IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR 1199 O Bosque Marechal Cândido Rondon em 1950 como representante das transformações na paisagem londrinense. Fernanda Cequalini Frozoni 1 Resumo O que se pretende neste trabalho, é apresentar um dos aspectos das transformações que a cidade de Londrina-PR viveu durante a década de 1950, a partir do espaço verde chamado Bosque Marechal Cândido Rondon, situado na área central. Também destacar que essas transformações foram registradas pelo fotógrafo contratado da prefeitura municipal, Oswaldo Leite. Estes registros permitem uma releitura e uma reinterpretação da época. Sobretudo, perceber para onde se dirigiu o olhar do fotografo em seus registros de imagens do Bosque e apresentar como ele se encontra hoje. Palavras-chave: Fotografia, Bosque Marechal Cândido Rondon, Transformações na paisagem urbana. Abstract This work intends to present one of the many aspects of the transformation in Londrina (PR) during 1950 years, by the green space called Wood Marechal Cândido Rondon, in the central area of this town. Also have to be detached that these transformations were registered by the photographer Oswaldo Leite, hired of the town hall. Those registers can give a reread and reinterpret of this decade, percept to where the look of this photographer was directed, and show how is this Wood nowadays. Keywords: Photography, Wood Marechal Cândido Rondon, Urban landscape transformation. 1 Discente do mestrado em História Social da Universidade Estadual de Londrina, com especialização em História Social pela mesma universidade. E-mail: [email protected].
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O Bosque Marechal Cândido Rondon em 1950 como ... · Através desta afirmação, pode-se notar que o Bosque fora posto dentro das obras realizadas pela prefeitura na cidade. São
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IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem
07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR
1199
O Bosque Marechal Cândido Rondon em 1950 como representante das transformações na paisagem londrinense.
Fernanda Cequalini Frozoni1
Resumo
O que se pretende neste trabalho, é apresentar um dos aspectos das transformações que a
cidade de Londrina-PR viveu durante a década de 1950, a partir do espaço verde chamado
Bosque Marechal Cândido Rondon, situado na área central. Também destacar que essas
transformações foram registradas pelo fotógrafo contratado da prefeitura municipal, Oswaldo
Leite. Estes registros permitem uma releitura e uma reinterpretação da época. Sobretudo,
perceber para onde se dirigiu o olhar do fotografo em seus registros de imagens do Bosque e
apresentar como ele se encontra hoje.
Palavras-chave: Fotografia, Bosque Marechal Cândido Rondon, Transformações na
paisagem urbana.
Abstract
This work intends to present one of the many aspects of the transformation in Londrina (PR)
during 1950 years, by the green space called Wood Marechal Cândido Rondon, in the central
area of this town. Also have to be detached that these transformations were registered by the
photographer Oswaldo Leite, hired of the town hall. Those registers can give a reread and
reinterpret of this decade, percept to where the look of this photographer was directed, and
1 Discente do mestrado em História Social da Universidade Estadual de Londrina, com especialização em História Social pela mesma universidade. E-mail: [email protected].
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Este trabalho tem como objetivo apresentar o espaço verde chamado Bosque
Marechal Cândido Rondon (ao longo do trabalho ele será chamado somente de “Bosque”),
situado na área central da cidade de Londrina, na região norte do estado do Paraná, como um
dos elementos de composição das transformações que esta cidade viveu durante a década de
1950.
O Bosque Marechal Cândido Rondon surgiu na cidade de Londrina logo após sua
fundação, nos anos 1930, como uma área verde que os loteadores da região, representantes da
Companhia de Terras Norte do Paraná, utilizavam para convencer os possíveis compradores
da fertilidade das terras locais. Ao mesmo tempo, este espaço foi sendo apropriado como um
local de lazer pela população, que passeava por ali após as missas nos finais de semana,
escolas que faziam piqueniques com seus alunos, entre outras atividades.
Vinte anos depois, na década de 1950, muitos passam a vir para a região norte
paranaense, em toda a sua extensão, em busca de uma melhor condição de vida, fazendo com
que as cidades sofressem um “verdadeiro inchaço”. No caso de Londrina, a primeira planta da
cidade, projetada no início dos anos 1930 e que definia os seus limites, não mais contemplava
o desenho da cidade e seu perímetro nos anos de 1950. Nesse período, havia passado somente
20 anos da elaboração de seu primeiro traçado e ele já havia sido ultrapassado, tal o
crescimento. Isto tudo se deve ao grande “boom” do cultivo de café na região.
Segundo João Baptista Bortolotti, Londrina se torna além de uma central onde se
compravam e vendiam terras e café, uma cidade prestadora de serviços, e também um lugar
para onde muitos iam desejando ter uma vida melhor:
A riqueza do café em Londrina chamava a atenção do Brasil e do mundo. Dizia-se que até ouro corria pelas sarjetas. Com essas notícias correndo mundo afora, Londrina logo tornou-se referência como centro de negócios de compra e venda de terras e café. A procura de negócios e trabalho era tanta, que as pensões estavam sempre lotadas. Trabalhadores chegavam de todos os lugares, fosse de trem, ônibus ou caminhão. Inúmeros caminhões de pau de arara vinham do nordeste trazendo trabalhadores para as fazendas de café. [...] Londrina era a porta de entrada da frente agrícola que se formava nesta região. Oferecia condições de grande prestadora de serviços, com boa infra-estrutura hoteleira. (BORTOLOTTI, 2007, p.101)
Londrina cresceu e se modificou nesta década, e o centro da cidade, onde se encontra
o Bosque, tema deste trabalho, também sofre alterações. Um dos maiores sinais destas
mudanças são as casas de madeira, antes presentes em toda a cidade, e durante a década de
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1950 substituídas por novas edificações: os prédios e as residências de luxo em alvenaria,
ocupados pelas famílias mais ricas, que eram os grandes comerciantes e os donos das
fazendas de café. Algumas destas residências existem até hoje, na Avenida Higienópolis, por
exemplo. Assim, surgiam grandes contrastes, mostrando a disparidade presente na cidade,
bem diferente dos anos 1930, onde todos que chegavam encontravam uma mata virgem a ser
explorada, e não haviam casas ou edifícios de luxo:
Londrina sintetizava as metamorfoses geradas por tão rápido enriquecimento. [...] Contrastavam os casebres de tábuas na periferia com os palacetes erguidos pelos afortunados, exteriorizando uma sociedade mais rijamente estratificada, diversa da virtual igualdade de condições que havia nos primeiros anos do patrimônio (IVANO, 2000).
Para as elites, a cidade progredia, mas era preciso reorganizá-la, deixá-la com ares
mais modernos e acabar com os contrastes, principalmente nas áreas mais nobres, como o
centro. Logo, precisava ser excluído tudo o que “maculava” a imagem londrinense: a
prostituição, os jogos, as casas de madeira na região central, colocando “cada coisa em seu
lugar”. Só assim, na perspectiva da administração e das elites do período, se conteria o
desordenamento que a fizera “inchar”. Arias Neto mostra bem este discurso:
A Prefeitura Municipal, a Saúde Pública e a Polícia saem a campo e transformam a Londrina dos anos cinqüenta em um permanente canteiro de obras e em um palco de conflitos. Não sendo possível dissimular as desigualdades sociais, cabia ao poder público legitimá-las, e este o fez incorporando-as aos códigos ordenadores da época, por um lado, e por outro criando instituições e desenvolvendo campanhas de assistência aos ‘desamparados pela sorte’. Tratava-se de organizar a cidade, colocando cada grupo social em seu devido lugar e espaço e, ao mesmo tempo, alimentar a esperança de que o progresso a todos beneficiaria de modo justo, de acordo com os talentos e a capacidade de trabalho de cada cidadão. Entre os anos de 1951 e 1955, foi implantado todo um conjunto legislativo que passou a regular a vida municipal. (ARIAS NETO, 1998, p.150,151).
Portanto, a cidade se torna um verdadeiro canteiro de obras, e são criadas leis para que
ela pudesse voltar a se “organizar e progredir”. Um exemplo disso foi a lei 133. Através desta
lei, a Prefeitura Municipal, sob gestão de Milton Ribeiro Menezes, organizaria a cidade,
dizendo como poderia ser feita sua expansão a partir daquele momento. Com a aprovação da
lei 133, acabaram sendo contratados importantes arquitetos e urbanistas, para ajudar a
reorganizar a cidade, como o urbanista Prestes Maia (LIMA, 2001) e o arquiteto Vilanova
Artigas (PAULA, 2011 e 2012). Prestes Maia é contratado, e em pouco tempo realiza um
plano urbanístico para a cidade, que pudesse responder ao seu crescimento. Já Artigas foi
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responsável pela construção de vários edifícios, muito modernos para a época, como a antiga
rodoviária (atual museu de arte) e a Casa da Criança (atual secretaria de cultura).
Londrina atendia aos suscetíveis apelos de cidade moderna e fazia das mudanças arquitetônicas uma razão de ser. Desde 1950, a cidade recebia obras nas quais se reconheciam as formas, os volumes e as linhas do modernismo de então, impondo o esquecimento ao gosto pela art déco que dominara até então. As edificações públicas, como a rodoviária projetada por Vilanova Artigas (1951), o Cine Teatro Ouro Verde (1952) e a Casa da Criança (1953/1954) espraiavam um ritmo estético que procurava realizar a cara vocação progressista da cidade (IVANO, 2000).
Outro ponto relevante é que em 1953, o Paraná completaria 100 anos de emancipação
política. Para comemorar esta data, nada melhor que mostrar um estado realizado econômica e
socialmente. E Londrina entra nesta comemoração propondo e realizando mudanças na
cidade, mostrando que mais do que nunca, ela era uma cidade que almejava o progresso e a
modernização (IVANO, 2000). Essa quase “revitalização” do centro, em razão da
reordenação promovida pelo plano do urbanista Prestes Maia, irá incluir o Bosque, que
também passa por reformas:
[...] em 1953, no bojo das reformas urbanas, o Bosque foi alvo também de uma série de modificações. O prefeito Milton Ribeiro Menezes, além de instalar um viveiro para animais de várias espécies típicas da região, construiu um parque infantil, quadra de esporte polivalente, vestiários e sanitários públicos. (ALMEIDA e ADUM, 2007, p.15).
Através desta afirmação, pode-se notar que o Bosque fora posto dentro das obras
realizadas pela prefeitura na cidade. São instaladas então quadras, viveiros de animais,
banheiros. De acordo com Yara Schereiber, desde o século XIX, em diversas partes do
mundo, como Estados Unidos e Europa, a construção e reforma de parques urbanos com
função higienista passa a ocorrer. (SCHREIBER, 1997, p.31). Nesta visão progressista, o
espaço verde tinha uma grande importância. De acordo com Antonio H.L. Sampaio, estes
espaços eram uma espécie de:
resposta higienista à cidade real, caótica, amontoada de construções”, passando a ser uma espécie de “envoltório das edificações [...] em que o símbolo do progresso se expressa pelo domínio do ar, da luz e da água, [...] como meios que devem ser distribuídos igualmente entre todos (SAMPAIO, 1996, p.56).
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Portanto, os bosques e parques nas cidades, segundo as teorias higienistas e a visão
progressista, teriam a função de descanso em meio ao caos da cidade, de refúgio, além de dar
à cidade um ar mais saudável, podendo todos os cidadãos desfrutar destes ambientes.
E é exatamente este o caráter dado ao Bosque após as reformas na década de 1950: um
local de lazer, destinado a toda a população, com animais, brinquedos para as crianças e
quadra de esportes. Segundo Claudia P. Damasio, estas ações higienistas eram, ainda, uma
forma de manter “a ordem, acima de tudo; a busca pelo progresso se traduzia nos novos
espaços organizados e modernos” (DAMASIO, 2008, p.151). Prova disto foram as
construções de avenidas, como a Avenida Higienópolis, que passava a abrigar os casarões da
cidade, e também a reforma pela qual o Bosque passou, para que, a partir dela, a população
pudesse formar uma nova imagem da cidade. Uma cidade realmente próspera, que crescia
sem precedentes, e acima de tudo, organizada.
No entanto, esta organização acabou por segregar as classes populares à periferia,
onde quase nenhuma mudança ocorrera, e os mais abastados economicamente continuaram
nos melhores bairros da cidade, onde houve as transformações e melhorias. Sem contar que,
quem acaba arcando com as custas deste processo de “modernização”, são as próprias
camadas populares, através do pagamento de cada vez mais taxas e impostos, como nos
confirma Arias Neto:
As vilas continuaram abandonadas à sua própria sorte, com problemas infra-estruturais gravíssimos: falta de asfaltamento [...], de abastecimento de água e de energia elétrica. [...] Desse modo, foram as elites e as classes médias as beneficiadas pelo processo de modernização, sendo que seu custo foi socializado, ou seja, em outras palavras, as classes populares pagaram – através de impostos, taxas e multas – por benefícios que não receberam, e arcaram com o preço da implantação e manutenção da, pesada e burocratizada, máquina administrativa municipal, que sobre elas desencadeou o processo de repressão e banimento, confinando-as aos espaços tidos como adequados na nova ótica urbanística (ARIAS NETO.1998,p.162,163).
Portanto, estas ações tomadas pela prefeitura eram, acima de tudo, uma tentativa de se
solucionar os problemas sociais pelos quais Londrina passava através da configuração
urbanística. Ação esta que segregara o que fazia mal, o que era ruim para a cidade, deixando
mais aparente as reformas.
É bom notar, neste sentido, que o poder público possuía, inclusive, um fotógrafo
contratado para registrar os feitos que ocorriam na cidade, chamado Oswaldo Leite,
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preocupando-se, talvez, em deixar uma boa imagem do que fazia esta administração, uma
imagem de uma gestão que trabalhava, e tinha como comprovar este trabalho.
É também durante a década de 1950, em meio a estas transformações, que este Bosque
irá receber o nome que possui até hoje: Bosque Marechal Cândido Rondon. Este nome foi
uma espécie de homenagem feita ao referido Marechal, que morrera no início de 1958.
O jornal Folha de Londrina, na sessão atos de municipalidade, que destacava as leis
aprovadas pelos vereadores e o que ocorria no gabinete do prefeito, publicou a lei que
comprova a mudança de nome:
Sessão Atos da Municipalidade – Prefeitura do município de Londrina. NOTA: LEI Nº 414. A CÂMARAMUNICIPAL DE LONDRINA, ESTADO DO PARANÁ, DECRETOU E EU, PREFEITO MUNICIPAL, SANCIONO A SEGUINTE: ART.1º - Fica o Executivo autorizado a denominar BOSQUE MARECHAL RONDON o arvoredo existente nas duas quadras, de propriedade do Município, e situadas entre a Catedral de Londrina e Rua Pará; e entre as Avenidas Rio de Janeiro e São Paulo, separadas pela Rua Piauí. ART.2º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. EDIFÍCIO da Prefeitura do Município de Londrina, aos 4 de março de 1958. ANTONIO FERNANDES SOBRINHO – PREFEITO MUNICIPAL. MARIO CUNHA – SECRETÁRIO. (Jornal Folha de Londrina, 08/03/1958).
Sendo assim, as mudanças ocorridas dentro do Bosque Marechal Cândido Rondon se
inserem no contexto das transformações que aconteciam na região central da cidade,
mostrando que o local foi um representante destas transformações, modificando-se juntamente
com Londrina, neste período de sua história. Nas Figuras 01 e 02 pode ser vista a reforma
sendo feita no Bosque durante a década de 1950, registrada pela lente do fotógrafo Oswaldo
Leite.
Na figura 01, o que se vê são algumas árvores do Bosque Marechal Cândido Rondon,
um pequeno poste de luz, algumas construções ao fundo, e mais no primeiro plano, montes de
areia e uma máquina de misturar concreto, sendo operada por um homem negro. Também há
dois carros no fundo. Já na figura 02, tanto em primeiro plano como ao fundo, há homens
trabalhando. No plano inicial estão um pedaço de tela de aço no chão e uma outra cerca em
tela, com os trabalhadores fazendo o que possivelmente viria a ser o viveiro de animais. Ao
fundo alguns homens trabalham, mas não foi possível identificar a atividade. Também há um
carro ao fundo, uma casa e algumas árvores. Estas imagens comprovam que houve reforma no
interior do Bosque durante a década de 1950.
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Todas estas transformações foram documentadas pelo fotógrafo contratado pela
Prefeitura Municipal, Oswaldo Leite, porém, vale alertar que ao historiador cabe decidir
quando trabalhar com fotografias como fonte e, este, carece ter em mente que estas
transmitem e omitem, ao mesmo tempo, diversas informações. Portanto, as imagens podem
informar e omitir, e por outro lado são representações do real. Assim, se faz necessário uma
discussão mínima sobre a imagem e seu uso.
O uso das imagens fotográficas dentro deste trabalho são para representar
acontecimentos passados e como era a paisagem do Bosque anteriormente, enquanto passava
por mudanças na década de 1950. Assim sendo, de acordo com Peter Burke, as imagens
podem dar aos momentos e fatos que se estuda uma aura de real, de que o que se vê foi
realmente o que aconteceu. É como se a imagem pudesse representar o que alguém narraria ao
ver determinado fato, em um local específico e em certo momento. É o que o autor chama de
“testemunha ocular”: “[...] imagens, assim como textos e testemunhas orais, constituem-se
numa forma importante de evidência histórica. Elas registram atos de testemunha ocular”
(BURKE, 2004, p.17).
No entanto, as imagens, diferentemente das pessoas, por exemplo, são um testemunho
mudo, o que dificulta sua tradução em palavras. Por isto, elas são uma fonte considerada
frágil. E se fragilizam ainda mais com o surgimento das imagens impressas e, posteriormente,
das imagens fotográficas. Para Burke, com estas duas revoluções no meio das imagens, o que
se pôde notar foi que elas “[...] possibilitaram um grande aumento no número de imagens
disponíveis às pessoas comuns” (BURKE, 2004, p.21). Com este aumento, passa a haver
uma saturação de imagens. Estas, com as técnicas de hoje, podem ser reproduzidas várias
vezes, fazendo com que a imagem perca seu significado mais facilmente, se tornando uma
cópia entre várias.
Além disso, é importante lembrar que as imagens são parte da constituição da história
de Londrina, e a deixam mais rica, pois constituem sua memória visual, dando mais detalhes
sobre seu passado, que no âmbito da historia local está centrado no documento escrito. É o
que Paulo César Boni também afirma:
A história de Londrina [...] não seria tão consistente sem os importantes documentos iconográficos representados pela fotografia. [...] Sem as fotografias, certamente, seria muito mais árdua a tarefa de narrar a história de Londrina: ficariam faltando a riqueza dos detalhes e o ‘clima’ de envolvimento que só elas são capazes de despertar (BONI, 2008, p.108-114).
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As fotografias são, assim, objetos capazes de despertar a memória, os sentimentos.
Tanto a memória quanto a fotografia têm o caráter de verdade, de que elas dizem a realidade
dos acontecimentos. Segundo Felizardo e Samain:
[...] a fotografia traz consigo o âmago da veracidade incontestável dos fatos por ela registrados. Por isso, no íntimo da palavra, as duas memória e fotografia se (con)fundem, são uníssonas, uma está contida na outra, estão intrinsecamente ligadas[...] Assim, como a palavra fotografia, que do grego significa a ‘escrita da luz’, a palavra memória também traz consigo traços de credibilidade, por evidenciar os fatos como se parecem, por mostrar os caminhos da lembrança (FELIZARDO & SAMAIN, 2007, p.210).
Para Boris Kossoy, a fotografia também é uma forma de memória, e com ela se
confunde, já que a cena registrada na imagem, o momento capturado, é único e irreversível.
Assim como uma lembrança:
Fotografia é memória, e com ela se confunde. Fonte inesgotável de informação e emoção. Memória visual do mundo físico e natural, da vida individual e social. Registro que cristaliza, enquanto dura, a imagem – escolhida e refletida – de uma ínfima porção de espaço do mundo exterior. É também a paralisação súbita do incontestável avanço dos ponteiros do relógio: é, pois, o documento que retém a imagem fugidia de um instante da vida que flui ininterruptamente (KOSSOY, 2001, p. 156).
Assim, o uso da imagem como fonte assinala também para uma metodologia e para a
expansão do universo do historiador. Estas não devem ser utilizadas apenas como ilustração.
Devem ser analisadas, e se ter em mente o maior número de informações possíveis sobre elas,
do tipo: quando foram feitas, por quem, se esta pessoa foi contratada para isso, e assim por
diante:
O uso de imagens por historiadores não pode e não deve ser limitado à 'evidência', no sentido estrito do termo. Deve-se também deixar espaço para o que Francis Haskell denominou 'o impacto da imagem na imaginação histórica'. Pinturas, estátuas, publicações, e assim por diante, permitem a nós, posteridade, compartilhar as experiências não-verbais ou o conhecimento de culturas passadas. Trazem-nos o que podemos ter conhecido, mas não havíamos levado tão a sério antes. Em resumo, imagens nos permitem 'imaginar' o passado de forma mais vívida (BURKE, 2004, p.17).
Boris Kossoy é outro autor que compartilha da mesma opinião: “a fotografia é, ao
mesmo tempo, uma forma de expressão e um meio de informação e comunicação a partir do
real, e, portanto, um documento da vida histórica” (KOSSOY, 2001, p.131). Desta maneira, a
fotografia além de ser um importante documento, que deixa a história mais rica em detalhes, é
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também um meio de comunicação e expressão de todas as atividades humanas, ou seja, uma
maneira de mostrar e exprimir tudo o que os homens realizam ou realizaram.
No entanto, deve se ter em mente ao trabalhar com fotografias, que estas são sim um
meio de se “conhecer sobre o passado”, mas não o único. Elas não reúnem em seu conteúdo o
conhecimento definitivo sobre o período em que foram feitas. As fotografias são apenas um
fragmento, um pequeno pedaço da realidade passada. (KOSSOY, 2001, p. 107). E, mais do
que um fragmento de uma realidade já passada, as fotografias são um fragmento escolhido,
estudado muitas vezes, do que se quer representar sobre o passado. Mas, de acordo com
Felizardo e Samain “[...] o fato de a fotografia ser uma representação do ‘real’ pode não ser
suficiente para lhe conferir credibilidade absoluta. Assim como a memória, ela pode
‘selecionar’ partes do real a fim de iludir, manipular, fazer parecer (FELIZARDO &
SAMAIN, 2007, p. 211)”.
Ou seja, a fotografia nunca será imparcial. Ela pode demonstrar a mentalidade e os
costumes de uma época, ou ainda ocultar uma realidade. Burke fala sobre essa condição da
fotografia, referindo-se aos fotógrafos e artistas como “artistas repórteres”, por documentarem
através de sua arte cidades, povos e culturas:
[...] seria imprudente atribuir a estes artistas repórteres um ‘olhar inocente’ no sentido de um olhar que fosse totalmente objetivo, livre de expectativas ou preconceitos de qualquer tipo. Tanto literalmente quanto metaforicamente, esses esboços e pinturas registram ‘um ponto de vista’. Historiadores usando documentos deste tipo não podem dar-se ao luxo de ignorar a possibilidade da propaganda [...], ou das visões estereotipadas do ‘outro’[...], ou esquecer a importância das convenções visuais aceitas como naturais numa determinada cultura ou num determinado gênero, tais como o quadro-batalha (BURKE, 2004, p.24).
Portanto, o historiador ao decidir trabalhar com fotografias, deve ter em mente que
estas transmitem e omitem, ao mesmo tempo, diversas informações. E para não cair nestes
erros, há de se ter um bom conhecimento sobre a época e a sociedade em que a imagem foi
feita. Hoje, por exemplo, se observarmos como o Bosque em estudo é retratado no site oficial
da prefeitura municipal, pode-se notar uma grande discrepância com a real situação em que
ele se encontra.
Neste site, o local é tido como representante da história londrinense, e é vendido como
um ponto turístico da cidade por este motivo. Há uma descrição bem sucinta, onde entende-se
que o local é constantemente reformado, e está em ótimo estado de conservação: limpo,
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organizado, e seguro, ao dizer que ali muitos fazem caminhada, além de haver mobiliário,
piso e iluminação novos:
Considerado como importante espaço público de área verde localizado no centro da cidade, o Bosque, foi uma área pública reservada pela Cia. De Terras para Londrina. Na década de 50, foram implantados viveiros, parque infantil, quadras e vestiários. No período de 1971 a 1978, com o prolongamento da Rua Piauí, transformou-se em terminal urbano de transporte coletivo. Posteriormente foi transformado em área de lazer onde foi construído o Zerinho (referência ao Zerão, outra importante área de lazer de Londrina), local bastante utilizado para caminhadas e passeios pelos moradores do entorno. Entre 2004 a 2005, a área foi revitalizada, sendo executadas obras de iluminação, troca de piso e mobiliário e limpeza e substituição de vegetação. (http://www.codel.londrina.pr.gov.br/turismo/atrat_historicos.asp?id=76&atra=1. Acesso: 04/05/2010).
Mas, a realidade é outra: o local está mal conservado; há o constante medo da
violência devido aos assaltantes e usuários de drogas que frequentam este espaço; o estado de
conservação dos bancos e mesas utilizados para os jogos de carta pelos idosos é ruim; e isto
sem mencionar a superpopulação de pombas que suja o local. Tudo isto pôde ser confirmado
através de matérias de jornais locais, da conversa com os taxistas e donos de quiosque das
proximidades, e também da ida a campo, para fotografar o espaço durante pesquisa feita no
ano de 2010, para a realização de uma monografia para curso de especialização.
E ainda no final de 2011, o Bosque passou por uma grande polêmica, quando teve
sua área conhecida como “Zerinho” (tal codinome refere-se à parte central do Bosque, cuja
ordenação espacial tem ao centro uma área gramada com árvores, algumas mesas de concreto
e bancos ao redor, além de passarelas, onde é possível praticar exercícios e caminhadas)
destruída por ordem da Prefeitura, para pôr em prática o plano municipal de construir uma rua
que atravessasse o Bosque. A finalidade dessa obra era desafogar o tráfego de veículos na
área central. Para que essa reforma fosse realizada, o local foi destruído e suas árvores,
cortadas. Tais medidas foram autorizadas pela Secretaria de Obras da Prefeitura, sem que a
população fosse consultada a respeito. Houve reação imediata por parte da população, além de
muita polêmica e protestos por parte de ONGs ambientais. Como resultado, a Prefeitura
Municipal foi obrigada a acatar a decisão da Justiça e impedida de realizar as obras. Também
teve que reconstruir o Zerinho, novas árvores foram plantadas, os equipamentos para ginástica
estão funcionando e novas mesas foram construídas. Assim, as pessoas puderam voltar a
utilizar o local normalmente, como mostra a Figura 03, feita em março de 2013. Nela vemos
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alguns transeuntes atravessando o Bosque, além de uma barraca ao fundo, coberta com lona
azul, onde se encontravam homens jogando baralho e os vários prédios da região central.
Outra dificuldade, já citada aqui, é a grande quantidade de aves − com
predominância das pombas conhecidas por “amargosinhas” (cujo nome científico é Zenaida
auriculata). Esses animais são encontrados em toda a região central da cidade e têm a área do
Bosque como seu habitat. Por ter-se tornado o “dormitório” dessas aves, o local amanhece
muito sujo, com um forte odor, devido à grande quantidade de fezes eliminadas por esses
animais, ainda que a área de uso dos pedestres e taxistas seja lavada diariamente. Assim, ao
entrar no Bosque e ao circular por toda a extensão do local, as pessoas se sentem impregnadas
pelo mau cheiro e preferem evitar a região.
Os taxistas que ali trabalham, ouvidos durante a pesquisa feita no ano de 2010, se
sentem muito prejudicados pelo fato de as pombas terem escolhido o local como sua moradia.
Segundo eles, essas aves diminuem o movimento de clientes, além de causar uma péssima
impressão quanto ao local, e mesmo sobre a cidade, naqueles que vêm visitá-la ou conhecê-la.
No entanto, à pergunta “Trocariam o local por outra região da cidade?”, a reposta é negativa.
Houve também trabalhadores e usuários que disseram ser melhor que o Bosque fosse
destruído e se construísse ali algo mais funcional (como um grande estacionamento, para
solucionar a falta de vagas na região central), do que manter sua situação atual. Outras
pessoas entrevistadas afirmaram que o local representa um “retrato da vergonha londrinense”.
No entanto, esses constituem um número menor em relação aos que querem a preservação da
área verde no centro da cidade, mesmo com o ar comprometido pelas fezes das aves −
problema que, cabe lembrar, não afeta apenas a área do Bosque, mas toda a cidade, nos
espaços onde há árvores.
Esses animais acabaram tornando-se foco de discussão na cidade: alguns são a favor
de seu extermínio, como os que dependem do Bosque para o seu sustento; outros já acreditam
que não fazem mal a ninguém e devem continuar vivos. No entanto, a população de pombos é
expressiva, e a limpeza do local soluciona o problema apenas por pouco tempo. Pode-se
perceber, assim, que o Bosque até hoje é alvo de muitas polêmicas na cidade, desde a
tentativa de abertura de uma rua em seu interior até o caso das aves.
Porém, mesmo com todos esses problemas, o Bosque ainda atrai frequentadores,
como os idosos que residem na região central e se encontram diariamente para partidas de
baralho. Essas pessoas passam o dia jogando em suas mesas, improvisadas, em sua área
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central. Há também os que desfrutam do local para realizar caminhadas no entorno do
“Zerinho”. Muitos também utilizam o espaço como atalho, para “cortar o caminho” pelas
calçadas internas, que sempre estiveram abertas e permitem o acesso às áreas centrais do
Bosque e às ruas dos lados norte e sul da área verde. Como mostra a Figura 04, também feita
em março de 2013, onde, ao fundo, idosos fazem ginástica nos aparelhos de academia ao ar
livre, instalados pela prefeitura municipal, e à frente duas crianças brincam no parque,
supervisionadas por uma mulher.
Percebe-se, assim, que se não houver um conhecimento do tema abordado, e poucas
fontes de pesquisa, o historiador pode se deixar levar por uma falsa impressão - no caso do
Bosque - de que ele é um local bem conservado e seguro, o que não é verdade. Como afirma
Kossoy, cabe ao intérprete, no caso o historiador, o papel de descobrir as informações que a
imagem não revela, porque uma imagem não carrega em si tudo o que é necessário para a sua
interpretação.
Há de recuperar pacientemente particularidades daquele momento histórico retratado, pois uma imagem histórica não se basta a si mesma. [...] O significado mais profundo da imagem não se encontra necessariamente explícito. O significado é material; jamais foi ou virá a ser um assunto visível, passível de ser retratado fotograficamente (KOSSOY, 2001, p.116-117).
E, ainda concordando com Kossoy (2001, p.157), pode-se afirmar que a finalidade do
uso das imagens nos estudos históricos é justamente dar aos momentos passados uma nova
dimensão, proporcionado uma releitura desta época. Uma época que pode ter novas e
diferentes abordagens. Estas abordagens dependerão não só do uso da fotografia, mas também
do enfoque teórico a ela dado no momento do uso dessa fonte.
Assim, o que se pode perceber com tal trabalho, é que o Bosque Marechal Cândido
Rondon faz parte das polêmicas a respeito da história da cidade de Londrina, e como esse
espaço se transformou durante os anos 1950: foi palco de manifestações, festas e piqueniques,
presenciou o crescimento da cidade e, hoje, como vimos, ainda está presente nas discussões
sobre os principais problemas que afetam Londrina. Portanto, o Bosque continua presente na
história da cidade, bem como no imaginário da população.
Quanto às fotografias de Oswaldo Leite, estas servem como uma fonte, que pode nos
dizer sempre um pouco mais sobre o passado, permitindo novas leituras do mesmo, e novas
interpretações, que no caso deste trabalho, foi apresentar o Bosque e as transformações por ele
sofridas durante a década de 1950, apontando, assim, sua significação histórica.
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Figuras utilizadas no trabalho:
Figura 01. Acervo do Museu Histórico de Londrina. Fotógrafo: Oswaldo Leite. Década de 1950.
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Figura 02. Acervo do Museu Histórico de Londrina. Fotógrafo: Oswaldo Leite. Década de 1950.
Figura 03. Acervo pessoal. Março 2013.
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Figura 04. Acervo pessoal. Março 2013.
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