ANÁLISE ESPACIAL DE INDICADORES SÓCIO-ECONÔMICOS APLICADA À GESTÃO NA ÁREA DE SANEAMENTO – ESTUDO DE CASO: MUNICÍPIO DE NITERÓI, RJ Alexandre Lima de Figueiredo Teixeira TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA CIVIL. Aprovada por: ________________________________________________ Prof. Otto Corrêa Rotunno Filho, Ph.D. ________________________________________________ Prof. Adilson Elias Xavier, D. Sc. ________________________________________________ Prof. Christovam de Castro Barcellos Neto, D. Sc. ________________________________________________ Prof. Isaac Volschan Jr., D. Sc. ________________________________________________ Prof. Luiz Rafael Palmier, Ph. D. ________________________________________________ Prof. Paulo Canedo de Magalhães, Ph. D. RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL JULHO DE 2001
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ANÁLISE ESPACIAL DE INDICADORES SÓCIO-ECONÔMICOS APLICADA À
GESTÃO NA ÁREA DE SANEAMENTO – ESTUDO DE CASO: MUNICÍPIO DE
NITERÓI, RJ
Alexandre Lima de Figueiredo Teixeira
TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS
DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO
DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A
OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA CIVIL.
Aprovada por:
________________________________________________Prof. Otto Corrêa Rotunno Filho, Ph.D.
________________________________________________Prof. Adilson Elias Xavier, D. Sc.
________________________________________________Prof. Christovam de Castro Barcellos Neto, D. Sc.
________________________________________________Prof. Isaac Volschan Jr., D. Sc.
________________________________________________Prof. Luiz Rafael Palmier, Ph. D.
________________________________________________Prof. Paulo Canedo de Magalhães, Ph. D.
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL
JULHO DE 2001
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TEIXEIRA, ALEXANDRE LIMA DE FIGUEIREDO
Análise Espacial de Indicadores Sócio-Econômicos Aplicada
à Gestão na Área de Saneamento [Rio de
Janeiro] 2001
XV, 191 p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ, M.Sc.,
Engenharia Civil, 2001)
Tese - Universidade Federal do Rio de
Janeiro, COPPE
1. Saneamento
2. Indicadores sócio-econômicos
3. Geoprocessamento
4. Análise de componentes principais
5. Classificação multivariada
6. Geoestatística
I. COPPE/UFRJ II. Título ( série )
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Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.)
ANÁLISE ESPACIAL DE INDICADORES SÓCIO-ECONÔMICOS APLICADA À
GESTÃO NA ÁREA DE SANEAMENTO – ESTUDO DE CASO: MUNICÍPIO DE
NITERÓI, RJ
Alexandre Lima de Figueiredo Teixeira
Julho/2001
Orientador: Otto Corrêa Rotunno Filho
Programa: Engenharia Civil
A seleção de variáveis sócio-econômicas constitui-se em um importante fator na
caracterização de populações. Dessa forma, este trabalho tem como principal objetivo
analisar a importância de variáveis sócio-econômicas na definição de áreas prioritárias de
investimento em saneamento. O município de Niterói foi escolhido para estudo de caso.
Utilizou-se o método de componentes principais com o intuito de identificar quais
os indicadores mais representativos. Nesta análise, os temas escolhidos foram:
saneamento, renda, escolaridade, habitação e demografia. Partindo-se de 52 variáveis,
foram selecionados 7 indicadores como os mais representativos.
Realizou-se, então, uma classificação multivariada pelo método k-médias de
agrupamento, buscando-se identificar, através da formação dos grupos, estratos sócio-
econômicos diferenciados. Foi possível discriminar a área de estudo em seis classes. Os
resultados da classificação multivariada foram confrontados com casos de incidência de
doenças de veiculação hídrica, revelando significativa correspondência entre casos
registrados e classes de risco para alguns bairros.
Finalmente, sob o ponto de vista metodológico, com o objetivo de analisar a
estrutura espacial das diversas variáveis, foram utilizadas técnicas geoestatísticas, tais
como o variograma e o covariograma. As análises feitas indicam a presença de estruturas
de correlação espacial. Notou-se que os indicadores de abastecimento de água e
esgotamento sanitário apresentaram um comportamento heterogêneo na direção leste-
oeste. Sugere-se que estudos futuros sejam conduzidos com essa abordagem.
iv
Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements
for the degree of Master of Science (M.Sc.)
SPATIAL ANALYSIS OF SOCIO-ECONOMIC VARIABLES APPLIED TO
MANAGEMENT IN THE SANITARY FIELD – CASE STUDY: NITERÓI CITY, RJ
Alexandre Lima de Figueiredo Teixeira
July/2001
Advisor: Otto Corrêa Rotunno Filho
Department: Civil Engineering
The selection of socio-economic variables is an important step in defining the
characteristics of a group of people. Based on this fact, the main purpose of the
present study is to analyse the importance of socio-economic variables in the definition
of the most important areas of investment in the sanitary field. The city of Niterói was
chosen as a case study.
The principal components method was used to identify which are the main
indicators in the study. In this work, the subjects analyzed were: sanitation, income,
education, housing and demography. Based on 52 initial variables, the 7 most
important indicators were selected.
It was then conducted a cluster analysis by the k-means method, searching,
through the established groups, for different socio-economic classes. It was possible to
discriminate the study area in six classes. The cluster analysis results were compared
with the incidence of waterborne diseases, revealing significative relation between
incidence and risk classes for some districts.
Finally, under the methodological point of view, it was evaluated the geostatistic
approach using techniques like the variogram and the covariogram with the purpose of
analysing the spatial structure of all variables. The results indicate the presence of
correlation structures. It was noted that the water supply and sewage indicators
presented a heterogeneous performance in the east-west direction. It is suggested that
future studies should emphasize this approach.
v
Dedico este trabalho aos meus pais, irmãos, parentes e amigos.
Especialmente, gostaria de dedicar às pessoas que sempre estiveram do meu lado em toda a minha vida, seja nos momentos de tristeza ou de alegria (Gabriel, Raquel e
minha mãe, Cristina).
vi
AGRADECIMENTOSAo amigo, professor e orientador Otto Corrêa Rotunno Filho, pela participação decisiva
na minha formação acadêmica durante esses cinco anos de convivência.
À CAPES por ter financiado durante dois anos a minha bolsa de mestrado.
Ao amigo Luciano Nóbrega R. Xavier, companheiro desde a época da graduação.
Aos alunos do PET e amigos Rodrigo Costa Gonçalves e Luiz Alberto Arend Filho,
peças fundamentais no fechamento da tese. Obrigado mais uma vez pela dedicação!
Ao amigo e coordenador do projeto Paraíba do Sul, Paulo Carneiro, pelos conselhos,
incentivos durante a pesquisa, principalmente os relacionados com a área de saúde e
por ter me ajudado na finalização do trabalho.
Ao prof. Luís Eduardo Potsch por contribuir para a minha formação, com uma visão
multidisciplinar.
A todos do Laboratório de Hidrologia da COPPE, em especial ao pessoal da
informática, Marcelo de Carvalho, Celso Pelizari, Marcelo Salimeni e Leandro Pitta, por
terem me ajudado no suporte computacional.
A todos os profissionais da policlínica comunitária de Itaipu, em especial à Dra. Maria
das Graças Vieira Esteves, que permitiu o acesso ao banco de dados da policlínica.
Ao coordenador do Programa Médico de Família Pedro de Lima, além da
coordenadora de grupo básico (área norte), Maria Angélica Duarte Silva e ao
responsável pelo servico de epidemiologia e estatística, Jorge Gorender, que
disponibilizaram os dados do módulo do Morro do Céu, estando sempre atenciosos.
À Ana Beatriz Costa Bezerra, Gabriel Lima de F. Teixeira, Raquel Lima de F. Teixeira,
Cristina Lima de F. Teixeira, Sheila dos Santos Lima, Roberto Trezena, Marina Xavier
da Cunha, José Aloísio Martins, Débora Goulart e Ana Cristina C. Bezerra por terem
me ajudado na coleta de dados e na finalização do trabalho.
Aos amigos Márcio e Márcia Eckhardt pela compreensão e ajuda nos momentos
críticos da tese.
vii
A todos os meus amigos e familiares que me suportaram no final desta pesquisa.
Ao Laboratório de Hidrologia da COPPE por ter cedido toda a sua infra-estrutura.
À Fundação Oswaldo Cruz por ter disponibilizado, através do Projeto SIG/Fiocruz, a
base gráfica dos setores censitários de Niterói, com informações do censo de 1991,
realizado pelo IBGE.
À Fundação CIDE por ter disponibilzado o mapeamento digital da cidade de Niterói.
À companhia Águas de Niterói, principalmente ao pessoal da operação, que sempre
Tabela 5.11 - População do município de Niterói de 1991 e 1996 com base em
informações do IBGE; taxa de crescimento determinada pela Secretaria de
Ciência e Tecnologia de Niterói (SECITEC, 1999a) .................................................150
Tabela 5.12 - Tabela de incidência das doenças selecionadas, com casos registrados
pela policlínica comunitária de Itaipu para o ano de 1999........................................151
1
Capítulo 1 – INTRODUÇÃO
A ciência vem passando por um processo de transição nos últimos tempos. A
visão clássica, que entendia o conhecimento como um saber altamente específico e
fragmentado, está sendo substituída por uma visão mais geral, com ênfase na
contextualização do conhecimento e na interdisciplinaridade, de forma que se possa
pensar globalmente e agir localmente.
Analisando os problemas atuais, principalmente aqueles relacionados com
meio ambiente e recursos hídricos, verifica-se uma grande interação e
interrelacionamento de diversas áreas do conhecimento. Desta forma, há a
necessidade de, muitas das vezes, transcender a outros campos do conhecimento
científico.
A natureza é caracterizada pela sua capacidade de renovação e equilíbrio.
Entretanto, o avanço tecnológico vem contribuindo para a introdução de novos
compostos na natureza, provocando o desequilíbrio do meio ambiente. Aliado a esse
desenvolvimento tecnológico, está a alta concentração urbana, que contribui para a
demanda de investimentos em vários setores econômicos.
No Brasil, o século XX foi marcado por um grande crescimento das zonas
urbanas. O processo de industrialização e acumulação de capital fez com que várias
cidades e estados, que antes apresentavam populações com predominância na área
rural, viessem a se tornar regiões com predominância de áreas urbanas. Esse
processo de transformação foi realizado, em grande parte, sem estar inserido em
qualquer tipo de planejamento urbano e regional.
A inexistência de um planejamento regional influencia vários setores,
destacando-se: saúde, infra-estrutura e meio ambiente. Recursos destinados a esses
setores poderiam ser melhor alocados, caso existisse um planejamento urbano da
região.
O setor de recursos hídricos possui uma grande dependência do planejamento
regional. A falta de ordenação da ocupação gera problemas sérios na qualidade da
água, acarretando uma série de problemas, sendo muitos relacionados com a saúde
da população. Como parte integrante do setor de recursos hídricos, tem-se o
saneamento.
A área de saneamento possui um espectro bastante amplo de atuação:
planejamento urbano, saúde pública e infra-estrutura.
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Com relação ao setor de saúde, as evidências são enormes, como pode ser
verificado pelos conceitos atribuídos pela OMS (Organização Mundial de Saúde) para
os termos saneamento e saúde:
“saneamento é o controle de todos os fatores do meio físico do homem que
exercem ou podem exercer efeito deletério sobre seu bem estar físico, mental ou
social”;
“saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social, e não
somente a ausência de doenças.”
O saneamento possui um impacto profundo na qualidade de vida de uma
população, interagindo com questões sociais, econômicas, culturais e políticas de uma
determinada região. A carência de investimentos nesse setor acaba ocasionando,
entre outras coisas, um aumento da incidência de casos de doenças relacionadas com
as condições sanitárias em geral, interferindo negativamente no bem estar da
população. Conseqüentemente, um aumento na demanda de investimentos no setor
de saúde é verificado. Recursos que poderiam estar sendo alocados no combate de
outras doenças, como câncer e AIDS, acabam por ficar indisponíveis.
Vários estudos comprovam a correlação entre níveis sócio-econômicos com a
incidência de doenças relacionadas com saneamento. MEDRONHO (1999)
exemplifica isso para o caso da hepatite A. Ele afirma que estudos epidemiológicos
demonstraram uma forte associação entre nível sócio-econômico baixo e condições de
higiene e saneamento precárias com incidência de hepatite A. Desta forma, a análise
dessa doença pode servir de indicador das condições sanitárias da região em estudo.
CARVALHO (1997) menciona o grande papel dos indicadores sócio-econômicos em
relação à saúde, seja de forma direta, com a ausência de saneamento aumentando a
incidência de cólera, por exemplo, ou então de forma indireta, na qual a renda e nível
de instrução relacionam-se com o modo de vida da população. É importante ressaltar
que outras variáveis intangíveis, relacionadas com a cultura e os hábitos da região,
podem atuar de forma tão importante ou mais do que as sócio-econômicas.
CARVALHO (1997) ressalta que uma análise de variáveis sócio-econômicas no
campo individual não é suficiente. É de fundamental importância que se tenha um
entendimento de todo o contexto que envolve o indivíduo porque o fato das pessoas
viverem em grupo faz com que a análise a nível individual não capte todos os efeitos.
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Como exemplo, pode-se citar as interações entre uma pessoa e outras na transmissão
das infecções, comportamentos ou valores (CARVALHO, 1997).
A definição de populações com níveis sócio-econômicos diferenciados está
associada ao conceito de risco. Risco pode ser definido como sendo a medida da
probabilidade e da severidade de fatores adversos (CONWAY, 1982; BRILHANTE e
CALDAS, 1999). No caso específico deste estudo, o objetivo é definir áreas prioritárias
de investimento em saneamento com base no risco associado às doenças oriundas da
falta de saneamento. Assim, a questão é saber quais fatores são mais importantes,
como estão relacionados com a ocorrência das doenças e conhecer a distribuição
espacial das classes de risco. Mais especificamente, com relação às doenças
provenientes das condições precárias de saneamento (abastecimento de água, coleta
adequada de esgotos, drenagem e coleta de lixo), outros fatores podem interferir de
forma significativa. Escolaridade, distribuição de renda e tipo de habitação domiciliar
são alguns desses fatores.
GATRELL e BAILEY (1996) e MEDRONHO (1999) dividem os métodos de
análise espacial em visualização, análise exploratória dos dados e modelagem
espacial. Nesse sentido, as técnicas de geoprocessamento consistem em importante
instrumento na identificação de áreas prioritárias de intervenção em saneamento.
BARCELLOS e BASTOS (1996) mencionam que o uso de tais técnicas tem
aumentado cada vez mais no planejamento, monitoramento e avaliação das ações de
saúde, além daqueles se constituírem em importantes ferramentas para análise das
relações entre ambiente e saúde.
A utilização de indicadores sócio-econômicos representa um importante
procedimento na caracterização de populações. SECPLAN (1996) e CARVALHO
(1997) analisaram a distribuição espacial de indicadores sócio-econômicos. Em
SECPLAN (1996), buscou-se definir áreas prioritárias de investimentos com a
realização do Programa Baixada Viva. A escolha foi fundamentada a partir do
cruzamento de indicadores de carência e análise de sua distribuição espacial, através
da construção de um sistema de informação geográfica. A metodologia inicial de
elaboração dos indicadores estava baseada no termo de referência do programa.
Todavia, quando da elaboração dos primeiros mapas, verificou-se uma concentração
acentuada em uma única classe de risco, dificultando a tomada de decisão. Foi, então,
realizada uma nova análise, de forma a corrigir essa distorção.
Diferentemente do estudo anterior, CARVALHO (1995) utilizou uma nova
abordagem no processo de elaboração dos indicadores, tendo como estudo de caso a
região metropolitana do estado do Rio de Janeiro. Não partindo de uma seleção a
4
priori das variáveis, a autora utilizou o conceito da análise de componentes principais,
buscando identificar quais os indicadores que melhor contribuem para a variação dos
dados originais. Com base nessa seleção, CARVALHO (1995) agrupou os setores
censitários através de uma classificação multivariada, utilizando o método k-médias
de classificação.
No processo de classificação multivariada, os eventos são admitidos como
sendo independentes, ou seja, grupos populacionais vizinhos não guardam entre si
uma correlação espacial. Contudo, essa hipótese não se reflete na prática. O
estabelecimento de limites administrativos não garante o isolamento de uma
população. Pessoas residentes, por exemplo, em um bairro, mantêm relações com
indivíduos de outros bairros, com possível influência no perfil epidemiológico da região
de estudo.
A Geoestatística é o ramo da estatística que trata da variabilidade espacial de
um determinado fenômeno. Essa abordagem metodológica passa pelo conceito básico
de variável regionalizada, que implica correlação no espaço. CARVALHO (1997) e
MEDRONHO et al. (1993) utilizaram conceitos geoestatísticos, analisando inter-
relações espaciais entre variáveis sócio-econômicas, como, por exemplo,
saneamento, com risco de incidência de doenças de veiculação hídrica. Um dos
objetivos nesses estudos era identificar a correlação espacial dos diferentes fatores e
estimar valores em pontos no espaço onde não se tem informação.
Além de ser uma importante ferramenta na gestão da saúde pública, o
geoprocessamento também desempenha importante papel em diversas atividades,
como melhor planejamento das intervenções em saneamento, supervisão de planos
diretores, verificação das hipóteses de evolução demográfica e vetores de
crescimento, acompanhamento da evolução do atendimento da demanda por serviços
de saneamento em diferentes estratos sócio-econômicos, mapeamento de manchas
de inundação, entre outras (PNUD BRA/93/22, 1995; CAMARGO, 1997; VIANNA,
2000).
Dentro desse contexto, este estudo adota o geoprocessamento como um dos
instrumentos para análise da gestão de saneamento no caso do município de Niterói.
Através da técnica de análise de componentes principais, buscou-se selecionar os
indicadores mais representativos para a região de estudo. A partir da seleção dos
indicadores, realizou-se uma classificação multivariada dos setores censitários do
município de Niterói, buscando-se definir grupos populacionais de diferentes padrões
sócio-econômicos. Tal classificação foi confrontada com registros de doenças de
veiculação hídrica na região. Posteriormente, com o objetivo de analisar a estrutura
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espacial das diversas variáveis, foram utilizadas técnicas geoestatísticas, tais como o
variograma e o covariograma.
Mais especificamente, a pesquisa tem como objetivos: abordar questões
relativas às deficiências no atendimento aos serviços de saneamento; identificar a
continuidade espacial das variáveis renda, escolaridade, saneamento, inserção
domiciliar e demografia em determinada região, confrontando com casos de doenças
relacionadas com saneamento; identificar, através da distribuição espacial, possíveis
áreas de risco à saúde; analisar a correlação espacial das variáveis em estudo através
da utilização de conceitos geoestatísticos.
No Capítulo 2, encontra-se a fundamentação teórica do trabalho. São
abordados os principais problemas relacionados com a água e é traçado um histórico
resumido do setor de saneamento. Além disso, nesse capítulo, são descritos conceitos
e trabalhos relacionados com geoprocessamento, análise multivariada e
geoestatística.
O Capítulo 3 consiste na etapa do trabalho onde se encontram descritas as
metodologias utilizadas no estudo. Com relação à análise multivariada, são descritos
os principais conceitos das técnicas de análise de componentes principais,
classificação multivariada e os principais conceitos geoestatísticos.
Posteriormente, no Capítulo 4, encontra-se a caracterização do município de
Niterói.
O Capítulo 5 é composto pela apresentação e análise dos resultados obtidos
em todas as etapas da tese. Nesse capítulo, são mostrados os resultados da análise
de componentes principais, da classificação multivariada e da abordagem
geoestatística.
Finalmente, no Capítulo 6, encontram-se as conclusões e as recomendações.
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Capítulo 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 – GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
Por ser um bem essencial à sobrevivência humana, é necessário que cuidados
especiais sejam tomados com a água. Esse bem que, no passado, apresentava-se em
abundância, está cada vez mais escasso e projeta-se para o futuro um quadro caótico
no nosso país. CABRAL (2001) menciona o alerta feito pela Organização Cultural,
Científica e Educacional das Nações Unidas (UNESCO) e pela Organização
Meteorológica Mundial (WMO) em 1998, no sentido de haver a necessidade de todos
os países desenvolverem estratégias de avaliação dos recursos hídricos, com o
objetivo de se evitar a limitação de atividades humanas, no século XXI, pela escassez
hídrica.
LANNA (1999), KELMAN e FRAJTAG (2000) e TUCCI et al. (2000) mencionam
que, no passado, acreditava-se que os rios sempre pudessem atender às
necessidades da população, seja a suprir as necessidades com água, seja para diluir
os esgotos domésticos. Porém, o alto crescimento populacional verificado no século
XX acarretou um grande aumento na demanda por água. Além disso, os autores
também afirmam que a água, um bem público que antes não possuía valor econômico,
passa a possuí-lo por problemas de escassez.
Dentro desse contexto, o setor de recursos hídricos no Brasil vem passando
por um processo de total reformulação. A aprovação da lei 9433/97, em substituição
ao Código de Águas (DNAEE, 1934), institui a política nacional de recursos hídricos e
cria o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos, assim como também
induz à criação da Agência Nacional de Águas (ANA). Segundo LANNA (1999) e
PORTO e ROBERTO (1999), os principais fundamentos da lei 9433/97 estabelecem:
a dominialidade pública da água, decorrente de dispositivo constitucional;
sua limitação e, por isso, o valor econômico que adquire;
a prioridade do consumo humano e animal nas situações de escassez;
o destaque para o uso múltiplo da água;
o reconhecimento da bacia hidrográfica como unidade territorial para
implementação da política nacional e atuação do sistema nacional de gestão de
recursos hídricos; a necessidade da descentralização e da participação do poder
público, dos usuários e das comunidades na gestão dos recursos hídricos.
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Com relação à criação da Agência Nacional de Águas, CABRAL (2001) afirma
que tal agência passa a ficar responsável pela regulação do uso dos recursos hídricos
de competência federal e, ao mesmo tempo, assegurar que os outros atores estejam
desempenhando as suas atribuições para o efetivo funcionamento do sistema.
LANNA (1999) diferencia a gestão das águas e a gestão dos recursos hídricos.
Segundo o autor, a gestão das águas abrange os recursos hídricos e as águas que
não são utilizadas por questões ambientais. Dessa forma, a gestão de recursos
hídricos trata da água destinada a qualquer tipo de uso.
O gerenciamento de recursos hídricos engloba uma série de setores da
economia, que são representados na forma de usuários de água. Irrigação,
saneamento, indústria e geração de energia são alguns dos usuários mais importantes
do sistema de recursos hídricos. BARTH e POMPEU (1987) classificam os usos da
água de acordo com as seguintes características:
se há derivação de águas de um rio no seu curso natural;
a finalidade e os tipos de uso respectivos;
as perdas por uso consuntivo, decorrentes dos usos da água;
os requisitos de qualidade exigidos em cada uso;
os efeitos da utilização, especialmente as alterações de qualidade.
As atividades inseridas na gestão de recursos hídricos possuem uma ampla
interdisciplinaridade. A Tabela 2.1 mostra as diferentes disciplinas envolvidas da
gestão dos recursos hídricos.
Tabela 2.1 – Disciplinas de planejamento de recursos hídricos (fonte: LANNA, 1999). TÉCNICAS
DOMÍNIO PRINCIPAL DOMÍNIO CONEXO SEMITÉCNICAS
NÃO
TÉCNICAS
Hidráulica
Hidrologia
Saneamento ambiental
Estruturas hidráulicas
Erosão e sedimentação
Computação
Modelagem
matemática
Análise numérica
Instrumentação
Geoprocessamento
Estatística
Análise sistêmica
Planejamento territorial
Meteorologia
Oceanologia
Engenharia de minas
Geografia
Biologia
Botânica
Zoologia
Piscicultura
Turismo, recreação e lazer
Saúde Pública
Antropologia
Geologia
Agronomia
Química
Ecologia
Economia
Administração
Direito
Ciências
políticas
Sociologia
Psicologia
Comunicação
Pedagogia
2.1.1 - A situação da água no planeta e a sua importância
A água é um recurso natural essencial para a sobrevivência humana, sendo
insumo para atividades sociais e econômicas como, também, desenvolve um papel
fundamental para manutenção da qualidade do meio ambiente. De acordo com
SILVEIRA (1997) o seu volume, que é de cerca de 1,4.1018m3, encontra-se distribuído
da seguinte forma no planeta:
águas dos oceanos 1.350 x 1015 (97%);
geleiras 25 x 1015 (1,81%);
água doce 8,6 x 1015 (0,62%)
A utilização inadequada dos recursos hídricos produz impacto na saúde da
população, nos ecossistemas naturais e em diversas atividades econômicas da
Rios e lagos 0,2 x 1015 (2%).
Águas subterrâneas 8,4 x 1015 (98%).
8
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população. Atualmente, cerca de um bilhão de pessoas nos países em
desenvolvimento continuam sem acesso à água potável. A utilização de água poluída
ocasiona uma série de problemas para a saúde do ser humano. A cada ano, verifica-
se que cerca de três milhões de pessoas morrem de diarréia e mais de um bilhão de
pessoas são atingidas por essa doença (BANCO MUNDIAL, 1998; SILVA, 1999).
Os problemas para a saúde decorrentes do mau uso da água acabam
resultando em prejuízos econômicos. Os diversos casos de doenças de veiculação
hídrica acabam reduzindo a capacidade de produção da população. Recursos que
poderiam ser alocados para o combate de outras doenças ou de outros setores da
economia ficam indisponíveis.
No Peru, mais de mil pessoas morreram de cólera e as perdas nas exportações
agrícolas e nos lucros provenientes do turismo foram estimados em um bilhão de
dólares (BANCO MUNDIAL, 1998).
Em 1991, a água poluída proveniente das estações de tratamento de esgoto dos
efluentes industriais da cidade de Amman causou danos graves a 6x107 m² de terra
irrigada a jusante (BANCO MUNDIAL, 1998).
Verifica-se que grande parte da água do planeta encontra-se nos oceanos.
Apesar de apresentar um alto custo quando comparado com técnicas de tratamento
de água doce (BANCO MUNDIAL, 1998), no Brasil, grupos não-consolidados de
pesquisadores, mas com alguns especialistas de nível internacional, estão
implementando estudos sobre dessalinização de águas (CRAVO e CARDOSO, 1999).
Devido aos vários problemas de escassez de água no mundo, esse tipo de alternativa
vem ganhando importância. CRAVO e CARDOSO (1999) mencionam que países
como Inglaterra, Itália, França, Alemanha e Japão têm implementado novos métodos e
técnicas para dessalinização de águas.
Segundo BANCO MUNDIAL (1998), a Jordânia, no início dos anos 50 do
século XX, apresentava uma população, em sua maioria, rural, de cerca de 600 mil
habitantes. Atualmente, devido ao grande aumento populacional, ao grande
crescimento da população urbana (cerca de 70% da população atual encontra-se em
áreas urbanas) e ao aumento dos rendimentos, houve um grave aumento na demanda
de água. Em decorrência disso, apesar de atualmente a Jordânia apresentar um
planejamento racional de utilização da água, projeta-se que, para o ano de 2015,
todas as fontes conhecidas de água dentro do país serão totalmente utilizadas, sendo
que cerca de um terço dessas fontes será de água reciclada. As medidas de combate
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à escassez, sugeridas em BANCO MUNDIAL (1998), incluiriam a redução da área
irrigada, a dessalinização da água e a importação de água de outros países.
A água subterrânea corresponde à grande maioria de água doce no planeta.
Dependendo das condições locais, esse recurso torna-se interessante para
abastecimento público. Segundo YASSUDA e NOGAMI (1987) e ALBUQUERQUE e
REGÔ (1999), as vantagens da água subterrânea são as seguintes:
qualidade, geralmente satisfatória, para fins potáveis;
relativa facilidade de obtenção;
possibilidade de localização de obras de captação nas proximidades das áreas de
consumo.
No Brasil, várias cidades são abastecidas por águas subterrâneas. O nordeste
brasileiro apresenta grande parte de seu abastecimento proveniente de lençóis
subterrâneos. Recentemente, estudos da CPRM (1999) identificaram, no sertão
nordestino, cerca de 22 trilhões de litros de água acumulados em sete bacias
sedimentares de Pernambuco, podendo a oferta chegar a 14 milhões de litros/dia. No
estado de São Paulo, um grande número de cidades são abastecidas através de
lençóis subterrâneos. Teresina e Natal são capitais que são abastecidas
essencialmente através desse recurso (YASSUDA e NOGAMI, 1987).
O uso intensivo e sem controle dos lençóis subterrâneos acaba gerando
problemas que, muitas vezes, tornam-se irreversíveis. A contaminação dessas fontes
acaba tornando-as indisponíveis para abastecimento, pois a descontaminação é um
processo praticamente inviável economicamente. Vários casos de contaminação dos
lençóis subterrâneos por vazamentos de fossas sépticas, solos contaminados, fossas
rudimentares, lixo tóxico e produtos químicos agrícolas denotam a gravidade do
problema (CAMPOS, 1993). Segundo BANCO MUNDIAL (1998), na cidade chinesa de
Shenyang, os custos de novos abastecimentos aumentariam em 200% em dois anos.
Isso se deve ao fato de que a água subterrânea proveniente do aluvião do vale do Hun
teve que ser rejeitada como fonte de abastecimento devido à sua má qualidade. Na
cidade de Lima, no Peru, o custo médio incremental de projeto para abastecimento de
água durante o ano de 1981 era de US$ 0,25 dólar por metro cúbico. Pelo uso
indiscriminado do aqüífero, as fontes de água subterrânea tornaram-se indisponíveis
para o uso e estuda-se a transposição de águas de uma bacia hidrográfica com custos
incrementais estimados em US$ 0,53 dólar por metro cúbico de água (BANCO
MUNDIAL, 1998).
O impacto na demanda de água em decorrência da industrialização, da
crescente urbanização e da falta de planejamento pode ser identificado na Figura 2.1.
Conforme já mencionado anteriormente, o século XX foi marcado pelo alto
crescimento populacional. Durante esse século, a população multiplicou-se por 3 e o
consumo de água por 6, basicamente devido à crescente utilização de água na
agricultura e na indústria (TUCCI, 1997b; KELMAN e FRAJTAG, 2000).
Tal crescimento, aliado com a preocupação demasiada na oferta de água, faz
com que os custos para o fornecimento de água tendam a crescer muito caso não se
tenha racionalidade no seu uso (TUCCI et al., 2000). Rebaixamento excessivo do
lençol de água acarretando aumento dos custos de bombeamento, aumento da
poluição dos rios implicando aumento nos custos de tratamento da água e captação
em lugares mais distantes com aumento nos custos de adução da água são alguns
exemplos. A Figura 2.2 apresenta a relação entre o custo atual e o custo estimado
para a implantação de projetos de abastecimento de água.
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
5,00
6,00
China Chipre Egito India Israel Peru
Águ
a do
ce re
nová
vel p
or p
esso
a (m
³)
195519902025 (Estimado)
Figura 2.1 – Crescimento da demanda de água em alguns países.
Fonte: ENGELMAN e LEROY,1993; SERALGEDIN, 1995.
11
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4
Custo atual (CA)
Cus
to fu
turo
(CF)
C.F. = 3 x C.A.C.F.=C.A.C.F.=2 x C.A.
Lima
Amman
Cidade do México
Hyderabad
Surabaya
Bangalore
Shenyang
Figura 2.2 – Relação entre custo atual e custo futuro do m³ de água.
Fonte: SERALGEDIN (1995).
Além do aumento na demanda de água para consumo, o crescimento
populacional faz com que haja a necessidade de um aumento na demanda por
suprimentos alimentícios. Surgem, então, problemas sérios na demanda de água e na
demanda por novos e mais avançados sistemas de produção agrícola irrigada
(ALBUQUERQUE e RÊGO, 1999). O setor de irrigação é o setor que mais utiliza e
consome água em todo o mundo. Desta forma, há a necessidade de incentivar o uso
de tecnologias de menor consumo de água.
2.1.2 – Aspectos relevantes no gerenciamento dos recursos hídricos
O século XX foi marcado pelo alto crescimento da população urbana nos
grandes centros, e esse crescimento, aliado à falta de planejamento e ordenação da
ocupação e a fragmentação no gerenciamento dos recursos hídricos, contribuíram
para que hoje nos encontremos numa situação caótica em relação aos recursos
hídricos. Rios poluídos, grandes secas, enchentes catastróficas são alguns dos fatores
que corroboram a situação descrita anteriormente, e tais fatores implicam direta ou
indiretamente na saúde da população. O fluxograma na Figura 2.3 ilustra impactos nos
recursos hídricos relacionados com o aumento da urbanização.
12
Qualidade dos recursos receptores
deteriora
Vazões básicas diminuem
Problemas de controle de poluição
Picos de cheias aumentam
Tempo de concentração e recessão menores
Problemas de controle de inundação
DensidadePopulacional Aumenta
Volume de águas servidas aumenta
Demanda de água aumenta
Área impermeabilizadaaumenta
Modificações no sistema de drenagem
Clima urbano se altera
Problemas de Recursos Hídricos
Qualidade das águas pluviais deteriora
Recarga subterrânea diminui
Esc. superficial direto aumenta
Velocidade do escoamento aumenta
Figura 2.3 – Efeitos da urbanização nos recursos hídricos. Fonte: PORTO et al. (1997).
Densidade de construções aumenta
URBANIZAÇÃO
Durante muito tempo, a água era entendida como um recurso natural ilimitado
e seu uso era realizado de forma indiscriminada e sem qualquer racionalidade.
Acreditava-se que as soluções técnicas pudessem resolver os problemas de oferta de
água para a população. As grandes catástrofes eram combatidas com grandes obras,
onerando os cofres públicos cada vez mais, e a gestão dos recursos hídricos dava-se
de forma fragmentada, onde cada setor (irrigação, transporte hidroviário, saneamento,
setor elétrico, entre outros) possuía sua própria política. Não havia qualquer
preocupação em realizar ações integradas e as tomadas de decisão ocorriam sem
qualquer coordenação. Isso ainda ocorre em vários países do mundo, inclusive no
Brasil.
13
14
A organização institucional dos países é realizada, muitas vezes, de forma a
dividir os setores relacionados com recursos hídricos em diversos departamentos e
órgãos. As políticas e planos para esses setores acabam não levando em
consideração uns aos outros. Além disso, as questões relacionadas com quantidade,
qualidade, saúde e o meio ambiente são tratadas também de forma separada.
Por outro lado, a centralização em excesso na gestão dos recursos hídricos é
outro fator que também contribui para o mau gerenciamento dos recursos hídricos. A
inexistência da participação dos usuários no processo decisório gera decisões, muitas
vezes, que atendem a interesses políticos. Nesse tipo de modelo, os usuários
raramente são consultados ou envolvidos no gerenciamento dos recursos hídricos,
resultando em projetos fora da realidade, não atendendo às necessidades dos
consumidores (BANCO MUNDIAL, 1998; LANNA, 1999). KEMPER (1997), em seu
estudo para a bacia do vale do Curu, aponta intervenções centralizadas com o passar
dos tempos, desde a época do Império, e mantidas posteriormente pelo Governo
Federal.
Desde o início das intervenções no setor de recursos hídricos, em meados do século
dezenove, o governo brasileiro tem agido em nível nacional. Em resposta a uma seca
bastante severa em 1877, o Império planejou e iniciou obras para o armazenamento de
água nos estados nordestinos (KEMPER, 1997).
Outra questão importante a ser discutida é a interdependência existente entre
os usuários. No Brasil e em diversos países, a gestão das águas não tem sido
realizada de forma a considerar a bacia hidrográfica como unidade de planejamento.
Ações de um usuário de montante geram efeitos externos (negativos ou positivos)
para outros de jusante e essa ação precisa ser internalizada. Caso contrário, acaba-se
gerando problemas de ordem econômica. É de fundamental importância que se
considere o custo social em vez de se considerar somente o custo marginal privado da
produção, computando-se as externalidades produzidas (MAYS, 1996).
Um caso típico é quando uma cidade lança seus efluentes sem qualquer tipo
de tratamento em um rio. Esse lançamento ocasiona uma diminuição na qualidade da
água do rio, fazendo com que os usuários de jusante tenham que gastar mais dinheiro
no tratamento da água.
A externalidade produzida pode acontecer não só em termos de qualidade mas
também pode ser vista em termos de quantidade. Um usuário de irrigação que utiliza
água de um rio e consome grande parte desse recurso, acaba indisponibilizando-o
para os usuários de jusante. Assim também acontece com usuários que deplecionam
o lençol de água até inviabilizar a captação de água para outros usuários.
Em compensação, os impactos positivos são revelados em um grande número
de casos, e que também precisam ser considerados. Um reservatório que regulariza a
vazão de um rio, garantindo-a para que outros usuários possam captar água a jusante,
como também um usuário que devolva ao rio uma água de qualidade superior a do
próprio rio são exemplos de externalidades positivas. É essencial que se tenha uma
visão abrangente e holística da bacia hidrográfica, considerando as diversas relações
entre seus atores. É possível observar essas relações através da bacia hidrográfica
hipotética apresentada na Figura 2.4.
C idade
Indús tria
Irrigação
A
B
C
H id roe lé tric a D
H id roe lé trica E
Figura 2.4 – Bacia hidrográfica hipotética, com alguns usuários de recursos hídricos.
A poluição das águas através dos despejos de efluentes sem tratamento pela
companhia de saneamento da cidade leva ao aumento das cargas de demanda
bioquímica de oxigênio (DBO) e coliformes. Dependendo da distância entre essa
cidade e o irrigante, o rio pode não ter capacidade de depuração, fazendo com que o
usuário C passe a captar água de qualidade inferior, podendo até inviabilizar a
irrigação naquela área.
15
16
O raciocínio com o industrial (usuário B) é análogo, ou seja, caso esse passe a
jogar no rio um efluente com alto teor de poluentes, efeitos externos negativos serão
sentidos pelo usuário C. Considerando que ambos atuam simultaneamente, o
problema torna-se ainda maior. Aliás, é isto o que ocorre, na realidade, em várias
bacias hidrográficas, onde vários usuários despejam seus efluentes sem qualquer tipo
de tratamento, ocasionando uma série de problemas para outros usuários e para a
população, que acaba ficando exposta a fatores de risco à saúde.
Analisando agora sob a ótica da hidroelétrica D, que está mais a montante da
hidroelétrica E, verifica-se que aquela regulariza a vazão do rio, garantindo vazão para
a que está mais a jusante. Nesse sentido, a hidroelétrica de montante gerou um
benefício para a de jusante que precisa ser computado.
Apesar de todas as vantagens do gerenciamento dos recursos hídricos que
contemple a bacia hidrográfica como unidade de planejamento, deve-se ter em mente
que a bacia não deve ser encarada simplesmente como uma série de canais
interligados, onde a água caminha de cotas mais altas para mais baixas e onde ações
de montante produzem efeitos a jusante. É de fundamental importância que a bacia
seja tratada como uma unidade em que várias relações culturais, sociais e ambientais
acontecem e que, muitas vezes, a abordagem hidrológica tradicional não capta os
fenômenos que efetivamente estão acontecendo. KEMPER (1997) e NETTO (1983)
apontam que, para determinados casos, o interessante seria trabalhar com o conceito
de bacia social. Esses autores afirmam que tratar uma bacia como uma unidade
administrativa talvez não faça sentido se não houver uma ligação concreta entre as
diversas partes da bacia. KEMPER (1997), em seu estudo para o vale do Curu,
identificou que as questões relativas à alocação de água concentravam-se nos vales.
Nas áreas mais distantes dos vales, os cidadãos acabam se preocupando mais com os
arredores dos seus açudes, cuja a água é usada localmente e não levada a outro lugar
dentro da mesma bacia. Assim, as condições climáticas, bem como as intervenções em
termos de infra-estrutura, criaram preocupações diferentes nos atores em várias partes da
bacia...
Nesse contexto, o vale do Curu pode ser definido como uma bacia social com
preocupações econômicas e sociais comuns. Esse fato contrasta com a bacia definida
hidrologicamente, que é maior, e que muitos atores não percebem enquanto unidade.
(KEMPER, 1997)
A adoção dos instrumentos econômicos na gestão dos recursos hídricos
permite atribuir um valor monetário a água, procurando internalizar as externalidades
17
produzidas e obter recursos para investimentos em intervenções na bacia hidrográfica
(SEROA DA MOTTA, 1998).
Um bem que não possui um valor determinado tende a ser utilizado até a sua
escassez (MISHAN, 1976). Segundo LANNA (1999), a não cobrança pelo uso da água
pode ocasionar a sua exaustão, causando malefícios para todos os usuários da bacia.
Já quando a água possui um preço, os usuários são obrigados a utilizar a água de
forma mais eficiente. Controle de perdas nos sistemas de abastecimento de água,
melhorias na eficiência dos sistemas de irrigação e práticas de reutilização de
efluentes constituem práticas de racionalização do uso do recurso hídrico.
A ineficiência das companhias de saneamento é um problema sério em vários
países, principalmente nos países em desenvolvimento. Segundo BANCO MUNDIAL
(1998), as falhas nos sistemas são provenientes:
da falta de reparo nos vazamentos;
das ligações clandestinas;
da falta de medidores;
da falta de substituição de tubos antigos por tubos mais novos.
Além de apresentar problemas de ordem econômica para as companhias de
saneamento pelas perdas nos sistemas, a precariedade e a má operação podem
ocasionar danos à saúde dos indivíduos. Como exemplo, pode-se citar a
contaminação das redes de água por problemas de pressão na rede. As tubulações de
água funcionam sob pressão, ou seja, a pressão interna no tubo é maior que a
atmosférica e deseja-se que a operação do sistema ocorra continuamente, mas isso
não acontece em muitos casos. Havendo uma operação intermitente, quando cessa a
passagem de água, a pressão na tubulação passa a ser negativa e a pressão exterior
fica maior do que a interna. Caso o nível do lençol de água esteja no nível da
tubulação, a água do lençol entra na tubulação, podendo ocasionar contaminação da
rede. Algumas empresas adotam como paliativo o aumento da concentração de cloro
na saída das estações de água, aumentando o custo do tratamento de água.
No que diz respeito à prática da reutilização, ASANO (1996) e SOBRINHO et
al. (1999) afirmam que essa técnica compreende uma solução muito interessante de
racionalização do uso dos recursos hídricos, pois permite o aumento da
disponibilidade hídrica e diminui a poluição dos corpos de água. O esquema na Figura
2.5 ilustra uma situação hipotética de reutilização de efluentes.
ETA
Rio
Tratamento
Reuso para irrigação
Captação
Adução
Distribuição
Coleta
DespejoFinal
Figura 2.5 – Exemplo da prática de reuso de água.
É claro que, associadas com a prática do reuso, medidas de controle
necessitam ser adotadas para que se evitem danos à saúde e ao meio ambiente
(ROGERS e LAUER, 1992).
O saneamento, sendo um dos usuários dos recursos hídricos, encontra-se
inserido dentro de todo esse contexto. Nos itens seguintes serão abordadas questões
e conceitos relacionados com o tema saneamento.
18
19
2.2 – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO SETOR DE SANEAMENTO
O conhecimento histórico do tema a ser pesquisado é de fundamental
importância no processo de fundamentação teórica, já que muitos dos problemas
atuais conservam uma interdependência histórica e o saneamento não foge a essa
regra. É possível verificar que o histórico do saneamento pode explicar muitos fatos
atuais e situações recentes pertinentes ao tema.
Dar-se-á, nesta revisão, maior atenção aos séculos XIX e XX, pois foram
nesses em que se verificaram profundas mudanças no saber técnico e científico do
saneamento.
2.2.1 – Os índios e as primeiras ações de saneamento após o ano de 1500
Pesquisadores identificaram que, há muito tempo, o homem possui uma
preocupação com a qualidade da água. COSTA (1994) afirma que datam de
aproximadamente 4.000 anos atrás os primeiros registros sobre atividades humanas
relacionadas com saneamento. Tais atividades diziam respeito ao afastamento dos
excretas (galeria de esgotos de Nippur, Índia, 3750 a. C.) e ao abastecimento de água
(sistema de abastecimento de água no vale dos Hindus, Índia, 3.200 a. C.). Tal
preocupação, também é constatada por HELLER (1997), mencionando que, no
próprio Velho Testamento, são abordadas várias práticas do povo judeu relacionadas
à preocupação com a qualidade da água para a limpeza, tais como roupas sujas
podem levar a doenças como a escabiose e sujeira pode levar a insanidade. Em
função dessa visão, HELLER (1997) menciona cuidados como a garantia de que os
poços fossem mantidos tampados, limpos e distantes de possíveis fontes de poluição
e de árvores. Um estudo conduzido pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados
Unidos (USEPA, 1990) também identifica relatos da Índia de 2000 a.C. recomendando
cuidados para com a qualidade da água. Afirmava-se naquela época que a água
impura deveria ser purificada, pela fervura sobre um fogo, pelo aquecimento no sol,
mergulhando um ferro em brasa dentro dela, ou poderia ainda ser purificada por
filtração em areia ou cascalho, e, então, resfriada. Portanto, é possível confirmar a
preocupação do homem desde sua antiguidade com a saúde.
No caso específico do Brasil, as preocupações com o saneamento são
verificadas já nos povos indígenas, que habitavam nosso país antes da chegada dos
portugueses. Segundo ABES (2000), estima-se que o número de índios era de 1 a 5
milhões no ano de 1500. No caso do consumo de água, os índios armazenavam a
20
água em talhas de barro e argila, ou até mesmo em caçambas de pedra,
reconhecendo, até de forma inconsciente, a depuração de um líquido tão importante
para a sobrevivência humana. Com os dejetos, também havia um cuidado especial,
haja visto que informações dão conta de que eles delimitavam áreas usadas para as
necessidade fisiológicas, disposição de restos de alimentos e objetos que perdiam a
serventia (ABES, 2000).
Desde o descobrimento do Brasil até o século XVIII, as ações de saneamento
foram, em sua grande maioria, realizadas na área de drenagem e abastecimento de
água (COSTA, 1994). A primeira informação de alguma ação de saneamento
registrada no Brasil foi identificada como sendo de Estácio de Sá, ao se estabelecer
entre o bairro da Urca e o Pão-de-Açúcar, já que tratou de abastecer de água doce a
cidade que acabara de fundar. Abriu, também, um poço que possibilitou o
abastecimento de água para o consumo na cidade (ABES, 2000). Os esgotos e os
resíduos sólidos eram lançados nas ruas, não havendo banheiros nas residências.
Havia, no entanto, grandes barris ou tonéis, onde os resíduos eram armazenados
(COSTA, 1994).
2.2.2 – O saneamento no século XIX
O século XIX apresenta características muito importantes na relação entre
saneamento e saúde pública. Os acontecimentos desse século, tais como as grandes
epidemias de febre amarela e cólera, acabaram por fundamentar acontecimentos
históricos no começo do século XX, como a guerra da vacinação, ocorrida no ano de
1904.
Durante o início do século XIX, vários fatores contribuíram para o processo de
transformação da cidade do Rio de Janeiro. Segundo BENCHIMOL (1990), esse
período é caracterizado por uma nova etapa na formação da cidade, com a superação
de seu estado colonial e a conseqüente redefinição de seu papel e funções. Em
termos mundiais, BENCHIMOL (1990) cita alguns aspectos relevantes, tais como: a
Revolução Industrial inglesa e o nascimento de uma indústria capitalista sequiosa de
mercados; o desmonte dos antigos impérios coloniais; a imposição do livre-cambismo
e a destruição dos entraves monopolistas à circulação de mercadorias em âmbito
mundial; as guerras e revoluções que dilaceraram a Europa e a independência dos
Estados Unidos.
A vinda da corte portuguesa em 1808 e a abertura dos portos em 1810
geraram grandes impactos no país, em especial no Rio de Janeiro. BENCHIMOL
21
(1990) afirma que a instalação da corte portuguesa rompeu com o equilíbrio da
cidade. Ele também afirma que, em menos de duas décadas, sua população duplicou,
alcançando aproximadamente 100.000 habitantes em 1822 e 135.000 em 1840. Entre
1808 e 1816, foram construídas cerca de 600 casas no perímetro da cidade, onde os
próprios sobrados começaram a suplantar as toscas casas térreas da cidade.
Até a primeira metade do século XIX, o abastecimento de água da cidade do
Rio de Janeiro era totalmente precário. Os chafarizes e as bicas públicas constituíam-
se nos principais meios para consumo de água, que eram construídos de acordo com
demandas locais da população.
No ano de 1840, foi fundada uma empresa para explorar os serviços de pipas
de água, transportadas por uma frota de carroças, de duas rodas, puxadas por burros.
Entretanto, esse sistema distribuía muito pouco da água disponível para
abastecimento. Com o rápido crescimento da cidade, viu-se a necessidade de se
implementar melhorias nos serviços de abastecimento de água, dando-se início à
modernização do sistema de distribuição de água. O serviço passaria a ser
comercializado, deixando de ser um bem natural para se tornar uma mercadoria.
Com relação ao sistema de esgotamento sanitário da primeira metade do
século XIX, esse era realizado por escravos, denominados por “tigres”. Os “tigres”
eram responsáveis pelo transporte dos esgotos domésticos até o despejo nas praias
ou valas. Além desse tipo de coleta, fossas e sumidouros também eram práticas da
época.
Em meados do século XIX, Miguel de Frias implantou o primeiro sistema de
abastecimento de água sob pressão, instalando, nas esquinas das ruas, uma rede de
torneiras. Entretanto, a capacidade do sistema para abastecer a população foi ficando
cada vez mais insuficiente, gerando uma série de insatisfações da população. Além
disso, a ocorrência de uma epidemia de febre amarela ocorrida em 1870, com 1.118
vítimas contabilizadas, fez com que medidas fossem tomadas pelo Império de forma a
regularizar o abastecimento na cidade. Tais ações foram lideradas pelo engenheiro
André Rebouças (BENCHIMOL, 1990; CARVALHO, 1998). Cabe ressaltar os vários
interesses econômicos que, movidos pelo processo de industrialização, também
contribuíam para a necessidade de melhoria dos sistemas.
As medidas emergenciais implementadas por André Rebouças tiveram um
alcance curto no tempo. Novas medidas faziam-se necessárias de forma a garantir o
abastecimento para a capital do Império. No ano de 1876, foi empregada, pela
1 A teoria miasmática acreditava que doenças como febre amarela poderiam ser contraídas através da ação de substâncias animais e vegetais em putrefação.
22
primeira vez no país, a condução de água para abastecimento através de tubulação de
ferro fundido. O engenheiro Antônio Gabrielli foi contratado para construir a rede de
distribuição de água, concluída em 1878 (TELLES, 1984; COSTA, 1994). O projeto
contemplava o aproveitamento dos rios Douro, Santo Antônio e São Pedro. O
abastecimento seria de 250 litros diários por habitante, chegando-se a 300.000
habitantes atendidos. No ano de 1880, foi inaugurado esse sistema, sendo
considerado um grande passo para a modernização, ampliando de forma considerável
o número de pessoas atendidas. Todavia, apesar de todo esse sinal de modernidade,
o crescimento urbano desordenado continuava, gerando problemas de falta de
abastecimento nas épocas de estiagem. Além disso, o número de pessoas não
atendidas era muito grande.
(...) nas estalagens ou cortiços, onde vivem aglomerados centenas de indivíduos, eram os moradores
obrigados a fazer longas viagens se queriam conseguir água (...). As águas do rio Carioca (...)
principalmente (...) tinham ido gradualmente minguando, de modo que, ao findar o terceiro quartel do
século XIX, achavam-se já reduzidas a insignificante lacrimal, insuficiente quase para alimentar
regularmente o afamado chafariz da Carioca (BENCHIMOL, 1990).
Profundas mudanças também foram implementadas com relação à coleta de
esgotos na segunda metade do século XIX.
Assim como no caso do abastecimento de água, a epidemia de febre amarela
no ano de 1850 representou um marco na coleta de esgotos. O quadro sanitário da
população era precário, gerando focos de disseminação de várias doenças. As fossas
e os sumidouros acabavam contaminando os lençóis subterrâneos e, de acordo com o
que se acreditava na época, poderiam contaminar o ar com seus pútridos miasmas1.
Desta forma, o Estado abriu concorrência para a concessão dos serviços de
esgotamento, e a empresa ganhadora foi a inglesa The Rio de Janeiro City
Improvements.
CORDEIRO (1995) afirma que, apesar de estar a cargo de uma empresa
privada, o serviço não operava dentro de uma racionalidade privada. A remuneração
era realizada de acordo com o número de prédios esgotados e o governo subsidiava a
implantação dos sistemas.
No ano de 1864, realizaram-se as primeiras intervenções da empresa britânica
no funcionamento das redes de esgotamento sanitário. Várias foram as intervenções
de forma a garantir a coleta dos esgotos da população da capital do Império.
23
Apesar de diminuir o mau cheiro que imperava na cidade e melhorar sua
aparência, muitas pessoas ainda encontravam-se sem acesso ao serviço de esgotos.
As camadas mais pobres eram as que mais sofriam com esse tipo de situação.
BENCHIMOL (1990) afirma que somente cerca de 30% das habitações coletivas da
época possuíam uma latrina para um grupo máximo de 20 habitantes. O serviço
operava sob a lógica capitalista de servir melhor quem pagava mais, acentuando ainda
mais as diferenças entre os estratos sociais da época.
Os cortiços e as grandes epidemias de cólera e febre amarela
A primeira metade do século XIX, ao contrário do que acontecia em vários
países, principalmente na Europa, foi marcada por não apresentar registros das duas
maiores pestes da época: a febre amarela e a cólera. Não obstante, segundo
CHALHOUB (1996) e DÂMASO (1989), isso não autorizava a afirmar que as
condições e a qualidade de vida das pessoas eram boas.
Durante a transição da primeira para a segunda metade do século XIX, foi
realizado um dos principais estudos dentro da área de epidemiologia. John Snow
investigou a epidemia de cólera ocorrida em Londres e demonstrou que a maioria das
vítimas haviam utilizado água de uma determinada bomba do sistema de
abastecimento (SNOW, 1990). Esse estudo antecipava-se, em uma década, à teoria
dos germes formulada por Pasteur e, em três décadas, à identificação do cholera
vibrio por Koch (McJUNKIN, 1986; COSTA, 1994).
No Brasil, uma epidemia de febre amarela em 1850 e outra de cólera em 1855
elevaram bastante as taxas de mortalidade e colocaram, na ordem do dia, a questão
da salubridade pública. Criou-se, então, a Junta Central de Higiene, órgão do governo
imperial encarregado de zelar pelas questões de saúde pública (CHALHOUB, 1996;
DÂMASO, 1989). Com relação à epidemia de febre amarela em 1850, segundo
CHALHOUB (1996), estima-se que mais de um terço dos 266 mil habitantes do Rio de
Janeiro foram acometidos pela febre amarela. Além disso, nessa primeira epidemia, o
número de mortos registrados chegou a 4160 pessoas, sendo que tudo indica que tal
número foi subestimado. Entre 1855 e 1856, registrou-se uma outra grande epidemia,
só que dessa vez de cólera.
Todos esses acontecimentos contribuíram para que se reformulassem alguns
conceitos da medicina. Surgiu, então, o que seria denominada de medicina social.
BENCHIMOL (1990) e DÂMASO (1989) afirmam que a medicina social observava,
inventariava e analisava o espaço urbano em busca da preventiva localização do
24
perigo para a saúde de seus habitantes. As ações desse tipo de medicina estavam
relacionadas com a grande concentração de indivíduos no espaço urbano, que
acabavam por expor todos ao perigo da doença. A medicina social combatia a
desordem urbana pela degeneração da saúde não só física como moral da população.
As habitações coletivas, com suas condições totalmente insalubres de vida, onde se
concentrava a parcela mais pobre e desgraçada dos habitantes da cidade, eram o alvo
principal dos médicos da época.
Cabe ressaltar o alcance da febre amarela e da cólera, onde ambas atacavam
sem discriminação de classe social, fazendo com que não fossem um privilégio
somente dos escravos negros. A tuberculose era uma doença que atingia um número
maior de pessoas. Apesar disso, a preocupação dos governantes não era tanta quanto
em relação a febre amarela e a cólera. Havia um claro interesse em combater aquelas
doenças que podiam atingir as classes mais ricas. A Tabela 2.2 mostra o número de
casos registrados para o final do século XIX.
Tabela 2.2 – Tabela de óbitos registrados na zona urbana do Rio de Janeiro, no período de 1860 a 1869, para algumas doenças (fonte: BENCHIMOL, 1999).
Óbitos no Rio de Janeiro – zona urbana
1860-1869
Ano Febre amarela Varíola Tuberculose
1860 1249 133 1891
1861 247 178 1679
1862 12 283 1844
1863 7 - 1731
1864 5 - 1563
1865 0 - 1659
1866 0 - 1694
1867 0 - 1925
1868 3 102 1780
1869 272 34 1889
Total 1795 730 17655
A classe pobre era sinônimo de classe perigosa, pois oferecia perigo de
contágio. Os intelectuais médicos da época diagnosticavam que os hábitos de moradia
dos pobres eram nocivos à sociedade, porque as habitações coletivas seriam focos de
irradiação de epidemias, além de ser, naturalmente, terrenos férteis para a
propagação de vícios de todos os tipos (CHALHOUB, 1996).
A introdução da higiene como uma ideologia tinha como objetivo estabelecer a
ordem urbana. Os cortiços foram o exemplo mais claro da relação de insalubridade e
de foco de propagação de epidemias na segunda metade do século XIX. Os cortiços
eram moradias onde pessoas se aglomeravam, vivendo nas condições mais precárias
possíveis. A insatisfação quanto a esse tipo de moradia atingiu níveis de
impopularidade tamanha até culminar com o processo de sua eliminação no começo
do século XX. A Figura 2.6 ilustra um tipo de habitação coletiva.
Figura 2.6 – Estalagem da rua Senador Pompeu, fotografada pelo historiador
Oswaldo Porto Rocha em 1984.
Fonte: CHALHOUB, 1996.
O fato marcante de combate aos cortiços foi a demolição do cortiço Cabeça de
Porco, o cortiço mais famoso da época, no dia 26 de janeiro de 1893. Segundo
CHALHOUB (1996), o então prefeito Barata Ribeiro, juntamente com o chefe de
polícia da capital federal, lideraram as operações de destruição do Cabeça de Porco.
O destino dos despejados é ignorado, mas estudos apontam que os moradores foram
morar no morro da Favela, juntamente com os soldados egressos da campanha de
Canudos. O fim da era dos cortiços marcava o início do século das favelas (Figuras
2.7 e 2.8).
25
Figura 2.7 – Morro da Favela, fotografado por Augusto Malta no ano de 1920.
Fonte: CHALHOUB, 1996.
Figura 2.8 - Favela do morro do Pinto, fotografado por Augusto Malta em 1912.
Fonte: CHALHOUB, 1996.
2.2.3 – Pereira Passos e as campanhas de Oswaldo Cruz
A passagem do século XIX para o XX foi marcada por profundas
transformações no ambiente urbano da cidade do Rio de Janeiro, passando por um
26
27
processo de remodelação da capital da república. A posse de Rodrigues Alves, que
prometia dar prioridade ao Rio de Janeiro, denota isso. Reportagem do JORNAL DO
BRASIL (2000a) relatava o discurso do presidente eleito, afirmando que a capital não
poderia continuar a ser apontada como sede de vida difícil, quando tinha fartos
elementos para constituir o mais notável centro de atração de braços, de atividades e
capitais nesta parte do mundo. Dentro desse contexto, duas figuras destacavam-se: o
prefeito nomeado por Rodrigues Alves, Pereira Passos, e o sanitarista Oswaldo Cruz,
que liderou os serviços federais de saúde no período de 1903 a 1909.
A remodelação do espaço urbano dava-se através de reformas estruturais da
cidade, traduzida na gestão do então prefeito da capital federal, Pereira Passos.
Segundo (AZEVEDO, 1980) e CORDEIRO (1995), a reforma urbana implementada
preparava o terreno para as campanhas de Oswaldo Cruz, efetivando a expulsão da
população pobre do centro da cidade. Reportagem da edição do jornal do século XX
(JORNAL DO BRASIL, 2000b) mostra bem a situação da época.
Em vez das imundas vielas coloniais e dos cortiços, onde se acumulam as doenças, a prefeitura planeja
ruas e avenidas largas, onde serão construídas edificações dignas da mais fina arquitetura européia...Aos
proprietários que amanhecerem com um aviso de desapropriação pendurado na porta principal de seu
imóvel, só resta sair o mais rápido possível de casa, pois a prefeitura dá apenas alguns dias para que a
mudança seja feita...Pobres, os moradores dos cortiços só têm como opção de moradia juntar-se aos
soldados vindos de Canudos, que se fixaram em barracos no morro da Favela, antigo morro da
Providência. (JORNAL DO BRASIL, 2000b)
As campanhas de Oswaldo Cruz tinham como principal objetivo livrar o país
dos prejuízos causados ao comércio exterior pelas péssimas condições sanitárias da
capital federal e de seu porto (HOCHMAN, 1998). Oswaldo Cruz, amparado por
instrumentos normativos e técnicos, possuía grande destaque em suas ações. As
intervenções eram realizadas, em sua grande maioria, no domicílio. Proteção de
caixas de água, remoção de latas e garrafas eram algumas das ações desse período.
O objetivo era evitar locais propensos ao desenvolvimento do mosquito transmissor da
febre amarela.
As reformas sanitárias foram desenvolvidas com grande impopularidade. Um
fato marcante foi a guerra da vacina, ocorrida no ano de 1904. Com a intenção de
erradicar a varíola, Oswaldo Cruz impôs a toda a população a vacinação contra a
varíola.
28
(...)Tudo começou com o anúncio da vacinação obrigatória contra a varíola, imposta por Oswaldo Cruz,
com o aval do prefeito Pereira Passos e a aprovação do Congresso. No ano passado, Cruz inventou um
exército de mata-mosquitos. Este ano, criou uma tropa armada de seringas. As ordens são as mesmas:
invadir as residências e aplicar a injenção a qualquer preço, sem perguntar se o morador concorda ou não
em ser picado pelas agulhas(...) Enquanto as autoridades discutem, a população, desgostosa com
governo desde que ficou desabrigada com o bota-abaixo, parte para a ação. (JORNAL DO BRASIL,
2000b)
Durante os cinco dias de conflito sangrento entre o governo e a população,
foram registrados 30 mortos, 945 presos, 110 feridos e 454 deportados (JORNAL DO
BRASIL, 2000b).
2.2.4 – A saúde pública – período de 1900 a 1940
Do começo do século XX até a década de 30, profundas transformações
institucionais aconteceram no país no âmbito da saúde. Esse processo de
transformação deu-se a partir da consciência da interdependência humana da doença.
Ações involuntárias de um indivíduo podem gerar benefícios ou malefícios para
outros. Isso é o que se chama de externalidade. No caso específico da saúde, um
indivíduo doente pode, involuntariamente, contaminar outro sadio. Existe, portanto,
uma clara interdependência humana. HOCHMAN (1998) afirma que a densidade
urbana e as crescentes conexões econômicas entre ricos e pobres doentes
intensificaram e ampliaram os efeitos externos das adversidades individuais, não
bastando a segregação espacial. A exclusão aos serviços de coleta de lixo, esgotos e
abastecimento de água geravam ameaças à vida urbana.
O processo que conduziu a saúde para um tema de importância nacional, com
a criação do seu próprio ministério, passou pela consciência da interdependência
social da doença. Além disso, a saúde só se tornou pública à medida que as elites da
época analisaram os custos e benefícios de transição de um tema de caráter até então
local, para passar a ser tratado de forma central, na esfera federal.
Segundo HOCHMAN (1998), o processo de estatização de uma atividade
depende da avaliação dos custos de manutenção dessa atividade na esfera individual
ou local (custos externos que, percebidos socialmente, estabeleceriam a consciência
da interdependência) e dos custos e restrições impostos pela execução dessas
atividades pelo Poder Público (custos da estatização). Ele defende que a conjunção
29
entre consciência, interesses, escolha e decisão, conduziram à coletivização dos
serviços de saúde no começo do século.
Analisando a década de 1910, verifica-se uma conscientização das elites de
que o Estado deveria assumir maior responsabilidade em relação aos graves
problemas sanitários do país. Havia uma preocupação das elites com os pobres e
doentes. Essa preocupação estava longe de estar relacionada apenas com um sentido
moral e ético da classe dominante, mas sim que a possibilidade do contágio tornava-
os solidários uns aos outros. Em HOCHMAN (1998), afirma-se que a percepção da
ameaça da doença os tornara solidários e reorganizava a sociedade, a contragosto,
para muitos. Tomava-se consciência de que os fatores de risco a que uma
determinada população fica exposta não consiste em um processo estanque. Os
indivíduos ficam interligados no espaço através dos mosquitos, ratos, esgoto não
tratado, viajantes que se deslocam portando doenças, entre outras informações.
De 1910 a 1920, as ações de saneamento e saúde eram realizadas com o
intuito de combater as três endemias rurais: a ancilostomíase, a malária e o mal de
Chagas. Vários movimentos nacionalistas marcaram esta época, podendo-se destacar
a criação da liga pró-saneamento. As ações da liga estavam direcionadas em alertar
as elites políticas e intelectuais para a precariedade dos sistemas sanitários da época,
seja na área urbana ou na rural (CORDEIRO, 1995; BRITTO, 1995; HOCHMAN,
1998). Mais que isso, a liga procurava obter um apoio para a realização do
saneamento no interior do país. Cabe ressaltar o abandono a que estavam sujeitos os
habitantes do interior do país. Doenças como a malária alastravam-se e atingiam
várias pessoas que não possuíam sistemas sanitários adequados.
No ano de 1916, foi divulgado um relatório sobre a expedição científica do
instituto Oswaldo Cruz, chefiada por Arthur Neiva e Belisário Penna, no interior do país
em 1912 (ALBUQUERQUE et al., 1991; HOCHMAN, 1998). Nesse relatório,
constavam relatos das precárias condições de vida dos moradores rurais, apontando
para a relação entre disponibilidade de água e focos de doenças. O quadro descrito
pelo relatório era o pior possível. Goiás, por exemplo, apresentava um grande número
de portadores de doença de Chagas (HOCHMAN, 1998).
Outro fato importante da década de 1910 foi o discurso de Miguel Pereira, em
1916, a respeito das condições de saúde da população brasileira, mais
especificamente da população residente no interior do país (PEREIRA, 1922;
HOCHMAN, 1998). Ele afirmou que o Brasil se constituía em um imenso hospital. A
doença de Chagas, descoberta em 1909 por Carlos Chagas, afetava milhões de
brasileiros.
30
Todo esse quadro e a conscientização da interdependência social da doença
fizeram com que aflorassem ainda mais as discussões a respeito de reformulações
institucionais na área de saúde. Em 1917, uma comissão foi nomeada pela Academia
Nacional de Medicina com o objetivo de estudar e propor um projeto de restruturação
dos serviços sanitários. Segundo o estudo dessa comissão, a solução seria a criação
de um Ministério da Saúde Pública, através da fusão dos vários serviços de higiene e
assistência pública (HOCHMAN, 1998). Os serviços de saúde estavam diluídos em
vários ministérios (Viação, Agricultura e da Fazenda e Interior). Toda essa
reformulação envolveria uma série de interesses e atores, gerando muitos conflitos.
Apesar de vários setores da elite dominante da época estarem conscientes e
dispostos a realizar as reformulações institucionais necessárias, outros não achavam
necessário. Para alguns setores da elite da época, o custo para a reformulação do
aparato institucional da época seria maior do que arcar com as despesas provenientes
de ações de saúde na situação, então, vigente.
No ano de 1918, o país sofreu com a grande incidência de gripe espanhola. A
pandemia de gripe espanhola, que foi a maior de todo o século XX, acarretou um
grande número de mortes no Brasil. Além disso, essa doença influenciou na sucessão
presidencial da época, pois Rodrigues Alves, então presidente reeleito de 1918, foi
vitimado pela gripe espanhola e seu vice, Delfim Moreira, assumiu o cargo de
presidente, caracterizando as condições sanitárias da época.
Em 1920, foi criado o Departamento Nacional de Saúde Pública, já consistindo
em uma ação de centralização das ações sanitárias. Em 1922, o governo federal já
possuía uma série de postos espalhados em todo o país. Segundo HOCHMAN (1998),
já estavam em funcionamento 88 postos sanitários rurais em quinze estados e no
Distrito Federal. Adicionalmente, buscou-se direcionar esforços para a criação de uma
grande base de informações que não contemplasse somente os estados com serviços
sanitários mais organizados.
A reforma institucional ocorrida na década de 1920 foi possível, graças à
conscientização da maioria dos estados de que os benefícios causados pela presença
da ação federal seriam maiores do que os custos de transição no aparato institucional.
As ações passaram a ser realizadas de forma integrada, não havendo mais a sua
fragmentação institucional. Até São Paulo, que assumia ações independentes do
governo federal, reconheceu a importância do governo assumir intervenções em
saúde e saneamento. Apesar de possuir condições institucionais, técnicas e recursos
para implementar suas intervenções, São Paulo não poderia controlar o que acontecia
nos outros estados. Pessoas contaminadas chegavam a São Paulo e transmitiam a
31
doença para a sua população, fazendo com que esse estado arcasse com um custo
ocasionado pela incapacidade de outro estado.
As décadas de 1920 e 1930 foram marcadas pelo modificação da forma de
atuação na área de saúde.
Com relação à exploração dos serviços de esgotos, a empresa inglesa City
Improvements obteve o monopólio do serviço até o ano de 1922. Além do péssimo
serviço prestado, CORDEIRO (1995) cita que alguns outros fatores influenciaram a
quebra desse monopólio como: dificuldades em se associar aos demais grupos
envolvidos com a acumulação urbana, incapacidade de expansão dos sistemas de
saneamento em concordância com os lançamentos imobiliários e insatisfação de
construtores e industriais. Apesar da empresa City não possuir, então, o monopólio na
exploração do serviço de esgotos, esta continuou atuando como concessionária até o
ano de 1947.
2.2.5 – Mudanças institucionais na área de saneamento no período de 1940 a 1964
FLEURY TEIXEIRA et al. (1988) afirmam que esse período foi marcado pelo
pensamento sanitarista desenvolvimentista, onde o nível de saúde de uma população
dependia, em primeiro lugar, do grau de desenvolvimento econômico de um país ou
região. Além disso, as medidas de assistência médico-sanitária eram, em boa medida,
inócuas quando não acompanhavam ou integravam esse processo.
No aspecto institucional, algumas mudanças aconteceram na década de 1940.
Em 1942, era criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). O SESP possuía
como área de atuação a região amazônica e o vale do rio Doce. Esse órgão deveria
implantar sistemas de saneamento e promover a saúde dessas localidades,
constituindo-se uma das poucas ações integradas de saúde pública e saneamento da
época.
Além de criar o SESP, o governo federal reformulou todo o Departamento
Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) e o Departamento Nacional de Obras
contra as Secas (DNOCS). A Inspetoria de Águas e Esgotos (IAE), órgão que tinha
como objetivo controlar todas as novas concessões dos serviços de esgotamento
sanitário, além da operação de todos os sistemas de água, transformou-se em Serviço
Federal de Água e Esgotos (SFAE). Três anos depois, o SFAE mudaria para
Departamento de Águas e Esgotos da Prefeitura do Distrito Federal.
Esse período foi caracterizado pela criação dos Serviços Autônomos de Água e
Esgotos (SAAEs), sob a forma de autarquias municipais. A administração dos serviços
32
dos SAAEs era contratada pela SESP, e, apesar de se constituírem em grande
número, os SAAEs passaram a sofrer com a falta de investimentos, em função do
baixo crescimento econômico do país (ABES, 2000).
As ações e as políticas do setor de saneamento até a formulação do Plano
Nacional de Saneamento, estavam vinculadas à expansão das classes de alta renda e
do setor produtivo. No Rio de Janeiro, isso se verificou com a implantação de serviços
na zona sul e na zona suburbana, que abrigava uma série de indústrias. O
saneamento, no período de 1950 a 1960, é marcado pela sua retirada da esfera da
saúde pública, migrando para a questão urbana. FLEURY TEIXEIRA et al. (1988) e
CORDEIRO (1995) colocam que a construção passaria a ser referenciada pelo eixo
econômico e a cidade era vista como um dos aspectos a serem enfrentados pela
política do desenvolvimento.
2.2.6 – O Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) – 1964 a 1984
A década de 1960 foi marcada por profundas mudanças na estrutura política do
país. A ascensão ao poder dos militares no ano de 1964 dava início ao regime de
ditadura militar, que só terminaria no ano de 1985. Dentro desse contexto, o setor de
saneamento receberia uma atenção especial com a criação do Plano Nacional de
Saneamento no ano de 1971.
No contexto mundial, os anos 60 e 70 caracterizaram-se pela intensificação da
internacionalização e expansão do capitalismo, através da industrialização. Com os
graves problemas ambientais vividos pelos países desenvolvidos, esses passaram a
aplicar legislações mais rigorosas e normas para controle dos problemas ambientais.
Várias indústrias, com alto potencial poluidor, dirigiram-se para os países em
desenvolvimento, onde a legislação era mais branda (FERREIRA, 1984; ORENSTEIN,
1987; CONTADOR, 1987; TUCCI et al., 2000). Dessa forma, precisava-se de infra-
estrutura adequada para receber tais indústrias e o saneamento tornava-se peça
fundamental nesse processo.
O governo militar era caracterizado pela ampla intervenção do Estado, com
grande centralização das decisões, sem qualquer participação da sociedade civil.
FIZSON (1990) afirma que o Estado passava a se articular, de forma a atender aos
interesses das empresas estatais, das multinacionais e do capital nacional, suprindo
as suas necessidades para a ampliação das condições de acumulação.
O fenômeno de migração do meio rural para o urbano fazia com que o país
convivesse com profundos problemas habitacionais, ocasionando o crescimento das
33
favelas nos grandes centros urbanos. Adicionalmente, tinha-se também o problema
dos baixos salários pagos aos trabalhadores, não permitindo o crescimento dessa
classe social. Com base nessa situação, o governo militar, no ano de 1964, criou o
Sistema Financeiro de Habitação e o Banco Nacional da Habitação (BNH). Segundo
FISZON (1990), achava-se que o desafio de se reduzir o conjunto de favelas poderia
ser tratado como sendo de caráter puramente habitacional.
O BNH foi criado com o intuito de coordenar a ação dos organismos públicos e
privados, estimulando a construção de habitações de interesse social e o
financiamento com vistas à aquisição da casa, especialmente para a população de
baixa renda. Com a criação, no ano de 1966, do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), a política habitacional brasileira passou a ter um importante elemento
de sustentação, pois os recursos oriundos do FGTS foram direcionados para o BNH
(FLEURY TEIXEIRA et al., 1988). No ano de 1969, é autorizada a destinação de
recursos provenientes do FGTS para a área de saneamento. Com isso, o setor de
saneamento passou a contar com um montante de recursos até então inédito,
possibilitando a implementação de planos e programas (COSTA, 1994; FLORÊNCIO
et al., 1995).
O quadro do saneamento, no final da década de 60, era desanimador. O
abastecimento de água, mesmo que em situação melhor do que o esgotamento
sanitário, encontrava-se em situação precária. No final de 1967, foi realizada uma
pesquisa envolvendo o Ministério da Saúde, a Organização Panamericana de Saúde e
a Organização Mundial de Saúde, com o objetivo de saber os níveis de atendimento
em saneamento. Essa pesquisa identificou que somente cerca de 53% da população
urbana possuía abastecimento de água por sistemas públicos, e somente 27 % da
população total do país era provida por esse serviço (COSTA, 1994; ANDRADE,
1978). Esses aspectos criavam problemas para a instalação de indústrias,
prejudicando o desenvolvimento do setor produtivo no país. A deficiência de infra-
estrutura em abastecimento de água e esgotamento sanitário é fator limitante no
desenvolvimento dos processos de produção.
Face a esse quadro caótico e necessitando o país de criar condições de infra-
estrutura para a entrada do capital externo, no ano de 1967, instituiu-se a Política
Nacional de Saneamento (COSTA, 1994; FLORÊNCIO et al., 1995). Faziam parte
dessa política, além do saneamento básico (abastecimento de água e esgotamento
sanitário), os esgotos pluviais, o lixo, o problema de erosões e outros. Segundo
JACOBI (1989), CORDEIRO (1995) e FLORÊNCIO (1995), as diretrizes do governo
34
federal para o saneamento balizavam-se na gestão centralizada, na adoção de tarifas
realistas e na limitação de aplicação de recursos não-reembolsáveis.
Um fator determinante para a implementação da política de saneamento da
época foi o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (PNDES) para o
período de 1967 a 1976. Esse plano determinava, dentre várias questões, que a
política de saneamento deveria ficar a cargo do BNH. As metas mais específicas
foram determinadas pelo Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED) de 1967-1970
(ORENSTEIN, 1987).
Contrariamente à política centralizadora do governo militar, a competência de
implantar, operar e explorar o serviço de saneamento era municipal. Muitos
municípios, mais precisamente da região sudeste, possuíam serviços autônomos
estruturados e capacitados a oferecer um serviço de boa qualidade. Em
compensação, muitos outros não podiam arcar com os altos investimentos
necessários. Esta estrutura descentralizada era uma das principais críticas do BNH ao
sistema vigente. COSTA (1994) e CONTADOR (1987) mencionam que a gestão
municipal era combatida pelo governo federal por estar calcada no paternalismo, no
clientelismo, na incompetência técnica e na inexistência de uma estrutura institucional.
A criação de um plano para o setor, abrangendo um horizonte de longo prazo e
que não limitasse suas ações de caráter emergencial e eventual, fazia-se necessária.
Desta forma, no ano de 1971, institucionalizou-se o Plano Nacional de Saneamento.
O PLANASA caracterizou-se por ser um plano altamente centralizador. O plano
determinava que os municípios, para obterem recursos do FGTS, deveriam passar a
concessão dos serviços de saneamento para as companhias estaduais. Os estados
deveriam unificar seus serviços de saneamento de forma a garantir o controle sob a
sua gestão. As atribuições a cargo dos municípios passavam a ter o controle do
estado. Havia uma clara intenção de retirar o saneamento básico da competência
municipal. CORDEIRO (1995) e PARLATORE (2000) afirmam que a centralização
tinha como principal objetivo o enfraquecimento político e financeiro dos municípios
ante o governo central.
Apesar dessa coerção contra os municípios, alguns optaram por continuar
gerindo seus próprios sistemas. Tais municípios, em sua grande maioria da região
sudeste, possuíam autonomia financeira e técnica para operar seus sistemas.
O desenho institucional do PLANASA foi montado da seguinte forma:
centralização decisória, execução da política nacional pelo BNH, financiamento do
setor baseado em recursos do FGTS a partir do Sistema Financeiro de Saneamento
(SFS), estabelecimento das companhias estaduais de saneamento básico como
35
principais prestadoras dos serviços e estabelecimento de programas e subprogramas
para financiamento de investimentos. Cabe ressaltar que, além dos recursos do FGTS,
os financiamentos para investimentos em saneamento eram obtidos também com
recursos dos orçamentos fiscais das três esferas governamentais, de empréstimos
externos e do retorno obtido com os financiamentos realizados.
As primeiras ações do PLANASA basearam-se em atender as localidades de
maior poder econômico. Com os recursos provenientes dessas áreas, poder-se-ia
viabilizar economicamente o plano, sendo aplicados, posteriormente, nas áreas mais
pobres. A lógica era de atender as prioridades econômicas e não as questões sociais.
Com o transcorrer da primeira fase do plano (1971-1975), o que se viu foi uma
concentração dos recursos aplicados na região sudeste. Além da concentração dos
recursos, outro fator importante foi a inconstância dos investimentos. FISZON (1990)
afirma que o caráter de intervenção permanente ficou restrito ao discurso. A má
distribuição dos investimentos não se deu somente geograficamente. Com relação aos
temas, a prioridade foi investir em abastecimento de água em detrimento de
esgotamento sanitário, conforme ilustra a Tabela 2.3.
Tabela 2.3 - Divisão dos recursos aplicados pelo PLANASA entre abastecimento de
água e esgotamento sanitário de 1971 a 1974 em % (fonte: FISZON, 1990).
Percentual investido ANO
Água Esgotos
1971 93,4 6,6
1972 69,1 30,9
1973 78,6 21,4
1974 63,1 36,9
Como já mencionado anteriormente, o PLANASA não expandia os sistemas
com base em critérios sociais e muito menos ambientais. O fato do plano operar
dentro de uma lógica de atender a expansão produtiva no país justifica a prioridade
dada ao abastecimento de água. A falta de um sistema de esgotamento sanitário não
traz grandes limitações para a implantação de tais processos. Em compensação, o
fato de não possuir abastecimento de água acaba por se constituir em um limitador
imediato, haja visto que a água é insumo para diversas atividades produtivas.
Apesar de toda inconstância de investimento, CORDEIRO (1995) e
PARLATORE (2000) mencionam que os indicadores de cobertura, ao final de 1974,
36
estavam bem próximos das metas estabelecidas. Enquanto que cerca de 65% dos
domicílios estavam ligados em redes de abastecimento de água, 29% possuíam redes
de coleta de esgotamento sanitário.
Em decorrência da crise do petróleo e da elevação dos preços das matérias-
primas no mercado internacional entre 1973 e 1974, criou-se o II Plano Nacional de
Desenvolvimento (FERREIRA, 1984; ORENSTEIN, 1987; FLEURY TEIXEIRA et al.,
1988). A institucionalização do II PND levou à reformulação de todos os programas de
habitação do BNH, dentre eles o PLANASA.
Com os objetivos calcados na lógica econômica atingidos, buscou-se, então,
atender os desassistidos da primeira fase. A retórica mudaria, aproximando-se mais
das questões sociais. Segundo FERREIRA (1984), o novo objetivo do PLANASA era
permitir que as classes mais pobres pudessem ter acesso aos serviços de
saneamento básico. FISZON (1990) afirma que as metas da segunda fase do plano
eram as seguintes:
atender, até 1980, com água potável a mais de 80% da população urbana em pelo
menos 80% das cidades brasileiras e em todas as regiões metropolitanas;
atender, até 1980, as regiões metropolitanas, capitais e cidades de maior porte
com serviços adequados de esgotos sanitários;
atender, na medida do possível, com serviços de esgotos mais simples, cidades e
vilas de menor porte.
Apesar da mudança de discurso, na prática, isso não foi verificado. Os
investimentos continuaram privilegiando os interesses econômicos e continuou-se
investindo muito mais em abastecimento de água. Ao final do ano de 1980,
verificaram-se grandes distorções em termos de cobertura dos sistemas de água e
esgoto (ANDRADE, 1978; FLORÊNCIO et al., 1995). Enquanto que as áreas de maior
poder aquisitivo e as regiões industriais possuíam bons indicadores de cobertura de
água e esgoto, nas regiões de baixa renda isso não acontecia. A opção em atender os
interesses econômicos acabava conduzindo o país para esse quadro (Figuras 2.9 e
2.10).
Apesar de todos os problemas verificados anteriormente, CORDEIRO (1995) e
FISZON (1990) apontaram que houve um inegável aumento global no atendimento
dos serviços. Comparando os indicadores antes e depois do plano, verifica-se um
grande aumento no atendimento dos serviços.
1 12
75
11 1
NORTENORDESTESUDESTESULCENTRO-OESTE
Figura 2.9 - Aplicação dos recursos em abastecimento de água, por região (%) -
período de 1968 a 1984.
Fonte: FISZON, 1990.
3
25
55
107
NORTENORDESTESUDESTESULCENTRO-OESTE
Figura 2.10 - Aplicação dos recursos em esgotamento sanitário -
período de 1968 a 1984
Fonte: FISZON, 1990.
Os anos 80 marcaram a falência do PLANASA. As críticas dos técnicos ao
modelo centralizador eram muitas e mudanças eram exigidas. Aliado a esse fato,
FISZON (1990) cita que a redução contínua de investimentos, a grave crise financeira
das Companhias Estaduais de Saneamento e a incapacidade de dar resposta aos
problemas de esgotamento sanitário indicavam a falência do plano.
37
38
2.2.7 – A falência do PLANASA e o vazio institucional
Com a falência do Plano Nacional de Saneamento, novas alternativas foram
buscadas para o setor. A saída dos militares do poder fazia com que novos
paradigmas fossem pensados para o setor.
Segundo CORDEIRO (1995), o pronunciamento do então candidato à
presidência da República, Tancredo Neves, no Encontro Nacional de Saneamento em
12 de setembro de 1984, refletia toda a insatisfação com o modelo da época. Nesse
discurso, Tancredo apontava como principais problemas a estreiteza do conceito de
saneamento básico, a excessiva centralização decisória, o anseio por autonomia
municipal, a preocupação com a falência financeira do sistema, a contradição entre a
política tarifária aplicada e as demandas por universalização dos serviços e o
reconhecimento de resultados pouco satisfatórios no campo do esgotamento sanitário.
A partir de 1985, os municípios passaram a ter acesso aos recursos do
Sistema Financeiro de Saneamento (SFS), em uma clara intenção de descentralização
da gestão no setor (GUSMÃO, 1994).
No ano seguinte, é extinto o BNH, ficando a Caixa Econômica Federal com a
responsabilidade de gestão financeira do setor.
A partir desse momento, o que se viu foi um profundo vazio institucional do
setor de saneamento, que dura até os dias de hoje. COSTA (1994), GUSMÃO (1994)
e PARLATORE (2000) afirmam que a estrutura do PLANASA perdurou, mesmo que
falido, até o ano de 1990.
2.2.8 - A situação atual do setor
A década de 1990 foi marcada pela entrada da iniciativa privada no setor de
saneamento. Segundo GUSMÃO (1994) e DAVIDOVICH (2000), as tendências
neoliberais dos governos federais desta década, com modificações das estruturas
institucionais, apostando em sua flexibilidade, acabaram por facilitar a entrada de
grupos privados no setor.
Tais modificações estruturais se baseiam na mudança do papel do Estado,
verificada nos países da América Latina durante a década de 1990. O Estado passaria
de provedor para regulador, onde a participação da iniciativa privada seria cada vez
maior e surgiriam as agências reguladoras. O objetivo é diminuir cada vez mais o
papel do Estado na economia (GUSMÃO, 1994; PARLATORE, 2000).
39
Segundo CARNEIRO e ROCHA (1999), essa mudança deu-se basicamente
por três fatores:
a necessidade de diminuir os gastos públicos;
um entusiasmo crescente pelas soluções de mercado entre as elites latino-
americanas;
um desencantamento progressivo com a intervenção do Estado.
Com a reforma do papel do Estado, os governos federais da década de 90
realizaram amplos esforços na direção da privatização das empresas do setor público.
Os setores de telecomunicações e de energia são exemplos da política adotada, que
continua até os dias de hoje no segundo governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso (CARNEIRO e ROCHA, 1999; PARLATORE, 2000).
Com o saneamento não foi diferente. Amplos esforços estão sendo feitos no
intuito de se permitir que a iniciativa privada participe ainda mais desse setor. As
deficiências na cobertura dos serviços contribuem para o discurso governamental de
que há a necessidade de participação da iniciativa privada no saneamento. SANTOS
(1999) afirma que os indicadores de saneamento estão longe da universalização. As
maiores deficiências são registradas nos estratos sociais mais baixos, particularmente
nos municípios menores e nas periferias urbanas. As Tabelas 2.3 e 2.4 ilustram essas
deficiências.
Tabela 2.4 – Déficit na oferta de serviços de saneamento básico no Brasil – 1997 (fonte: Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar/PNAD - SANTOS, 1999).
Domicílios não atendidos por rede
geral de água
Domicílios não atendidos com
esgotamento sanitário
Domicílios não atendidos com coleta
direta e indireta de lixoZONA
nº de domicílios
(mil)Déficit
absoluto
(mil)
Déficit (%) Déficit
absoluto (mil)
Déficit
(%)
Déficit absoluto
(%)
Déficit
(%)
URBANA 32.980 2.894 8,8 16.684 50,6 3.077 9,3
RURAL 7.664 6.168 80,5 6.524* 85,1 6.555 85,5
TOTAL 40.644 9.061 22,3 23.208 57,1 9.632 23,7
* Considera rede coletora e fossa séptica e exclui área rural da região Norte
40
Segundo CARNEIRO e ROCHA (1999), para toda a população urbana
brasileira, a cobertura de abastecimento de água é da ordem de 86%. Já a coleta de
esgotos possui uma cobertura de 49%, sendo que apenas 20% do esgoto coletado é
tratado, ou seja, apenas 10% do esgoto produzido. Os autores também afirmam que a
desestatização seria uma forma de buscar a viabilidade de investimentos necessários
ao setor, além de possibilitar o aumento da eficiência dos serviços prestados. Segundo
dados do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO/SEPURB, 1995), os
investimentos necessários para a universalização do atendimento em água e esgoto,
inclusive tratamento, seriam da ordem de R$42 bilhões em quinze anos.
Apesar de toda essa retórica, não se pode pensar que a simples mudança da
esfera pública para a privada induzirá a universalização dos serviços de água e
esgotos. O saneamento é um serviço essencial para a sobrevivência humana. Ao
operar sob as regras de mercado, distorções acabam aparecendo, podendo ocasionar
sérios problemas de oferta dos serviços (TUCCI et al., 2000). Para sustentar esse
argumento, mencione-se o fato desse tipo de serviço ser um monopólio natural
(MAYS, 1996). MISHAN (1976) afirma que serviços como o abastecimento de água,
por exemplo, quando operado por várias empresas, em uma situação de competição,
apresentam a tendência de aumento das tarifas pela perda de economia de escala.
Com base nisso, o serviço de abastecimento é, em princípio, melhor prestado na
forma de monopólio (MAYS, 1996; KELMAN e FRAJTAG, 2000).
Além de toda essa problemática envolvendo a participação privada no setor, a
questão do poder concedente também tem sido muito discutida. Segundo dados do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES, 1996), no Brasil,
existem mais de 5.000 municípios, sendo que cerca de 3.700 concederam seus
serviços de saneamento às companhias estaduais na década de 70. A grande maioria
desses contratos já estão vencidos ou estão por vencer.
A partir do vencimento dos contratos, alguns municípios estão escolhendo, em
lugar da renovação, a concessão para entidades privadas. Isso acabou por ocasionar
um amplo debate nacional, em que, de um lado, tem-se os municípios, e, do outro, os
estados e suas companhias estaduais.
A estrutura montada no PLANASA, em que os municípios foram forçados a
conceder seus serviços às companhias estaduais, não permitindo participar em
qualquer atividade de planejamento de expansão e melhoria dos sistemas, é
responsável pelas discussões atuais. AMARAL (1999) menciona que o artigo 30 da
Constituição Federal coloca que organizar e prestar, diretamente ou sob forma de
regime de concessão ou permissão, os serviços de interesse local, incluído o de
41
transporte coletivo, tem caráter essencial. Assim, a titularidade dos serviços seria dos
municípios.
Todavia, o mesmo AMARAL (1999) menciona que tal afirmação só está correta
quando o município não pertence à região metropolitana. Ele afirma que, nesse caso,
o interesse não seria mais local e sim comum, haja visto que os sistemas das regiões
metropolitanas envolvem mais de um município, de forma interligada.
42
2.3 - SAÚDE PÚBLICA E SANEAMENTO
2.3.1 - Aspectos Gerais e Conceituais
É notória a preocupação histórica da saúde pública através da observação das
ações em saneamento. Tal preocupação oscilou ao longo do tempo, haja visto que, no
PLANASA, as intervenções em saneamento atenderam muito mais às questões
produtivas do que às de saúde pública.
Vários estudos e modelos já foram realizados tentando analisar o impacto do
saneamento na saúde (HELLER, 1997). Um clássico estudo foi o realizado por John
Snow em meados do século XIX (SNOW, 1990). O autor utilizou técnicas de
mapeamento para analisar a epidemia de cólera em Londres. SNOW (1990)
conseguiu demonstrar uma associação direta entre mortes por cólera e suprimento de
água por diferentes bombas públicas de abastecimento. Apesar de não conhecer o
agente etiológico da doença, John Snow identificou a origem da epidemia
(MEDRONHO, 1999).
BARCELLOS e MACHADO (1991) analisaram a incidência de doenças de
veiculação hídrica, de notificação compulsória, para os municípios do estado do Rio de
Janeiro, comparando com a qualidade do serviço de saneamento. BARCELLOS e
MACHADO (1991) confirmaram a hipótese de que os municípios mais carentes de
saneamento apresentam maiores taxas de mortalidade por gastroenterite.
O conceito de risco é de fundamental importância quando são observadas as
relações entre saneamento e saúde. A carência em abastecimento de água e
esgotamento sanitário, por exemplo, contribui para o aumento do risco da população
em contrair doenças.
As noções que envolvem os fatores de risco estão associadas à probabilidade
de ocorrência de um determinado dano ou evento. BRILHANTE e CALDAS (1999) e
CONWAY (1982) definem risco como sendo a medida da probabilidade e da
severidade de fatores adversos. Também definem risco ambiental como sendo o risco
que ocorre no meio ambiente, seja ambiente interno, no caso de uma indústria, ou
externo. Eles apontam que, no contexto da gestão governamental, o risco ambiental é
também classificado como: saúde pública, recursos naturais, desastres naturais e
introdução de novos produtos.
Segundo LANNA (1997), o conceito de probabilidade pode ser interpretado
através do conceito de freqüências: probabilidade de um evento é a proporção de
vezes que o evento ocorrerá em uma série longa de observações ou experimentos
repetidos. STEWART (1990) e BRILHANTE e CALDAS (1999) afirmam que a
probabilidade de acontecer uma catástrofe em uma usina nuclear – um acidente como
o de Chernobyl, por exemplo – é de um evento em cada 10 mil anos. Dessa forma, a
probabilidade de acidente para uma usina é de 0,0001, transmitindo uma aparente
segurança estatística. Entretanto, o próprio BRILHANTE e CALDAS (1999) ressalva
que, para o caso da Inglaterra, por exemplo, onde existem cerca de 40 usinas
nucleares operando, tal estatística pode não ser tão a favor da segurança. Analisando
um horizonte de 25 anos e somando a probabilidade de ocorrência para as 40 usinas,
pode-se chegar a conclusão de que a probabilidade de acidente nuclear passa a ser
de 0,1, ou seja, de uma chance em 10.
Procurando analisar os impactos provenientes de ações de saneamento nos
indivíduos, SHUVAL et al. (1981) desenvolveram a teoria do limiar de saturação
(Figura 2.11). Nesse estudo, é formulada a hipótese de que, para populações com
condições sócio-econômicas precárias ou extremamente altas, o efeito das
intervenções em saneamento provocaria um impacto desprezível. Segundo HELLER
(1997), essa teoria induziu a redução em investimentos em saneamento, pois
acreditava-se que ações de atenção primária à saúde poderiam possuir um impacto
mais representativo. O próprio HELLER (1997) identifica, no entanto, que diversos
estudos epidemiológicos realizados em diversos países pobres, especialmente
africanos e asiáticos, revelaram significativos impactos sobre diversos indicadores de
saúde a partir de intervenções em saneamento.
Figura 2.11 - Teoria do limiar-saturação (representação esquemática); efeito do
saneamento sobre a saúde, em função do nível sócio-econômico.
Fonte: SHUVAL et al., 1981.
43
BRISCOE (1987) e HELLER (1997) afirmam que as intervenções em
saneamento são necessárias mas não suficientes. Outros fatores interferem de forma
decisiva no perfil epidemiológico de uma população. Dessa forma, pode-se identificar
que a intervenção em saneamento não se deve dar de forma isolada e sim integrada
com outras ações.
Uma abordagem holística é apresentada por CVJETANOVIC (1986) e
HELLER (1997), analisando efeitos diretos e indiretos das ações de saneamento, o
que pode ser observado na Figura 2.12. Todavia, HELLER (1997) atenta para o fato de
que CVJETANOVIC (1986) não inclui o papel dos determinantes sociais.
Investimentos emabastecimento de
água e esgotossanitários
Abastecimento deágua seguro edisposição de
excretas
- Desenvolvimentoeconômico
- Aumento daprodução
- Comercialização
- Alimentação- Educação
- Instalaçõessanitárias
Benefícios à saúde provenientes de:- melhoria da nutrição
- higiene pessoal e da comunidade- interrupção da transmissão das doenças
relacionadas com a água
QualidadeQuantidade
Manutenção eampliação
Capacidade de trabalho
Conhecimento
Figura 2.12 - Modelo holístico da relação entre saneamento e saúde.
Fonte: CVJETANOVIC (1986); HELLER (1997).
44
45
2.3.2 - Doenças infecciosas relacionadas com saneamento
Apesar da preocupação com os problemas relacionados com a qualidade da
água, vários casos de morbidade relativos à falta de saneamento continuam sendo
registrados, principalmente em países em desenvolvimento. RICHTER e NETTO
(1991) afirmam que a Organização Mundial de Saúde identifica que 80% dos casos de
doenças em países em desenvolvimento são de veiculação hídrica.
Em reportagem do JORNAL DO BRASIL (2001), afirma-se que, no nosso
planeta, cerca de 2,4 bilhões de pessoas não dispõem de serviços sanitários
adequados (40%) e que cerca de 3,5 milhões de pessoas, na maioria crianças,
morrem anualmente de doenças de origem hídrica, tais como a malária e a disenteria.
Outra reportagem, publicada no jornal GAZETA MERCANTIL (2000), mostra um
quadro com casos de doenças oriundas da falta de saneamento em algumas cidades
do país (Tabela 2.5).
Tabela 2.5 –Situação atual de incidência de doenças ligadas à falta de saneamento básico (fonte: Ministério Público - GAZETA MERCANTIL, 2000).
Infra-estrutura e saúde
Hepatite A Dengue DiarréiaRio de Janeiro Engenheiro Paulo de Frontin Duque de Caxias
1998: 7,85 casos
1999: 18,34 casos
1998: 54,8 casos
1999: 11.214,6 casos
1998: 8,0 casos
1999: 224,0 casos
Pinheiral Três Rios São Gonçalo
1998: 15,9 casos
1999: 2.720,6 casos
1998: 37,7 casos
1999: 1.794,0 casos
1998: 5,0 casos
1999: 56,0 casos
Duque de Caxias Santo Antônio de Pádua Niterói
1998: 1,1 casos
1999: 30,0 casos
1998: 20,4 casos
1999: 1.505,8 casos
1998: 13,0 casos
1999: 37,0 casos Obs.: Casos por 100 mil habitantes
GUIMARÃES (1965) destaca que, dos muitos usos que a água pode ter,
aqueles que estão mais relacionados com a saúde humana são:
água ingerida diretamente na dieta;
água utilizada no asseio corporal ou que, por razões profissionais ou outras
quaisquer, venha a ter contato direto com a pele ou mucosas do corpo humano
(trabalhadores agrícolas em culturas de inundação, lavadeiras, atividades
recreativas como banhos de rio, lagos, piscinas, entre outras atividades);
46
água empregada na manutenção da higiene do ambiente e, em especial, dos
locais, instalações e utensílios usados no manuseio, preparo e apresentação dos
alimentos (domicílio, restaurante, entre outros);
água utilizada na rega de hortaliças ou nos criadouros de mariscos.
Os fatores de risco devido a problemas relacionados com água são causados
não só por aspectos de qualidade, mas também de quantidade. Segundo
GUIMARÃES (1965), certas doenças diarréicas do tipo shigelose variam inversamente
com a quantidade de água disponível por pessoa, mesmo quando essa água não é de
qualidade muito boa. Além disso, algumas doenças cutâneas podem ser evitadas ou
atenuadas, caso haja a conjugação de bons hábitos higiênicos e quantidade suficiente
de água.
No quadro abaixo (Tabela 2.6), encontra-se outra classificação, segundo
CAIRNCROSS e FEACHEM (1990), de acordo com categoria e tipo de infecção.
Tabela 2.6 – Classificação de doenças segundo a categoria e o tipo de infecção (fonte: CAIRNCROSS e FEACHEM, 1990; HELLER 1997).
CATEGORIA INFECÇÃO
1. Feco-oral (transmissão hídrica ou relacionada
com a higiene)
Diarréias e disenterias
- Disenteria amebiana
- Balantidíase
- Enterite campylobacteriana
- Cólera
- Diarréia por Escherichia coli
- Giardíase
- Diarréia por rotavírus
- Salmonelose
- Disenteria bacilar
Febres entéricas
- Febre tifóide
- Febre paratifóide
Poliomelite
Hepatite A
Leptospirose
Ascaridíase
Tricuríase
2. Relacionada com a higiene
a. Infecções da pele e dos olhos
b. Outras
Doenças infecciosas da pele
Doenças infecciosas dos olhos
Tifo transmitido por pulgas
Febre recorrente transmitida por pulgas
47
Tabela 2.6 (continuação) - Classificação de doenças segundo a categoria e o tipo de infecção (fonte: CAIRNCROSS e FEACHEM 1990; HELLER 1997).
CATEGORIA INFECÇÃO
3. Baseada na água
a. Por penetração na pele
b. Por ingestão
Esquistossomose
Difilobotríase e outras infecções por
helmintos
4. Transmissão por inseto vetor
a. Picadura próximo à água
b. Procriam na água
Doença do sono
Filariose
Malária
Arboviroses
- Febre amarela
- Dengue
- Leishmaniose*
* Introduzido por HELLER (1997)
A febre tifóide consiste em uma doença característica de regiões de baixos
indicadores de saneamento básico. É uma doença contraída por via oral e as
epidemias ocorrem em regiões onde a distribuição de água é inadequada, com
tratamento precário ou descontínuo. GUIMARÃES (1965) menciona, como exemplos
de contaminação maciça de sistemas de abastecimento de água, a epidemia de Angra
dos Reis em 1934, onde, para uma população de 2000 habitantes, registraram-se 350
casos (cerca de 17% da população) e a contaminação de um trecho de rede de água
em Santa Cruz, no antigo Distrito Federal, em 1942, com um registro de 90 casos.
Nos estudos de MARA e FEACHEM (1980) e JORDÃO e PESSOA (1995),
encontra-se uma classificação de acordo com a eliminação de excretas, mencionando
estratégias principais de controle (Tabela 2.7).
Tabela 2.7 - Classificação ambiental de infecções relacionadas com excretas; doenças fortemente dependentes de aspectos de higiene pessoal e abastecimento doméstico
de água (fonte: MARA e FEACHEM, 1980; JORDÃO e PESSOA, 1995).
Tabela 2.7 (continuação) - Classificação ambiental de infecções relacionadas com excretas; doenças fortemente dependentes de aspectos de higiene pessoal e
abastecimento doméstico de água (fonte: MARA e FEACHEM, 1980; JORDÃO e PESSOA, 1995).
Categoria Características (*) Infecções Focos dominantes de transmissão
Estratégias principais de controle
II Não latente, média ou
alta dose infecciosa
(10000 organismos),
moderadamente
persistente e possível de
multiplicação)
Febre tifóide, salmonelose,
shigelose, cólera, enterite
por E. coli patogênica,
yersin iose, enterite por
campylobacter
Contaminação
pessoal,
contaminação
doméstica,
contaminação da
água, contaminação
da lavoura
Abastecimento
doméstico de água,
educação sanitária,
melhores condições de
moradia,
disponibilidades de
privadas, tratamento
antes do afastamento
ou reutilização
III Latente e persistente,
mas sem hospedeiro
intermediário; incapaz de
multiplicação
Ascaridiase, tricuriase,
ancilostomose,
strongloidiase
Contaminação do
solo, contaminação
dos campos,
contaminação da
lavoura
Disponibilidades de
privadas; tratamento
antes da disposição de
esgotos à terra
IV Latente e persistente,
tendo vacas e porcos
como hospedeiros;
incapaz de multiplicação
Teníase Contaminação do
solo, contaminação
dos campos,
contaminação da
comida animal
Disponibilidades de
privadas, tratamento
antes da disposição de
esgotos à terra,
inspeção da carne
antes do consumo
V Latente e persistente,
com hospedeiro (s)
intermediário (s) aquático
(s); capaz de
multiplicação.
Esquistossomose,
clonorhiose, difilobotriose,
fascioliose, fasciolopsiose,
gastrodiscoidiose,
heterofiose,
metagonimiose,
paragonimiose
Contaminação de
águas superficiais
Disponibilidade de
privadas, tratamento
antes das disposição
de esgotos, controle de
hospedeiros aquáticos,
controle de animais,
reservatórios,
cozimento de peixes e
vegetais aquáticos
VI Insetos vetores
relacionadas com
excretas
Filariose de Bacroft,
quando transmitida por
Culex pipens, e todas as
demais listadas nas
categorias I, II e III que
podem ser transmitidas por
moscas e baratas
Reprodução de
insetos em locais
contaminados por
fezes
Identificação e
eliminação dos sítios
de reprodução de
insetos
Latência: um organismo latente necessita de algum tempo no ambiente extra-intestinal antes de se tornar
infectável ao homem; persistência relaciona-se à habilidade de um organismo sobreviver em ambiente extra-
intestinal.
49
Com relação a doenças provenientes da disposição final de resíduos sólidos
pode-se classificá-las conforme a Tabela 2.8.
Tabela 2.8 – Classificação de doenças relacionadas com resíduos sólidos
(fonte: MARA e ALABASTER, 1986; HELLER, 1997). CATEGORIA DOENÇAS CONTROLE
1. Doenças Relacionadas com
insetos vetores
Infecções excretadas
transmitidas por moscas ou
baratas
Filariose
Tularemia
Melhoria do
acondicionamento e da
coleta do lixo
Controle de insetos
2. Doenças relacionadas com
vetores roedores
Peste
Leptospirose
Demais doenças relacionadas
com a moradia, a água e os
excretas e cuja transmissão
ocorre por roedores
Melhoria do
acondicionamento e da
coleta de lixo
Controle de roedores
2.3.3 - Impacto do saneamento na saúde
Estudos revelam que as melhorias apresentadas na cobertura de água, no
Brasil, verificadas nas décadas de 70 e 80, fizeram com que os índices de
mortalidade infantil diminuíssem sensivelmente. Apesar disso, a falta de investimentos
posteriormente, principalmente em regiões mais pobres, determinou uma alta
mortalidade infantil na década de 80, conforme ilustra a Tabela 2.9.
Tabela 2.9 – Taxa de mortalidade relacionada com algumas doenças de veiculação hídrica (fonte: SEROA DA MOTTA e REZENDE, 1999).
Mortalidade (% do total de casos)
Infecções Intestinais Outros *
Idade 1981 1989 1981 1989
Menor do que 1 ano 28606
(81,8)
13598
(72,0)
87
(9,4)
19
(2,9)
Entre 1 e 14 anos 3908
(11,2)
1963
(10,4)
44
(4,8)
21
(3,2)
Maior do que 14 anos 2439
(7,0)
3330
(17,6)
793
(85,8)
608
(93,8)
*Cólera, febre tifóide, poliomelite, disenteria amebiana, esquistossomose e shigelose.
50
Vários estudos apontam a diarréia como um importante indicador na análise
dos impactos de intervenções em saneamento. BRISCOE et al. (1986) afirmam que a
preferência pelo indicador de morbidade causada por enfermidades diarréicas deve-se
à sua importância sobre a saúde pública, validade e confiabilidade dos instrumentos
empregados na sua determinação, capacidade de resposta a alterações nas
condições de saneamento, custo e exequibilidade demonstrados na sua determinação.
Várias podem ser as intervenções que visam diminuir os casos de morbidade e
mortalidade por diarréia. Tais medidas podem ser de caráter corretivo para os casos
em que a doença já está instalada, ou medidas preventivas que possibilitem a
diminuição do risco de contrair a enfermidade. As informações da Tabela 2.10
apresentam uma série de intervenções potenciais para a diminuição dos casos de
morbidade e mortalidade por diarréia para crianças com até cinco anos de idade.
Tabela 2.10 - Intervenções para a diminuição dos casos de morbidade e mortalidade
por diarréia para crianças com até cinco anos de idade (fonte: FEACHEM et al., 1983;
ESREY et al., 1985). Através da ação sobre o
caso
A. Terapia de reidratação oral 1. Administração da reidratação oral
na moradia
2. Administração da reidratação oral
nas instituições médicas
B. Terapia de reidratação não-
oral
1. Administração da reidratação por
via intravenosa ou outras vias, em
instituição médica
C. Alimentação apropriada 1. Promoção da alimentação
apropriada da criança, durante a
doença e a convalescença
D. Quimioterapia 1. Administração de agentes
terapêuticos na moradia
2. Administração de agentes
terapêuticos numa instituição
médica
Através do aumento da
resistência do hospedeiro
à infecção e/ou à doença
e/ou à morte
A. Nutrição materna 1. Melhoria da nutrição pré-natal para
reduzir a incidência de baixo peso
ao nascer
2. Melhoria da nutrição pré e pós-natal
para melhorar a qualidade da
amamentação
51
Tabela 2.10 (continuação) - Intervenções para a diminuição dos casos de morbidade e
mortalidade por diarréia para crianças com até cinco anos de idade (fonte: FEACHEM
et al., 1983; ESREY et al., 1985). B. Nutrição da criança 1. Promoção de amamentação
exclusiva até idade de 4-6
meses e amamentação parcial
a partir daí
2. Melhoria das práticas de
desmame para crianças entre
4 e 18 meses
3. Alimentação suplementar para
a melhoria do estado
nutricional em crianças entre 6
e 59 meses
4. Promoção do uso de gráficos
de crescimento pelas mães,
como um auxílio para a
adequada nutrição e atenção
infantil
C. Imunização 1. Imunização ao rotavírus e/ou à
cólera (na eventual
disponibilidade de vacinas
eficazes e testadas) da
criança e/ou da mãe
D. Quimioprofilaxia 1. Quimioprofilaxia de crianças
sob risco especial, para
redução da incidência e/ou
severidade da doença
Através da redução da
transmissão dos
agentes patogênicos
A. Abastecimento de água e disposição
de excretas
1. Implementação de
abastecimento de água que
melhore a qualidade e a
disponibilidade de água para
fins domésticos e melhoria das
instalações de disposição de
excretas, proporcionando o
necessário suporte
educacional para assegurar o
uso e a manutenção dessas
instalações
52
Tabela 2.10 (continuação) - Intervenções para a diminuição dos casos de morbidade e
mortalidade por diarréia para crianças com até cinco anos de idade (fonte: FEACHEM
et al., 1983; ESREY et al., 1985).B. Higiene pessoal e Doméstica 1. Promoção de práticas
específicas de higiene pessoal
e doméstica, como lavagem
das mãos, mediante
campanhas educacionais
apropriadas
C. Higiene dos alimentos 1. Promoção de práticas
melhoradas para a preparação
e o armazenamento de
alimentos, tanto no comércio
quanto nas moradias,
enfatizando especialmente a
preparação higiênica de
alimentação de desmame
D. Controle de vetores 1. Controle da infecção de
animais domésticos e de
fazendas por patogênicos
causadores de diarréia no
homem
E. Controle de moscas 1. Controle de moscas,
especialmente daquelas que
procriam em associação com
fezes humanas ou animais
Através do controle e/ou
prevenção de epidemias
de diarréia
A. Vigilância, investigação e controle
de epidemias
1. Melhoria da habilidade em
identificar e investigar uma
epidemia com antecedência e
da capacidade de implementar
atividades de controle efetivas
GROSS et al. (1989) afirmam que, apesar de considerarem a terapia de
reidratação oral como um eficiente método para combater os casos de diarréia, esta
não é suficiente para controlar todos os casos. Assim sendo, medidas preventivas,
como, por exemplo, o fornecimento de água e esgotamento sanitário adequados,
tendem a diminuir o número de casos de diarréia. No seu estudo específico, para duas
favelas da cidade de Belo Horizonte com altos índices de morbidade de diarréia,
GROSS et al. (1989) identificaram que, nas famílias que possuíam acesso à rede de
53
água, a incidência de diarréia era menor. Nesse estudo, é ressaltada a integração de
fatores, como, por exemplo, a educação e a prática adequada de amamentação, com
intervenções em saneamento.
ESREY et al. (1985) realizaram uma revisão de cerca de 67 estudos em 28
países analisando o impacto das intervenções de saneamento. Eles identificaram uma
grande redução nos casos de morbidade de diarréia, devido ao aumento da cobertura
em sistemas de saneamento. Apontam que o aumento da quantidade e da
disponibilidade de água, associados com melhoras nas práticas de higiene, tendem a
diminuir os índices de morbidade e mortalidade. Nesse trabalho, identificou-se ainda
que a magnitude da redução dos casos de morbidade em diarréia depende dos
seguintes fatores: idade da população estudada, tipo de serviço, condições de vida da
área estudada e a etiologia da diarréia. Analisando as condições de vida da população
estudada, os autores procuraram analisar o impacto de intervenções em saneamento
de acordo com o nível de alfabetização. Pessoas com nível de instrução maior
possuem maiores cuidados higiênicos, fazendo com que o risco de contaminação seja
menor.
Outro fator importante a ser considerado é como são realizadas as
intervenções em saneamento. Dependendo das condições de infra-estrutura correntes
e da seqüência das intervenções, pode-se subestimar ou superestimar qualquer uma
delas. BRISCOE e VANDERSLICE (1995) acreditam na necessidade de que:
o impacto de uma intervenção isolada, como melhoria apenas da qualidade da
água, pode-se revelar pouco sensível ou mesmo imperceptível aos estudos
epidemiológicos; tal conclusão pode não significar ausência de impacto daquela
intervenção, mas que esta pode ser necessária mas não suficiente; estudos de
impacto de uma intervenção isolada com resultados negativos não significam
necessariamente inexistência de impacto e que a intervenção não deve ser
implementada, dado que a ausência de efeito pode ser atribuída a interações;
estudos epidemiológicos que não consideram modificações de efeito, certamente a
grande maioria das situações, tendem a identificar reduzido impacto das
intervenções iniciais ao analisar apenas seu efeito isolado e elevado impacto
posteriores, pois captam, nesse caso, a modificação de efeito; como, em geral, a
seqüência dos serviços é a de inicialmente implantarem obras de abastecimento
de água e, posteriormente, de esgotamento sanitário, os estudos epidemiológicos
tendem a subestimar o efeito dos primeiros e a superestimar o efeito dos últimos,
dificultando inclusive o estabelecimento de prioridades de intervenção.
Estudos de GUIMARÃES (1965), CARNEIRO (1997) e BARCELLOS et al.
(1999) abordam a relação entre incidência de leptospirose e as condições sanitárias
das populações. Essa doença mantém uma relação causa-efeito marcante com
eventos de inundação. Os casos registrados com grande frequência são verificados
em localidades em que as condições sócio-ambientais são totalmente precárias.
A leptospirose é provocada pela bactéria do gênero leptospira, atacando os rins
e o fígado de homens e animais. Os principais reservatórios e agentes transmissores
da leptospira são os ratos e cachorros. A contaminação dá-se, mais significativamente,
por contato com a água contaminada, quando ocorrem inundações (CARNEIRO,
1997; BENENSON, 1997; BARCELLOS et al. 1999; AGUIAR et al., 1999). Os casos
de leptospirose são caracterizados por infecções agudas, febris, causando mal-estar e
A expansão urbana do município tem se realizado em direção às regiões
oceânica e de Pendotiba, estimulada principalmente pela implantação de infra-
estrutura básica e melhoria do sistema viário.
Figura 4.1 - Vista aérea dos municípios de Niterói e São Gonçalo, RJ.
Lagoa dePiratininga
São Francisco
OceanoAtlântico
Largo daBatalha
Baía deGuanabara
Lagoa dePiratininga
São Francisco
OceanoAtlântico
Largo daBatalha
Baía deGuanabara
Figura 4.2 - Vista aérea do município de Niterói, RJ.
95
96
Os bairros do município encontram-se distribuídos em cinco regiões de
planejamento, segundo o plano diretor de Niterói (PREFEITURA MUNICIPAL DE
NITERÓI, 1993). Essas regiões foram divididas em função da homogeneidade em
relação à paisagem, do uso de edificações e do parcelamento do solo, assim como
também dos aspectos sócio-econômicos e físicos (bacias hidrográficas). A seguir,
apresentam-se as cinco regiões com suas respectivas informações (SECITEC,
1999a):
praias da baía – composta pelos bairros da Boa Viagem, Cachoeiras, Charitas,
Centro, Bairro de Fátima, Gragoatá, Icaraí, Ingá, Jurujuba, Morro do Estado, Pé
Pequeno, Ponta D’Areia, Santa Rosa, São Domingos, São Francisco, Viradouro e
Vital Brazil; possui 195.028 habitantes, distribuídos em uma área de 21,62km²;
apresentam hoje uma das menores taxas de crescimento populacional (0,36%);
oceânica – consiste na maior região do município, possuindo uma área de
46,60km² com 43.815 habitantes; é composta pelos bairros do Cafubá,
Camboinhas, Engenho do Mato, Itacoatiara, Itaipú, Jacaré e Piratininga;
apresentou o maior crescimento populacional no município durante as décadas de
80 e 90, com uma taxa de aumento demográfico anual que variou de 5,11%
(70/80) a 9,60% (80/91);
Pendotiba – população de 46.354 habitantes, distribuídos em uma área de cerca
de 21,58km², estando situada na parte central e mais alta do município; é
composta pelos bairros do Sapê, Ititioca, Vila Progresso, Maria Paula, Matapaca,
Muriqui, Maceió, Largo da Batalha, Badu e Cantagalo;
norte – com 159.947 habitantes e uma área de 21,85km², situada entre a baía de
Guanabara e o município de São Gonçalo; é composta pelos bairros de Tenente
Jardim, Barreto, Santana, Caramujo, Baldeador, Santa Bárbara, Fonseca,
Engenhoca, Ilha da Conceição, São Lourenço, Cubango, e Viçoso Jardim;
apresenta a menor taxa de crescimento populacional, com 0,17%;
leste – possui a menor população, com 5.220 habitantes e a menor área entre as
regiões do município, apresentando 18,19km²; é composta pelos bairros de Várzea
das Moças e Rio do Ouro; dentre todas as regiões do município, é aquela que
apresenta áreas menos urbanizadas.
As Figuras 4.3 e 4.4 mostram a distribuição dos bairros e as regiões de
planejamento do município.
ENGENHO DO MATO
ITAIPÚ
CAMBOINHAS
PIRATININGA
ITACOATIARA
JACARÉ
RIO DO OURO
VARZEADASMOÇAS
CHARITASJURUJUBA
CAFUBÁ
SÃOFRANCISCO
CANTAGALO
FONSECA
CARAMUJO
SANTABARBARA
BALDEADOR
MARIAPAULA
ENGENHOCA
BARRETO
SANTANA
ILHA DACONCEIÇÃO
PONTAD'AREIA
TENENTE JARDIM
ICARAÍ
SANTA ROSA
CENTRO
GRAGOATÁ
SÃO LOURENCO
SÃO DOMINGOS
INGÁ
BOA VIAGEMVITALBRASIL
SAPÊITITIOCA
VIRADOURO
CACHOEIRA
LARGO DA BATALHA
MATAPACA VILAPROGRESSO
MURIQUI
MACEIO
BADU
FÁTIMA
CUBANGOMORRO DO ESTADO
PE PEQUENO
VICOSOJARDIM
N
EW
S
Município de NiteróiBairros
Figura 4.3 - Distribuição dos bairros do município de Niterói.
Figura 4.4 - Regiões de planejamento do município de Niterói.
Fonte: SECITEC (1999b).
97
Conforme já mencionado, o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD, 1997) elaborou índices de desenvolvimento objetivando
medir a qualidade de vida e o progresso humano em âmbito mundial. Dessa forma,
com o intuito de contextualizar a área de estudo, analisou-se a situação do município
de Niterói em relação a esses dois índices.
Segundo PNUD (1997), Niterói apresenta um índice de desenvolvimento
humano (IDH-M) de 0,821 e um índice de condições de vida (ICV) de 0,826. Esses
valores enquadram o município em faixas de alto desenvolvimento humano e alta
condição de vida. Para melhor compreensão, apresenta-se a metodologia de PNUD
(1997) no Apêndice B. A Tabela 4.2 mostra a classificação de Niterói, no estado do
Rio de Janeiro, para o IDH-M e o ICV, assim como também a sua colocação em
relação aos subíndices do IDH-M e do ICV, levando-se em conta o conjunto de 70
municípios definidos em 1991.
Tabela 4.2 – Classificação do município de Niterói no estado do Rio de Janeiro, em relação ao índice de desenvolvimento humano (IDH-M), ao índice de
condições de vida (ICV) e seus subíndices, para o ano de 1991 (fonte: PNUD, 1997).
Índice ClassificaçãoIDH-M 1
IDH-M Longevidade 15IDH-M Renda 1
IDH-M Educação 1ICV 1
ICV-Renda 3ICV-Educação 1
ICV-Longevidade 15ICV-Habitação 7ICV-Infância 1
Analisando a Tabela 4.2, identifica-se que o município de Niterói apresenta o
melhor índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M) e o melhor índice de
condições de vida (ICV) para todo o estado do Rio de Janeiro. Dentre os subíndices
do IDH-M, Niterói também lidera os de renda (IDH-M renda) e de educação (IDH-M
educação). Em compensação, apresenta uma colocação bem inferior em relação ao
subíndice de longevidade (ICV-longevidade), ficando na 15ª posição. Em relação aos
subíndices que compõem o ICV, nota-se uma liderança de Niterói para os de
educação e infância (ICV-educação e ICV-infância), ficando em 3º lugar para o98
99
subíndice de renda (ICV-renda). Igualmente ao IDH-M, nota-se que o município
também ocupa a 15ª posição no estado para o ICV.
Observando o subíndice de habitação (ICV-habitação), verifica-se também uma
queda na colocação do município, permanecendo na 7ª posição. Ressalta-se o fato de
que, conforme mencionado no Capítulo 3, a componente habitação do índice de
condições de vida (ICV) incorpora variáveis de saneamento. Dessa forma, o motivo de
Niterói não estar localizado em uma colocação melhor para o ICV-habitação pode
estar relacionado com a qualidade dos serviços de saneamento da região.
100
4.2 – REDE DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE NITERÓI
A Fundação Municipal de Saúde de Niterói é o órgão municipal, ligado
diretamente à Secretaria Municipal de Saúde, que possui a competência de contratar,
fiscalizar, controlar, avaliar e efetuar o pagamento da rede de saúde conveniada e
contratada, com a participação do Conselho Municipal de Saúde. Além disso, a
Fundação de Saúde possui a gerência sobre todos os recursos da secretaria. Tais
recursos destinados ao setor de saúde são provenientes dos repasses do Sistema
Único de Saúde (SUS), dos convênios com o Ministério da Saúde e receitas da própria
Fundação Municipal. No Apêndice C, encontra-se o organograma da prefeitura
municipal de Niterói, com os recursos destinados às áreas de saúde e saneamento
para o ano de 1999.
A rede física de saúde do município (Figura 4.3) pode ser dividida em:
policlínicas comunitárias – pólos articuladores das ações desenvolvidas pela rede
básica de saúde;
policlínicas especializadas – atuam como referência em algumas especialidades
médicas, absorvendo a maior parte da demanda não respondida pelas policlínicas
comunitárias;
rede hospitalar – oferece serviços de internação hospitalar, exames complexos e
consultas em algumas especialidades;
módulos do programa médico de família;
laboratórios.
Figura 4.5 – Rede física de saúde do município de Niterói.
Fonte: SECITEC (1999b).
Por sua vez, o perfil epidemiológico tem como objetivo principal definir
estratégias de intervenção em saúde a partir de indicadores estatísticos, como, por
exemplo, mortalidade e morbidade. A Tabela 4.3 apresenta alguns dados sobre
mortalidade infantil, enquanto a Figura 4.4 detalha as diferentes causas de
mortalidade.
Tabela 4.3 – Coeficiente de mortalidade infantil por 1000 nascidos vivos (C. M. I.) no período de 1994 a 1998 no município de Niterói (fonte: SECITEC, 1999a).
Ano Óbitos Nascidos vivos C. M. I. (%)
1994 170 7917 21,47
1995 143 7549 18,94
1996 145 7210 19,56
1997 133 7491 17,22
1998 138 6984 19,76
101
Município de NiteróiTaxa de mortalidade, segundo causas básicas
Classificação Internacional de Doenças/CID
5,3513,25
5,830,16
1,50
31,4912,70
2,020,766,85
13,62 0,84
3,861,57
0,21
Algumas doenças infecciosas e parasitárias
Neoplasias (tumores)
Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas
Transtornos mentais e comportamentais
Doenças do sistema nervoso
Doenças do aparelho circulatório
Doenças do aparelho respiratório
Doenças do aparelho digestivo
Doenças da pele e do tecido subcutâneo
Doenças do aparelho geniturinário
Algumas afec. originadas no período perinatal
Malformações congênitas, deformidades eanormalias cromossômicasSintomas, sinais e achados anormais; examesclínicos e laboratoriaisCausas externas de morbidade e mortalidade
Outras
Figura 4.6 – Taxa de mortalidade do município de Niterói (fonte: SECITEC, 1999a).
Analisando o gráfico da Figura 4.4, verifica-se que uma parcela representativa
das crianças do município morre de doenças infecciosas e parasitárias (5,35%). Esse
tipo de doença é típica de lugares em que se tem carência em serviços de
saneamento. Adicionalmente, observando-se os casos registrados de doenças em
Niterói na Tabela 4.4, verifica-se uma alta notificação de casos de diarréia.
Tabela 4.4 - Principais agravos de notificação compulsória. Niterói - 1996 - 1998 (fonte: SECITEC, 1999b). g
Varicela 1,175 828 826Acidente de trabalho 696 19 21
Atendimento anti-rábico 509 721 827
Agravo
102
103
A diarréia, como já abordado anteriormente, consiste em um exemplo bem
representativo de doença relacionada com as condições sanitárias em geral. Os locais
que apresentam maior notificação tendem a ser áreas de maior risco devido a
problemas de infra-estrutura urbana, áreas de favelas e saneamento básico incipiente,
evidenciando a necessidade de desenvolvimento de ações intersetoriais para melhoria
dos indicadores de morbidade por doenças transmissíveis (SECITEC, 1999b).
A dengue é também outra doença que apresenta uma alta incidência registrada
na Tabela 4.4, principalmente nos anos de 1997 e 1999. Um dos fatores de risco
relacionados com essa doença consiste na existência de água parada, pois o
mosquito Aedes aegypti, responsável pela transmissão da dengue, possui a
característica de se desenvolver em águas com essas características. A intermitência
do regime de abastecimento faz com que haja a necessidade de armazenamento de
água. Caso esse armazenamento seja realizado de forma inadequada, as pessoas
residentes em localidades próximas ficam expostas ao risco de contrair a dengue.
4.2.1 – Policlínica de Itaipu
Conforme já mencionado, as policlínicas comunitárias constituem-se em um
dos tipos de unidades de saúde. Segundo SECITEC (1999b), as policlínicas
comunitárias constituem-se nos pólos articuladores das ações desenvolvidas pela rede
básica de saúde, atuando como referência em algumas especialidades médicas,
laboratórios de análises clínicas e serviço de imagem, exercendo autoridade sanitária
em sua área de abrangência geográfica. Com o intuito de contrastar os resultados da
classificação multivariada com casos de doenças de veiculação hídrica, realizou-se
uma coleta de casos de doenças de veiculação hídrica registrados em uma policlínica.
A região escolhida para análise dos casos de incidência foi a região oceânica
de Niterói. Essa escolha ocorreu, principalmente, em função dos seguintes fatores:
a região até o ano de 2000 não apresentava qualquer infra-estrutura de
abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos;
apresenta grupos populacionais bem distintos no aspecto de renda e escolaridade;
facilidade de acesso dos dados de morbidade através do banco de dados da
policlínica de Itaipu;
região de grande expansão urbana.
104
Localizada no bairro de Itaipu, a policlínica comunitária de Itaipu abrange os
bairros de Itaipu, Jacaré, Camboinhas, Cafubá, Engenho do Mato e Itacoatiara. Como
toda policlínica comunitária, possui especialidades médicas e laboratórios de análises
clínicas.
Para este estudo, foram coletados casos registrados na policlínica de Itaipu
para o ano de 1999.
4.2.2 – Programa Médico de Família
O programa médico de família de Niterói é baseado no modelo cubano de
atenção básica de saúde (PASTRANA, 2000). Esse programa consiste na implantação
de módulos em áreas de alto risco em saúde, segundo indicadores epidemiológicos,
sociais, ambientais e econômicos. A implantação dos módulos é feita através de um
contrato de co-gestão entre o município e a associação de moradores a ser
contemplada pelo programa. O primeiro módulo do programa foi implantado no ano de
1992.
Os módulos do programa médico de família são constituídos por um médico
generalista e por um auxiliar de enfermagem, que atuam em um número de cerca de
200 a 250 famílias, que corresponde a cerca de 1000 a 1200 pessoas. Essa equipe
atua na própria localidade desenvolvendo atividades ambulatoriais e domiciliares, a
partir do enfoque na prevenção. Como suporte para essa equipe de médico e auxiliar
de enfermagem há uma equipe de supervisão, que é constituída por técnicos
especializados em saúde coletiva, serviço social, saúde mental, enfermagem e clínicas
básicas. Há três equipes de supervisão no programa médico de família:
equipe de supervisão centro / norte;
equipe de supervisão centro / sul;
equipe de supervisão oceânica / leste.
Para cada módulo implantado, é realizado um cadastro de todas as pessoas da
comunidade. Além disso, todos os casos de doença, sejam de notificação compulsória
ou não, são notificados. Esse procedimento gera um grande avanço, pois os dados de
saúde, em sua grande maioria, apresentam problemas de subnotificação. A Tabela 4.5
mostra os atendimentos realizados pelo programa desde o ano de 1997.
105
Tabela 4.5 - Atendimentos realizados pelo programa médico de família de Niterói, segundo os capítulos do CID - janeiro a junho de 1997 (fonte: SECITEC, 1999b).
Inicial SubseqüenteCapítulo CID (Classificação Internacional de Doenças) Absoluto Relativo (%) Absoluto Relativo (%)10.Doenças do aparelho respiratório 4334 21,0 1894 10,621.Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde 3720 18,0 5429 30,4
18.Sintomas, sinais e achados anormais de exame clínico e de laboratório 2194 10,6 1128 6,3
1.Algumas doenças infecciosas e parasitárias 2116 10,3 1039 5,812.Doenças da pele e do tecido subcutâneo 1669 8,1 657 3,714.Doenças do aparelho geniturinário 1296 6,3 886 5,09.Doenças do aparelho circulatório 1162 5,6 2644 14,813.Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo 676 3,3 584 3,3
19.Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas 662 3,2 401 2,2
11.Doenças do aparelho digestivo 554 2,7 374 2,18.Doenças do ouvido e da apófise mastóide 489 2,4 251 1,43.Doenças dos órgãos hematopoiéticos e alguns transtornos imunitários 391 1,9 449 2,5
7.Doenças dos olhos e anexos 341 1,7 175 1,05.Trantornos mentais e comportamentais 303 1,5 421 2,44.Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas 288 1,4 996 5,66.Doenças do sistema nervoso 171 0,8 208 1,220.Causas externas de morbidade e mortalidade 120 0,6 48 0,315.Gravidez, parto e puerpério 77 0,4 90 0,52.Neoplasias (tumores) 31 0,2 127 0,716.Algumas afecções originadas no período perinatal 21 0,1 9 0,117.Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas 13 0,1 41 0,2
Total 20628 100,0 17851 100,0
Como já mencionado, a expansão da rede física do programa médico de
família é promovida com base em fatores de risco. O planejamento é feito de forma a
priorizar as áreas mais carentes. Analisando a Tabela 4.5, verifica-se um número
relativamente alto de doenças infecciosas e parasitárias, que estão diretamente
relacionadas com as condições ambientais em que o indivíduo vive. Na Tabela 4.5, é
interessante notar a redução de atendimentos registrados posteriormente ao primeiro
atendimento. O trabalho preventivo realizado pelos profissionais dos módulos do
programa consegue uma redução de cerca de 50% dos valores absolutos registrados,
apesar das comunidades atendidas pelo módulo continuarem em condições precárias
de infra-estrutura.
O objetivo inicial deste estudo seria o de trabalhar somente com dados do
censo e casos registrados de doenças na policlínica de Itaipu. Entretanto, com o
decorrer da pesquisa, constatou-se a riqueza das informações contidas no programa
médico família. Diferentemente dos dados do censo, que são mais abrangentes, as
informações do médico de família possuem uma alto grau de detalhe. Existe uma
grande preocupação em saber os principais fatores de risco que interferem no padrão
106
de vida das pessoas. Por exemplo, além de saber se o domicílio possui ligação na
rede de esgotos, os profissionais identificam se os esgotos de outro domicílio estão
próximos.
Outro fator importante a ser comentado é o caso da subnotificação de doenças.
A rede de saúde sofre com uma alta subnotificação. Excetuando-se as doenças de
notificação compulsória, muitos casos de doenças acabam não sendo notificados,
mascarando o que ocorre na realidade. A atuação do médico de família não permite
isso. Há um alto controle sobre a população em que o módulo atua, registrando-se
todos os casos possíveis, seja de notificação compulsória ou não. O fato de muitas
doenças de veiculação hídrica não serem de notificação compulsória faz com que os
dados do programa sejam ainda mais importantes.
Com isso, procurou-se o programa médico de família para que se pudesse
realizar uma análise mais detalhada do problema de saneamento na saúde da
população.
A intenção inicial era a de se trabalhar com dados de módulos da região
oceânica, por se tratar de uma região sem qualquer cobertura de redes de
abastecimento de água e esgotamento sanitário, além de apresentar uma
heterogeneidade em termos sócio-econômicos. Entretanto, isso não foi possível.
Dessa forma, procurou-se um outro módulo do programa e chegou-se até o módulo do
Morro do Céu, no bairro do Caramujo.
Módulo do Morro do Céu
Com uma população de cerca de 3500 pessoas (SECITEC, 1999b), o módulo
do Morro do Céu foi implantado no ano de 1996. Conforme mencionado, fica
localizado no bairro do Caramujo, na região norte da cidade de Niterói. Sua área de
atuação é subdividida em três setores, cada um com cerca de 200 a 250 domicílios.
O Morro do Céu possui como principal peculiaridade o fato de nele estar
situado o depósito de lixo de Niterói. Todo o resíduo sólido coletado pela companhia
de limpeza do município é conduzido para o Morro do Céu, ficando os moradores
dessa localidade expostos a uma série de fatores de risco. O depósito do lixo, sem
qualquer tipo de cuidado e proteção, faz com que haja uma grande proliferação de
ratos, moscas e baratas. Catadores e pessoas morando na própria área do depósito
constituem os grupos populacionais mais suscetíveis às doenças decorrentes de
fatores ambientais.
107
Foi realizada uma coleta inicial dos dados da população desse módulo.
Todavia, coincidentemente, na época da pesquisa, o programa estava fazendo um
recadastramento dos domicílios e esse não ficaria pronto a tempo de se terminar este
trabalho. Os dados antigos apresentavam uma certa inconsistência em relação à
realidade local. Esses motivos, aliados com o fato da pesquisa já estar em um nível
avançado de desenvolvimento, não permitiram a manipulação e análise dos dados do
programa.
108
Capítulo 5 – RESULTADOS E ANÁLISES
Neste capítulo encontram-se os resultados obtidos e suas respectivas análises.
Os cálculos dos indicadores foram realizados com base no censo de 1991 (FIBGE,
1993) e nas informações de incidência de doenças correspondentes a casos
registrados na policlínica comunitária de Itaipu. As técnicas de análise multivariada e
geoestatística foram aplicadas aos 480 setores censitários do município.
A primeira etapa consiste na análise multivariada dos indicadores sócio-
econômicos. Mostra-se como foi realizada a seleção dos indicadores através do
método das componentes principais. Em seguida, são expostos os resultados da
análise de agrupamentos, com a respectiva distribuição espacial dos diferentes grupos
sócio-econômicos. Finalmente, são revelados os resultados da análise da estrutura de
correlação espacial, com os respectivos variogramas e covariogramas.
5.1 - SELEÇÃO DOS INDICADORES SÓCIO-ECONÔMICOS
A partir dos dados do censo, foram calculados os indicadores para cada setor
censitário. Os setores censitários que não apresentaram qualquer tipo de informação
foram descartados. Encontra-se, no Apêndice A, uma lista dos campos utilizados na
pesquisa do censo para elaboração dos indicadores.
Após o cálculo de cada indicador, realizou-se uma análise de componentes
principais para os temas saneamento, renda, escolaridade e habitação. A seleção foi
feita analisando os valores das duas primeiras componentes, tendo em vista a
informação da importância relativa de cada componente. A Tabela 5.1 apresenta os
resultados obtidos na análise de componentes principais.
Tabela 5.1 – Resultado da análise de componentes principais para as duas primeiras componentes.
Obs.: Os valores em azul indicam alto valor da componente, mas foram descartados por possuírem alta correlação com o indicadorem verde, de maior magnitude.
A seguir, têm-se as matrizes de correlação dos indicadores dos quatro temas
(Tabelas 5.2, 5.3, 5.4 e 5.5).
Tabela 5.2 - Matriz de correlação dos indicadores de renda
Figura 5.27 – Semivariograma do indicador proporção de domicílios com coleta regular de
esgotos (REDESG).
139
Analisando-se os semivariogramas dos indicadores, verifica-se que todos
apresentam uma estrutura de correlação espacial.
Os indicadores renda nominal (RENDANOM), coleta regular de lixo
(COLRGLIX), proporção de casas no setor (CASAS), chefes com segundo ou grau ou
mais de escolaridade (CFSEGMA) e número médio de pessoas por domicílio
(NEMEDPES) apresentaram uma estrutura semelhante. Para essas variáveis
identifica-se uma alta correlação nas menores distâncias, apresentando um alcance na
faixa de 2000 a 3000m de distância.
Com relação aos outros indicadores proporção de domicílios ligados na rede de
água com ligação interna (INTCRED) e proporção de domicílios com coleta de esgotos
(REDESG), nota-se uma estrutura diferente. Apesar de apresentarem também uma
estrutura espacial dos dados, verifica-se uma menor dependência espacial. Além
disso, essas duas variáveis apresentaram dois patamares. Com relação ao alcance,
constata-se que ambos apresentaram valores próximos de 4.000m
As variáveis de água e esgoto possuem uma peculiaridade. O fato de não
haver qualquer cobertura de rede de água e esgotamento sanitário nas regiões
oceânica, Pendotiba e leste, quando da pesquisa do IBGE em 1991, faz com que
grande parte dos setores apresente valores iguais a zero. Isso acaba por distorcer a
análise geoestatística. Foram, então, construídos variogramas para tais indicadores,
desprezando-se os setores dessas regiões (Figuras 5.28 e 5.29).
Variograma - proporção de domicílios com ligação interna e ligados na rede de água (INTCRED)Sem os setores das regiões sem qualquer tipo de rede (Oceânica , Pendotiba e Leste)
Figura 5.28 – Semivariograma de água excluindo alguns setores (INTCRED).
Semivariograma - proporção de domicílios com coleta de esgoto (REDESG)Sem os setores das regiões sem qualquer tipo de rede (Oceânica, Pendotiba e Leste)
Figura 5.30 – Análise da anisotropia com domicílios ligados na rede e com ligação interna (INTCRED).
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,35
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000
Distância (m)
Sem
ivar
iânc
ia Variânciadalfa10-alfa0dalfa10-alfa45dalfa10-alfa90
Figura 5.31 – Análise da anisotropia com número médio de pessoas por domicílio (NEMEDPES).
142
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,35
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000
Distância (m)
Sem
ivar
iânc
ia
Variância
dalfa10-alfa0
dalfa10-alfa45
dalfa10-alfa90
0,00
0,02
0,04
0,06
0,08
0,10
0,12
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000
Distância (m)
Sem
ivar
iânc
ia Variânciadalfa10-alfa0dalfa10-alfa45dalfa10-alfa90
Figura 5.32 - Análise da anisotropia do indicador domicílios ligados na rede de esgoto (REDESG).
Figura 5.33 - Análise da anisotropia do indicador proporção de domicílios com coleta regular de lixo (COLRGLIX).
143
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,35
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000
Distância (m)
Sem
ivar
iânc
ia Variância
dalfa10-alfa0
dalfa10-alfa45
dalfa10-alfa90
Figura 5.34 - Análise da anisotropia do indicador proporção de casas no setor (CASAS).
144
0,00
0,02
0,04
0,06
0,08
0,10
0,12
0,14
0,16
0,18
0,20
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000
Distância (m)
Sem
ivar
iânc
ia
Variância
dalfa10-alfa0
dalfa10-alfa45
dalfa10-alfa90
Figura 5.35 - Análise da anisotropia do indicador proporção de chefes com segundo grau ou mais (CFSEGMA).
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000
Distância (m)
Sem
ivar
iânc
ia Variânciadalfa10-alfa0dalfa10-alfa45dalfa10-alfa90
Figura 5.36 - Análise da anisotropia do indicador renda nominal do chefe de família (RENDANOM).
145
146
Os resultados para as três direções analisadas demonstram que os indicadores
proporção de domicílios ligados na rede de água e com ligação interna (INTCRED),
proporção de domicílios ligados na rede de esgotos (REDESG), renda nominal do
chefe de família (RENDANOM), proporção de chefes com segundo grau ou mais
(CFSEGMA) e proporção de domicílios com coleta regular de lixo (COLRGLIX)
apresentam algum grau de anisotropia. Verifica-se, para as variáveis de água e
esgoto, um comportamento mais heterogêneo na direção leste-oeste. As alterações
bruscas nos indicadores de água e esgoto para a direção leste-oeste podem ser
explicadas pelo processo de ocupação no município, que tem evoluído de oeste para
leste (SECITEC, 1999b).
Por outro lado, analisando os semivariogramas da variável número médio de
pessoas no domicílio, identifica-se pouca modificação nos gráficos da Figura 5.31.
Dessa forma, identifica-se que tal indicador possui uma tendência em ser isotrópico.
Já o indicador proporção de casas (CASAS), apesar de não possuir a mesma
homogeneidade que o número médio de pessoas por domicílio (NEMEDPES),
apresenta um comportamento sem alterações significativas nos semivariogramas.
5.4.3 – Covariogramas
Com o objetivo de analisar a correlação espacial entre variáveis, elaborou-se
covariogramas para alguns pares de variáveis. São eles:
proporção de domicílios ligados na rede e com ligação interna (INTCRED) e
proporção de chefes de família com segundo grau ou mais (CFSEGMA);
proporção de domicílios ligados na rede e com ligação interna (INTCRED) e
proporção de domicílios ligados na rede de esgotos (REDESG);
proporção de domicílios ligados na rede e com ligação interna (INTCRED) e renda
média nominal do chefe de família (RENDANOM);
proporção de casas (CASAS) e renda média nominal do chefe de família
(RENDANOM);
renda média nominal do chefe de família (RENDANOM) e proporção de chefes de
família com segundo grau ou mais (CFSEGMA).
A Figura 5.37 ilustra os covariogramas para os pares de variáveis
mencionados, embasando a hipótese da relação existente entre os indicadores no
espaço.
Finalmente, em que pese esta tese não ter utilizado técnicas geoestatísticas na
modelagem multivariada, procurou-se mostrar que, de fato, há uma estrutura de
correlação espacial nos dados. Nesse sentido, entende-se que futuros estudos devem
examinar a possibilidade de implementar essa abordagem na classificação
multivariada e definir a sua relevância.
CovariogramaINTCRED x CFSEGMA
0
0,02
0,04
0,06
0,08
0,1
0,12
0 2000 4000 6000 8000 10000 12000
Distância (m)
Cov
ariâ
ncia
Seqüência1
CovariogramaINTCRED x REDESG
0
0,05
0,1
0,15
0,2
0,25
0,3
0,35
0,4
0 2000 4000 6000 8000 10000 12000
Distância (m)
Cov
ariâ
ncia
Seqüência1
CovariogramaINTCRED x RENDNOM
-0,1
-0,05
0
0,05
0,1
0,15
0,2
0,25
0,3
0 2000 4000 6000 8000 10000 12000
Distância (m)
Cov
ario
gram
a
Seqüência1
CovariogramaCASAS x RENDANOM
-0.6
-0.5
-0.4
-0.3
-0.2
-0.1
0
0 2000 4000 6000 8000 10000 12000
Distância (m)
Cov
ariâ
ncia
Seqüência1
CovariogramaRENDANOM x CFSEGMA
0
0.05
0.1
0.15
0.2
0.25
0.3
0.35
0.4
0 2000 4000 6000 8000 10000 12000
Distância (m)
Cov
ariâ
ncia
Seqüência1
Figura 5.37 - Covariogramas de alguns pares de variáveis.
147
148
5.5 – DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS CASOS DE DOENÇA – POLICLÍNICA DE ITAIPU
O processo de classificação realizado está longe de representar uma verdade
absoluta. Distorções podem ocorrer e nem sempre é possível definir claramente
estratos sócio-econômicos distintos.
Com o intuito de analisar até que ponto a classificação realizada reflete o que
realmente acontece no município, procurou-se fazer uma pesquisa de casos de
doenças relacionadas com saneamento para uma determinada região de Niterói.
O setor de saúde sofre com um problema sério de subnotificação de doenças.
Excetuando-se os casos de notificação compulsória, muitos casos não são
registrados. Isso acaba por dificultar as análises, pois com dados pouco confiáveis
acaba-se por não permitir validar adequadamente os resultados obtidos. Dentro desse
contexto, no processo de escolha da área a ser estudada para os casos de incidência
de doenças relacionadas com saneamento, procurou-se escolher uma região com
dados de maior confiabilidade. Mais precisamente, optou-se pela região que envolve o
entorno da policlínica de Itaipu.
5.5.1 – Análise dos dados e cálculo da incidência
O registro do banco de dados informatizado da policlínica de Itaipu abrange
casos ocorridos a partir de junho de 1997. Escolheu-se o ano de 1999 para análise
dos casos de doença. Foram selecionadas as seguintes doenças, segundo a
classificação internacional de doenças (CID), discriminadas em:
doenças infecciosas intestinais
cólera;
febres tifóide e paratifóide;
outras infecções por Salmonella;
amebíase;
outras doenças intestinais por protozoários;
infecções intestinais virais, outras e as não especificadas;
diarréia e gastroenterite de origem infecciosa presumível;
algumas doenças bacterianas zoonóticas
peste;
tularemia;
149
outras doenças bacterianas
difteria;
febres por herbovírus e febres hemorrágicas virais
dengue (dengue clássico);
febre hemorrágica devida ao vírus do dengue;
outras febres virais transmitidas por mosquitos;
outras febres por vírus transmitidas por artrópodes, não classificadas em outra
parte;
febre viral transmitida por artrópodes, não especificada;
febre amarela;
outras febres hemorrágicas por vírus, não classificadas em outra parte;
hepatite viral
hepatite aguda A;
micoses
dermatofitose;
outras micoses superficiais;
doenças devidas a protozoários
malária por Plasmodium falciparum;
malária por Plasmodium vivax;
malária por Plasmodium malariae;
outras formas de malária confirmadas por exames parasitológicos;
malária não especificada;
leishmaniose;
doença de chagas;
helmintíases
esquistossomose;
outras infestações por trematódeos;
equinococose;
infestação por Taenia;
cisticercose;
difilobotríase e esparganose
outras infestações por cestóides;
dracontíase;
oncocercose;
filariose;
triquinose;
150
ancilostomíase;
ascaridíase;
estrongiloidíase;
tricuríase;
oxiuríase;
outras helmintíases intestinais, não classificadas em outra parte;
parasitose intestinal não especificada;
outras helmintíases.
A determinação da população para os diversos bairros da região em estudo foi
realizada com base na projeção populacional indicada por estudos da Secretaria de
Ciência e Tecnologia da prefeitura de Niterói (SECITEC, 1999a). Esse crescimento foi
determinado através dos dados populacionais de 1991 e 1996 indicados pelo IBGE
(apud SECITEC, 1999b). A Tabela 5.11 indica as populações de 1991 e 1996, a taxa
de crescimento correspondente e a população projetada para os anos de 1997, 1998
e 1999.
Tabela 5.11 - População do município de Niterói de 1991 e 1996 com base em informações do IBGE; taxa de crescimento determinado pela Secretaria de Ciência e