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Núcleo Especializado de Combate à Discriminação, Racismo e
Preconceito
Núcleo Especializado de Infância e Juventude
Núcleo Especializado de
Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher
Rua Boa Vista, 103 – 10º andar – São Paulo/SP – CEP 01014-001 – Tel. (11) 3101-0155 – Ramais 137/249 [email protected]
EXMO (A). SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DO FORO
CENTRAL DA COMARCA DE SÃO PAULO/SP
A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelos
Defensores Públicos que esta subscrevem, vem a presença de V. Exa., com fundamento
no art. 1º, inc. IV c/c 5º da Lei 7.347/85, art. 5º, inc. VI, alínea ‘g’ da Lei Complementar
Estadual 988/06, art. 1º, “caput” e inc. III, art. 3º, incs. I, III e IV da CF/88 e art. 30 da
Lei 12.695/2014 (“Marco Civil da Internet”), propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE
FAZER C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS
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em face de RODRIGO PIOLOGO, brasileiro, solteiro, desenhista, portador da cédula
de identidade RG nº 32095674 SSP/SP, residente e domiciliado na Rua Padre Manoel
da Nobrega, 819, Indaiatuba, São Paulo, São Paulo/SP; RICARDO PIOLOGO,
brasileiro, solteiro, desenhista, portador da cédula de identidade RG nº 23876006
SSP/SP, residente e domiciliada na Rua Padre Manoel da Nobrega, 819, Indaiatuba, São
Paulo, São Paulo/SP; ROGERIO GONÇALVES FERREIRA VILELA, brasileiro,
divorciado, publicitário, portador da cédula de identidade RG nº 16539313 SSP/SP,
residente e domiciliado na Rua Paulo III, 369, Morumbi, São Paulo/SP; FÁBRICA DE
QUADRINHOS NÚCELO DE ARTES S/C LTDA., pessoa jurídica inscrita no CNPJ
sob o número 000.574.554/0001-00, situada na Rua Padre Agostinho Mendicute, nº
155, Sumaré, São Paulo/SP, CEP 1257-090, telefone (11) 3564-0936, representada por
Rogério Gonçalves Ferreira Vilela; GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., pessoa
jurídica inscrita no CNPJ sob o nº 06.990.590/0001-23, com endereço na Avenida
Brigadeiro Faria Lima, 3477, 18º andar, São Paulo – SP; FACEBOOK SERVIÇOS
ONLINE DO BRASIL LTDA., pessoa jurídica inscrita no CNPJ sob o nº
13.347.016/0001-17, com endereço na Rua Leopoldo Couto de Magalhães Junior, 700,
5º andar, São Paulo – SP e TWITER com sede nacional administrativa na Rua Coronel
Joaquim Ferreira Lobo, 11, Vila Nova Conceição, São Paulo/SP, CEP: 04544-150,
pelos motivos que abaixo serão desenvolvidos.
I. DOS FATOS
I.1. Publicação “Ensinando carinhosamente pro seu sobrinho que High School
Musical não é filme de HOMI”
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1. No dia 1º de fevereiro deste ano, os humoristas “Irmãos Piólogos”
veicularam em seu perfil das redes sociais uma foto “Ensinando carinhosamente pro
seu sobrinho que High School Musical não é filme de HOMI”.
2. Em nefasta publicação postada, o tio agride fisicamente o sobrinho, para
“ensiná-lo” a ser “HOMI”:
3. A divulgação ocorreu nos seguintes endereços:
https://www.facebook.com/irmaospiologo/photos/a.527821477292344.1073741828.527
495720658253/980748188666335/?type=1&theater (acesso em 30/05/2016);
https://twitter.com/irmaospiologo/status/694186194725285888?lang=pt-br (acesso em
30/05/2016); https://www.instagram.com/p/BBP9MMWu6Kb/ (acesso em 30/05/2016).
4. O fato reverberou nas redes sociais, com diversas manifestações contra a
homofobia presente no conteúdo, de humor intolerante e antipedagógico para com a
sociedade, pois induz à intolerância, violência, o ódio e a discriminação contra a
população LGBT.
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5. A publicação no Facebook teve 22 mil visualizações e 4908
compartilhamentos. A publicação no Instagram teve 3691 curtidas.
I.2. Vídeo “Piripaque”
6. No vídeo “Piripaque”, com a seguinte mensagem introdutória: “SABE
AQUELAS SITUAÇÕES ONDE VOCÊ SABE O QUE QUER FAZER, MAS NÃO
TEM CORAGEM DE FAZER?”, publicado em 04 de Março de 2011. Este vídeo está
disponível no canal “Mundo Canibal”, no site do Youtube (disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=4EDnKXL5d9c&feature=youtu.be, acesso em
20/05/2016).
7. No vídeo supracitado, os personagens atuam de forma violenta para
atacar condutas e comportamentos que consideram inadequados ou indesejados. Nesse
sentido, o vídeo traz a prática das seguintes condutas:
a) Aborto provocado por terceiro, através de um soco desferido pelo namorado no
ventre da mulher quando esta lhe conta sobre a gravidez, que é indesejada pelo
agressor;
b) Assassinato da mãe, ao contar ao filho que é prostituta;
c) Assassinato do filho, ao declarar sua homossexualidade ao pai; este lhe dá um
tiro no estômago e na cabeça, seguidos por uma sucessão de tiros com risadas
sádicas do pai, personagem homicida de seu próprio filho.
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8. O vídeo já teve 1.037.414 visualizações, no Youtube:
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I.3. Vídeo “Sr. Donizildo em Whatahhel Prostituto”
9. Em outro vídeo, denominado “Sr. Donizildo em Whatahhel
Prostituto”, (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XQlvrS5P24o,
publica em 17 de Maio de 2016, acesso em 20/05/2016), os seus autores demonstram
um menosprezo pela transexualidade da personagem (com um valor irrisório cobrado
pela prostituição), e incitam a violência com a tortura e mutilação da personagem
transexual, após o personagem agressor perceber seu engano quanto à cisgeneridade da
personagem, o que seria “inadmissível” e de uma perturbação “intolerável”, que deveria
ser sanada pelo agressor. A personagem após ser torturada, tendo os seios alongados e
os genitais masculinos cortados cruelmente, só se interessa pelo valor irrisório do
programa que acertara com seu algoz.
10. Trata-se de vídeo, nitidamente, transfóbico, pois, além de
desrespeitar a identidade de gênero da personagem, afirmando que ela “é um homem”,
ainda incita a violência em face da população de travestis e transexuais, ao torturá-la,
agredi-la e extirpar o seu órgão genital, afirmando, após, que agora era seria “uma
mulher”. Consiste em evidente opressão a este grupo, que pode incentivar, por parte
daqueles que tem acesso a material comportamentos violentos, agressivos e
discriminatórios.
11. O vídeo já teve 167.619 visualizações.
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I.4. Considerações gerais
12. Como se percebe do exposto os vídeos e os desenhos, produzidos
pelos réus Ricardo, Rogério e Fábrica de Quadrinhos são extremamente violentos e
incitam a violência e até mesmo o extermínio dos grupos vulneráveis mencionados
em cada cena.
13. A íntegra dos materiais pode ser vista nos documentos anexos.
14. As produções estão disponíveis livremente, sem necessidade de
cadastro ou senha, o que deixa vulneráveis crianças e adolescentes, que podem acessar
tais vídeos.
15. Deve levar-se em consideração o alcance das tecnologias de redes
sociais e o expressivo número de destinatários que tais mensagens alcançam por todo
território nacional. No Twitter, o grupo possui até o presente momento, nada menos do
que 27,8 mil seguidores (disponível em https://twitter.com/irmaospiologo?lang=pt-br,
acesso em 30/05/2016). No Facebook, 1.111.686 perfis curtem a página (disponível em
https://www.facebook.com/irmaospiologo/?fref=ts, acesso em 30/05/2016). No Youtube,
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a página conta com 1.795.216 inscritos (disponível em
https://www.youtube.com/user/irmaospiologo, acesso em 30/05/2016).
16. Além disso, contam eles com a audiência da página “Mundo
Canibal”, onde geralmente disponibilizam seus trabalhos, que, no Twitter, possuem 187
mil seguidores (Disponível em https://twitter.com/mundocanibal?lang=pt, acesso em
30/05/2016); no Facebook, 1.189.130 perfis curtem a página (disponível em
https://www.facebook.com/mundocanibal/, acesso em 30/05/2016) e, no Youtube
(disponível em https://www.youtube.com/user/OficialMundoCanibal, acesso em
30/05/2016), 3.164.457 perfis estão inscritos no canal.
17. Nos vídeos assinados por “mundocanibal.com.br” na seção “quem
somos” se verifica os responsáveis pela produção do site, sendo eles, os Irmãos Piólogo
(Rodrigo e Ricardo Piólogo) e Rogério Vilela (diretor da Fábrica de Quadrinhos),
conforme link: HTTP://irmaos piologos.com.br/ do que se conclui a autoria e
responsabilidade dos mesmos em relação aos vídeos mencionados.
18. A denúncia foi encaminhada pelo “Grupo de Advogados pela
Diversidade Sexual e de Gênero” e, no dia 09 de março de 2016, foi instaurado inquérito
policial junto à 2ª Delegacia de polícia de repressão aos crimes raciais e de delitos de
intolerância.
19. A Defensoria Pública, em busca de uma solução mais célere,
enviou ofício às empresas Google, Facebook e Twitter com o pedido de retirada dos
conteúdos ilícitos. Ocorre que, no dia 05 de abril, o Google justificou que após a análise
dos vídeos verificaram que não havia violação a quaisquer leis ou políticas do Youtube.
O Facebook até o momento não respondeu o ofício e o ofício encaminhado ao Twitter
também não obteve resposta.
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20. O abuso dos direitos constitucionais de uso dos meios de
comunicação e da liberdade de expressão violou direitos humanos difusos e coletivos de
grupos vulneráveis, cujo direito ao igual respeito e consideração, oriundo da conjugação
dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, foram flagrantemente
violados.
21. Pelas razões expostas, a Defensoria Pública propõe a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA pleiteando indenização por danos morais coletivos contra os
responsáveis pelo evidente menosprezo e ataque à dignidade das pessoas homossexuais,
transexuais, mulheres, à sociedade como um todo, atingida no respeito ao pluralismo que
deve existir em um Estado Democrático de Direito, além de requerer a retirada das
postagens ofensivas evitando-se novos danos.
II. DA LEGITIMIDADE E DO INTERESSE DA DEFENSORIA PÚBLICA
PARA PROPOSITURA DA PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
22. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo tem legitimidade
ativa para propor a presente ação, eis que, como instituição essencial à função
jurisdicional, à qual incumbe a defesa dos necessitados (art. 134 da CF/88 e art. 103 da
CESP/89) é órgão da Administração Pública, pelo qual se concretizam objetivos
fundamentais da República, como o de construir uma sociedade livre, justa e solidária, e
mais especialmente o de erradicar a pobreza e a marginalidade, reduzindo as
desigualdades sociais e regionais e atuar em favor das pessoas vítimas de discriminação
(art. 3º, incs. I, III e IV da CF/88 c/c art. 3º e art. 5º, inciso VI, alíneas g e l da Lei
Complementar Estadual 988/06).
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23. No presente caso, há pertinência temática para o ajuizamento da
presente demanda, que envolve a defesa dos direitos da população LGBT, dos direitos
das mulheres e dos direitos das crianças e adolescentes, que são vítimas, neste caso, da
violência reproduzida nos trabalhos mencionados, e a atuação da instituição de
promoção dos direitos humanos.
24. Na pesquisa Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, realizada
no ano de 2009, por Gustavo Venturi e Vilma Bokany, a quase totalidade dos
entrevistados deu resposta afirmativa quando indagada sobre a existência ou não de
preconceito contra a população no país. A pesquisa reúne um conjunto de dados
estatísticos que comprova a vulnerabilidade da população LGBT, ao evidenciar, por
exemplo, que 64% da população entrevistada acredita que casais de gays e lésbicas não
deveriam demonstrar afeto em público1.
25. De acordo com dados de reportagem veiculada na página online
do Jornal O Globo, foram registrados, no ano de 2014, 216 homicídios motivados por
preconceito em relação à orientação sexual e identidade de gênero no Brasil. O
levantamento é feito pelo Grupo Gay da Bahia, que, na ausência de informações
oficiais, vem recolhendo as informações historicamente no país. Ademais, a Secretaria
Nacional de Direitos Humanos divulgou a informação de que foram feitas, entre janeiro
e abril desse ano, 337 denúncias relativas à questão, no Disque Direitos Humanos
(serviço da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos)2. Tais dados evidenciam que há,
no Brasil, um problema social recorrente de discriminação e violência contra uma
população específica.
1 BOKANY, Vilma; VENTURI, Gustavo. Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 2011.
2 Disponível em www.sdh.gov.br, acessado em 30 de setembro de 2014.
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26. A organização Transgender Europe ainda identificou que o Brasil
é o país no qual há mais homicídios de travestis e transexuais no mundo, tendo
mapeado, entre janeiro de 2008 e março de 2014, 604 mortes no país.
27. No ano de 2015, o Mapa de Violência sobre homicídio de
mulheres no país3, demonstrou claramente que mais da metade das mortes violentas de
mulheres no Brasil foram cometidas por familiares. Isso demonstra a vulnerabilidade
desse grupo, deixando clara a desigualdade de gênero e o compromisso que se deve ter
em busca da constitucional promessa de igualdade entre homens e mulheres.
28. Com efeito, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo é órgão
estatal, que representa adequadamente esses grupos e a população em geral, tendo em
vista suas próprias funções institucionais, de combate à desigualdade social e a qualquer
forma de discriminação e de atuação em prol de grupos vulneráveis e marginalizados.
29. Constitui atribuição institucional da Defensoria Pública promover
ação civil pública para a tutela de qualquer interesse difuso, coletivo e individual (art.
5º, inc. VI, alínea ‘g’ da Lei Complementar Estadual 988/06), sendo que a qualquer
Defensor Público cumpre executar as atribuições institucionais da Defensoria Pública,
na defesa judicial, no âmbito coletivo, dos necessitados (art. 50 da Lei Complementar
Estadual 988/06). Assim, a Defensoria Pública se afirma como instituição dotada de
legitimidade autônoma, para a condução do processo, no que diz respeito ao interesse
coletivo dos necessitados.
3 Disponível em http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2015_mulheres.php, acessado em 23 de maio
de 2016.
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30. E tanto é assim que, finalmente, após longo processo político, foi
conferida, finalmente, legitimidade à Defensoria Pública para a propositura de ação civil
pública, nos termos da Lei 11.448/07, que acrescentou à Lei 7.347/85, renumerando os
demais, o inciso II, verbis:
Art. 1o Esta Lei altera o art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de
julho de 1985, que disciplina a ação civil pública,
legitimando para a sua propositura a Defensoria Pública.
Art. 2o O art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985,
passa a vigorar com a seguinte redação:
(...)
Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a
ação cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade
de economia mista;
V - a associação que, concomitantemente: esteja
constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei
civil; inclua, entre suas finalidades institucionais, a
proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem
econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico.
31. O marco civil da internet (Lei 12.965/2014), por sua vez, prevê
que:
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Art. 30. A defesa dos interesses e dos direitos
estabelecidos nesta Lei poderá ser exercida em juízo,
individual ou coletivamente, na forma da lei.
32. Assim, tendo-se em vista ser a propositura de Ação Civil Pública
pela Defensoria Pública atribuição decorrente de previsão legal inequívoca, deve a
presente ação ser recebida e julgada procedente, de acordo com os argumentos jurídicos
a seguir colacionados.
III. DA LEGITIMIDADE PASSIVA
33. Justifica-se a presença do Google, Facebook e Twitter no pólo
passivo da presente demanda, em conjunto com os próprios autores dos fatos
(RODRIGO PIOLOGO, RICARDO PIOLOGO e ROGERIO GONÇALVES
FERREIRA VILELA), pois nítida é a responsabilidade de tais empresas, ao se
considerar que os autores veiculam seus conteúdos por meio das empresas
supramencionadas, e que estas, após serem notificadas, permaneceram inertes.
34. Pacífica é a responsabilidade solidária das empresas de
comunicação pelos atos praticados pelos autores dos vídeos, já que esses últimos
veiculam suas informações por meio de tais redes sociais e buscas no Google. É o que
está consignado nos seguintes julgados:
"Ainda que muito se tenha discutido a respeito do
assunto, o certo é que se definiu de modo pacífico nos
Tribunais Estaduais e Superiores que a responsabilidade
dos provedores de internet se limita aos casos em que,
alertada do conteúdo ofensivo ou ilegal,
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particularmente ou por decisão judicial, não toma
nenhuma atitude destinada a fazer cessar o abuso ou ilegalidade (...) E se dano tiver havido pela publicação, a
responsabilidade, obviamente, deve ser objetivada contra
aquele que diretamente cometeu o ato danoso. E fartos
têm sido os casos em que o Poder Judiciário autoriza
ou obriga os provedores de internet a fornecer os
dados de quem postou a matéria ofensiva, nisso sim
possuindo os provedores a responsabilidade de ter
armazenados."
(TJSP, 2012.0000677840; 4º câmara de direito privado;
13.12.12; relator: Maia Cunha)
Confira-se, do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERNET. REDES
SOCIAIS.
MENSAGEM OFENSIVA. CIÊNCIA PELO
PROVEDOR. REMOÇÃO. PRAZO.2. Uma vez
notificado de que determinado texto ou imagem possui
conteúdo ilícito, o provedor deve retirar o material do
ar no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de
responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada. 3. Nesse prazo de 24
horas, não está o provedor obrigado a analisar o teor da
denúncia recebida devendo apenas promover a suspensão
preventiva das respectivas páginas, até que tenha tempo
hábil para apreciar a veracidade das alegações, de modo a
que, confirmando as, exclua definitivamente o perfil
ou, tendo-as por infundadas, restabeleça o seu livre
acesso. O diferimento da análise do teor das denúncias não
significa que o provedor poderá postergá-la por tempo
indeterminado, deixando sem satisfação o usuário cujo
perfil venha a ser provisoriamente suspenso. Cabe ao
provedor, o mais breve possível, dar uma solução final
para o conflito, confirmando a remoção definitiva da
página de conteúdo ofensivo ou, ausente indício de
ilegalidade, recolocando-a no ar, adotando,
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nessa última hipótese, as providências legais cabíveis
contra os que abusarem da prerrogativa de denunciar.5.
Recurso especial a que se nega provimento”.
(REsp nº1323754 / RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em
19.06.2012, DJe 28/08/2012).
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO
CONSUMIDOR. PROVEDOR. MENSAGEM DE
CONTEÚDO OFENSIVO. RETIRADA. REGISTRO DE
NÚMERO DO IP. DANO MORAL. AUSÊNCIA.
PROVIMENTO.
No caso de mensagens moralmente ofensivas, inseridas
no site de provedor de conteúdo por usuário, não incide a
regra de responsabilidade objetiva, prevista no art. 927,
parágrafo único, do Cód. Civil/2002, pois não se
configura risco inerente e à atividade do provedor.
Precedentes. É o provedor de conteúdo obrigado a
retirar imediatamente o conteúdo ofensivo, pena de responsabilidade solidária com o autor direto do dano.
O provedor de conteúdo é obrigado a viabilizar a
identificação de usuários, coibindo o anonimato; o
registro do número de protocolo (IP) dos computadores
utilizados para cadastramento de contas na internet
constitui meio de rastreamento de usuários, que ao
provedor compete, necessariamente, providenciar.
Recurso Especial provido. Ação de indenização por danos
morais julgada improcedente”.
(REsp nº 1306066 / MT, Rel. Ministro Sidnei Beneti, em
17.04.2012, DJe 02/05/2012).
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IV. DA COMPETÊNCIA
35. A competência da Justiça Estadual de São Paulo está justificada
pelo artigo 93, inciso da Lei 8078/90, que estabelece que:
“Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é
competente para a causa a justiça local:
I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano,
quando de âmbito local;
II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal,
para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-
se as regras do Código de Processo Civil aos casos de
competência concorrente”.
36. Por um viés ou outro, a Justiça Estadual da Comarca de São Paulo
é competente para o ajuizamento da presente demanda, pois os vídeos causaram um
dano nacional à toda população LGBT brasileira, às mulheres, às crianças e
adolescentes e à sociedade como um todo, atingida no respeito ao pluralismo e no
princípio da não discriminação, que devem prevalecer em um Estado Democrático de
Direito.
37. Optou-se pelo foro central, a fim de não se privilegiar nenhuma
região específica do município de São Paulo. Além disso, é onde se encontra a sede da
Defensoria Pública de São Paulo e de seus Núcleos Especializados, subscritores da
presente demanda. Em conformidade, ainda, com o artigo 46, §4º, do Novo Código de
Processo Civil, “havendo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão
demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor”. Nesse caso, as sedes da
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Fabrica de Quadrinhos, do Google, Facebook e Twitter estão no âmbito de competência
do Foro Central.
V. DA LIMITAÇÃO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM CASOS DE
DISCURSOS DE ÓDIO
38. Nos vídeos supracitados, há clara incitação ao crime de aborto
provocado por terceiro, homicídio e lesão corporal (contra filho por ser
homossexual e contra a mãe por ser prostituta), tortura e lesão corporal grave
(contra a transexual), com inequívoca manifestação de ódio e desprezo a
determinados grupos sociais, que, neste caso, são as pessoas lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), mulheres, crianças e adolescentes. Este
discurso de ódio é incompatível com o respeito à dignidade da pessoa humana, não só
da pessoa, individualmente considerada, mas da dignidade de coletividades.
39. A Constituição da República Federativa do Brasil prevê, em seu
artigo 5º, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”
(inciso IV). Logo em seguida assegura também que “é assegurado o direito de
resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem” (inciso V).
40. A Lei 12965/2014 (Marco Civil da Internet) disciplina o uso da
internet com fundamento no respeito à liberdade de expressão, bem como aos
direitos humanos, pluralidade, diversidade e função social do uso da rede, prevendo
a responsabilização dos agendes causadores de danos.
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Art. 2o A disciplina do uso da internet no Brasil tem como
fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem
como:
I - o reconhecimento da escala mundial da rede;
II - os direitos humanos, o desenvolvimento da
personalidade e o exercício da cidadania em meios
digitais;
III - a pluralidade e a diversidade;
IV - a abertura e a colaboração;
V - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do
consumidor; e
VI - a finalidade social da rede.
Art. 3o A disciplina do uso da internet no Brasil tem os
seguintes princípios:
I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e
manifestação de pensamento, nos termos da Constituição
Federal;
II - proteção da privacidade;
III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei;
IV - preservação e garantia da neutralidade de rede;
V - preservação da estabilidade, segurança e
funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas
compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo
ao uso de boas práticas;
VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas
atividades, nos termos da lei;
VII - preservação da natureza participativa da rede;
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VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na
internet, desde que não conflitem com os demais
princípios estabelecidos nesta Lei.
Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não
excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio
relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte.
41. Sabe-se que há uma polêmica sobre a possibilidade de se
estabelecer limites à liberdade de expressão, mesmo que ela veicule discursos de ódio,
violentos e atentatórios aos direitos humanos. Limites estes que podem ser tanto prévios
(censura prévia) como posteriores (reparações e direito de resposta).
42. O principal argumento daqueles que defendem a liberdade de
expressão absoluta, ilimitada é o de que devemos viver numa sociedade na qual todas as
idéias possam ser veiculada, de modo que haja o debate, no “livre mercado de idéias” e
se avance para idéias mais aprofundadas, adequadas e razoáveis.
43. A Defensoria Pública respeita e zela pelo direito à liberdade de
expressão. No entanto, monitora também a sua compatibilidade com outros direitos
humanos, como o de não ter a integridade física e psicológica ameaçadas, de não sofrer
opressões e ofensas, de não ser inferiorizado no campo social, de não ter agravada a
situação de vulnerabilidade na qual se encontram determinados grupos.
44. Além disso, em relação a grupos vulneráveis é, especialmente,
dificultosa a caracterização de um “livre mercado de idéias”, tendo em vista que estes
grupos, geralmente, possuem pouco ou nenhum poder político e acervo econômico,
capazes de possibilitar que se utilizem os mesmos meios de comunicação como, por
exemplo, no caso, redes sociais que atingem milhares de seguidores, para contestar as
idéias difundidas por estes canais e debate-las, de modo democrático.
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45. Faz-se necessária a intervenção da Defensoria Pública, nesse
contexto, para que essa vulnerabilidade seja minimamente superada ou minimizada,
estabelecendo a devida proteção a grupos minoritários e vulneráveis, diante do aparato
devastador utilizado por alguns comunicadores e pelos sites que hospedam o conteúdo
por eles produzido, que promovem a violência, a discriminação e a opressão.
46. Neste mesmo sentido, o próprio ordenamento penal, em âmbito
individual, coíbe, por exemplo, condutas que impliquem em ofensas, ameaças,
difamações etc. Do mesmo, com mais razão, faz-se necessária a proteção coletiva diante
destas mesmas condutas, porém, com maior abrangência e impacto danoso.
47. O Min. Celso de Mello, recentemente, na ADI 4274/DF, bem
pontuou, sobre os limites da liberdade de expressão e o discurso de ódio:
“O repúdio ao “hate speech” traduz, na realidade,
decorrência de nosso sistema constitucional, que reflete,
nesse ponto, a repulsa ao ódio étnico estabelecida no
próprio Pacto de São José da Costa Rica. (...)Evidente,
desse modo, que a liberdade de expressão não assume
caráter absoluto em nosso sistema jurídico,
consideradas, sob tal perspectiva, as cláusulas inscritas
tanto em nossa própria Constituição quanto na
Convenção Americana de Direitos Humanos. (...)Há
limites que, fundados na própria Constituição,
conformam o exercício do direito à livre manifestação
do pensamento, eis que a nossa Carta Política, ao
contemplar determinados valores, quis protegê-los de
modo amplo, em ordem a impedir, por exemplo,
discriminações atentatórias aos direitos e liberdades
fundamentais (CF, art. 5º, XLI), a prática do racismo
(CF, art. 5º, XLII) e a ação de grupos armados (civis ou
militares) contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático (CF, art. 5º, XLIV)”.
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48. A liberdade de expressão é uma das formas da liberdade de
manifestação do pensamento, assegurada no art. 5°, IX, de nossa Constituição. De
acordo com o ilustre José Afonso da Silva:
“A liberdade de manifestação do pensamento constitui um
dos aspectos externos da liberdade de opinião. A
Constituição o diz no art. 5°, IV: é livre a manifestação do
pensamento, vedado o anonimato, e o art. 220 dispõe que
a manifestação de pensamento, sob qualquer forma,
processo ou veiculação, não sofrerá qualquer restrição,
observado o disposto nesta Constituição, vedada qualquer
forma de censura de natureza política, ideológica e
artística. (…)
A liberdade de manifestação do pensamento tem seu
ônus, tal como o de o manifestante identificar-se,
assumir claramente a autoria do produto do
pensamento manifestado para, em sendo o caso,
responder por eventuais danos a terceiros (…) O art. 5º,
V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material, moral à
imagem”. (o grifo é nosso).
49. Assim, a proteção à liberdade de expressão não é absoluta, visto
que, desta forma, poderia haver a violação de outros direitos igualmente assegurados em
nosso sistema constitucional, como acorre no presente caso. A interpretação de um
direito fundamental deve conferir maior eficácia à interpretação de todos eles. Samantha
Ribeiro Meyer-Pflug argumenta que:
“A garantia à liberdade de expressão assegurada no Texto
Constitucional leva em consideração também a licitude e o
objeto da atividade de comunicação. Não é, a princípio,
toda e qualquer expressão que é protegida pelo direito
à liberdade de expressão”. (o grifo é nosso).
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50. O discurso de ódio, genericamente, caracteriza-se por “incitar a
discriminação contra pessoas que partilham de uma característica identitária comum”,
como a etnia, o gênero, a orientação sexual, a nacionalidade, a religião, uma deficiência
física, entre outros atributos. Tal discurso tenta desqualificar o grupo de pessoas como
detentor de direitos. Pablo Salvador Coderch considera que o discurso do ódio:
“(...) trata de perpetrar a marginalização ou
subordinação das pessoas pertencentes ao grupo
explorado, mediante o desprezo, ou inclusive o insulto;
sobretudo quando, na maior parte dos casos, se trata de
traços pessoais que a pessoa afetada não pode trocar por
sua própria vontade – a cor de sua pele ou seu sexo (...).”
51. Preconceito são as percepções mentais negativas em face de
indivíduos e de grupos socialmente inferiorizados. A externalização do preconceito, em
especial por meio comunicacional de grande poder difusor como a internet perpetua a
presença do tratamento discriminatório e segregacionista fomentado. O discurso passa a
estar ao alcance tanto daqueles a quem busca depreciar quanto daqueles a quem busca
incitar contra os depreciados e, também, está apto para produzir seus efeitos nocivos,
quais sejam: as violações a direitos fundamentais, o ataque à dignidade de seres
humanos.
52. Portanto, diante de um aparente conflito entre direitos
fundamentais garantidos em nossa Constituição, temos de sopesá-los para não permitir
o absoluto gozo de direitos por parte de um indivíduo ou grupo em detrimento de
direitos de outro indivíduo ou grupo. O princípio da proporcionalidade deve ser
invocado, haja vista que deve haver uma redução proporcional do âmbito de alcance
de cada um deles, visto que em nosso sistema constitucional pátrio não há direito
absoluto que se sobreponha a todos os demais direitos.
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53. Roger Raupp Rios esclarece que
“(...) a relação existente entre liberdade de expressão e a
dignidade da pessoa humana, posto que ambas são direitos
fundamentais, constitucionalmente garantidos e
desempenham relevante função na preservação dos demais
direitos e também do próprio sistema constitucional
democrático. Deve-se procurar fomentar e proteger
tanto a dignidade da pessoa humana como a
liberdade”. (o grifo é nosso)
54. A Constituição brasileira, ao fixar a dignidade da pessoa humana
como fundamento da República Federativa do Brasil (Constituição Federal art. 1º, III),
estabelece que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em função
daquele. Consequentemente, considerar a pessoa como o valor supremo de nossa
democracia, não permite aceitar que a dignidade de um grupo de pessoas seja aviltada
pelo discurso de ódio promovido por indivíduos que se colocam em uma posição de
superioridade física e social.
55. A discriminação, promovida neste discurso, é “a materialização,
no plano concreto das relações sociais, de atitudes arbitrárias, comissivas ou
omissivas, relacionadas ao preconceito, que produzem violação de direitos dos
indivíduos e dos grupos”.
56. Recentemente, muitas notícias têm demonstrado como o discurso
de ódio proferido tem prejudicado a sociedade como um todo e contribuído para a
realização de atos de extrema violência, voltados para a manutenção de uma cultura
machista e heteronormativa.
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57. Além de todo o exposto, conforme já mencionado, os vídeos estão
disponíveis na internet, sem qualquer limitação de acesso, e poderão ser visualizados
por crianças e adolescentes.
58. Ocorre que, crianças e adolescentes são sujeitos de direitos em
processo de pleno desenvolvimento de suas personalidades e possuem direito à proteção
integral (art. 3º, Estatuto da Criança e do Adolescente), constituindo-se como dever de
todos – família, sociedade e Estado – a proteção aos seus direitos, dentre estes o direito
ao respeito e à dignidade (art. 4º ECA).
59. As imagens veiculadas pelos requeridos, de fato, não contribuem
para o desenvolvimento psíquico saudável de crianças e adolescentes. Ao contrário,
prejudicam sobremaneira a formação de suas personalidades, pois, ao invés de estimular
o respeito às diversidades e aos direitos de todas as pessoas, contribuem para a
disseminação de pensamento discriminatório e intolerante.
60. O artigo 70 do ECA disciplina expressamente ser dever de todos
prevenir a ameaça ou violação de direitos da criança e do adolescente. O exercício da
cidadania depende do conhecimento de direitos e deveres, em especial o dever de
respeito e a proibição de conferir tratamento discriminatório.
61. Neste sentido, as redes sociais e sites da internet não estão livres
deste dever, cabendo, assim, a responsabilização caso no exercício da liberdade de
expressão violem deveres a todos impostos.
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VI. DA CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL
62. Configurado está o dano moral, no presente caso, já que os vídeos
divulgados, claramente, fomentam um contexto social de ódio, discriminação e
menosprezo à população LGBT e violação aos direitos das mulheres e das crianças e
adolescentes, incitando a violência através de aborto provocado por terceiro, tortura,
mutilação, homicídio dos personagens.
63. Conforme afirma o professor José Reinaldo de Lima Lopes,
professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no artigo O
direito ao reconhecimento para gays e lésbicas4:
“Eribon e Honneth dizem que as injúrias são formas de
ofensa e violência. Pode-se até dizer que as injúrias
consistentes na negação de direitos permitem propagar
uma visão negativa dos homossexuais. A negação de
direitos, os discursos que publicamente afirmam que
não se pode condenar os homossexuais, mas que
também não se deve estimulá-los, têm como resultado o
estímulo contrário, isto é, o estímulo a violências físicas
e morais contra eles. (...). É uma mensagem de
desigualdade”.
64. Completa ele, ainda, que:
“Além disso, a honra e a intimidade das pessoas foi tratada
constitucionalmente como bem inviolável (inciso X), e
várias formas de comunicação pública e expressão
social de desprezo dirigidas a gays e lésbicas são
4 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452005000100004. Acesso em
02/10/2014.
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seguramente violações a sua honra e a sua intimidade. Isso para não falar que a própria Constituição prevê um
mandamento ao legislador (e a todo órgão público com
poderes semilegislativos, pode-se acrescentar) de punir "
qualquer discriminação atentatória aos direitos e
liberdades fundamentais" (inciso XLI). Esses direitos
individuais, tratados como direitos fundamentais de
qualquer membro da sociedade brasileira, já seriam
suficientes para indicar o quanto há de ilícito jurídico
na continuidade institucionalizada dos estigmas
antigays.”
(...)
“Dizer que tais relações não devem ser reconhecidas,
por contrariarem a índole religiosa e a moral
universal, incide na proibição constitucional de o
Estado aplicar coercitivamente a todos os cidadãos um
conjunto determinado de convicções religiosas. Os
argumentos de convicção religiosa não podem ser usados
com legitimidade no espaço democrático quando fundados
em si mesmos, pois nenhuma religião determinará
obrigações, deveres e direitos para todos os cidadãos, já
que nem todos compartilham a religião que se faz, ou que
é, dominante. A liberdade de crença, uma das marcas da
democracia, impede que sejam impostos a todos deveres
que se justificam apenas para os seguidores de
determinado credo.”
65. Evidente está, portanto, que os vídeos divulgados são ilícitos
jurídicos, pois contém cenas de incitação ao crime de aborto provocado por terceiro,
homicídio, tortura e lesão corporal gravíssima, implicando em atentados ao direito à
honra da população LGBT, das mulheres e das crianças e adolescentes, bem como ao
direito de não discriminação, previsto no artigo 3º, inciso IV, e à liberdade de
consciência e de crença (ou não crença), contida no artigo 5º, inciso VI, ambos da
Constituição da República.
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66. O Supremo Tribunal Federal, no acórdão que julgou
inconstitucional a Lei de Imprensa (ADPF 130) enunciou a inafastabilidade do direito
de resposta e de eventual indenização por danos materiais e morais, no caso de
abuso da liberdade de expressão. Restou claro, na ocasião, que:
“O art. 220 é de instantânea observância quanto ao
desfrute das liberdades de pensamento, criação,
expressão e informação que, de alguma forma, se
veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem
prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art.
5º da mesma Constituição Federal: vedação do
anonimato (parte final do inciso IV); do direito de
resposta (inciso V); direito a indenização por dano
material ou moral à intimidade, à vida privada, à
honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício
de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso
XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de
informação, quando necessário ao exercício profissional
(inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de
calibração temporal ou cronológica na empírica incidência
desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art.
220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos,
primeiramente, assegura-se o gozo dos sobredireitos de
personalidade em que se traduz a “livre” e “plena”
manifestação do pensamento, da criação e da informação.
Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais
situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a
direitos constitucionais alheios, ainda que também
densificadores da personalidade humana. Determinação
constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade
de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais,
porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda
qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do
pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo
cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a
expressão e a informação, seja qual for a forma, o
processo, ou o veículo de comunicação social. Com o que
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a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais
democrático e civilizado regime da livre e plena
circulação das ideias e opiniões, assim como das
notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o
direito de resposta e todo um regime de
responsabilidades civis, penais e administrativas.
Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo
atuando a posteriori, infletem sobre as causas para
inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de
imprensa.”
VI. DA TUTELA ANTECIPADA
67. O art. 300 do Código de Processo Civil dispõe sobre os requisitos
necessários para a concessão antecipada dos efeitos da tutela, quais sejam, a
probabilidade do direito e o perigo de dano.
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando
houver elementos que evidenciem a probabilidade do
direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do
processo.
68. No mesmo sentido, prevê a Lei 12.695/2014 (Marco Civil da
Internet):
Art. 19. § 4o O juiz, inclusive no procedimento previsto
no § 3o, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos
da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova
inequívoca do fato e considerado o interesse da
coletividade na disponibilização do conteúdo na internet,
desde que presentes os requisitos de verossimilhança da
alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação.
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69. A verossimilhança das alegações ou probabilidade do direito
está presente, uma vez que as provas juntadas nos autos (denúncias, vídeos e cópias de
páginas da internet) comprovam a ocorrência de violação de direitos e incitação a
diversos crimes, sendo mais de um milhão os expectadores dos vídeos.
70. O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação está no fato
de que os expectadores dos vídeos estão sujeitos a serem induzidos a praticar a
discriminação e até mesmo os crimes sugeridos nos vídeos como forma de solucionar o
que eles entendem por serem comportamentos problemáticos.
71. Muitos são os exemplos de crimes cometidos com essa intenção.
O garoto Alex, por exemplo, teve seu fígado dilacerado pelo pai, no Rio de Janeiro,
porque gostava de dança do ventre e de lavar louça. André, o pai, passou a aplicar o que
chamou de “corretivos”. Surrava o filho repetidas vezes para “ensiná-lo a andar como
homem”. No dia 17 de fevereiro de 2014, iniciou outra sessão de espancamento. Duas
horas depois, Alex foi levado para um posto de saúde. Parecia desmaiado, com os olhos
grandes, de cílios longos, entreabertos. Mas não havia mais o que fazer. Estava morto5.
72. Em 2012, dois irmãos foram mortos, porque, após um abraço,
foram confundidos com homossexuais e sofreram um ataque homofóbico, o mesmo
tendo ocorrido com um pai e um filho, em data anterior6.
73. Além disso, a população LGBT está, cotidianamente, sendo
vítima de ações violentas, discriminatórias, constrangedoras e vexatórias motivadas por
5 http://oglobo.globo.com/rio/menino-teve-figado-dilacerado-pelo-pai-que-nao-admitia-que-crianca-
gostasse-de-lavar-louca-11785342. Acesso em 02/10/2014.
6 http://oglobo.globo.com/brasil/abraco-de-irmaos-acaba-em-ataque-homofobico-morte-na-bahia-
5330477. Acesso em 02/10/2014.
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discursos de ódio. Da mesma forma, mulheres são vítima de violência dentro do próprio
lar, praticadas por seus próprios parceiros.
74. Portanto, fica a encargo do judiciário neste caso, evitar o dano, o
que, de acordo com a nova teoria da responsabilidade civil deve ser o principal objetivo
da tutela jurídica, pois a mera reparação do dano, na maioria das vezes, é insuficiente
para retornar a situação ao status quo ante somente após deste.
75. Assim, requer-se, de imediato, a emissão de obrigação de fazer
aos réus a fim de tirar imediatamente os vídeos do ar, e, aos réus autores dos vídeos,
retratarem-se, pelos mesmos meios de comunicação, a toda a população ofendida,
por meio, inclusive, do financiamento da elaboração de vídeos educativos, a serem
alocados nos mesmo locais de suas postagens, de modo que promova os direitos da
população LGBT, das mulheres e das crianças e adolescentes.
VII. DOS PEDIDOS
76. Diante de tudo o que foi exposto, requer-se de V. Excelência.:
A. Deferimento liminar da tutela antecipada para
determinar a retirada dos vídeos e publicações do ar,
constantes dos seguintes endereços, e de outros nos
quais também constem os materiais previstos no item I
dessa petição:
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https://www.facebook.com/irmaospiologo/photos/a
.527821477292344.1073741828.527495720658253/98074
8188666335/?type=1&theater
https://twitter.com/irmaospiologo/status/69418619
4725285888?lang=pt-br
https://www.instagram.com/p/BBP9MMWu6Kb/
https://www.youtube.com/watch?v=4EDnKXL5d9
c&feature=youtu.be
https://www.youtube.com/watch?v=XQlvrS5P24o
B. Que a ré GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA
torne indisponível, em até 48 (quarenta e oito) horas após
o deferimento da liminar, os links dos conteúdos dos réus
autores das produções, como por exemplo os seguintes e
outros que existirem:
https://pt-
br.facebook.com/irmaospiologo/photos/a.5278214772923
44.1073741828.527495720658253/980748188666335/
https://www.youtube.com/watch?v=Eu0amJ2f4H
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https://www.youtube.com/watch?v=wstvEWQLBs
4
https://www.youtube.com/watch?v=PlSkGt3PhtQ
https://www.youtube.com/watch?v=xkZgGXduzX
g
https://www.youtube.com/watch?v=vyqQf7tKFdw
https://www.youtube.com/watch?v=9O9nKGqSuU
0
https://www.youtube.com/watch?v=gNamokqN1z8
https://www.youtube.com/watch?v=4_FZnOGkAm
E
irmaospiologo.com.br/videos/whatahell-prostituto-
com-sr-donizildo/
C. Que a ré GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA
filtre e remova de seu serviço “Google Search” os links
citados no item “a” acima, e todos aqueles vinculados aos
materiais apontados no item I dessa petição;
D. Deferimento liminar da tutela antecipada para
determinar a retratação dos autores dos vídeos, pelos
mesmos meios de comunicação que utilizaram para
propagar seus vídeos;
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E. Citação dos réus, para que, querendo, respondam à
presente ação, sob pena de revelia;
F. A designação de audiência de
conciliação/mediação;
G. A intimação do I. Representante do Ministério
Público, nos termos do art. 5º, § 1º da Lei 7.347/85;
H. A procedência da ação, tornando definitivo o
pleito da tutela antecipada, determinando-se
definitivamente a retirada dos vídeos do ar; a
retratação dos autores, pelos mesmos meios de
comunicações; assim como para determinar que os
réus reparem o dano moral coletivo praticado, através
do pagamento de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais),
que reverterá para ações de promoção da igualdade;
I. A fixação de pena de multa diária, nos termos
do art. 11 da Lei 7.347/85, no valor de R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais) por cada descumprimento da
ordem judicial, ou outro reputado razoável por Vossa
Excelência, para aplicação em caso de descumprimento.
77. Provará o alegado por todos os meios de prova em direito
admitidos, como depoimento pessoal dos representantes legais dos réus, oitiva de
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Preconceito
Núcleo Especializado de Infância e Juventude
Núcleo Especializado de
Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher
Rua Boa Vista, 103 – 10º andar – São Paulo/SP – CEP 01014-001 – Tel. (11) 3101-0155 – Ramais 137/249 [email protected]
testemunhas, a serem oportunamente arroladas, perícia técnica, e pela juntada de
documentos.
78. Atribui-se à causa o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil
reais), para fins de alçada.
São Paulo, 06 de Junho de 2016.
ELISA MARIA RUDGE RAMOS DA
SILVA TELLES
Defensora Pública
VANESSA ALVES VIEIRA
Defensora Pública
Coordenadora do Núcleo Especializado de
Combate à Discriminação, Racismo e
Preconceito da Defensoria Pública
ANA RITA DE SOUZA PRATA
Defensora Pública
Coordenadora Auxiliar do Núcleo
Especializado de Promoção e Defesa dos
Direitos da Mulher
MARA RENATA DA MOTA
FERREIRA
Defensora Pública
Coordenadora do Núcleo Especializado de
Infância e Juventude
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Preconceito
Núcleo Especializado de Infância e Juventude
Núcleo Especializado de
Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher
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ANA PAULA DE OLIVEIRA CASTRO
MEIRELLES LEWIN
Defensora Pública
Coordenadora do Núcleo Especializado de
Promoção e Defesa dos Direitos da
Mulher
AUREA MARIA DE OLIVEIRA
MANOEL
Defensora Pública
Coordenadora Auxiliar do Núcleo
Especializado de Combate à
Discriminação, Racismo e Preconceito da
Defensoria Pública
ALINE COUTO CELESTINO
Defensora Pública
BRUNO BORTOLUCCI BAGHIM
Defensor Público
CARLA FERREIRA ZAPAROLLI
Defensora Pública
DOUGLAS RIBEIRO BASÍLIO
Defensor Público
ERIK SADDI ARNESEN
Defensor Público
LIGIA CINTRA DE LIMA TRINDADE
Defensora Pública
LUCAS PAMPANA BASOLI
Defensor Público
LUIZ OTAVIO CONTIM FERRATO
Defensora Público
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Núcleo Especializado de
Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher
Rua Boa Vista, 103 – 10º andar – São Paulo/SP – CEP 01014-001 – Tel. (11) 3101-0155 – Ramais 137/249 [email protected]
MARIA TERESA BASTIA VICHI
Defensora Pública
PRISCILA MORGADO CURY
Defensora Pública
RODRIGO AUGUSTO TADEU
MARTINS LEAL
Defensor Público
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