1 "O CADASTRO ÚNICO: A CONSOLIDAÇÃO DE UMA INFRAESTRUTURA PARA PROGRAMAS SOCIAIS" LUCIANA DE FARIAS 1 RAFAEL DE BRITO DIAS 2 Resumo: Nos estudos sobre políticas sociais, mormente sobre o bolsa família, o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) torna-se uma caixa-preta, um objeto ainda escassamente explorado e efetivamente compreendido. Não obstante, a elaboração e consolidação do CadÚnico não foi trivial e envolveu uma série de relações complexas que levaram tempo para serem consolidadas. Sendo assim, o objetivo do artigo é apresentar resultados de uma pesquisa que interpretou o CadÚnico como uma infraestrutura, dito de outra forma, explorou as escolhas e relações imbricadas no seu funcionamento. Para isso, foram realizadas entrevistas e pesquisa documental compreendendo desde a criação do CadÚnico em 2001 até 2015 tendo como marco teórico os Estudos de Infraestrutura. O trabalho conclui que a trajetória do Cadastro Único revela alguns aspectos do desafio de enfrentar a pobreza como uma questão multidimensional que exige um trabalho envolvendo diversas frentes e a articulação de diversos ministérios. Palavras-chave: Cadastro Único; Bolsa Família, Políticas Sociais; Estudos de Infraestrutura. INTRODUÇÃO Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa de mestrado que parte da constatação de que os programas de transferência de renda condicionada, principalmente o Bolsa Família, têm sido objeto de muitos estudos, teses e dissertações, nos quais o Cadastro Único é apresentado como uma ferramenta que viabiliza a identificação dos beneficiários do Bolsa Família – e outros programas – e que também pode servir para o planejamento de ações dos governos federal, estaduais e municipais voltadas para população mais pobre. Sendo assim, a proposta da pesquisa é abordar o Cadastro Único mais do que como uma ferramenta. Dito de outra forma, aqui ele é compreendido como uma tecnologia viva e em constante construção, ao mesmo tempo produto e gerador de novos marcos legais e institucionais das políticas sociais, e fruto do comprometimento e trabalho dos cadastradores e gestores municipais que atuam na ponta dos programas sociais. Esses arranjos e o trabalho de muitas pessoas fizeram do Cadastro a principal ferramenta de identificação da população pobre do país tornando-se fundamental para o andamento dos programas sociais, essa consolidação será denominada neste trabalho como status infraestrutural do CadÚnico. 1 Unicamp / Departamento de Política Científica e Tecnológica, Brasil. E-mail: [email protected]. 2 Unicamp / Departamento de Política Científica e Tecnológica, Brasil E-mail: [email protected].
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O CADASTRO ÚNICO: A CONSOLIDAÇÃO DE UMA … · Por exemplo, o conceito de pobreza utilizado pelo formulário do Cadastro, para a família estar habilitada a ser incluída no Cadastro
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"O CADASTRO ÚNICO: A CONSOLIDAÇÃO DE UMA INFRAESTRUTURA PARA
PROGRAMAS SOCIAIS"
LUCIANA DE FARIAS1
RAFAEL DE BRITO DIAS2
Resumo: Nos estudos sobre políticas sociais, mormente sobre o bolsa família, o Cadastro Único
para Programas Sociais (CadÚnico) torna-se uma caixa-preta, um objeto ainda escassamente
explorado e efetivamente compreendido. Não obstante, a elaboração e consolidação do
CadÚnico não foi trivial e envolveu uma série de relações complexas que levaram tempo para
serem consolidadas. Sendo assim, o objetivo do artigo é apresentar resultados de uma pesquisa
que interpretou o CadÚnico como uma infraestrutura, dito de outra forma, explorou as escolhas
e relações imbricadas no seu funcionamento. Para isso, foram realizadas entrevistas e pesquisa
documental compreendendo desde a criação do CadÚnico em 2001 até 2015 tendo como marco
teórico os Estudos de Infraestrutura. O trabalho conclui que a trajetória do Cadastro Único
revela alguns aspectos do desafio de enfrentar a pobreza como uma questão multidimensional
que exige um trabalho envolvendo diversas frentes e a articulação de diversos ministérios.
Palavras-chave: Cadastro Único; Bolsa Família, Políticas Sociais; Estudos de Infraestrutura.
INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa de mestrado que parte da constatação
de que os programas de transferência de renda condicionada, principalmente o Bolsa Família,
têm sido objeto de muitos estudos, teses e dissertações, nos quais o Cadastro Único é
apresentado como uma ferramenta que viabiliza a identificação dos beneficiários do Bolsa
Família – e outros programas – e que também pode servir para o planejamento de ações dos
governos federal, estaduais e municipais voltadas para população mais pobre.
Sendo assim, a proposta da pesquisa é abordar o Cadastro Único mais do que como uma
ferramenta. Dito de outra forma, aqui ele é compreendido como uma tecnologia viva e em
constante construção, ao mesmo tempo produto e gerador de novos marcos legais e
institucionais das políticas sociais, e fruto do comprometimento e trabalho dos cadastradores e
gestores municipais que atuam na ponta dos programas sociais. Esses arranjos e o trabalho de
muitas pessoas fizeram do Cadastro a principal ferramenta de identificação da população pobre
do país tornando-se fundamental para o andamento dos programas sociais, essa consolidação
será denominada neste trabalho como status infraestrutural do CadÚnico.
1Unicamp / Departamento de Política Científica e Tecnológica, Brasil. E-mail: [email protected]. 2Unicamp / Departamento de Política Científica e Tecnológica, Brasil E-mail: [email protected].
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O objetivo da pesquisa foi recuperar a trajetória do Cadastro Único visando revelar as
tensões que compreendem disputas de projetos entre suposições daqueles que criam e daqueles
que usam o cadastro (JACKSON, EDWARDS, BOWKER, & KNOBEL, 2007). O Cadastro
Único tem o objetivo de obter, armazenar e divulgar informações e dados, para isso entra em
questão como conseguir esses dados? Como compartilhar? Como armazenar, preservar e tratar
os dados? Como garantir que as informações serão usadas? O que vale como informação? E a
tensão que vai estar acima de todas é a de como um único projeto pode ter ferramentas com a
gama e capacidade para acomodar as distintas necessidades de dados das várias comunidades
clientes dispersas geograficamente?
A pesquisa utilizou como referencial teórico os Estudos de Infraestrutura. A
metodologia executada foi a revisão documental de relatórios e leis e a entrevista com
funcionários e ex-funcionários do Governo Federal envolvidos em diferentes fases da trajetória
do objeto de estudo, além da entrevista com um funcionário da Caixa Econômica Federal
(CAIXA).
Dessa forma foi possível delinear que a emergência do Cadastro Único em 2001 foi
marcada pela disputa entre os órgãos gestores dos programas sociais e a fragmentação das ações
dentro do contexto das políticas sociais no país, passando pela superação dessa disputa e pela
unificação dos programas sociais no bojo do Programa Bolsa Família (PBF), momento no qual
o Cadastro cresceu muito vinculado ao crescimento e a consolidação desse Programa durante
os anos 2003 a 2008. Por fim, consolidado institucionalmente e com sua plataforma tecnológica
fortalecida, embora com a persistência de alguns problemas, entre 2005 e 2011 o Cadastro
Único passa por uma profunda revisão de seu formulário de coleta de dados e de seu software
que resulta num alargamento de seu escopo incorporando mais programas sociais usuários.
REFERENCIAL TEÓRICO
O referencial teórico do artigo são os Estudos de Infraestrutura. No campo dos Estudos
Sociais da Ciência e da Tecnologia, os Estudos de Infraestrutura (EI) compõem uma corrente
inaugurada pelos trabalhos de Tomas Hughes (1983, 1987) sobre a história das redes elétricas
e o desenvolvimento de grandes sistemas tecnológicos. Os conceitos de Hughes ganham
notoriedade nos estudos das Infraestrutura de Informação no final dos anos 1990, não por acaso,
época em que o uso da internet começa a se popularizar (STAR & RUHLEDER, 1997;