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07/05/2015 O Brasil virou o pas do fanatismo? - Galileu |
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O Brasil virou o pas do fanatismo?
2014, CURITIBA: Segundo pesquisas, apenas 7% das pessoas que
fazem parte de umatorcida organizada participam de conflitos
violentos no futebol (Foto: Heuler Andrey/AGIF)
s eleies presidenciais acabaram em outubro, com a legtima eleio
da presidenteDilma Rousseff.
Desde o comeo do ano, medida que cada vez mais pessoas
aprenderam a escreverimpeachment, a reao dos partidrios de ambos os
lados ganhou contornos aindamais radicais. Em meados de maro, duas
manifestaes tomaram conta das ruas dasprincipais cidades
brasileiras: uma a favor do governo, e a outra, maior em
nmero,contra. Os protestos no registraram confuses, mas foram palco
de cenaspreocupantes: faixas com a sustica nazista pedindo a volta
da ditadura militarem plena avenida Paulista, pessoas hostilizando
jornalistas ideologicamentecontrrios ao movimento e acusaes de
golpismo para quem contra o
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governo.
Durante os pronunciamentos da presidente e de dois de seus
ministros na televiso,milhares de pessoas saram na janela de casa
para promover um panelao obarulho foi to alto que abafou qualquer
possibilidade de ao menos tentar ouvir o quediziam. Nada contra
manifestaes, claro. O problema que, ao ignorar opiniescontrrias, as
pessoas tendem a aderir cegamente a uma posio, doutrina ousistema e
a caminhar numa direo perigosa: a do fanatismo.
H alguns anos a cincia tenta explicar por que, afinal, to fcil
alinhar-se a umconjunto de pessoas que encontrou um Judas
particular e culp-lo por todo o caos douniverso. Uma prova disso o
paradigma dos grupos mnimos, elaborado nos anos1970 pelo psiclogo
Henri Tajfel, da Universidade de Bristol, na Inglaterra. Ao
seremaleatoriamente agrupados de acordo com critrios irrelevantes,
como o pintorfavorito, os participantes do experimento criaram
forte ligao entre aqueles quedividiam a mesma turma, exaltando suas
qualidades e hostilizando os rivais. Ao finaldo experimento,
formou-se o ns contra eles ser que algum a ouviu algoparecido com
isso no que ficou convencionado chamar de protestos de maro?
Ainda no sculo 19, o pensador francs Gustave le Bon j havia
atentado para ocomportamento bizarro das pessoas ao se unirem em
grupos, formando uma espciede mentalidade nica irracional ou o que
o escritor Nelson Rodrigues chamaria deunanimidade burra. Na obra
Psicologia das multides (WMF Martins Fontes), de1895, Le Bon
escreveu: Nas grandes multides, acumula-se a estupidez, em vez
dainteligncia. Na mentalidade coletiva, as aptides intelectuais dos
indivduos e,consequentemente, suas personalidades se enfraquecem.
como se, ao se unir aosseus pares, as pessoas deixassem de usar a
razo e passassem a deixar a emootomar conta, tornando-se presas
fceis de manipuladores. Segundo o historiadorJaime Pinsky, autor do
livro Faces do fanatismo (Contexto), o grande perigo dasdevoes
extremas a convico inabalvel. A certeza da verdade do fantico no
resultante de uma reflexo ou de uma deduo intelectual, diz o
escritor.
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1936, BERLIM: alemes realizam a tpica saudao nazista para
receber o lder adolfhitler durante os jogos olmpicos realizados na
cidade (Foto: Bettmann/CORBIS)
A isso se junta o experimento do psiclogo Philip Zimbardo, da
UniversidadeStanford. H mais de 40 anos, ele resolveu simular o
comportamento dentro de umapriso, atribuindo aleatoriamente o papel
de guardas e prisioneiros a estudantes.No entanto, o que deveria
seguir por duas semanas durou apenas seis dias. Ningumali era Meryl
Streep, mas os participantes do estudo interpretaram to bem
seuspapis que os guardas se revelaram verdadeiros sdicos,
humilhando e causandotraumas entre os prisioneiros. Em grupo somos
capazes de realizar aes queindividualmente no seramos, diz Ligia
Mendona, participante do convnio dolaboratrio de psicopatologia
clnica e psicanlise da Universidade de Toulouse.
Alm de inspirar o filme The Stanford Prison Experiment (O
experimento da prisode Stanford, em traduo livre), lanado em
janeiro nos Estados Unidos, o estudo deZimbardo tambm ajudou na
formulao da teoria da identidade social, dospsiclogos John Turner e
Henri Tajfel o mesmo dos grupos mnimos. Segundo aideia, quanto mais
inserido em um conjunto, mais o participante acata seus
valores.Quando uma pessoa pertence convictamente a um grupo, ela
adquire uma identidadesocial: valores, objetivos, memrias etc. Essa
identidade contrape o participante aosque no fazem parte do seu
grupo, diz o psiclogo Geraldo Jos de Paiva, daUniversidade de So
Paulo.
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Seja um cicloativista que v um inimigo em qualquer objeto de
quatro rodas, umextremista religioso que no concorda com a linha
editorial de um jornal francs emata os responsveis, um torcedor de
um time que no consegue conviver comalgum vestindo a camisa do time
adversrio ou um f da Apple que olha com desdmpara qualquer aparelho
Android, a no aceitao de ideias diferentes e a cegueiracausada pela
crena absoluta em verdades reveladas ainda insistem em aparecer
nasmais diferentes esferas da sociedade, ameaando a liberdade e o
conceito bsico dedemocracia.
2014, SRIA: com discurso religioso, os extremistas do Estado
Islmico tornaram-seum dos grupos mais violentos da atualidade
(Foto: Medyan Dairieh/ZUMA Wire)
Como explicar que a nao de Johann Wolfgang Goethe, Ludwig van
Beethoven eAlbert Einstein tambm tenha se tornado o local onde se
realizou uma das maioresatrocidades da histria? Para especialistas,
o fenmeno nazista na Alemanha vaialm da ideia de um aparente surto
psictico coletivo. Um lder carismticocomo Hitler, que promete
felicidade a qualquer preo, passa a ser uma figura sedutorapara uma
massa desacreditada que vive o desemprego, a fome e a escassez
dealimentos, afirma Ana Maria Dietrich, professora do programa de
ps-graduao daUniversidade Federal do ABC. Em momentos de crise,
tende-se a eleger um lder etambm a escolher bodes expiatrios.
Quando Hitler chegou ao poder, em 1933, a Alemanha passava por
um momento de
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instabilidade poltica e econmica: as lembranas da derrota na
Primeira GuerraMundial ainda eram muito recentes e se refletiam em
diferentes problemas, comodesemprego, inflao e fragilidade do
sistema poltico. A ascenso de um lder capazde resgatar o sentimento
de orgulho alemo e conclamar a revanche pelashumilhaes sofridas no
conflito mundial teve alta aceitao entre as massas. Sfaltava
encontrar um inimigo comum e responsabiliz-lo. Spoiler para quem
noviveu na Terra nos ltimos 80 anos: os judeus foram os escolhidos,
assim comooutras minorias, como negros e homossexuais.
Para dar conta das aspiraes nazistas, criou-se uma verdadeira
indstria da morte,comandada por homens como Adolf Eichmann, que foi
capturado em Buenos Airesem 1960. No livro Eichmann em Jerusalm
(Companhia das Letras), a filsofa polticaHannah Arendt conta a
histria do julgamento do oficial, e o descreve no como ummanaco
assassino, mas como um burocrata a servio do partido, que
tinhaobrigao de obedecer ordens. Quem disser que este o conceito do
termobanalidade do mal, cunhado pela autora, ganha pontos no
vestibular da vida.
Vemos o ser humano que j perdeu todos os laos de solidariedade.
Isolado e semconscincia de classe ou de famlia, ele se torna um
nmero na massa e capaz deperpetrar as maiores atrocidades como quem
carimba um papel, afirma Ana MariaDietrich. O extremismo poltico no
respeita as contradies do jogo democrtico erejeita a ideia de saber
lidar com o outro. No caso do nazismo, a lei de que s o ldertinha
razo e os judeus eram os culpados de todas as mazelas fazia que as
reflexessobre os problemas perdessem o sentido, completa.
Apesar de parecerem historicamente distantes, algumas das
premissas tota-litrias do episdio ainda no foram completamente
resolvidas pela sociedade.O argumento racional faz parte do gnero
humano, e o debate entre ideias diferentes importante para que as
coisas se esclaream, diz Jaime Pinsky. Mas o limiar dissoest na
racionalidade: quando passa a ter dogmas, voc extrapola a
racionalidade e setorna um fantico. Qualquer semelhana com o
extremismo de discursos entrecoxinhas e petralhas observado nos
ltimos meses no mera coincidncia.
O racha entre militantes do PT e do PSDB teve incio antes mesmo
das eleies doano passado, marcadas por discusses interminveis nas
redes sociais, com o fim atde certas amizades. Este ano, essas
discusses entre pessoas pr e contra o governoganharam um novo
palco: as ruas.
No dia 15 de maro, manifestaes tomaram conta de 153 cidades do
Brasil.Independentemente do lado, o que se v em alguns casos o dio
tomar o lugar dodebate: como se gritar Dilma vagabunda ou
desqualificar uma manifestao
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por causa da classe social de quem participa fosse argumento.
Como lembrou ofilsofo Vladimir Safatle em sua coluna do jornal
Folha de S.Paulo, o discurso deconciliao no funciona na poltica
porque exatamente ela que coloca ascontradies mostra. Para ele, a
rachadura do Brasil sempre existiu, com a ajudada concentrao de
renda, da disparidade regional e de preconceitos. Essa
polaridadeapenas permitiu que a diviso se expressasse, escreveu
ele.
A psicologia ajuda a entender por que grupos como o Estado
Islmico, o BokoHaram e a Al-Qaeda so to implacveis com aqueles que
consideram infiis. Aocoordenar as primeiras pesquisas com
homens-bomba frustrados (que no explodirampor problemas tcnicos ou
por terem sido pegos pela polcia), o psiclogo Ariel Merari,da
Universidade de Tel-Aviv, constatou que os principais fatores que
motivavam osterroristas a tirar o pino de uma granada no eram a
religio nem o desejo devingana, mas sim a vontade de ser admirado
pelo grupo, compensando sua falta dehabilidade social. Ou seja,
corresponder s expectativas do meio um fator maisdominante que a
ideologia. Eles eram jovens fracos e dependentes, no o tipo
depessoa ideolgica, afirmou Merari a GALILEU.
Para a tristeza dos conservadores, o islamismo no detm o
monoplio dofundamentalismo religioso. Em maior ou menor grau,
grande parte das religies jultrapassou a linha do extremismo. Como
lembra a professora Maria de LourdesCorra Lima, do departamento de
teologia da PUC-Rio, o conceito dofundamentalismo tem incio no
sculo 20, quando a American Bible League lanouem 12 volumes a obra
The Fundamentals: a Testimony to the Truth (Os pontosfundamentais:
um testemunho para a f, em traduo livre). A ideia era defender
oscristos das ameaas do liberalismo e do modernismo, que iam de
encontro asuas convices. O fundamentalismo se baseia numa viso
dualista, segundo a qualtudo o que no est de acordo com o que o
grupo defende considerado mau. Noentram mais em jogo nem a reflexo
nem a tolerncia, mas somente a afirmaocategrica de certos
princpios, explica ela.
Vale lembrar que o fanatismo religioso j despertava o interesse
de filsofos, como oingls John Locke, no sculo 17, quando a reforma
luterana esquentou o clima naEuropa. Para Locke ele prprio um
religioso , ao povo era necessrio dar as-sistncia moral, e no
dogmas teolgicos. Ele acreditava que representantes dereligies
diferentes pudessem conviver em paz, e que garantir o respeito
entreopinies divergentes ficaria a cargo do Estado. Mas, para o
filsofo, at a tolernciatinha limite. Por responder a um lder
estrangeiro (o papa romano), os catlicos, quej haviam usado os
tribunais da Inquisio para queimar desafetos na fogueira,
nodeveriam ser contemplados com esse benefcio, assim como os ateus.
Os que negama existncia de Deus no podem ser tolerados de modo
algum, afirmava ele.
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No preciso viajar no tempo para observar a ironia teolgica.
Parte da militncialigada a religies no Brasil atravanca a ampliao
de direitos individuais equestes de sade pblica, como a unio civil
homossexual e o aborto. No foi toa que, no incio de maro, um vdeo
que mostra fiis da Igreja Universal do Reino deDeus uniformizados
como militares, marchando e gritando frases de efeito assustoumuita
gente. Por parecer, de fato, um exrcito, no faltaram comparaes com
osregistros de Leni Riefenstahl da ascenso do regime fascista.
No era para tanto. Segundo a Universal, a nica atividade regular
dos 4,3 mil jovensque compem o projeto Guardies do Altar assistir a
aulas que estimulam odebate e a reflexo sobre aspectos do texto
bblico e do trabalho missionrio.Procurada por GALILEU, a Universal
enviou um texto disponvel no seu site erespondeu s perguntas
solicitadas por e-mail com a prola: Se restarem dvidassobre o acima
explicado [no texto], ficar claro que a pergunta no temsentido.
Eles acham que vocs so uma ameaa, afirma Fbio Marton, autor de
mpio: oevangelho de um ateu (Leya). Criado em um ambiente
religioso, o jornalista foi pastormirim e ajudou a exorcizar a
prpria me quando fazia parte de uma igreja pentecostalconhecida
como Igreja Evanglica Exrcito Celestial. Foram quatro anos
deintrospeco, at que notei uma coisa estranha em ser um rob de
Cristo, umaautoaniquilao, afirma. Para Marton, um ponto-chave para
entender osevanglicos no Brasil compreender sua relao com as
religies africanas. Para osevanglicos, os orixs so demnios, eles
acreditam mais nisso do que em Deus. Esseclima de batalha eles tm
em comum com o fanatismo islmico, diz ele.
Para o psiclogo Ariel Merari, apesar de certos tipos de pessoas
serem mais fceis deinfluenciar do que outros, os mecanismos de
convencimento usados por algumasigrejas so semelhantes aos
utilizados por muulmanos extremistas o que muda ainfluncia cultural
e social. So processos psicolgicos universais que resultam dapresso
ou da vontade de ser apreciado pelo grupo.
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2013, JOINVILLE: no jogo entre atltico paranaense e vasco, as
atenes deixaram ocampo e se voltaram para a violncia nas
arquibancadas (Foto: Pedro Kirillos/AgnciaO Globo)
Em 2013, Atltico Paranaense e Vasco disputavam uma partida
decisiva pela ltimarodada do Campeonato Brasileiro. Se perdesse, a
equipe carioca enfrentaria o segundorebaixamento de sua histria.
Logo aps o incio do jogo, os olhos concentrados nocampo voltaram-se
para as arquibancadas. Torcedores organizados dos dois times,rivais
de longa data, comearam uma briga que no conseguiu ser contida
pelosseguranas da Arena Joinville. O placar final de 5 a 1 para o
Atltico Paranaense foimero detalhe frente imagem de um pai vascano
que protegia seu filho em meio aocombate.
Apesar de os torcedores organizados estarem associados a atos de
violncia, suasorigens so polticas. As primeiras organizadas
surgiram na dcada de 1960 e foraminfluenciadas pelo esprito da
poca, como um movimento de resistncia efiscalizao dentro do
futebol, afirma Felipe Lopes, que defendeu tese de doutoradono
Instituto de Psicologia da USP sobre o assunto. Mas, enquanto
algumas torcidasse organizavam como fiscalizadoras, o sentimento de
militarizao, reflexo dapoca, tambm crescia.
Certos grupos eram organizados em pelotes, e seus dirigentes
eram chamados decapites. Essa se tornou uma face mais ligada
guerra, machista e militarizada, e a
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partir dos anos 1980 essas torcidas deixaram as pginas
esportivas para ocupar aspginas policiais, afirma o socilogo
Mauricio Murad, autor do livro Para entender aviolncia no futebol
(Benvir).
A perda da fora de instituies que eram fontes de identidade,
como sindicatose partidos, explica a escalada da violncia. Isso fez
que as torcidas acabassem setornando um dos poucos espaos de
reconhecimento social, ainda mais entre osjovens carentes de lazer
e cultura. Nesse caso, a devoo pelo time de futebol semistura
lealdade para com a torcida organizada. O futebol um dos
maiorespatrimnios da cultura coletiva brasileira e fruto de
identidade social. Quando essapaixo excede os padres de
sociabilidade, isso se torna fanatismo, deixando deexistir a
diferena entre adversrio e inimigo, diz Murad. Segundo o
pesquisador, oBrasil o pas mais violento do mundo em relao a
conflitos entreorganizadas: de 2012 a 2014, 71 mortes foram
registradas por aqui.
Ainda assim, apenas 7% dos torcedores que pertencem a um grupo
uniformizadoparticipam dos conflitos. Quem rouba a bandeira de uma
torcida rival, porexemplo, ganha reconhecimento, diz Lopes. Outra
explicao para a violncia sedeve a fatores mais racionais, como a
disputa pelo poder no comando da prpriaorganizao, algo que acontece
de maneira recorrente nas barras bravas, as torcidasargentinas.
Existe a venda de drogas e lcool, o apoio financeiro de dirigentes,
olucro com a revenda de ingressos... Ento vemos mortes de pessoas
mais velhas queesto implicadas numa disputa pelo poder, afirma Andr
Luiz Nery, autor deViolncia no futebol: mortes de torcedores na
Argentina e no Brasil (Multifoco).
Seguindo os conceitos de Le Bon, Murad destaca a ideia do
sentimento deinvisibilidade no meio das massas como causa da
violncia. Quando vemostorcedores dizendo que vo morrer pelo seu
time e quando agridem outro torcedor,vemos esse lado irracional,
diz ele. J para Felipe Lopes, preciso tomar cuidado aoafirmar que
as manifestaes violentas esto ligadas ao comportamento das
massas.Se a massa potencialmente violenta e irracional, voc
legitima a represso, eleafirma. Mas isso no quer dizer que a pessoa
no aja de modo mais intenso quandoest em grupo: esse contgio que
faz o futebol ser to interessante de ver de dentrodo estdio.
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2014, HAMBURGO: As filas dos lanamentos da apple so uma atrao
parte. aeuforia para adquirir os aparelhos tanta que, na china, um
jovem vendeu o rim paracomprar um iphone e um iPad (Foto: Axel
Heimken/DPA/ZUMA Wire)
Proporcionais ao aumento do tamanho do iPhone so as filas de
consumidores vidospor adquirir as novidades da Apple. As aglomeraes
j so uma atrao aguardadano s por consumidores, mas tambm por
empreendedores do acaso, que chegam acobrar R$ 400 por um lugar na
fila. J para viabilizar o dinheiro necessrio, a China amais
inovadora. Em 2012, um jovem chins de 17 anos transformou em
realidadeuma metfora ao vender um rim para comprar um iPhone e um
iPad. claro que aeuforia pela marca no se deve somente a seu charme
irresistvel o marketingeficiente tambm tem seus mritos.
A campanha de 2006 Im a Mac, Im a PC deixa evidente a diferena
do perfil dosconsumidores da companhia e aumenta o sentimento de
pertencer a um grupoexclusivo. Nos anncios, o usurio de Mac
retratado como um jovem descolado,enquanto os usurios de PC so
burocratas engravatados. Num artigo para o site LiveScience, Albert
Muniz Jr., professor de marketing da Universidade DePaul, em
Chicago,lembra que, nos anos 1980, os applemanacos j buscavam se
diferenciar. Elesdiziam que, naquela poca, era evidente que o
pessoal da IBM tinha um jeito:vestia terno e votava no presidente
Reagan. J o pessoal do Mac tinha outro:vestia jeans e no votava no
Reagan.
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Segundo Carlos Augusto Costa, diretor do laboratrio de
neuromarketing da FGVProjetos, 92% dos consumidores mudam de ideia
na hora das compras. O desafio dasmarcas, portanto, evitar que isso
acontea. Uma das formas mais tradicionais aassociao com os trend
setters, pessoas que ditam tendncias. Ao vermos algumrenomado ou um
dolo usando determinada marca de desodorante, por exemplo,tendemos
a querer copiar a ao. Culpa dos neurnios espelhos, que fazem que
nossapercepo visual inicie um tipo de simulao interna dos atos dos
outros. Voltandoum pouco s propagandas da Johnson & Johnson,
por exemplo, as mes podiam noter bebs to bonitos como aqueles, mas
poderiam fazer seus filhos usarem fraldasiguais; o mesmo raciocnio
serve para as propagandas de cuecas, e assim por diante,explica
Costa.
Isso funciona bem quando temos uma relao emocional acima da mdia
com oproduto. por isso que para entender o sucesso de uma marca
como a Apple preciso conhecer os mecanismos da religio. Para Costa,
as marcas que causameuforia tm smbolos fortes e pessoas
inspiradoras que disseminam suas filosofias,como o caso de Jesus
Cristo na Igreja catlica. Nosso crebro tambm gosta de umanovela.
Como Buda, Maom e Cristo, as marcas precisam criar envolvimento,
afirmaele. Nada que o messias Steve Jobs no tenha feito durante
suas pregaes.
A incapacidade de compreender opinies diferentes uma ameaa
democracia, masexiste uma forma de combater isso? A liberdade deve
ser sempre a maiorpossvel, mas isso significa colocar certos
limites para garantir os direitos e aintegridade de outros, afirma
Ricardo Bins di Napoli, professor de filosofia daUniversidade
Federal de Santa Maria e especialista em temas ligados tica
poltica.Para que isso seja possvel, necessrio construir uma cultura
de tolerncia que passepor todos os elementos que compem uma
sociedade. a capacidade de se abster deintervir na opinio do outro,
mesmo que se desaprove ou se tenha o poder para cal-la, cerce-la ou
at prend-la, diz o professor.
A aceitao de valores diferentes um exerccio de autocrtica. Ela
cria ascondies necessrias para construir um dilogo positivo para o
desenvolvimento deuma sociedade sem rachaduras, na qual a palavra
respeito no seja apenas umaestampa de camiseta. Afinal, qual seria
a graa do futebol se o rival fosse extinto?Conflitos nos fazem
questionar e evoluir. Antes de xingar a me dos desafetos,talvez
seja melhor iniciar um dilogo capaz de conter o maior nmero
possvelde opinies. E isso inclui adicionar novamente aquele amigo
excludo do seuFacebook durante as eleies e os protestos de maro.
Mais amor e menos dio,por favor.
1099 - CERCO DE JERUSALM > Exrcitos cristos da Europa
iniciaram a tomada de
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Jerusalm, que culminou com o massacre de muulmanos, judeus e
cristos ortodoxos
1478 - INQUISIO ESPANHOLA > O Tribunal do Santo Ofcio da
Inquisio foicriado para combater muulmanos que dominavam parte da
Espanha. Milhares depessoas de outras religies foram mortas sob a
superviso da Igreja catlica
1572 - NOITE DE SO BARTOLOMEU > Organizados pela monarquia
catlicafrancesa, cristos protestantes foram mortos durante a
madrugada do dia 24 de agosto
1792 - TERROR JACOBINO > Mais de 17 mil opositores polticos
foramguilhotinados por ordem do grupo jacobino que liderava a
Revoluo Francesa
1871 - O FIM DA COMUNA DE PARIS > Primeiro governo operrio da
histria, aComuna de Paris foi dissolvida aps um massacre que
resultou em priso, tortura emorte de quase 100 mil
trabalhadores
1936 - PROCESSOS DE MOSCOU > Para manter a hegemonia no
Partido Comunistada Unio Sovitica, Josef Stlin inicia a perseguio e
o fuzilamento de antigoscamaradas contrrios a suas decises
polticas
1938 - NOITE DOS CRISTAIS > O governo nazista instaura uma
poltica de priso,assassinato e destruio de propriedades de judeus,
sob a coordenao das tropas deassalto do exrcito alemo
1965 - GOLPE DE ESTADO NA INDONSIA > Aps a tomada do poder
pelo generalSuharto, o Partido Comunista da Indonsia foi extinto
depois do massacre de quasemeio milho de militantes
1975 - O KHMER VERMELHO > O regime comunista liderado por Pol
Pot obrigou osmoradores das cidades do Camboja a migrar para o
campo, fazendo cerca de 1,5milho de vtimas
2001 - 11 DE SETEMBRO > A organizao terrorista Al-Qaeda,
alegando agir emnome da religio islmica, realiza o maior atentado
da histria em solo norte-americano, causando a morte de 2996
pessoas
2014 - ESTADO ISLMICO > Grupo fundamentalista proclama a
independncia deregies da Sria e do Iraque, as quais passariam a ser
regidas por sua prpriainterpretao da lei sagrada islmica
1. Ao separarmos o mundo em categorias como cristo ou f da
Apple, nos
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inclumos em grupos que correspondem a nossas necessidades
2. Em um coletivo, somos sugestionados a exaltar pontos que o
beneficiam,ignorando as fragilidades e tudo o que vai contra suas
ideias e criando assim uminimigo a ser combatido
3. Esse sentimento de conexo aumentado pelo poder das
narrativas. Nosso crebroprecisa de histrias, como a de Jesus
Cristo, por exemplo, para criar relao emocional
4. Quando o grupo uniforme, ele cria uma mentalidade coletiva,
com os mesmosvalores e objetivos. Sentir-se parte do grupo o que
psiclogos chamam de identidadesocial
5. Os que tm identidade social intensa abrem mo de outras
referncias, estreitandosua percepo e reforando as emoes que os
ligam ao grupo
6. Sob influncia do meio (e, em muitos casos, de um lder
carismtico), multidespodem lutar por benefcios comuns, como
direitos civis, ou por catstrofes, como aascenso do nazismo
7. Com o devido incentivo, as pessoas so capazes de fazer em
grupo coisas que nofariam sozinhas
Como essa pesquisa foi desenvolvida?Medimos movimentos
musculares, padres cardiovasculares e estmulos
cerebrais,correlacionando essas anlises biolgicas s opinies de cada
pessoa a respeito de umamplo nmero de temas polticos controversos.
Indivduos que apresentavam umaforte ativao na regio cerebral da
amgdala quando expostos a estmulos negativosou nojentos tendiam a
adotar posies polticas conservadoras, relacionadas asegurana e
tradio.
Ento possvel dizer que o crebro pode determinar nossa viso
poltica?No, determinar um termo muito forte neste caso, mas os
padres de ativaocerebral esto relacionados a nossa orientao
poltica. Temos certas predisposiesinconscientes que se espreitam em
ns, e geralmente elas ajudam a determinarpreferncias polticas
particulares em temas sociais, como nossa opinio a respeito
deimigrao. Quando apresentvamos imagens desagradveis, como casas
pegando fogo,pessoas usando o banheiro ou um homem comendo
minhocas, o estmulo na regioda amgdala era maior em pessoas com
opinies conservadoras. Essas mediesbiolgicas se corresponderam bem
em relao a opinies polticas, porm menos nasquestes econmicas.
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O fanatismo poltico potencializado por condies predeterminadas
do crebro?Pessoas que tm sentimentos polticos intensos possuem uma
assinatura biolgicadiferente e identificvel. Em nosso trabalho,
focalizamos as diferenas entre pessoasde esquerda e de direita, mas
tambm estamos interessados nas diferenas entre osque so
politicamente apticos e aqueles to envolvidos que podem cometer
algumtipo de violncia com motivos polticos.
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