar aquele negócio? —perguntou Puri, com a mão sobre os olhos.

Singh foi à janela e, irritado, gritou pela vidraça quebrada para omotorista:

— Desligue, karo!— É muita gentileza de sua parte — disse o detetive depois de a

ordem ter sido prontamente cumprida.Eles atravessaram a cozinha em direção ao quintal. O assassino,

explicou Puri, entrara pulando o muro, não sem antes colocar algunstapetes de borracha, do tipo usado nos carros, em cima dos cacos de

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vidro colados no topo. Depois de encontrar a porta da cozinhaaberta, ele fora até a sala de estar. O professor estava em sua mesa detrabalho — seu cachimbo se encontrava lá, ainda quente.

— O assassino já estava aqui quando eu toquei a campainha.Muito provavelmente, o som o distraiu. Desse modo, ele e Pandeycomeçaram a lutar, e a arma foi disparada para cima, o projétil sealojou no teto.

Como a briga continuara, um dos aparelhos de TV de Pandeycaíra no chão. O professor foi jogado com força contra a janela,quebrando a vidraça. No segundo disparo, o revólver estava muitoperto da sua barriga. Isso mostra que ele e o assassino haviam lutadopela posse da arma.

— Veja a pólvora em sua camisa e também em seus dedos.Puri fez um adendo em tom menos automático:— Inspetor, quando cheguei perto do infeliz, ele estava rindo.— Rindo? — ecoou Singh.— Naturalmente, passou pela minha cabeça que estivesse

fingindo, como fez o Dr. Jha no Rajpath.— Espere aí um minuto, Sir. Está me dizendo que Jha simulou a

própria morte? — interrogou Singh, que estava ficando impacientecom os excessivos detalhes sobre os disparos.

Puri ignorou a pergunta e continuou com sua reconstituição,andando no corredor até o pé da escada.

— O Dr. Jha estava lá em cima. Como ouviu confusão e disparos,veio averiguar. O assassino atirou nele, mas errou. Vê o furo aqui naparede? O Dr. Jha se virou e foi se esconder no andar de cima. Mas otiro número quatro o atingiu nas costas.

Puri e Singh subiram ao patamar, até onde o Caçador de Gurusconseguira se arrastar antes do último suspiro. Uma coberta foracolocada sobre o corpo.

— Esses homicídios foram premeditados, Sir? — perguntouSingh.

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— Parece que o assassino não tinha a intenção de matar Pandey.Ele tivera uma grande oportunidade de fazê-lo no momento em queentrou na casa. Quanto ao Dr. Jha, ele apenas desceu e viu oassassino. Seu destino estava traçado.

— O senhor sabia que Jha estava vivo antes de ele ser morto pelasegunda vez? — perguntou Singh, irradiando ansiedade.

— Fiquei sabendo apenas esta manhã, enquanto jogavachaturanga no Gym.

— E o que o chaturanga tem a ver com isso?— A questão é que o jogo me permitiu fazer a conexão. De

repente, entendi quem foi que tinha me nocauteado. Até aquelemomento, eu estava fazendo papel de bobo, como todo mundo, eachava que o Dr. Jha havia morrido. Desse modo, fui incapaz dereconhecer sua voz.

— Quer dizer que foi o Dr. Jha que o nocauteou?— Indubitavelmente.— Mas, por quê?— Ele deve ter pensado que eu era um intruso. Foi um acidente.— Mas o que ele estava fazendo lá?— Muito provavelmente, colocando alguns papéis e assuntos em

ordem. Sua secretária, a Sra. Ruchi, com certeza vai me dizer. Elatambém era cúmplice.

— Então tudo o que aconteceu no Rajpath foi...— Uma ilusão dentro de outra ilusão. Espada, sangue, tudo falso.

A morte também.— Mas eu mesmo vi o ferimento, Sir! O médico assegurou que o

Dr. Jha estava morto!— Hoje eu fiquei sabendo que o médico em questão é um dos

melhores amigos do Dr. Jha. Membro do comitê racionalistatambém. Eu o segui até sua casa esta tarde. Ele admitiu a falsaemissão do certificado de óbito. Parece que o ferimento que você viunão era de verdade.

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— E a cremação?— Dr. Jha era ateu, então ninguém ficou surpreso quando ele foi

cremado em um incinerador a gás. Parece que um esqueleto humanotirado do departamento de biologia da Universidade de Délisubstituiu o corpo. Naturalmente, estava envolvido em umamortalha dos pés à cabeça, então o rosto não estava à mostra.

— Não posso acreditar que eles tenham feito isso — disse Singh,incrédulo.

— Por que não, inspetor? Foi só uma questão de tirar vantagemdo nosso sistema corrupto e incompetente.

— Mesmo assim, Sir, poderia imaginar que...— Não se culpe, inspetor. Nem mesmo Vish Puri viu essa carta

na manga, não é?Singh pareceu se sentir reconfortado.— E Pandey? Estava envolvido? — perguntou o inspetor.— Ele e o Dr. Jha eram antigos colegas. Eles se conheciam há

mais de vinte anos. Definitivamente, estavam juntos nisso. Mas oProfessor-ji também tem alguma conexão com Maharaj Swami.Parece que visitou o ashram há mais ou menos um mês. Pode ser queele estivesse jogando nos dois times.

— Mas qual era a jogada de Jha? Fraudar o seguro de vida?Trocar a esposa por uma modelo mais jovem?

— Nada disso, inspetor. O Dr. Jha era um pouco desajustado emalgumas coisas. Parece que ficou também obsessivo. Mas ele nuncainfringiu uma única lei durante toda a vida.

— Sir — disse Singh, empertigando-se —, metade de Déli fechoupor causa dele. Ele conspirou com um médico para expedir umcertificado falso. Quem sabe que outras leis ele quebrou?

O inspetor começou a andar de um lado para o outro. E, então,um pensamento lhe ocorreu de repente.

— Mas é claro! Ele estava tentando enquadrar Maharaj Swami! —exclamou ele. — O guru tinha prometido um milagre, então Jha nos

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deu um!— O mesmo raciocínio também me ocorreu. Mas, não, inspetor,

acredito que os motivos do Dr. Jha eram outros. Ele estava ficandovelho, sabe? E cada vez mais frustrado com o andamento das coisasna Índia. Amargo, poderíamos dizer. Há anos ele vinha lutandocontra esses gurus. E para quê? A popularidade deles aumenta acada dia. A classe média quase não liga para religião. Na verdade,ama carros novos, férias cinco estrelas, essas coisas. Mas estáseguindo em massa esses iogues da TV. A campanha do Dr. Jhafalhou, sejamos francos. Então, antes de se aposentar, ele decidiutomar uma atitude drástica. Decidiu encenar sua morte do jeito maisdramático possível. Sua esperança era enganar a todos, fazer comque acreditassem que um milagre realmente acontecera. Que a deusaKali descera até a Terra e o assassinara.

Singh estava mais calmo agora; escutava as explicações de Puripacientemente.

— Isso ele conseguiu, com louvor, na verdade — continuou odetetive. — Por toda a Índia, de norte a sul, as pessoas não falaramde outra coisa nesses dias.

— Onde a mulher dele se encaixa nisso tudo?— Ela deve ter feito parte do plano desde o primeiro dia. Uma

bela atuação a dela no velório.— Então, qual era o plano do Dr. Jha? Pular de dentro do bolo e

surpreender todo mundo?— Dificilmente algum bolo estaria envolvido, inspetor —

respondeu Puri, secamente. — Muito provavelmente ele iria à TVexplicar como o truque foi feito. Desse modo, as pessoas veriamcomo estão inclinadas a acreditar em todo e qualquer absurdo todosos dias.

— Mas aí alguém o impediu — cortou Singh. — Alguém quesabia que ele estava vivo.

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— Pode ser, inspetor. Mas não podemos descartar a possibilidadede o alvo ter sido o professor Pandey e de que o Dr. Jha acaboumorrendo por azar.

Uma voz chamou do andar de baixo:— Inspetor-ji? A StarTV chegou!— Merda — disse Singh entre os dentes. — O que vou dizer a

eles?— Se você tiver um minuto, inspetor, tenho um plano escondido

na manga.

O plano era o seguinte:— Informe à StarTV e a todo mundo que o professor Pandey foi

assassinado. Diga a eles que seu motorista também foi baleado.— Seu motorista?— O Dr. Jha andou posando de motorista do professor Pandey

nos últimos dias. Quer dizer, depois de raspar a barba e pintar ocabelo de preto. Nem eu o reconheci quando visitei o Professor-ji.Eles devem ter dado umas boas risadas à minha custa.

Puri voltou ao assunto.— Diga que o motorista do professor Pandey está ferido.

Mencione que ele foi levado às pressas para o Hospital St. Stephens eque suas chances de sobreviver são de 50 por cento. Então, amanhã ohospital deverá divulgar uma nota afirmando que seu quadro éestável, que ele vai se recuperar totalmente, mas que ainda não estáconsciente. Ele apenas vai para um quarto particular. Sem guarda.Lembre-se de que é um motorista, apenas uma pessoa comum.

— Mas... quem é ele? — perguntou Singh.— Um dos meus rapazes vai fazer o papel do Dr. Jha e nós dois

estaremos presentes também.— Está esperando que o assassino reapareça?

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Puri fez que sim com a cabeça.— Mas, certamente, ele vai saber que nós sabemos que o

motorista é na verdade o Dr. Jha e vai suspeitar que se trata de umaarmadilha.

— É um risco que ele vai ter que correr, não? Já que o Dr. Jha viuo assassino...

Singh sorriu.— Isso é bem engenhoso, Sir — disse ele.— Esperemos que sim, inspetor — rebateu Puri, com ênfase.Seus pensamentos se voltaram para Cosmética. Ela lhe telefonara

mais cedo para dizer que Maharaj Swami deixara o ashram,aparentemente seguira para Déli, e que estava planejando invadirsua residência particular.

Talvez ela conseguisse estabelecer que tipo de conexão haviaentre o guru e o professor Pandey. Era a única peça do quebra-cabeça que ainda não se encaixava.

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capítulo 19

COSMÉTICA ESTÁ DEITADA NA CAMA olhando o ventilador de teto.Fazia umas boas duas horas que as luzes tinham se apagado nodormitório. O mantra em adoração a Shiva, que ela e as colegasdevotas passaram a maior parte da tarde repetindo e repetindo denovo, ainda permanecia em sua cabeça.

Om namah Shivaya. Om namah Shivaya. Om namah Shivaya...De acordo com a filosofia de Maharaj Swami, a repetição de tais

mantras ajudaria a despertar a força de sua vida espiritual, suaKundalini, bem como estimular seus chacras.

Até agora, contudo, tudo o que ela conseguira com os exercíciosfora uma violenta dor de cabeça.

Ela tentou concentrar sua mente em outras coisas: seu filhoadotivo de 8 anos, Momo, que estava sob os cuidados da ayah —,seu apartamento em Déli, onde os três viviam juntos; os famintosgatos de rua que se empoleiravam no seu muro e miavam até que elaos alimentasse.

Ela cantou para si mesma uma de suas canções híndi favoritas,Paani Paani Re. Mas nada adiantou. O mantra continuava ainterromper seus pensamentos, assim como as notícias do trânsitonas rádios FM. Om namah Shivaya.

Aaaaargh! Não era de surpreender que tantos devotos tinhamestranhos sorrisos passivo-agressivos, pensou ela.

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Às três da manhã Cosmética se arrastou para fora de seumosquiteiro e, com os chappals em mãos, saiu do dormitório na pontados pés.

O corredor para além da porta estava escuro e vazio. Cosméticafoi até as escadas e rastejou para o térreo. Ao chegar ao piso e ouvirpassos se aproximando, ela se escondeu embaixo da escada. Um dosdevotos mais antigos de Maharaj Swami passou devagar, apertandoo colar de contas entre os dedos, e saiu do alojamento pela porta dafrente.

A agente de Puri deixou seu esconderijo e seguiu para a saída deemergência lateral, que estava entreaberta e, como todas as portasdesse tipo na Índia, nunca ativada com o alarme.

Estava mais frio do lado de fora. Uma leve brisa brincava nosgalhos mais altos do carvalho himalaico próximo ao edifício.Agachada sob a copa dele, Cosmética respirou fundo várias vezespara acalmar os nervos e avaliar a área ao redor.

O amplo gramado diante da árvore terminava na beira daentrada de veículos ladeada por postes de iluminação e estátuas desantos hindus. A sua esquerda ficava o estacionamento e, mais além,o portão principal, onde os chowkidars noturnos estavam sentadosjogando baralho. Acima do ruído dos grilos cantando podiam serouvidos trechos de conversas e risadas.

Bem à direita ficava o edifício da recepção principal e, atrásdesse, o salão de darshan e a residência privativa de Maharaj Swami,onde havia apenas algumas luzes acesas.

Cosmética passou dez minutos sob o carvalho, para se assegurarde que a área estava livre. Então, ela seguiu para o salão de darshan,andando nas sombras e esgueirando-se por trás de pedestais, bancose árvores. Ela chegou a uma porta lateral empenada e que nãofechava direito; deslizou para dentro do edifício.

Embora as luzes estivessem todas apagadas e nenhum luar fossefiltrado pelos vitrais, ainda havia velas acesas sob as efígies em

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número suficiente para que ela pudesse ver o caminho até o palco.No palco ela teve de ligar a lanterna de bolso de Descarga para

procurar o alçapão atrás do trono de prata de Maharaj Swami; elatinha certeza de que era por ali. Cosmética logo avistou seucontorno, mas, no meio do processo, bateu com a cabeça em algoduro — um grande painel de vidro fino com cerca de 3 metros delargura por pelo menos 6 de comprimento, suspenso por cabosultrafinos presos ao forro. Pendurado em um ângulo de 45 graussobre o alçapão, o painel tocava a base do palco.

A agente de Puri deu um jeito de passar pelo painel e descobriuum segundo alçapão, menor. Este tinha um trinco.

O pequeno alçapão foi facilmente levantado e revelou algunsdegraus de concreto.

No degrau mais baixo Cosmética encontrou uma passagemsubterrânea.

De um lado havia uma porta.A sala além dela tinha aproximadamente 3 metros quadrados de

área e 7 metros de altura. Seu teto era o lado de baixo do maior dosdois alçapões. Agora ela podia ver que este fora projetado para abrirpara baixo, correndo por silenciosos trilhos de borracha. Umaalavanca na parede operava um sistema de polias mecânicas, comoaqueles usados em portões de garagem automáticos.

No meio da sala ficava um pedestal e sobre ele um projetor. Afrente do projetor estava virada para cima. Apontava para umaplataforma de madeira construída na parede do fundo da sala. Aplataforma ficava a uns 2 metros do piso e podia ser acessada poruma escada de mão.

Da parede oposta à plataforma pendia um grande espelho,posicionado em um ângulo de 45 graus.

Havia apenas dois móveis na sala: uma cadeira e um toucador.Na gaveta deste ela encontrou uma máscara de borracha. Seu rosto

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era o de um velho encarquilhado, com um nariz grosso e bulboso epronunciados lobos frontais.

Cosmética o reconheceu imediatamente: era o oráculo rishi.Ela passou alguns minutos tentando entender como a ilusão

funcionava e achou que tinha conseguido. Um ator usando amáscara ficava sobre a plataforma e o projetor. Sua silhuetailuminada aparecia no espelho e era refletida para o painel de vidrodo palco através dos alçapões, que abriam segundo um comando. Dealgum jeito — ciência não era seu forte — isso criava uma imagemfantasmagórica. A fumaça era um recurso extra, só para tornar ailusão ainda mais espetacular.

Na sala também havia um elevador hidráulico, que, de acordocom as instruções do painel de controle, podia ser elevado até aaltura de 8 metros. Cosmética pensou se esse não era o segredo portrás da levitação de Maharaj Swami.

Aventurando-se ainda mais pela passagem úmida e mofada como fraco feixe de sua lanterna iluminando de relance ratos imensos,ela logo chegou a uma interseção. Seu palpite era que a passagem daesquerda levava ao Lar da Tranquilidade; a da direita, de volta aoalojamento. Cosmética não pegou nenhuma das duas; pisando empoças d'água por mais uns 90 metros, chegou a outro lance deescadas.

Esse levava a mais uma porta.Desligando a lanterna, ela abriu um pouco a porta e espiou pela

fresta. A sala à frente estava escura, mas ela reconheceu a mesa como computador perto da janela e percebeu com alegria que encontraraum jeito de chegar ao gabinete de audiências particulares de MaharajSwami.

A porta era secreta, camuflada entre as estantes de livros.Ela abriu um pouco mais, para poder ver melhor.As venezianas estavam abaixadas e a única fonte de luz vinha

por baixo da porta principal, que ficava à sua direita.

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De repente, ela ouviu passos e vozes masculinas ecoando no hallde entrada e deu um passo para trás, fechando quase completamentea porta secreta.

Por muitos minutos ela esperou, não se atrevendo a entrar nasala. Por fim, as vozes sumiram e a luz foi apagada.

Silêncio.Cosmética descalçou um dos chappals e o colocou entre a porta e

o batente. Ligando de novo a lanterna, percorreu a sala até a mesa deMaharaj Swami. Seguindo as instruções de Descarga, ligou ocomputador e, pressionando a tecla Esc, garantiu que ele iniciasse nomodo DOS.

Ela tirou o pingente om do pescoço e abriu-o, encontrando o pendrive escondido. Ela o inseriu em uma das entradas USB docomputador, digitou “copiar” e pressionou Enter.

O processo demorou apenas alguns minutos. Então, ela tirou odispositivo, pendurou-o de novo no pescoço e desligou a máquina.

Abrir a porta de metal que ela identificara durante a audiênciaparticular com Swami-ji não foi fácil. As duas trancas eramdiferentes e ela teve de fazer sutis alterações em duas chaves mestrasdistintas para conseguir destrancá-las.

Mas, por fim, a segunda tranca fez um satisfatório clique.A prova de fogo, sem janelas e meticulosamente organizada, a

sala que se revelou era uma verdadeira caverna de Aladim — não dejoias e moedas, mas de informação.

Manish, o Magnífico tinha razão. Maharaj Swami — Aman naencarnação passada — era um colecionador obsessivo. Empilhadosnas prateleiras ao longo das duas paredes estavam arquivos e caixasde metal. A sala era um depósito de lembranças coletadas desde ajuventude.

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Era como ler uma autobiografia.Todos os acessórios que Aman usara desde a adolescência até os

vinte e poucos anos quando viajava como mágico de rua estavam lá— velhos e empoeirados cestos de vime, espadas de alumínio e umacama de pregos. Havia garrafas com substâncias químicas, algumascom os rótulos ainda legíveis: “Permanganato de potássio”,“Glicerina”, “Fósforo amarelo”. E Cosmética encontrou fotografiastiradas do guru apresentando-se para turistas em frente ao Taj Mahalquando ele não tinha mais que 17 anos — magrelo e com bigodesralos, terno dois números menor.

Aman, evidentemente, viajara de norte a sul da Índia. E então,aos 27 anos, ele deixara o país. Em uma caixa marcada com as letras“EUA” ela descobriu cartões-postais, canhotos de tíquetes, brochurase um diário que detalhava suas viagens. Longe de estar em umacaverna atingindo o nirvana, como ele alegava, Maharaj Swami forapara Las Vegas, onde ganhara quase nove mil dólares no blackjack eassistira ao show de David Copperfield!

“Para Aman, com amor, David”, era a dedicatória rabiscada comcaneta marca-texto no brilhante retrato do Sr. Copperfield. Preso àfotografia estava o misturador de drinques rosa em forma deflamingo que enfeitara o chá gelado Long Island que ele bebera noCaesars Palace depois do show.

Depois dos Estados Unidos, Aman cruzara a Europa, a Rússia e oExtremo Oriente atrás dos grandes mágicos do mundo e trabalhandopara alguns deles como assistente.

Por fim, aos 34 anos, retornou à Índia e se dedicou por dois anosa dominar a ioga. Foi nessa época que ele acabara por conhecer ohomem do sherwani preto. Seu nome, de acordo com o diário deAman daquele período, era Vivek Swaroop, e ele era graduado pelaEscola de Administração de Harvard. Quando se encontraram pelaprimeira vez, ele trabalhava para outro guru de sucessointernacional em Poona, fazendo o marketing de seus livros e

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produtos de saúde, bem como administrando seu ashram, querecebia turistas ocidentais em busca de espiritualidade.

Aman e Swaroop uniram forças e, um ano depois, MaharajSwami emergira de seus longos anos de isolamento no alto doHimalaia para fundar a Morada do Amor Eterno em Haridwar.

A sala estava bem equipada com acessórios comuns de que eleprecisava para ser um bem-sucedido profissional do milagre: pedraspreciosas que alegava tirar do estômago; pontas de dedões falsasdentro das quais ele escondia cápsulas concentradas de vibhuti —,tabletes de cânfora que queimavam inofensivamente sobre a pele oua língua.

Em uma das caixas de metal Cosmética encontrou uma coleçãode cadernos nos quais Aman fazia meticulosas anotações sobre comoseus ilusionismos eram forjados. Havia muitas páginas ilustrandocomo ele levitava no salão de darshan (como ela suspeitara, ele sesentava em um carrinho de plástico transparente; este, por sua vez,era colocado sobre a plataforma do elevador hidráulico). E eladescobriu diagramas relacionados a novos milagres que ele aindaestava desenvolvendo. O mais ambicioso envolvia produzir centenasde peixes a partir de um único espécime. Ele também estavatrabalhando na ideia de andar sobre a água.

Cosmética não conseguiu encontrar nenhuma referência sobre ailusão de Kali, mas havia um arquivo sobre o Dr. Suresh Jha. Muitasdas informações contidas tinham sido coletadas nos últimos anospor um detetive particular de Déli, um dos concorrentes de Puri.Dados bancários, nomes e endereços de parentes, uma pequenabiografia de sua secretária, a Sra. Ruchi, e até fotografias do Clube doRiso tiradas por uma teleobjetiva. Havia transcrições de conversastelefônicas, o que indicava que as linhas do DIRE haviam sidogrampeadas, e um dossiê especial sobre as pessoas com quem oCaçador de Gurus conversara durante suas investigações sobre amorte de Manika Gill. Uma carta para Vivek Swaroop, marcada

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como confidencial e datada do mês anterior, alertava que Jha reunira“considerável quantidade de informações” sobre o caso e estavaplanejando entrar com uma “petição junto à Suprema Corte parapedir uma investigação de homicídio”.

Cosmética devolveu o arquivo à prateleira e avistou algunsequipamentos de vídeo no fundo da sala: um gravador e ummonitor. Estes, ela logo descobriu, estavam ligados a um sistema decâmeras escondidas na sala de audiências de Swami-ji. Um armáriocontinha uma coleção de minifitas de vídeo.

“Manika” estava escrito em uma das fitas com a data de dois diasantes de sua morte. As fitas de Damayanti ocupavam uma prateleiratoda.

Não havia tempo para ver nenhuma delas; eram quase 4h30. Elaficara ali mais tempo do que planejara. Então, Cosmética pegou a fitade Manika e uma das de Damayanti e saiu de lá.

No momento em que abriu a porta à prova de fogo — e,aparentemente, de som — soube que estava em apuros.

A sala de audiência de Maharaj Swami pulsava com um barulhoensurdecedor.

O helicóptero retornara.A luz se acendeu no hall de entrada.Vozes.Colocando as fitas no elástico da calcinha, ela saiu pela porta

secreta, recolocou o chappal e se apressou pela passagemsubterrânea.

Ela havia percorrido apenas uns 10 metros quando as luzes doteto da passagem foram acesas.

Passos.Ela saiu em disparada.Chegando à saída do salão de darshan, Cosmética pulou pelas

escadas e empurrou o alçapão.

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De pé, no palco, com um revólver apontado para ela, estavaVivek Swaroop, o homem do sherwani preto.

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capítulo 20

— POR FAVOR NÃO ME MATE! Eu só queria ver Swami-ji de novo. Eujuro!

Cosmética exagerou na cara de terror.— Ele disse que quando eu estivesse, tipo, pronta, deveria ir até

ele, e aí eu ouvi essa voz chamando no meu sonho... Eu sei que nãodeveria estar aqui, mas não consegui me controlar...

Vivek Swaroop, ainda apontando o revólver para ela, disse comforte sotaque de camponês indiano:

— Suponho que, nesse sonho que você teve, Swami-ji lhe contouonde encontrar esse alçapão e como chegar aos aposentos, nãocontou?

— Isso mesmo! — confirmou ela, parecendo aliviada. — Ele medisse exatamente por onde vir! Foi assim que vim! Veja, eu...

— Chega! — cortou ele, furioso. — Pode parar com toda essabobagem espiritual. Sou imune a isso. Quero saber o que você estavafazendo lá embaixo nos túneis e nos aposentos privados.

— Mas eu já disse! — falou Cosmética, toda inocente. — Swami-jiprometeu limpar meus chacras.

— Se é assim, então o que você está fazendo com isso? — ele deuum passo para a frente e arrancou o pingente om de seu pescoço. —Eu tenho um igualzinho. Eles vendem no aeroporto.

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Pegando uma ponta com os dentes, ele puxou a outra parte pararevelar o pendrive.

— Não sei por que, mas duvido que Swami-ji tenha dado isso avocê.

Swaroop deixou ambas as partes do pingente caírem no palco eas esmagou com o salto do sapato. Então, com o revólverpressionado contra a têmpora de Cosmética, ele a revistou, eencontrou as fitas.

— Eu já tinha avisado a ele sobre isso acabar em mãos erradas —disse, pisoteando as fitas. — Mas ele não me ouve. Esse é o problemados gurus. Eles acabam acreditando que são infalíveis, como serealmente tivessem poderes sobrenaturais.

Ele engatilhou o revólver.— Agora, madame — continuou ele —, vou lhe perguntar pela

última vez: qual é a sua?Os olhos de Cosmética se apertaram e ela o olhou com desprezo.— Sou agente do CBI — disse ela.— Ah, por favor! — A voz de Swaroop era de zombaria. — O CBI

não se atreveria a colocar os pés aqui. Além disso, os agentes nãoficam dando uma de James Bond. Eles tocam a campainha commandados de busca.

— Trabalho em uma divisão especial — disse ela. — É secreta,acabou de ser criada. Estamos investigando gurus corruptos. Vocêsnão devem ter ouvido falar de nós.

Swaroop olhou Cosmética com desconfiança.— Meus colegas sabem exatamente onde estou — acrescentou

ela, com uma voz calma e firme. — Eles estão lá fora. E se você nãoquiser somar sequestro às acusações de estupro, lavagem dedinheiro e assassinato que vocês estão enfrentando, é melhor medeixar ir embora.

Um lento sorriso se formou no rosto do homem.

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— Você é realmente muito boa, sabia? Por um momento, quaseme pegou.

— Estou lhe dizendo a verdade. — Cosmética olhava-odiretamente nos olhos. — O endereço do nosso escritório é primeiroandar, bloco 4, complexo CGO, Lodhi Road, Déli, código de área110003. Meu chefe é R. K. Narendra. Se atirar em mim, eu garantoque você será enforcado por isso depois.

Swaroop virou a cabeça para a direita, mantendo um olho emCosmética.

— O que você acha? — perguntou sobre os ombros.Maharaj Swami saiu da sombra de trás do palco. Seus olhos

estavam frios, sua face, sem expressão.— Leve-a para o rio — foi tudo o que ele disse antes de descer

pelo alçapão.Swaroop sorriu.— Você ouviu o guru. Vamos lá. — Ele a conduziu com o

revólver apontado, para a frente do palco. — Mantenha suas mãosonde eu possa vê-las.

Logo eles chegaram do lado de fora, onde ainda estava escuro.Em lenta procissão, caminharam até o fundo do gramado e passarampelo portão que levava até o caminho na beira do rio.

— Atirar em mim não vai resolver nada — disse Cosmética.— Atirar não era o que eu tinha em mente, mas, não me leve a

mal, vou atirar se for necessário — disse Swaroop. — Uma balasempre exige muitas explicações. Já um escorregão do barranco noescuro, bem, isso acontece de vez em quando, na! Especialmenteaqui. Muito estreito e traiçoeiro, aquele caminho logo adiante.Alguém realmente deveria colocar uma placa alertando as pessoas.

— Foi isso o que aconteceu com Manika Gill? — perguntouCosmética. — Ela sofreu um desses acidentes.

— Manika Gill, Manika Gill — disse Swaroop, remoendo o nome.— Ah, ela. Não me diga que é isso que você está investigando. — Ele

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parecia desapontado.— Aman a seduziu, não foi? Ela contou aos pais, então vocês a

mataram.— Cale a boca e continue andando.— Aman só escolhe aquelas cujos pais são devotos fervorosos,

não é? Ele deve se dar bem com isso. Sabe que suas vítimas vão ficarcom medo de contar aos pais. Que sensação de poder isso deve lhedar.

Swaroop deu um empurrão em Cosmética, que tropeçou.— Você mesmo trouxe Manika aqui e a afogou? — perguntou

ela, recuperando o equilíbrio.— Nem foi preciso. A coitadinha da Manika estava com tanto

medo que se jogou na água sozinha. — Ele deixou escapar umarisadinha psicótica. — Suponho que você não esteja preparada parame poupar o trabalho e fazer o mesmo, não é? Uma nota de suicídiotambém seria muito útil: “Adeus, mundo cruel!”

Cosmética andava em silêncio. Eles chegaram à beira dobarranco. Lá embaixo as águas do Ganges batiam e respingavamsobre as rochas e os pedregulhos. Ela se virou para encará-lo.

— Última chance — disse ele, empunhando o revólver. — Mediga para quem você trabalha.

— Tudo bem, tudo bem, você venceu! — disse ela, olhando decanto de olho para o precipício. Cosmética parecia amedrontada pelaprimeira vez. — Eu trabalho para um detetive particular. Estamosinvestigando o assassinato do Dr. Suresh Jha.

— Então é isso! — Swaroop balançou a cabeça, como se estivessecom pena. — Eu devia ter desconfiado. E qual é o nome dessedetetive particular para quem você trabalha?

Cosmética não respondeu.Ele deu um passo para a frente.— E então?Nesse exato momento um graveto estalou atrás dele.

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Na fração de segundo em que Swaroop se distraiu, Cosméticaatacou, dando um chute na mão dele e outro no joelho.

Ele cambaleou e caiu de costas no chão, disparando um tiro noar.

— Vadia!Cosmética passou por ele e correu na direção de Descarga, que

vinha tentando surpreender Swaroop.— Corra! — gritou ela.Juntos, os dois agentes correram de volta pelo caminho.Três tiros zuniram sobre suas cabeças. Os estampidos ecoaram

pelos barrancos, mal encobrindo os xingamentos do perseguidor.— Volte aqui! Eu vou matar você, sua vadia!Eles fizeram uma curva no caminho e Cosmética parou. Pegando

um galho, ela sinalizou para Descarga se esconder atrás de umamoita e se preparou.

Sua tacada de beisebol não podia ter sido melhor. PegouSwaroop bem no rosto, mandando-o para o chão, ensanguentado einconsciente.

— Isso foi incrível! — disse Descarga, admirado, enquantoCosmética chutava o revólver para o matagal.

— Poupe os cumprimentos. Vamos embora.

Quando eles passaram pelo portão e entraram de novo noashram, o sol estava nascendo e os devotos começavam a seencaminhar em silêncio para o gazebo. Os dois agentes respondiamaos cumprimentos e sorrisos, andando devagar a caminho do salãode darshan.

Com o canto dos olhos, Cosmética viu Maharaj Swami saindo darecepção.

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Vendo-a no mesmo instante, ele se virou para um dos devotosque o acompanhavam e apontou na direção dos agentes.

— Rápido! — Cosmética apressou Descarga, agarrando seubraço. — Eles estão vindo.

Eles correram para o estacionamento sob os olhares de devotosperplexos e abriram passagem pelos choiukidars de plantão naentrada principal.

Um ônibus local para Haridwar estava passando pela estradabem na hora e eles pularam a bordo.

Olhando pela janela de trás do ônibus que arrancava, Cosméticaviu os perseguidores correndo, gritando para o motorista parar, massendo deixados para trás.

— É melhor a gente descer no próximo bazar — sugeriu ela. —Vamos trocar de roupa e alugar um carro.

Eles demoraram um minuto para recuperar o fôlego. E entãoDescarga disse:

— Eu estava esperando você ao lado do alojamento às cinco,como você havia combinado, mas o helicóptero pousou e eu tive queme esconder. Quem era aquele louco com a arma?

— O braço direito de Maharaj Swami — explicou Cosmética.Ela se pôs a descrever, sussurrando, o que descobrira nos

aposentos do guru.— Mas Swaroop estraçalhou o pendrive e as fitas, então não

temos mais nada.Descarga sorriu.— Tenha fé — disse ele.

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capítulo 21

RUMPI DESPERTOU ÀS CINCO DA MANHÃ no dia seguinte. Deu umaolhada em Jaiya, que ainda dormia pesadamente em seu quarto, edesceu a escada para preparar o copo de água quente com suco delimão e sal preto que era parte essencial de seus ritos matinais.

As fotos do godh bharai haviam chegado da loja na tarde anteriore por uns momentos ela ficou sentada na mesa da cozinha olhando-as de novo, com um sorriso de satisfação. Monika veio dadependência de empregados para se juntar a ela, viu as fotografiastambém, riu de alguma coisa engraçada que alguém havia feito oudito durante o chá de bebê e começou a fazer o chá. Enquanto o leite,os cardamomos e as folhas pretas de darjeeling ferviam, ela falavacom entusiasmo sobre o filme de Saif Ali Khan a que assistira na noiteanterior. É claro que o enredo se revelou bem confuso e que o atortinha tirado a camisa em quase todas as oportunidades.

Rumpi ligou o rádio e ouviu as manchetes da All India Radio,enquanto começava a preparar aloo paranthas, os favoritos de Jaiya.

Primeiro, ela colocou jeera, pimenta e açafrão em pó na aloofervente, e misturou o a�a em uma vasilha com um pouco de águaaté fazer uma massa. Depois, enquanto Monika passava pano nochão, Rumpi aqueceu a tava e tirou o ghee da geladeira.

Frequentemente, a mulher de Puri percebia que pensava melhorenquanto cozinhava. Ela nunca entendera completamente a razão —

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havia algo de relaxante e até mesmo terapêutico no ato de fazercomida —, mas, com frequência, quando estava picando gengibre oumexendo o paalak paneer, um nome que ela não conseguia recordarde repente lhe vinha à cabeça, ou a solução de um problemamilagrosamente borbulhava na superfície.

Nesta manhã, foi o ato de fazer bolinhas de massa, recheá-lascom batata e deixá-las em formas de disquinhos o que a levou — nãoimediatamente, deve-se dizer — a identificar o plano por trás doassalto à ki�y party.

Quando esse momento eureca chegou, Rumpi parou o que estavafazendo, lavou as mãos rapidamente, pediu a Monika para acabar defazer o café da manhã e correu para o telefone.

Primeiro ligou para Arti, do salão de beleza, e pediu o número dotelefone de Uma, dizendo que precisava lhe perguntar algo sobreuma receita.

Rumpi demorou mais de cinco minutos para conseguir tirar Artida linha. Depois ligou para a esteticista.

— Uma? É você? Aqui é madame Puri. Alô? Alô? Você está meouvindo? — Ela teve de aumentar o tom de voz. — Eu disse queaqui é madame Puri. Sim, isso mesmo. Bom dia. Desculpe ligar tãocedo. Me diga, você chega ao trabalho a que horas? Alô? Alô?

Praticamente gritando agora:— Uma? A que horas você vai chegar ao trabalho, exatamente? É

seu dia de folga? Entendo. Na verdade, aconteceu uma coisaimportante. Você vai ficar em casa? Qual é seu endereço, Uma,preciso falar com você. Não, não, nada ruim, eu juro. É uma coisaque quero lhe perguntar. Vou tomar só cinco minutos do seutempo...

Em seguida Rumpi ligou para a sogra.

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No dia anterior, Mama-ji, que se recusara a desistir dainvestigação, passara a tarde seguindo Lily Arora pela cidade.

A anfitriã da ki�y party almoçara com um lindo jovem que usavasapatos caros e a levara para uma luxuosa casa de campo emNajafgarh, onde os dois passaram algumas horas.

Sapatos Caros era, na verdade, o organizador de eventos queestava ajudando Lily Arora a planejar a festa surpresa do aniversáriode 60 anos do marido dela. A quantia de dinheiro que ela estavagastando era muito maior que a soma roubada, e mamãe concluíraque era praticamente impossível que os Arora estivessem passandopor algum tipo de dificuldade financeira.

— Tem algo em que não prestamos atenção — dissera mamãe aRumpi na noite anterior. — Alguma senhora está escondendoalguma coisa, disso eu tenho certeza.

Rumpi relembrara à sogra que não estava mais envolvida nainvestigação.

Agora ela tinha que voltar atrás.— Eu acho que sei quem é — disse ela. — Na noite passada, eu

estava vendo TV e tinha essa história de um consultor que fazauditoria em muitas empresas grandes e foi acusado de lucrar cominformações privilegiadas. Aí, hoje de manhã, uma coisa que Umatinha me contado de repente deu um clique.

— Aconteceu enquanto você cozinhava, não é? — perguntoumamãe.

— Enquanto eu estava preparando paranthas.— É sempre assim.

Uma morava em Chhatarpur, um vasto labirinto de prédios detrês andares. Embora “finalizados” nos últimos três anos, elespareciam pela metade: tijolos à vista, esquadrias de janelas ausentes,

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blocos de concreto soltos em vez de degraus para se chegar aentradas inexistentes. O calor, a umidade, a poluição e as chuvas demonções, junto com marcas de paan cuspidas e urina nas paredes,também cooperavam para os prédios parecerem 20 anos maisvelhos.

Por 250 rupias ao mês, quase metade de seu salário, Uma alugavaum pequeno apartamento de três cômodos. A sala — três metros decomprimento — virara um quarto para o marido, ela e os três filhos.A cozinha, da metade do tamanho da sala, era composta por umfogão de duas bocas e uma geladeira que ficava desligada porque ofornecimento de energia era muito caro e esporádico. Havia,também, um banheiro e uma pequena área de serviço, mas a águatinha de ser apanhada em um poço na rua, que era compartilhadopor três prédios — e 27 famílias ao todo.

Os cômodos, porém, eram limpos, com a TV carinhosamenteenrolada em um pedaço de tecido para protegê-la da poeira, e oscalçados da família empilhados em uma prateleira perto da porta.

Um armário de metal e portas de vidro guardava algumas efígiese os livros escolares das três crianças. O lugar de honra pertencia aoaparelho de chá chinês, um presente de Diwali de uma cliente suíçaque frequentara o Salão de Beleza da Arti por muitos anos.

Quando mamãe e Rumpi se apertaram para se sentar no sofá dedois lugares, Uma retirou cuidadosamente o jogo de chá,embalando-o nos braços, e o levou para a cozinha.

Quando voltou, o bule estava soltando vapor, e ela encheu trêsxícaras de chai quente com leite. Um prato de biscoitos também foiposto na pequena mesa de centro.

Uma se sentou em um banco, pedindo todos os tipos dedesculpas por não ter nada mais substancial para servir, por nãopoder acomodá-las em algum móvel mais confortável e pelo calorque fazia (a família dependia de um ventilador de teto, que, aindabem, estava ligado).

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Percebendo o constrangimento e o embaraço de Uma ao ter dereceber duas visitas importantes, Rumpi e mamãe tentaram acalmá-la, admirando as xícaras e os pires, elogiando o chá e repetindo queelas é que deveriam pedir desculpas por incomodá-la em pleno diade folga.

O bate-papo continuou. Onde estavam as crianças? Na escola.Aquela ali na foto era Doll? Sim, ela já está com nove anos, muitoesperta; recentemente, foi a melhor da turma de inglês. Como está orestante da família? Todo mundo vai bem. E o trabalho? Vai indo.

Mas Uma não estava à vontade, nem falante, como de costume.As clientes nunca iam visitá-la em casa. Devia ser um assunto sériopara que duas delas aparecessem assim, de repente.

— Madame, fiquei muito surpresa quando recebi sua ligação hojecedo — disse ela em híndi, com uma risada nervosa, enchendo asxícaras novamente.

— Vim visitá-la porque acredito que você possa nos ajudar —respondeu Rumpi.

— É claro, se eu puder fazer qualquer coisa...— Nós precisamos de algumas informações — disse mamãe em

híndi. — É sobre uma de suas clientes.— Uma, antes de perguntarmos, eu quero que você saiba que

tudo que nos disser vai permanecer — e aqui ela passou para oinglês — confidencial — completou Rumpi. — Nós nunca vamosrevelar que você é nossa fonte de informações. Por favor, entendaque não queremos lhe causar problemas. Você pode confiar em nós.

— Nossos lábios ficarão totalmente selados — acrescentoumamãe, em inglês.

Nesse momento a esteticista parecia extremamente preocupada.— Alguém reclamou de mim?— Não, não, nada disso — disse mamãe, com um sorriso

tranquilizador. — Todas estão muito satisfeitas com seu trabalho.

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Os olhos de Uma se arregalaram, como se um pensamento derepente lhe tivesse ocorrido.

— Então deve ser ela! — declarou. — Agora eu entendo. Bem,não me importo em dizer, porque todo mundo está falando a mesmacoisa. Que ela está por trás de tudo. Vocês estão falando sobre oassalto à ki�y, não estão?

— Sim, mas...— Arti disse que achou estranho ela ter todo aquele dinheiro na

bolsa. Notas grandes e tudo.— Quem? — perguntou Rumpi.Antes que Uma pudesse responder, houve uma forte batida na

porta e uma voz grossa de homem disse:— Abra logo! Eu tô com fome!— Meu marido — disse Uma, desculpando-se, enquanto

levantava do tamborete. — Ele está trabalhando como segurançanoturno. Sai do serviço às sete horas.

A esteticista abriu uma fresta da porta, explicou, com umsussurro, que estava com visitas e disse para ele ir tomar café damanhã no dhaba.

Rumpi viu de relance seu rosto perturbado e seus olhosremelentos, e então a porta se fechou.

— Lamento muito — disse Uma.— Não havia razão para mandá-lo embora — disse Rumpi. — O

pobre homem deve estar cansado e precisa dormir.— Oh, não se preocupe com ele — disse ela, virando os olhos. —

Tenho certeza de que ele dormiu bastante a noite passada. — Umaofereceu os biscoitos. — Agora, onde estávamos?

— Você estava dizendo que achava que sabia quem está por trásdo assalto — disse mamãe.

— Ah, sim, madame Bansal. Mas o que vai acontecer com ela?Vocês vão chamar a polícia?

— Uma, a Sra. Bansal não tem nada a ver com o assalto.

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— Tem certeza, madame?— Absoluta — disse mamãe, em inglês.A esteticista pareceu desapontada.— Então, o que vocês querem conversar comigo?— Sobre o seu negócio de ações — respondeu Rumpi. — Acho

que uma das senhoras está lhe dando dicas sobre o mercado deações. Ou talvez você a tenha ouvido falar no celular sobre isso. Deum jeito ou de outro, você tem se dado muito bem nisso. E quem vailhe culpar? Acredite em mim, eu faria o mesmo. Mas, enquanto vocêfoi cautelosa e não apostou todo o seu dinheiro, a ganância seapoderou de sua cliente. Ela tinha ações da InfoSoft, e devia ter umaboa quantia delas, mas, como você me contou da última vez, acompanhia faliu recentemente.

Rumpi tomou um gole de chá. Uma não conseguia se decidirpara onde olhar.

— A senhora em questão é casada com um consultor importante,ele faz auditorias em muitas grandes corporações, incluindo aInfoSoft, como confirmei esta manhã — continuou a esposa de Puri.— Desse modo, ela conseguia informações de bastidores com omarido, sem que ele soubesse, provavelmente. Talvez ele deixe seuspapéis pela casa ou fale dormindo. Quem sabe? O ponto é que,depois de essa senhora ter perdido muito dinheiro, ela não podiachegar para o marido e confessar. Ela tinha de achar outro jeito decobrir suas perdas, sem que ninguém soubesse.

Houve um breve silêncio.— Agora, Uma, eu vou dizer o nome dessa senhora e, se eu

estiver certa e for mesmo ela quem está lhe dando dicas, eu gostariaque você fizesse que sim com a cabeça.

Rumpi falou o nome da mulher em questão, mas a esteticista nãoconfirmou nem negou sua teoria. Ela ficou sentada, fitando a paredeem silêncio aturdido, como se algo terrível acabasse de lhe acontecer.

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capítulo 22

PURI CHEGOU AO BANGALÔ DO DIRE, em Nizanuddin West, às 10. Erao mais cedo que ele poderia esperar que a Sra. Ruchi chegasse paratrabalhar em tais circunstâncias.

Ela atendeu à porta com o rosto cheio de lágrimas e o narizvermelho.

Diferentemente de sua notável atuação na última quarta-feira,sua dor, hoje, era genuína.

— Eles já chegaram? — perguntou o detetive, que lhe dera asterríveis notícias da noite anterior por telefone.

— Todos estão presentes — disse ela em voz triste e baixa.Os olhos de Puri demoraram alguns instantes para se acostumar

à fraca iluminação interior.Na recepção, ele agradeceu por ver os três jovens a quem havia

chamado.Todos com vinte e poucos anos, magros, desengonçados,

modestamente vestidos e visivelmente honestos, também elescarregavam o choque do assassinato do mentor nos olhos e asmarcas da angústia nos rostos.

O mais alto do trio foi o primeiro a falar. Seu nome era Rupin,estudante de filosofia na Universidade Jawaharlal Nehru.

— Foi você quem fez o papel de Kali, não foi? — tentouadivinhar Puri.

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— Sim, Sir, foi uma honra — respondeu ele com óbvio orgulho,em respeitosa pose, com as mãos juntas em frente ao corpo.

— E um de vocês fez o papel de sorveteiro?— Esta era minha tarefa — disse o mais novo, apresentando-se

como Peter. — Nosso colega Samir ficou na cobertura. Ele esperou àdistância, para o caso de algo dar errado.

Como Rupin pôs-se a explicar, eles eram voluntários do DIRE e,durante os últimos anos, haviam viajado muito com o Dr. Jha paracidadezinhas e vilarejos da Índia rural para participar das “oficinasde conscientização”, que visavam educar o povo sobre comosupostos milagres eram feitos. Isso envolvia o domínio de umrepertório de truques de mágica.

— Eu sei comer lâmpadas e colocar as mãos em óleo fervente —explicou Peter.

— E eu poderia lhe mostrar como atravessar uma espada pelasua bochecha — ofereceu-se Samir.

Puri podia ver por que o Dr. Jha escolhera aqueles jovensidealistas para ajudar a encenar a ilusão de Kali. Eles eram espertos,confiantes e fervorosamente dedicados à causa. O racionalismovirara algo parecido a uma religião para eles. Dava-lhes propósito,estrutura e filosofia, e sem todos os sinos, incensos e sangue virandovinho.

O detetive pediu para que eles se sentassem e puxou umacadeira.

— Vamos ter que deixar a espada na bochecha para outra hora —disse ele. — Por enquanto, é fundamental que vocês me contem tudoo que aconteceu naquele dia, inclusive como o milagre foi forjado.Deve haver alguma pista que nos leve até o assassino.

— Sir, nós estamos dispostos a cooperar de todas as maneiras —disse Rupin, entusiasmado.

— Nós daríamos nossas vidas três vezes seguidas para ver oassassino enfrentar a justiça! — completou Peter.

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— Muito bom — disse Puri. — Agora, a primeira coisa que querosaber: quando o Dr. Jha estava planejando contar ao mundo que eleestava são e salvo?

— Hoje — respondeu Rupin.— Por que ele esperaria quase uma semana?— Para maximizar a cobertura da mídia.— Era quando vocês planejavam liberar o vídeo amador, não

era?O trio trocou olhares perplexos.— Vídeo amador, Sir? — perguntou Rupin, com uma careta.— Vamos, não queremos perder tempo, queremos? —

repreendeu o detetive. — Na minha investigação, descobri que vocêsfizeram um vídeo amador de todo o ilusionismo.

Houve um silêncio breve e constrangido, e então Peter disse:— Como o senhor pode saber? Apenas Sir — ele se referia ao Dr.

Jha — e nós quatro presentes nesta sala estávamos envolvidos.— Eu sou detetive há muitos anos, é assim que posso saber —

rebateu Puri, com orgulho.Essa explicação não satisfez a equipe do DIRE, e Puri teve que

elaborar uma melhor.— Primeiramente, alguns buracos foram cavados na árvore

adjacente à cena do crime — disse ele. — Obviamente, algumsuporte foi preso ali. Para quê? Ontem à tarde, quando somei doismais dois e entendi que o Dr. Jha tinha simulado a própria morte, euconcluí que uma câmera de vídeo tinha sido instalada no suportepara gravar o evento. Além disso, um sujeito esteve presente novelório do Dr. Jha, também com o propósito de filmar oacontecimento. Esse sujeito era você, Samir.

Ele continuou:— A intenção do Dr. Jha era mostrar esse vídeo amador na TV

para o mundo todo e reaparecer Vivinho da Silva como prova de que

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o homicídio era uma fraude. Assim ele esperava chamar a atençãopara sua causa.

Rupin, Peter e Samir não disseram nada; seus olhos pediam ajudaà Sra. Ruchi.

Ela estava em pé ao lado deles, agarrando um lenço úmido com oqual continuava enxugando as lágrimas.

— Sr. Puri, Sir, por favor, entenda uma coisa — disse ela. — Omaterial do vídeo está guardado à chave. O Dr. Jha deu instruçõesestritas para que as fitas não fossem tocadas, para evitar que fossemdanificadas ou perdidas. Não posso liberá-las para o senhor.

— Onde ele as guardou?Ela hesitou.— Elas estão trancadas em um lugar.— Onde exatamente? — pressionou ele.— Por favor, entenda, Sir. Ele as confiou a mim, e eu devo honrar

seu pedido.— A senhora quer que as fitas continuem inéditas, é isso?— Sir, nós ainda não tivemos a oportunidade de discutir como

proceder. Eu precisaria consultar a Sra. Jha, e ela está totalmenteindisposta nesse momento.

— Vamos lá, Sra. Ruchi — disse Puri, gentil mas firmemente. —Não há dúvida de que o Dr. Jha queria que essas fitas fossemmostradas à mídia, conforme planejado. Minha sugestão é que vocêsdeveriam prosseguir com o plano nos próximos dias. Enquanto isso,permitam-me ver a gravação. Eu lhes asseguro, com a mão nocoração e pela vida de minha Mama-ji também, que manterei suaexistência e seu paradeiro totalmente confidenciais. Nenhuma outraalma vai ficar sabendo.

A equipe do DIRE se juntou para discutir a proposta.

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Dez minutos depois, Puri estava sentado na sala do Dr. Jha, emfrente a uma TV e a um videocassete.

— Sir, o plano da operação começou há um ano — explicouRupin, antes de colocar a primeira fita. — Levou meses depreparação e pesquisa para funcionar. Como mágicos ou gurus,tivemos que treinar o ilusionismo muitas e muitas vezes paragarantir que era crível e que funcionava perfeitamente. Todas aspessoas deveriam ser levadas a acreditar que haviam presenciadouma verdadeira aparição.

— O senhor vê, Sir — acrescentou a Sra. Ruchi, que estava em pécom os outros, atrás de Puri —, o Dr. Jha estava planejando seaposentar no mês que vem. Mas, antes de se retirar da vida pública,ele queria encenar um acontecimento espetacular, algo que ganhariaa atenção de toda a Índia. Sua ideia era fazer com que os canais detelevisão trabalhassem para a nossa causa, pelo menos desta vez, emlugar de cooperar com os gurus e os falsos milagreiros.

A primeira sequência mostrava Rupin vestindo uma fantasia deKali: capa preta, uma peruca horrível sob uma coroa de crânioshumanos e uma máscara assustadora com sua comprida línguavermelha. O voluntário também envergava um par de braços extras,que funcionavam de modo mecânico, aparentemente por vontadeprópria. Uma das mãos falsas segurava uma cabeça de látex, comseu pescoço ensanguentado e seus olhos esbugalhados.

O Dr. Jha apareceu na tela, sorrindo e cantarolando, enquantocronometrava o tempo que Rupin levava para tirar toda aparafernália.

A visão do mentor fez com que todos ficassem em silêncio. A Sra.Ruchi começou a soluçar de novo.

“Você vai ter 20 segundos para tirar os braços”, dizia o Caçadorde Gurus.

Na sequência seguinte, Rupin atava um aparelho para distorcer avoz e um miniamplificador em volta do pescoço.

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O filme cortava abruptamente para Peter em pé ao lado de umcarrinho de sorvete. A câmera revelava que fora preparado. Aslaterais eram removíveis e havia dois compartimentos internos.

— Um deles contém o cilindro de dióxido de carbono líquido euma máquina de fumaça cenográfica — explicou Samir.

— E o outro?— Já chegaremos nessa parte, Sir — disse a Sra. Ruchi.Seguiram-se imagens de Rupin usando parafina para soltar fogo

pela boca e depois uma sequência na qual ele e o Dr. Jha ensaiavamo momento da morte, usando uma espada cenográfica cuja lâmina serecolhia.

— Isto foi comprado nos Estados Unidos — explicou Rupin. —Hoje em dia, esses truques e acessórios podem ser comprados viainternet. Nós sempre cruzamos com “gurus” viajantes usando essascoisas. Recentemente, vimos um faquir que fazia moedas flutuaremno ar. Ele estava usando um kit de mágica vendido por um mágicoamericano chamado Kris Nevling.

Outra fita foi inserida no aparelho. Uma tomada estática do localonde o ilusionismo fora feito apareceu — evidentemente, aperspectiva da câmera instalada na árvore. Não havia ninguém noquadro, os membros do Clube do Riso não tinham chegado. Algunscorvos saltitavam em primeiro plano. Um cachorro vadio quepasseava lá atrás parou e bocejou. Mais além, o Rajpath, envolto emnévoa. O horário da gravação era 5h43.

— Sir, a câmera foi escondida dentro de um ninho de passarinhoe fixada na lateral da árvore com um suporte — explicou Rupin. —Nós a colocamos lá na noite anterior. Ela mandava um sinal para ogravador. Este, por sua vez, estava dentro do carro do Dr. Jha, noPortão da Índia.

As 5h55 o professor Pandey apareceu, sorrindo, como sempre,junto com Ved Karat. O Sr. Gupta foi o próximo. E, depois, o Sr.

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Sharma. O último a entrar em cena foi o Dr. Jha, que ficou de perfil, àesquerda da câmera.

Às 6h33 todos os membros, exceto o Sr. Sharma, começaram agargalhar descontroladamente da piada de toc-toc do professorPandey.

O detetive perguntou se o gás hilariante havia sido usado.— Não, Sir. O Professor-ji usava o poder da sugestão. Ao longo

de muitos meses, ele condicionara os outros membros do clube arirem sempre que ele ria. Um dos exercícios era chamado Risada doToc-toc.

— E quando a neblina apareceu e tanto o professor Pandeyquanto o Dr. Jha disseram que não podiam mover os pés...

— A mesma coisa, Sir. A insinuação fazia os outros membrospensarem que estavam presos ao chão. Funciona como sugestõespós-hipnóticas.

— Mas com o Sr. Sharma não surtiu efeito.— Era sua primeira vez no Clube do Riso.— Vocês não o esperavam?— Não, Sir.— Vocês devem ter ficado preocupados, achando que ele poderia

arruinar tudo, não?— Não, na verdade, não, Sir. Nós atraímos os vira-latas e eles

cercaram o grupo, impedindo que alguém saísse correndo. Semprehouve a possibilidade de um novo membro aparecer.

— Na verdade, Sir, nós esperávamos que mais membrosaparecessem, talvez outros quatro ou cinco, mas acabou que muitaspessoas estavam viajando ou ocupadas, então o quórum foi baixo —acrescentou Peter.

A fita começou mais uma vez. A neblina se formava no chão.Houve um raio de luz ofuscante, obra de um fogo de artifícioespecial. Sharma caiu para trás e perdeu os óculos. E então Rupin, ouseja, Kali, apareceu, flutuando no ar.

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Não à toa os outros membros haviam sido tão convencidos peloilusionismo, Puri pensou consigo mesmo.

— Quando questionado pela minha pessoa, o professor Pandeynegou que algum magnetismo tivesse sido usado — disse o detetive,depois de pedir para parar a fita. — Mas ontem eu finquei no solomeu fiel canivete suíço e detectei a presença de metais escondidossob o gramado. Agora me digam: como foi feita a levitação?

A pergunta de Puri foi recebida com silêncio e mais olharesinquietos. Por fim, a Sra. Ruchi foi quem respondeu.

— Sir, isto é algo que não podemos revelar no momento. Alevitação foi obra do professor Pandey — insistiu ela em resposta aosprotestos de Puri. — A invenção usada era dele. Os direitos, agora,pertencem à irmã. Ela é quem vai decidir levá-la a público ou não.Nós lhe daremos seu telefone, se quiser.

Ela escreveu o número para ele, enquanto todos assistiam aosúltimos minutos da fita — o grande momento em que a espadaatravessava o peito do Dr. Jha; o segundo flash, no qual Kalidesaparecia; o pandemônio que se seguiu.

— Então, enquanto os outros estavam distraídos, você escapuliu— disse ele a Rupin.

— Sim, Sir — respondeu o voluntário. — Consegui tirar osbraços, as botas e a fantasia em menos de um minuto. Então,fugimos com o carrinho de sorvete, usando o tronco da árvore comocobertura. Naturalmente, meu rosto ainda estava preto, mas isso nãoatraiu nenhuma suspeita. Eu passei facilmente por um catador delixo.

— Você também pegou o ninho de passarinho e a câmera?— Isso nós recolhemos depois, quando a multidão estava

formada.— Ved Karat me contou que tentou sentir a pulsação do Dr. Jha,

mas não havia nada. Como fizeram isso? — perguntou ele.

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— Simples, Sir. — Era Rupin falando mais uma vez. — O Dr. Jhatinha uma bola de golfe amarrada no antebraço. Enquanto fingia queagonizava, ele a esfregou no peito. A pressão reduziu seusbatimentos até que ficassem imperceptíveis. É um velho truque dosgurus. Eles usam isso na ioga, para provar que atingiram estágioselevados.

Puri pediu para a fita ser rebobinada.— Sobre o carrinho de sorvete, vocês disseram que havia dois

compartimentos, mas não contaram o que estava escondido nosegundo.

— Era um pequeno gerador a diesel — respondeu a Sra. Ruchi,hesitante. — Mas...

— Mas, para saber sua função, devo conversar com a irmã doprofessor Pandey, não é?

— Sim, Sir.O detetive aquiesceu.— Por que ninguém ouviu isso? Quer dizer, o gerador. Essas

coisas fazem um baita barulho, não?— Por dois motivos, Sir — Rupin ofereceu-se para explicar. —

Primeiro, o carrinho de sorvete era acusticamente isolado. Segundo,fizemos todos os cachorros latirem, usando um emissor de altafrequência.

— E o que é isso, exatamente?— Um apito para cães, Sir. Causou dor de cabeça em alguns

membros.— E os corvos? Na fita, muitos podem ser vistos voando acima

do grupo.— Eu espalhei alguns pedaços de carne de carneiro no chão —

respondeu Peter. — Atraíram os corvos e os cães. No final, foramtodos devorados.

Puri assistiu ao vídeo mais uma vez. Enquanto assistia, nada emsuas feições indicava que ele havia notado algo significativo.

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— Meus mais sinceros cumprimentos a todos — disse ele aofinal. — Não há dúvida de que o Dr. Jha estava orgulhoso de cadaum de vocês. A operação foi mais que notável em todos os aspectos.Sra. Ruchi, permita-me elogiar seu talento para o teatro. Vish Purinão é facilmente enganado. Mas que performance perfeita a sua...

— Sir, se servir de consolo, o Dr. Jha lamentou terrivelmentegolpeá-lo. Ele achou que era um ladrão. E, mais importante, estavapreocupado com a possibilidade de o senhor desvendar o caso antesdo tempo. Dizia que não há nada que o senhor não descubra.

Puri se inflou de orgulho.— É muita gentileza de sua parte, Sra. Ruchi. E, agora, é melhor

eu partir.

Ele voltou para a recepção, mas parou na entrada.— Na verdade, há uma última coisa — disse ele, virando-se. — A

respeito do professor Pandey. Por que ele se hospedou no ashram deMaharaj Swami mês passado?

— Como soube disso, Sir? — perguntou a Sra. Ruchi.— Eu também tenho meus segredos, não é mesmo? — respondeu

o detetive. — O fato é que chamou minha atenção o professorPandey ter feito uma doação no valor de 50 mil pratas.

— Sim, Sir, ele esteve no ashram em muitas ocasiões, passando-sepor devoto de Maharaj Swami. Ele fez a doação com o intuito deconseguir uma entrevista particular.

— Por que, exatamente?— Sir, os gurus, assim como os mágicos, estão constantemente

criando novos truques para suas performances. Precisamos estar apar dos mais recentes. De vez em quando, o professor Pandeyvisitava ashrams e templos por conta de sua capacidade, comoengenheiro, de entender como certas ilusões e milagres eram

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forjados. A intenção dele era publicar suas descobertas e revelar averdade. Nesse caso, ele foi ver como Maharaj Swami estavaevocando o espírito com o qual ele afirma poder se comunicar.

— E ele descobriu, não foi?— Acredito que a conclusão do professor foi que o guru estava

usando espelhos refletidos um no outro. Mas ele ainda não haviaescrito seu parecer.

O detetive deu um sorriso de satisfação.— Sra. Ruchi, quando esse caso chegar ao fim, eu lhe apresentarei

um indivíduo que vai explicar precisa e exatamente como essetruque é feito — prometeu ele.

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capítulo 23

DE VOLTA AO AMBASSADOR, PURI LIGOU PARA A IRMÃ do professorPandey, apresentando suas condolências e ressaltando a importânciade se encontrarem. Embora de luto e ocupada com as preparaçõesdo velório, ela convidou o detetive para ir à sua residência às 18h.Em seguida, ele telefonou para Ved Karat e pediu para vê-loimediatamente: “Um assunto de grande urgência, realmente.” Oredator de discursos estava em casa, escrevendo a fala do primeiro-ministro para o Dia da Independência, mas disse para o detetive irlogo a seu encontro.

Puri seguiu direto para New Rajendra Nagar. No caminho, ligoupara o inspetor Singh.

— Haan-ji, haan-ji. Então, como estamos progredindo?— Tudo conforme planejado, Sir. — informou Singh. — Em duas

horas anunciaremos que o motorista do professor Pandeysobreviveu aos ferimentos e deve se recuperar totalmente. Euconsegui um quarto particular no St. Stephens. Fica em um corredormovimentado, por onde as pessoas passam a toda hora.

— Perfeito. Meu homem vai chegar aí em uma hora — disse Puri,referindo-se a Lanterna. — Meu palpite é que o assassino vai fazer oque precisa depois de escurecer. Portanto, vou chegar ao St.Stephens às 19h30. Também estará presente, correto?

— Sim, Sir. Tem certeza de que o assassino virá?

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— Ele tem que ir, inspetor. Não pode e não vai deixar que o Dr.Jha tenha chance de identificá-lo. Não é uma questão de saber se oplano vai dar certo ou não, é apenas uma questão de saber paraquem ele vai dar errado.

— E se ele mandar outra pessoa, um matador de aluguel?— Deixemos essa questão para quando ela surgir.— Falando nisso, Sir, fui informado por fontes confiáveis de que

Maharaj Swami esteve em Déli na noite passada — disse Singh.— Ele aterrissou no aeroporto Safdarjung à meia-noite e sete de

ontem. Esta manhã ele retornou a Haridwar. Era de madrugada —disse Puri.

— O senhor o está seguindo?— Infelizmente, isso não é possível. Ele viaja VIP, e com escolta.

Fiquei sabendo ao checar os horários do aeroporto, só isso.— Acha que é ele o nosso homem, Sir?— Inspetor, permita-me afirmar que, por bem ou por mal, Sua

Santidade Maharaj Swami vai parar na cadeia — disse Puri. — Porfavor, prepare suas algemas.

Ved Karat escrevia à mão em cadernos; o chão em volta de suamesa estava repleto de folhas amarelas amassadas.

— Não consegui dormir ontem à noite depois de ouvir a notíciasobre o assassinato do professor Pandey — disse ele, enquanto Purise sentava em uma poltrona de seu escritório. A história dominara onoticiário da manhã. — Onde esse mundo vai parar? Estão dizendona TV que ele foi morto dentro da própria casa, é verdade?

— Sim, Sir.— Terrível! — exclamou Karat. — O que aconteceu com nossa

Dilli? Houve um tempo em que a porta da minha casa ficava aberta24 horas por dia, sete dias por semana. As pessoas chegavam

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quando bem entendiam. Não havia necessidade de seguranças. Mas,e agora? Recentemente, alguns dos meus vizinhos foramassassinados. Marido, mulher e um garoto de 14 anos. Talvez tenhalido nos jornais. Esses crimes terríveis acontecem todos os dias.Nesse caso, uns bawarias arrombaram a casa e mataram todos apauladas. E para quê? Por algumas joias e alguns lakhs que elesguardavam debaixo do colchão. Animais! Pior que isso!

Uma empregada trouxe xícaras de chá e pinnis.— Eu não conhecia pessoa mais calorosa, gentil e dedicada —

continuou Karat, referindo-se ao finado professor. — Sabia quequando tive um infarto ano passado, ele me visitou no hospital todosanto dia? E ele sempre vinha com uma piada para me alegrar. Umcara muito divertido. Estamos organizando uma homenagem noRajpath hoje à noite. Vamos acender umas velas, contar umas piadase dar umas boas risadas. Era disso que ele gostaria. Fiquei sabendoque, mesmo à beira da morte, ele estava rindo consigo mesmo.

— Sim, Sir, eu testemunhei seus últimos momentos, na verdade.— O senhor? O que o senhor estava fazendo lá?— Venho investigando a morte do Dr. Jha.— As duas mortes estão ligadas de algum modo?— Indubitavelmente! Na verdade, esta é a razão para eu estar

aqui. Gostaria de lhe perguntar algumas coisas sobre esse ShivrajSharma. Parece que o conhece, não é?

— Naturalmente, fomos vizinhos por muitos anos, a família delee a minha.

— Teve algum problema com ele?— Pessoalmente, não, mas... — Ved Karat baixou o tom de voz,

como se alguém pudesse escutá-los. — Ele não é o cavalheiro maistolerante do mundo. Sempre reclamava das pessoas que semudavam para o bairro. Era particularmente contra uma famíliamuçulmana que vivia lá. Tentou começar uma campanha paraexpulsá-la. Como não funcionou, ele vendeu a casa e partiu. Ouvi

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dizer que, agora, ele mora em um desses novos bairros de onde asminorias não são explicitamente banidas, mas se acontece de seusobrenome ser Khan, você é enxotado.

— Ficou surpreso ao vê-lo aquela manhã, não ficou?— Muito surpreso. Ele não é o tipo de pessoa que entraria em um

clube do riso.— Ele não é muito dado a risadas — insinuou Puri.— Exato. Ele leva a vida muito a sério.— Tem 100 por cento de certeza de que era intenção de Sharma

fazer parte do clube?Ved Karat pensou por um momento.— Bem, agora que o senhor mencionou, Sr. Puri...Como Puri suspeitara ao assistir ao vídeo amador do DIRE, Ved

Karat identificara o Sr. Sharma dois minutos antes de o Dr. Jha terchegado ao Clube do Riso.

O redator de discursos, primeiro, o avistara e o encarara; depois,seu rosto ganhou uma expressão de reconhecimento.

— Por fim, acenou para ele, não foi? — perguntou Puri.— Sim, acredito que sim — respondeu Karat. — O senhor

certamente fez um minucioso trabalho de reconstituição do crime.— O que ele estava fazendo? Andando em sua direção?— Sim, mas lentamente. Na verdade, agora que estou pensando

nisso, ele parou perto de uma árvore e ficou olhando para nós.— Aí o senhor foi até ele ou o quê?— Eu o cumprimentei, naturalmente, e perguntei se ele não

queria se juntar a nós.— Ele concordou?Mais uma vez, Ved Karat teve de pensar e depois concluiu:— Me pareceu que ele relutou um pouco. Acho que disse algo

sobre ter de voltar para casa. Mas eu insisti.— Por quê?— Achei que ele era uma pessoa que precisava muito de risadas.

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— Ele estava gostando? — perguntou Puri, lembrando-se dasexpressões de dor de Sharma durante os exercícios.

— Nem um pouco. Ele parecia totalmente desconfortável.O detetive assentiu.— Ele falou alguma coisa com o senhor depois?— Nada — disse Karat. — Ficou tão chocado quanto todos nós.Houve uma pausa.— Agora, eu é que tenho uma pergunta — disse Karat. — Por

que tanta suspeita?— Muito provavelmente, não é nada — respondeu Puri. — Só

estou tentando esclarecer os movimentos de cada um. Na minhaprofissão, não pode ficar pedra sobre pedra. Sendo Sharmaarqueólogo, temos isso em comum.

Puri estava faminto — já eram quase 14h. Achando difícil pensarde estômago vazio e sabendo que Rumpi havia enchido sua tiffincom kale channe, um de seus pratos prediletos, ele voltou aoescritório.

Batente, o garoto do chá, esquentou a comida e a levou para amesa do patrão. Comeu sozinho, em silêncio, com um guardanapoenfiado na gola do paletó do terno safári.

Logo depois de terminar o almoço, lavar as mãos, limpar as viasnasais e se recostar na poltrona bebendo uma xícara de chai,começou a refletir sobre os desdobramentos do dia.

O que Sharma andava fazendo no Rajpath às seis da manhã,aparentemente espiando os membros do Clube do Riso?, ele seperguntava.

Puri pegou o arquivo que começara sobre o caso Jha e tirou asfotocópias das ameaças de morte que a Sra. Ruchi lhe dera.

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Será que Sharma as havia mandado a Jha? Será que ele estavaplanejando matá-lo?

Para que o arqueólogo fosse o assassino, ele teria de saber que oCaçador de Gurus simulara a própria morte e, depois, teria de segui-lo até a casa do professor Pandey.

Puri achou difícil imaginar o tão respeitável brâmane pulando,de óculos, o muro e atirando em dois homens a sangue-frio.

Por outro lado, em se tratando de fanáticos e psicóticos, nada eraimpossível.

Puri pegou o celular e ligou para Lanterna, que acabava dechegar ao hospital; pediu que ele mandasse Shashi e Zia seguiremSharma.

— Diga-lhes para revirarem o lixo dele também. Vamos ver o quenosso amigo anda aprontando — instruiu o detetive.

A irmã de Puri ligara duas vezes naquela manhã, mas eleignorara as chamadas. Temia ter de ouvir mais alguma coisa sobre aúltima besteira de Bagga-ji. Mas quando ela ligou mais uma vez, às15h, ele se sentiu obrigado a atender.

— Gorducho! Graças a Deus!Preeti estava em casa, em Ludhiana. Parecia apavorada.— Você tem que me ajudar. Ele está planejando dar a casa como

garantia de um empréstimo de um crore com um agiota qualquer.— O que o sujeitinho está tramando, exatamente?— Ele não me conta, Gorducho. Ele está cego, só enxerga o lucro

que diz que vai ter. Mas um crore! E a juros altíssimos! Pode sernossa ruína!

Puri suspirou. Ele precisava fazer alguma coisa; não podia ficarparado vendo a irmã perder tudo.

— Onde ele está agora, exatamente?

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— Ele está em Déli.— Vou falar com ele — prometeu o detetive.

— Sir-ji! Kaha-hain?— Haa! Sr. Sherluck! Kidd-an?— Muito bem, Sir-ji! Preciso encontrar você. Um negócio urgente.— Bom, bom, bom, bom.— Sir-ji, onde está você? Alô? Alô?— Haa! — O tio Bagga estava em um lugar barulhento, ao fundo

havia risadas e vozes altas.— Sir-ji!— Haa!— Você andou bebendo ou o quê?— Haa!O detetive sentiu que estava para explodir, mas conseguiu conter

a raiva. Disse em um panjabi claro e incisivo:— Bagga-ji, me diga onde você está!— Sr. Sherluck? Alô? Isso é uma pergunta?— É claro que é uma pergunta! — E ele se absteve de dizer:

Saala!”— Eu estou na adda. O que você quer?Adda se traduzia por boteco. Puri conhecia o lugar: o antro

favorito de Bagga-ji em Déli, um covil de bebida ilegal e carrom empanjabi Bagh.

— Estarei aí em 40 minutos.— Bom, bom, bom, bom.

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Puri tinha sentimentos contraditórios sobre panjabi Bagh. Era avizinhança onde ele crescera e todas as ruas, todas as esquinas,guardavam uma memória.

Voltar lá, como ele fazia de vez em quando, para visitar parentese amigos, sempre lhe causava fortes sensações de nostalgia —especialmente por Papa-ji, que construíra sua casa no setor MotiNagar no início dos anos 1960. Mas, atualmente, o detetive achava ovelho bairro um lugar sufocante. Embora sempre tivesse dito que semudara para Gurgaon a fim de escapar do barulho e da poluição, averdade era que ele também tentara se distanciar dos escandalososhabitantes de panjabi Bagh.

Ele era, afinal de contas, o Mais Particular Investigador da Índia.E quando todo mundo ficava constantemente entrando e saindo desua casa a toda hora, pedindo favores e aquele empréstimo de milrupias para os remédios de coração do tio, era impossível manterseus assuntos confidenciais e não ser envolvido nos problemas dosoutros.

Panjabi Bagh também não era um endereço especialmente dignode nota. Não para um membro do Gymkhana Club e genro de umcoronel da reserva com uma queda por sapatos Oxford. Gurgaon eramais adequado — embora, tinha de admitir, um filho de policial nãotivesse como competir com a velha elite.

Os constantes engarrafamentos haviam sido outro motivo para amudança. Algum maldito estava sempre parando seu Tempo nomeio de uma das ruas estreitas e descarregando uma remessa degalinhas vivas, transformando toda a vizinhança em um sólido esonoro congestionamento.

Hoje não era diferente. Mas, em vez de galinhas vivas, erambarris enferrujados com adesivos de caveiras cruzadas por doisossos. O fato de que os barris estivessem sendo transportados paradentro da casa de alguém por um bando de trabalhadores quepareciam tuberculosos não causou estranheza a Puri. Suspeita,

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talvez, mas, para os padrões de panjabi Bagh, aquilo não eraincomum.

O detetive decidiu abandonar o carro e disse a Freio de Mão paraestacionar o mais perto possível da adda de Bagga-ji.

— Vou te dar um “toque” quando estiver em posição, Chefe —disse o motorista em uma combinação de híndi e inglês.

Sentindo o calor batendo como a irradiação térmica de umincêndio florestal, Puri desceu do Ambassador, e por pouco nãopisou em estrume de vaca.

Ele se manteve na calçada com sombra, abrindo caminho porentre crianças pulando amarelinha e carpinteiros serrando, lixando emartelando móveis feitos sob medida com madeira de mangueirapara um dos residentes do kothis. Um vendedor ambulante deesfregões, vassouras e espanadores passou no meio da rua em umabicicleta apinhada com seus produtos. Parecia um porco-espinhopunk.

— Jharu! Saste! Esfregões, vassouras e espanadores baratos!Puri virou na esquina seguinte e, olhando todas aquelas roupas

coloridas e brilhantes penduradas nos varais e as pipas no céu

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enevoado, quase trombou com um velho amigo de escola que todosconheciam por Mintoo.

— Oi! Gorducho! Kisteran?Bateram papo por alguns minutos e então Puri pediu licença e

seguiu em frente. Mais adiante na mesma rua ele encontrou Billa, ex-vizinho de porta que era dono de uma loja que vendia baldes de açogalvanizado em Jawala Heri. Mestre-ji, o alfaiate local, acenou e ocumprimentou de sua loja, que fora quatro vezes maior, mas que,graças a disputas familiares, tinha agora o tamanho de um cubículo.E, inevitavelmente, tia Bhartia (que tinha problemas nos quadris eandava com os pés afastados, como se fosse um palhaço de circo)apareceu e o lembrou, como sempre fazia, que aos seis anos elequeimara a língua comendo seus gulab jamuns.

— Você não podia esperar nem mais um segundo e jogou tudopra dentro da boca! — gargalhou, beliscando suas bochechas. —Bacha gulosinho!

A adda de Bagga-ji ficava no porão de uma clínica médica, sendoo Dr. Darshan o proprietário e um dos mais assíduos clientes.

A entrada ficava ao lado do edifício, atrás de uma porta com umaplaca na qual se lia: clínica.

Na sala parcamente iluminada, através da nuvem da fumaça decigarro, Puri contou nove mesas com tabuleiros de carrom. Ao redorde cada uma, quatro homens com dedos esbranquiçados.

A visão dos tabuleiros e o som das batidas nas peças e doricochetear nas tabelas imediatamente fez crescer em Puri a vontadede jogar. Quando adolescente, ele fora fanático por carrom — emdetrimento de seus deveres de casa, ele jogava horas a fio. Era raroele cair no jogo hoje em dia: xadrez e cartas faziam mais o estilo doGymkhana Club.

Mas, na verdade, quando localizou Bagga-ji em uma das mesasno meio do salão — Sr. Sherluck, o que você tá fazendo aqui? — e um

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dos jogadores lhe ofereceu seu lugar ao tabuleiro, Puri nãoconseguiu resistir.

— Estou bebendo Aristocrat — sorriu Bagga. “Aristocrat” saiucomo “AA-rist-rou-crAAt”. — Alívio instantâneo! Você quer?

— Muito certamente, Sir-ji! — declarou Puri. — Com quefrequência eu posso beber com meu cunhado favorito, na?

Tio Bagga estava bêbado demais para suspeitar da ardilosacamaradagem e lhe serviu um grande copo da garrafa que tinhadebaixo da mesa. Em seguida, ele gritou para o garoto de 11 anosque buscava pacotes de cigarro epaan fresco em uma tenda do outrolado da rua e pratos de murg saharabi tikka e “sanduíche de molhopicante” no restaurante local:

— Oi! Garrafa de soda laow!As peças brancas e pretas e a rainha vermelha estavam dispostas

no meio do tabuleiro laqueado. Um dos outros dois jogadores damesa lançou a peça com o indicador na direção do amontoado. Umapeça preta foi parar na bolsa de um dos cantos.

Quando chegou a vez de Bagga, ele encaçapou cinco peças emsequência; se aquele homem tinha alguma qualidade, era jogarcarrom.

— Você não perdeu o jeito, Sir-ji! — disse Puri, em panjabi,quando chegou sua vez e, meio fora de forma, só conseguiu acertaruma única peça preta.

Tio Bagga mostrou o indicador para Puri.— Este aqui é um em um bilhão! — declarou.— Como você, Bagga-ji! — rebateu um dos oponentes, para

gargalhada geral.As brincadeiras, a bebida e a jogatina continuaram. E depois de

Bagga vencer o jogo e se declarar o “campião do mundo!”, o detetivelhe disse que havia um assunto sobre o qual gostaria de conversar.

— Em particular — disse ele.

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Eles se sentaram em um dos cantos do salão, encostados em umaparede decorada com papel imitando tijolos vermelhos.

Nesse momento, os olhos de Bagga estavam vermelhos e pareciaque ele ia apagar.

— Sir-ji, eu estive pensando — começou.— Haa?— Sir-ji, estou falando com você.— Haa?— Aquela sua proposta de negócio parece garantida mesmo.— Haa?— Você disse que uma construtora queria levantar um shopping

no seu terreno. Parece um negócio muito bom!— Ah, sim, esse negócio! Bem, é sim! — declarou Tio Bagga,

começando a entender de que se tratava. — Gorducho, já, já, eu sereio homem mais rico de todo o Punjab! As pessoas vão me tratar comrespeito!

— Você merece isso mais que ninguém, Sir-ji. Sempre achei vocêum sujeito perspicaz. Você só não teve muita sorte, só isso.

— Exato! Falta de sorte, só isso! — concordou Tio Bagga.Ele encheu os copos de novo.— Sir-ji, eu quero lhe fazer uma proposta de negócio — mentiu o

detetive. — Vou lhe emprestar o crore de que você precisa para quesua transação dê certo. Em troca, eu quero apenas dois por cento doslucros. E você só me paga o dinheiro quando puder. O que lheparece?

Tio Bagga o fitou sem expressão.— Eu poderia sacar o dinheiro do banco para você amanhã de

manhã. Não precisa pegar emprestado de um estranho que vocênem sabe quem é e colocar sua casa em risco. Deixe que eu cuidedisso.

— Você faria isso por mim?

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— Mas é claro, Sir-ji! — O detetive lhe deu um carinhoso tapinhanas costas. — Afinal, pra que serve a família?

Lágrimas se formaram nos olhos injetados de Tio Bagga.— Sr. Sherluck, você é o melhor!— Então você topa?Eles apertaram as mãos. Mais uísque Aristocrat foi consumido. E,

então, o detetive disse:— Sir-ji, tem uma coisa que eu não entendo. Por que você precisa

desse dinheiro se está vendendo o terreno?Tio Bagga se inclinou para a frente.— Você promete que não vai contar pra ninguém?— Nem se arrancassem meus olhos!— Posso confiar em você? — Tio Bagga de repente olhou Puri

como se ele fosse um estranho.— Você já teve alguma razão para não confiar?— Teve uma vez que você me chamou de saala — disse Tio

Bagga, com uma expressão ofendida.— Peço infinitas desculpas por aquilo, Sir-ji. Eu estava bravo,

mas sei que foi desnecessário. Além disso, agora somos sócios.Este truque pareceu funcionar.— OK, eu vou lhe contar. Para fazer o shopping os

empreendedores também precisam do terreno vizinho ao meu —disse Tio Bagga.

— Prossiga.— Esse terreno é propriedade de um maldito filho de uma pu...— Qual é o nome dele, yaar? — interrompeu Puri.— Jasbir Jaggi.— O que ele faz, exatamente?— É do ramo de transportes. Mora em uma grande casa de

campo em Ferozepur Road. Laadsahib.— E?

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Tio Bagga se inclinou ainda mais, parecendo satisfeito consigomesmo.

— Veja, Gorducho... quando os homens da construtora vieramfalar comigo, disseram que iam precisar do outro terreno também.

— E?— Eu disse que poderia conseguir o terreno para eles. Não

precisavam falar com aquele maldito filho de uma pu...— E, então, você fez uma proposta de compra para esse tal Jasbir

Jaggi?— Exatamente!Puri se levantou abruptamente e afastou a cadeira.— Saala! — ele berrou e saiu agitado, deixando Tio Bagga só

olhando, desnorteado.

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capítulo 24

RUMPI ESTAVA COM UM GRANDE NÓ NA GARGANTA, sentada no carrode mamãe, em frente à grande casa branca no bloco C, GreaterKailash, parte um, ao sul de Déli.

— Sabe que conheço essa mulher há quase vinte anos? — disseela à sogra. — As crianças dela e as minhas brincavam juntas. Fui aocasamento do filho dela. Ainda não consigo acreditar que ela foicapaz de fazer uma coisa dessas. O que ela estava pensando? Agoratoda sua reputação vai por água abaixo.

— A algumas pessoas faltam fibras morais, na — disse mamãe. —Rico ou pobre, não importa.

Elas ficaram em silêncio por algum tempo, vendo os carros, osriquixás e as ocasionais bicicletas passarem na escuridão.

Majnu estava inquieto no banco da frente.— Madame, meu horário de serviço está acabando — disse ele,

irritado.Faltavam 15 minutos para as 18h. Mas o motorista chegara uma

hora atrasado pela manhã, dando alguma desculpa sobre uma dorde cabeça, então, pelas contas de mamãe, ele ainda lhe devia umahora e 15 minutos.

Cansada de repreendê-lo, ela simplesmente deixou escapar umsuspiro de irritação e disse a Rumpi:

— Já está quase na hora, na? Acha que as outras estão chegando?

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— Espero que sim. Seria muito melhor se todas nós aconfrontássemos juntas.

Neste momento o Sumo de Lily Arora parou na vaga em frenteao Indica de mamãe. A Sra. Shankar, que dirigia uma scooter, foi apróxima. Um minuto depois, a Sra. Bansal apareceu em sua BMW.

— Acho que Phoolan não vem — disse ela pela janela, esticandoo pescoço. — Alguma coisa sobre um tratamento de canal.

Elas esperaram mais cinco minutos e então se reuniram em frenteao portão. Havia três ausências, restando um total de nove, maismamãe.

— Madame está esperando apenas por mim — disse Rumpi aosegurança. — Então não diga a ela que vim com amigas. Ou você vaiestragar a surpresa.

Ele balançou a cabeça de modo compreensivo e entrou na guaritapara usar o interfone.

Quando soube que sua presença era aguardada, Rumpi tomou ocaminho do pátio de entrada até a casa.

A Sra. Nanda, ereta, alta e elegante como nunca, esperava na salade estar. Ela se levantou para receber a mulher de Puri com umsorriso no rosto e as mãos em gesto de boas-vindas.

— O que aconteceu, minha querida? — Foi sua reação à friapostura de Rumpi. E depois, ainda sorridente:

— O que é isso? Senhoras, mas que surpresa! Que gentil da partede vocês aparecerem assim. Por favor, sintam-se em casa. Voumandar trazer mais xícaras.

Em silêncio, todas elas ficaram em pé na entrada da sala, entremelancólicas e constrangidas — e, no caso de Lily Arora, furiosa.

Mamãe, que fora eleita a porta-voz oficial em rápida votação noportão, disse:

— Não vamos nos demorar, na. Só viemos dizer que já sabemosde tudo.

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Lily Arora de repente interrompeu, com raiva, botando o dedo nacara da Sra. Nanda:

— Como você pôde fazer isso, Sona? Você sabe que meubebezinho está em coma? Ele pode não sobreviver, e o veterináriodisse que, mesmo assim, ele provavelmente nunca mais vai falar ouandar!

— Desculpe, Lily, não sei do que vocês estão falando, eu...— Oh, não minta para nós, Sona. — Lily Arora tinha as mãos na

cintura, agora. — Isso só vai piorar as coisas para você, vai por mim.— Senhoras, creio que está ocorrendo algum tipo de mal-

entendido — disse a Sra. Nanda, calmamente. — Vocês estãosugerindo que eu tive alguma participação no assalto? É isso?

O silêncio era uma resposta clara.— Bem, isso é ridículo! — Ela parecia não acreditar. — Que

motivo eu teria para fazer uma coisa dessas?— A mesma razão de qualquer um que faz dacoity, na? — disse

mamãe. — Você precisava de paisa.— Perdoe-me, Titia-ji, mas a senhora obviamente não me conhece

muito bem. Posso lhe garantir que não preciso de dinheiro. Meumarido...

— Faz consultoria. Sim, nós sabemos. Ele é um dos melhores,trabalha com várias empresas importantes. Graças a isso, ele obtéminformações sobre mercado de ações e fusões e essas coisas.

— Informações de bastidores, que não podem ser compartilhadasporque isso é crime, diga-se de passagem — esbravejou Lily Arora.

— Sem que ele soubesse, você andou agindo conforme as coisasque ele conta, comprando suas próprias ações — disse Rumpi. —Você se deu muito bem no início, mas então, algumas semanas atrás,veio o desastre. A InfoSoft quebrou e todo o seu dinheiro sumiu.Você subitamente se viu com muitas dívidas.

— O problema, na, é que a última pessoa a quem você podiapedir ajuda era seu marido — disse mamãe. — Ele ficaria muito

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furioso. Naturalmente, vender todas as suas joias estava fora dequestão. Ele poderia notar. Foi aí que você optou pelo caminho docrime.

A Sra. Nanda balançava a cabeça, inconformada.— Senhoras, estou chocada por pensarem que eu seria capaz de

uma coisa dessas. Eu tenho algumas de vocês como amigas hámuitos anos.

— Ah, cala a boca, Sona, você não engana mais ninguém!Sabemos tudo sobre aquele segurança! — gritou Lily Arora.

— Que segurança?— O vigia noturno que você arranjou para fazer o assalto, claro!Mamãe estava esperando para lançar essa carta coringa em um

momento mais oportuno. Mas, agora, ela não tinha outra escolha anão ser identificar os ladrões.

— Um mês atrás apenas você ofereceu a Kishan, marido de Uma,do Salão de Beleza Arti, um emprego como chowkidar noturno —disse ela. — Depois você pediu que ele assaltasse nossa ki�y party.Não tendo absolutamente nenhuma fibra moral, ele aquiesceu.Infelizmente, ele levou junto o sobrinho de 14 anos.

— Kishan estava por trás disso? Eu não fazia ideia! — declarouuma aparentemente chocada Sra. Nanda. — Ele deve ter me ouvidofalar sobre a ki�y party ao telefone. Ou talvez um dos outrosempregados tenha lhe contado Nós devíamos chamar a polícia!

— A polícia pode muito bem ser chamada. Mas esses dois —Mamãe se referia ao marido de Uma e seu sobrinho — vão dizer queestavam trabalhando para você, na?

— Bem, isso é mentira! Não tive nada a ver com isso.Mamãe fez uma pausa antes de falar com um ar de poder

triunfante:— Isso é estranho, na? Mais cedo nós o pegamos ligando para

você e gravamos cada palavra.A Sra. Nanda gelou.

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— Não há saída, Sona — disse Rumpi. — Agora, vamos fazer oseguinte...

Elas não queriam envolver a polícia, pelo bem do garoto,começou a explicar Rumpi, mas precisavam ter certeza de que osempregados de Lily Arora e Bappi, o personal trainer, estavamlimpos. Mamãe conversara com o garoto e o achara decente eaparentemente arrependido. Kishan entregara o revólver, que foijogado no Yamuna, e depois Uma o pusera para fora de casa.

— Quanto a você, Sona — cortou mais uma vez Lily Arora —,queremos nosso dinheiro de volta! Então, se você não contar a seumarido, nós contaremos!

— Você tem até amanhã a esta mesma hora para devolver a somatotal, ou não teremos outra opção a não ser ir à polícia — disseRumpi.

Lentamente, a Sra. Nanda se sentou no sofá. Ela parecia estar emtranse.

— E isso é tudo, na? — disse mamãe às outras senhoras. —Challo?

— Challo — responderam elas.Uma a uma, elas deixaram a sala. Todas, menos Lily Arora, que

deu o tiro de misericórdia.— Sona, eu quero que você saiba de mais uma coisa — disse ela.

— Vou garantir que você nunca mais participe de outra ki�y party.Vou garantir que todo mundo saiba o que você fez. Você quebrou asagrada confiança na qual se baseiam as ki�ies! Considere-se na listanegra!

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Mamãe e Rumpi logo estavam a caminho de Gurgaon.— Não acha que ela vai fazer alguma coisa contra si mesma,

acha? Alguma coisa imprudente. Ela parecia em choque.— Sem chance — respondeu mamãe. — Aquela ali é dura, na.

Dura como o mármore.— Mas ela nunca mais vai poder mostrar a cara em lugar

nenhum de Déli. Lily vai cuidar disso, pode ter certeza.As duas se perderam nos próprios pensamentos por alguns

minutos e então Rumpi perguntou:— Mama-ji, acha que deveríamos fazer algo a respeito do marido

dela? Se estamos certas e ele compartilha informações confidenciais,então a gente deveria contar a alguém.

— Definitivamente, é nosso dever informar nossa suspeita. Oproblema é: por que as autoridades competentes nos dariamouvidos? Quem somos nós, afinal?

— Apenas duas donas de casa — disse Rumpi.— Exatamente. O que é preciso são provas...— Ah, não, Mama-ji, agora vou ter que parar a senhora. Já

fizemos o que tínhamos de fazer.— Mas é nosso dever, na?.— Já temos muitas responsabilidades. E perseguir um consultor

desonesto não é uma delas. Não se preocupe, ele vai acabar sendopego. Não é assunto nosso.

Mamãe parecia desapontada, mas concordou.— Você está certa — disse ela. — Tenho muitas coisas a fazer, na

verdade. Mas formamos uma boa dupla, na.Rumpi riu.— Sim, Mama-ji, formamos uma boa dupla. Sabe de uma coisa?

Eu não achava que tinha muita cabeça para mistérios. O que oGorducho diria disso? Fiquei impressionada comigo mesma!

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capítulo 25

PURI ENTROU NO HOSPITAL ST. STEPHENS por uma porta dos fundos esubiu pela escada de emergência. Quando chegou ao quarto andar,onde o inspetor Singh o esperava, estava sem fôlego e sua facebrilhava de suor.

— Alguém o viu chegando, Sir? — perguntou o policial.O detetive foi incapaz de responder de imediato.— Eu... eu... acho... que não — ofegou ele. — Os fundos

estavam... limpos.— Sir, o que é isso que trouxe? — Singh apontou o saco plástico

que Puri carregava. — Não é comida para viagem, é?O detetive levantou a mão para indicar que precisava de um

minuto. Quando recuperou o fôlego, disse:— Pode ser que a gente fique aqui até altas horas. A fome pode

bater, então.— Com todo respeito, Sir, este não é o melhor momento para

pensar no seu estômago.— Não se preocupe, inspetor — disse Puri. — Nenhum

pensamento estará envolvido.Singh abriu um pouco a porta que separava a escada de

emergência da enfermaria e espiou pela fresta. O corredor estavacheio: pacientes, enfermeiras, médicos indo e vindo.

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— Sir, seu homem está no segundo quarto à esquerda — explicouo inspetor, falando sobre o ombro. — Consegui que ficássemos noprimeiro quarto, que tem uma porta de ligação com o segundo. Masposso prever um problema. O assassino pode muito bem já estaraqui agora, lá fora no corredor, vendo quem passa.

— Pode ser que ele me reconheça quando cruzarmos o corredor— concordou Puri.

— Exatamente, Sir.— Então, o que você propõe?— Tome, trouxe um jaleco para o senhor vestir — disse Singh,

que já estava à paisana.— Muito bom, inspetor — disse o detetive, pondo o jaleco branco

sobre o terno safári.— Talvez também queira usar isso — disse Singh que, sabendo

que Puri nunca tirava o chapéu Sandown (pelo menos não empúblico), trouxera uma grande touca elástica de cirurgião.

Sem uma única palavra, o detetive a colocou.

O quarto que Singh arranjara era grande o bastante para umacama, uma mesa lateral e um armário. Tinha paredes descascadas emanchadas, um ventilador de teto e uma lâmpada sem lustrependurada por um fio.

Puri olhou dentro do segundo quarto pela porta de ligação epôde ver que era basicamente igual, a não ser por ter duas camas, euma delas — a mais distante da porta e mais perto da janela —possuir uma cortina que a isolava.

— Baldev, você está aí? — sussurrou Puri.— Sim, Chefe — respondeu Lanterna.— Você está bem?— Estou ficando com fome.

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— Você não comeu antes, é isso?— Não deu tempo.— Então, vamos torcer para que a espera não seja longa.— Sim, Chefe.Puri se afastou da porta, deixando-a entreaberta.— Como vamos saber que o assassino chegou? — ele perguntou

a Singh.— Proponho que deixemos a luz apagada e uma cadeira aqui,

perto da porta de ligação. Se a gente deixar a porta um pouco aberta,podemos nos revezar na vigília.

O detetive, que trouxera seu revólver .32 IOF, concordou com oplano e pediu que o inspetor ficasse com o primeiro turno.

— Caso contrário, minha comida vai esfriar.Sob o luar que entrava pela janela, Puri desembrulhou seu pacote

na mesa perto da cama. Em poucos minutos o quarto — e, semdúvida, o quarto vizinho — estava tomado pelo aroma quente dobiryani hyderabadi e pelos sons de quem o devorava.

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Passavam dez minutos das 20h quando o telefone celular de Puri,que estava no modo silencioso, vibrou dentro do seu bolso. Eleolhou o visor. “Zia.”

— Ji? — atendeu Puri com um sussurro.— Fóssil saiu de casa, Chefe. Estamos na cola — informou Zia,

que assistia a muitos seriados policiais americanos e gostava de usarseus jargões. Fóssil era o código para Shivraj Sharma.

— Muito bom, me mantenha atualizado — foi tudo o que odetetive disse antes de desligar.

— Quem era? — sussurrou o inspetor Singh, que ainda estava devigília.

— Um dos meus rapazes — disse Puri, sentando-se em umacadeira perto dele.

— E?— Eles estão seguindo um suspeito.— Um suspeito do caso Jha-Pandey?— Correto, mas não creio que seja ele.— Quando ia me contar sobre ele?— Inspetor, você me conhece, na. Não gosto de declarar nada

antes dos finalmentes.Por alguns minutos os únicos ruídos vinham do ventilador de

teto e do bipe do eletrocardiograma no quarto de Lanterna.— Há outros suspeitos?— Dois, exatamente.— Dois!— Inspetor, por favor, fale baixo.— OK, Sir, mas vai me dizer quem são eles?— Um deles vai entrar naquele quarto daqui a pouco, e você terá

sua resposta.Houve outro longo silêncio.— Sir, quero saber uma coisa... Quando concluiu que eram dois

suspeitos?

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— Hoje à tarde, às 18h, encontrei a irmã mais velha do professorPandey e obtive uma informação que me convenceu.

Bem nesse momento seu celular vibrou de novo e ele voltou parao outro lado do quarto para atender.

— Chefe, Fóssil está indo para o seu lado — informou Zia. —Está cruzando o Jamuna.

— Ótimo. Não tire os olhos dele.— Positivo.Puri se deitou na cama para descansar um pouco, mas a achou

incrivelmente dura e desconfortável. Curioso, verificou sob o colchãoe descobriu que ficava sobre uma pesada placa de aço.

Ele concluiu que o aço era usado para impedir a ação de ladrões,que poderiam facilmente roubar suportes de molas ou madeira.

Presumivelmente, isso significava que todas as camas do hospitaleram iguais.

Em sua mente, uma ideia começou a se formar.

Eram quase 23h. Puri estava a ponto de se arrepender por não tertrazido um kheer quando a porta do quarto de Lanterna se abriu umpouco. Uma fina faixa de luz foi lançada sobre a parede. Uma cabeçaapareceu, a face oculta pelas sombras. Recuou. Um instante depois, aporta se abriu um pouco mais e uma figura masculina deslizou paradentro.

Puri se levantou devagar, a pistola a postos, e fez sinal paraSingh.

A figura fechou a porta ao passar, e quando seus olhos seajustaram à penumbra, visualizou todo o quarto. Silenciosamente,aproximou-se da primeira cama e pegou o travesseiro. Em seguida,atravessou o quarto na direção da segunda cama. Achou uma frestana cortina e olhou a cama. Puri o viu sacar uma pistola presa ao

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cinto. Ele a engatilhou, enterrou o cano no travesseiro e se esgueiroupara dentro da cortina.

Um momento depois vieram três baques surdos.Singh, que agora estava em pé ao lado da porta de ligação, com o

revólver nas mãos, gritou:— Largue a arma! Você está preso!Subitamente, vieram sons de uma briga. Alguém fez “Aaaargh!”.

A pistola do assassino caiu no chão. E então Lanterna, que havia seescondido sob a placa de aço que sustentava o colchão, gritou:

— Peguei ele!Singh invadiu o quarto e puxou as cortinas. Agarrou o pistoleiro

pelos dois braços e o jogou contra a parede.Puri acendeu a luz.Rudemente, Singh virou o prisioneiro.— Cavalheiros, permitam-me que lhes apresente — disse o

detetive. — Este é Jaideep Prabhu. Mais conhecido como Manish, oMagnífico.

Xingando, o mágico investiu contra Puri, as feições cheias demaldade e ódio, tentando chutá-lo como uma mula selvagem. Singhsegurou com força o prisioneiro e o puxou para trás, dando-lhe umforte soco na cabeça.

— Já é o bastante por hoje, seu desgraçado! — gritou ele. —Daqui em diante você só vai falar quando eu disser pra você falar.

Manish, o Magnífico xingou Singh também.— Quem diabos é você, afinal?— Para seu conhecimento, eu sou Deus! — O inspetor algemou o

mágico. — Está preso pelo duplo homicídio do Dr. Suresh Jha e doprofessor R. K. Pandey.

O mágico zombou.— Você não pode provar nada.Nesse momento Puri estava segurando o revólver de ação dupla

de Manish, o Magnífico com seu lenço envolto na arma.

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— Você foi bom o suficiente para deixar todas as evidênciasnecessárias — disse ele, com um sorriso.

— Esta arma não é minha! Eu nunca vi isso antes!Singh deu um tapa no rosto de Manish, o Magnífico.— Eu mandei você calar a boca! — berrou ele, jogando o mágico

na cadeira. — Não me faça mandar de novo!Manish, o Magnífico encarou o inspetor.Singh ergueu a mão, como se fosse bater nele.— Oi harami! — jurou ele. — Olhe pra baixo, senão eu não vou só

quebrar seus ossos, eles vão virar pó!Dessa vez o mágico teve o bom senso de fazer o que era

ordenado.— Melhor assim — disse Singh. Ele se virou e falou com Puri: —

Agora, antes que eu leve esse filho de uma vagabunda para adelegacia, importa-se de me dizer que diabos está acontecendo?

— Muito certamente, inspetor.Foram para a porta de saída do quarto, deixando Lanterna com o

prisioneiro.— Eu lhe disse que encontrei a irmã do professor Pandey, não?— O senhor mencionou isso, sim.— Foi ela quem me contou como o irmão inventara um método

revolucionário pelo qual a levitação era possível — disse Puri. — Eleconstruiu um extraordinário par de botas, com solas de metal feitascom uma substância chamada — Puri teve de consultar seu bloco deanotações — carbono pirolítico. Presas a essas botas havia algumascoisas chamadas — uma vez mais ele teve de ler o nome —turbopropulsores. Eles são responsáveis por manter a estabilidade.

— Então essas botas flutuam no ar? — perguntou Singh,parecendo duvidar.

— De forma alguma, inspetor. Ímãs extremamente poderososforam enterrados sob o gramado. Isso foi feito alguns meses antespelo Dr. Jha e sua equipe. Depois, eles diligentemente mantiveram o

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gramado regado e semeado, para que ninguém notasse que o solotinha sido revolvido. — Puri começou a explicar tudo o que sabiasobre como o resto do ilusionismo fora feito.

— Então, como esse desgraçado aqui se meteu em tudo isso? —perguntou Singh, referindo-se a Manish, o Magnífico.

— Ele assistiu ao vídeo que o turista francês filmou damiraculosa aparição da deusa Kali. Mas ele o viu com olhosdiferentes. Como mágico, viu um ilusionismo de levitação comonunca antes tinha sido apresentado. Portanto, quis saber como forafeito. Visitou o Rajpath, assim como nós. Achando que um cenáriotinha sido montado de alguma forma, ele procurou no gramado.Logo descobriu os ímãs.

Aqui Puri acrescentou um aparte:— Inspetor, apenas ontem eu os descobri, usando meu leal

canivete suíço.— Mas o que o levou até o professor Pandey, Chefe? — Lanterna,

que se reunira aos dois, prestava atenção na conversa e quis saber.— Naturalmente, ele achou que o professor Pandey, sendo

inventor e engenheiro elétrico, tinha inventado os meios pelos quaisa levitação fora feita. O mais importante é que Manish, o Magníficologo viu que essa tecnologia de levitação valeria muitos crores. Deviaestar pensando em vendê-la a colegas mágicos do mundo todo. Umguru como Maharaj Swami pagaria uma maravilha por ela.

— Então ele planejava roubar as botas? — perguntou Singh.— Correto. Foi à casa para exigi-las de Pandey. Mas seu plano

não saiu como previra.— E o que aconteceu com essas... essas botas mágicas? —

perguntou o inspetor.— Infelizmente para Manish, o Magnífico, Vish Puri e outros

estavam na cena do crime, então ele foi forçado a fugir, nãoconseguindo cumprir sua missão de encontrá-las. Agora elas estãofora de alcance, muito bem protegidas.

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Singh balançou a cabeça, maravilhado.— Fez um trabalho de primeira, Sir. É impressionante como

descobriu tudo isso.— É muita gentileza de sua parte, inspetor — disse Puri,

radiante.— Mas tem uma coisa que ainda não entendo.— O que exatamente, inspetor?— Disse que seus rapazes estavam atrás dele nos Jardins

Shalimar Bagh, mas que ele sumiu. Como fez isso?— Dizem que existe uma passagem secreta, construída por Shah

Jahan, que conecta aqueles jardins ao Forte Vermelho — disse Puri.— Mas quem vai saber? Manish, o Magnífico não vai contar seusegredo, pode ter certeza disso.

Singh foi buscar o prisioneiro.Mas quando se abaixou para levantá-lo pelo braço o inspetor de

repente se viu algemado à cadeira.Manish, o Magnífico passou por ele e, pegando Lanterna

desprevenido, nocauteou-o, e correu rapidamente para a porta. Láele encontrou Puri bloqueando sua passagem com a pistola.

— Nem mais um movimento ou atiro — disse o detetive. — E,acredite, estas balas não são do tipo que você pode pegar com osdentes.

Puri fez uma rápida parada no escritório para colocar a pistola nocofre e depois pediu para Freio de Mão levá-lo para casa.

Eles tinham acabado de sair do Khan Market quando umAmbassador creme, com placas do governo da Índia e um conjuntode antenas no teto, os fez parar.

Um funcionário elegantemente vestido desceu, aproximou-se docarro do detetive e bateu na janela.

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— Sir, sua presença é requisitada no número 19 da Akbar Road— disse ele, polidamente.

Era a residência do ministro da Saúde.— Estava a caminho de casa, na verdade — disse o detetive. — É

quase meia-noite, não? Agradeça ao Sir pelo convite e diga a ele queficarei contente em visitá-lo amanhã pela manhã.

— Isto não seria nada conveniente, Sir — disse o funcionário. —O senhor é aguardado devido a um assunto urgente.

Outro homem saiu do Ambassador. Alto, magro e de cabelorepartido, usava um terno safári cinza. Levava um walkie-talkiemilitar com a antena quase do tamanho de uma vara de pescar, quecrepitava com ruídos de estática e conversas.

Não havia nada a fazer além de concordar.— Você acha que Sir vai me oferecer um trago ou dois? — Puri

perguntou ao funcionário, sabendo muito bem que o ministro eraabstêmio confesso.

— Sir, eu não saberia dizer — respondeu o lacaio, sorrindoconstrangido. — Ele não tem o hábito. Mas talvez eu possa conseguiralgo.

— É muita gentileza de sua parte. Então challo. Mostre ocaminho.

Passaram pelas silenciosas ruas de Nova Déli — as mesmas ruasque, poucos dias antes, o engenhoso Dr. Jha havia paralisado comsua farsa.

Soldados da Força de Segurança de Fronteiras estavam emguarda atrás da barreira de sacos de areia na entrada do número 19da Akbar Road. Um deles verificou o fundo do Ambassador de Puricom um espelho preso a um longo bastão, enquanto outro checava oporta-malas. Puri, então, foi convidado a sair do carro para serrevistado.

A placa do carro foi anotada em um prontuário e só então osportões se abriram. Adiante, um vasto gramado tão verde e macio

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quanto o campo de críquete do Lord. No final deste havia umclássico bangalô do estilo Lutyen, com a fachada caiada de branco eas colunas iluminadas por refletores.

O caminho para os carros, margeado por canteiros repletos degordas calêndulas, levava até um estacionamento à direita doedifício.

Freio de Mão parou o carro, saltou e abriu a porta para o detetive.O funcionário do ministro da Saúde indicou o caminho para aentrada principal, onde um velho São Bernardo roncava no chão depedras da varanda, uma mancha úmida sob o focinho que tremia.

As portas principais se abriram e Puri foi conduzido até arecepção, onde um serviçal uniformizado estava de prontidão. Elelevou o detetive até uma das poltronas e perguntou o que poderiaservir.

— Dose dupla, gelo, soda — disse o detetive.O serviçal assentiu e saiu por uma porta próxima.O funcionário, enquanto isso, tomou um assento do outro lado

da sala e conferiu o relógio. Então juntou as mãos e colocou-as nocolo.

Quando o serviçal retornou, alguns minutos depois, trazia umcopo de água gelada. Ele o colocou em um descanso sobre a mesa decentro em frente a Puri e, sem qualquer palavra, se retirou.

Em circunstâncias normais, o detetive teria previsto uma longaespera. Mas, considerando-se a hora, ele sabia que Sir estaria ansiosopara voltar para a cama da amante. Trinta minutos, provavelmente,seria um bom tempo; menos que isso seria sinal de fraqueza.

No caso, foram 35.Outro funcionário, que poderia ser irmão gêmeo do primeiro,

surgiu de uma sala adjacente e fez sinal para o detetive entrar.Puri encontrou Vikram Bha�, ministro da Saúde da Índia, vestido

em seu habitual colete sem gola e de pijama kurta imaculadamentebranco, sentado atrás de uma extensa mesa antiga iluminada por

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uma lâmpada de cristal. Ele não estava sozinho. Em uma daspoltronas em frente à lareira sentava-se ninguém menos que SuaSantidade Maharaj Swami. Atrás dele, de pé, Vivek Swaroop, com oolho esquerdo roxo e o nariz protegido por bandagens.

Os dois homens encararam o detetive, medindo-o de cima abaixo, enquanto o ministro continuava a ler seus papéis.

— O senhor é Puri? — perguntou ele, levantando os olhos depoisdos protocolares trinta segundos.

— Vish Puri, Mais Particulares Investigadores, a seu dispor, Sir— respondeu o detetive alegremente. Ele tirou um cartão de visita ecolocou-o sobre a mesa, completando: — Confidencialidade é nossolema.

O ministro não poderia parecer menos interessado; indiferente,apontou uma cadeira à sua frente.

— Tem certeza de que seu nome não é Lakshmi Garodia?— Garodia? Não, Sir, certeza absoluta.— Estranho. Porque um homem muito parecido com o senhor,

usando esse nome, visitou Haridwar recentemente. Ele disse que erade Cingapura. Tenho uma fotografia dele aqui. Gostaria de ver?

O ministro deslizou a foto para o outro lado da mesa.Era uma imagem congelada do sistema de vigilância interna que

mostrava Puri disfarçado na recepção da Morada do Amor Eterno.— Sir, evidentemente, esse cavalheiro tem um bom apetite, como

eu — disse o detetive, colocando a foto de volta na mesa. — Mas,quanto ao resto, não vejo qualquer semelhança.

— Bem, fico contente em ouvir isso, Sr. Puri — disse o ministro.— Na Índia, temos leis muito severas contra fraude, o senhor sabe. Apolícia cuida disso muito seriamente. Eu não gostaria de saber que osenhor está envolvido em tais atividades ilícitas.

O ministro tirou os óculos, soprou uma das lentes e começou alimpá-la com um lenço.

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— Mas vamos deixar esse assunto de lado, pelo menos porenquanto — continuou ele. — O que importa é que esse homem,Garodia, chegou a Haridwar com uma linda filha. Uma jovem muitoincomum e, vamos dizer, bhaskar. Certa noite, durante sua estadia naMorada do Amor Eterno, parece que ela invadiu uma área restrita etentou roubar bens pertencentes à Sua Santidade Maharaj Swami.

— Lamento ouvir isso, Sir — disse Puri. — Naturalmente, apolícia foi chamada.

— Na verdade, acredito que Swami-ji preferiu lidar com asituação internamente. Nossa polícia indiana, às vezes, tem a mãopesada para esses assuntos e ele queria dar à jovem a chance de searrepender.

— É muita consideração da parte dele.Puri podia sentir que o preâmbulo estava chegando ao fim.— Infelizmente, essa jovem evadiu-se antes que Swami-ji

pudesse ajudá-la — continuou o ministro. — Ele trouxe o assunto ameu conhecimento e eu fiz algumas verificações por conta própria. Eentão eu pensei, bem, por que não contratar Vish Puri, o famosodetetive, para encontrá-la?

— É muita gentileza sua, Sir — disse Puri. — Estouverdadeiramente honrado.

O ministro observou os óculos e começou a limpar a outra lente.— Tudo que queremos é um endereço onde possamos encontrar

essa jovem. Isto e a garantia de que tudo o que ela possa dizerpermanecerá confidencial. Presumindo que o senhor esteja dispostoa pegar o caso, posso lhe assegurar que será muito bemrecompensado.

Puri ficou em pensativo silêncio.— E se eu disser não, Sir? — perguntou ele.— Não, Sr. Puri? — respondeu o ministro, com um sorriso

petulante. — Não é uma palavra que ouço com muita frequência.

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— Sem dúvida. Mas creio que o senhor ainda saiba o quesignifica, Sir.

— Posso sinceramente dizer que não. O senhor vê, Sr. Puri, naspouquíssimas ocasiões em que alguém me disse não, essa pessoaacabou descobrindo, muito rapidamente, que, na verdade, queriadizer sim.

O detetive assentiu.— Pode ser que eu demore algum tempo para encontrar a garota

em questão — disse ele.O ministro olhou para Vivek Swaroop, que fez um lento e

intransigente movimento com a cabeça.— Meu amigo aqui está muito ansioso para ver essa jovem de

novo.— Já passou muito tempo. Sir. Não será fácil localizá-la.Bha� pensou por um instante.— O senhor tem até amanhã ao meio-dia — disse ele. E, com isso,

retornou aos seus papéis. A conversa estava encerrada.Puri saiu da sala, desejou aos ordenanças uma boa-noite e andou

calmamente até o Ambassador.— Me leve de volta ao escritório, rápido — ordenou a Freio de

Mão.

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capítulo 26

NO DIA SEGUINTE, ELIZABETH RANI chegou à Mais ParticularesInvestigadores às nove da manhã, colocou sua tiffin na geladeira,ligou o ar-condicionado da recepção e ficou a postos em sua mesa.

Ela estava tirando a capa plástica do computador quando Batentechegou carregando a vasilha de aço inoxidável que ele deveriaencher na leiteria mais próxima todas as manhãs.

— Namaste, madame — disse ele antes de seguir para a cozinha efazer a primeira rodada de chá.

A Sra. Chadha veio logo depois, cumprimentou a secretária dePuri com as brincadeiras de sempre e seguiu para a Sala deComunicações, onde tinha a tarefa de atender às linhas telefônicasusando vários nomes diferentes — e onde ela conseguia tricotarbastante ao mesmo tempo.

— Sra. Chadha, antes que eu me esqueça, tenho um recado aqui— disse Elizabeth Rani. — Deve atender esta manhã, na linha 1, aum telefonema para madame Go Go, referente ao caso matrimonialKapoor.

A faxineira do escritório (que fazia seu trabalho no fim do dia porter medo de varrer a boa sorte mandada dos céus pela deusaLakshmi) logo apareceu no topo da estreita escada que levava da ruapara a recepção. Ela nunca tivera motivo para reclamar de ElizabethRani, mas a sociedade como um todo a tratava com o mesmo

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desdém dispensado à interminável poeira que a faxineira tinha devarrer, tornando-a tímida como uma toupeira.

Uma leve batida na porta indicava sua presença e então elacaminhava cuidadosamente até a mesa para receber suas 200 rupiasde salário semanal.

Logo depois que a faxineira descera as escadas, as luzes, ocomputador e o ar-condicionado, simultaneamente, foramdesligados, acusando outro corte de energia. Elizabeth Rani teve depedir para Batente ativar as baterias.

Durante a espera, a recepção estava estranhamente silenciosa —tão silenciosa que ela notou um ruído vindo da sala vizinha. Pareciamuito com o som de sua panela de pressão quando a água estavacomeçando a ferver: primeiro, o vapor se formando lá dentro,depois, uma vulcânica expiração acompanhada por um assobio alto.

Ela se levantou e encostou o ouvido na porta. O mesmo barulhonovamente. Era seu patrão roncando.

— Sir, o senhor está aí? — perguntou ela baixinho pelo interfone,depois de voltar a sua mesa.

A resposta foi sonolenta.— Que horas são aí, madame Rani?— Quase nove e meia, Sir.— Por Deus! Por que ninguém me acordou? — exclamou ele.— Sir, eu...A trava de segurança automática de sua porta se abriu. Elizabeth

Rani entendeu que era um sinal de que estava sendo requisitada ecorreu para atender.

O escritório parecia um campo de batalha. Todas as superfíciesestavam abarrotadas de caixas de comida para viagem, latas derefrigerantes e xícaras. Um cinzeiro no parapeito da janela estavalotado de pontas de cigarro. Evidentemente, o detetive receberamuitas visitas na noite anterior.

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Puri parecia igualmente desgrenhado. Seu semblante acusavatanto exaustão quanto ansiedade.

— Essa coisa não está ligando — balbuciou ele apertando ocontrole remoto da TV.

— É uma queda de energia, Sir. Já pedi ao garoto para ligar asbaterias.

— Bem, diga para ele andar logo com isso. A notícia vai ao ar às10h.

— Notícia, Sir?— Também pergunte a ele por que meu chai está demorando

tanto.— Sim, Sir.— E depois mande-o buscar uns alo o paranthas.As luzes de repente se acenderam, assim como a TV.O âncora de um dos canais estava falando sobre críquete. Puri

mudou para um de seus rivais, que transmitia um boato sobre oacesso de mau humor que um ator de Bollywood tivera durante asfilmagens. O canal seguinte cobria a usual monotonia política.

— Nossas três paixões nacionais, e na ordem de preferência — elecomentou sarcasticamente com Elizabeth Rani, que dera as ordens aBatente e estava limpando a sala.

— Sim, Sir — disse ela, preocupada por vê-lo em tal estado. —Está tudo bem?

— Não, madame Rani, não está nada bem. Mas, se Deus quiser,tudo vai dar certo. Nem preguei os olhos na noite passada. Ficamostrabalhando o tempo todo. Mas nada que uma xícara de chá e algoquente e saboroso não possam consertar.

Duas xícaras de chá, três aloo paranthas e um tanto do picles dealho feito por Rumpi — do pote que ele guardava em sua mesa —realmente fizeram maravilhas pelo seu temperamento.

Depois de um banho de gato no banheiro privativo com águagelada, Puri estava mais ou menos de volta à normalidade.

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As 10h, seu escritório também estava novo em folha e cheirandoa pinho da montanha.

— Madame Rani, tenha a bondade de vir assistir a isso — dissePuri, atrás da mesa com a TV ligada no Notícias em Ação! — Se tudocorrer conforme o planejado, vai ser uma bomba.

Ela veio e ficou de pé ao lado dele enquanto as manchetesrolavam.

“Esta manhã temos uma exclusiva que vai abalar toda a Índia”,disse a jovem âncora. “A filmagem que você vai assistir foi liberadahá poucas horas. Nós pudemos verificar que não se trata de umamontagem. O que você vai ver é autêntico e foi verificado de formaindependente.”

Puri checou rapidamente os outros canais para ver se elesestavam dando a mesma notícia. Na Bharat TV, letras garrafais natela: furo internacional.

Apenas os canais controlados pelo governo, DD Notícias e SATYA,que eram também propriedade da Fundação para a Promoção daConsciência Mundial, obra de Maharaj Swami, não estavamveiculando a notícia.

Ele voltou para o Notícias em Ação!Estava passando um vídeo de baixa qualidade do sistema de

vigilância interna, com Maharaj Swami sentado no chão de sua salade audiência particular.

— É de nosso conhecimento que o próprio guru gravou essevídeo, com câmeras escondidas dentro da sala onde ele tem recebidopessoalmente milhares de pessoas ao longo dos anos, incluindo pelomenos dois primeiros-ministros — disse a apresentadora.

O vídeo mostrava uma jovem devota entrando na sala deaudiência, parando para tocar os pés de Maharaj Swami e sentando-se à frente dele.

— O efeito que você vê sobre o rosto da jovem foi acrescentadopor nossos técnicos para proteger sua identidade — continuou a

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apresentadora. — Algumas imagens que estamos prestes a mostrartambém foram alteradas devido a seu conteúdo. Mas o que vocêpode ver aqui é essa jovem fazendo favores de, bem, natureza oralpara o prazer do guru Maharaj Swami. Mais uma vez, essa filmagemfoi feita por uma câmera escondida dentro de sua sala de audiênciasprivativas para — e aqui só podemos especular — os propósitos dopróprio Swami-ji.

Outro apresentador apareceu na tela e disse:— Em um extraordinário desdobramento, a mulher que aparece

no vídeo se apresentou esta manhã. Nós não podemos mostrar seurosto, mas ela conta uma assustadora história de sistemáticos abusossexuais no ashram.

A silhueta do perfil de Damayanti, recém-liberada da Morada doAmor Eterno, apareceu. Com uma voz hesitante e, por vezes,assustada, ela descreveu como o guru havia feito chantagememocional para que ela praticasse atos libidinosos em sua sala deaudiências.

— Swami-ji costumava dizer que, como as gopis, ou damas deleite, de Krishna, era meu dever lhe provar amor incondicional —disse ela. — Eu estava com medo de contar a meus pais porque sabiaque eles não iam acreditar em mim, achei que me renegariam.

Depois da entrevista, o apresentador apareceu mais uma vez edisse:

— Nós vamos agora ao vivo a Haridwar para acompanhar osúltimos desdobramentos desse furo de reportagem com nossarepórter Smeeta. Smeeta, o que você pode nos contar?

A tela se dividiu. À esquerda, o vídeo do sistema de vigilância serepetia ininterruptamente; à direita, Smeeta em frente ao portãoprincipal da Morada do Amor Eterno, protegido pela polícia.

— Sim, desdobramentos dramáticos aqui em Haridwar — disseela, agitada. — Sabemos que às oito da manhã de hoje a polícia, sobcomando do inspetor Jagat Prakash Singh, de Déli, entrou no ashram

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de Maharaj Swami com o mandado de prisão do guru.Aparentemente, o inspetor Singh e seus homens enfrentaramresistência dentro do ashram. Mas foi de natureza passiva. Centenasde devotos se deitaram no chão em frente à entrada da residênciaprivativa do guru e Singh teve de chamar reforços para conseguirentrar.

— Maharaj Swami estava lá no momento? — A pergunta veio doâncora no estúdio.

— Minhas fontes disseram que ele passou a noite de ontem emDéli, mas que voltou ao ashram por volta das seis da manhã, dehelicóptero — respondeu Smeeta. — Mas a polícia disse quequando...

Suas palavras foram encobertas por uma grande agitação atrásdela. A câmera focalizou um carrancudo inspetor Singh saindo a pépelos portões.

— Sir, Sir, Sir! — gritavam os repórteres, correndo na direçãodele.

O policial parou quando as câmeras o cercaram e as perguntasvieram todas de uma só vez.

“O senhor prendeu Maharaj Swami? Quais são as acusações? Oque é aquela fumaça que podemos ver saindo do ashram?”

A voz grave de Singh respondeu:— Tenho uma declaração a fazer — disse ele. — Esta manhã,

meus homens e eu entramos na Morada do Amor Eterno com aintenção de prender o homem conhecido como Maharaj Swami sobacusações de assédio sexual, homicídio e fraude. Nosso progresso foiseveramente dificultado por seus seguidores, que bloquearam nossaentrada. Só conseguimos ter acesso à residência particular algumtempo depois. Até agora não localizamos Swami-ji, mas estamosconduzindo uma minuciosa busca na área.

Os repórteres começaram a gritar mais uma vez.

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— Quanto à fumaça que vocês podem ver subindo dos edifícios— continuou Singh —, um incêndio começou em uma sala adjacenteà sala de audiências privadas de Maharaj Swami minutos antes deentrarmos no edifício, aproximadamente às 9h30. Ele já foicontrolado, mas todo o conteúdo da sala foi destruído. Temos razõespara acreditar que o incêndio foi proposital.

Mais questões foram levantadas. Ignorando todas, o inspetorfinalizou seu pronunciamento:

— Um certo Vivek Swaroop, braço direito de Maharaj Swami,também está sendo procurado pelas mesmas acusações. Até agora,ele está foragido. Vamos emitir um perfil dele e de Maharaj Swamiem menos de uma hora. Qualquer pessoa que avistar esses doiscavalheiros deve entrar em contato com a polícia de Déliimediatamente.

Singh se virou e voltou para dentro do ashram, o portão bateu nacara dos repórteres.

Puri tirou o som da TV e se recostou na poltrona.— Parece que Swami-ji recebeu a notícia da liberação do vídeo

antecipadamente. Mas sua batata está definitivamente assando,quanto a isso não há dúvida — disse ele. — Meu único pesar é o Dr.Jha não estar vivo para ver tudo isso.

— Ele teria ficado exultante, Sir — disse Elizabeth Rani, sorrindo.— Mas como conseguiu esse material chocante?

— Não fui eu, madame Rani. Devemos agradecer isso aoDescarga.

— Mas eu li no relatório de Cosmética que ela não conseguiunenhuma informação. Seu pendrive foi destruído por aquelefacínora do Vivek Swaroop.

Nesse momento Elizabeth Rani estava em pé na frente da mesado detetive.

— Foi um golpe de mestre! — disse o detetive, eufórico. — Semque nem mesmo minha boa pessoa soubesse, o pendrive continha

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um vírus. Por isso, quando Cosmética o inseriu no computador doguru, o vírus foi liberado. Com isso, Descarga conseguiu penetrar nosistema de proteção da rede do ashram...

— Acho que o nome é firewall, Sir — interrompeu a secretária,tentando ajudar.

— Exatamente. Então esse wall aí foi derrubado e, assim,Descarga acessou o sistema. Ele rastreou todas as contas secretas.Nem mesmo o computador pessoal de Maharaj Swami ficou imune.Foi aí que foram localizadas essa filmagem e muitas outras, domesmo tipo.

Aparentando nojo, Elizabeth Rani disse:— Que tipo de homem poderia fazer uma coisa dessas com

aquelas pobres jovens?— Um homem sem qualquer referência moral. Um homem

disposto a tirar vantagem de toda e qualquer pessoa.Um olhar filosófico se formou no rosto do detetive.— Na verdade, madame Rani, nós indianos acreditamos que, na

vida, é necessário ter um guia espiritual, que não podemos encontrartodas as respostas sozinhos — disse ele. — Como criançasaprendendo o abecedário, precisamos de um professor. É umacrença que considero válida, inclusive. Se queremos escapar do ciclode nascimentos e renascimentos, um guru deve nos mostrar ocaminho. Mas isso não quer dizer que devemos seguir qualquerfulano, não é? O problema é que muitas pessoas atualmente seguemesses vigaristas sem questioná-los, prontas para acreditar emqualquer coisa que eles façam ou digam — continuou ele. — Se umsujeito qualquer como esse Swami-ji pode fazer um relógio aparecerdo nada, eles vão logo adorá-lo. Mas isso não é espiritualidadegenuína. É só trapaça.

— Concordo, Sir, as pessoas estão muito ingênuas nos dias dehoje — disse Elizabeth Rani. — Acho que era isso o que o Dr. Jhaestava querendo ensinar a elas.

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A menção ao Caçador de Gurus fez Puri se lembrar de queprecisava atualizar seu arquivo com os desdobramentos da últimanoite. Então, pediu à secretária que trouxesse o laptop para que eladigitasse o texto.

Quando ele terminou e Elizabeth Rani salvou o arquivo, eladisse:

— Sir, há algumas coisas que eu não entendo. Quando estavaesperando no quarto do hospital, disse ao inspetor Singh que haviadois suspeitos. Quem era o outro?

— Permita-me contar-lhe um segredinho, madame Rani —respondeu o detetive, maliciosamente. — Naquele momento, eususpeitava fortemente que o professor Pandey tinha sido morto porcausa de suas botas mágicas. Suspeitava também que Manish, oMagnífico poderia ser o assassino. Ele já tinha a ficha suja, afinal.Mas outros patifes também vieram à minha mente. Aqueles quepoderiam querer a invenção para eles mesmos, Maharaj Swami entreeles.

— Entendo, Sir — disse Elizabeth Rani, mas ainda com aexpressão confusa.

— Algo mais em que possa ajudar? — perguntou Puri.— Sim, Sir. Qual foi o papel da viúva do Dr. Jha nisso tudo?— Naturalmente, ela sabia desde o primeiro dia que o marido

não estava morto, que o assassinato de Kali era totalmente falso.— Então as flores e o vinho que o professor Pandey comprou

naquela noite em que foi visitá-la eram na verdade um presente doDr. Jha?

— Correto, madame Rani. O Dr. Jha estava fingindo ser motoristade Pandey para passar despercebido. Estava, de fato, disfarçado.Naturalmente, quando Lanterna viu o bom professor dando umabraço na Sra. Jha, não sabia que o marido também estava presente.

Passaram-se alguns segundos até que a secretária decifrasse asintaxe de Puri antes de assentir e dizer:

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— Acho que entendi, Sir.— A verdade, madame Rani, é que Vish Puri foi lento — disse

ele, com um lamentoso meneio de cabeça. — No momento em que viaquela foto na sala de Pandey, aquela em que ele aparece ao lado doDr. Jha, eu devia ter percebido que os dois estavam nisso juntos.

Elizabeth Rani pegou a deixa.— Mas como poderia saber, Sir? — perguntou ela.— É meu trabalho saber, não?— Sir, o plano foi tão bem elaborado e perfeitamente executado

— ressaltou ela. — Quem poderia imaginar que a cremação do Dr.Jha tinha sido encenada? Com todos os seus amigos e parentespresentes.

— É muita gentileza de sua parte, madame Rani — disse Puri,afastando a autopiedade. — Como sempre, está totalmente certa.

Ela suspirou.— Que caso mais notável foi esse — comentou ela.— Indubitavelmente, madame Rani. Um dos mais notáveis até

hoje. E até agora, enquanto conversamos, as cortinas ainda nãodesceram.

Havia duas pontas soltas.Puri decidiu lidar com ambas antes de ir para casa tirar uma

soneca.A primeira era Shivraj Sharma.

Ele ligou para Shashi para saber as últimas sobre os movimentosdo arqueólogo e lhe perguntou em híndi:

— Aonde Fóssil foi?— Bloco B, setor 44, Chefe. É uma igreja.— Ele entrou?— Ele colocou um envelope na caixa de correio.

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— E depois?— Foi pra casa, Chefe. Aí, hoje de manhã, muito cedo, ele voltou

a Noida. Desta vez para um endereço diferente no bloco B. O padrecristão que trabalha na igreja mora lá. Fóssil o seguiu por meia horae depois foi trabalhar. Mais uma coisa, Chefe — continuou Shashi. —Demos uma olhada no lixo dele hoje de manhã. Tinha algunsexemplares do Dainik Bhaskar. Estavam despedaçados, muitas partescortadas com tesoura. Parecia que ratos tinham comido tudo.

Puri imediatamente ligou para a igreja e pediu para falar com opadre. Padre James confirmou que recebera uma carta estranhanaquela manhã pelo correio — letras híndi cortadas de um jornal.

— O que ela diz, exatamente, padre? — quis saber Puri.— Era uma citação de um texto hindu, algo sobre todos os

descrentes serem purgados.— “Sempre que há um enfraquecimento da ordem e um

fortalecimento da desordem, eu me manifesto” — citou Puri.— Sim, isso mesmo.— Chamou a polícia, padre?— Por que me incomodar? Recebemos ameaças o tempo todo e

ela nem se preocupa, muito menos investiga.— É muito importante que mantenha a carta em lugar seguro, e o

envelope também — disse-lhe o detetive.Puri decidiu não ligar para Singh e lhe contar sobre Sharma

naquele momento, isso podia esperar até amanhã. O arqueólogo eraum incitador de ódio querendo se tornar assassino, não uma ameaçaimediata a ninguém.

Consultou o relógio. Era quase meio-dia. Hora de contatar asecretária do ministro da Saúde — a última ponta solta.

— Vish Puri, Mais Particulares Investigadores Ltda., falando —disse ele, polidamente, quando sua chamada foi atendida. — oministro me pediu para telefonar esta manhã. É de seuconhecimento? Exatamente. Faria a bondade de transferir minha

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ligação? Tudo bem. Faça, então, o favor de lhe dizer o seguinte: écom muito pesar que devo declinar sua generosa oferta. Estou, defato, muito ocupado engraxando meus sapatos.

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capítulo 27

VISH PURI ESTAVA NA SALA DE ESTAR de sua casa rindo tanto que aslágrimas rolavam por seu rosto. A mãe, que fora visitá-lo, tambémsentia convulsões de riso.

— Que completo idiota! — gargalhava ela. — Tem daal naquelacabeça dele ou o quê?

Jaiya, que agora estava a seis semanas do parto — sendo que sepassara uma semana desde o desaparecimento de Maharaj Swami—, passou balançando pela porta da sala, com um sorriso curioso.

— Posso saber o que é tão engraçado? — perguntou ela,abaixando-se até uma poltrona.

— Desculpe, na — disse mamãe, com um sorriso largo que elamal podia controlar. — Só estávamos falando do Bagga-ji.

— Ah, meu Deus, o que ele aprontou desta vez?— Vai, conte a ela, Gorducho — interrompeu Rumpi, voltando da

cozinha com uma bandeja de chá e chillas. — Jaiya, você tem queouvir isso. Mesmo para os padrões do tio, bem, é... uma baggarada!

Todos explodiram de novo em gargalhadas. Foi preciso pelomenos um minuto para que Puri fosse capaz de se aprumar e colocara filha a par da brincadeira.

— Beta, você se lembra que o Bagagem-ji esteve aqui na noite emque você chegou, não? Falando sobre algum esquema milionário?

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— Eu me lembro. — Ela o imitou com um forte sotaque caipira:— “Logo vou ser o homem mais rico de tooooda Paaaanjaaab!” Umaconstrutora não queria levantar um shopping no terreno dele?

— Exato.— Me deixe adivinhar. A construtora é de mentira.— Não, não, a construtora é bilkul real.— E então?Puri começou a descrever sua visita ao antro de bebedeira do

cunhado em panjabi Bagh e como Bagga admitira estar planejandocomprar o terreno do vizinho por um crore, esperando vendê-lodepois para a construtora e faturar em cima. O detetive tambémdescreveu a expressão impagável no rosto de Bagga quando oxingara e saíra furioso.

— Papai, não entendo — disse Jaiya. — O que tem de errado como tio querer comprar o outro terreno?

— Obviamente, o proprietário, um cavalheiro muito ardilosochamado Jasbir Jaggi, estava enganando Bagga.

— Como?— Veja... O Sr. Jaggi queria vender o terreno vizinho ao de Bagga-

ji. Mas esse tinha valor de mercado de no máximo meio crore. Então,o sujeito teve uma ideia. Pediu a um amigo, sócio de umaconstrutora, para contatar Bagga e lhe fazer uma oferta. “Diga quequer construir um shopping no terreno dele. Mencione que vocêquer o terreno vizinho também.”

— O terreno vizinho que pertence a Jasbir Jaggi? — perguntouJaiya.

— Correto. Sabendo de sua natureza gananciosa e idiotia, Jaggiestava certo de que Bagga ia querer comprar o terreno ele mesmo.

— Com a ideia de depois vender para a construtora e faturar emcima... Agora eu entendi. — Jaiya sacudiu a cabeça, descrente. —Então, presumivelmente, Bagga foi até Jaggi e lhe fez uma oferta deum crore pelo terreno e ele, claro, aceitou.

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— Exatamente. É por isso que ele precisava de um milhão. Euconsegui que ele me confessasse o plano me oferecendo para lheemprestar a quantia. Naturalmente, em nenhum momento eu tive aintenção de lhe dar o dinheiro.

— Então o alertou sobre Jaggi, papai?— Naturalmente, contei a Preeti e ela, por sua vez, tentou

convencer Bagga-ji — respondeu Puri. — Mas ele se recusou aacreditar.

— Ele seguiu em frente mesmo assim? — perguntou Jaiya, comos olhos arregalados, com as mãos cobrindo metade do rosto.

Puri sorriu.— O que aconteceu foi o seguinte — disse ele. — Bagga fez uma

visita à construtora. Lá ele implorou que o sócio, amigo de Jaggi,construísse um shopping menor no seu terreno. E sabe o que osujeito respondeu? Que não construiria nem um banheiro públiconaquele lugar. Então, ele o insultou e gritou “Cai fora!”.

“Mais tarde, Bagga-ji voltou para casa e disse a Preeti queacreditava ter sido vítima de uma conspiração. ‘Era isso que euestava tentando lhe dizer’, disse ela. ‘Não, não’, respondeu ele. ‘Elessó estão tentando me enganar, me fazendo acreditar que meuterreno não tem valor, para que eu venda barato! Mas eu não soubobo! Uma oferta melhor vai chegar e então eu serei...”’

Todos na sala falaram juntos:— O homem mais rico de tooooda Paaaanjaaab!

Rumpi e Jaiya foram para a cozinha, enquanto Puri e mamãeficaram sentados, saboreando o chá.

A TV agora estava ligada, e um dos canais repetia o vídeoamador que o DIRE liberara para todas as redes de televisão alguns

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dias antes, chocando a nação com a verdade sobre o ilusionismo daaparição de Kali.

O Dr. Jha apareceu na tela. Ele estava sentado no hospital depoisde simular a própria morte. Havia sangue falso em volta de sua bocae um ferimento impressionantemente realista em seu peito. Mas elesorria, gargalhava e batia papo com seu amigo, o professor Pandey.

O canal foi ao vivo para Haridwar, onde Mandona estava de péem frente ao salão de darshan, na Morada do Amor Eterno. Nosúltimos dias, ela assumira o papel de porta-voz da instituição decaridade que administrava o ashram. As filmagens de sexo docircuito interno de TV eram falsas, alegava. Os que acreditavam queas imagens eram reais não mereciam os ensinamentos de Swami-ji.

“Ele está testando todos nós”, Puri ouviu Mandona dizer, antesde pressionar a tecla mute do controle remoto.

— Várias pessoas estão ficando muito bravas com o que Dr. Jhafez, na — disse mamãe. — Fico pensando se toda essa coisa nãoacabou afetando a própria causa dele, no fim das contas.

— Ninguém gosta de ser feito de bobo, sobre isso não há dúvida— disse Puri. — Mas, particularmente, não posso deixar de admiraro que ele fez. Foi absolutamente genial, na verdade.

— E esse sujeito, Swami? Seu paradeiro é conhecido ou o quê?— Nós não o veremos por um bom tempo, se um dia ele aparecer

de novo — disse o detetive. — O mesmo vale para seu lacaio,Swaroop. Eles se safaram com muitos crores.

— E aquele goonda do ministro da Saúde? Eu estava lendo que elepode enfrentar processos por lavagem de dinheiro.

— Pode enfrentar — enfatizou Puri. — Mas fará um dia seco emPatiala antes que um neta fique atrás das grades.

De repente, um berro veio da cozinha.— Gorducho, venha aqui já! — gritou Rumpi.O detetive saiu correndo para encontrar Jaiya caída no chão. Ela

estava sangrando.

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— Por Deus! Jaiya!— Chamem uma ambulância, na! — gritou mamãe.A ambulância, uma pequena van que teve de vir de um hospital

particular a 20 minutos dali, levou 30 minutos para chegar — tempodurante o qual Jaiya ficou se queixando de severas cólicasabdominais.

A van era do tamanho exato para levar um paciente, um médico,um enfermeiro, um motorista e mais um parente no banco dopassageiro.

Rumpi entrou e a ambulância arrancou, sirene ligada e luzes deemergência piscando.

Alguns veículos deram passagem para a ambulância, e foipreciso mais outra meia hora antes que ela chegasse à entrada dopronto-socorro.

Puri e mamãe, que seguiam juntos no Ambassador, chegaram atempo de ver Jaiya sendo levada para dentro.

Logo eles se juntaram a Rumpi, em ansiosa espera por notícias.Outros 20 minutos se passaram.Então um médico de jaleco verde e máscara veio para lhes dizer

que Jaiya entrara em trabalho de parto prematuro.— Faremos tudo que pudermos pelos gêmeos — disse ele antes

de voltar para o centro cirúrgico.Nesse momento, Rumpi chorava, encostada em Puri.Ele permaneceu calmo e controlado enquanto a confortava,

deixando-a mais segura. Mas, depois de dez minutos, o detetive selevantou para sair, pedindo que mamãe cuidasse da esposa.

— Preciso ir — disse ele. — Me ligue quando sair o resultado,qualquer que seja.

— Eu entendo — disse mamãe, pegando uma nota de 100 rupiasda bolsa e entregando a ele.

De volta ao carro, ele instruiu Freio de Mão a dirigir o maisrápido que pudesse para DLF City.

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— Esqueça as regras de sempre — disse ele.— Certo, Chefe.Eles percorreram a distância a toda velocidade, derrapando ao

parar do lado de fora do templo ganesh na Fase Quatro.No portão, Puri comprou algumas oferendas — coco, algumas

bananas e um pacote de castanhas doces — e também incensos.Depois de tirar os sapatos, ele subiu os degraus e entrou apressado.

O templo estava silencioso, sendo um dia de semana à tarde.Apenas alguns adoradores estavam sentados ali, em prece oucontemplação. Puri se aproximou da efígie de um deus-elefante noaltar principal do templo, curvou-se e sentou-se no chão. Umsacerdote recebeu suas oferendas e a nota de 100 rupias de mamãe,ouviu suas aflições e começou a rezar, pedindo a proteção de Jaiya ea saúde de seus gêmeos.

Com a cabeça inclinada em devoção, os olhos fechados e aspalmas das mãos juntas em sinal de súplica, Puri implorou pelamisericórdia divina.

Freio de Mão logo se uniu ao patrão, sentando-se a seu lado efazendo suas oferendas.

Os homens mal se moveram por quase três horas, a despeito docalor opressivo.

Quando mamãe finalmente ligou, já estava escuro e o temploestava repleto de adoradores e do som de sinos dobrando.

Puri voltou ao hospital onde encontrou uma Jaiya fraca, mas emcondição estável, e os gêmeos acomodados em incubadorasseparadas.

Ele ficou olhando os dois pelo vidro da maternidade, seus corpospequeninos e frágeis ainda roxos e enrugados.

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— Foi por um triz, Gorducho — disse Rumpi, quando ela emamãe se uniram a ele, hipnotizadas pelos mais novos membros doclã Puri. — O médico disse que eles quase não conseguiram. Masalguma coisa, sabe-se lá o que, os ajudou.

— É um milagre, na — declarou mamãe.Puri sorriu, seus olhos cheios de lágrimas.— Sim, Mama-ji, é um milagre — disse ele. — Um milagre de

verdade, desta vez.

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glossário

AACHAR — tipo de picles. O mais comum é feito de cenoura,lima-da-pérsia, alho, couve-flor e pimenta-malagueta ou mangaverde cozida em óleo de mostarda e outros temperos.

AARTI — ritual hindu, frequentemente realizado durante o dia,no qual um prato com chamas e oferendas é posto diante de umadeidade ou de um guru, enquanto músicas devocionais sãoentoadas.

ACHKAN — casaco justo e de gola alta, ligeiramente mais largona cintura e chegando quase aos joelhos, usado por homens na Índia.

ALOO — batata.ALOO TIKK1 MASALA — pequenas tortas de batata frita

apimentadas.AMBASSADOR — até recentemente, o carro nacional indiano.

O design, que mudou muito pouco desde o início da produção, em1957, é similar ao do Morris Oxford britânico.

ANGREZI — adjetivo; “inglês” ou “britânico” em híndi. Angrez éa forma substantiva.

ART FRAT — membro de uma comunidade ou fraternidadeartística.

ATTA — um tipo de farinha de trigo comumente usada naculinária sul-asiática.

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AYAH — empregada doméstica que desempenha tanto asfunções de faxineira quanto as de babá.

BABU — burocrata ou funcionário do governo.BACHA — criança.BAKSHEESH — termo usado para descrever gorjeta, doação ou

propina.BALTI — balde, cesta.BANSURI — flauta.BARFI — doce feito de leite condensado e açúcar.BETA — “filho” ou “criança”, em linguagem afetuosa.BIDI — charuto indiano feito com tabaco forte e manufaturado a

partir das folhas do ébano.“BILKUL” — “é claro”, “certamente”, “com certeza”.BIRYANI — pratos à base de arroz com pimentas, carne, peixe,

ovos ou vegetais. No biryani hyderabadi, a carne marinada e o arrozsão cozidos juntos.

CHALLAN — no sentido literal, o recibo de um pagamento ouentrega, mas geralmente usado como gíria para multa de trânsito.

“CHALLO” — “vamos”, em híndi.CHARGE SHEETER — pessoa com ficha criminal.CHARPAI — literalmente, “quatro pés”. Charpai é um catre

tecido em cordas, usado no norte da Índia e no Paquistão.CHAVAL — arroz.CHAWL — prédio de apartamentos.CHILLA — pão feito de farinha de grão-de-bico, cebola e

pimenta.CHIWDA — mistura variável de ingredientes secos, que pode

incluir lentilhas fritas, amendoim, pasta de farinha de grão-de-bico,milho, grão-de-bico, lascas de arroz e cebola frita. Tudo issotemperado com sal e uma mistura de pimenta.

CHOWKIDAR — vigia, sentinela.

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CHURIDAAR — tipo de pijama com amarrilho de cordão e comdobras em volta dos tornozelos, como se fossem uma pilha debraceletes.

CHUSKI — gelo triturado e xarope aromatizado em um palito.CHUTTRI — pavilhão elevado e em forma de domo, elemento

da arquitetura indiana. Chhatri quer dizer guarda-chuva ouabóboda.

COWWAH — corvo.“CRIB” — do inglês falado pelos indianos; reclamar ou

resmungar.DAAL — lentilhas apimentadas.DACOITY — atividade criminal que envolve assalto, perpetrada

por grupos de bandidos armados. Um dacoit é um membro de umaquadrilha indiana ou birmanesa de ladrões armados.

DARSHAN — termo sânscrito que significa visão (no sentido deum momento de contemplação). É mais comumente usado para“visões do divino”, ou seja, quando se vê um deus, uma pessoa ouartefato muito sagrado. Po-de-se “receber darshana” de umadeidade em um templo ou de uma pessoa santificada, tal como umguru.

DHABA — restaurante de beira de estrada que serve aapimentada comida panjabi, popular entre caminhoneiros no norteda Índia.

DHARMA — termo sânscrito que se refere ao fardo de umapessoa íntegra ou a qualquer caminho virtuoso.

DHOKLA — petisco da província indiana de Gujarat, feito comuma massa fermentada de grão-de-bico.

DHOTI — tradicional vestimenta masculina. E uma peçaretangular de tecido não costurado, normalmente com 6,5 metros decomprimento, enrolado em torno da cintura e das pernas e amarradoà cintura.

DIDI — irmã.

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DIYA — lâmpada, usualmente feita de argila, que leva umpedaço de algodão embebido em óleo vegetal.

DJINN — gênio.FAKIR — asceta ou místico.“FUNDA” — de “fundamentos”; gíria própria do inglês falado

pelos indianos para situação ou acordo, esquema.GHAT — escada ou caminho que desce até um rio ou

ancoradouro.GHEE — manteiga clarificada.GOONDA — criminosos, canalhas.GORA/GORI — pessoa de pele clara; termo comumente usado

para designar ocidentais.GULAB JAMUN — sobremesa feita de massa de pão que

consiste, principalmente, em pedaços de leite caramelizadoembebidos em xarope de açúcar. E comum acrescer à massasementes de cardamomo e água de rosas ou açafrão.

“HAAN-JI” — “sim, senhor/senhora”, em híndi.“HAI!” — exclamação que indica surpresa ou choque. HAKIM — médico muçulmano.HALFPANTS — short.“HARAMI” — “maldito”, “canalha”.IDLI — apetitoso bolo típico do sul da Índia e popular em todo o

país. Os bolos têm, normalmente, de cinco a sete centímetros dediâmetro e são feitos com massa de lentilhas pretas fermentadas earroz. Servido com maior frequência no café da manhã e no lanche.

JADOO — mágico.JASOOS — espião ou detetive particular.JAWAN — policial ou soldado.JEERA — semente de cominho.KADI — curry apimentado e azedo feito com farinha de grão-de-

bico, frito na manteiga e batido com soro de leite ou iogurte. Servidocom chaval, arroz.

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“KAHA-HAIN?” — “onde está você?”“KAISAN BHA?” — “como você está, irmão?”KALAVA — a fita sagrada hindu, também chamada mau-li, em

híndi. E usada durante os rituais.KALE CHANNE — grão-de-bico preto.“KARO” — “faça isso”.KHEER — pudim de arroz ou aletria, feito com leite e açúcar e

coberto com amêndoas picadas ou pistaches.KHOYA — leite fervido aos poucos, até que a nata se separe.

Usado em sobremesas.“KIDD-AN?” — “como vai você”, em panjabi.“KISTERAN?” — “como estão as coisas”, em panjabi. KOKI — pão indiano apimentado, original da região de Sind. KOTHI — residência particular com vários andares.KSHATRIYA — ordem dos militares e governantes do

tradicional sistema védico-hindu, tal qual designado pelos Vedas; acasta guerreira.

KURTA — pijama — camisa longa e calças de amarrilho decordão.

LAAD SAHIB — apropriação indevida de lord sahib, significamimado ou arrogante.

LADOO — doce normalmente preparado para celebrar festas eeventos domésticos, como os casamentos. Em sua essência, ladoossão bolas de farinha cozidas em xarope de açúcar.

LAKH — unidade do sistema numérico indiano equivalente a100 mil.

“LAOW” — “traga aqui”.LASSI — bebida doce ou salgada feita a partir do soro do leite e

que pode ser acrescida de frutas como banana e manga.LATHI — vara de bambu ou cano usado por policiais e

professores para fustigar as pessoas.

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LIZER — do inglês falado pelos indianos; deriva de liaiser(contato; pessoa que mantém contato).

MANGAL SUTRA — símbolo do matrimônio hindu; pode serum ornamento de ouro pendurado em um cordão amarelo, umrosário de contas negras ou uma corrente de ouro. E comparável àaliança de casamento dos ocidentais e usado pelas mulheres casadasaté a morte do marido.

MARMA (PONTOS) — ponto da anatomia no qual músculo,veias, artérias, tendões, ossos e articulações se encontram. Similaresaos pontos de acupuntura.

MIXIE — no inglês falado pelos indianos, processador dealimentos.

MOONG DAAL HALWA — sobremesa feita de leite e lentilhas.“NA” — “não?” ou “não é?”.NAMASHKAR/NAMASTE — tradicional saudação hindu,

pronunciada com as mãos unidas.NANI — avó materna.NEEM — árvore da família do mogno.NETA — político.NIMBOO PAANI — limonada, usualmente com sal. “PAAGAL” — “louco”, em híndi.PAALAK PANEER — espinafre com queijo fresco indiano.PAAN — folhas de bétele recheadas com nozes de bétele, lima-

da-pérsia e outros condimentos; usada como estimulante.PAAPRI CHAAT — petisco do norte da Índia. Chaat quer dizer

“lambida”; paapri se refere a biscoitos de massa de pão fritos ecrocantes, feitos com farinha branca refinada. Os paapris são servidoscom batatas e grãos-de-bico fritos no óleo, pimenta, iogurte, geleiade tamarindo e chaat masala.

PAGRI — tradicional turbante indiano.PAISA — um centésimo de rupia.

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PANCHA KARMA — programa ayurvédico de purificação erejuvenescimento do corpo, da mente e da consciência.

PANCHNAMA — primeira listagem de evidências econstatações que o oficial de polícia faz na cena do crime.

PANDIT — um hindu (quase sempre um brâmane) quememorizou parte substancial dos Vedas, juntamente com osrespectivos ritmos e as melodias para entoá-los e cantá-los.

PARANTHA — pão de trigo achatado indiano frito e servidocom iogurte e picles. Geralmente tem recheio de batata, couve-florou queijo co�age e costuma ser consumido no café da manhã.

PATKAS — véus usados pelas crianças sikhs em vez do grandeturbante.

PINNI — doce panjabi normalmente coberto com castanhas,amêndoas ou pistaches.

POHA — prato servido no café da manhã feito de arrozamassado, tradicionalmente preparado com amendoim, sementes demostarda e curry.

POORI — pão de trigo areado e frito em óleo.PRANAYAMA — termo da ioga que significa “aprender a

controlar a respiração”.PRASAD — oferendas de frutas e doces santificadas diante de

deidades durante as orações e, depois, dadas aos devotos para seremconsumidas como bênçãos.

PUJA — religioso.PUKKA — palavra híndi que significa “sólido, bem-feito”.

Também quer dizer “definitivamente”.PUNGI — também chamada been. Instrumento de sopro tocado

por encantadores de serpentes na Índia.RAJA — rei.RAJMA — tipo de feijão-vermelho cozido com cebola, alho,

gengibre, tomate e outros condimentos. Prato adorado pelospanjabis, comido com chaval, arroz.

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RISHI — poeta sábio através de quem fluem os hinos védicos;também tido como escriba divino. Segundo a tradição pós-védica, orishi é um vidente ou xamã a quem os Vedas foram originalmenterevelados durante elevados estados de consciência.

“ROOK!” — “pare!”SAALA — “canalha”.SADHU — homem santo que renunciou ao mundo material para

devotar-se à prática espiritual. Ele vaga de um lugar a outro e nadapossui. Sadhvi é um sadhu do sexo feminino.

SAHIB — título honorífico urdu agora utilizado por todo o sulasiático para demonstrar respeito; equivalente ao “Sir” inglês.

SAMADHI — estágio elevado de meditação concentrada.SAMBAR — prato de lentilhas azedo e apimentado, típico do sul

da Índia.SANTOOR — martelo em forma de trapézio.SANYASI — hindu que renunciou a suas posses materiais e

adotou a mendicância como forma de sobrevivência.SARDAR — seguidor, do sexo masculino, da religião sikh.SHERWANI — tipo de casaco; indumentária longa usada no sul

asiático, muito similar a um gibão.SHLOKA — prece ou hino hindu que se canta ou recita.SINDOOR — pó vermelho usado por mulheres casadas hindus e

também por algumas mulheres sikhs. Durante a cerimônia decasamento, o noivo espalha um pouco do pó sobre os cabelos danoiva, para mostrar que ela é agora uma mulher casada.Posteriormente, o sindooré usado pela esposa como parte davestimenta de seu dia a dia.

TANDOOR — forno de barro cilíndrico usado para prepararpães e outros alimentos.

TARRA — bebida alcoólica barata, feita no próprio país.TAVA — frigideira grande, rasa e ligeiramente côncava; feita de

ferro fundido, aço ou alumínio e usada para preparar vários tipos de

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pães achatados.TEEN PATTI/TEEN PATTA — jogo de cartas indiano também

conhecido por Flush. Tradicionalmente jogado no Diwali, o ano-novo indiano, é um jogo de aposta em que ganha o jogador que tivera melhor mão (três ases ou três cartas consecutivas do mesmo naipe).

THALI — baixela arredondada feita de aço ou latão e compequenas tigelas, tradicionalmente usada para servir grandesrefeições.

TILAK — marca vermelha feita na testa, usualmente pintadadepois do aarti.

TOPI — chapéu.TULLI — gíria panjabi para “bêbado”.UBTAN — poderosa loção esfoliante e clareadora que as noivas

passam por todo o corpo no dia do casamento. Geralmente, contémfarinha de grão-de-bico, tempero de açafrão, pó de sândalo e águade rosas. E espalhada pelo corpo e depois esfregada com óleo dejasmim.

UPMA — prato típico no café da manhã do sul da Índia feito decreme de trigo (semolina), amendoim, condimentos, curry esementes de mostarda.

VIBHUTI — cinza sagrada.WALLAH — termo genérico em híndi que significa “aquele” ou

“aquele que faz”. Logo, auto-wallah, chai-wallah etc.“YAAR” — equivalente a “cara”, “camarada”, “chapa”.

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Este livro foi composto na

tipologia Adobe Garamond Pro, em corpo 12/14,5, e impresso em papel off-white, no Sistema Cameron da

Divisão Gráfica da Distribuidora Record.

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Digitalização e correção: Carlos Viana.