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Ideias e valores: a anlise da ao
pblica a partir das interfaces
entre a abordagem cognitiva e
a economia das convenes Paulo Andr Niederle1
Catia Grisa2
Resumo
O foco diferenciado sobre os interesses, as ideias e as
instituies delimita as trs principais tradi-
es da anlise de polticas pblicas. Com efeito, a unidade desses
conceitos em um nico corpo
analtico tambm define o principal desafio construo de novas
abordagens que deem conta da
complexidade da ao pblica. O artigo contribui com essa discusso
a partir de uma anlise das
interfaces entre a abordagem cognitiva e a economia das
convenes, duas vertentes tericas fran-
cesas que emprestam suas categorias analticas para a compreenso
dos processos de construo
e institucionalizao de polticas pblicas. Esse dilogo permite
integrar dispositivos cognitivos e
valorativos em uma estrutura institucional que sustenta as redes
de poltica pblica. Finalmente,
o artigo exemplifica as possibilidades derivadas dessa interface
terica a partir da sugesto de um
modelo analtico para o estudo das polticas de desenvolvimento
territorial no Brasil.
Palavras-chave: Ao pblica. Poltica pblica. Ideias. Valores.
1. Introduo
A conuncia das crises nanceira, poltica e ecolgica que congura o
contexto internacional, aliada consolidao das economias emergentes
na
1 Doutor em Cincias Sociais pelo Curso de Ps-Graduao em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Uni-
versidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ) Brasil.
Professor do Programa de Ps-Graduao em
Meio Ambiente e Desenvolvimento (PPGMADE) da Universidade
Federal do Paran (UFPR) Curitiba Brasil.
E-mail: [email protected]
2 Doutora em Cincias Sociais (CPDA/UFRRJ). Pesquisadora do
Observatrio de Polticas Pblicas para a Agricul-
tura (OPPA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ) Brasil. E-mail: [email protected].
KWWSG[GRLRUJYQS
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nova geopoltica mundial, tem revitalizado justicativas de
re-legitimao da ao estatal em diferentes domnios da vida social.
Mesmo que a congurao precisa desse processo ainda seja objeto de
intensas controvrsias, um entendi-mento comum tem sido produzido
acerca da necessidade de conceber novos referenciais de atuao do
Estado em um contexto de crise do neoliberalismo (DUMNIL; LEVY,
2011). Neste sentido, ao mesmo tempo em que diversos pases
reconstroem o aparato estatal para dar sustentao a uma nova gerao
de polticas pblicas, proliferam teorias que buscam elucidar o novo
contexto em que essas polticas so construdas e implementadas.
No Brasil, uma das mudanas mais signicativas diz respeito s
impli-caes do processo de descentralizao da formulao e execuo das
polti-cas pblicas. Se na dcada de 1990 esse processo transcorreu
como parte de uma estratgia deliberada de reduo da interveno do
Estado em diferen-tes setores, atualmente a descentralizao tambm
pode congurar-se como um elemento potencializador da sua ao. Face
ausncia do poder estatal, a ascenso da sociedade civil foi,
outrora, responsvel por estabelecer novos mecanismos de governana
participativa, os quais, hoje em dia, mantm-se e ampliam-se com a
retomada da capacidade de atuao do Estado. Na realida-de, esses
mecanismos tornaram-se os principais responsveis por viabilizar o
novo papel conferido tanto ao Estado quanto sociedade civil
(DAGNINO, 2002; GOHN, 2004).
Em oposio ao modelo clssico de poltica pblica concebida por um
Estado centralizado, atuando sobre setores bem denidos e
delimitados, cres-cem as anlises que buscam acercar-se dos
mecanismos da ao pblica, uma denio que acentua o conjunto das
interaes entre os vrios atores que participam da construo,
implementao, monitoramento e avaliao das polticas pblicas em seus
mais variados nveis (MASSARDIER, 2008; LASCOUMES; LE GALS, 2009;
HASSENTEUFEL, 2008). Essa concep-o no reduz o papel do Estado, mas
o dene em sua interface cada vez mais evidente com outras
institucionalidades. De fato, uma nova gerao de polticas pblicas
tem demonstrado que a prpria fronteira entre os trs com-ponentes da
ontologia de Claus Oe (1999) estado, mercado e sociedade civil
torna-se cada vez mais nebulosa.
Diretamente associadas consolidao dos processos de participao e
coconstruo da ao pblica, as mudanas nas redes de polticas
pblicas
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tambm se associam a transformaes mais ou menos radicais nas
instituies que orientam os papis e as condutas dos diferentes
atores. Assim, alm de redes mais heterogneas, percebe-se um
processo de hibridizao dos valores, representaes e princpios
normativos que regem a ao pblica. Isso resul-tado da constituio de
fruns e arenas no interior dos quais organizaes at ento isoladas e
sem expressividade passam a interagir de maneira dinmica. A
importncia renovada das instncias de concertao social, como os
conselhos e colegiados, faz com que a disputa por recursos envolva
cada vez mais lutas por legitimao e reconhecimento (HONNETH, 2003).
Essas lutas colocam em evidncia novas ideias, representaes e
valores que questionam as insti-tuies estabelecidas e passam a
exigir a formao de novos compromissos para orientar a ao do estado
e da sociedade civil. Ademais, em face deste contexto, abrem-se
novos desaos anlise de poltica pblica, provocando a construo de
abordagens inovadoras que integrem os diferentes componen-tes da ao
pblica em um nico poliedro conceitual.3
At hoje o foco diferenciado sobre os interesses, as ideias ou as
instituies foi responsvel por delimitar as trs principais tradies
de anlise das polticas pblicas (HALL, 1997; GRISA, 2011; FLEXOR;
LEITE, 2007). Analisar as polticas a partir dos interesses consiste
em identicar os atores concernidos, as lgicas da ao coletiva, os
clculos e as estratgias desenvolvidas em funo dos custos e
benefcios esperados da ao, assim como as consequncias das
antecipaes feitas pelos indivduos ou pelas organizaes envolvidas na
ao pblica. Por sua vez, uma leitura centrada nas instituies
interroga a in!u-ncia das regras, prticas e quadros mentais do
passado no comportamento presente dos atores pblicos e privados.
Demanda um investimento histrico para identicar os recursos e os
constrangimentos institucionais que regem as interaes no mbito da
poltica pblica e para testar a solidez dessas insti-tuies (PALIER;
SUREL, 2005). De outro modo, a abordagem cognitiva de anlise das
polticas pblicas enfatiza as ideias compartilhadas pelos ato-res na
construo da sua relao com o mundo (MULLER, 2008; SUREL, 2000).4
Nessa perspectiva, o foco recai sobre o conjunto de representaes
e
3 Cabe sublinhar a importncia, aludida por vrios autores, de ir
alm dos estudos setoriais que caracterizam
a maior parte da produo brasileira sobre polticas pblicas, os
quais expandem-se horizontalmente sem
necessariamente dinamizar inovaes terico-analticas (ROMANO,
2009; SOUZA, 2003; MELO, 1999).
4 Abordar o papel das ideias no uma exclusividade da abordagem
cognitiva. Sabatier e Schlager (2000)
demonstram que dimenso cognitiva considerada por diferentes
perspectivas de anlise que vo desde a
escolha racional at os estudos de poltica pblica comparada e o
modelo de multiple stream.
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esquemas de interpretao que sustentam as aes pblicas, ou seja,
as pol-ticas pblicas so interpretadas como construdas pelas crenas
comuns que denem o modo como os atores (pblicos e privados)
percebem os problemas sociais e concebem respostas para os
mesmos.
O principal mrito da abordagem cognitiva, notadamente a
perspectiva construda por Bruno Jobert e ve Fouilleux, o modo como
pauta as dispu-tas que envolvem a produo de referenciais de
polticas pblicas, destacan-do os espaos onde elas acontecem (fruns
e arena), assim como a maneira de decifrar como distintos atores
criam representaes que sustentam esses referenciais. Ademais,
diferentemente de outras abordagens, esta proposta no toma as
ideias como dadas. A preocupao central est nos processos de
cons-truo das ideias e como elas institucionalizam-se em polticas
pblicas.
No obstante, dentre os principais limites desta abordagem, em
primeiro lugar cita-se o uso despreocupado que alguns autores fazem
da noo de ideias, o que leva a perda de sua capacidade heurstica
(FAURE; POLLET; WARIN, 1995; SUREL, 2006). Sem uma indicao precisa
do que elas con-guram e do modo como apreend-las na realidade
social, no raro as ideias abarcam um amplo leque de instrumentos
cognitivos, englobando inclusive normas e valores. Alm disso,
alguns autores sugerem uma valorizao excessi-va das variveis
cognitivas, o que conduziria a utilizaes meramente retricas que
desconectam as ideias das lgicas institucionais e dos interesses
que condi-cionam as estratgias dos atores (SUREL, 2006; FOUILLEUX,
2003; 2000). Com isso, a abordagem cognitiva, bem como outras
vertentes analticas, continuamente desaada a incorporar os trs is
da anlise de polticas pbli-cas ideias, interesses e instituies
(PALIER; SUREL, 2005; SUREL, 1998).
Neste artigo buscamos colaborar com essa discusso sugerindo que
um quadro terico integrando ideias, instituies e valores pode ser
constru-do a partir de uma profcua interlocuo entre a abordagem
cognitiva e a economia das convenes (EYMARD-DUVERNAY, 2009;
BOLTANSKI; THVENOT, 1991). Embora inicialmente focada nos aspectos
cognitivos da ao econmica, a corrente convencionalista dirigiu-se
para uma interpreta-o institucionalista que destaca o papel dos
valores na construo de justi-cativas que do suporte s representaes,
aos interesses e s estratgias dos atores. Como ser analisado ao
longo do texto, o artigo sugere que os prin-cpios normativos
sublinhados pelos tericos das convenes oferecem uma
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complementao aos instrumentos cognitivos. Os valores emergem
como princpios que legitimam as ideias e os interesses, oferecendo
um fundamento moral para os compromissos que fundam a ao pblica em
uma ordem negociada por diferentes atores. Por sua vez, a abordagem
cognitiva empresta economia das convenes uma leitura dos
dispositivos coletivos mais prxi-mos realidade dos atores, que no
recorrem necessariamente a valores para construir seus discursos e
prticas. Na realidade, esse processo de traduo entre princpios
cognitivos (ideias) e quadros normativos (valores) feito por um
conjunto de mediadores/porta-vozes que participam de maneira
privile-giada da construo da ao pblica.
O artigo est organizado em cinco sees, alm desta introduo.
Pri-meiro, retomamos o debate sociolgico acerca da dualidade entre
abordagens interacionistas e institucionalistas. Esta seo introduz
o argumento de que tanto a abordagem cognitiva quanto a economia
das convenes constituem um complemento institucional s interpretaes
que privilegiam o conceito de redes de polticas pblicas. De uso
corrente no Brasil, a noo de redes e suas implicaes tericas sero
discutidas complementarmente ao longo do artigo. Por sua vez, as
duas abordagens francesas que compem o eixo central da reexo terica
so pouco conhecidas do pblico brasileiro. Em que pese o crescente
apelo que ambas vm recebendo, suas categorias analticas no so de
domnio corrente. Assim, a segunda seo dedicada apresentao da
economia das convenes, selecionando os conceitos que interessam ao
objetivo da anlise da ao pblica. Do mesmo modo, a seo subsequente
analisa o desenvolvimento da abordagem cognitiva. A quarta seo
explora as interfaces entre as abordagens. Finalmente, o artigo
discute as possibilidades de aplicao do modelo analtico poltica
brasileira de desenvolvimento ter-ritorial e aponta elementos para
uma agenda de pesquisa.
2. O enraizamento normativo e cognitivo da ao pblica
Diversos autores analisam a formulao e implementao de polticas
pblicas a partir da formao de uma rede social que articula
indivduos e organizaes (RHODES, 2006; HASSENTEUFEL, 1995; MARQUES,
2000). Sem negligenciar a importncia das estruturas reticulares
anlise da ao pblica, este artigo focaliza elementos que, de modo
geral, tm recebido menor ateno nos estudos que adotam o referencial
das redes, qual seja, os
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componentes cognitivos e normativos que denem uma estrutura de
senti-do para os atores da rede (MULLER; SUREL, 2004). Em outras
palavras, o artigo argumenta que, mesmo tomando a rede como
estrutura de anlise da ao pbica, isso no exime o pesquisador de
compreender o papel crucial desempenhado pelas representaes e pelos
valores.
Amplamente sublinhada pelas abordagens institucionalistas, essa
com-preenso centrada nas estruturas valorativas e cognitivas da ao
desaparece em muitas anlises interacionistas que focalizam o
funcionamento das redes de polticas pblicas. Por outro lado,
naquelas perspectivas onde elas geral-mente so encontradas, muitas
vezes essas estruturas encontram-se reicadas. Assume-se a
importncia inequvoca das instituies, mas nenhuma expli-cao dada
para o modo como elas so efetivamente incorporadas na ao social sem
encapsular os atores em explanans que predizem suas condutas
retomando a expresso clssica de Hempel e Oppenheim (1948).
Em primeiro lugar, imperativo reconhecer que as referncias
institucio-nais no se formam fora das redes sociais e so
fundamentais para a existncia e estabilizao das interaes. Um
preceito deste raciocnio que as prprias polticas emergem como
resultado de um acordo coletivo que se processa em um ambiente
social de disputas normativas. Ao mesmo tempo em que se supera a
concepo naturalizada das instituies, destaca-se que as dimenses
cognitivas e valorativas tm como origem a interao social. Ideias,
crenas e representaes no se formam fora da ao situada, mas
enraizadas em di-ferentes contextos sociais. Contudo, como sublinha
a tradio dos estudos sobre path dependence (MAHONEY, 2001), as
instituies tambm carregam consigo memrias que reduzem as
possibilidades dos atores. Sobre a ao so-cialmente situada pesam os
constrangimentos de leis, normas, regras e con-venes denidas
previamente.
Dentre os autores que destacaram o componente de enraizamento da
ao social, Granovetter (1985) seguramente merece destaque. Buscando
afastar-se de vises subsocializadas que atomizam os atores
isolando-os do seu contex-to social imediato, mas igualmente
rejeitando as leituras sobressocializadas portadas por algumas
anlises institucionalistas, as quais priorizam disposi-es e
esquemas de percepo que encapsulam os atores por meio de regras e
normas generalizadas, o fundador da nova sociologia econmica
construiu uma perspectiva que torna as instituies re%exos da
conformao de redes
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interpessoais (NEE; INGRAM, 1998). Disto resulta um conjunto de
crticas ao absolutismo socioestrutural das abordagens de redes
sociais (ZELIZER, 2003), incapazes de apreender o enraizamento
cognitivo, poltico e cultural da ao individual (ZUKIN; DiMAGGIO,
1990).
Segundo Beckert (2007), o principal equvoco estaria em retirar o
com-ponente poltico-institucional da ao social, isolando unicamente
o aspecto reticular das relaes entre os atores. Nesse caso,
corre-se o risco de negligen-ciar as estruturas institucionais que
oferecem sentido ao, de modo que resta ausente da teoria uma
explicao para como as redes emergem e para as conguraes especcas
que as diferenciam. De outro modo, a econo-mia das convenes sugere
que a existncia das redes depende crucialmente da formao de acordos
valorativos. Como armam Eymard-Duvernay et al. (2005), a dimenso
sociocognitiva associada s abordagens de redes no su-ciente para
considerar operaes de julgamento que dependem de uma leitura
poltica centrada em valores. Em outras palavras, a anlise da ao
pblica no pode desconsiderar as ferramentas cognitivas e
valorativas que os atores sociais desenvolvem para estabilizar as
interaes, construir compromissos e formular polticas. Ambos,
normativo e cognitivo, denem a estrutura e o desenho da rede. Caso
contrrio, no h nenhum princpio comum que ordene as relaes sociais,
de modo que as mediaes simblicas e valorativas so dissolvidas em um
tecido sem costura e sem m (VANDENBERGUE, 2006).
Desde uma leitura convencionalista, %venot (2001) sustenta que a
no-o de rede particularmente atraente porque permite descrever uma
ampli-tude de entidades que geralmente so desconsideradas por
outras perspec-tivas tericas. Contudo, segundo o autor, esta noo
tende a negligenciar a heterogeneidade de laos para o benefcio de
uma imagem unicada de entidades interconectadas (THVENOT, 2001, p.
408). Essa crtica tem sido incorporada pelos tericos das redes
sociais, os quais esboam modelos alternativos para explicar a
estabilizao das mesmas. No modelo proposto por White (2008), o
qual, inclusive, tem sido marcado por um crescente intercruzamento
com as anlises convencionalistas (veja FAVEREAU, BIENCOURT;
EYMARD-DUVERNAY, 2002; LAZEGA; MOUNIER, 2002), so incorporadas noes
estruturantes que disciplinam as aes indi-viduais. Assim,
instituies e estilos, diferenciados pelo seu nvel de general-idade
e formalizao, oferecem signicados ao, bloqueando a livre circu-lao
nas redes (WHITE, 2008).
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Retomando o programa de pesquisa lanado por Lazega e Favereau
(2002), a questo fundamental compreender como as lgicas
instituciona-lizadas podem operar conectadas heurstica das redes.
Nossa perspectiva analtica no , nalmente, to distante do conceito
de rede, mas ela destaca muito mais explicitamente o papel das
ideias e das controvrsias no processo poltico e na ao pblica
(FOULLIEUX, 2003, p. 36). Trata-se de uma perspectiva que sublinha
a necessidade de os atores tomarem conscincia do carter normativo
que envolve as aes pblicas. Esse carter revela-se, de modo mais ou
menos explcito, em diferentes instrumentos institucionais: normas,
leis, regras, regulamentos etc. Para a anlise, isso exige um
trabalho que envolve desde a cartograa dos atores visando saber
quem participa da denio das normas da ao pblica, at a identicao e
reconstruo dos objetivos da poltica. Ademais, nesse caso atenta-se
para no considerar uma poltica pblica apenas quando suas aes e
decises passam a formar um todo coerente, estabilizado em normas e
instrumentos. Existe um processo anterior de disputas normativas
que interessa, sobretudo, aos estudos sobre formulao de polticas
pblicas.
3. A perspectiva convencionalista
Reivindicada enquanto uma corrente especca do pensamento
econ-mico no nal dos anos 1980, a economia das convenes rene um
conjunto de estudiosos preocupados em construir uma nova
interpretao dos fen-menos econmicos, contrapondo-se aos preceitos
utilitaristas da economia neoclssica. Em que pese diferenas
conceituais ainda signicativas no interior desta escola, seus
autores convergiram em torno de uma agenda de pesquisa que
posiciona as convenes como fundamento de uma nova arquitetura
terica utilizada para analisar o comportamento dos atores e das
organizaes (NIEDERLE, 2011).5
A origem da noo de conveno comumente atribuda ao lsofo
ame-ricano David Lewis, cujo trabalho analisou a natureza
estratgica do com-portamento dos indivduos em episdios da vida
cotidiana. Baseado em uma
5 Inicialmente dedicada anlise do funcionamento dos mercados e
das organizaes, at recentemente as
formulaes da economia das convenes eram menos presentes no
universo de pesquisas sobre polticas
pblicas. Suas categorias adentram com maior expressividade nesse
debate em trabalhos mais recentes
(EYMARD-DUVERNAY, 2008; VERDIER, 2006; BATIFOULLIER; GADREAU,
2006).
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noo de common knowledge, Lewis (1969) construiu uma noo
instrumen-tal, completamente desprovida de carter normativo e
moral. Para ele, uma conveno o resultado de uma regularidade
comportamental que deriva de um saber compartilhado entre os
agentes: um re#exo de cada indivduo ao que ele espera ser o
comportamento dos demais supondo seu prprio compor-tamento.
Fundadora de uma vertente que dialoga com os modelos matem-ticos da
teoria dos jogos (BATIFOULIER, 2001), essa perspectiva estratgica
das convenes foi objeto de crtica em virtude de carter radicalmente
an-tissocial, uma vez que o espelhamento innito dos agentes (cada
indivduo sabe que os demais so perfeitamente racionais) levaria a
um individualismo metodolgico extremo (DUPUY, 1989).
De outro modo, a vertente francesa da economia das convenes
apro-priou-se do termo, mas acrescentou-lhe um carter pragmtico e
interpretati-vo, denindo sua construo a partir de um contexto de
comunicao verbal. Nesta perspectiva, uma conveno congura um quadro
normativo cuja mo-bilizao pressupe engajamento moral. Trata-se de
uma viso compartilhada do mundo que orienta os atores no
desenvolvimento de suas prticas. No simplesmente uma rotina ou um
hbito, haja vista que ela somente tem sen-tido dentro de um
coletivo social. um esquema de interpretao construdo atravs da
interao social, mas que se apresenta aos atores de forma
objetiva-da e implcita, como um preceito de ordem moral, de modo
que ela se impe arbitrariamente aos indivduos sem que eles
questionem a possibilidade de comportamentos alternativos.
Esse entendimento fruto de uma construo recente e ainda no
to-talmente estabilizada no seio dos debates convencionalistas. Em
que pese polifonia do termo em sua origem, ora descrito como um
sistema de conhe-cimentos compartilhado (Salais, 1989), ora como um
sistema de represen-taes (Eymard-Duvernay, 1989), o fato que sua
primeira acepo esteve mais prxima quela reivindicada por Orlan
(1989) e Favereau (1989), que a associa a um dispositivo cognitivo
coletivo. Somente aps alguns anos de discusso emerge uma noo mais
diretamente vinculada ideia de princpio normativo fundado sobre
julgamento de valor moral.
Segundo Batifoulier e Larquier (2001), a maior diferena entre a
peque-na conveno componente da racionalidade dos atores e a grande
conven-o normativa que esta comporta um imperativo de justicao. Ou
seja,
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ela precisa ser publicamente legitimada com base em um princpio
superior, o que a torna, nalmente, um mundo comum justicado. De
fato, a partir de ento que a ideia de mundo ou cit se tornar
central nessa acepo valorativa do termo. No por acaso que,
doravante, o desenvolvimento da teoria das convenes vai receber um
impulso fundamental da sociologia e, em especial, do trabalho
seminal de Boltanski e $venot (1991), cujo mo-delo passar a constar
nos principais debates convencionalistas at o presente.
Boltanski e $venot (1991) preocupam-se fundamentalmente com as
operaes de classicao levadas a cabo pelos indivduos em suas
atividades de julgamento. Essas atividades so responsveis por lhes
propiciar um mundo social inteligvel, constituindo uma condio
indispensvel para a coordena-o de suas aes. O processo de classicao
est na base da formao de acordos e da criao de princpios comuns que
permitem aos atores se enten-derem e conduzirem as trocas sociais.
A estabilidade das relaes entre os ato-res passa a ser vista como o
resultado dos investimentos que eles fazem para criar dispositivos
convencionais que lhes rendem certa estabilidade frente a um espao
de mltiplas possibilidades (THVENOT, 1986). Por m, a coordenao
depende da construo de mecanismos que permitam s pessoas associar
as prticas e os discursos a diferentes noes de justia e bem
comum.
Segundo os autores, comumente as interaes sociais transcorrem
com base em equivalncias estabelecidas no curso de um processo
histrico de construo de quadros normativos. A maior parte da vida
segue seu curso sem a necessidade de as pessoas e organizaes
estabelecerem um novo acordo a cada instante que precisam
interagir. Esse basicamente o papel das insti-tuies enquanto um
meio de recursos objetivos e normativos que permite coordenar a
vida social. Porm, existem momentos crticos em que as ins-tituies
estabelecidas so objeto de contestao (BOLTANSKI, 2009).6 So situaes
em que as instituies so questionadas e colocadas prova por uma
realidade emergente. Momentos que catalisam a atividade re3exiva
dos indi-vduos, os quais so impelidos a encontrar mecanismos que
permitam sair da situao transitria de incerteza e con3ito.
6 De outro modo, nos momentos prticos em que as equivalncias
esto estabelecidas, as pessoas buscam se
distanciar da inquietude provocada pelas crticas, minorando as
diferenas e fechando os olhos para elemen-
tos que podem introduzir incertezas. Nestes momentos reina a
tolerncia sobre tudo aquilo que diferente e
procura-se agir de modo a retardar a disputa tanto quanto
possvel (BOLTANSKI, 2009).
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Nesses momentos estabelece-se um cenrio de disputas em relao
de-nio dos meios que sero utilizados para solucionar os problemas
e, exceo dos contextos de violncia aberta, exige-se um amplo
processo de negociao no qual os atores so obrigados a justicar
publicamente seus interesses. Essas justicaes precisam fundar-se em
princpios legtimos, caso contrrio as es-colhas operadas sero alvo
permanente de novas crticas, at o momento em que um acordo baseado
em princpios de ampla generalidade se imponha. Aqui se dene a
originalidade da economia das convenes ao sustentar que as
justicaes construdas pelos atores devem referir-se a um princpio
superior comum e legtimo. Embora cada ator tenha seus prprios
interesses, ele no pode extrair da uma justicava para que todos
aprovem uma determinada norma ou regra. Os interesses precisam ser
justicados sob outras bases que no aquelas do prprio interesse, ou
seja, fundados em princpios valorativos que remetem a ordens de
grandeza mais amplas, associadas a distintas no-es sobre o que
justo.
O trabalho que se impe, ento, identicar quais so essas ordens de
grandeza. Fundamentando-se em diferentes noes de justia buscadas
nos escritos clssicos da losoa poltica, Boltanski e venot (1991)
propem um modelo fundado em seis cits, ou mundos de justicao, cada
um de-les organizado sob diferentes valores: Inspiracional
(criatividade); Domstico (lealdade/conana); Opinio (reputao); Cvico
(representao); Mercado (competitividade/preo); Industrial
(produtividade/ecincia). Cada um desses princpios constitui uma
gramtica que estrutura o comportamento dos atores e dotado de sua
prpria coerncia e legitimidade. Assim, rompendo com o determinismo
econmico e tecnocrtico que marca grande parte do trabalho de
formulao e avaliao de polticas pblicas pautado pelos trs es dos
manuais de administrao: ecincia, eca e efetividade , estes mundos
so vistos de modo no hierrquico, todos representando formas
igualmente legtimas de justicao.7 Esse pluralismo sugerido pela
economia das convenes oferece uma matriz analtica para compreender
polticas cuja
7 As ordens de grandeza so historicamente construdas e a lista
destes princpios no est fechada (BOLTANSKI; THVENOT, 1991, p. 92).
De fato, muitos dos debates ocorridos no interior da economia das
convenes posteriores ao modelo sugerido em De la Justification
deu-se em torno do reconhecimento de novas ordens de grandeza. Um
verdadeiro movimento foi iniciado procura da stima cit, retomando
os termos de Latour (1995) quando este discute a pertinncia de a
ecologia constituir uma ordem prpria em vista da impossibilidade de
ela ser dissolvida dentro daquelas seis at ento apresentadas.
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legitimidade recai sobre uma complexa conjuno de valores,
abarcando, por exemplo, desde a gerao de emprego e renda, at a
conservao do patrimnio natural e cultural.
Se, por um lado, o modelo sugere evitar a hierarquizao de modo
apriorstico das ordens valorativas (cits), por outro, preciso
reconhecer que as formas de justi!cao que elas engendram convivem
em estado de tenso permanente, umas resistindo a invaso das outras
e tentando impor seu modo de coordenao. As tenses opondo os
projetos pessoais e a necessidade de seguir as regras estabelecidas
por um coletivo (associao, cooperativa) expres-sam di!culdades de
integrao dos mundos domstico e cvico. Por sua vez, o con#ito entre
os mundos domstico e industrial amplamente pronunciado quando da
emergncia de uma poltica de inovao tecnolgica que incre-menta
e!cincia aos processos produtivos mas coloca em risco a reproduo de
populaes tradicionais e de seus costumes e prticas. Em cada poltica
pblica existe uma composio espec!ca de valores legtimos que de!nem
seu modo de coordenao, no interior do qual alguns impem-se perante
os demais. Assim, a hierarquizao dos valores no uma decorrncia da
teoria (rompendo, por exemplo, com o economicismo utilitarista),
mas o resultado do modo como os prprios atores sociais coordenam
suas aes.
A partir dessa construo fundada em princpios valorativos, a
economia das convenes prope uma abordagem institucional que permite
exami-nar a substncia dos laos sociais que unem os atores em redes
(BIGGART; BEAMISH, 2003). Trata-se de uma perspectiva que exige a
anlise de um movimento de generalizao em direo a estruturas ideais
que integrem os ele-mentos valorativos que do sentido ao. Para que
a ao pblica constitua-se de modo perene, preciso que os atores
entrem em acordo sobre um conjunto de normas que de!nem como os
instrumentos sero desenhados. Normas e regras so necessrias porque
elas de!nem uma orientao cognitiva e moral.
Contudo, enquanto para os interacionistas as normas e regras so
o pro-duto (a posteriori) da ao situada, de modo que a coordenao se
estabelece no nvel mais elementar da associao entre atores no
interior da rede social, a economia das convenes acrescenta que as
regras precisam ser interpretadas, de onde advm a necessidade de
ascender s estruturas institucionais mais am-plas que conformam um
quadro valorativo onde os atores buscam ferramentas para
interpret-las (POSTEL; SOBEL, 2006). A construo do modelo de
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mundos de justicao pressupe esse movimento de monte en gnralit
que visa reconhecer ordens de grandeza comuns a partir das quais
pode-se estabelecer parmetros mnimos de coordenao. Neste caso, a
prpria for-mao de uma rede, frum ou arena de poltica pblica,
depende da possibilidade de os atores entrarem em acordo sobre o
que os une (e construir sistemas de classicao).
Nesses termos a questo fundamental passa a ser: como construir
uma abordagem institucional sem ser excessivamente globalizante
perdendo de vista os atores sociais? Como ascender s alturas ideais
dos mundos sem desconsiderar os mecanismos cognitivos menos
diretamente constrangidos por justicaes generalizantes? A resposta
a essas questes desenvolve-se a partir do reconhecimento de um
segundo tipo de pluralismo relacionado aos mltiplos nveis
convencionais existentes entre as formas generalizantes de
coordenao fundadas em valores morais (os mundos) e aqueles
mecanismos mais localizados e personalizados (os dispositivos
cognitivos). Resultado de um aprofundamento analtico mais recente
no interior da abordagem con-vencionalista, esse pluralismo
vertical (os diferentes mundos sendo o hori-zontal) acena
necessidade de reconhecer diferentes graus de generalidade ou
publicidade das convenes. uma tentativa de diferenciar a noo
genrica de conveno, enquanto mundo comum justicado, de formatos
locais de coordenao (THVENOT, 2001).
Aqui busca-se reconhecer que, s formas de coordenao repousando
so-bre princpios gerais de ao, necessrio adicionar formas de
coordenao mais locais, que mobilizam os atores sociais e
encontram-se mais prximas das pessoas (EYMARD-DUVERNAY, 2006). A
questo precisamente articular os dois nveis da coordenao, descendo
at os dispositivos de coordenao particulares a cada contexto ou
grupo social, buscando acercar-se dos aspec-tos mais tcitos ou
informais, e reascender a um plano macro que permita construir uma
abordagem unicada dos dispositivos de coordenao da ao pblica. Este
movimento de circulao entre diferentes nveis de governana traz para
o primeiro plano da anlise uma discusso sobre o papel dos
inter-medirios ou mediadores (BOLTANSKI; CHIAPELO, 1999). So atores
que se encontram de modo cada vez mais evidente em distintos espaos
pbli-cos e os responsveis pelo processo de traduo que deve existir
entre os dispositivos cognitivos e valorativos. Por um lado, eles
trabalham para denir
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entre a abordagem cognitiva e a economia das convenes | Paulo Andr
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uma legitimidade moral s ideias e representaes construdas pelos
atores; por outro, eles conectam os dispositivos valorativos ao
discurso e s prticas efetivamente pronunciados pelas pessoas, as
quais no recorrem necessaria-mente a princpios morais para justicar
condutas e interesses.
4. A abordagem cognitiva de anlise da ao pblica
Diferentemente da economia das convenes, mas no mesmo perodo
histrico, a abordagem cognitiva nasce diretamente associada ao
debate sobre o papel das ideias na construo das polticas pblicas,
as quais, por sua vez, so compreendidas como o resultado de
interaes sociais que do lugar produo de representaes comuns. Como
arma Surel (2000), as polticas pblicas so analisadas como um
constructo derivado das crenas compar-tilhadas por um conjunto de
atores pblicos e privados, as quais denem a maneira como estes
interpretam e concebem respostas para os problemas pblicos.
Atualmente, a abordagem cognitiva vem sendo discutida com maior
n-fase em pases como Frana, Estados Unidos e Inglaterra, mas a
partir de noes distintas. Tal qual a economia das convenes, longe
de con$uir para uma perspectiva unicada, a abordagem cognitiva
comporta diferentes in-terpretaes. A unidade terica provm da
centralidade conferida s ideias, mas, para alm disso, o que se nota
uma proliferao de noes e categorias analticas que incluem distintas
terminologias: referencial, frum, arena, pa-radigma, sistema de
crenas, narrativas, discursos etc.
No seio deste conjunto heterodoxo, a perspectiva que enfatiza a
noo de referencial ganhou certo destaque. Desenvolvida por Jobert e
Muller (1987), ela dene as polticas pblicas como processos por meio
dos quais so elaboradas representaes coletivas para compreender e
agir sobre o real. Em outras palavras, a elaborao de uma poltica
pblica envolve a construo de uma representao da realidade sobre a
qual se intervm e, por meio desta imagem denominada referencial de
poltica pblica, os atores interpretam os problemas, confrontam
possveis solues e denem suas aes.8
8 Para Jobert e Muller (1987), o referencial de uma poltica
pblica pode decompor-se em dois elementos:
referencial global e referencial setorial. O referencial global
refere-se a um quadro geral de interpretao do
mundo, superando os limites de um setor, de um domnio ou de uma
poltica. Trata-se da [...] representao
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Jobert (1992) concebe os referenciais a partir de trs dimenses:
cogniti-va fornece os elementos de interpretao causal dos
problemas; normativa de$ne os valores que so necessrios respeitar
para o tratamento do proble-ma; e instrumental de$ne os princpios
de ao. Por sua vez, Muller (2008) de$ne a construo de um
referencial a partir da articulao de quatro nveis integrados de
percepo do mundo: a) os valores, vistos como representaes mais
amplas e fundamentais sobre o que bom ou mau; b) as normas
esta-belecidas entre o real observado e o real desejado, de$nindo
os princpios de ao mais que os valores; c) os algoritmos
concernentes s relaes causais que exprimem uma teoria da ao e; d)
as imagens, que so elementos cognitivos que fazem sentido
imediatamente e representam simpli$cadamente os vetores dos
valores, normas e algoritmos. Para ambos os autores, nota-se que o
papel conferido aos valores transparece em um nvel superior de
composio dos referenciais.
Os referenciais construdos pelos atores em um jogo de dominao e
dis-putas tomam a forma de verdades, mais difceis de serem
contestadas na medida em que se revelam e$cazes para dar sentido ao
mundo vivido pelos agentes (MULLER, 2005). Essas matrizes
cognitivas e valorativas tendem a autonomizar-se em relao ao seu
processo de construo e a impor-se aos atores como modelos
dominantes de interpretao do mundo. Os referencias so,
simultaneamente, constrangimentos estruturais e o resultado do
trabalho sobre os sentidos efetuados pelos atores.
Em estreita relao com a perspectiva dos referenciais, mais
recentemen-te outra vertente vem discutindo o papel das ideias a
partir das noes de frum e arena de polticas pblicas. Inicialmente
proposta pelo prprio Jobert (1995; 1994; 1992) em resposta s
crticas dirigidas ao livro Ltat en
que uma sociedade faz da sua relao com o mundo em um momento
dado (MULLER, 2008, p. 65) e em
torno desta representao geral que sero hierarquizadas as
diferentes representaes setoriais. O referencial
setorial diz respeito s representaes de um setor, entendido,
segundo Muller (2005), como uma estrutura
vertical de papis sociais que congrega regras de funcionamento,
elabora normas e valores especficos e de-
limita suas fronteiras. De modo simplificado, um setor formado
por um conjunto de problemas associados
de maneira mais ou menos institucionalizadas a certas populaes.
Ambos, referencial setorial e referencial
global, encontram-se articulados ou tensionados para que assim
seja. Para os autores desta perspectiva, as
mudanas ou a construo de uma nova poltica pblica so resultados
de alteraes no referencial setorial
no sentido de ajust-lo ao referencial global. Realizando as
operaes de confluncia global/setorial e me-
diando as relaes de poder encontram-se mediadores que conectam
dois espaos de ao e de produo de
sentidos para construir o referencial da poltica pblica (MULLER,
2005).
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action (obra anterior escrita com Pierre Muller), e, mais
recentemente, capi-taneada por ve Fouilleux (2011; 2003; 2000),
essa vertente passa a integrar um conjunto de novos
desenvolvimentos analticos no interior da abordagem cognitiva.
Neste caso, as pesquisas voltam-se compreenso das modalidades de
produo das ideias e sua emergncia no debate como receitas de ao
p-blica (FOUILLEUX, 2000). As ideias sero entendidas como
designando um conjunto de representaes, grades de anlise e esquemas
de interpreta-o diversos que fazem sentido atravs da sua encarnao
em comunidades de atores especcos (FOUILLEUX, 2000, p. 278). Ao
centrar-se nas ideias encarnadas em comunidades de atores9, essa
perspectiva busca uma articu-lao entre ideias, instituies e
interesses, dimenses at ento analisadas se-paradamente e pouco
integradas abordagem cognitiva. Compreende-se que os interesses so
construes sociais que mobilizam crenas e representaes acerca do
mundo, de modo que para defend-los necessrio criar represen-taes
sobre o objeto, executar operaes intelectuais de decodicao e
recodi-cao da realidade, acionando ideias e sistemas de cognio
(JOBERT, 2004; FOUILLEUX, 2003). Por sua vez, as instituies so
apreendidas como qua-dros normativos que enquadram as interaes
sociais. Isso inclui desde o arranjo formal que dene o sistema
poltico (constituio, leis, ministrios) at os pr-prios instrumentos
da poltica pblica (normas, manuais, formas de conduta).
No que tange ao conceito que conforma a pedra fundamental dessa
ar-ticulao analtica, frum denido como um espao mais ou menos
insti-tucionalizado e especializado, regidos por regras e dinmicas
especcas, no qual um grupo de atores debate diferentes vises de
mundo (FOUILLEUX, 2009). Existem duas categorias de frum: frum de
produo de ideias e frum de comunidades de poltica pblica.
O primeiro so espaos onde so conformadas diferentes representaes
sobre as polticas, as quais variam segundo interesses, identidades,
relaes
9 A noo de comunidade de poltica pblica compreendida aqui de
modo distinto daquele como alguns auto-
res a empregam na abordagem de redes de poltica pblica. Para
esses atores, a comunidade caracteriza-se por
um nmero limitado de participantes que partilham a mesma
ideologia, valores e preferncias. Ademais, essa
perspectiva pressupe uma interao frequente e intensa entre todos
os membros da comunidade, os quais
possuem recursos similares, ocasionando um equilbrio de foras
(ROMANO, 2009; MULLER, 2007). De outro
modo, para Fouilleux (2003), a noo de frum sugere uma composio
mais hbrida em que os interesses, as
representaes e os valores no so necessariamente similares.
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de poder e institucionalidades especcos. Alm das ideias
manipuladas e produzidas sobre uma mesma poltica diferirem nesses
espaos, tambm so distintos os critrios de aceitabilidade e coerncia
dos discursos, bem como a evoluo das controvrsias e disputas. Para
ilustrar, cita-se o trabalho de Jobert (1994) que identicou a
inuncia de dois fruns de produo de ideias (o frum cientco e o frum
da comunicao poltica) na expanso do neo-liberalismo na Europa.J
Fouilleux (2003), estudando as reformas da Poltica Agrcola Comum no
contexto europeu, evidenciou a inuncia de quatro fruns de produo de
ideias: frum cientco, frum da comunicao poltica, frum dos
prossionais agrcolas e frum ambiental. Por sua vez, Grisa (2012)
observou a inuncia de cinco fruns de produo de ideias na construo
de um conjunto de polticas para a agricultura familiar no Brasil:
frum da comunicao poltica, frum cientco, frum da segurana alimentar
e nu-tricional, frum da agricultura familiar e frum agroecolgico.
Cada frum de produo de ideias agrega atores que atuam mais ou menos
no mesmo campo de atividades, como, por exemplo, no governo ou em
organizaes de agricultores, ou ainda em centros de pesquisa e
ensino.
Os fruns de produo de ideias seguem dinmicas diferenciadas e
apre-sentam referenciais centrais distintos. Referencial central
diz respeito ao conjunto de ideias e representaes especcas que so
dominantes em um dado frum de produo de ideias, o qual dene os
objetivos, enquadra os de-bates, assegura uma relativa estabilidade
nas trocas e permite aos atores situa-rem-se e identicarem-se
(FOUILLEUX, 2000). Todavia, a construo de um referencial central no
impede a existncia de vozes dissidentes que o recusam e o desaam,
de modo que uma dinmica de crtica e contestao pode levar
desestabilizao das ideias institucionalizadas.10 Esses momentos
crticos podem vir tona em uma eleio governamental, na escolha de um
novo representante da categoria sindical ou em uma revoluo
paradigmtica no frum cientco. Cabe notar, contudo, que a
controvrsia presente nos fruns de produo de ideias somente ameaa a
estabilidade do referencial central
10 Fouilleux (2000) alude que a dinmica de construo do
referencial central nos fruns de produo de ideias
do tipo traducional, conforme prope a sociologia de Michel
Callon. Neste processo, h a designao
de um grupo de atores como porta-vozes legtimos do frum e a
imposio de suas ideias como referencial
dominante. Os porta-vozes so legitimados para emitirem suas
prprias vises de mundo ao exterior como se
fossem aquelas do prprio frum.
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quando os atores dissidentes, antes marginais, adquirirem
condies que lhes permitam colocar em questo o referencial dominante
(alianas no interior e exterior do frum de produo de ideias,
reconhecimento e apoio da opinio pblica, relao com o governo, apoio
de organizaes da sociedade civil etc.).
Por sua vez, o frum de comunidades de poltica pblica espao de
encon-tro e discusso dos porta-vozes dos diferentes fruns de produo
de ideias, onde h a reutilizao, seleo e institucionalizao das
ideias produzidas por estes, convertendo-as em instrumentos de
poltica pblica. Enquanto nos f-runs de produo de ideias os atores
so relativamente homogneos em ter-mos de campo de atividade em que
atuam e as representaes convergem com maior facilidade, no frum de
comunidades de poltica pblica a heteroge-neidade torna-se a marca
mais expressiva (polticos, intelectuais, pro%ssionais,
administradores pblicos, cientistas etc.), tornando inteligvel a
heterogenei-dade das representaes em torno de uma poltica pblica
(FOUILLEUX, 2000). Assim, existe um processo de circulao de ideias
dos diferentes fruns de produo de ideias para o frum de comunidades
de poltica pblica, consti-tuindo etapas sucessivas em presena de
atores distintos.
Uma vez institucionalizadas em polticas, as ideias passam a
repercutir nos fruns de produo de ideias, in&uenciando e
reorientando o debate. Desse modo, os instrumentos da poltica
pblica so dispositivos sociotcnicos que organizam as relaes sociais
entre o poder pblico e os bene%cirios da po-ltica em funo das
representaes e signi%cados que portam, in&uenciando as ideias e
interesses (LASCOUMES; LE GALS, 2004). Esses instrumentos no so
neutros. Eles portam valores alimentados por interpretaes do social
e concepes precisas do problema visado, enquadrando e nutrindo as
inte-raes sociais. Trata-se do efeito feedback das polticas pblicas
(PIERSON, 2006).
A in&uncia de cada frum de produo de ideias na construo de
uma poltica pblica depende de sua dinmica de funcionamento e dos
recursos que ele possui para impor suas ideias. Por exemplo, a
ligao entre o frum da comunicao poltica e o frum de comunidades de
poltica pblica for-temente institucionalizada. Uma vez que um
partido ou coalizo domine o processo de traduo no frum da comunicao
poltica (eleio), ele com-pe automaticamente o frum de comunidades
de poltica pblica e passa a ser responsvel (juntamente com os
gestores e tcnicos administrativos) por
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construir um compromisso entre os atores que participam deste
espao. As-sim, as ideias contidas nos programas eleitorais so
diretamente importadas para o frum de comunidades de poltica pblica
(no dependem de trocas polticas como nos demais fruns).11
A atividade principal do frum de comunidades de poltica pblica a
produo de suas prprias instituies, especialmente a poltica pblica
(FOUILLEUX, 2000). A produo de uma poltica pblica envolve a
constru-o de um referencial que a materializao das ideias (e
valores) em instrumen-tos de poltica. Este referencial tambm pode
ser considerado um referencial central, como aludido acima,
todavia, neste caso, trata-se de um referencial hbrido, cujos
sistemas de representao que o constituem so oriundos de diferentes
fruns de produo de ideias. Nas palavras de Fouilleux (2000, p.
289), o referencial central da poltica pblica de#nido como
resultante de uma controvrsia que empresta e reutiliza as ideias
oriundas dos deba-tes travados por referenciais de natureza
diferentes. Longe de uma coerncia perfeita, o referencial permite
explicar a heterogeneidade e as contradies internas que sero
encontradas em uma poltica pblica.
No frum de comunidades de poltica pblica, a dinmica segue a
pro-cura por um modo de de#nio da realidade social no qual seja
possvel obter um compromisso entre as partes envolvidas para a
elaborao da poltica pblica. Enquanto os atores aderirem ao
compromisso formado, a poltica pblica segue seu curso normal
(Surel,1995), no sendo questionada ou al-terada em grandes
propores. Todavia, quando esse compromisso ameaa-do, o frum muda de
con#gurao e ingressa em uma fase instvel de renego-ciao do
compromisso institucionalizado (momento crtico) onde o debate
torna-se visvel ao grande pblico, ainda que no seja facilmente
inteligvel (FOUILLEUX, 2000).
11 Todavia, isso no significa a institucionalizao direta destas
ideias, o que depende dos acordos estabelecidos
com os porta-vozes dos demais fruns de produo de ideias em busca
da construo de um compromisso
entre interesses e concepes heterogneas. A interface entre o
frum da agricultura familiar e o frum de
comunidades de poltica pblica permeada por trocas polticas e
negociaes tensas entre a manuteno
da ordem social, reconhecimento de porta-voz e a elaborao de
polticas pblicas, sobretudo distributivas
e redistributivas. J a ligao do frum de comunidades de poltica
pblica com o frum cientfico, outro
exemplo, envolve demandas de anlises cientficas concernentes
relao entre Estado, sociedade e polticas
pblicas, em troca de retribuies financeiras e simblicas aos
experts.
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Ideias e valores: a anlise da ao pblica a partir das interfaces
entre a abordagem cognitiva e a economia das convenes | Paulo Andr
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A vida de um frum de comunidades de poltica pblica ritmada pela
alternncia entre fases de estabilidade e conjunturas crticas,
constituindo dois tipos de dinmicas: a) uma congurao frum quando a
controvrsia colo-cada em latncia e h a produo rotineira da poltica
pblica, com mudanas marginais e incrementais que no questionam a
economia geral do compro-misso e; b) uma congurao arena quando o
compromisso colocado em xeque e as controvrsias so expostas
(conjuntura crtica do frum). Nesse caso, a instabilidade
institucional mais suscetvel de traduzir-se em mudan-as de
magnitudes maiores ou na criao de uma nova poltica pblica. A
estabilidade retomada somente quando h a renovao ou a criao de um
novo compromisso.
A crise no frum de comunidades de poltica pblica pode ter origem
seja na tentativa de um ator aumentar seu poder e/ou sua
legitimidade modi-cando o compromisso (estratgia ofensiva); seja na
vontade de um ator mo-dicar o compromisso para conservar sua
legitimidade (estratgia defensiva); ou ainda com a chegada de um
ator reivindicando o direito de participar da elaborao da poltica
pblica (outro caso ofensivo). Se o compromisso entre os atores no
pode ser renovado em decorrncia da crise, as trocas polticas e a
legitimidade dos atores detentores de poder cam ameaadas. A crise
termina quando se estabelece uma nova situao de estabilidade
satisfatria do ponto de vista da repartio dos recursos e da
legitimidade de cada um dos atores em funo das relaes de fora
existentes.
5. Integrando ideias e valores anlise da ao pblica
Como visto acima, o programa fundador da teoria convencionalista
for-mou-se em torno de uma noo de conveno concebida como
dispositivo cognitivo coletivo. Contudo, o desdobramento das
discusses incitou um afastamento dessa compreenso que imputava uma
referncia ao indivi-dualismo metodolgico para armar o papel
determinante dos valores na congurao de racionalidades cada vez
mais interpretativas do que cognitivas (CAILL, 2006).12 Esse
deslocamento do cognitivo em direo ao valorativo
12 imprescindvel referir aqui o vnculo estreito que essa mudana
de enfoque da escola convencionalista de um individualismo
metodolgico para uma compreenso da ao socialmente situada possui
com os des-dobramentos tericos do interacionismo simblico e da
etnometodologia, os quais estiveram na base da pers-pectiva
pragmatista assumida pela sociologia das convenes (JOAS, 1993). A
defesa de uma racionalidade
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foi analisado por Boyer (2006), para quem a priorizao da esfera
dos julga-mentos de valor torna o ator social da economia das
convenes um sujeito moral que busca nos valores a legitimao dos
mecanismos de coordenao (normas, regras, leis e instrumentos). De
fato, parte considervel da contri-buio aportada economia das
convenes pelo Grupo de Sociologia Poltica e Moral (GSPM-EHESS)
insere-se neste esforo de compreender como os valores medeiam e
justicam representaes cognitivas.
No entanto, esse movimento de generalizao em direo aos valores
pode tornar ininteligveis as formas de coordenao mais prximas aos
atores. Como armam Bessy e Favereau (2003, p. 131), h uma preocupao
de ascenso em generalidade e publicidade na argumentao ao nvel das
ci-ts que no se reencontrar necessariamente ao nvel das convenes
que permitiro administrar um problema local. Em outras palavras,
frequente-mente a priorizao dos componentes valorativos e
interpretativos desvia a preocupao da economia convencionalista dos
dispositivos cognitivos (ideias e representaes) que estruturam
sentidos mais prximos realidade dos in-divduos implicados na ao
pblica.
De outro modo, a abordagem cognitiva procura integrar as ideias
a um conjunto de princpios gerais que constituem uma estrutura de
referncia para a ao pblica. Ademais, a anlise da dinmica dos fruns
tambm busca des-velar a interconexo entre ideias e interesses,
denindo uma dinmica de con-%ito social diferente daquela que
focaliza a economia das convenes. Aqui necessrio um parntese para
tratar especicamente da questo dos interesses e do con%ito
concernente ao pblica.
Para muitos crticos, a concepo de sujeito moral defendida pela
econo-mia das convenes retrata sua incapacidade de analisar as
relaes de fora e os diferenciais de poder entre os agentes, o que,
enm, expressaria uma espcie de preferncia pelo consenso vis--vis a
lgica do con%ito (AMABLE; PALOMBARINI, 2005; LIVIAN; HERREROS,
1994; RAMAUX, 1996; PERIN, 2005). De fato, o tipo de con%ito
abordado pela economia das con-venes no diz respeito aos interesses
dos atores e grupos sociais em luta dentro de um determinado frum
ou arena. Trata-se de um tipo especco de
situada (THVENOT, 1989) e interpretativa (BATIFOULIER; LARQUIER,
2001) particularmente subsidiria dos estudos de Herbert Blumer
acerca da racionalidade contextual do ator social.
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Ideias e valores: a anlise da ao pblica a partir das interfaces
entre a abordagem cognitiva e a economia das convenes | Paulo Andr
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disputa que diz respeito s formas de justicao utilizadas pelos
atores para legitimar suas aes. Um conito que se processa em um
ambiente institucio-nal que no de guerra e, portanto, que deve ser
negociado. Em ltima anli-se, um conito que se desenvolve com vistas
produo de compromissos, ou seja, de um tipo especco de acordo
valorativo.13
Isso no signica negligenciar a existncia de outras formas de
conito, mas reconhecer a possibilidade de analisar uma categoria
especca. Para Bessis (2007, p. 3), essa compreenso no exclui a
busca do agente por seu interesse pessoal, mas lhe acrescenta um
senso de justia. De acordo com o autor, no se trata de subsituir o
interesse pela procura altrusta do bem comum, mas in-tegr-lo dentro
de uma explicao mais abrangente que reconhece outras lgi-cas de ao.
A inovao radical da proposta convencionalista o imperativo de
interpretao e justicao dos interesses. Ainda que os atores persigam
seus interesses, a constituio de um acordo obriga-os a justicar
suas prticas com base em princpios valorativos. No lugar de seres
transparentes ou de seres re-duzidos aos interesses, dos quais eles
eram julgados ser a expresso transgurada, os valores morais voltam
diante da cena sociolgica como motivos das aes desenvolvidas pelas
pessoas (BOLTANSKI, 2002, p. 282).
Compreender os conitos entre diferentes princpios normativos no
ex-clui, todavia, a tarefa de interpretar as disputas que se
processam em outros nveis, como aquele das ideias e representaes.
Como sugere a Fig. 01, as interfaces analticas entre as abordagens
convencionalista e cognitiva possibili-tam uma complementaridade
entre nveis de coordenao. Esta permite uma aproximao s lgicas de ao
mais prximas aos atores, acercando-se das re-presentaes sociais que
estes desenvolvem para dar sentido aos seus discursos e prticas.
Aquela revela que as representaes socialmente situadas necessitam
de uma estrutura mais ampla que lhes d sentido, os valores. Com
isso a teoria das convenes confere um suporte normativo que, apesar
de reconhecido
13 preciso aludir que, aqui, o foco direciona-se aos regimes de
justificao, os quais requerem um espao pblico de contestao e
crtica. No entanto, existem mundos de ao (CORCUFF, 2001) onde a
lgica distinta, podendo constiturem-se estados de amor (regimes de
violncia ou agpe) ou formas de coordenao baseados em convenincias
pessoais ou utilizao convencional (THVENOT, 2001). Nestes casos, no
existe uma dinmica de crtica que d acesso aos valores morais que as
pessoas reclamam para justificar suas aes com base em princpios
comuns. Particularmente em regimes de extrema violncia, onde a
crtica pra-ticamente impossvel, as justificaes desaparecem, assim
como a dinmica da construo de compromissos (BOLTANSKI, 2002).
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pelos autores da abordagem cognitiva, raramente incorporado de
maneira efetiva anlise. Por m, interligando os dois nveis existe um
conjunto de mediadores responsveis pelos processos de traduo. Esses
mediadores de-sempenham um papel fundamental na denio das normas,
regras, leis e instrumentos, associando-os s estruturas cognitivas
e valorativas.
Figura 1 - Nveis de coordenao da ao pblica
Fonte: Elaborada pelos autores.
A formao desse corpo analtico incorre na necessidade de ajustes
con-ceituais de categorias que parecem caminhar umas de encontro s
outras. A primeira referncia neste sentido diz respeito ao modo
como a proposta de Fouilleux (2003) concebe as ideias como
representaes encarnadas nos atores, ao passo que a economia das
convenes assume que os indivduos movem-se entre diferentes valores.
No primeiro caso, as ideias pertencem aos atores de modo que h uma
identidade mais ou menos estvel entre as repre-sentaes e os
interesses. No segundo, assume-se que o mesmo ator, em difer-entes
circunstncias, pode mobilizar valores distintos para justicar o
mesmo interesse. Assim, para a economia das convenes, observando o
encadea-mento de sequncias de ao que se pode observar a passagem de
um regime de justicao para outro (DODIER, 1991).
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A nosso ver, contudo, alguns constrangimentos devem pesar sobre
essa mo-vimentao dos atores. O mesmo ator no pode circular
ininterruptamente en-tre os mais diferentes princpios de justicao
sem que isso lhe acarrete algum custo, fragilizando sua posio e
legitimidade perante os demais sobretudo se considerarmos a presena
simultnea do mesmo ator em diferentes fruns de produo de polticas,
inclusive cruzando as fronteiras entre estado e sociedade civil.
Aqui a noo de frum, que ambas as abordagens compartilham com a
sociologia do ator-rede de Callon, congura uma categoria
fundamental porque tambm dene as rotas pelas quais os atores podem
se movimentar. Cada frum composto por uma institucionalidade prpria
que estabelece condies mni-mas para a circulao dos atores
(FOUILLEUX, 2009).
A noo de frum delimita com mais clareza a posio dos atores na
rede de poltica pblica. Os diferentes princpios cognitivos e
normativos que regem a formao dos fruns podem ser considerados a
substncia que dene o formato das redes, explicando a formao de
comunidades (cliques) no interior desta, assim como a presena de
buracos estruturais que isolam certos atores (BURT, 1992). O frum a
ferramenta analtica que permite es-tabilizar uma determinada
conformao da rede para que o pesquisador possa observ-la. Eles
denem uma espcie de entrave livre circulao dos atores, reclamando
certo engajamento, mesmo que parcial e temporrio.
Entretanto, a abordagem cognitiva ainda tem conferido poucas
explica-es para as conexes entre os diferentes fruns de produo de
ideias e ao pro-cesso de traduo que pode haver diretamente de um
frum para outro, sem a intermediao do frum de comunidades de
poltica pblica, onde todos os mediadores relevantes encontram-se. A
rede til nesse caso para dinamizar a circulao de atores, ideias e
valores entre os fruns de produo de ideias. Por sua vez, o conceito
de arena sublinha uma dinmica especca de crtica e contestao que, em
determinados momentos, emerge no interior do frum de comunidades de
poltica pblica. A congurao de arena assume, portan-to, um sentido
muito prximo quele de momento crtico sublinhado por Boltanski
(2009), mas aplicado especicamente dinmica deste frum.
Uma segunda questo analtica diz respeito formao do referencial
central nos fruns de produo de ideias. Anal, o que faz com que uma
ideia seja prevalecente dentro de um frum de produo de ideias? O
foco da abordagem cognitiva volta-se fundamentalmente aos
diferenciais de recurso e
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poder entre os atores. Uma representao impe-se face s demais e
conforma o referencial central da poltica pblica porque os atores
(ou coalizo de ato-res) que a sustentam possuem maior acesso a
recursos materiais e discursivos. Sem negar a importncia desse
diferencial, a economia das convenes acres-centa outro argumento:
em que pese importncia dos recursos mobilizados para fazer
prevalecer uma representao, ela somente pode estabilizar-se se for
considerada legtima pelo conjunto dos atores que participam do
frum. Essa legitimidade depende de sua inscrio em um princpio de
justia.
Finalmente, aqui reside uma contribuio fundamental para pensar a
l-gica dos compromissos, termo invocado pelas duas abordagens. Na
aborda-gem cognitiva, um compromisso sugere um acordo no curso de
um processo de trocas polticas entre atores sociais com interesses
e representaes disso-nantes. Esse compromisso a pea angular para a
estabilizao de normas e regras e, portanto, para a
institucionalizao das ideias em polticas pblicas. No entanto, essa
abordagem pouco diz sobre as condies para que esse com-promisso
seja formado, exceto que ele envolve trocas polticas entre os fruns
de produo de ideias e o frum de comunidades de poltica pblica, em
que os atores, para fazer prevalecer determinada ideia, tambm
precisam ceder face aos interesses dos demais.
De outro modo, para a economia das convenes, compromissos so
composies especcas que emergem do encontro de diferentes ordens de
grandeza valorativas. Trata-se de uma chave de leitura que permite
interpretar a formao de arranjos convencionais hbridos, nos quais
valores, interesses e atores aparentemente irreconciliveis so
dispostos de maneira relativamen-te ordenada. Dois tipos de
compromissos podem ser distinguidos. Primeiro, uma espcie de
compromisso proibitivo que designa um tipo de composio entre
diferentes ordens de grandeza que procura suspender as controvrsias
sem resolv-las. Os atores buscam um acordo que lhes permita evitar
os ob-jetos que postulam diferena (determinados artigos de uma lei
ou condies para acesso a recursos pblico). Nesse caso, contudo, no
se trata exatamente de um dilogo entre percepes heterclitas, mas da
suspenso temporria do elemento de conito.
O segundo tipo de compromisso diz respeito construo de um
arranjo em que o objeto se referencia a um novo princpio comum at
ento no espe-cicado. Nesse caso, o compromisso sugere a
eventualidade de um princpio
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capaz de tornar compatvel julgamentos que se apoiam em objetos
prove-nientes de mundos diferentes (BOLTANSKI; THVENOT, 1991, p.
338). A construo de um novo programa ou poltica pblica somente
possvel na medida em que concilie, por exemplo, gerao de renda (cit
mercantil) e conservao dos recursos naturais (cit ecolgica). Caso a
poltica no esteja em conformidade com ambos os valores,
desencadeia-se um movimento de crtica que pode levar sua reformulao
ou extino.
Contudo, uma vez que esse tipo de compromisso constitutivo no se
vincula a nenhum valor espec#co, ele mais facilmente passvel de
de-nunciao. Para que ele se estabilize necessrio dot-lo de uma
identidade prpria, de modo que sua forma no seja mais reconhecvel
se substrarmos dele um ou outro dos elementos de origem diferentes
dos quais ele se consti-tuiu (BOLTANSKI; THVENOT, 1991, p. 339).
Seja como for, esse tipo de compromisso fundamental para compor uma
dinmica de formao de projetos (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999), os
quais emergem como uma composio espec#ca unindo atores, interesses
e valores diferentes em torno de um objetivo comum. O projeto
uni#ca os atores dentro dos fruns e confere maior capacidade para
estes liderarem a construo dos referenciais hegemnicos que nortearo
a poltica.
6. Um modelo analtico para a poltica de desenvolvimento
territorial: apontamentos para uma agenda de pesquisa
A partir dos elementos tericos acima elencados, esta seo #naliza
o ar-tigo discutindo a construo de um modelo para anlise da poltica
de de-senvolvimento territorial no Brasil. A escolha desta poltica
deriva tanto das caractersticas inerentes mesma as quais fazem dela
um dos principais exemplos do novo formato intersetorial e
descentralizado de ao pblica , quanto do acmulo emprico proveniente
de pesquisas que esto sendo con-duzidas pelos autores em diferentes
territrios rurais. Neste artigo d-se prefe-rncia a uma anlise
integrada do modelo analtico que orienta uma agenda de pesquisa
voltada no apenas para a poltica territorial, mas para um leque
mais amplo de polticas pblicas, apontando para elementos que ainda
devero ser cotejados luz dos estudos de caso.
Dentre o conjunto de mudanas que o Brasil experimenta no modo de
conduo das polticas pblicas, pode-se destacar que, cada vez mais,
essas
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so o resultado de um processo complexo, fragmentado e
policntrico de
ao pblica, envolvendo uma ampla pluralidade de atores (GRISA,
2012;
MASSARDIER, 2011). Este o caso do processo de implementao das
po-
lticas de desenvolvimento territorial, particularmente do
Programa Nacio-
nal de Desenvolvimento Sustentvel dos Territrios Rurais (PRONAT)
e do
Programa Territrios da Cidadania (PTC), os quais representam as
principais
experincias brasileiras de ao pblica sustentadas por um enfoque
territorial
de desenvolvimento.
Criado em 2003, o PRONAT tem sua origem relacionada s
limitaes
do PRONAF Infraestrutura como catalisador de estratgias de
desenvolvi-
mento dos espaos rurais, uma vez que este se restringia aos
recortes admi-
nistrativos municipais. Direcionado a agricultores familiares,
povos e comu-
nidades tradicionais, o PRONAT incita esses atores a estruturar
projetos com
enfoque territorial. Coordenado pelo Ministrio do
Desenvolvimento Agr-
rio, o programa visa elaborao de projetos coletivos a partir da
mobilizao
e da formao de acordos entre atores locais situados em
diferentes fruns.
Alm da construo de compromissos entre distintas representaes do
terri-
trio e do processo de desenvolvimento, os projetos pautam-se
pela formao
de novas institucionalidades e espaos pblicos, os quais devem
promover a
participao cidad (colegiados territoriais, regras de participao
dos repre-
sentantes da sociedade civil e atores governamentais, regimento
interno dos
colegiados, normas para o acesso aos recursos etc.).
Por sua vez, o PTC foi criado em 2008 como um desdobramento da
ex-
perincia do PRONAT. O Programa articula um amplo conjunto de
polticas
pblicas, articulando e concentrando aes de 22 ministrios nos 120
Territ-
rios da Cidadania distribudos entre as diferentes regies
brasileiras. Trata-se
de um dispositivo objetivando a concentrao e articulao de
polticas p-
blicas setoriais em determinados recortes territoriais (BONNAL;
KATO,
2011, p. 71). Mesmo apresentando uma dinmica mais top-down que
seu pre-
decessor, o PTC organiza-se a partir de institucionalidades
similares quelas
do PRONAT, exigindo, contudo, um exerccio mais evidente de
multidimen-
sionalidade e intersetorialidade. Isso particularmente evidente
na ampliao
dos espaos de negociao, que passam a abarcar outros fruns de
produo
de ideias presentes nas instncias territoriais (BONNAL; KATO,
2011).
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A poltica de desenvolvimento territorial sugere a emergncia de
uma nova forma de governana condizente com a necessidade de ampliao
da interlo-cuo entre atores de diferentes fruns de produo e
institucionalizao de ideias (LEITE et al., 2010; FAVARETO, 2010;
ARAJO, 2010; DELGADO; LEITE, 2011). O modelo de governana
pressuposto expresso paradigm-tica do modo como as aes pblicas
passam a integrar e corresponsabilizar Estado e sociedade civil na
gesto dos problemas pblicos, envolvendo trs aspectos principais: a
formao e estabilizao de redes heterogneas de atores sociais
(gestores, agricultores, tcnicos, pesquisadores, prefeitos,
vereadores, pequenos empresrios etc.); a constituio de espaos
pblicos onde esses atores confrontam ideias e valores com vistas a
formar novos compromissos (sobretudo nos Colegiados Territoriais);
uma nova institucionalidade que re-gula as formas emergentes de
relaes polticas (normas para transferncia de recursos pblicos aos
territrios; recomendao de paridade entre governo e sociedade civil
nos colegiados territoriais).
Os inmeros estudos realizados sobre a poltica territorial no
Brasil (MIRANDA; TIBRCIO, 2011; PERICO, 2009; BONNAL; MALUF, 2009;
FAVARETO, 2010; ARAJO, 2010; DELGADO; LEITE, 2011) permitem propor
uma sntese preliminar correspondente ao formato de ao pblica
en-contrado nos territrios, ainda que inmeras variaes apresentem-se
em cada contexto especco (organizao das redes; nmero e composio dos
fruns de produo de ideias; participao e a atuao diferenciada entre
esses fruns; mecanismos de interao entre os mesmos etc.).
Representada pelo modelo pro-posto na Fig. 2, essa sntese sugere a
existncia de, pelo menos, cinco fruns principais envolvidos no
processo de produo de ideias: a) Frum da Comuni-cao Poltica,
formado pelos representantes dos poderes pblicos municipais,
estaduais e federal (prefeitos, vereadores, secretrios etc.); b)
Frum da Agroeco-logia, formado por representantes de movimentos e
entidades que participam da discusso e propem novos modelos de
agricultura de base ecolgica; c) Frum da Agricultura Familiar,
composto pelos membros dos sindicatos e movimentos representativos
dos distintos segmentos que compem essa categoria social; d) Frum
da Segurana Alimentar, conformado por organizaes partcipes dos
debates sobre os temas da fome e segurana alimentar e nutricional;
e) Frum Cientco, formado por pesquisadores e professores que
contribuem formu-lao das polticas territoriais. A presena, o nmero,
os limites e a composio destes fruns variam de um territrio para o
outro, assim como novos fruns podem surgir aglutinando outros
atores.
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Figura 2 Um modelo de ao pblica na poltica de desenvolvimento
territorial.
De modo geral, nota-se uma participao preponderante dos
represen-tantes do frum da agricultura familiar e da comunicao
poltica nas dis-cusses territoriais, o que confere um vis rural e
agrcola aos projetos de desenvolvimento (TECCHIO, 2012; BONNAL,
DELGADO, CAZELLA, 2011; DELGADO E LEITE, 2011). Em vrias situaes,
isso decorrncia de constrangimentos institucionais que criam
obstculos expanso da rede social, limitando a participao de atores
que poderiam desestabilizar os com-promissos j constitudos no
interior dos fruns. Com isso, ao mesmo tempo que se garante
estabilidade para a rede social, coloca-se em xeque a participa-o
efetiva de novos atores e, mesmo aps a criao do PTC, a estrutura de
governana muito prxima quela encontrada no PRONAT, limitando o
nmero de fruns e perpetuando o vis agrcola das estratgias de
desenvolvi-mento (BRASIL, 2010). verdade que, em alguns territrios,
a emergncia do PTC provocou mudanas na gesto social dos territrios
e proporcionou maior visibilidade e participao a atores outrora
invisveis, como os ind-genas, quilombolas, mulheres e jovens.
Todavia, a multidimensionalidade e a articulao e institucionalizao
de ideias setoriais constituem ainda desaos importantes.
Figura 2 Um modelo de ao pblica na poltica de desenvolvimento
territorial.
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No que tange construo de uma agenda de pesquisa sobre a poltica
territorial, uma anlise dessas estruturas de governana conectada
dinmica dos territrios deve atentar a um conjunto de questes
basilares compreen-so das interfaces entre atores e instituies. O
foco volta-se evoluo tem-poral dos elementos constituintes da ao
pblica: Quais atores ou fruns de produo de ideias participam da
construo da poltica territorial? Como eles interagem? Quais ideias
e valores so prevalecentes no interior desses fruns? Como essas
ideias e valores evoluram ao longo do tempo? Como os fruns dialogam
entre si? Quais atores capitaneiam os processos de traduo
exis-tentes entre os fruns? Quem so os porta-vozes que participam
do frum de comunidades de polticas pblicas? Como esses mediadores
traduzem as ideias entre os fruns de produo de ideias e o frum de
comunidades de poltica pblica? Qual institucionalidade (normas,
regras, convenes, cdigos) regula o funcionamento desses diferentes
fruns de produo de ideias? Quais com-promissos so formados entre os
atores? Quais ideias so institucionalizadas e tornam-se
instrumentos de poltica territorial? Por que essas ideias lograram
xito ao passo que outras foram excludas? Analisadas desde uma
perspectiva histrica, essas questes podem constituir uma espcie de
chave analtica para compreender e avaliar as mudanas na ao pblica
em nvel territorial.
Tal qual empregada neste artigo, a noo de frum identica
constran-gimentos cognitivos e normativos s redes sociais e,
portanto, movimenta-o dos atores. Cada frum dene uma composio mais
ou menos estvel de regras e valores institucionalizados que regulam
as interaes, denem as posies relevantes e excluem comportamentos
desviantes. Um frum consti-tui uma gramtica estruturando a ao dos
atores. No entanto, respeitando as regras inerentes a cada frum, em
momentos distintos um ator pode estar pre-sente ou circular em
diferentes fruns de produo de ideias (a noo conven-cionalista de
racionalidade situada), tornando-se responsvel por um pro-cesso de
traduo de ideias e valores. No caso dos territrios, recorrente um
agricultor, como representante de sindicato ou movimento social,
circular em dois ou mais fruns de produo de ideias (agricultura
familiar, agroecologia, segurana alimentar), mas respeitando as
regras e os valores que regem a di-nmica e organizao de cada um
deles. Do mesmo modo, ele pode tornar-se parte do frum da comunicao
poltica (elegendo-se prefeito ou vereador) ou, ainda, ingressar s
elites administrativas, raticando a crescente permeabi-lidade entre
governo e movimentos sociais (DAGNINO, 2002).
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Um ator circulando entre vrios fruns de produo de ideias carrega
consigo representaes sobre o modo como as polticas pblicas devem
ser operadas. No entanto, como destaca a economia das convenes,
essas ideias so necessariamente objeto de interpretao em contextos
sociais diferen-ciados (BATIFOULIER; LARQUIER, 2001). Quando
transportadas para o interior de diferentes fruns de produo de
ideias, as representaes so reinterpretadas, traduzidas para um
espao diferente daquele no qual elas fo-ram originalmente
produzidas. Esse o caso, por exemplo, quando um o agricultor
dirigente sindical adentra a esfera governamental. Suas ideias
sobre a agricultura so expressas e ressignicadas no interior de um
frum regido por novos princpios normativos. As ideias so
reinterpretadas e podem dar subsdio a projetos diferentes daqueles
que originalmente sustentavam.
A identicao das redes dos laos fracos e fortes14 e da posio e
mo-vimentao dos atores no interior e entre diferentes fruns,
permite a anlise dos processos de troca que levam um ator a
constituir-se como porta-voz. Isso tambm possibilita compreender a
atuao diferenciada dos fruns de pro-duo de ideias no frum de
comunidades de poltica pblicas, identicando distintas relaes de
poder no processo de institucionalizao da poltica e denio dos
projetos apoiados. Ademais, importante notar que a presena dos
atores nos fruns no se constitui necessariamente em uma participao
ativa na denio das polticas. Alguns atores podem estar
completamente isolados (buracos estruturais) ou com relaes muito
restritas para se tornarem porta-vozes das ideias produzidas nos
fruns. Uma abordagem histrica que identique as mudanas ao longo do
tempo permite identicar a alterao nos mediadores. A emergncia de
novas ideias e valores conecta-se, assim, s lutas por
reconhecimento e legitimao e ao empoderamento de novos atores que
podem substituir os antigos porta-vozes (no caso do Frum da
Agricul-tura Familiar, por exemplo, vrios territrios revelam uma
ascenso de novos movimentos sociais e sindicais e passam a disputar
a representao por ideias hegemnicas).
14 A distino entre laos fracos e fortes segue a definio de
Granovetter (1973). Enquanto os laos fortes
constituem-se de interaes entre atores com vnculos sociais
recorrentes e, portanto, com valores e ideias mais
prximos, laos fracos referem-se a interaes espordicas atravs das
quais pode ser facilitada a circulao
de informaes no redundantes dentro da rede, isto , ideias
relativamente inditas provenientes de outros
fruns capazes de catalisar processos de mudana na poltica
pblica.
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Ideias e valores: a anlise da ao pblica a partir das interfaces
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No modelo analtico proposto acima (Fig. 2), nfase especial
conferida ao lugar das Elites Administrativas no processo de
formulao das polticas. Trata-se de um espao especco conformado pela
burocracia estatal (gestores da poltica territorial em diferentes
nveis de governo) que se reproduz de maneira mais ou menos
duradoura, evidenciando a fora das instituies que regulam o modo de
operacionalizao das polticas (eg. as normas para trans-ferncia e
aplicao de recursos, as modalidades de empenho, as exigibilidades
relacionadas responsabilidade scal). Enquanto os fruns de produo de
ideias possuem maior rotatividade dos seus porta-vozes, as Elites
Administra-tivas tendem a se reproduzir no interior do frum de
comunidades de poltica pblica. A ttulo de exemplo, enquanto a
mudana de governadores e pre-feitos altera a composio do Frum da
Comunicao Poltica a cada quatro anos, os gestores da poltica
territorial (e das polticas ans implementadas nos territrios) podem
reproduzir-se em seus cargos e, junto com eles, determina-das
ideias e valores sobre a construo das polticas pblicas. Obviamente,
isso no lhes confere uma posio intocvel e as prprias representaes
oriundas dos gestores so alteradas ao longo do tempo.
Finalmente, cabe destacar os efeitos de feedback da poltica
pblica. A partir do momento em que ideias e valores so
institucionalizados e passam a operar atravs de diferentes
instrumentos de poltica (normas, manuais, re-gulamentos,
regimentos, planos), necessrio considerar como esses instru-mentos
condicionam o comportamento dos atores e a conformao das redes e
fruns. So mecanismos de path dependence da poltica pblica que denem
um espao de manobra relativamente limitado para a governana
territorial. Por outro lado, trata-se igualmente do modo como as
polticas pblicas po-dem intervir sobre o funcionamento das redes e
fruns alterando o poder dos atores e, consequemente, interferindo
sobre as lutas por reconhecimento. Em muitos casos, os instrumentos
da poltica pblica conseguem favorecer o enfraquecimento de formas
tradicionais de dominao perpetuadas nos terri-trios para promover o
empoderamento de atores antes subordinados e invi-sveis perante o
Estado.
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FOUILLE