CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 26 | dezembro de 2015 1 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA DEZEMBRO 2015 Nº 26 O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL Fernando Viana Da Cruz Cardoso Colaço Mestrando em Direito e Segurança RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação criminal. A investigação criminal encontrou no ADN um recurso poderoso de combate ao crime, mormente na área forense da identificação criminal. Apesar de este método ter sido utilizado durante largos anos, só em 2008 o legislador português aprovou a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal através da Lei nº 5/2008 de 12 de fevereiro publicada no DR, 1ª Série, nº 30, que posteriormente foi alterada pela Lei nº 40/2013 de 25 de junho, publicada no DR, 1ª Série, nº 120. Seria desejável que a lei que regulamenta a recolha, preservação e criação de base de dados do ADN tivesse a eficiência necessária para responder aos atuais desafios com que que se depara a investigação criminal, tornando mais fácil a sua utilização pelos órgãos de polícia criminal, como sucede atualmente com a resenha e a fotografia. Verifica-se, contudo, que a regulamentação aprovada não permite alcançar a eficiência desejada na investigação criminal, como procuraremos demonstrar, de forma resumida, com este trabalho.
19
Embed
O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 26 | dezembro de 2015
1
DIREITO, SEGURANÇA E
DEMOCRACIA
DEZEMBRO
2015
Nº 26
O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL Fernando Viana Da Cruz Cardoso Colaço Mestrando em Direito e Segurança RESUMO
O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a
perícia do ADN no âmbito da investigação criminal.
A investigação criminal encontrou no ADN um recurso poderoso de combate ao
crime, mormente na área forense da identificação criminal. Apesar de este método ter
sido utilizado durante largos anos, só em 2008 o legislador português aprovou a criação
de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal através
da Lei nº 5/2008 de 12 de fevereiro publicada no DR, 1ª Série, nº 30, que posteriormente
foi alterada pela Lei nº 40/2013 de 25 de junho, publicada no DR, 1ª Série, nº 120.
Seria desejável que a lei que regulamenta a recolha, preservação e criação de base
de dados do ADN tivesse a eficiência necessária para responder aos atuais desafios com
que que se depara a investigação criminal, tornando mais fácil a sua utilização pelos
órgãos de polícia criminal, como sucede atualmente com a resenha e a fotografia.
Verifica-se, contudo, que a regulamentação aprovada não permite alcançar a eficiência
desejada na investigação criminal, como procuraremos demonstrar, de forma resumida,
com este trabalho.
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015
2
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
DEZEMBRO
2015
Nº 26
PALAVRAS-CHAVE ADN, Investigação Criminal, Engenharia Genética, perfil de ADN.
ABSTRACT The following paper has as a goal to approach in a concise and objective way the
role inside the criminal investigation. Criminal investigation found DNA in a powerful
combat weapon.
Despite this method already being used in other countries for several years, Portugal
only recently has given attention to this new method, especially because of the latest
international developments. Legislators had the obligation of creating boundaries in this
specific area. So Law number 5/2008 of 12 th February was published in the DR, 1st
series, number 30, preceded by Law number 40/2013 of 25th june, published in DR, 1st
Series, number 120.
It would be expectable that the law which regulates the gathering, preservation and
DNA data bases, would be effective when it has to face the current challenges of criminal
investigation. This law should be motivating and make the police work easier as it already
happens with profiling and photography.
KEYWORDS DNA, Criminal investigation, Genetic engenier, DNA profile.
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS ADN – Ácido desoxirribonucleico
CPA – Código do Procedimento Administrativo
CPP – Código de Processo Penal
CRP – Constituição da República Portuguesa
DOE – Department of energy
LCN – Low copy number
NIH – National Institutes of health
OPC – Orgão de Polícia Criminal
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015
3
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
DEZEMBRO
2015
Nº 26
PCR – Polymerase chain reaction
PGH – Projeto do genoma humano
PJ – Policia Judiciária
INTRODUÇÃO A segurança é para o Homem uma fonte de grande preocupação, que tem vindo a
crescer significativamente nos últimos tempos, colocando novos desafios no combate
efetivo à criminalidade, sobretudo à criminalidade organizada.
Nesta sociedade moderna e global, é essencial que o crime seja combatido e
encarado como uma doença que percorre todos os estratos sociais, uma vez que está em
causa a estabilidade e a evolução económica de toda uma comunidade. O crescer das
desigualdades económicas e sociais, com os sistemáticos cortes financeiros do Estado
em áreas essenciais como a educação e a saúde, aliado à migração de pessoas oriundas
de vários países, que vêm à procura de melhores condições de vida, contribuíram e
contribuem para o aumento da criminalidade em todas as suas vertentes.
O ADN desempenha um importantíssimo papel no combate ao crime na medida em
que, por ser único em cada indivíduo (excepto nos gémeos idênticos), permite, de forma
fiável, a identificação de uma pessoa singular.
A importância dos perfis de ADN na identificação civil e criminal foi reconhecida pelo
legislador português, que através da Lei nº 5/2008 de 12 de fevereiro publicada no DR, 1ª
Série, nº 30, posteriormente alterada pela Lei nº 40/2013 de 25 de junho, publicada no
DR, 1ª Série, nº 120, aprovou a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins
de identificação civil e criminal
Contudo, a Lei nº 5/2008 de 12 de fevereiro, em determinados aspectos, encontra-
se desfasada da premente necessidade da investigação criminal, não permitindo alcançar
a eficiência desejada na investigação criminal.
Não se desconhece que a recolha de informação, e em particular a informação sobre
perfis genéticos, é susceptível de afectar a privacidade do cidadão. Afigura-se, porém,
que é possível compatibilizar, sem pôr em causa a paz social, os direitos fundamentais do
cidadão com uma maior exigência de segurança.
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015
4
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
DEZEMBRO
2015
Nº 26
CAPÍTULO I: ENQUADRAMENTO HISTÓRICO Foi com obra de Har Gobind Khorana que se abriram as portas da interpretação do
código genético. Os seus trabalhos revelaram os processos através dos quais as enzimas
de uma sequência de aminoácidos determinam a função das células no desenvolvimento
genético.
A engenharia genética tornou-se subitamente uma das disciplinas mais importantes
no mundo da ciência e em grande medida pelas potencialidades quase infinitas que o
descodificador do código genético pode facultar.
A engenharia genética é considerada por muitos como a quarta revolução da
medicina; a primeira foi o combate às infecções através de medidas sanitárias; a segunda
o aperfeiçoamento da cirurgia com auxílio da anestesia; a terceira a vacinação e o recurso
a antibióticos. Acrescente-se que sempre integrou a imaginação do ser humano a
tentativa de alcançar e possuir o poder criador de Deus ou, por outras palavras, o Homem
sempre quis assumir o papel de Deus, descobrir os mistérios da criação e modificá-la,
produzir o que se quer e excluir o que não agrada como é o caso das doenças.
Deste modo, verificamos uma grande disponibilização de meios económicos por
parte dos estados mais desenvolvidos, para o desenvolvimento da engenharia genética,
sobretudo a partir de 1970.
Em termos históricos realça-se o facto da engenharia genética ser um ramo da
biotecnologia. Esta palavra é formada por três vocábulos de origem grega: bios (vida),
thecono e logos (estudo), o que significa o estudo das técnicas aplicadas ao estudo da
vida.
A biotecnologia é um termo que começou a ser utilizado em finais da década de 40
por bioquímicos e engenheiros químicos americanos e britânicos para designar uma
disciplina que desenvolvia os métodos para a obtenção em escala industrial de
constituintes biológicos indisponíveis na altura, tais como enzimas, coenzimas e
metabólitos vários, através de processos microbiológicos ou bioquímicos.
A bioindústria de ADN pioneira foi a Cetus fundada na Califórnia em 1972. Dois anos
mais tarde as equipas de Stanley Cohen da Universidade de Stanford e de Herbert Boier
da Universidade da Califórnia criaram a primeira empresa de engenharia genética
propriamente dita.
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015
5
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
DEZEMBRO
2015
Nº 26
Figura n.º 1 - Ácido desoxirribonucleico (ADN).
Fonte:[inline] pt.slideshare.net (2015)
Figura n.º 2 – Estrutura molecular do ADN
Fonte:[inline] mapadocrime.com.sapo.pt (2015)
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015
6
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
DEZEMBRO
2015
Nº 26
Com o evoluir dos conhecimentos sobre o ADN, em 1986 o PGH (projeto do genoma
humano) foi definido como projeto nacional dos EUA a ser desenvolvido pelo DOE
(department of energy), órgão responsável pela militarização do conhecimento científico e
tecnológico do governo norte americano e pelo NIH (National Institutes of Health).
CAPÍTULO II: A PROVA DO ADN A prova é entendida como a demonstração da existência e verdade de um facto
controvertido ou de um direito duvidoso e por meio prova os instrumentos legalmente
aptos para essa demonstração.
Na investigação criminal, o desenrolar das várias diligências de recolha da prova
deve ocorrer em total com consonância com as leis processuais penais, provando e
demonstrando a total e rigorosa identidade entre o evento ocorrido no passado e a
respetiva reconstituição feita no presente.
A produção e a administração da prova no processo penal tem evoluído ao longo
dos tempos, acompanhando as mutações tecnológicas e cientificas especialmente a partir
do século XIX.
O Processo Penal antigo assentava no dogma do dever da verdade, dever esse que
também impendia sobre o arguido. A confissão era, por conseguinte, tida como a rainha
das provas e, nesse contexto, a tortura era considerada um meio idóneo de recolha de
prova, como se encontrava consagrado no artigo 58.º da Constitutio Criminalis Carolina
de 1532.
Na altura, os pilares que alicerçavam o processo penal era a subjetividade de juízos
formulados por vários intervenientes processuais, aos quais não eram estranhos pré-
juizos de índole moral e social sobre as vítimas e ofendidos. Esta situação foi
sedimentando uma constatação generalizada de que a prova testemunhal não era
absolutamente rigorosa.
Podemos então concluir que devemos preterir a prova testemunhal e favorecer o
indício e, de entre os vários indícios, devemos dar primazia àqueles que são fornecidos
pela recolha através de métodos científicos. É neste âmbito que surge a designação de
polícia técnica ou criminalística, uma vez que recorre a um método de análise sistemática
dos indícios deixados no local do crime.
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015
7
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
DEZEMBRO
2015
Nº 26
Com a evolução da tecnologia, assistimos a uma evolução da disponibilização de
meios em todos os quadrantes da vida humana, sendo que a investigação criminal
também tem acompanhado tal evolução, nomeadamente através da possibilidade de
identificação de um individuo por meio de análise do ADN; esta possibilidade constituiu
um dos maiores avanços científicos verificados no campo da medicina legal.
Deste modo, pode-se dizer que atualmente a criminalística biológica é uma área
indispensável das ciências forenses, pois os vestígios biológicos são os que mais
contribuem para a identificação de criminosos e vítimas. A genética forense, como ciência
que analisa este tipo de vestígios, através do estudo da sua informação genética,
desempenha, por isso, um papel fundamental na investigação criminal.
O objectivo da análise do ADN é o de comparar vestígios biológicos, mormente
fluidos e vestígios humanos que digam respeito à prática de um crime, com amostras cuja
origem é conhecida, identificando-as, bem como de modo a vincular a vítima a seu
possível agressor, ou vincular as suas presenças ao local do evento sob investigação.
Para procedermos à identificação genética estuda-se o ADN que contém toda a
informação genética de um organismo, o que permite obter uma identificação de uma
fiabilidade extrema; a precisão do ADN como instrumento de identificação humana
decorre do facto de não existirem dois seres humanos com o mesmo perfil genético salvo
tratarem-se de gémeos univitelinos.
Para além da citada fiabilidade, o ADN tem outra vantagem muito importante na
realização das perícias necessárias à investigação: o facto de, através das técnicas atuais
e dos conhecimentos científicos, ser possível obter um perfil genético com a análise de
vestígios com um número reduzido de células.
Sir Alec Jeffreys, professor de genética da Universidade de Leicester em Inglaterra,
desenvolveu em 1985 as técnicas de impressão de ADN e de perfil de ADN, usadas em
todo o mundo pela ciência forense, para ajudar o trabalho policial e também para resolver
casos de paternidade ou de imigração; um ano depois, em 1986, Edward Blake, um
cientista forense que trabalhava numa das primeiras companhias de biotecnologias (a
Cetus), em colaboração com Bruce Budowle do FBI e com outros investigadores da
Cetus, utilizaram uma técnica conhecida actualmente como PCR para a análise de provas
criminais. Um painel de amostras do ADN de casos antigos foi colecionado e codificado,
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015
8
DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA
DEZEMBRO
2015
Nº 26
em seguida foi efectuada a respectiva análise e, quando o código foi quebrado, todas as
provas e perpetradores coincidiram.
Figura n.º 3 - Método de reacção em cadeia de polimerase (PCR)
Fonte:[inline] http://www.bio-rad.com/ (2015)
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015