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O CAMINHO DE SANTIAGO Camino del Norte na Cantábria FACULDADE DE LETRAS – UNIVERSIDADE DE COIMBRA MESTRADO EM LAZER, PATRIMÓNIO E DESENVOLVIMENTO GESTÃO DO LAZER E DO DESPORTO DOCENTE: DOUTORA MÓNICA BELCHIOR MORAIS DE BRITO Helder Farinha
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O Caminho de Santiago e a Cantábria

May 10, 2023

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Raquel Vilaça
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Page 1: O Caminho de Santiago e a Cantábria

O CAMINHO DE

SANTIAGO Camino del Norte na Cantábria

FACULDADE DE LETRAS – UNIVERSIDADE DE COIMBRA MESTRADO EM LAZER, PATRIMÓNIO E DESENVOLVIMENTO GESTÃO DO LAZER E DO DESPORTO DOCENTE: DOUTORA MÓNICA BELCHIOR MORAIS DE BRITO Helder Farinha

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Índice Introdução ..................................................................................................................................... 3

1- A Peregrinação ...................................................................................................................... 4

2- Pedestrianismo, Peregrinação e Turismo ............................................................................. 5

3- O Caminho de Santiago ......................................................................................................... 8

4- Os riscos do Caminho e do Pedestrianismo ........................................................................ 12

5- Perfil do caminheiro “Conchero” ......................................................................................... 13

6- El Camino del Norte ............................................................................................................. 15

7- Cantábria ............................................................................................................................. 17

8- O “Camino” e a Cantábria ................................................................................................... 20

Conclusão .................................................................................................................................... 22

Bibliografia .................................................................................................................................. 23

Webgrafia .................................................................................................................................... 23

Anexos ......................................................................................................................................... 24

Page 3: O Caminho de Santiago e a Cantábria

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“O caminho do peregrino é uma coisa muito boa, mas é estreito. Porque a estrada que

nos leva à vida é estreito; por outro lado, a estrada que leva à morte é largo e espaçoso.

(…) limpa o espírito, leva à contemplação, torna modesto o arrogante, eleva os humildes,

ama a pobreza. Odeia a repreensão dos que se movem por ganância. Ama, por outro lado,

a pessoa que dá ao pobre. Recompensa aqueles que vivem na simplicidade e fazem boas

ações”

— Codex Calixtinus

Page 4: O Caminho de Santiago e a Cantábria

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Introdução

Uma das atividades desportivas mais antigas realizadas pelo ser humano é a

Caminhada.

Percorrer trilhos e sendeiros usando apenas como meio de deslocação a caminhada põe

o Homem novamente em contacto com a natureza e com o mundo que o rodeia.

Recentemente a caminhada tornou-se prática desportiva e de lazer com o Pedestrianismo.

A Peregrinação contudo, alia os aspetos anteriormente referidos a uma dimensão

religiosa e espiritual também e está entre as formas mais antigas de deslocação de pessoas

para fins que estão fora da atividade normal da vivência diária.

Quando se fala de Pedestrianismo e da Grande Rota europeia, há um caso

paradigmático e histórico que se destaca dos restantes pela sua complementaridade e

tradição: o Caminho de Santiago.

Quase esquecido até meados do século XX, a sua reabilitação, que se inicia em

simultâneo com a difusão do movimento pedestrianista, veio trazer um novo impulso às

economias locais e nacionais dos territórios que cruza. O Caminho tem sido aproveitado

pela atividade turística como uma oportunidade de negócio com vários produtos a ele

associados.

É importante perceber as especificidades e o potencial desta rota emblemática da

cultura Europeia, que cruza uma série de valências e ofertas em si mesma. Pelo que

também importa saber quem e como empreende a Peregrinação a Santiago, quais as

necessidades do Peregrino e como criar experiências que possam ir além do expectado.

Além do caminho mais conhecido, o Caminho Francês, outros há que se começam

agora a desenvolver, como o Caminho Português, ou o caso em análise, o Caminho do

Norte.

As potencialidades, a fiabilidade e notoriedade do Caminho de Santiago, quando

devidamente aproveitados, poderão contribuir para o desenvolvimento local, diminuindo

a sazonalidade, mesmo em regiões pequenas como a comunidade espanhola da Cantábria,

por onde passa o Caminho do Norte. A região tem uma muita oferta turística que se

coaduna com a atividade pedestrianista e com o Caminho de Santiago.

Importa saber como está organizada a região nesse sentido, que potencialidades tem e

que valor acrescenta o Caminho do Norte na Cantábria.

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1- A Peregrinação

Uma das formas mais antigas de viajar é a Peregrinação. Desde a pré-história que se

registam deslocações humanas para sítios religiosos com o objetivo de participar em

celebrações e ritos. A religião e a superstição sempre estiveram presentes nas sociedades

humanas como forma de encontrarem resposta e alívio às suas preocupações ou curas

para os seus males. Com este intuito, desde tempos imemoriais até aos nossos dias, que

as pessoas se deslocam aos lugares sagrados com esses objetivos em mente e estes lugares

têm sido pontos de atratividade de viajantes e até de negociantes, que vêm ali uma

oportunidade de negócio.

Em poucas palavras, a Peregrinação pode ser definida como uma “viagem a algum

lugar santo, por devoção ou promessa; excursão por lugares longínquos ou considerados

exóticos” (Infopédia – Dicionário de Língua Portuguesa).

Embora redutora, como todas as definições, fica aqui presente um duplo sentido do

vocábulo, que pode ser entendido na sua dimensão religiosa e prática, mas também num

sentido de uma viagem algo épica, distante, exótica. Muitos consideram a Peregrinação

como uma “viagem” num sentido mais holístico e ecuménico, como uma experiência não

só física como metafísica. A Peregrinação também como viagem e caminho pelo interior

do ser, uma experiência pessoal, de gesta, aliada às dificuldades e mesmo ao sofrimento

físico do caminho percorrido no terreno.

Ainda assim e retornando ao seu sentido mais prático, trata-se de uma viagem feita

maioritariamente por motivos religiosos, que existe em todas as culturas e religiões desde

a antiguidade, onde o objetivo é percorrer um dado caminho, todo ou parte dele a pé e

com algum grau de dificuldade até à chegada ao local.

Os locais sagrados estão por norma localizados em sítios ermos ou altos, nesse sentido

antigo de se querer estar perto dos deuses no alto das montanhas ou no sentido das

provações físicas necessárias para se atingir a paz e plenitude de um mosteiro no meio de

um deserto, por exemplo.

Não estará incorreto de todo e à luz da realidade atual, dizer que a Peregrinação foi

uma das primeiras formas de “turismo” – deslocação de pessoas para fora das suas áreas

normais de residência, cuja motivação a nada se deve a motivos de sobrevivência ou

quotidianos e que implicavam pernoita fora das mesmas residências habituais.

Foi em torno dos caminhos do peregrino que desde a Grécia antiga, por exemplo,

foram surgido tavernas e albergues e que na idade-média apareciam diversas capelas com

as mais variadas relíquias a fim de obrigar o peregrino a fazer um desvio ocasional

daquela que seria a sua meta primordial.

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2- Pedestrianismo, Peregrinação e Turismo

O Pedestrianismo ou caminhada é tão antigo como o Homem, uma vez que esta prática

implica essencialmente andar, caminhar, algo perfeitamente natural para o ser humano e

para o qual evoluiu durante milénios.

Para facilitar a sua locomoção, principalmente a partir do momento em que os grupos

humanos se fixam em comunidades residentes num determinado espaço, começam-se a

criar trilhos, depois caminhos e depois estradas, de modo a facilitar o caminhar e o acesso

ao vizinho, à praça, à igreja, à aldeia vizinha e assim poupar tempo e energia.

Não se confunda no entanto o pedestrianismo com o simples andar a pé. O que define

o pedestrianista (ou caminheiro) é o fato de caminhar pelo prazer de caminhar, por

desporto ou por lazer e bem-estar, contemplando também o mundo ao seu redor.

Ao fazer uma resenha histórica do pedestrianismo, percebemos que as Peregrinações

da antiguidade podem ter sido o primeiro antecedente desta prática, com o exemplo

máximo dela na Idade-Média com o Caminho de Santiago, onde a motivação religiosa

levava muitos a deslocarem-se durante meses para fora das suas residências em busca de

perdão para os seus pecados ou mesmo crimes.

Embora se possa considerar o Caminho de Santiago um verdadeiro percursor do

pedestrianismo, para muitos autores a atividade só surgiu em França há cerca de 50 anos

quando se começou a criar os percursos da Grande Rota (GR), tornando-se uma atividade

muito associada ao montanhismo, embora cedo tenha ganho uma personalidade muito

própria: ser um movimento cultural e de lazer para o grande público. Na Europa, países

como a Alemanha que conta com 210.000 km sinalizados da Grande Rota e a França com

40.000 km sinalizados, estão entre os maiores praticantes desta atividade, feita quer nas

montanhas, quer nas zonas costeiras.

Define-se o Pedestrianismo, a Caminhada (ou no seu sentido mais lato o Trekking1)

como uma atividade de ar livre e de aventura, simultaneamente agradável e relaxante,

consistindo em percorrer a pé um determinado caminho preestabelecido. Por sua

natureza, esta prática não implica o fator competição, embora existam metas a alcançar.

O caminho é um meio e não um fim. Também não é necessário dominar quaisquer

conhecimentos e técnicas especializadas, nem é necessário material muito técnico e caro

e pode ser praticado por todas as idades, permitindo um exercício saudável e em contato

com o meio natural.

O Pedestrianismo utiliza caminhos previamente sinalizados com marcas e cores

distintas, que dão indicações claras do caminho a seguir aos pedestrianistas. Os percursos

são considerados como “instalações desportivas” de primeira ordem, embora de custo

reduzido. São infraestruturas públicas nas quais se podem dinamizar iniciativas privadas

e evitam a degradação das zonas por onde passa. Existem atualmente duas rotas

principais, a Grande Rota que percorre toda a Europa com uma rede que se inicia na

Rússia e termina em Portugal e a Pequena Rota (PR), que ocupam apenas regiões mais

pequenas ou partes da GR.

Esta atividade, quando coligada ao turismo, constitui uma fonte de receita e um

atrativo muito grande principalmente para as zonas rurais, permitindo o seu

desenvolvimento sustentável. Está especialmente ligada ao Turismo de natureza, ao

Turismo rural, ao Touring cultural e paisagístico e ao Turismo cultural. Já a Peregrinação

tem mais a ver com o Turismo Religioso embora se possa incluir nas tipologias anteriores

em algumas das suas vertentes. Pode gerar riqueza nas zonas rurais através de atividades

1 Esta atividade distingue-se da caminhada por poder incluir vários dias de atividade e mesmo pernoita, normalmente em modestos e rústicos alojamentos

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que complementem a economia local e as atividades tradicionais e o desenvolvimento

socioeconómico através do intercâmbio cultural. Pode fazer diversificar a oferta hoteleira

e de restauração numa determinada região e criar oportunidades de negócio para os locais.

Na sua vertente mais educacional, o Pedestrianismo pode servir de fator de consciência

para a proteção e valorização ambiental e patrimonial e pode permitir a conservação de

trilhos, pontes pedonais e fontes tradicionais, calçadas e lugares históricos, através do

conhecimento e sensibilização.

Existe aliás todo um código de ética e conduta internacional do pedestrianista, com o

objetivo de minimizar os impactos negativos da atividade em ambientes delicados e de

equilíbrio frágil como o meio rural e natural. Estas regras visam proteger quer o

pedestrianista quer o meio em que se desloca, incluindo outras pessoas e animais. O

código de ética e conduta aconselha o caminheiro a ter cuidado com o gado e a percorrer

somente caminhos sinalizados, a observar a fauna à distância, a não deitar lixo e a ter

cuidado com o lume, a ser afável com os locais e a respeitar a propriedade privada, entre

outros.

Esta atividade pode ser perigosa, ocorrendo por vezes acidentes, lesões ou quedas que

podem ser muitas vezes fatais. Daí que exista também todo um conjunto de

recomendações e preparação para alguns percursos mais exigentes, nomeadamente os de

alta montanha e os que exijam uma caminhada mais longa com pernoita. A prática

frequente desta atividade, nomeadamente o Trekking porque implica estadas mais longas

e o transporte de carga para autonomia do praticante pode levar ao desgaste de coluna e

articulações, sobretudo joelhos e pés, pelo que se recomenda o uso de material próprio e

adaptado, no caso de roupa, calçado e mochila.

Figura 1 - Mapa da Grande Rota Europeia. Fonte: internet

O Pedestrianismo aproxima as pessoas do meio rural e da natureza, algo que

principalmente o Homem urbano busca como forma de bem-estar e fuga ao stress e ao

cansaço.

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Em Portugal, é a Federação Portuguesa de Campismo e Pedestrianismo que regula e

disciplina, promove e divulga a prática pedestrianista e implementa e regula a sinalética

e as infraestruturas, promove percursos transfronteiriços com outras federações. A

federação faz parte da Fédération Européene de La Randonné Pedestre.

O troço da Grande Rota em Portugal é precisamente o Caminho Português do Caminho

de Santiago, que tem atualmente a designação de GR 11 – E9 na sinalética do percurso.

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3- O Caminho de Santiago

O Caminho de Santigo (ou será antes Os Caminhos de Santiago?) trata-se como vimos

de uma das maiores e mais antigas rotas de peregrinação do mundo, que conta com 800km

só em Espanha.

Esta rota e a respetiva peregrinação começou no século IX com a (re)descoberta do

túmulo do apóstolo Tiago em Compostela (847 d.C.) por Teodomiro, bispo de Iria Flavia.

Segundo a história, já na época romana haveria rumores de ali se encontrar o túmulo do

Apóstolo Tiago e que levaria crentes ao local. O sítio, instalado numa antiga necrópole

romana como viriam a desvendar as escavações arqueológicas, viria a ser esquecido com

as perseguições religiosas e com a ocupação dos povos germânicos, no meio de toda a

turbulência da Alta Idade-Média.

Esta suposta redescoberta do túmulo do Apóstolo, acontece numa época crucial para a

história da Península Ibérica e da Europa cristã em geral com o início da Reconquista

peninsular pelos cristãos do norte da ibéria e com o recuo das forças muçulmanas. Tal

achado veio há época elevar a moral e a fé, principalmente a dos soldados e guerreiros

que passaram a gritar o nome do santo nos campos de batalha como grito de guerra e o

apelidaram mesmo de “matamoros” – mata mouros.

A primeira rota a ser levantada terá sido aquela que ainda hoje é apelidada de Caminho

Primitivo e que se inicia em Oviedo (antiga capital do reino das Astúrias à época). Esta

rota é sinuosa e muito difícil de percorrer, passando pelo norte de Espanha na zona dos

montes Cantábricos e das Astúrias até à Galiza. É uma área montanhosa e de difícil

acesso, que seria muito perigosa de realizar à época, mas que daria a segurança certa de

não encontrar os mouros no caminho, uma vez que a meseta estaria ou na posse dos

Muçulmanos ou seria simplesmente “terra de ninguém”. As praças dessa área a sul do

Ebro mudavam sucessivamente de mãos num conflito permanente e a instabilidade dessa

região não permitia a passagem pacífica de civis ou peregrinos, não existiam

infraestruturas nem condições para um peregrino efetuar as suas etapas.

Com o recuo demorado mas progressivo dos mouros para a área do Douro e depois do

Tejo, abriu-se finalmente o percurso mais conhecido, o Caminho Francês. As zonas mais

aplanadas da meseta espanhola e a existência de grandes praças ao longo do caminho

como Pamplona, Burgos ou Leão, facilitaram o acesso a Santiago e abriram o caminho à

Europa, estendendo-se agora por cerca de 800km desde a fronteira com a França e os

Pirenéus até à Galiza e à costa atlântica

Consolidada a rota principal (Caminho Francês), vinham peregrinos de toda a Europa

e que se concentravam no centro de França e daí partiam 4 rotas: a de Tours, a de Limoges,

a de Le Puy e a de Toulouse e entravam em Espanha por Roncesvales.

Datam do século XII as primeiras leis de proteção ao peregrino, que eram dadas

independentemente da sua classe social, embora o tipo de albergaria conseguida por estes

peregrinos ao longo do caminho variasse consoante a bolsa do peregrino. Toda a gente ao

longo do caminho estava obrigada por lei a dar abrigo e assistência a um peregrino, que

se deixava identificar pelo bordão de romeiro, a cruz de Santiago e a Vieira.

Além do seu objetivo religioso, o Caminho de Santiago foi também rota comercial,

mercado internacional, rota cultural, dispondo ela própria de cultura e património muito

forte e abrangente. A Europa e a Espanha encontravam-se no Caminho. Os peregrinos

eram também consumidores e criadores de bens, trocando o que traziam consigo dos seus

países por produtos e serviços ao longo da jornada.

Esta cultura muito própria, rica e diversificada do norte de Espanha ainda hoje se

verifica no património cultural, na gastronomia, na arte e nas línguas e nas letras e muito

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deverá ao Camino uma parte do seu desenvolvimento e da manutenção da sua identidade

cultural.

A partir do século XV e XVI contudo, assistir-se-á a um período de declínio do

Caminho, que levará quase ao abandono de muitos percursos e à degradação e decadência

da rota.

Felizmente, no final do século XX, o Caminho de Santiago começou a receber a

atenção e o reconhecimento devido e recebeu nas últimas décadas e com o plano da sua

reabilitação, novas identificações culturais atribuídas por diversas entidades espanholas e

europeias, como a de Património Histórico Espanhol em 1985, a de Primeiro Itinerário

Cultural Europeu em 1987 e finalmente a categoria de Património da Humanidade pela

UNESCO em 1993 o Caminho espanhol e em 1998 a parte do Caminho em território

francês.

Figura 2 - Mapa do Caminho de Santiago. Fonte: internet

O Caminho foi aliás essencialmente uma criação francesa dos monges de Cluny, daí a

denominação de “Caminho Francês” ao percurso principal e que ainda hoje é o mais

utilizado pelos peregrinos. Sempre que se fala no Caminho de Santiago, geralmente o

percurso que salta à ideia da generalidade das pessoas e até nos folhetos promocionais

oficiais, é o Caminho Francês. Mas será que poderemos apenas falar de um Caminho?

Embora a designação comum da rota apareça quase sempre no singular, olhando

atentamente para o mapa e para a rede de percursos que corta a Península Ibérica e o sul

de França em vários troços, percebemos que são muitas as opções para o peregrino e

muitos os percursos possíveis para se chegar a Santiago, a meta final para todos estes

trilhos.

Integrado atualmente na chamada Grande Rota Pedestre Transeuropeia que se inicia

na Rússia e termina em Portugal, o Caminho de Santiago é composto assim por variados

percursos, que passam em zonas distintas da Península Ibérica, onde também se destaca

o Caminho Português.

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Caminho Português é neste momento o segundo mais percorrido, segundo as

estatísticas oficiais recolhidas na Oficina do Peregrino em Santiago de Compostela e

coincide na sua maioria com o itinerário medieval. Começa na Ponta de Sagres onde se

confunde com a Rota Vicentina e termina em Valença do Minho, atravessando assim

Portugal de norte a sul. Está sinalizado na sua maioria e existem alguns albergues de

peregrinos em território nacional.

O Caminho pode ser feito a pé, de bicicleta ou a cavalo. O peregrino deve levar consigo

a credencial para usufruir dos benefícios de peregrino e deve percorrer no mínimo 100km

a pé e 300km de bicicleta para que no fim possa receber o certificado e o título de

Peregrino de Santiago. A credencial serve para assegurar os direitos do Peregrino durante

a sua caminhada, servir-lhe de auxílio em caso de socorro e tem de ser validado com

carimbos a cada etapa. Os carimbos podem ser adquiridos nos albergues, nos Postos de

Turismo ou nas igrejas.

Existe em todo o Caminho (ou Caminhos) sinalética própria e certificada, com o

símbolo internacional reconhecido da Vieira. A manutenção dos percursos é feita pelas

autarquias, comunidades autónomas e associações dedicadas ao Caminho.

Figura 3 - Marca internacional do Caminho de Santiago presente na sinalética oficial. Fonte: internet

Para auxiliar o Peregrino na escolha do seu percurso e durante a sua caminhada,

acompanhando nalguns casos também as novas tecnologias e as TIC’s, existe um grande

número de guias, livros, biografias, sítios, blogues, aplicações eletrónicas, etc., que

indicam a rota a seguir, o número e a qualidade dos albergues certificados, o número de

quilómetros que resta para a chegada ao túmulo do Apóstolo, etc.

Outra característica desta rota é a existência de um grande número e variada tipologia

de albergues credenciados próprios para peregrinos (em regra situados a cada 15km do

percurso) e estabelecimentos hoteleiros ao longo de todo o percurso (principalmente em

Espanha). Os albergues podem ser da chancela das congregações religiosas, das

associações locais, privados ou dos municípios. Existem (tal como em outros tempos)

diversos tipos de albergues conforme a bolsa do Peregrino. Algumas casas ou residências

mais luxuosas podem fazer preços especiais para peregrinos de um segmento mais médio

ou alto. Em regra, os albergues municipais por exemplo funcionam como as Pousadas de

Juventude, com quartos com camaratas onde o Peregrino tem de partilhar o seu espaço

com outros, ou então são espaços muitos reduzidos e confinados, mas onde o Peregrino

fica muitas vezes apenas à custa do donativo que quiser dar.

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Além disto, existem outros negócios como os restaurantes e as tavernas e várias

atividades festivas, religiosas ou de lazer paralelas que o Peregrino pode usufruir se tiver

oportunidade, nos lugares por onde passa e dependendo da época do ano.

Com a reabilitação e promoção do Caminho de Santiago, verifica-se que todos os anos

aumenta o número de caminheiros, com grande enfoque para os anos de Xacobeo2, onde

se nota sempre um aumento exponencial desses números, o que atesta a curiosidade e o

valor que El Camino tem vindo a suscitar.

O Caminho de Santiago é um dos mais emblemáticos percursos pedestres na Europa e

no mundo e alia aquilo que é a atividade física associada ao pedestrianismo e à caminhada

com a natureza e o património cultural e a religião. Algo único e singular, que tem dado

nova vida à atividade turística nas regiões por onde passa e que tem sido aproveitado da

melhor maneira possível. A organização, preparação e logística, é, como se percebeu,

imensa.

As previsões para futuro são positivas, com todos os indicadores a pontarem para um

aumento do afluxo de peregrinos a fazer o Caminho.

2 Data festiva incomum denominada também de Ano Jubilar, que acontece cada vez que o dia dedicado a

Santiago – 25 de julho – coincide com um domingo

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4- Os riscos do Caminho e do Pedestrianismo

A preocupação religiosa ou cultural ou ambas é colocada muito enfoque, mas não

poderemos esquecer que o Caminho envolve uma atividade física muito intensa e que

pode ser tão arriscada como qualquer outro percurso pedestre. Embora haja boa sinalética,

albergues a cada 15 km e toda uma série de outras infraestruturas de apoio ao peregrino,

todos os guias consultados enfatizam a responsabilização de quem se faz ao caminho e a

preparação e os cuidados que cada indivíduo deve ter.

Fazer o Caminho de Santiago é uma atividade exigente na sua maior parte e exige

concentração, precauções e muita preparação física e mental. Para além dos perigos

relacionados com a circulação em lugares e vias públicas ou com a segurança, existem

riscos sérios relacionados com a saúde e o bem-estar do caminheiro. A desidratação e a

exaustão podem trazer problemas sérios de grande risco físico. As lesões, a desorientação,

trilhos perigosos e acidentados, atalhos mal sinalizados e até animais selvagens, podem

mesmo pôr em risco a vida do Caminheiro.

Quem realiza o Caminho de bicicleta ou de cavalo tem de se assegurar da manutenção

do equipamento ou do bem-estar e preparação do animal. Existem toda uma série de

conselhos para quem opta por estes meios, dependendo das especificações e xigências de

cada um.

Para evitar que algo que deve ser um momento de descoberta, júbilo religioso e até

lazer se transforme num pesadelo, os Peregrinos são aconselhados a preparar a viagem

com meses de antecedência, a escolherem bem o percurso, a informarem-se junto das

entidades competentes, a preparar bem a mochila a até a fazerem exercícios diários antes

de se fazerem ao Caminho.

Alguns conselhos e preparação:

Treinar, fazendo por exemplo alguns quilómetros diários a pé, antes de partir;

A mochila também tem também algumas especificações:

o Deve ser de tamanho apropriado e tecido resistente;

o Levar toda a documentação necessária;

o Medicamentos;

o Saco-cama;

o Roupa ligeira e resistente, adequada à época do ano;

o Calçado confortável e resistente;

Já no Caminho e antes de começar, fazer alongamentos a aquecimento dos

músculos;

Planear bem o percurso a seguir;

Informar-se bem sobre os Albergues disponíveis ao longo do Caminho;

Comer um bom pequeno-almoço sem pressa e alimentar-se e beber de duas em

duas horas em pequenas quantidades;

Fazer o Caminho com segurança é um dever de todos. Estes e outros conselhos

aparecem em muitas guias do Caminho de Santiago e em páginas de internet. Existem

alguns casos de quedas mortais em desfiladeiros e até de desaparecimentos,

principalmente nas zonas mais montanhosas, remotas e acidentadas como os Pirenéus.

A prevenção e uma boa preparação – muito necessárias em toda a atividade

pedestrianista – podem evitar muitos problemas e dissabores que acabem com a jornada

do Peregrino ou mesmo que levem a coloca-lo em situações de risco para a sua vida.

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5- Perfil do caminheiro “Conchero”

Uma vez chegados a Santiago, todo o Peregrino deve dirigir-se à Oficina do Peregrino

de Santiago de Compostela. Através deste ponto, é possível também recolher diversos

dados estatísticos sobre o Caminho e os caminheiros, que estão publicados on-line e que

nos podem permitir traçar um perfil claro do Conchero3.

Baseando-nos nos dados fornecidos pela Oficina del Peregrino de Santiago de

Compostela, referentes ao ano de 2013, podemos concluir que a maioria dos Peregrinos

têm o seguinte perfil4:

Maioritariamente homens (54,60%)

Estrangeiros (51%)

Quanto aos espanhóis 9,31% vinham da Comunidade de Madrid

Principal motivação alegada: Religiosa e Cultural (54,56%); Religiosa

(39,97%)

Percurso feito a pé (87,17%), de bicicleta (12,34%) e a cavalo (0,45%)

Trabalhadores (22,52%), estudantes (18,70%) e aposentados (11,91%)

Pessoas com uma faixa etária entre os 30 e os 60 anos (56,19%), seguidos dos

jovens até aos 30 anos (28,31%)

123 pessoas declararam terem partido de Coimbra e 102 de Fátima

Maioria percorre o Caminho Francês (70,30%), o Caminho do Norte aparece

em terceiro (6,20%) e o Caminho Português em segundo (13,69%)

Comparando por exemplo com 2004, nota-se algumas mudanças do perfil deste

peregrino. Nesse ano, quase uma década antes, este Peregrino era bem mais jovem,

também maioritariamente estrangeiro mas mais estudantes e desempregados.

A motivação religiosa continua a ter o mesmo peso em ambos os exemplos e o

Caminho Português subiu de quarto lugar para o segundo, entre 2004 e 2013, e uma

grande subida também no Caminho do Norte de quinto para o terceiro mais percorrido.

Boa parte deste aumento se deverá à melhoria das condições das infraestruturas, sinalética

e informação disponível sobre os caminhos.

Os percursos continuam a ser maioritariamente realizados a pé, a forma mais

tradicional, embora a bicicleta tenha ganho alguns adeptos nos últimos anos.

O aumento do número de peregrinos de forma constante nos últimos anos e uma ligeira

mudança do perfil maioritário do Concheiro são os dados mais evidentes que podemos

recolher destes dados. O Peregrino de Santiago é um percurso multicultural (já o era na

época medieval), cuja motivação religiosa, embora muito aliada à motivação cultural,

continua a ser a motivação mais alegada pelos Peregrinos e que o Caminho Português e

o Caminho do Norte são duas das rotas mais importantes, embora a primazia destacada

vá ainda para o Caminho Francês.

Outro aspeto a ter em conta é o aspeto financeiro. Pode-se fazer uma viagem

relativamente barata e tranquila, até porque todas as guias desaconselham o Peregrino

andar com muito dinheiro no bolso e existem bancos em praticamente todos os povoados.

Algumas vezes pode-se mesmo conseguir refeições e estadia de graça, dependendo de

onde se para. Segundo a maioria dos guias e páginas de internet consultados, o Peregrino

3 Ou Concheiros. Assim designados os peregrino de Santiago de Compostela pelo simbolismo da concha da Vieira. Outras peregrinações dão outras designações aos seus peregrinos como os Romeiros que vão a Roma ou os Palmeiros que se dirigem a Jerusalém. 4 Para consulta dos dados com os gráficos, ver Anexos.

Page 15: O Caminho de Santiago e a Cantábria

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pode gastar em média 25 ou 30 euros por dia, sem contar com viagens de transportes para

o ponto de partida ou para o regresso e o custo do equipamento.

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6- El Camino del Norte

O Caminho do Norte é um dos mais antigos tramos del Camino, a par com o Caminho

Primitivo/Original, dado que no início da Reconquista Cristã na península, os

caminheiros eram obrigados a percorrer as perigosas rotas da desolada e erma Cordilheira

Cantábrica, visto boa parte das planícies da meseta mais a sul estar em poder dos

muçulmanos ou ser uma zona de conflito constante e insegura.

Com o avanço da Reconquista para sul, o Caminho do Norte perde gradualmente a sua

importância para o famoso Caminho Francês, desbravado a partir do século XI. Hoje em

dia, o Caminho do Norte é designado em muitas publicações da especialidade como

fazendo parte dos “caminhos convergentes”. Surge aqui a indicação de que quando se fala

em “Caminho” a maioria se refere claramente ao Caminho Francês. Mas como veremos,

Santiago é mais feito de Caminhos e não apenas de um e este Caminho do Norte tem

especificidades e um valor muito próprio, embora menos conhecido.

Esta região tão a norte, entre a montanha e o mar, sempre foi uma zona de trocas

comerciais e culturais significativas que contribuíram para o desenvolvimento local. E

muitas dessas trocas ocorriam no Caminho, o que fez nascer localidades e fez crescer

outras já existentes.

Também conhecida como Rota da Costa, o Caminho do Norte começa em Irún e

Fuenterrabía na fronteira entre a Espanha e a França e passa por San Sebastían, Bilbao,

Santander, Gijón e Oviedo de onde segue o Caminho Primitivo até Melide onde incorpora

o Caminho Francês até Santiago.

Figura 4 - Mapa do Caminho do Norte

Este percurso tem atualmente 815 km de extensão, com 32 etapas e mais de uma

centena de albergues ao longo do mesmo. Está bem sinalizada ao longo de todo o caminho

e algumas das regiões autónomas acrescentaram símbolos seus à sinalética típica da

concha da Vieira, dando um cunho regional identificativo e identitário daquele território

que é percorrido. Muitas localidades e cidades desta área de Espanha, têm o Caminho

bem publicitado, a par de todo o património natural e cultura que é possível ser visitado

ao longo do Caminho, muitas vezes em concertação com as diferentes regiões.

Este é segundo as estatísticas o 3º dos “Caminhos de Santiago” mais percorrido e passa

pelas Comunidades Autonómicas de País Basco, Cantábria, Astúrias e Galiza, todas no

extremo norte de Espanha, ocupando a faixa de terra que vai dos Pirenéus e a fronteira

com França até à costa Atlântica galega, pela cordilheira Cantábrica e junto ao Golfo da

Biscaia.

A par de todo o Caminho de Santiago, esta rota também sofre um declínio constante

desde o século XVI até finais do século XX, quando é então reabilitado. Desde aí,

conhece-se um crescimento exponencial de “Concheros” como também verificámos

Page 17: O Caminho de Santiago e a Cantábria

16

anteriormente. É uma rota cheia de potencial e ainda com muito para crescer, podendo

servir de complemento ao Caminho Francês com o qual faz paralelo no território e com

o qual se cruza antes da meta. As comunidades locais estão conscientes do valor e

importância do Caminho e dos Peregrinos que ali acorrem, embora talvez não seja tão

visível como no Caminho Francês.

Page 18: O Caminho de Santiago e a Cantábria

17

7- Cantábria

É uma Comunidade Autónoma espanhola localizada no norte de Espanha. É limitada

a este pelo País Basco, a sul por Castela e Leão, a oeste pelo Principado de Astúrias e a

norte pelo Golfo da Biscaia. Possui uma área de 5.321 km² e a sua capital é Santander.

Conta atualmente com uma população de 593.861 (2012) embora tenha vindo a perder

população nos últimos anos. Esta população representa 1,24% da população de Espanha,

e 1,05% do território, o que faz da região uma das mais pequenas do país.

O estatuto de Autonomia foi concedido a esta antiga região pelo governo central em

11 de janeiro de 1982 e anteriormente chamava-se Província de Santander e antiga

Astúrias de Santillana. O estatuto conferiu desde então maior autonomia para a região,

um parlamento e governo próprio e um maior reconhecimento da região em par com as

restantes regiões autónomas espanholas.

Figura 5 - Mapa da Cantábria. Fonte: Internet

É uma região pequena, com pouco peso económico no contexto geral de Espanha, mas

que contava em 2011 com apenas 14% de desemprego, contra os 20% da média nacional.

Durante muito tempo teve uma economia rural e agrícola predominante que

atualmente se situa apenas em cerca de 5% da atividade económica, dedicada à produção

de gado vacum, hortícolas e milho e à pesca e à extração de pedra e zinco. O sector

secundário vem de seguida com cerca de 30% da população a trabalhar neste sector com

predomínio para a Siderurgia e a Química por exemplo. É o sector terciário que ocupa a

restante população ativa da região com destaque para o turismo, nomeadamente o turismo

rural e as entidades bancárias como a Caja Cantabria e o conhecido Grupo Santander.

Destaca-se como maior glomerado urbano a cidade de Santander com 175.736

habitantes, que desde muito cedo viveu do seu extraordinário porto e da indústria, bem

como de alguns serviços, como o turismo e os serviços bancários.

Em 2010, a região tinha um PIB per capita de 22.328€ o décimo sexto de Espanha

mas a par com a média nacional. Antes da crise europeia que também afetou Espanha, a

Page 19: O Caminho de Santiago e a Cantábria

18

Cantábria era considera uma região economicamente em convergência com algumas das

regiões mais ricas e desenvolvidas da europa.

Encontra-se atualmente subdividida em 10 comarcas e 102 municípios. A região é

maioritariamente dominada pela montanha, nomeadamente a cordilheira Cantábrica, mas

possui uma variedade impressionante de paisagens para um território tão pequeno, dado

estar situada entre estas montanhas e o mar do Golfo da Biscaia e os vales verdejantes

entre eles.

Possui no seu território um Parque Nacional (parte do Parque Nacional dos Picos da

Europa que compartilha a oeste com as regiões vizinhas de Castela-Leão e Astúrias) e

seis Parques Naturais com grande variedade de espécies de Fauna e Flora, entre elas

espécies de aves marítimas e rapaces, cervídeos e grandes predadores como o Lobo

Ibérico ou o Urso Pardo.

A beleza natural da Cantábria é o que mais deslumbra o visitante. Entre as praias de

areia dourada e os alcantilados sinuosos noutras partes da costa, as baías como a de

Santander e as marinas onde várias espécies animais procuram refúgio e o Homem as

soube aproveitar para os seus moinhos de maré para moer os cereais. Os vales a perder

de vista, verdejantes e que vão mudando drasticamente de cores e aspeto com as estações,

às altas montanhas de Liébana e dos Picos da Europa, lugares selvagens cujas altitudes

chegam aos 2.500 metros.

A história da região também foi ela mesma tão acidentada e indomável como a sua

paisagem e deixaram um vasto património cultural pela região. Territórios duros geram

gente dura e as gentes da Cantábria deram provas históricas disso mesmo. É aqui que se

encontra um dos achados artísticos mais emblemáticos da humanidade, a Gruta de

Altamira com as suas impressionantes pinturas pré-históricas. Os romanos tardaram em

dominar esta região, conseguindo-o apenas na época de Augusto, no primeiro século

depois de cristo e somente após a derrota da resistência heroica de Corocotta. Os romanos

deixariam aqui também a sua marca em cidades, estradas, pontes e Villas, mas depois da

queda do império, a região manteve-se independente e inconquistável perante visigodos

e mouros que nunca lograram apoderar-se da região e das gentes. Esta resiliência e

autonomia conferiu desde cedo uma identidade cultural muito própria à região e acabou

por servir de base à Reconquista Cristã da península. Durante a idade-média foi palco de

conflitos e disputas entre as famílias terra-tenentes locais e sempre se mantiveram de certa

forma à margem das leis dos reis ibéricos. Nos séculos XV e XVI, a Cantábria foi berço

dos grandes arquitetos e construtores de catedrais e de navios. Forneceu à europa mestres

arquitetos de relevo como o mestre da corte portuguesa João (ou Juan) de Castillo. E foi

dos seus portos que se fez boa parte da construção naval e de onde saíram bons

marinheiros durante o Século de Ouro espanhol. No século XIX a Cantábria deu heróis à

Guerra da Independência espanhola contra os Napoleónicos e viu enriquecidas as letras

com Menéndez Pelayo.

Possui uma densidade populacional de 100,6/km2 e o principal idioma na região é o

Castelhano, embora também tenha influência e presença de muita população basca e

asturiana, esta última ainda notada no dialeto Cantábrico falado apenas por uma escassa

população maioritariamente idosa do mundo rural da região.

As diferentes comarcas, muitas delas antigas e históricas, tem marcas identitárias

fortes e singulares, no folclore, nas festividades, nos trajes típicos, na tradição oral e na

música, na gastronomia e na produção de bebidas típicas como a Cidra e até na arquitetura

tradicional, o que faz da pequena Cantábria uma região com uma diversidade patrimonial

imensa.

De interesse para o visitante, as zonas costeiras e as praias com o turismo de sol e mar,

a montanha com o turismo de montanha e de natureza, o pedestrianismo e o turismo de

Page 20: O Caminho de Santiago e a Cantábria

19

neve no inverno e os vales com o turismo rural e de habitação. Destaque para a cidade de

Santander e a sua baía, praias e monumentos históricos como a Catedral e os museus. As

grutas e parques naturais. A Gruta de Altamira e ao lado a histórica localidade de

Santillana del Mar e outras localidades de interesse cultural e patrimonial como Comillas,

San Vicente de la Barquera, Castro Urdiales, Santoña e Laredo.

Parte do Caminho do Norte, de Santiago de Compostela passa pela região e é

percorrido por muitos peregrinos anualmente, que aproveitam para visitar também o

património e a região.

A Cantábria é assim uma pequena e desconhecida região, com um grande potencial

para o Turismo de Natureza e o Turismo Cultural, onde práticas desportivas como o

Pedestrianismo, o Montanhismo, o Surf, os desportos Náuticos e os Desportos de

Natureza e Aventura têm um terreno muito propício, onde o Caminho de Santiago se

enquadra também em excelente harmonia com a oferta existente.

Page 21: O Caminho de Santiago e a Cantábria

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8- O “Camino” e a Cantábria

Embora não pareça ser a principal “atração”, é sem dúvida um recurso complementar

a boa parte da atividade turística e ao lazer na região. Boa parte do turismo da região

parece estar desenvolvido em torno do Turismo de Sol e Mar e mais recentemente e cada

vez com mais impulso o Turismo Rural e de Natureza. O Caminho do Norte combina

atividade física e desportiva, com lazer, cultura, natureza e religião e tem sido aproveitado

e está presente, ainda que amiúde, na promoção turística das entidades regionais de

turismo e das empresas do sector.

O Caminho do Norte percorre essencialmente a zona costeira desde Castro Urdiales (a

este na fronteira com País Basco), a Unquera (a oeste na fronteira com Astúrias) ao longo

de 187 km da região da Cantábria. Passa por localidades importantes como Laredo,

Santoña, Santillana del Mar, Comillas e San Vicente de la Barquera, ricas em tradição e

património cultural. No meio destas localidades, o Caminho passa pela própria capital,

Santander.

O Caminho está bem sinalizado e foi recuperado em 2004. Está atualmente ligado às

Associações dos Amigos do Caminho de Santiago de Astillero e Cantábria. Para além da

Vieira, possui uma identificação própria na Cantábria, acompanhando a concha, uma cruz

vermelha na sinalética. Possui vários albergues e alojamentos disponíveis para os

peregrinos e boa parte dos parques de campismo também em grande número, situam-se

na sua maioria dentro do Caminho do Norte, visto boa parte dos percursos pedestres e

rotas dos Parques Naturais fazem parte do Caminho.

Na Cantábria, o peregrino pode fazer um percurso complementar até Santo Toribio de

Liébana na zona dos Picos da Europa perto da localidade de Turieno.

Este percurso “aleternativo” acaba em Santo Toribio e desvia-se para sul em direção

aos picos mais altos da Cantábria e a uma das suas zonas mais belas, históricas e

selvagens: Liébana. Ali, pode visitar o mosteiro medieval de Santo Toribio de Liébana,

que acolheu Beato de Liébana na Alta Idade-Média. A razão de o Peregrino poder realizar

este “desvio” tem que ver com a presença de uma sagrada relíquia reconhecida

oficialmente pela Igreja Católica. Ali, o Peregrino pode contemplar o Lignum Crucis que

segundo a tradição, se trata do pedaço mais completo da Vera Cruz e que conferiu ao

local, desde o século XVI, o estatuto de Jubilar, a par com Roma e Jerusalém. Além desta

relíquia, também é possível venerar o túmulo de Santo Toribio e beber da Fonte Santa.

Nos anos apelidados como Jubilar Liébaniego5 existem várias cerimónias religiosas a

acontecer no mosteiro relacionadas com a relíquia, como a abertura da Porta do Perdão

onde o Peregrino receberá o Jubileu e a procissão com o Lignum Crucis. Muito à

semelhança do que se passava na Idade-Média por todo o Caminho de Santiago,

ocasionalmente mosteiros, ermidas e igrejas proclamavam ter em sua posse uma qualquer

valiosa relíquia a fim de desviar os Peregrinos para esses locais sagrados, a fim de

recolherem donativos em troca de consolo espiritual.

O Caminho do Norte tem aqui na Cantábria esta peculiaridade de ter no seu percurso

a rota de Santo Toribio, que é muito divulgada principalmente nos Anos Jubilares e

aparece nos roteiros e folhetos oficiais da comunidade relativos ao Caminho de Santiago

na Cantábria. A região de Liébana e dos Picos da Europa têm por si só uma atratividade

turística e desportiva muito forte, que se vê assim ligada também por razões históricas e

tradicionais ao Caminho do Norte.

A Cantábria tem em média 3 milhões de turistas por ano (essencialmente espanhóis),

para destinos de natureza, montanha e sol e mar. O Caminho do Norte é percorrido por

5 Ano no qual o dia festivo dedicado a Santo Toribio, 16 de abril, coincide com um domingo

Page 22: O Caminho de Santiago e a Cantábria

21

uma média de 13.400 peregrinos na região, o que ainda é significativo, tendo em conta a

oferta diversificada da região.

São muitos os agentes económicos que beneficiam deste afluxo de Peregrinos,

principalmente hoteleiros e restaurantes, que mesmo praticando preços de peregrino, têm

aqui uma renda extra para os seus negócios. Embora haja picos de Peregrinos nos anos

de Xacobeu e no verão, próximo da data de Santiago, o afluxo é mais ou menos constante

ao longo do ano, o que permite combater alguma da sazonalidade, principalmente nas

zonas costeiras.

Figura 6 - Mapa da Cantábria com os Caminhos de Santiago e de Santo Toribio. Fonte: internet

Page 23: O Caminho de Santiago e a Cantábria

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Conclusão

Provavelmente tão antiga como a própria humanidade, a Peregrinação e a atividade

pedestrianista sempre fizeram parte da história e terão sido mesmo uma das primeiras

formas de turismo, ao permitirem a deslocação de pessoas e bens através da via mais

natural ao Homem: o caminhar.

Uma das rotas mais famosas e notáveis do mundo alia a história e a cultura com a

religião e a atividade pedestre, provando que o pedestrianismo têm mais-valias que vão

muito além do caminhar e do contato com a natureza e pode ser mesmo uma experiência

holística.

O Caminho de Santiago tem hoje uma importância e significado que transcende o

objetivo religioso original, mas que não é de agora. Ao longo da história, o Caminho foi

sendo ponto de contacto de culturas e ajudou a consolidar a matriz cultural própria e

diversa do norte de Espanha.

Com um vasto património material e imaterial ao logo de um percurso com 800 km de

extensão no norte de Espanha, a Cantábria, região de pequena dimensão e singular situada

nessa zona da península, beneficiou da requalificação do Caminho e ao estar também

associada a uma marca com tanta notoriedade como o Caminho de Santiago.

Através do perfil do Peregrino de Santiago e dos riscos associados a esta atividade,

podemos perceber essencialmente a quem se dirige esta prática e quem procura estas

experiências. Visto que o caminheiro é essencialmente alguém de fora de Espanha, com

instrução superior e de meia-idade, importa que a região continue a oferecer e

inclusivamente melhore a sua oferta complementar na área patrimonial e cultural, mas

também e principalmente no enorme potencial da sua natureza e das suas paisagens.

Embora não seja do Caminho que provém os principais ganhos turísticos, é um recurso

muito importante e continua a ser tido em conta através de diversas campanhas de

promoção e divulgação, quer do governo regional, quer de outras entidades da Cantábria.

Ultimamente, várias Comunidades Autónomas espanholas da região norte têm-se

promovido em conjunto no mercado turístico, usado como elo de ligação entre si o

Caminho do Norte.

Funciona bem como recurso complementar com o Turismo Cultural, o Turismo de

Natureza e o Turismo Rural da região, elevando para um patamar internacional boa parte

destes recursos dada a notoriedade do Caminho de Santiago e ao crescendo de Peregrinos

todos os anos no Caminho do Norte, que já fizeram dele uma das principais rotas para

Santiago de Compostela.

No caso particular da Cantábria, tem de se salientar a grande importância da rota para

o Mosteiro de Santo Toribio de Liébana e para esta singularidade do Caminho no caso

Cantábrico. A rota Liebaniega pode ser de forma direta uma experiência única que ponha

o Peregrino além do que seriam as suas expetativas e destacar o Caminho do Norte e a

Cantábria como uma rota singular para quem procura uma experiência próxima do eu

seria o Caminho nos tempos medievais.

Outros tipos de valor relacionados com projetos na área do Turismo de Natureza e do

Pedestrianismo podem ser levados a cabo na Cantábria, com a chancela do Caminho de

Santiago, a fim de combater a sazonalidade, promover turisticamente a região além-

fronteiras e promover a sustentabilidade e a valorização cultural, patrimonial e ambiental.

Page 24: O Caminho de Santiago e a Cantábria

23

Bibliografia

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http://turismodecantabria.com/inicio

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Anexos

Dados Estatísticos retirados do sítio da Oficina del Pelegrino de Santiago de

Compostela referente aos Peregrinos que percorreram o Caminho de Santiago em 2013.

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