CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO Curso de Artes Visuais: Bacharelado em Pintura, Escultura e Gravura NOÇÕES PRÁTICAS PARA SE TORNAR UM CERAMISTA Lucas Mendes Bêda São Paulo 2011
Mar 22, 2016
CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO
Curso de Artes Visuais: Bacharelado em Pintura, Escultura e Gravura
NOÇÕES PRÁTICAS PARA SE TORNAR UM CERAMISTA
Lucas Mendes Bêda
São Paulo
2011
CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO
Curso de Artes Visuais: Bacharelado em Pintura, Escultura e Gravura
NOÇÕES PRÁTICAS PARA SE TORNAR UM CERAMISTA
Lucas Mendes Bêda
São Paulo
2011
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Bacharelado em Artes Visuais, Pintura,
Gravura e Escultura do Centro Universitário
Belas Artes de São Paulo como parte dos
requisitos para a obtenção do grau de Bacharel
em Artes Visuais, sob a orientação do
Professor Bertoneto Alves de Souza.
RESUMO
Este artigo é um espaço onde um conjunto de fragmentos do processo criativo
de um Ceramista ao reproduzir uma telha
é organizado.
Uma vez organizados, contam a história.
Considerando que esses fragmentos são imagens,
NOÇÕES PRÁTICAS PARA SE TORNAR UM CERAMISTA é
uma sucessão de imagens, ou imagem única, que contam ou conta a história.
*A história é contada a partir do ponto de vista do organizador: o leitor.
PALAVRAS CHAVES
Cerâmica. Procedimento. Linearidade. Poética. Espaços.
NOÇÕES PRÁTICAS PARA SE TORNAR UM CERAMISTA
UM OUTRO ESPAÇO
Inicio esse texto contaminado por uma vontade de preencher essas páginas
com todas as experiências que vivi durante o meu curso de artes visuais na cidade
de São Paulo. De fato, nenhuma palavra daria conta de relatar com exatidão essas
vivências, MESMO ASSIM, essa é uma tentativa liberta de tornar isso possível.
Darei forma a cada palavra desse texto assegurado pela transparência de
meus pensamentos e observações, bem como a fragilidade e incoerência dos
mesmos.
Fragilidade e Incoerência têm tudo a ver com arte.
A obra de arte como máquina de ressignificar.
Pois bem, a ressignificação realmente acontece. Cada pessoa tem uma
interpretação do objeto artístico, eleva-o para o plano da subjetividade e estabelece
uma relação, um espaço relacional contido em torno daquele objeto.
Esse objeto artístico envolve muitas outras relações, que sempre existiram,
além daquelas que se apresentam no espaço expositivo, e que atualmente adquiriu
um reconhecimento como parte da obra, senão muitas vezes, a própria obra.
[processo/poética]
Apresentação
Inicio esse texto contaminado por uma vontade de preencher essas páginas com
todas as experiências que vivi durante o meu curso de artes visuais, na cidade de São
Paulo. De fato, nenhuma palavra daria conta de relatar com exatidão essas vivências,
MESMO ASSIM, essa é uma tentativa liberta de tornar isso possível.
Darei forma a cada palavra desse texto assegurado pela transparência de
meus pensamentos e observações, bem como a fragilidade e incoerência dos
mesmos.
Fragilidade e Incoerência têm tudo a ver com arte.
Anexo A – http://www.youtube.com/watch?v=DIMYkkUpQYM
Das Possibilidades
Não me recordo quando uma obra de arte preencheu um espaço vazio em
mim pela primeira vez.
Mas acredito que, em todas as vezes imperceptíveis que isso aconteceu,
contribuíram para eu tomar consciência de que ARTE OCUPA UM OUTRO
ESPAÇO.
Na contemporaneidade a obra de arte está contida na matéria bem como nos
espaços abstratos do conceito, e tomar consciência dessa potencialidade é
transformador.
Transformador ao passo em que, depois dessa consciência, não é mais
possível olhar para um objeto e desvincula-lo do processo em que o próprio se
encontra, como um potencial artístico.
E partindo dessa visão, atribuída ao artista, o qual chamarei nesse texto de
ceramista, a vida torna-se processo de ação, que reverbera num espaço conceitual,
de reflexão, contido na matéria. É uma urgência que assola o ceramista fazendo-o
“ressignificar” a vida, o tempo, através do que, por falta de palavras, chamamos
“Arte”.
Um espaço impalpável, invisível, que só toma forma quando se toca e se vê.
Foi por essa razão que comprei uma lata de tinta, furei-a com um prego e
saí andando pelo bairro da minha casa: na experimentação de ser o corpo que
promove a ação.
Durante todo o meu processo dentro e fora da faculdade minhas experiências
foram compartilhadas com outras pessoas - estilhaços de uma cerâmica - que
ao saberem do meu propósito, se portavam como “experienciadores” de uma
ação artística.
Pausa para a história do filete de tinta. A impalpabilidade a que me refiro autoriza
isso.
Filete de tinta como uma telha de barro
Filete de tinta como uma telha de barro
Existe um FILETE DE TINTA branca que percorre a calçada por alguns
metros a caminho da minha casa e que, provavelmente, se deve a um
acontecimento simples: talvez um pintor tivesse andado com uma lata de tinta
vazando por ali.
Ao nos depararmos com aquela marca na calçada, saímos da rotina inerte
que se estabelece quando fazemos uma ação repetida por um longo período de
tempo. O estranhamento nos tira de um estado anestésico passivo, e nos coloca na
posição de reflexão. O que é isso? Para onde esse filete vai? Então nos colocamos
a segui-lo e poucos metros depois ele acaba, da mesma maneira que começou, sem
deixar vestígios de quem e como se havia dado aquele registro.
Neste momento penso que por mais visível e concreto que o filete fosse, não
poderíamos afirmar que aquele evento se devesse à tinta de um pintor ou de um
artista, desprovendo-o de um caráter temporário “monumental”, pois a obra, neste
caso, implica na experimentação, num olhar.
Fim da pausa impalpável.
A menos que esse filete de tinta estivesse em lugares físicos específicos:
museus, galerias, centro culturais*, os quais chamarei nesse texto de fornos, que
são responsáveis em potencializar um objeto à um objeto portador de experiências
abstratas, de subjetividade, gerando reflexões.
independente da experimentação ou do olhar de uma pessoa [contrato].
Os fornos são espaços produtores e legitimadores dos conceitos vigentes no
circuito da arte contemporânea.
Podemos dizer que o sistema da arte na contemporaneidade possui uma
estrutura interna dos ceramistas que produzem cerâmica,
e estão todos de acordo quanto
aos seus feitos, mas dependem de uma estrutura externa: no meu caso as
condições dos fornos para “elevar” um objeto potencialmente artístico a um objeto
artístico. No caso da Cerâmica São Geraldo elevar um objeto potencialmente telha à
uma telha.
Esse sistema externo, o forno de cerâmica, é tão poderoso que um objeto
qualquer inserido naquele espaço torna-se matéria de potencia artística.
Ao me ver esse foi o feito do ceramista Marcel Duchamp com sua obra “A
fonte”: problematizar o espaço e o tempo determinado em que as relações de arte
se estabelecem.
E desde então, esse paradigma permanece, menos como fonte de reflexão
sobre os espaços de arte, mais como uma “liberdade” ilusória, a mesma liberdade
que tomei para escrever esse texto, a qual o artista se apropria para criar o que lhe
parece genuíno.
Objetos se tornam produtos conceituais apenas por estarem inseridos nos
espaços citados acima*. E isso não é problema. Problema é depender de tal espaço
para se produzir uma cerâmica.
COMO PRODUZIR UMA CERÂMICA SEM LEVÁ-LA AO FORNO?
Cada ceramista possui seus próprios métodos, gestos, escolhas, processo
criador.
Alguns ceramistas deixam suas cerâmicas apenas secarem ao tempo, outros
se utilizam do forno, e para cada cerâmica existe uma temperatura de forno.
O limite da cerâmica no forno se dá pela explosão da peça. A explosão é o
limite excedido. Para alguns. Uns optam pela secagem ao ar livre como descrevi
acima, e suas cerâmicas possuem uma autonomia quanto a sua constituição, como
o filete de tinta. Uma cerâmica sem levar ao forno, para alguns, pode ser
considerada barro, não pelo ceramista, e por aqueles que acompanharam a
modelagem de uma telha.
Outros poderiam colar cada estilhaço da cerâmica constituindo uma nova
peça.
Outros refariam a peça, diminuindo a temperatura e o período que a cerâmica
permaneceu no forno, para que desta vez consiga o resultado que havia esperado.
No entanto, me parece institucionalizado que, para ser cerâmica, é
necessário entrar num forno.
s.f. A arte da fabricação de louça de barro cozido.
As peças feitas de barro.
Olaria.
A arte sempre está a serviço de alguém. Quem?
A arte sempre está a serviço de alguém. Quem?
A partir do pensamento dos limites entre obra e artista e as condições que
separam a realidade dentro e fora de um espaço expositivo, resolvi, por meio legais,
fazer um contrato entre mim e eu mesmo, delimitando situações que o Lucas artista
se apropria do corpo de Lucas não artista e o torna obra de arte, e situações que o
Lucas não artista se apropria do corpo de Lucas artista para não mais ser uma obra
de arte.
Fui ao cartório [espaço físico] com o contrato escrito, na finalidade de
legitimar o documento pelo reconhecimento de firma, minha assinatura.
Saí do cartório com o reconhecimento de firma, de contrato legitimado, mas
que em termos legais, não possuía valor algum.
Todo valor agregado naquele documento era simbólico, ou não prestava para
nada.
Naquele momento pude entender que a experimentação artística é um
contrato entre pessoas, ou com você mesmo, estabelecidos num espaço por um
período de tempo.
Mas como esse contrato se daria quando eu fosse embora e aquele filete de
tinta, descrito anteriormente, permanecesse na calçada?
Continuariam sendo criados. [Isso é uma possibilidade]
A criação de espaços destinados, até mesmo para relações humanas, não
implica na impossibilidade de tais relações acontecerem em outros espaços, ou
plataformas.
[meu pensamento é não linear. Tento organizar um pensamento não
linear linearmente]
As possibilidades, percebemos, são infinitas.
No âmbito artístico, percebi que o simbólico gera as possibilidades, e a
possibilidade é fator absoluto na arte contemporânea.
A possibilidade é um produto apresentado, no espaço da subjetividade,
responsável por gerar outras possibilidades, saídas e reflexões.
Por meio dessas ações/observações de caráter experimental, apresentadas
até então, recrio, ficciono e metaforizo os processos que vivenciei imerso na reflexão
sobre o sistema de arte contemporânea.
Por tanto, assim como anteriormente, tudo que discorrer nesse texto deverá
ser considerado como uma possibilidade.
Uma possibilidade de extrapolar algum limite da arte contemporânea.
Só depois vim entender que o limite dela é o meu limite.
ARTE SEM LIMITE ou Das possibilidades de eu ser um ceramista
Em Sorocaba, cidade onde fui criado, um prédio esta sendo restaurado. Uma parte
de uma antiga ferroviária será ocupada pelo MAC Sorocaba.
A Telha Francesa vem sendo utilizada no Brasil há mais de trezentos anos.
Começou a ser fabricada quando os ceramistas da época perceberam que o modelo
utilizado pelos franceses, de forma quadrada e composto de uma só peça, algumas
reentrâncias e pequena saliência para fixação, podia cobrir um m2 com apenas 16 unidades.
Muito menos do que as telhas coloniais, necessárias 24 unidades por m2.
Todavia, as Telhas Francesas quase planas, sem o canal profundo característico
das telhas coloniais, exigia um grande aumento na inclinação do telhado, ou seja, um
caimento de no mínimo 45% ou mais, dependendo da extensão do pano.
Ganhava-se muito no custo das telhas, porém gastava-se muito mais na estrutura de
madeira. O que vinha a ser um ótimo negócio, pois na época, a abundante Peroba Rosa era
vendida a um preço muito barato. Cobertura 16 peças por m2. Medidas 38cm x 24cm largura Peso Médio 2,80 Kg por peça / 44,8 Kg por m2. Inclinação Variável de acordo com a extensão do pano. Mínima de 45%
... passando de carro ao lado da estação, observei que estavam trocando as telhas velhas do antigo prédio por telhas novas.
telhas francesas/ produzidas na cidade de Tambaú/ Cerâmica São Geraldo
Na tarde seguinte retornei à estação e efetuei fotografias da telha na intenção de
reproduzi-la, no entanto sabia que não seria possível fazer seu molde.
O molde só poderia ser feito a partir de uma telha que não tivesse ido para
queima, pois uma telha apenas modelada, sem ter ido ao forno, possui um tamanho
aproximadamente 10% maior que a telha queimada. Eu teria que criar um molde,
10% maior que a telha fotografada, e para isso teria que ir para Tambaú – São
Paulo, na Cerâmica São Geraldo, e conseguir uma telha que tivesse acabado de ser
modelada, e rapidamente fazer seu molde.
OU
Na tarde seguinte, retornar a estação, pular o portão, fazer o reconhecimento
do local, furtar uma telha da Cerâmica São Geraldo – Tambaú, fugir e me apropriar
da condição de ceramista, ao dizer que aquela telha é uma reprodução perfeita de
um produto industrial feito por mim.
No entanto, minha primeira motivação era produzir uma telha francesa e
elevá-la a uma condição artística, ou melhor, de cerâmica, introduzindo-a no sistema
de arte ou ao forno, sob o título Futuro Acervo Permanente MAC Sorocaba I ou
Futuro Acervo Permanente MAC Sorocaba II, mesmo projeto que o I, mas contendo
um vídeo em anexo: registro do furto da telha.
A diferença no título da obra foi uma maneira que o ceramista encontrou para
identificar qual processo de criação de seu projeto havia sido selecionado. A
exibição da obra se daria por dois objetos: uma telha encostada na parede e uma
fotografia do teto do prédio, futuro museu, em processo de restauração, um espaço
vazio, naquele momento, apenas destinado à telhas.
Esse espaço permanece sem imagem, pois a imagem inserida nesse espaço
não existiu.
O projeto propunha uma possível relação, um contrato de confiança, entre
ceramista e selecionadores, pois possibilitava uma Instituição de arte selecionar um
objeto roubado de outra Instituição de arte assegurada pelo conceito apresentado
pelo próprio ceramista: retomar uma técnica abandonada na arte contemporânea,
reproduzindo um objeto industrial - uma telha de barro – artesanalmente,
possibilitando a ocultação de um dos processos apresentados no projeto – o roubo.
O ceramista em seu portfólio apresenta duas possibilidades, dois processos
de constituição daquela obra (produção de uma telha industrial artesanalmente ou o
roubo de uma telha), mas que em si, se completam, resultando numa única questão:
Independente do projeto selecionado, nunca saberíamos se a telha
exibida no espaço expositivo é roubada ou produzida - exceto o proponente do
projeto, neste caso, eu.
Mas para isso percebi que teria que criar um sistema, um processo
especulador, uma simulação, através da qual as pessoas pudessem me atribuir
(embora eu ainda nunca tivesse feito uma telha) o titulo de ceramista.
E após a exibição da obra na Instituição de Arte, a telha seria colocada ou
devolvida junto à todas as outras telhas que constituirão o novo telhado do MAC
Sorocaba.
COMO MEXER NUM SISTEMA DE ARTE ATRAVES DA CERÂMICA?
Fui para Tambaú – São Paulo, na Cerâmica São Geraldo, e consegui uma
telha que tinha acabado de ser modelada.
Ao entrar na cidade pude observar inúmeras torres, chaminés feitas de tijolos,
que esfumaçam o calor do forno: queima das cerâmicas.
De longe já parecia ouvir o barulho das máquinas, as vozes daqueles que
com as mãos carimbava o barro nos estampos das telhas, os radinhos de pilha, os
latidos dos cachorros, o barulho das rodas dos carrinhos que levavam as telhas para
secagem, da secagem ao forno, do forno ao estoque. O cheiro das telhas sendo
produzidas, aos milhares.
Era horário de almoço: 12:40. Estava adiantado. Havia combinado uma visita
a Olaria: 14:00 - Rua Ceará, 210 - com José Ari, um homem que atendera a minha
ligação uma semana antes, e que eu acreditava ser um funcionário da Olaria.
Em nossa conversa ele havia me dito que só poderia me receber após as 14
horas, pois antes disso ele poderia estar em horário de almoço.
Então pensei que se procurasse um restaurante próximo a olaria para
almoçar talvez poderia encontra-lo, meio que por acaso. Na minha cabeça um
encontro por acaso poderia começar uma relação diferente. Eu tinha um certo medo
de encontrá-lo diretamente na Olaria. Coisa que não se explica.
Talvez pelo fato de ir a Olaria, fazer um estudo de campo na intenção de
reproduzir uma telha exatamente igual a deles. O que poderiam pensar?
Naturalmente não o encontrei no restaurante, em cidade pequena as pessoas
almoçam em suas casas, mas mesmo assim fiz questão de perguntar a cozinheira,
conhece José Ari?
- Não sei, acho que sim. Não é dono da Cerâmica São Geraldo?
- Sim. Deve ser. Acho que é.
O marido da cozinheira trabalha em Olaria, e ela disse que a cidade de
Tambaú vive em função da cerâmica.
- O movimento aqui só é bom depois do dia 15. Quando as cerâmicas pagam.
Paguei o almoço, entrei no carro e me dirigi a Cerâmica. Já sabia onde era.
Três quadras de onde estava. Havia passado em frente antes do almoço, só para
constar.
Ao entrar na cerâmica de carro ninguém me recebeu, tive que andar um
pouco até encontrar alguém:
- José Ari está?
- Acho que está. O carro dele está aí. Entra à esquerda e vai até o fundo. Ele
deve estar no escritório.
Virei à esquerda. O lugar era um galpão enorme coberto, ao que pude
perceber, pelas telhas francesas, as quais produziam ali.
A esquerda era um corredor. Formado por pilhas e mais pilhas do que
chamavam de camas para telhas. Suportes feitos de ripas de madeira onde as
telhas descansavam sem perder a sua forma, para depois ir ao forno.
Era um ambiente frio, escuro, argiloso, ao mesmo tempo que era quente,
acolhedor.
Jose Ari estava no escritório. Me esperava. Ele é filho do Geraldo, que havia
falecido há pouco, portanto ele realmente era um dos donos da olaria.
A Olaria São Geraldo é pequena e antiga, 47 anos.
José Ari foi muito atencioso, me cumprimentou, e logo lançou a pergunta que
eu tanto temia:
- E aí, me diga, o que você gostaria de saber?
Eu poderia dizer milhões de outras coisas, mas estava tão envolvido com
aquela situação, o ambiente, que fazia jus a tudo aquilo pelo qual eu estava
esperando, que soltei de imediato:
- Tudo. Eu quero aprender a fazer uma telha exatamente igual a sua.
Houve um tempo de silencio, de suspensão.
- Sou ceramista, quero reproduzi-la artesanalmente.
Então ele respondeu, com toda sua simpatia:
- Vamos. Vou te mostrar tudo.
Pelos meus olhos passavam todos os processos de produção de uma telha.
Todos os funcionários com suas determinadas funções. E eles não paravam, as
máquinas não paravam.
As poucas palavras que escutei de suas bocas resumiam em:
Ô, opa, bom, entre outras coisas do mesmo gênero.
E minha cabeça não parava. Tudo era arte. A experiência, a investigação, o
ato.
Quantas relações envolvia a produção daquele objeto, a telha.
Inúmeras, infinitas. Daquilo que eu considerava arte sobrou um minúsculo
sistema de enorme complexidade. Um olhar.
O artista é só um olhar. Porque as coisas existem, independente dos nossos
olhos.
Pode parecer que as palavras VERDES citadas AO LADO fazem analogia ao
sistema de arte contemporânea, mas não.
Os ceramistas são caçadores de olhares que, por meio da matéria, criam
dispositivos de reflexão: objetos potencialmente artísticos QUE CONTEM OU
ESTÃO CONTIDOS no processo de produção de uma cerâmica.
É como se cada cerâmica produzida por um ceramista agregasse todas as
experiências das cerâmicas das quais ele já produziu. Não podemos separar
ceramista de sua cerâmica.
Cada ceramista possui seus próprios métodos, gestos, escolhas, processo
criador. E claro que, como qualquer sistema em que se produz algo, esse processo
criador se apresenta como um leque de possibilidades.
Digamos que, para fazer uma cerâmica seja necessário, primordialmente,
argila [ matéria prima ], só. As demais possibilidades do leque, as quais me referi
acima, surgiram e ainda surgem em meio ao acaso, ou por experimentações. Uma
não anula a outra.
O ceramista pode ser considerado um alquimista, mas de fato não busca a
transmutação da matéria que trabalha em ouro. Poderia.
Seus experimentos são uma combinação de matéria prima palpável e
impalpável, inserida num espaço e período de tempo que determinam a condição
daquela matéria.
É apenas a maneira que descrevo a produção de uma peça de cerâmica: uma
combinação de argila e outros elementos, moldados, e levados ao forno, ou outro
lugar, por um período de tempo, que determinará a condição daquela matéria.
Na condição que me investi de ceramista, tenho que entender o que envolve
a matéria da minha arte, o antes, o durante e o depois, para que num fluxo dialético
nos apropriássemos um do outro, e depois entender a necessidade de levar o que
se criou à qualquer forno.
É muito importante que o Ceramista tenha consciência do próprio processo
criador, e da cerâmica que ele produz.
O ceramista pode deixar evidente na cerâmica alguns dos processos
utilizados por ele na produção da própria peça, de uma telha.
No entanto não será possível evidenciar todas as relações impalpáveis, de
descobertas, experiências compartilhadas.
Fotografias, anotações gráficas, vídeo, áudio, entre outros registros, são
apenas representações fragmentadas daquilo que o ceramista viveu no processo de
produção de uma cerâmica.
Neste caso, o ceramista produtor de matéria, se quiser representar toda a sua
vivência [já considerada arte], num espaço e período de tempo determinado [espaço
expositivo], terá que produzir um dispositivo simbólico que, dependendo da questão
abordada pelo artista, poderá ou não fazer referência ao seu processo, tornando-o
visível ou não.
Enquanto não se reproduz o tempo, pode-se tentar reproduzir o que se viveu
no tempo, mas sem dúvida será outra coisa, pois o tempo já se foi.
Qualquer descanso da arte no tempo modifica o seu tamanho. A água
contida na argila evapora.
Seria então possível encontrar, imaginar, produzir um objeto que contenha
todas as experiências que vivi durante o meu curso de artes visuais na cidade de
São Paulo?
De fato, nenhuma palavra, nenhum objeto, nenhum registro, nenhum nada daria
conta de relatar com exatidão essas vivências, MESMO ASSIM, eu sou uma tentativa liberta
de tornar isso possível.
Só se vive a arte quando se têm um propósito artístico.
- Prazer. Meu nome é Lucas Bêda.
Apresentação
Anexo B – Memorial Descritivo
ABSTRACT
This article is a space where a set of fragments from the creative
process of a ceramist reproducing a tile is organized. Once organized, the fragments tell the story. Since those fragments are images, PRACTICAL NOTIONS TO BECOME A CERAMIST is a succession of , or a single image, which tell, or tells, the story. images * The story is told from the point of view of the organizer: the reader. KEY WORDS Ceramics, Procedure, Linearity, Poetics, Spaces
Anexo B
Noções Práticas para se Tornar um Ceramista Instalação – Espaço que se instala no tempo
Dimensão: 30 minutos
Noções Práticas para se Tornar um Ceramista é um processo ou fluxo, um acúmulo
de EXPERIÊNCIAS/AÇÕES, vivenciadas por MIM num ESPAÇO de TEMPO que
não ocupa um espaço físico palpável, concreto, onde se têm um resultado: objeto
para exibição. Ele ocupa um espaço no tempo, em decorrência de ser uma
produção em curso.
Essas EXPERIÊNCIAS/AÇÕES estão contidas no tempo que passa.
Mas não é possível organizar o tempo que passa.
É possível organizar as ações contidas no tempo que passa.
E como minhas ações extrapolariam o tempo destinado às apresentações de
trabalhos de conclusão de curso de BACHARELADO EM ARTES VISUAIS:
PINTURA, ESCULTURA E GRAVURA, venho através deste documento pedir mais
um ESPAÇO de TEMPO, isto é, mais 20 minutos na minha apresentação oral, para
que as ações contidas nesse ESPAÇO sejam realizadas no seu devido TEMPO.
Tempo destinado a apresentação oral do TCC: 10 minutos.
ESPAÇO de TEMPO necessário para realizar ações/experiências: 30 minutos.
Neste caso, o espaço será o tempo ocupado pelo Ceramista.
Lucas Mendes Bêda
25/10/2011
Essas EXPERIÊNCIAS/AÇÕES vivenciadas por MIM num ESPAÇO de TEMPO se
tornaram Noções Práticas para se Tornar um Ceramista quando em algum momento
deste processo me deparei com uma telha.
Anexo B
Descrição: para o entendimento de todos
NOÇÕES PRÁTICAS PARA SE TORNAR UM CERAMISTA é uma narrativa não
linear sobre um ceramista que tenta reproduzir uma telha de barro, contada a partir
do que chamo de três espaços:
Vídeo
Texto
Apresentação oral
Vídeo
Constitui a apresentação do artigo. Elemento Pré textual.
Duração: 11 minutos e 35 segundos
http://www.youtube.com/watch?v=DIMYkkUpQYM
Texto
É um sucessão de imagens, ou imagem única que constitui o desenvolvimento do
artigo. Elemento Textual.
Páginas: indefinido (cabe ao leitor)
Apresentação oral
Constitui as considerações finais do artigo e será realizada oralmente no dia da
banca de Trabalho de Conclusão de curso. Elemento Pós Textual.
Duração: 30 minutos.
ESPAÇO DE EXIBIÇÃO
A exibição do trabalho acontecerá de maneira narrativa nesses três espaços, tendo
como finalização a Apresentação oral.
Na apresentação oral
Será feita a exibição do Vídeo (11 minutos e 35 segundos)
Será feita uma narração sobre o desenvolvimento do Texto
(8 minutos)
Será feita as considerações finais do trabalho (10 minutos)
Desta maneira, venho por meio deste documento requerer 30 minutos na minha
apresentação de trabalho de conclusão de curso, para que com calma eu
compartilhe com aqueles que estarão presentes uma etapa do desenvolvimento do
meu trabalho e pesquisa durante o Curso de Artes Visuais na Faculdade Belas Artes
de São Paulo.
Necessidades para exibição:
DVD ou Computador com leitor de DVD
Caixas de Som
Projetor
Tela de Projeção
Mesa para apoiar objetos presentes na narração ( texto, telha, entre outros)
Lucas Bêda / Ceramista
28/11/2011
# tratando-se de uma exibição em “movimento” é pertinente avisar de antemão que
poderá ocorrer modificações neste esquema descritivo.
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022: Informação e Documentação - Referências - Elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2002
BARRETO, Jorge Menna. Lugares Moles. São Paulo; Departamento de Artes
Plásticas ECA – USP, 2007
< http://jorgemennabarreto.blogspot.com/2008/10/dissertao-de-mestrado.html > acesso
23/08/2011
BEY, Hakim. TAZ – Zona Autônoma Temporária. São Paulo; Conrad, 2001
BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo; Martins, 2009.
CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp: Engenheiro do Tempo Perdido. São Paulo, 1987 CATTANI, Icleia Borsa. Arte Contemporânea: o lugar da pesquisa. In: BRITES, Blanca; TESSLER, Elida (orgs.). O meio como ponto zero: metodologia de pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.
HOME, Stewart. Assalto à Cultura. São Paulo; Conrad, 2004
------ Greve de Arte. Manifestos Neoistas. São Paulo; Conrad, 2004
KLEE, Paul. Theorie de l'art Moderne. Genéve: Gonthier, 1971. Tradução M. Duprat < http://www.marceloduprat.net/Textos/klee%20.pdf > acesso: 28/09/2011
TIERNO, Giuliano. Palavras e imagens por uma Escuta Real, 2011
KAPROW, Allan. A educação do não-artista, parte I. Tradução Carlos Klimick.
Revista Concinnitas Virtual, ano 4, n. 5, dez, 2003.
< http://www.concinnitas.uerj.br/resumos4/kaprow.pdf > acesso: 05/09/2011
Filmes Referências
KAPROW, Allan. A educação do an-artista, parte II. Tradução Concinnitas. Revista
Concinnitas Virtual, ano 5, n. 6, jul, 2004.
< http://www.concinnitas.uerj.br/resumos6/kaprow.pdf > acesso: 05/09/2011
Sites Consultados
Cerâmica Atlético Clube. Acesso em 15/08/2011
Disponível em <http://www.ceramicaatleticoclube.com.br/site/index.php>
Cerâmica Industrial. Acesso em 16/08/2011
Disponível em < http://ceramicaindustrial.org.br/main.php>
Lajoteiro. Acesso em 03/08/2011
Disponível em <http://www.lajoteiro.com.br/telha-francesa/>