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1 O bordel A partir de o balcão de jean genet
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O Bordel

Jul 24, 2016

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Teatro Kaos

 
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Page 1: O Bordel

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O bordel A partir de o balcão de jean genet

Page 2: O Bordel

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Espaço arquitetônico

Grande, de preferência que não esteja catalogado dentro da

"convencionalidade" do espaço teatral ortodoxo. Servem-nos velhos

armazéns, conventos palacianos, quadras desportivas, fábricas

abandonadas; ou seja, qualquer espaço onde a estrutura espacial

concebida para a representação de o bordel possa encaixar-se,

inclusive um grande espaço cênico à italiana, desde que aberto as

prováveis mudanças estruturais necessárias, na arquitetura do espaço

original.

Espaço cênico

Espaço cênico de o bordel é constituído por 04 estruturas que

margeiam e delimitam o espaço de representação. Essas estruturas

são construídas a partir de tubos de ferro. A

Dimensão de cada estrutura é de: 10 mts comprimento, 06mts de

altura. Sendo que todas as 04 estruturas têm uma passarela de 02 mts

de largura, que estão localizadas a 03 mts de altura e são acessadas

por escadas laterais. Além de dar suporte à representação, as

estruturas permitem resolver dificuldades surgidas na utilização dos

meios técnicos necessários para a realização da encenação.

Cenografia

A cenografia básica da representação de o bordel, será constituída

exclusivamente por objetos de cena, que além do seu valor e utilização

intrínsecos, terão funções de alicerçar a leitura simbólica da

representação no contexto dramatúrgico da encenação. Permitindo a

construção de vários cenários no decorrer da representação.

Page 3: O Bordel

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Figurino

Todos os personagens utilizarão um figurino básico, composto por bota

da tropa e ceroulas brancas. Em cada quadro, a utilização de

determinado adereço, definirá a diferenças entre os personagens.

Serão os adereços que marcarão as diferentes caracterizações de cada

ator.

A iluminação

A iluminação da representação será sustentada pela estrutura do

espaço cênico.

A sonoplastia

A sonoplastia será a base da musicalidade da representação. É a partir

dela que a representação se sustenta. Tanto a musicalidade sonora

como a musicalidade corporal-visual da encenação. Ela ditará os

espaços-tempo e a movimentação dos estímulos sensoriáis da fábula.

Page 4: O Bordel

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A interpretação

A interpretação percorrerá dois caminhos. Um será construído a partir

de uma linguagem burlesca, exagerada, sem no entanto cair no

caricato da anedota. O outro, percorrerá o caminho do hiper-

naturalismo levado ao seu extremo.

Personagens

Revoltosos mulher violentada bispo juiz ladra égua general

manifestantes velho dos piolhos rapariga 1 chantal roger revoltoso

cães rainha bispo drogados mendigo carmen escravo chefe de policia

papa presidente da republica cardeal solano os 03 pastorzinhos

(multidão) nsrª de qualquer coisa

Page 5: O Bordel

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1.quadro i

A insurreição

2.o público aguarda em seus lugares o início do espetáculo. Ao fundo

ouve-se o som de música festiva da idade média.

3.as luzes apagam-se. Um contra luz, vindo do fundo, cega a platéia.

Ao mesmo tempo que sons pesados de um conflito militar invade a

cena. Oito figuras levantam-se da platéia e caminham para o centro do

espaço cênico. As figuras fazem uma barreira humana entre a contra

luz e a platéia. As figuras começam a despirem-se. Ficam totalmente

nus. Seus corpos mostram-nos somente suas silhuetas.

4.progressivamente a contra luz desaparece dando lugar a oito focos

em pino que iluminam claramente as figuras. As figuras agora

totalmente desnudas, agarram suas roupas que estão a seus pés e

envergonhadas desaparecem de cena.

5.em cena apenas resta um personagem, vestese com pedaços de

panos que estão aos seus pés. Dois focos paralelos as paredes laterais

rasgam o espaço, formando dois caminhos de luz. Em cada caminho

dois atores representam a insurreição da revolução. São os primeiros

passos para a derradeira explosão popular. No foco da direita, a frente

da cena, um homem vestindo ceroulas, botas da tropa e um capacete

que na realidade é uma velha panela, prepara seu equipamento de

trabalho. Sua função é dinamitar alvos precisos.

Page 6: O Bordel

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Seu corpo está coberto de bananas de dinamite. Carrega a tiracolo um

detonador e um rolo de fios.

Trabalha meticulosamente e com muito

Cuidado. Ao fundo da cena, no mesmo foco, um

Tocador de tambor prepara seus passos. Veste

Ele também ceroulas, botas da tropa e uma

Panela velha como capacete. Do lado

Esquerdo da cena, ao fundo, um soldado

Revoltoso prepara-se para avançar no terreno, carrega consigo todo o

tipo de armas mortíferas. Sua função é proteger todas as etapas do

movimento da revolta, garantindo com sua vida, a integridade física

de todos os revoltosos. A frente do soldado,

Mais ao centro do foco, um homem observa os

Horizonte, carrega consigo vários

Instrumentos de observação. Tem todo o

Aparato necessário para vigiar

Minuciosamente o inimigo. Mais a frente da

Cena, outro homem, é o carregador,

Responsável em organizar e transportar as

Necessidades que exige a revolução. Sua atenção e seu cuidado são

exageradamente excessivos.

Page 7: O Bordel

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6.dois outros focos rasgam o espaço paralelo

Ao chão, por detrás do ator do centro que

Confessa seus pecados. Nesse foco uma

Mulher do povo está totalmente desorientada,

Caminha insistentemente da direita para a

Esquerda e vice-versa. Carrega consigo instrumentos e todo o tipo de

elementos necessários para uma orientação correta.

7.todos esses personagens usam ceroulas

Brancas, botas da tropa e panelas como capacetes, com exceção da

mulher do povo que não usa capacete.

8.enquanto o ator do centro reza sua

Catártica oração, os outros seis atores,

Representam progressivamente, o desfeixo

Fatal. A mulher quase desnuda foge de um

Perseguidor invisível. Um homem nú vestindo apenas uma mitra surge

em cena perseguindo

Desesperadamente a mulher. Pode-se notar no corpo da mulher

grandes manchas de sangue que vazam dentre suas pernas. O homem

consegue agarrá-la e tenta violentamente violá-la. Ela luta com todas

as suas forças.

9.mulher- senhor perdoai esta alma

Que nas imensidões das distâncias

Que separam os corpos translúcidos

Das cadeias de montanhas longínquas

Na extremidade do universo paralelo

Dos nossos desejos infernais

Que nos atormentam diariamente

Fazendo com que nossas cansadas

Vistas cansadas

Obscureçam-se na monotonia das tempestades

Cerebrais

Que marcam nossos corpos

Transfigurados com as imensidades

Esperanças traçadas nas almas desses seres

Tão leves

E insustentavelmente incoerentes

Das terras onde os gritos desesperados

Das banalidades bestiais que perfuram nossos

Pés molhados na manhã nebulosa

Que marcam nossos dias futuros

Como a carne putrificada da criança

Que suga o peito caído e fétido

De outra carne sem vida

Sem sina

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Sem maneiras coerentes

De visualizar as imagens

Metaforicamente esquecidas

Nas puras pretensões pessoais

E inacessíveis à outra face desconhecida

Mergulhada no âmago das entranhas

Do sofrimento dos desprazeres

Inconsequentes

Dos momentos efêmeros

Passados num tempo extremamente confuso

Onde a vontade do ser

Totalmente puro e liberto

Dos tormentos que nos obrigam

A assumir perante os outros

Também cruéis seres

Ferozmente defensivos no seu medo do

Exterior

Que domina sua alma gélida Que vaga entre tantas incertezas

Na esperança de que seu corpo Matéria orgânica sem vida

Transcenda além das entrelinhas

Que dividem o lado

obscuro

Do

Desconhecimento que cerram nossos olhos

Fazendo com que a mais pura manifestação

Da verdade escondida

Em nossos corações de pedra calcário

Que constrói diques intransponíveis

E que desaguam na mais pura abstração

Como o uivo lunático dos lobos

Que nas noites cheias de lua espelhada

Cheiram no ar úmido da madruga

Os odores liberados dos poros secos e

Castrados

Que desfiguram o que de bom temos todos

Sem nos permitir

Qualquer deslize insignificante

Perante o que realmente importa

Sem ao menos termos a chance prematura

De nos posicionarmos como os fetos

Que protegidos no ventre materno

Esticam suas frágeis pernas

Lembrando-nos que o próximo

Passo da nossa infinita eternidade

Marcará sua presença

Page 9: O Bordel

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Nos chamando à razão

Para essa tão besta inexistência

Caótica e disforme

Dos nossos corpos que vagam

Incansavelmente por caminhos

Totalmente transformados em pedras

Pontiagudas que rasgam nossa pele

E perfuram nossas almas

Ventiladas com os prazeres sofredores que nos limitam a visão reta desse caminho infindável do ser.

10.ela consegue fugir do homem. Um outro foco

Rasga o espaço na diagonal, iluminando uma imagem do grande

holocausto. O homem foge em direção as imagens.

11.esse foco move-se, parando sempre numa

Nova imagem do grande holocausto. O foco aumenta e percebe-se

agora que as imagens do grande holocausto formam uma grande cruz.

O foco aumenta ainda mais. Vê-se que a cruz faz

Parte da vestimenta de um grande bispo

Estilizado. Seu corpo é muito grande e sua

Cabeça demasiada pequena para o seu

Tamanho. Nota-se que essa figuna nada mais é do que o homem nú

com a mitra na cabeça sob um gigantesco figurino bispal.

Page 10: O Bordel

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12.enquanto isso as cenas paralelas dos

Revoltosos, seguem o curso normal da revolução. Os planos traçados,

agora são

Executados meticulosamente. Todos os

Revoltosos realizam suas funções com o

Objetivo de distrair e iludir as forças da

Ordem estabelecidas. Apesar de estarem momentaneamente na

surdina, avançam

Vitoriosamente.

13.um outro pequeno foco ilumina somente o rosto do bispo. Nesse

momento ouve-se uma grande explosão provocada pelo detonador.

Todas as cenas paralelas e as luzes que

Cortam o espaço desaparecem por completo, restando apenas as luzes

do bispo e a do personagem que confessa.

14.o bispo ouve-a com grande entusiasmo e devota alegria. Sua aurea

e calma e serena, fala com tranquilidade.

15.bispo- na verdade o que deve definir o

Verdadeiro prelado

Não é tanto a doçura e a unção

Mas a mais rigorosa inteligência

Coração perde-nos

Julgamos ser senhores da nossa bondade

E acabamos escravos duma serena indolência

Mas não é bem de inteligência que se trata

É de outra coisa

Talvez de crueldade

E para lá desta crueldade

E através dela

Uma caminhada

Hábil e vigorosa na direção da ausência

Na direção da morte

Deus talvez

E tu mitra em forma de barrete de bispo

Fica a saber

Que quando os meus olhos se fecharem pela

Última vez

Serás tu

Meu belo chapéu dourado

A última coisa que fixarei por detrás das

Pálpebras

E tu meu caro espelho

Responde ao que eu te pergunto

É para descobrir o mal e a inocência que venho

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A esta casa

Mas quem sou eu refletido em ti

Para chegar a bispo precisei lutar para não o

Ser e de fazer aquilo que me levasse a sê-lo

Uma vez bispo

Foi preciso que não deixasse de me considerar

Como tal para poder exercer as minhas

Funções

Oh rendas

Trabalhadas por milhares de mãozinhas ternas

Para cobrirem tantas gargantas em fogo

Gargalos rostos e cabelos

Uma função é uma função

Não é um modo de ser

Ser bispo é um modo de ser

É um cargo

Um fardo

Que se lixe a função

A majestade

A dignidade que dão brilho à minha pessoa

Não provém das atribuições da minha função

Nem mesmo dos méritos pessoais

A majestade e a dignidade que me iluminam

Vêm de um esplendor mais misterioso

Do fato do bispo me preceder

Ouviste espelho

Imagem dourada

Enfeitada como uma caixa de charutos cubanos

Quero ser bispo na solidão

Pela simples aparência

E para destruir qualquer função

Trago comigo o escândalo para te arregaçar

Minha puta putona putéfia peidorreira

E com estes paramentos e rendas

Regresso a mim próprio

Reconquisto um domínio

Investi contra uma praça forte e antiga

Donde me expulsaram

Instalo-me agora numa clareira

Onde o suicídio é finalmente possível

Julgamento depende de mim

E eis-me frente a frente com a minha morte

Paramentos mitras rendas

E tu capa dourada

Acima de tudo tu

Que me escondes do mundo

Page 12: O Bordel

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Onde estão as minhas pernas

E os meus braços

Tu minha capa rígida

Que permites a elaboração no calor e na

Obscuridade

Da mais terna

Da mais luminosa doçura

A minha caridade que inunda o mundo

Destilei-a sob esta carcaça

Que as vezes surgia como uma faca na minha

Mão para abençoar cortar guilhotinar

Como a cabeça de uma tartaruga afastava a

Fímbria

E depois regressa ao rochedo

Oculta minha mão sonhava

Oh capas paramentos mitra..

16.sons de metralhadoras, bombas e lamentos invadem o espaço. O

bispo assusta-se. As luzes apagam- se.

17.quadro ii

A tomada da cidade

Page 13: O Bordel

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18.05 focos laterais, saídos da diagonal, do

Chão para o teto, invadem a cena , formando

Caminhos, que rasgam o espaço, ligando as

Extremidades da cena. O espaço então é

Invadido por revoltosos que atravessam a

Cena, pelo ar, da direita para a esquerda e vice-versa. Estão de arma

em punho e fazem muito alarido quando passam.

19.invadem a cidade, pelos seus telhados

Vermelhos. Andam sobre eles

Sorrateiramente. Avançam em direção aos bairros do norte. Por onde

passam

Bombardeiam a população passiva. Faz-se noite. As noites são

perigosas. O fogo ilumina o silêncio da metrópole.

20.enquanto a revolução queima a cidade,

Espalhando cadáveres por todos os lados; no

Palácio da justiça, a espada da lei estabelecida, afia suas lâminas.

Pode-se ouvir ao fundo o sussurrar da grândula morena.

21.um foco saindo do chão em direção ao teto,

Corta o espaço na diagonal. No teto um homem

Nú, pendurado de cabeça para baixo, com sangue escorrendo pelo seu

corpo, parece

Desmaiado. Os alaridos paralelos dos

Revoltosos continuam enquanto a cena do julgamento desenrola-se,

ficando no entanto em “off”.

22.surgindo do nada, invadindo o foco do

Homem, uma bela mulher com roupas de rendas

Coladas negras com um chicote a tiracolo e

Usando saltos altos, invade a cena ela

Circunda o homem, interrogando-o com

Soberba e maestria. Nota-se da parte do

Homem, do fundo da sua alma, um prazer

Sarcástico qualquer. Uma cena sado-

Masoquista.

23.mais à frente no espaço, um outro foco em pino, ilumina o carrasco.

Ele caminha circularmente, ao redor do juiz e da ladra.

Seu caminhar é traçado por focos em pino que

Acendem-se e apagam-se a medida que ele se

Movimenta. Ele caminha de “quatro” e,

Enquanto caminha, chicoteia-se. Toda a vez que chicoteia-se, o juiz

solta um grito de profunda dor. A ladra goza.

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24.durante esse tempo os revoltosos avançam e conquistam 03

importantes posições.

25.juiz- sim, és uma ladra! Apanharam-te em

Flagrante...e quem? A polícia... Já te esqueceste

De que tenho uma rede subtil e sólida... Os meus

Chuis de aço... Os meus homens são como

Insectos de olhar inconstante, montados

Sobre rodas, sempre a espiar-vos. A todas! E

Todas vós, cativas são trazidas por eles, aqui, ao palácio... Que tens tu

a dizer-me? Apanharamte em flagrante...

26.ladra- não!

27.juiz- isso mesmo minha filha: primeiro deves

Negar e só depois confessar para alcançares o

Arrependimento. Quero que desses belos olhos

Saltem lágrimas ardentes. Sim quero ver-te

Encharcada em lágrimas. Oh santo poder das lágrimas!... Onde pus eu

o código?

28.ladra- já chorei o bastante!

29.juiz- quando te batiam. Mas eu quero lágrimas

De arrependimento. Só ficarei totalmente

Satisfeito quando te ver molhada como um prado....és muito nova.

Sem experiência. Menor provavelmente...

30.ladra- menor não senhor.

31.juiz- chama-me senhor doutor juiz.

32.ladra- sim senhor doutor juiz.

33.juiz- enfim recomecemos. Portanto

Aproveitas-te do sono dos justos, aproveitaste do sono repentino para

roubares,

Surripiares, furtares, despojares...

34.ladra- não senhor doutor juiz, é mentira!

35.juiz- volto a repetir: roubaste?

36.ladra- sim senhor doutor juiz!

37.juiz- muito bem. E agora responda-me depressa e sem hesitações:

o que é que tu roubaste?

38.ladra- roubei pão porque tinha fome.

39.juiz- sublime função a minha! Tudo vai ser julgado por mim. Oh

minha querida filha só tu

Consegues reconciliar-me com o mundo. Vou

Ser juiz de todos os teus actos! De mim vai depender a medida, o

equilíbrio. O mundo é uma maçã para eu cortar ao meio: os bons e os

maus.

E tu meu deus, aceitas ser a parte má? Nada nas mãos, nada nos

bolsos, extirpar o podre e deitá-lo fora. Mas que ocupação dolorosa!

Habito esta região da liberdade exacta. O rei dos infernos, todos os que

eu julgo, estão como eu: mortos. Esta está como eu: morta.

40.ladra- faz-me medo senhor doutor juiz!

Page 15: O Bordel

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41.juiz- cala-te. No fundo dos infernos faço a

Partilha dos humanos que se arriscam a chegar

Aqui. Uma parte para a fogueira outra para o

Tédio dos campos de asfodelos. Tu minha ladra,

Minha espiã, minha cadela, ouve o que minos te diz, ouve a decisão...

Não estiveste a mentir-me?

Pois não?... Sinto-me quase feliz... O que é que tu

roubaste?...responde-me ou não? O que é que tu roubaste mais?

Onde? Quando? Como? Quanto? Porquê? Para quem? Responde!

42.ladra- entrei em muitas casas pela escada de

Serviço, aproveitando a ausência das

Criadas...abri armários, parti mealheiros dos

Garotos...uma vez disfarcei-me de senhora

Honesta. Vesti uma saia e um casaco comprados

Na feira da ladra, pus um chapéu preto de palha enfeitado com um ramo de cerejas, um véu e uns sapatos pretos e entrei... 43.juiz- onde? Onde? Onde' onde? Onde é que tu entraste?

44.ladra- já não me recordo!

45.juiz- onde é que tu entraste? Diz-me onde é que tu entraste? Onde?

Onde' onde?

46.ladra- juro que não me lembro.

47.juiz- diz-me onde entraste? Diz-me o que roubaste? Diz, não sejas

má...

48.ladra- não me trates por tu, ouviu?

49.juiz- minha menina...minha senhora. Por favor,

Suplico-lhe... Não posso acreditar. Ouve bem o

Que te digo: continua a dissimular, a fingir o mais que puderes e os

meus nervos

Suportarem. Continua a negar, a negar sempre,

Para me obrigares a sofrer, a bater com os pés

No chão, a espumar de raiva, a suar, a ganir de impaciência, a

rastejar... Queres que eu rasteje?

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50.ladra- rasteje!

51.juiz- que me obrigues a rastejar depois de eu

Ser juiz, está bem minha marota, mas se te recusares definitivamente

ao teu papel, isso seria um crime minha cabra!

52.ladra- chama-me minha senhora e seja mais educado!

53.juiz- e terei o que pretendo?

54.ladra- roubar não é fácil sabe!

55.juiz- mas eu pago, pago o que for preciso minha senhora.

56.se deixasse de poder separar o bem do mal para que serviria eu,

diga-me, para que serviria?

57.ladra- isso pergunto eu a mim própria!

58.juiz- ainda a pouco estavas prestes a

Transformar-me em minos... Como tu eras cruel,

Terrível! E eu impiedoso preparava-me para encher os infernos de

condenados. Encher as prisões... Minha senhora diga que sim por

favor. Posso lamber-lhe os sapatos se quiser, mas por favor confesse

que é uma ladra..

59.ladra- primeiro lambe. Lambe meu cãozinho rafeiro...

60.bombas e rajadas de metralhadoras

Invadem a cena. Black’out.

61.quadro iii

A explosão das barragens

62.em todo o espaço cênico, bombas

Verdadeiras explodem. Dois focos laterais

Invadem a cena, deixando a mostra do lado

Direito, uma grande multidão com cartazes

Simpatizantes a revolta. No outro extremo,

Três soldados tentam salvar o que resta do

Arsenal bélico do exercito. Eles carregam de

Um lado ao outra da cena, grandes sacas com

Material bélico, tentam salvá-las da

Inundação provocada pela destruição da

Barragem. A água não cessa de correr,

Encharcando toda a cena. Do outro lado, os manifestantes-revoltosos

gritam palavras de ordem.

63.no centro do espaço um foco em pino ilumina um velho nu, que

aguarda impacientemente.

Parece medroso. Uma bela jovem entra no seu

Espaço. Trás consigo algumas peças de roupa

Interior. Começa a vesti-lo enquanto conversam. As manifestações populares continuam em segundo plano.

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64.general- até que enfim que chegou, com meia hora de atraso,

tempo mais que suficiente para se perder uma batalha... E o sangue,

não vejo nenhum sangue.

65.rapariga- o sangue secou, não se esqueça que se trata de sangue

de antigas batalhas.

66.general- que andaste tu a cheirar por aí? Não te deram o teu saco

de aveia? Tu sorris?

Sorris para o teu cavaleiro? Estás a

Reconhecer esta mão suave e firme meu corcelzinho orgulhoso? Quantas correrias não fizemos juntos minha bela égua! 67.rapariga- e faremos muitas mais. Estes cascos bem ferrados, estas

patas nervosas, anseiam por correr mundo.

68.general- está bem. Mas primeiro põe-te de joelhos, vamos de

joelhos, vá dobra-me esses jarretes minha linda!... Bravo, bravo minha

colomba!

69.rapariga- o pé esquerdo continua inchado!

70.general- claro é o pé da partida, é o pé que bate e que aperreia.

Como esse teu cascozinho quando me fazes as vénias.

71.rapariga- quando faço o quê?

72.general- és um cavalo ou uma ignorante? Se és um cavalo então

sabes fazer vénias.

73.rapariga- faço o que devo fazer!

74.general- já estás a revoltar-te? Espera que eu esteja pronto.

Quando te meter os freios nos dentes...

75.rapariga- oh não, isso não..

76.general- era o que faltava, um general a ser

Chamado à ordem pelo seu próprio cavalo! Sim

Senhor... Terás o freio, as rédeas, os arreios, a cilha, e só então, de

botas, chibata e chapéu te saltarei em cima!

77.rapariga- è horrível o freio, fico com as gengivas a sangrar, e os

lábios todos gretados, e depois babo sangue.

78.general- ah, a espuma cor de rosa e o

Crepitar do fogo. Que cavalgadas. Entre

Campos de centeio, no meio da luzerna,

Atravessando prados, caminhos poeirentos,

Por montes e vales, deitados ou de pé, da

Aurora ao pôr do sol...as medalhas estão todas aí? É melhor contá-

las!

79.rapariga- estão meu general.

80.general- e a guerra, onde está a guerra?

81.rapariga- está perto meu general. Vai desenrolar-se num campo de

macieiras. O céu está calmo e róseo, uma paz repentina que banha

toda a terra, o tempo está agradável, as coisas sustêm a respiração, a

guerra foi declarada, e está bom tempo.

82.general- e de repente...

83.rapariga- alcançámos o prado, páro de escoucinhar, de relinchar,

sinto as tuas coxas quentes a apertar-me os flancos.

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84.general- e de repente...

85.rapariga- a morte fica a postos, põe um dedo

Nos lábios convida-nos ao silêncio. Uma bondade extrema ilumina as

coisas, nem tu dás pela minha presença.

86.general- e de repente...

87.rapariga- o próprio vento esperava ordens

Para desfraldar as bandeiras, e de repente foi

O ferro e o fogo. Muitas viúvas. Foi preciso

Tecer quilómetros de crepe para enlutar os

Estandartes. A smães e as esposas tinham os

Olhos secos e ocultos pelos véus. Os sinos

Caiam das torres bombardeadas. Ao virar uma

Rua espantei-me com um pano azul e ergui as

Patas, mas tua mão doce e pesada logo me aclamou, e recomecei o

trote. O h meu herói, como eu te amava.

88.general- e os mortos? Não havia mortos?

89.rapariga- os soldados morriam beijando o estandarte. Tu não eras

senão vitórias e bondade. Uma tarde, recordas-te?

90.general- fiquei tão doce que me pus a nevar, a nevar sobre os meus

homens, cobrindo-os com o mais suave dos lençóis...

91.rapariga- em suma a morte não parava,

Ligeira andava de um lado para o outro, fazendo uma chaga, vazando

um olho, arrancando um braço, abrindo uma veia, esmagando um

rosto, estrangulando um grito, amordaçando um cântico, até não poder

mais. Por fim, esgotada, morta de fadiga, acabou por adormecer em

cima dos teus ombros.

92.general- pára, pára, ainda não chegou o momento. Mas já estou a

sentir que vai ser

Maravilhoso... Eis o que sou nesta pura aparência, nada. Atrás de mim

não arrasto nenhum contigente, surjo simplesmente.

Atravessei guerras sem morrer, atravessei

Misérias sem morrer, subi patentes sem morrer,

Sem morrer para viver este minuto próximo da

Morte. Quando eu já não for nada, a não ser a

Minha imagem reflectida nestes espelhos até

Ao infinito quero que a minha égua esteja bem

Arreada, daqui a pouco quando as trombetas

Soarem, desceremos os dois para a glória e para a morte.

93.rapariga- o meu general morreu anteontem.

94.general- eu sei... Mas é uma descida solene, insólita, por degraus

inesperados.

95.rapariga- sois um general morto, mas mesmo assim eloquente.

96.general- eloquente porque estou morto meu caro tagarela. Isto que

te digo com tão bela

Voz é o exemplo, sou apenas a imagem daquele que fui... Estás pronta

minha colomba?

Page 19: O Bordel

19

97.rapariga- começou o desfile, atravessamos a

Cidade, ao longo do rio, sinto-me triste, o céu está pesado e o povo

chora o seu belo herói que morreu na guerra...

98.general- colomba.

99.rapariga- sim meu general!

100.general- acrescenta que morri de pé! 101.rapariga- o meu herói morreu de pé. O desfile continua, os oficiais marcham à minha frente, depois passo eu, colomba, oteu cavalo de batalha, a banda militar toca uma marcha fúnebre...

102.quadro iv

A guerra dos tomates

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103.um foco em pino vindo do teto invade a cena. No foco um velho

nu, aguarda impacientemente.

Da direita para a esquerda um tomate voa em

Direção ao velho, ele abaixa-se desviando-se

Do tomate. Da esquerda para a direita um

Tomate voa na direção do velho, ele abaixa-se

Desviando-se do tomate. Da direita e da

Esquerda vários tomates voam na direção do

Velho, ele tenta desviar-se, mas é atingido em

Cheio. A chuva de tomates intensifica-se,

Rasgando na horizontal a cena. Dois focos

Laterais, unindo a esquerda e a direita do

Espaço, cortam a cena. Percebe-se agora, que os tomates são

munições na batalha dos revoltosos com os soldados.

104.do lado direito encontram-se os

Camponeses, agora revoltosos. Estão

Abrigados por uma barricada formada por sacos de areia, têm em seu

poder muitas caixas de tomates. Combatem arduamente.

105.do lado esquerdo encontra-se a polícia de choque. Estão eles

também protegidos por uma barricada formada por sacos de areia.

Possuem também uma grande quantidade de caixas de tomates

roubadas dos camponeses. 106.velho nessa altura da batalha,

Praticamente virou suco de tomate. Seu corpo está coberto dos pés a

cabeça com restos de tomates.

107.entra em cena uma bela rapariga. Trás a

Tiracolo uma velha peruca. Os focos que

Iluminam as cenas dos camponeses e soldados desaparecem por

completo, restando da sua presença apenas o odor de tomate podre.

108.velho ao pegar a peruca fica alegremente excitado.

109.velho- e os piolhos?

110.rapariga- está cheia deles.

111.a rapariga sai de cena deixando-o só. O

Velho está radiante. 05 focos em pino iluminam

05 espelhos ao redor do velho, de maneira que

O velho e a plateia fundem-se num mesmo

Plano. O velho encara a plateia com um sorriso lascivo e débil. Sons de

metralhadoras e de bombas invadem o espaço. Black’out.

112.quadro v

Chantal adere a revolução

Page 21: O Bordel

21

113.o movimento de revolta chega ao seu ápice. Chantal junta-se a

revolução e vira ícone dos revoltosos.

114.focos de luzes cortando o espaço

Paralelamente ao público iluminam as conversas dos revoltosos.

Enquanto chantal

E roger conversam a frente da cena, três

Revoltosos fazem-se de guarda-costas e são iluminados por 03 focos

pinos que saem do teto.

115.um foco ilumina um canto das margens da

Cena. No foco a rainha de ceroulas e coroa,

Borda. Está sentada sobre escombros. Parece

Impaciente e nervosa. Na outra extremidade do

Espaço, revoltosos estão reunidos em pequenos grupos. Buscam pela

rainha. Estão desejosos de vingança e deveras enraivecidos.

Focos laterais rasgam as margens do espaço

Cênico. Começa uma incansavel perseguição a

Rainha. Ela desesperada foge por todos os

Cantos do palácio real, que agora encontrase em ruínas. Chantal é uma

menina e brinca o

Jogo da macaca, acompanhada da sua boneca

De trapos. Roger é um velho senil e tarado,

Veste apenas um chapéu, um par de meias e

Sapatos, tem dificuldade em andar, por isso

Faz-se acompanhar por uma velha e clássica

Bengala. Carrega sempre consigo pirulitos

Deliciosos. Enquanto conversam chantal não

Pára de jogar a macaca e roger movimenta-se

Por toda a cena, procurando achar o melhor

Angulo de visão para deliciar-se com a cuequinha da chantal.

Resumindo: é um

Pedófilo.

116.chantal- podes guardar-me no teu coração, se quiseres meu amor.

Mas agora deixa-me partir.

117.roger- amo-te com o teu corpo, os teus

Cabelos, o teu pescoço, o teu ventre, as tuas tripas, os teus humores,

os teus odores. Tu és minha chantal.

118.chantal- já sei. Mas és tu quem eu amo e só tu.

119.roger- sim, mas eu não posso ir atrás de ti nessa corrida heróica

e estúpida ao mesmo tempo.

120.chantal- ora, ora. Tens ciúmes de quem ou

De quê? Dizem que pairo gloriosa, acima da

Insurreição, que sou a voz e a alma dela, enquanto tu não consegues

erguer-te da

Terra. É o que te torna tão triste.

121.roger- por favor chantal não sejas

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22

Ordinária, não te fui roubar para te transformares num licórnio ou

numa águia de duas cabeças.

122.chantal- não gostas de licórnios?

123.roger- nunca soube fazer amor com eles. Nem contigo aliás.

124.chantal- queres tu dizer que não sei amar? Que desaponto. Mas

eu gosto de ti roger. E tu alugaste-me a troco de cem vivandeiras.

125.roger- perdoa-me chantal, fui obrigado a

Isso. Também eu te amo, amo-te e não to sei dizer e não sei cantar. E

o último recurso é ainda cantar.

126.chantal- tenho de me ir embora antes que se faça dia, caso

contrário nunca mais sairemos deste bordel.

127.roger- só mais um minuto meu amor, minha vida. Ainda é noite.

128.chantal- é a hora em que a noite se desfaz no dia meu pombinho,

deixa-me partir.

129.roger- não conseguirei suportar os minutos que vou passar sem ti.

130.chantal- juro-te que não vamos estar

Separados. Quando falar com eles num tom glacial, murmurarei para

ti palavras de amor.

Podes ouvi-las daqui e eu ouvirei aquelas que tu me disseres.

131.roger- eles podem dominar-te chantal. São fortes, são fortes como

a morte, é o eles são, a morte.

132.chantal- não tenhas receio meu amor,

Conheço o poder deles. Para mim é mais forte o

Poder do teu carinho e da tua ternura. Irei

Falar-lhes com voz severa e dizer-lhes o que o

Povo exige. E eles ouvir-me-ão porque terão medo. Deixa-me partir

133.roger- amo-te chantal.

134.chantal- também te amo roger, por isso não posso perder tempo.

135.roger- amas-me?

136.chantal- amo-te porque és terno e doce, tu

O mais duro, o mais severo dos homens. O teu

Carinho e a tua ternura tornam-te leve como o

Farrapo de tule, subtil como um floco de

Bruma, aéreo como um capricho. Os teus

Músculos espessos, os teus braços, as tuas

Cozas, as tuas mãos são mais irreais que a passagem do dia para a

noite. Envolves-me e estás contido em mim.

137.roger- eu amo-te chantal porque tu és dura

E severa, a mais terna e doce das mulheres. O

Teu carinho e a tua ternura tornam-te severa

Como uma lição, dura como a fome, inflexível

Como um pedaço de gelo. Os teus seios, a tua pele, os teus cabelos

são mais reais que a certeza do meio-dia. Envolves-me e estás contida

em mim.

138.chantal- quando estiver com eles, quando

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Lhes falar, hei de ouvir dentro de mim os teus suspiros e os teus

queixumes, o bater do teu coração. Deixa-me partir.

139.roger- ainda tens tempo, ainda é escuro à volta dos muros.

140.revoltoso- está na hora chantal.

141.chantal- ouves? Estão a chamar- me ! 142.roger- mas porque hás

de ser tu? Nunca conseguirás falar com eles.

143.chantal- conseguirei melhor que ninguém, possuo dons especiais.

144.roger- mas eles são manhosos.

145.chantal- inventarei gestos, as atitudes, as

Frases. Antes deles dizerem qualquer palavra,

Já eu compreenderei tudo, poderás orgulharte da minha vitória.

146.roger- que os outros estejam

Contigo...ponham-se a caminho. E se têm medo irei eu dizer-lhes que

devem submeter-se a nós, porque nos somos a lei.

147.chantal- não lhe dêem ouvidos, está

Embriagado... Eles só sabem combater e tu só

Sabes amar-me. É esse o nosso papel que

Aprendemos a representar. O bordel serviu-me

De escola, foi graças a ele que aprendi a arte de fingir e de representar.

Fui obrigada a tantos papéis que os sei praticamente todos.

Tive tantos parceiros...

148.roger- chantal!

149.chantal- conheci tantos sábios, tantos

Manhosos, tantos falantes que através deles adquiri uma ciência, uma

astúcia, uma eloquência incomparáveis.

150.roger- conhece todos os papéis não é verdade?

151.chantal- isso aprende-se depressa.

152.roger mostra e oferece a chantal um

Delicioso pirulito, ela deixa de jogar a macaca e vai correndo sentar-se

ao seu colo. Chupa seu pirulito delicioso. Roger geme de prazer.

153.revoltoso- chega de paleio. Toca a andar.

154.chantal sai de cena disparada.

155.roger- não vás chantal-

156.chantal- envolvo-te e estás contido em mim meu amor.

157.chantal desaparece.

158.roger- tive tantos parceiros, conheci

Tantos manhosos, tantos sábios... Chantal vai

Precisar de muita coragem para lhes dar a

Resposta. A resposta que eles exigem, chantal

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Vai ter agora parceiros manhosos e sábios, chantal será a resposta que

eles tanto anseiam...

159.roger sai de cena. Os revoltosos encontram a rainha, e como

animais no cio, lincham-na literalmente.

160.quadro vi

161.desfile da conspiração vitória

162.o chefe de polícia almeja abafar a

Revolução. Os revoltosos dominam

Praticamente tudo. Os senhores do poder desfilam pelas ruas da

metrópole, que estão totalmente desertas.

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163.enquanto caminham pelas ruas desertas, planejam sua

conspiração

164.uma música latina melancólica invade a

Cena. Um bispo caracterizado apenas com uma

Mitra invade o espaço ao mesmo tempo que na

Extremidade contrária um rei trajado com um manto, uma coroa e um

penis de arame adentra a cena. Elas confrontam-se. Encaram-se.

Aproximam-se e dançam colados. Dança sobre

Uma cruz suástica estilizada. Dançam sempre

Acompanhado e formando coreografias sobre a cruz. Afastam-se e

saem de cena. Rajadas de metralhadoras rasgam o espaço.

165.chantal é assassinada. A revolução é abafada. O chefe de polícia

torna-se herói dos poderes estabelecidos. Chantal é canonizada.

166.mendigo - viva a rainha

167.rajadas de metralhadoras e bombas

Rasgam o silêncio.

168.quadro vii

Mausoléu

169.ao fundo do espaço um foco ilumina uma grande escadaria de

pedra. O espaço é um grande mausoléu todo de pedra.

170.a população, agora não mais revoltosos, caminha sem rumo nas

escuras ruas da cidade. Parece-se com um grupo de drogados

"robotizados".

171.o chefe de policia está deitado nú sobre

Uma cama. Carmem entra em cena com um balde,

Uma pequena toalha e sabão. Sua função é

Lavá-lo e prepará-lo para a cerimônia. Um escravo nú e ensanguentado

rasteja

Literalmente pela cena.

172.carmem-(dando-lhe um cigarro) oferta da

Casa

173.roger- obrigado... O escravo?

174.carmem- estão a desatá-lo.

175.roger- e ele está corrente do que se passa?

176.carmem- de tudo.

177.roger- quantos escravos trabalham aqui?

178.carmem- o povo inteiro. Metade da população trabalha de noite e

a outra metade durante o dia.

179.roger- é verdade que não veio ninguém aqui antes de mim?

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180.carmem- sim.

181.roger- ficarei realmente só?

182.carmem- tudo está calafetado, as portas

São acolchoadas e as paredes também. Quanto

À luz, a obscuridade é de tal modo compacta que os seus olhos

conseguirão desenvolver capacidades incomparáveis. O frio é o da

morte.

Os homens continuam a gemer para que o

Senhor tenha um nicho de granito.

183.roger- disseste que os homens gemem?

Posso ouvir seus gemidos?

184.carmem- aproxima-te.

185.roger- é isto?

186.carmem- é belo não acha? É magro, tem

Piolhos e chagas e só sonha em morrer por vós. Quer que o deixe

sozinho?

187.roger- com ele? Não!

188.carmem- obrigue-o a falar.

189.roger- és capaz de falar? E que mais sabes fazer?

190.escravo- sou capaz de me enrolar sobre mim próprio e de me

enterrar.

191.roger- de te enterrares? Mas aqui não há lama.

192.escravo- todo o meu corpo está enterrado

Em lama meu senhor. Livre só tenho a boca aberta para vos elogiar e

para soltar os gemidos que me tornaram célebre.

193.roger- célebre? Mas tu és célebre?

194.escravo- célebre pelos meus cânticos

Senhor. Cânticos que saldam toda a vossa glória.

195.roger- portanto a tua glória acompanha a

Minha glória. Quer dizer que a minha reputação, depende

necessariamente das suas palavras? E se ele se calasse eu deixaria de

existir?

196.carmem- teria todo o prazer em responderlhe, mas as perguntas

não estão incluídas nesta representação.

197.roger- sem mim, sem meu suor, sem as minhas lágrimas, sem o

meu sangue, o que serias de tu?

198.escravo- nada meu senhor.

199.roger- e o que mais fazes tu?

200.escravo- esforço-me por apodrecer de pé. E

Isso não é fácil, acredite. A vida muitas vezes tenta levar a melhor,

mas nós resistimos, e vamos diminuindo um pouco a cada dia.

201.roger- isso pouco importa, quando a minha

Realidade é a realidade das tuas frases. Mas os outros saberão? A noite

conhece-me? E a morte? E as pedras?

202.escravo- o cimento que as mantém ligadas, umas às outras

contemplam vosso túmulo.

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203.roger- tudo fala de mim, tudo me respira e

Me adora. Vivi a minha história para que fosse

Escrita uma página gloriosa, que depois será lida. O importante é a

leitura... Para onde ele foi?

204.carmem- saiu para cantar a vossa glória.

205.roger- e que mais? Que mais poderá dizer?

206.carmem- a verdade: que estais morto e que a vossa imagem,

como o vosso nome se repercute ao o infinito.

207.roger- ele sabe que a minha imagem está em toda a parte?

208.carmem- inscrita, gravada, imposta pelo medo em toda a parte.

209.roger- nas mãos dos estivadores? Nos jogos dos garotos? Nos

dentes dos soldados?

210.carmem- em toda a parte.

211.roger- está também nas prisões?

212.carmem- sim.

213.roger- na curva dos caminhos?

214.carmem- não se deve pedir o impossível! Mas agora o seu tempo

acabou, tem de ir embora!

215.roger- mas ir para onde? Voltar para a vida.

Retomar as minhas ocupações?

216.carmem- não sei o que o senhor faz e não tenho o direito de saber,

mas agora tem de se ir embora, o seu tempo acabou.

217.roger- aqui não se perde tempo, porque é que queres que eu volte

de onde vim?

218.carmem- já não tem nada a fazer aqui. 219.roger- nem aqui nem lá fora 220.carmem- vá-se embora depressa.

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221.roger- não saio.

222.carmem- o senhor está doido, não é o primeiro a julgar que tem o

poder nas mãos. 223.roger- nada a mim já não resta mais

Nada...(castra-se).

224.carmem- não pode fazer isso aqui.

225.roger- minha imagem vai perpetuar-se em

Segredo, mutilada, será rezada uma missa à minha glória. Previnam

as cozinheiras, quero que me preparem comezaina para dois mil anos.

226.rajadas de metralhadoras e bombas invadem a cena.

227.quadro viii

O papa é pop(e)

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228.o som de aglomeração humana invade a

Cena, seguida pelo som melódico de canções

Religiosas cerimoniais. Entra em cena um papa

Velho, moribundo e totalmente nú, vem sendo

Carregado por um revoltoso. Apesar da

Movinmentação corporal do papa ser

Orquestada pelo esforço corporal do

Revoltoso, ela faz o possível para dissimular

A situação. O revoltoso leva o papa até uma

Cadeira central, prende seus punhos a duas cordas que estão

dependuradas sobre a

Cadeira e senta-o na cadeira. Ele prende

Outras duas estremidades das cordas em seus

Punhos e assim manipulala as movimentações do papa. Mantem-se

em pé atrás do papa.

229.a voz off do presidente da república invade

O espaço. O seu discurso faz as honras da

Casa, bla-bla-bla...o papa ouve dormitando. O revolto faz pequenos

movimentos de maneira a fazer com que o papa pareça interessado.

Termina seu discurso. Som de multidão invade a cenas. Pode-se ouvir

algumas palmas.

230.o revolto puxa as cordas com violência de

Maneiras a fazer com que o papa se levante. O

Papa seguindo as forças da natureza, fica meio

Em pé meio arqueado. O som off da voz do papa

Invade a cena. Ele retribuir o discurso do

Presidente e faz as honras do visitante

Ilustre. O espaço é invadido por palmas e gritos apafados. O som

gregoriano invade a cena. O papa é sentado.

231.a voz off do bispo de leiria corta o espaço,

Ele discursa enobrecendo o dito papa.o papa é

Levantado e vestido cerimonialmente com um

Cetro e uma mitra. É o momento da beatificação

Dos 03 pastorinhos. A voz off do papa invade a

Cena. Ele discursa extensivamente. Termina seu discurso. A multidão

ovaciona em delírio. A voz off do meio de comunicação invade a cena.

Eles comentam sobre determinada instrução que o bispo de leiria teria

dado à irmã lucia quando o papa dissese tal coisa.

232.o papa faz o seu discurso final e é literalmente levado para fora de

cena.

233.enquanto o papa é tirado de cena, uma

Música sacra invade o espaço, ao mesmo tempo

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Em que a voz off do cardeal solano ministro do vaticano preenche a

saída do papa. Ele discursa sobre o 3º segredo de fátima.

234.quadro ix

Nossa senhora dos desesperados

235.um foco acende-se no centro do espaço. No foco nsª dos

desesperados, está imóvel.

236.entram em cena dois homens que carregam

Pelos braços um velho papa da "quermética"

Igreja católica. Tem em suas mãos rosas

Vermelhas. Os homens levam-no até nsª. Ele é

Ajoelhado pelos homens. Chora compulsivamente, enquanto não tira

seus olhos lacrimejantes da face da santa.

237.outros homens juntam-se aos três e rezam ajoelhados a volta de

nsª.

238.nsra- as luzes que serão precisas, 100

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Contos de eletricidade por dia...trinta e oito

Salões, todos dourados e todos eles aptos a

Encaixarem-se uns nos outros, a combinaremse... E todas estas

representações para que eu

Fique sozinha, dona e sub-dona desta casa e de

Mim própria... Enfim tudo está preparado, os

Pratos já estão confeccionados: a glória está

Em descer para o tumulo com toneladas de comezaina...daqui a pouco

é necessário

Começar tudo outra vez, acender novamente

Tudo , vestir tudo de novo, distribuir os papéis,

Enfiar o meu...preparar o vosso, juizes,

Generais, bispos, camareiros, revoltosos que

Deixam fugir a revolta. Preciso de preparar os

Salões para amanhã, e vocês, precisam de voltar para as vossas casas,

onde tudo, tenham a certeza, será mais falso que aqui... Podem sair

pela direita... O último que sair feche a porta por favor.

239.enquanto diz seu texto nsrª despe-se. O

Mesmo fazem os outros atores. Terminado seu

Texto, irma e os outros atores, estão

Novamente vestidos com suas roupas do dia à

Dia. Acendem-se as contra luzes e os atores retornam à seus lugares

na plateia.

240.sons de rajadas de metralhadoras e bombas silenciam o espaço.

241.the end.

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