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PARTE 1
HERBERT S. KLEIN E FRANCISCO VIDAL LUNA
POPULAÇÃO E SOCIEDADE
MUDANÇAS SOCIAIS NO BRASIL, 1960–2000
Em 1960, o Brasil era ainda uma sociedade predominantemente
rural, com altas taxas de mortalidade e de natalidade e perfil
demográfico pré-mo-derno, tradicional. A população era jovem e, em
sua maioria, analfabe-ta. O índice de mortalidade infantil durante
o primeiro ano de vida era extremamente elevado e muitas crianças
morriam antes de atingir o quinto ano, na maior parte das vezes
devido a doenças provocadas pela contaminação da água, que há muito
se havia reduzido como agente de mortalidade nas nações industriais
mais desenvolvidas daquele período. Apesar de já existirem alguns —
poucos — centros urbanos modernos e de grande porte, a maioria da
população vivia na zona rural, em mora-dias precárias, sem água
potável nem saneamento básico. A maioria dos brasileiros não tinha
acesso a instalações médicas modernas. O Brasil era um país
dividido não apenas entre uma minoria urbana moderna e uma maioria
rural tradicional, mas também apresentava diferenças profundas por
região, classe social e raça.
A segunda área mais populosa do país era o Nordeste. Castigado
pela pobreza, o Nordeste era tão diferente das regiões Centro-Sul e
Sul que muitas vezes os economistas denominavam a nação de Belíndia
— com o Nordeste apresentando condições de vida similares às da
Índia, enquanto o Sul e Sudeste se equiparavam à Bélgica. Além
disso, a elite respondia por uma parcela tão elevada da renda
nacional que o Brasil era conside-rado, nessa época, um dos países
mais desiguais do mundo. Os cidadãos mais ricos e com maior acesso
à educação eram mais saudáveis e tinham maior expectativa de vida.
Em termos gerais, a população branca era mais
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
bem-sucedida economicamente que a mulata e esta, por sua vez,
tinha padrão superior ao das populações negra e índia.
No censo de 1960, por exemplo, apenas 45% dos 70 milhões de
brasileiros moravam nas cidades; somente 43% das pessoas acima de 5
anos eram alfabe-tizadas, e a esperança de vida das pessoas
nascidas naquele ano não passava de 55,9 anos. A taxa de natalidade
era muito elevada, com 42 nascimentos por mil habitantes e índice
de 6,2 filhos por mulher na faixa 14–49 anos. Apesar de a taxa de
mortalidade, de quinze mortes por mil habitantes, ser inferior à de
natalidade, era ainda considerada muito alta pelos padrões dos
países industriais mais avançados. A mortalidade infantil era de
109 crianças com menos de um ano para cada mil nascimentos e, no
período de 1960 a 1965, 54% de todos as mortes foram registradas
entre a população abaixo de 15 anos. Em decorrência do elevado
índice de natalidade e a queda no índice de mortalidade, o
crescimento populacional vegetativo ainda era bastante alto e a
população, muito jovem. No período imediatamente anterior a 1960,
esse índice era de aproximadamente 3% ao ano — uma das taxas de
crescimento vegetativo mais elevadas do mundo — e manteve o mesmo
ritmo na década seguinte. Com isso, a população brasileira era uma
das mais jovens do mundo e, no censo de 1960, a idade média não
passava de 18,7 anos.
Apesar de o índice de natalidade ter mudado muito pouco nas
décadas anteriores a 1960, a mortalidade já estava em queda desde o
fim do século xix. As campanhas de vacinação nas cidades e o
aprimoramento do sanea-mento e do tratamento de águas levaram a
lento mas constante declínio nos índices praticados a partir do
começo do século xx. Efetivamente, isso ocorreu em toda a América
Latina, tendo sido registrado um declínio especialmente acentuado
entre 1930 e 1950. No Brasil, durante a década de 1940 a taxa bruta
de mortalidade era de aproximadamente vinte por mil habitantes;
caiu para quatorze mortes por mil habitantes na década seguinte e
para seis por mil habitantes em 1980. Ainda que a mortalidade
infantil tenha continuado extraordinariamente elevada, começou a
decli-nar, indo de mais de duzentas mortes por mil nascimentos, na
década de 1940, para um pouco acima de cem por mil nascimentos na
década de 1960. Na década de 1990 ficou abaixo de cinquenta mortes
e, no quinquênio 1995–2000 caiu para 34 — uma queda significativa,
mas ainda acima dos padrões registrados no mundo industrializado,
que apresentavam índice de mortalidade de dez mortes para cada mil
nascimentos.
De fato, a taxa de mortalidade infantil brasileira manteve-se
mais elevada do que a média da região como um todo até o início do
século xxi (gráfico 1). Mas, por fim, houve uma mudança básica no
período de ocorrências dessas
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p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
Edson SatoPrimeiros trigêmeos ianomâmis, acompanhados da mãe
aldeia maturacá, são gabriel da cachoeira, am, julho de 2010
pulsar imagens
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
mortes, que inicialmente atingiam crianças mais velhas e
passaram a ocorrer nos primeiros seis dias após o nascimento. Em
2001, mais da metade das mortes de crianças se deu nos primeiros
seis dias após o nascimento, em comparação com 35% de mortes
ocorridas após 28 dias — uma completa reversão no padrão existente
desde 1990. É muito sugestivo que a diarreia e outras doenças
infantis tenham sido substituídas por distúrbios congênitos e
genéticos, que é o padrão característico das sociedades industriais
mais desenvolvidas.
A mortalidade entre os adultos acompanhou de forma mais lenta as
alterações ocorridas na mortalidade infantil nesse período, mas, em
termos gerais, a mudança foi impressionante. A esperança de vida,
para homens e mulheres, aumentou em média dois anos a cada cinco
anos no fim das décadas de 1960 e 1970, mas começou a ficar mais
lenta nos anos 1980 e 1990, à medida que a mortalidade infantil
recuava. No geral, entre 1960–1965 e 1995–2000 a esperança de vida
média aumentou impressionantes 11,7 anos entre os homens e 15,5
anos para as mulheres, com os homens alcançando 66 anos e as
mulheres, 73 (gráfico 2).
1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000
Brasil América Latina
120
40
60
20
80
100
GRÁFICO 1: ESTIMATIVA DA MORTALIDADE INFANTIL NO BRASIL E NA
AMÉRICA L ATINA,
1960 A 2000
Fonte: celade (Divisão de População da cepal). Observatório
demográfico: mortalidade, no 4, quadro 6, out. 2007. Disponível em:
www.eclac.cl/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/5/33265/P33265.xml&xsl=/celade/tpl/p9f.xsl&base=/celade/tpl/top-bottom.xslt.
Acesso em: 23 nov. 2010.
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p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
Embora o declínio na taxa de mortalidade infantil explique, em
gran-de parte, o aumento de esperança de vida obtido nesses
quarenta anos, a partir de 1960 começou a ocorrer um lento mas
crescente declínio na taxa de mortalidade entre os adultos, devido
à adoção de novas tecnologias na medicina e ao aprimoramento dos
serviços de saúde. Por exemplo, na população acima de 60 anos, no
período de 1960–1965 a 1995–2000, a esperança de vida média
aumentou 3,97 anos entre as mulheres e 2,04 anos entre os homens,
dando, em média, mais 21,2 anos de vida para as mulheres e 18,4
para os homens no fim do século xx.
Grande parte dessa melhora na esperança de vida para todas as
faixas etárias deveu-se à redução da mortalidade por doenças
infecciosas. Enquanto em meados do século xx as doenças infecciosas
eram a principal causa mor-tis, no fim do século foram substituídas
pelas doenças degenerativas, que consistem em um tipo de alteração
no funcionamento sadio de uma célula, órgão ou tecido. Com o
aumento de doenças cardíacas e do câncer como causa mortis, e a
redução de doenças infecciosas, o Brasil, finalmente, chegou
aos
1965
55
60
65
70
75
1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000
Homens Mulheres
GRÁFICO 2: ESPERANÇA DE VIDA POR SEXO, 1960 A 2000
Fonte: celade (Divisão de População da cepal). Observatório
demográfico: mortalidade, no 4, quadro 6, out. 2007. Disponível em:
www.eclac.cl/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/5/33265/P33265.xml&xsl=/celade/tpl/p9f.xsl&base=/celade/tpl/top-bottom.xslt.
Acesso em: 23 nov. 2010.
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
padrões que já eram comuns nos países desenvolvidos desde o
início desse século. Isso também se refletiu nas alterações
ocorridas na participação de cada faixa etária no total de mortes.
Em meados do século xx, a faixa etária até 15 anos respondia por
56% da taxa de mortalidade, passando a ter uma participação de
apenas 16% na primeira década do século xxi.
Apesar de a taxa de mortalidade estar declinando desde o fim do
século xix, e de esse declínio ter sido ainda mais acentuado a
partir da metade do século xx, a taxa de natalidade não acompanhou
essa tendência. Aliás, ela chegou a crescer ligeiramente até meados
da década de 1960, devido ao declínio das taxas de morbidade e de
mortalidade. À semelhança do ocorrido em muitos países da América
Latina, as taxas de esterilidade feminina caíram e um maior número
de mulheres atingiu a idade adulta, com essa melhora nas condições
de saúde, levando, inicialmente, a um aumento na taxa de
natalidade. O resultado da combinação de taxas de natalidade mais
elevadas com declínio da mortalidade ocasionou um rápi-do
crescimento populacional no Brasil, no século xx. Na década de
1940, o crescimento vegetativo havia atingido 2,4% ao ano, aumentou
para 3% na década de 1950 e ainda era bastante alto, 2,9%, nos anos
1960. Como consequência desse alto crescimento vegetativo a
população brasileira, que em 1950 totalizava 52 milhões de
habitantes, passou para 105 milhões em 1975, apenas 25 anos mais
tarde.
Outra consequência desse rápido crescimento populacional foi o
país ter uma população extraordinariamente jovem. Nos censos de
1960 e de 1970 a idade média era de 18 anos. Se o elevado
crescimento vegetativo das décadas de 1950 e 1960 (3,2%) houvesse
continuado, a população teria quase dobrado novamente, atingindo
142 milhões de habitantes em 1981, número que só foi alcançado em
1988. Por sua vez, o total de habitantes registrado no censo de
1980 não duplicou em 2010. Na última década do século xx, o
crescimento populacional foi o mais baixo registrado nesse século,
caindo para 1,4% por ano, o que significa que o total da população
era de apenas 169,8 milhões. A população não continuou a duplicar a
cada vinte ou 25 anos porque, finalmente, a taxa de natalidade
passou a acompanhar a tendência da taxa de mortalidade, declinando
a partir da metade da década de 1960. Dessa forma, o Brasil, após
um rápido cresci-mento populacional na metade do século xx, começou
a crescer cada vez mais lentamente até entrar na fase clássica de
“transição demográfica”, passando de país com altos índices de
mortalidade e de natalidade para uma sociedade com características
modernas, de baixos índices de morta-lidade e de natalidade.
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p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
Rogério ReisCrianças dormindo em creche comunitária da
Rocinha
rio de janeiro, rj, s .d.
tyba
Se os índices de mortalidade apresentaram longa e lenta
tendência de queda durante a maior parte do século xx, o mesmo não
aconteceu com a natalidade. Na metade do século, o Brasil ainda
exibia taxas de natalidade muito altas. Mesmo que alguns grupos da
elite urbana adotassem o controle de natalidade, apresentando
índice de fertilidade abaixo da média nacio-nal, eles pouco
influenciavam a tendência do país. Em 1960, o número de filhos das
mulheres na faixa 14–49 atingiu o pico de 6,3. Mas, no início do
quinquênio 1965–1970, essa tendência foi subitamente revertida,
primeiro em ritmo lento e, em seguida, cada vez mais rapidamente,
atingindo 5,8 filhos para as mulheres dessa faixa etária em 1970.
Esse número caiu ainda mais: para 4,4 em 1980, e para 2,3 em
2000.
O declínio na fertilidade não foi causado por nenhuma mudança em
relação à idade do início da vida sexual ou do casamento, ao número
de mu-lheres casadas ou de mulheres sem filhos. A idade do primeiro
casamento
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
entre as mulheres não sofreu alteração até bem depois dessa
transição no índice de natalidade, nem o número de casamentos caiu,
ou aumentou o de mulheres sem filhos. Tampouco houve alteração no
número de crianças nascidas fora do matrimônio. Muitos desses
fatores, incluindo o número de divórcios, sofreriam alterações nas
décadas seguintes, mas todas essas mudanças ocorreriam bem depois
da queda na taxa de natalidade. A única alteração efetivamente
ocorrida nesse período foi a adoção em massa de contraceptivos e de
procedimentos de esterilização, que impactaram a segunda metade da
década de 1960 no Brasil e em toda a América Latina.
As mulheres mais velhas adotaram mais entusiasticamente as novas
medidas contraceptivas, mas nenhum grupo de mulheres deixou de ser
afetado, e todas as faixas etárias apresentaram declínio de
fertilidade, saindo do pico, em 1965, para o nível mais baixo, em
2000. Mas a maior queda na fertilidade ocorreu entre as mulheres
mais velhas, com um
O controle da natalidade teria um grande impacto na evolução
demográfica do país
matéria publicada na revista claudia, outubro de 1962
acervo iconographia
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3 9
p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
número elevado delas encerrando sua vida reprodutiva muito mais
cedo do que anteriormente. Efetivamente, a relação entre idade e
declínio na taxa de fecundidade específica por idade foi
praticamente invertida, com queda mais acentuada nas mulheres mais
velhas e mais lenta entre as faixas etárias mais jovens. A
fecundidade específica por idade caiu 95% de 1960 a 2000 — houve
queda de 89% na faixa 40–44 anos, 80% e 71% nas faixas
imediatamente anteriores (35–39 e 30–34, respectivamente), de 61%
na faixa etária 25–29 e de apenas 13% no grupo de 15–19 (ver
gráfico 3).
Essa mudança do padrão de fecundidade entre os grupos mais
velhos foi tão drástica que o total de nascimentos aumentou
consideravelmente na faixa até 29 anos. Em 2000, esse grupo
respondia por 72% do total de nascimentos, acima dos 53%
registrados em 1960 — com mães com menos de 25 anos passando de 28%
de todos os nascimentos, em 1960, para 46% em 2000 (ver gráfico
4).
15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
0,15
0,20
0,25
0,30
0,35
0,5
0,10
60-65 95-0090-9585-9080-8575-8070-7565-70
GRÁFICO 3: TA X AS DE FECUNDIDADE ESPECÍFICAS POR IDADE, BRASIL,
1960 A 2000
Fonte: celade (Divisão de População da cepal). Boletín
demográfico: América Latina, fecundidad 1950-2050, no 68, quadro
20. Disponível em:
www.eclac.org/publicaciones/xml/3/7463/LCG2136_pai-ses.pdf. Acesso
em: 22 nov. 2010.
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4 0
m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
Ao contrário da transição demográfica na Europa, que começou
quando as taxas de natalidade eram muito inferiores aos números
apresentados pela América Latina na metade do século xx, a queda no
Brasil e na maioria dos países latino-americanos partiu de índices
muito elevados. Na verdade, esses índices eram os mais altos do
mundo na metade do século. No caso do Brasil, sociedade muito
estratificada e parcialmente desarticulada, a queda não foi
uniforme em todas as regiões e classes sociais. Assim, quando o
país começou a registrar declínio da natalidade, a queda em cada
região partiu de níveis diferenciados, mas todas apresentavam a
mesma tendên-cia. Devido a esses índices iniciais diferenciados, a
princípio não houve alteração nas variações entre cada região. Mas,
gradativamente, mais e mais regiões começaram a convergir. De 1991
a 2000, a diferença entre o menor e o maior índice de fertilidade
caiu de quase dois filhos para apenas
Total Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-
-Oeste
Distrito
Federal
15
20
25
30
35
5
10
1960-1965 1970-1975 1980-1985 1990-1995 1995-2000
GRÁFICO 4: MUDANÇA NA PARTICIPAÇÃO REL ATIVA DE MULHERES DE
DIVERSOS GRU-
POS ETÁRIOS NO TOTAL DE FECUNDIDADE, 1960 A 2000
Fonte: celade (Divisão de População da cepal). Boletín
demográfico: América Latina, fecundidad 1950-2050, no 68, quadro
20. Disponível em:
www.eclac.org/publicaciones/xml/3/7463/LCG2136_pai-ses.pdf. Acesso
em: 22 nov. 2010.
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p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
um. Nesse último ano, três regiões apresentavam o mesmo índice
de baixa reposição, e apenas duas tinham índice superior a 2,1
filhos (ver gráfico 5).
Em geral, a fertilidade caiu ainda de forma mais acentuada em
todas as regiões. Esse processo começou nas regiões brasileiras em
melhor situação econômica e nas áreas urbanas e, em seguida,
avançou gradativamente, e em ritmo acelerado, para as áreas rurais,
partindo das populações com maior poder aquisitivo para as mais
pobres.
Se essa queda foi provocada pela adoção de práticas
contraceptivas, sua disseminação certamente se deveu à melhor
integração do país. Parte dessa integração deveu-se à expansão do
mercado e também à migração
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
2,5
3,0
3,5
4,0
4,5
2,0
Norte Centro-OesteSulSudesteNordeste
GRÁFICO 5: TA X A DE FECUNDIDADE TOTAL POR REGIÃO, 1991 A
2001
Fonte: Ministério da Saúde. Datasus — Banco de dados do Sistema
Único de Saúde. A.5. Taxas de fecundidade total… segundo região e
uf, Brasil, 1991 a 2001. Disponível em:
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2003/a05.htm. Acesso em: 25
nov. 2010.
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
norte 4,0 3,8 3,7 3,6 3,5 3,4 3,3 3,2 3,1 3,1 3,0
nordeste 3,4 3,2 3,1 3,0 2,9 2,8 2,7 2,7 2,6 2,5 2,4
sudeste 2,3 2,3 2,2 2,2 2,2 2,2 2,1 2,1 2,1 2,1 2,0
sul 2,5 2,4 2,4 2,3 2,3 2,3 2,2 2,2 2,2 2,1 1,9
centro-oeste 2,6 2,5 2,4 2,4 2,3 2,3 2,2 2,2 2,2 2,1 2,0
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4 2
m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
das populações rurais mais carentes para as cidades, bem como
das regiões mais pobres do país para as mais abastadas. Uma das
consequências mais óbvias dessa abrupta mudança no índice de
natalidade foi o aumento da idade média e as alterações na
distribuição etária da população no período de 1960 a 2000. Em
1980, a idade média tinha aumentado quase dois anos, passando para
20,3 anos; mais 2,5 anos foram acrescentados até 1990 e, no fim do
século xx, a idade média da população era de 25 anos, sete anos
acima da registrada em 1960. No outro extremo da estrutura etária,
a população idosa aumentava lentamente. A população acima de 60
anos passou de 4,7%, em 1960, para 8,6% da população total em 2000.
Essas profundas alterações estruturais podem ser vistas na mudança
de formato das pirâmides etárias brasileiras. Em 1960, o país
apresentava uma pirâmide pré-moderna clássica, com uma base ampla,
afunilando à medida que as faixas etárias se tornavam mais elevadas
e terminando num topo pequeno. Mas a queda na fertilidade levou à
redução gradativa da base da pirâmide, formada pela população mais
jovem, e ao aumento da participação da população de meia-idade e
mais idosa. E, à medida que o século xx se aproximava de seu
término, a base da pirâmide se reduzia ainda mais, e a participação
das faixas etárias superiores
10 8 6 4 2 2 4 6 8 10
0-4
80
75-79
70-74
65-69
60-64
55-59
50-54
45-49
40-44
35-39
30-34
25-29
20-24
15-19
10-14
5-9
Homens Mulheres
GRÁFICO 6: PIRÂMIDE ETÁRIA BRASILEIRA | CENSO DE 1960
Fonte: celade (Divisão de População da cepal). America Latina:
estimaciones y proyecciones de población a largo plazo 1950-2100.
Disponível em: www.eclac.org/celade/proyecciones/basedatos_BD.htm.
Acesso em: 20 nov. 2010.
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4 3
p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
aumentava. Hoje, a estrutura etária brasileira apresenta o já
famoso formato em “barril”, característico dos países industriais
mais desenvolvidos e das sociedades pós-transição (ver gráficos 6 e
7).
A queda na mortalidade ocorrida nesse período também foi
influen-ciada pela migração para as cidades. Na metade do século
xx, a morta-lidade era mais elevada nas zonas rurais e nas regiões
mais pobres do que nas zonas urbanas e nos estados mais ricos.
Dessa forma, a maior disponibilidade de empregos nas cidades e nas
regiões mais ricas, e as oportunidades para estudar e a melhora dos
serviços sociais foram fatores que contribuíram para impulsionar a
migração em massa ocorrida no Brasil no fim do século xx. Por outro
lado, a crescente mecanização do campo e o declínio da agricultura
de subsistência em todo o país também colaboraram para esse êxodo
rural.
Apesar de a migração urbana ser um fenômeno recorrente na
história brasileira, esse processo passou a ser mais rápido na
segunda metade do século xx. Até 1960, a maioria da população ainda
morava no campo. Mas, em 1970, mais da metade da população foi
recenseada como urbana, e esse índice cresceu de forma constante,
até atingir 80% da população nacional
10 8 6 4 2 2 4 6 8 10
0-4
80
75-79
70-74
65-69
60-64
55-59
50-54
45-49
40-44
35-39
30-34
25-29
20-24
15-19
10-14
5-9
Homens Mulheres
GRÁFICO 7: PIRÂMIDE ETÁRIA BRASILEIRA | CENSO DE 2000
Fonte: celade (Divisão de População da cepal). America Latina:
estimaciones y proyecciones de población a largo plazo 1950-2100.
Disponível em: www.eclac.org/celade/proyecciones/basedatos_BD.htm.
Acesso em: 20 nov. 2010.
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
no censo de 2000. Estima-se que, nos vinte anos transcorridos de
1960 a 1980, aproximadamente 27 milhões de brasileiros tenham
migrado para a cidade. Até a década de 1990, os estados do
centro-sul apresentavam o maior índice de migração rural-urbana,
uma vez que a agricultura se modernizava mais rapidamente nessa
região, e os centros urbanos cresciam em ritmo mais acelerado do
que nas demais regiões. O período de vinte anos entre 1950 e 1970
registrou o maior crescimento das capitais dos estados, com aumento
anual frequentemente superior a 5% ao ano. Na década de 1950, Belo
Horizonte, por exemplo, apresentava 6,8% de crescimento anual e na
década seguinte seu aumento populacional ainda foi de 6%. Nessas
duas décadas, São Paulo cresceu 5%, ou mais, e até Curitiba cresceu
7% ao ano na primeira década e 6% nos anos 1960. Apenas o Rio de
Janeiro cresceu em ritmo mais lento, de 3% ao ano, ou pouco mais,
nessas duas décadas. Brasília, claro, teve o crescimento mais
espetacular, com 14% ao ano na
João PrudenteVista de cima, a rua 25 de Março, no centro da
cidade de São Paulo
são paulo, novembro de 2008
pulsar imagens
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4 5
p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
década de 1960. Como resultado, todas essas cidades, à exceção
do Rio de Janeiro, mais do que duplicaram sua população nesses
vinte anos. No final do século, vinte capitais tinham mais de um
milhão de habitantes, consi-derando suas respectivas regiões
metropolitanas. Entretanto, nessa época, todas já cresciam a ritmo
muito mais lento, uma vez que a migração do campo para a cidade
sofreu considerável redução em todos os estados e o padrão, à
exceção de Manaus, era de 2% de crescimento anual, ou até
menos.
No ano 2000, aproximadamente 84 milhões de brasileiros — 49% do
total da população — viviam em cidades com contingente populacional
ao redor de 50 mil habitantes. Não obstante o crescimento no núcleo
central das cidades se ter tornado bem mais lento após a década de
1980, chegando por vezes a estagnar, suas áreas metropolitanas
apresentavam um novo
Jesus CarlosSão Paulo, uma cidade em constante expansão —
panorâmica de unidade da
Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São
Paulo), rede que tem capacidade para estocar até um milhão de
toneladas de produtos agrícolas
são paulo, sp, 1990
imagem global
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4 6
m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
crescimento, e esse fenômeno ocorreu, no fim do século, na
maioria dos países da América Latina. Assim, no ano 2000, o Brasil
registrava dez áreas metropolitanas com população total acima dos 2
milhões de habitantes, das quais as mais importantes eram São
Paulo, com 18 milhões de pessoas, Rio de Janeiro, com
aproximadamente 11 milhões, Belo Horizonte, 5 mi-lhões de
habitantes, e Porto Alegre, 3,5 milhões. Em todos os casos, o
cres-cimento ocorria na periferia e não no núcleo central, que
então respondia apenas pela metade do total da população. O
crescimento das cidades deu-se por intermédio da migração
rural-urbana de pessoas em idade produtiva, com as mulheres tendo
presença significativamente superior nesse fluxo migratório, devido
ao aumento de oportunidades de trabalho em residên-cias e em
fábricas. Em 2000, a relação por gênero nas áreas urbanas era de 94
homens para cem mulheres, enquanto a zona rural apresentava 112
homens para cem mulheres. Isso também pode ser visto nas estruturas
etárias dessas populações — a população rural apresenta pirâmide
mais tradicional, com uma base maior de jovens, e as áreas urbanas
têm menor proporção de crianças e maior de adultos em idade
produtiva.
Mas o crescimento urbano não foi uniforme em todo o país. A
região Nordeste, por exemplo, apresentava apenas 50% da população
em áreas urbanas em 1980, enquanto os estados mais desenvolvidos da
região Su-deste já haviam alcançado esse patamar vinte anos antes.
No ano 2000, os estados nordestinos eram, ainda, 69% urbanos,
comparados com os 91% de urbanização do Sudeste.
A população rural não apenas migrou em massa para as cidades,
para melhorar suas condições de vida, tornando o Brasil, no fim do
século xx, um país predominantemente urbano, mas essa migração
envolveu tam-bém intensa movimentação inter-regional. Em 1930, as
migrações inter-nacionais, que haviam trazido para o Brasil
aproximadamente 4,4 milhões de trabalhadores europeus e asiáticos,
tornaram-se consideravelmente mais lentas. Grande parte dessa
migração ocorreu entre as décadas de 1880 e 1920, e inicialmente
dirigiu-se para os cafezais de São Paulo e do Paraná, deslocando-se
em seguida para as cidades em expansão na região, principalmente
São Paulo. Mas o contínuo crescimento econômico dos estados do
centro e do sul, bem como o fim de uma significativa imigra-ção
estrangeira, tornou o centro-sul bastante atraente para a população
nordestina carente.
Já no fim da década de 1920, a migração do Nordeste começou de
forma constante e não diminuiu durante os sessenta anos seguintes.
No período de 1920 a 1940, São Paulo recebeu mais imigrantes
internos
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p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
Fotógrafo não identificadoRetirantes da seca — a população rural
migrou em massa para as cidades
ceará, s .d.
opção brasil imagens
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
do que nascidos no exterior. Esse ritmo se intensificou a cada
década. En-quanto um quarto do crescimento de São Paulo se devia,
nos anos 1940, a imigrantes vindos de outros estados, nas duas
décadas seguintes eles passaram a representar 30% do crescimento
populacional, e, no período de 1970 a 1980, atingiram o pico de
42%. Esse foi o período mais elevado em São Paulo. Apesar de a
migração interna não ter parado, após 1980 o fluxo migratório
interestadual direcionou-se mais para as novas áreas de agricultura
do oeste e norte do país, que no final do século estavam come-çando
a ser exploradas. Dessa forma, os imigrantes passaram a responder
por apenas 10% do crescimento da população do estado. O impacto
dessa migração pode ser visto no gradativo declínio da região
Nordeste e de sua participação na população nacional. No primeiro
censo realizado no país, em 1872, essa região era a mais populosa
do Império, respondendo por 47% do total, à frente dos estados do
Sudeste. Em 1920, estes absorviam 47% da população e o Nordeste
havia recuado para 37% de participação. Essa queda continuaria de
forma constante, chegando a 28% da população total no censo de
2000. Na década de 1960, 1,8 milhão de pessoas abando-naram o
Nordeste e, na década seguinte, mais 2,4 milhões migraram. O fluxo
migratório do Nordeste continuou após 1980, mas o padrão passou a
ser o de uma migração dispersa, com os imigrantes dirigindo-se
então para o oeste e o norte do país. Isso explica por que a região
Centro-Oeste aumentou sua participação de 3%, em 1950, para 7% em
2000, e o Norte passou de 4% a 8% no mesmo período
Nesses anos houve não apenas uma mudança importantíssima na taxa
de natalidade e nas práticas contraceptivas, mas também uma
profunda alteração no papel da mulher na sociedade e na estrutura
da família bra-sileira. Um indício importante dessa mudança foi o
aumento gradativo da participação da mulher no mercado de trabalho.
A participação feminina veio aumentando constantemente nos últimos
vinte anos, passando de apenas 18,5% em 1970 para 44,1% em
2000.
A crescente participação das mulheres no mercado de trabalho
provo-cou uma profunda alteração na estrutura dos lares e das
famílias. A legali-zação do divórcio, em 1977, e a Constituição de
1988, ao igualar homens e mulheres em direitos e obrigações,
influenciaram claramente o crescimen-to de domicílios sob a
responsabilidade de mulheres, nas classes média e alta, e também
aumentaram a proporção de cidadãos que se declararam não casados.
Entre as classes mais pobres sempre foi comum a existência de
domicílios liderados por mulheres, mas a nova legislação contribuiu
muito para estender essa situação a todas as classes sociais e para
incentivar o
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4 9
p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
divórcio. De 1984 a 2001, o número de divórcios cresceu
aproximadamente 9% por ano. Também houve o aumento do número de
pessoas separadas judicialmente — a Constituição de 1988 tornou
obrigatório um período de separação de um a dois anos antes de o
divórcio ser decretado. Mas o índice de divórcios em relação a
separações judiciais continuou a subir, e os divórcios responderam
por 70% das dissoluções de matrimônio ocorridas no ano de 2002.
Embora a incidência de divórcios tenha aumentado em todas as faixas
etárias, a idade média dos divorciados manteve-se estável, na faixa
de 35–39 anos. Também não houve nenhuma alteração drástica no
número de crianças afetadas pelo divórcio, porque metade dos casais
que requereram o divórcio tinha apenas um filho ou nenhum.
Por fim, após o extraordinário aumento, tudo indica que o número
de divórcios e de separações se estabilizou na última década. Em
2001, o número de separações judiciais entre adultos acima de 20
anos era de 0,9 a cada mil pessoas, índice que se manteve constante
desde 1994. Por sua vez, o número de divórcios nessa mesma faixa
etária cresceu lentamente na década de 1990 e atingiu 1,2 a cada
mil pessoas em 1999. Como era de se esperar, as regiões Sul e
Sudeste apresentaram os índices mais elevados, com separações e
divórcios de 1,3 por mil (Sudeste) e 1,2 por mil (Sul) em 2001.
A crescente importância do divórcio e da separação levou a
mudanças de gênero no responsável pelo domicílio. Em 1991, apenas
18% dos domi-cílios com mais de um residente estavam sob a
responsabilidade de uma mulher, número idêntico ao obtido em
pesquisa de 1984. Entretanto, a última década do século xx
registrou uma mudança dramática. Em 2000, 25% dos domicílios eram
chefiados por uma mulher, e esse índice iria elevar-se no século
seguinte. Como sempre, essa tendência começou nas maiores regiões
metropolitanas: em metrópoles do porte de São Paulo, Rio de Janeiro
e Belo Horizonte, o percentual de domicílios com responsáveis
mulheres era superior a 30%. Na verdade, havia uma diferença
acentuada entre as áreas urbanas e rurais. No censo de 2000, nas
áreas urbanas, 27% dos domicílios com mais de um morador eram
chefiados por mulheres, enquanto nas zonas rurais esse percentual
era de apenas 13%.
Evidentemente, tal como outras sociedades desenvolvidas,
passando por crescente secularização, a estrutura familiar
brasileira está sofrendo profundas alterações, com maior número de
divorciados e de domicílios chefiados por mulheres. Também tem
havido queda constante no número de pessoas legalmente casadas, e
tudo isso quase uma geração após o de-clínio de fecundidade. Em
1990, por exemplo, havia 7,5 matrimônios para cada mil habitantes
com mais de 15 anos, enquanto em 2002 esse número
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5 0
m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
Mario CurcioA caminhoneira Rosineide Moura e o caminhão de
coleta
de minério de ferro que dirigecarajás, pa, 2004
agência estado
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5 1
p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
era de apenas 5,7 matrimônios. Da mesma forma, tal como vem
ocorrendo em todas as sociedades desenvolvidas, a idade do primeiro
casamento vem aumentando. Em 1991, as mulheres se casavam com 23,7
anos, e em 2002 essa idade tinha aumentado três anos, passando para
26,7 anos. A idade para os homens também aumentou mais de três
anos, passando a 30,3 anos em 2002, contra os 27 anos de 1991.
Como consequência dessas mudanças nos casamentos, na taxa de
natalidade e na crescente urbanização também houve profunda redução
no tamanho médio dos domicílios e no número médio de crianças em
cada um. Em 1991, a média por domicílio era de 4,2 indivíduos, e
nove anos mais tarde esse número caiu para 3,7 indivíduos e até
para 3,4 nos estados mais desenvolvidos do Sul. Além disso, as
famílias muito numero-sas estão desaparecendo rapidamente. Os
domicílios com cinco ou mais indivíduos, que em 1960 representavam
53,3% do total de domicílios, pas-saram a apenas 23,4% em 2000.
Dada a relação inversa entre o número de filhos por domicílio (1,5
na média nacional) e a renda familiar, com os domicílios de menor
renda apresentando o maior número de filhos (2,8) e os de maior
renda o menor número de filhos (0,8), à primeira vista poderia
parecer que a tendência para menores grupos familiares estivesse
associada ao maior poder aquisitivo da população. Como demonstrado
em muitos estudos, os padrões em termos de dimensão da unidade
familiar e taxa de fecundidade se disseminaram dos setores urbanos
de maior renda para os rurais mais carentes, durante o processo de
transição demográfica. Dessa forma, podemos assumir que as
tendências em evidência desde os anos 1970 continuarão no mesmo
ritmo por muitos anos.
Como concluiu uma pesquisa realizada pelo governo em 2002: “Nas
duas últimas décadas, a mudança mais significativa na organização
da família brasileira foi o crescimento de domicílios sob a
responsabilidade das mulheres e a redução do núcleo familiar.” Mas
ocorreram outras mu-danças, que vêm se tornando cada vez mais
importantes no contexto do domicílio e da organização da família
brasileira. Não só houve aumento no número de domicílios de casais
sem filhos, à medida que mais e mais mulheres optam por não
engravidar, como também vem aumentando a quantidade de domicílios
ocupados por um único indivíduo. Esses domi-cílios “unipessoais”,
como assim os denomina o censo brasileiro, em 1992 correspondiam a
apenas 7,3 do total de lares para, em 2001, atingirem o percentual
de 9,2%, com as áreas metropolitanas registrando índices mais
elevados do que a média nacional. Sua faixa etária tendia a ser
su-perior à do padrão para a população em geral, com 60% acima de
45 anos.
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
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Em conjunto com o aumento desse tipo de domicílio e de casais
sem filhos, houve queda constante de domicílios de casais com
filhos, o que, no ano 2001, resultou numa estrutura familiar
brasileira mais complexa e menos tradicional do que a existente
quarenta anos atrás (ver gráfico 8). Muitas dessas transformações
se devem, sem dúvida, à queda abrupta no índice de natalidade, mas
também são o reflexo da mudança de comportamento em relação ao
papel da mulher na sociedade.
Mas há outros aspectos da vida no país em que as mudanças foram
muito mais lentas. Poucas eram as áreas em que o Brasil estava tão
atrás dos outros países do hemisfério, ou mesmo de países do
Terceiro Mundo em situação equivalente, quanto na educação. E essa
situação pouco mudou no último quarto de século. O Brasil foi uma
nação relativamente retrógrada no que tange ao sistema público de
educação durante a maior parte de sua história imperial e
republicana. Embora já na década de 1820 a educação primária
gratuita tenha sido proclamada como meta, poucos esforços foram
envidados pelo governo para que essa vital tarefa fosse executada,
tanto que em 1871 havia somente 134 mil alunos em todo o Império,
dos quais 7% frequentavam a escola secundária, e só 28% eram
meninas. Isso, em uma população de mais de 10,1 milhões, o que
significava menos de treze crianças na escola para cada mil
habitantes.
Casal com filhos: 53,3%
Casal sem filhos: 13,8%
Mulher sem cônjugecom filhos: 17,8%
Unipessoal: 9,2%
GRÁFICO 8: DISTRIBUIÇÃO POR TIPO DE DOMICÍLIO EM 2001
Fonte: pnad — Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios,
2001.
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p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
Em 1950 esse número finalmente chegou a 110 alunos primários e
secundários por mil habitantes. Nesse ano, entretanto, o número
total de crianças na escola era somente de 6 milhões, das quais 5,2
milhões fre-quentavam o primeiro grau e apenas 390 mil cursavam o
segundo grau e 84 mil estavam no nível superior — isso considerando
uma população de 18,7 milhões de crianças em idade escolar. Era
evidente que, apesar de o número de matrículas no primeiro grau
estar aumentando rapidamente e já perto de dois terços das crianças
em idade escolar, até meados do século ainda havia o tradicional
bloqueio no acesso ao segundo grau e superior, exclusividade de uma
minoria privilegiada. Dos mil alunos que ingressa-vam no primário,
somente 35 conseguiam chegar ao segundo grau e não mais que dez ao
nível superior — 1% dos que haviam iniciado os estudos no primário.
Da mesma forma, devido ao fato de a educação fundamental ser muito
precária, o índice de reprovação era extremamente alto, e todas as
séries iniciais eram repletas de alunos mais velhos.
Somente nos últimos 25 anos alguns desses problemas começaram a
ser gradativamente solucionados. Primeiramente, observou-se que a
elevada heterogeneidade na idade dos alunos da primeira série
passou a diminuir. Enquanto em 1982 três quartos dos alunos que
ingressaram nas primeiras séries do primeiro grau estavam fora da
idade recomenda-da — um reflexo das matrículas de alunos atrasados
que aconteciam por todo o país e do alto índice de reprovações —,
até 1996 essa quantidade caiu para 45% dos alunos iniciantes. Em
segundo lugar, mais alunos passaram a completar os quatro anos do
primário. Se em 1976 os alu-nos do ginásio — quinta à oitava série
(até 14 anos) — correspondiam a somente 29% do total de
matriculados no primeiro grau, até 1998 essa correspondência subiu
para 40%, e, em 2003, alcançou os 45%. No mesmo período também
houve uma queda contínua da evasão escolar — para 1% da primeira
série — e um aumento da aprovação de uma série para outra para dois
terços, em média. Por último, a taxa líquida de frequência escolar,
que é a relação entre a quantidade de crianças na escola e o total
de crianças da mesma faixa etária, também atingiu um nível bastante
alto em âmbito nacional depois de anos de desigualdades regionais
no acesso à educação, sendo o Nordeste — com uma taxa de 94,4% — a
pior região, quando comparada à região Sul, que registrou a melhor
taxa — 98,1%. Podemos perceber quão recentes e revolucionárias são
todas essas mudanças, assim como seu potencial alcance, se
considerarmos que no censo de 2000 somente 15% da população de 60
anos ou mais (aproximadamente 14 milhões de pessoas) havia
concluído os oito anos
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
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do primeiro grau, fato conquistado por 54% do grupo com idade
entre 20 e 24 anos (aproximadamente 15 milhões de pessoas).
Apesar de persistentes iniciativas por parte do governo federal,
ainda há acentuadas discrepâncias no acesso à educação, em termos
de domicílio, classe social e raça. Embora as diferenças regionais
nas taxas de frequência sejam atualmente pequenas, em se tratando
da qualidade das escolas, suas instalações e professores,
observa-se que ainda perduram diferenças fun-damentais entre as
regiões do país. Um reflexo direto desse fato é o baixo número
proporcional de estudantes do Nordeste e do Norte que chegam às
séries mais adiantadas, quando comparado ao das outras regiões.
Essas disparidades, por sua vez, são consequência de oportunidades
desiguais no acesso à educação, relacionadas à classe social, cor e
etnia. No censo de 2000, somente 37% dos indivíduos na faixa de 20
a 24 anos no Sudeste não haviam completado o ensino fundamental,
enquanto essa proporção no Nordeste era de 61% e, considerando a
mesma faixa etária nessas duas regiões, os brancos se saíram melhor
do que os negros e os pardos. Nos estados do Sul, por exemplo, 35%
dos brancos nessa mesma faixa etária não haviam concluído os oito
anos do ensino fundamental, em contraposição a mais da metade dos
“não brancos” que não o fizeram. No Nordeste, a mesma avaliação
apresentou 51% de brancos comparados a 68% e 65% de negros e
mulatos, respectivamente. Em todos os casos, os asiáticos foram os
que se saíram melhor e os índios ficaram no mesmo nível ou acima
dos negros e mulatos.
Ainda que desde o início do século xx tenha havido um
crescimento contínuo do número de alunos do primeiro grau, somente
nas décadas de 1960 e 1970 seria observado um aumento substancial
no número de matrículas para os níveis secundário e superior. Em
1960, o número de ma-triculados no segundo grau representava apenas
3,1% do total da população escolar — percentual não muito diferente
do registrado na década de 1940. No entanto, em 1974 esse número
atingiu 8% — mais do dobro — do total de alunos dos primeiro e
segundo graus; em 1980 eram 3 milhões, repre-sentando 11% desse
total, e até 2003 — agora triplicados em quantidade, com 9 milhões
de alunos — já significavam 21% do total dos dois níveis.
Embora esse importante crescimento do número de alunos indique
que o Brasil está caminhando rumo aos padrões de Primeiro Mundo
para a educação secundária, problemas básicos ainda persistem. Em
1998, apenas 55% dos jovens entre 15 e 17 anos frequentavam a
escola — um enorme avanço em relação aos anos anteriores, mas ainda
muito pouco para os pa-drões de países industriais desenvolvidos.
Ademais, as distorções idade-série
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5 5
p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
continuavam significativas, tanto que em 1996 aproximadamente
54% dos alunos do ensino secundário tinham mais de 17 anos. Porém,
os índices de evasão e de reprovação caíram, enquanto o número de
formandos subiu — de 26% em 1985 para 43% em 1995.
Infelizmente, alguns aspectos dessa recente ampliação das
escolas secundárias tiveram impacto negativo na qualidade. A
chamada massifi-cação, ou desenvolvimento abrupto, do ensino
secundário provocou uma acentuada queda na qualidade do que era
oficialmente considerada uma educação de elite: as escolas públicas
de segundo grau. Da mesma forma, o foco do governo federal na
expansão das universidades, da década de 1960 em diante, também
desvirtuou suas prioridades e interesses.
A partir da Constituição de 1988 ocorreram alterações na
competência dos entes federados e no financiamento da educação. A
Constituição decla-rou a educação pública fundamental e secundária
como um direito univer-sal de todos e redefiniu as competências dos
três níveis de governo. Coube à União a função de garantir a
equalização das oportunidades educacionais e de padrão de qualidade
do ensino, assim como estabelecer as diretrizes e as bases da
educação; os estados tinham competência concorrente nessas
matérias. Aos municípios coube ação prioritária no ensino
fundamental e na educação infantil. A Constituição exigiu também um
gasto mínimo da receita de impostos na área da educação: 18% para o
governo federal e 25% para os estados e municípios. Outra grande
inovação foi a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério — o Fundef —, que
recolhia 15% dos 25% arrecadados pelos governos estaduais e
municipais e os redistribuía em cada estado, de acordo com a
quantidade de alunos das escolas estaduais e municipais. Havia
também um plano federal de compensação para os estados que gastavam
abaixo do esperado por estudante ou por professor. No contexto de
descentralização, em que as prefeituras eram forçadas a assumir
responsabilidades, vieram transferências de verba do governo
fe-deral, que apoiava uma campanha direcionada à melhoria da
formação dos professores, ao emprego obrigatório — pelas
prefeituras — do orçamento para educação em salários, currículos
escolares e provisões, e ao foco na melhoria da qualidade da
educação, em vez de meros investimentos em instalações físicas. A
educação básica passou a receber avaliações em âmbito nacional, e o
propósito da política federal para o ensino básico era o de
assegurar que as regiões mais carentes alcançassem padrões de
qualidade educacionais definidos nacionalmente, caminhando assim
para a redução das discrepâncias regionais.
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
O incremento da educação de nível superior já era uma das
grandes metas do governo federal — pelo menos a partir da Era
Vargas e principal-mente depois da década de 1960 —, que arcava com
a principal parte do investimento. Na década de 1930, novas
iniciativas foram empreendidas pelo governo federal para criar um
sistema educacional mais moderno. Entretanto, a primeira
universidade moderna foi criada, de fato, por um governo estadual
quando, nos anos 1930, o governo de São Paulo fundou a Universidade
de São Paulo. Em 1951, o governo federal se comprome-teu a apoiar
ativamente a pesquisa científica e criou o cnpq (Conselho Nacional
de Pesquisas, atualmente denominado Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e, logo depois, a Capes
(Coor-denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior),
para incentivar a formação científica por meio de bolsas de estudos
oferecidas a alunos
Fotógrafo não identificadoProfessores e alunos de escola rural
em João Pessoa
paraíba, 2 de julho de 2001
acervo ibge
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5 7
p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
interessados no autoaperfeiçoamento, tanto em instituições
brasileiras quanto em estrangeiras.
Mas foi somente no início da década de 1960 que o governo
federal fi-nalmente efetivou a criação das universidades federais
em todos os estados. Nessa mesma década houve uma grande reforma
universitária — baseada no modelo norte-americano moderno —, que
teve início com a criação da Universidade de Brasília, em 1962, e
com a Universidade Federal de Mi-nas Gerais. Em pouco tempo, o
governo federal efetuou uma importante ampliação nas áreas de
ciência e tecnologia, tanto nos antigos institutos tecnológicos
como nas universidades. Em 1962, o governo do estado de São Paulo
fundou uma universidade científica em Campinas e inaugurou a
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). De
fato, até a década de 1990, a maior parte da verba federal para a
educação foi direcionada para o ensino superior em detrimento do
ensino fundamental e secundário. No entanto, esses investimentos
colocaram o Brasil entre os poucos centros científicos de ponta dos
países em desenvolvimento, além de aumentarem drasticamente a
quantidade dos alunos que ingressavam no ensino superior. Em 1960,
apenas 1,1% do total de estudantes — ou 93 mil de um total de 8,8
milhões — frequentavam centros de educação su-perior. Em 1981, esse
número era de 1,4 milhão, o que correspondia a 5% dos 28 milhões
matriculados, e em 2002 era de 3,2 milhões, considerando todas as
formas de ensino superior — ou cerca de 7% do total de alunos.
Uma última área de ensino foi a formação técnica com patrocínio
da indústria, algo praticamente exclusivo do Brasil, desenvolvida
nos últimos cinquenta anos. Diante da incapacidade dos governos
municipal, estadual e federal em oferecer formação técnica de
qualidade — deficiência que até hoje persiste — e influenciados
pelo sistema alemão de treinamento de aprendizes, na década de 1940
industriais brasileiros implantaram um dos maiores programas de
formação técnica do mundo para fornecer a mão de obra qualificada
de que o grande número de indústrias em expansão neces-sitava. Em
1942, os industriais convenceram o governo federal a criar um
imposto sobre a folha de pagamento para financiar um sistema de
ensino administrado pelas associações do setor industrial privado
de cada estado. O Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial) e o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial)
passaram a oferecer cursos de curta e longa duração em áreas
técnicas e comerciais a milhares de estudantes.
Essas iniciativas, tomadas no final do século xx, para prover o
país de edu-cação fundamental e avançada, influenciaram os níveis
de escolaridade da população. O censo de 1872 constatou que 84% da
população — percentual
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bastante próximo ao de 1890 — não sabia ler nem escrever. Mesmo
em 1960, 40% da população com 15 anos ou mais era analfabeta e, em
1980, os quase 19 milhões de analfabetos representavam um quarto da
popu-lação nacional. Nessa época, o Brasil se via em indesejável
posição: atrás do Equador e pouco à frente da Bolívia, os últimos
colocados da América Latina em níveis de analfabetismo, e essa
posição relativa pouco melhorou até 2002. Entretanto, a quantidade
crescente de matrículas em escolas, por toda parte, nos últimos 25
anos, finalmente provocou a queda do analfabe-tismo em números
absolutos e relativos. Enquanto em 1991 foi registrado o pico de
29,5 milhões, o censo de 2000 apontou uma redução: o número de
analfabetos caiu para 22,9 milhões (considerando a população com
mais de 5 anos de idade), sendo que, proporcionalmente à população
total, o declínio foi de 23% para 15%. A preponderância do número
de mulheres entre os analfabetos, padrão vigente até então, também
desapareceu: ha-via mais mulheres do que homens matriculados na
escola. No ano 2000, a relação entre homens e mulheres analfabetos
era de 97 homens para 100 mulheres, idêntica à proporção entre os
sexos no total da população, registrada pelo censo; além disso, a
relação de analfabetos por gênero en-tre as pessoas com menos de 40
anos refletia a frequência escolar relativa, ou seja, a proporção
de homens analfabetos era muito maior do que a de mulheres. Como
era de se esperar, com mais crianças na escola, a idade média da
população analfabeta aumentou: em 1991 a idade média, entre as
pessoas acima de 5 anos, estava na faixa de 25 a 29 anos e, em
2000, migrou para o grupo de 35 a 39 anos.
Contudo, ainda existem acentuadas desigualdades nos índices de
anal-fabetismo, relacionadas à raça e à região. Em 2000, a
proporção de analfa-betos brancos era de apenas 10% da população
branca acima de 5 anos de idade, enquanto para os asiáticos era de
apenas 6%; já para negros e pardos era de 21% e 19%,
respectivamente. No que diz respeito às discrepâncias regionais,
mesmo no censo de 2000, mais da metade dos analfabetos com mais de
10 anos — aproximadamente 53% — concentravam-se no Nordeste, apesar
de aquela região compreender apenas 28% da população do país (ver
gráfico 9). O índice de analfabetismo nessa região era de 25%, e na
região Norte, 15%, caindo para 10% ou menos em todas as outras
regiões. Embora houvesse nítidos sinais indicativos de
transformação, as discrepâncias do analfabetismo por raça, etnia e
região ainda persistiam no país, e são um evidente reflexo das
diferenças de classe social.
Apesar da universalização da educação, persiste a questão da
qualida-de. Em 1978, a Unesco definiu o conceito de “alfabetismo
funcional” para
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p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
caracterizar uma pessoa capaz de utilizar a leitura, a escrita e
as habilidades matemáticas para fazer frente a seu contexto social.
No Brasil, esse indi-cador passou a ser calculado a partir de 2001,
quando 12% da população brasileira de 15 a 64 anos foi considerada
analfabeta funcional e outros 27% estavam no nível rudimentar.
Apenas 26% foram enquadradas no nível ple-no, ou seja, plenamente
alfabetizados. Embora ocorresse alguma melhoria nos níveis mais
baixos do indicador, não houve alteração no percentual da população
plenamente alfabetizada. Ou seja, apenas um quarto da popu-lação
brasileira de 15 a 64 anos tinha plena habilidade para ler e
escrever.
O Brasil conseguiu importantes avanços na educação, mas ainda se
encontra em meio a um lento e penoso processo para prover os
serviços sociais básicos garantidos em qualquer sociedade
industrial moderna do século xxi. Benefícios como
seguro-desemprego, aposentadoria, indenização trabalhista e plano
de saúde só começaram a ser garantidos nacionalmente
Total Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-
-Oeste
Distrito
Federal
15
20
25
30
35
5
10
1992 2002
GRÁFICO 9: PERCENTUAIS DE ANALFABETISMO ENTRE ADULTOS (15 ANOS
OU MAIS) POR
REGIÃO, 1992 E 2002 (EM PERCENTAGEM REAL)
Fonte: ibge. Dados disponíveis em:
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2003/b01.def.
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6 0
m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
Jesus CarlosAposentados reunidos na praça
angra dos reis, rj, 1990
imagem global
nos últimos 25 anos. Tal como ocorrido na maioria dos países do
hemisfério ocidental, os primeiros planos de aposentadoria formais
começaram com pequenos grupos de trabalhadores, em setores bem
definidos, nas décadas de 1920 e 1930. A primeira ampliação desse
sistema ocorreu em 1923, quando a chamada Lei Elói Chaves garantiu
aos trabalhadores ferroviários o direito à aposentadoria — e a seus
dependentes, em caso de morte do empregado — e à assistência
médica. Em 1926, esse direito foi estendido aos estivadores e, nas
décadas seguintes, com a contínua criação das capS — Caixa de
Aposentadoria e Pensões —, cada vez mais classes específicas de
trabalhadores foram contempladas. No início do governo Vargas,
muitas dessas “Caixas” específicas foram incorporadas a sistemas
setoriais maio-res — nomeados iapS, ou Institutos de Aposentadoria
e Pensões —, que até 1939 compreendiam praticamente 1,8 milhão de
trabalhadores segurados. Esses institutos setoriais, que se
tornaram centros de treinamento para um
-
6 1
p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
novo grupo de tecnocratas profissionais, ofereciam cobertura
limitada e desigual, e muitos enfrentavam dificuldades na
administração dos próprios recursos. Por volta de 1950,
calculava-se que 3 milhões de pessoas — apenas 21% da população
economicamente ativa — era atendida pelos iapS e capS, o que
representava somente cerca de 7% da população total. Essa cobertura
teve um tímido aumento na década seguinte e, em 1960, avaliava-se
que 4,2 milhões de pessoas eram beneficiadas, ou seja, apenas 23%
da população economicamente ativa.
Esse sistema limitado de assistência ao trabalhador mudaria
radical-mente na década de 1960 com a implantação do primeiro plano
nacional de previdência social. Em 1964, foi finalmente aprovada a
Lei Orgânica da Previdência Social, sob o governo Goulart, como uma
tentativa de consoli-dar o ineficiente sistema dos iapS. Também foi
esse o governo que tomou a primeira atitude séria relacionada à
seguridade dos trabalhadores rurais, com a criação, em 1961, do
Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural). A princípio,
porém, pouco se conseguiu nessa área tão importante. Reformas
expressivas continuaram depois do golpe militar de abril de 1964.
Na verdade, o primeiro ministro do Trabalho do regime militar e seu
chefe de gabinete eram especialistas de renome em seguro social. Em
1966, os iapS e as capS individualizadas foram finalmente
substituídos pelo inps (Instituto Nacional de Previdência Social),
que posicionou todo o sistema em uma base financeira mais sólida e
ampliou rapidamente a abrangência de cobertura, atingindo uma
proporção cada vez maior da população na-cional. Em 1968, dois anos
após sua criação, o inps, que foi desenvolvido para atender tanto
os trabalhadores empregados formalmente como os au-tônomos, já
cobria 7,8 milhões de pessoas. Em 1970, o inps foi ainda mais
adiante na metódica ampliação do número de trabalhadores
beneficiados e, em 1971, estendeu a cobertura aos trabalhadores
rurais — tornando o Funrural, pela primeira vez, uma instituição
eficaz —, e, em 1972, os trabalhadores domésticos foram também
beneficiados.
O número de inscrições de novos trabalhadores no inps crescia
ra-pidamente e em 1980 já havia 24 milhões de participantes, o
triplo da quantidade inscrita durante todo o seu primeiro ano de
funcionamento. Em 1966, o novo governo também criou o Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (fgts), financiado pela arrecadação
de 8% da folha de pagamento, depositada pelos empregadores; tinha o
propósito de ser usado como uma espécie de seguro-desemprego para
todo trabalhador demitido — com as relações trabalhistas sendo
agora muito menos rígidas —, como fundo de reserva para
aposentadoria ou como fonte de recursos para aquisição da casa
-
6 2
m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
própria. A maior parte dessa arrecadação ia para o bnh, o Banco
Nacional da Habitação, para fomentar um grande aumento do número de
construção de moradias. O sistema foi capaz de financiar 4,4
milhões de habitações, mas apenas um quarto das operações
beneficiou a população de baixa renda.
Aliados aos vários tipos de planos de previdência, o inps e o
Funrural também começaram a oferecer assistência médica através do
Inamps (Ins-tituto Nacional de Assistência Médica da Previdência
Social), e, em 1974, surgiu o Ministério da Previdência e
Assistência Social, que englobou todos esses diversos planos de
previdência, aposentadoria e saúde até o fim do regi-me militar. Em
1988, com a volta da democracia ao país, a assistência social
tornou-se uma área de intensa discussão, o que teve influência
decisiva na redação de grande parte da Constituição de 1988. A
Constituição declarava o direito universal não só à saúde, mas
também a um sistema integrado de seguridade e assistência social.
Dessa forma, todos os trabalhadores, dos
Jesus CarlosConjunto habitacional popular do bnh na periferia da
cidade de Natal
rio grande do norte, 1990
imagem global
-
6 3
p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
setores público e privado, eram contemplados pelo mesmo sistema,
cujo financiamento provinha de uma base tributária mais sólida, e o
valor das aposentadorias foi atrelado à inflação. Por fim, a
aposentadoria passou a ser um direito universal de todos os homens
e mulheres do meio rural, traba-lhadores registrados ou não,
independentemente de terem feito pagamento prévio de qualquer tipo
de plano de aposentadoria.
No início da década de 1990, essas reformas finalmente entraram
em vigor, na forma da Lei Orgânica da Seguridade Social. Os
programas de assistência e de seguridade foram reorganizados no
novo Instituto Nacio-nal do Seguro Social (inss) — que substituiu o
inps, o Funrural e outros setores de assistência social —, e houve
também a migração de todas as atividades relacionadas à saúde para
o Ministério da Saúde.
Em 2004, calculava-se que aproximadamente 42 milhões de
trabalha-dores brasileiros com idade entre 16 e 59 anos contribuíam
para o inss e planos de aposentadoria municipais ou estaduais —
29,7 milhões através do Regime Geral da Previdência Social (rgps),
7,7 milhões de trabalhadores rurais com cobertura pelo rgps e 4,8
milhões por meio de planos de aposen-tadorias municipais e
estaduais —, e mais ou menos 22 milhões de pessoas eram
beneficiárias, apesar de quase 27 milhões de trabalhadores efetivos
estarem ainda sem cobertura. O novo compromisso com o direito
universal à aposentadoria para os trabalhadores rurais teve um
efeito extremamente importante na redução da indigência e pobreza
da população. Embora es-sas aposentadorias rurais a princípio
fossem bastante pequenas — 85% da população rural recebia menos de
um salário mínimo em 1985 —, foram melhorando progressivamente e,
na Constituição de 1988, o piso da aposen-tadoria para
trabalhadores rurais foi elevado para o salário mínimo. Avalia-se
que essas aposentadorias diminuíram não só a pobreza da população,
mas também as diferenças sociais no meio rural. Aliás, o Brasil
está entre os países em desenvolvimento mais avançados em
iniciativas para reduzir a pobreza da população rural. Dessa forma,
pela primeira vez no país, ser idoso e morar no campo não
significava correlação automática com a miséria.
Entretanto, ainda perduram outros problemas no sistema de
seguridade social do país. Como todos os países latino-americanos,
o Brasil enfrentou o desafio de um crescente mercado de trabalho
informal e seu impacto negativo na seguridade social no período
anterior a 2000. A abertura da economia nos anos 1990 causou uma
diminuição relativa do número de trabalhadores formais — com
carteira de trabalho assinada — que contribuíam para o sistema.
Entre 1985 e 2002, o número de trabalhado-res formais nas
indústrias teve um aumento insignificante — foi de 6,5
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
milhões para 6,7 milhões, o que representou menos de 0,2% de
crescimento anual. De modo geral, o número de trabalhadores
registrados subiu de 20,4 milhões para 28,7 milhões, mas esse
aumento mal acompanhou o crescimento da população economicamente
ativa, que foi de 55 milhões para 86 milhões no mesmo período. Em
1985, havia um trabalhador formal para cada 2,7 trabalhadores no
país e, em 2002, essa relação era de um para três. No censo de
2000, avaliou-se que os trabalhadores registrados compu-nham
somente 34% da população economicamente ativa. Nos países em
desenvolvimento, de maneira similar, a viabilidade da estrutura de
todos esses sistemas de seguridade e aposentadoria depende do
desenvolvimento continuado da economia e é extremamente sensível a
mudanças de status da força de trabalho.
Nos últimos 25 anos do século xx, o governo brasileiro também
criou programas específicos para complementar os salários dos
trabalhadores
Jesus CarlosO mercado informal: camelô no centro da cidade de
João Pessoa
paraíba, 29 de dezembro de 2010
imagem global
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6 5
p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
formais. Em 1977, foi implantado o programa “vale-refeição”, em
que todo empregador devia pagar uma refeição completa aos
empregados, por turno de trabalho, valor que seria deduzido dos
impostos. No início do século xxi, cerca de 100 mil empresas e 8,5
milhões de trabalhadores foram atendidos por essa disposição, a
metade dos quais fazia a refeição no próprio local de trabalho e os
outros recebiam tíquetes para utilizar em restaurantes nas
proximidades. Em 1985, foi acrescentado o pagamento diário de
transporte, custeado da mesma maneira, atingindo o mesmo número de
empresas e trabalhadores. Esses programas, somados às outras
contribuições sociais, ampliaram o valor real do salário dos
trabalhadores, principalmente os de baixa renda, mas, ao mesmo
tempo, praticamente dobraram o custo
Marcello Casal Jr.A Agência do Trabalhador distribui carteiras
no 1o de Maio,
Dia do Trabalho, incentivando a geração de empregos
formaisbrasília, df, 2007
agência brasil
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
efetivo da mão de obra. Outro ponto importante é que, apesar de
essas remunerações suplementares serem de fundamental importância
para a economia como um todo, beneficiam apenas os trabalhadores
inseridos no mercado formal de trabalho.
Diferentemente da previdência, que passou de um sistema
descentraliza-do para um mais centralizado pelo governo federal, no
decorrer dos séculos xix e xx a história da saúde pública no Brasil
caminhou no sentido contrário. Desde o princípio, a saúde pública
foi uma preocupação fundamental do governo, primeiro nos portos e
na capital imperial, depois nos territórios e, finalmente, nos
estados e municípios. O fato de os líderes pioneiros no movimento
de saneamento terem sido proeminentes cientistas, intimamente
relacionados com a elite política, contribuiu para que as questões
de saúde pública se tornassem interesse prioritário do governo
federal, como foi o caso
Fabio Rodrigues PozzebomO então presidente Lula na comemoração
dos sete anos do programa Bolsa Família
brasília, 7 de dezembro de 2010
agência brasil
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6 7
p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
da famosa campanha da vacinação do início do século xx. Ainda
nas décadas de 1910 e 1920 o governo apoiou a intervenção da
Fundação Rockfeller em campanhas pela saúde e contra epidemias nos
estados do Nordeste e exigiu uma lista nacional de doenças, além de
inúmeras outras medidas de saúde pública. Por fim, com a criação
dos primeiros grupos de pensão e aposenta-doria, nos anos 1920, foi
desenvolvido também um movimento sistemático para a criação de
postos de saúde regionais, vinculados aos novos iapS e às Caixas de
Aposentadoria. Em 1953, todas essas iniciativas governamentais
finalmente conduziram à criação do Ministério da Saúde. No decorrer
das décadas de 1950 e 1960, uma parte cada vez maior do orçamento
do país passou a ser direcionada para a saúde, embora a cobertura
fosse bastante tímida, considerando as necessidades da sociedade em
âmbito nacional.
Porém, a partir dos anos 1940, travou-se um incessante debate
entre federalistas e antifederalistas, e entre os que defendiam a
medicina pre-ventiva e os que se concentravam na erradicação de
doenças contagiosas. Debate esse que, em muitos aspectos, não se
resolveria até o final do século xx. Outro fato também em discussão
era se as atividades médicas deveriam ser retiradas dos fundos de
aposentadoria e inseridas em um sistema nacional, controlado pelo
governo federal. Veementes protestos sindicais impediram que isso
ocorresse, até o golpe militar de 1964.
Entre as muitas reformas estruturais efetuadas pelo governo
militar, a mais importante para a saúde pública foi a criação do
inps (Instituto Nacional de Previdência Social), em 1967. O inps
assumiu o controle de todos os planos médicos oficiais existentes e
passou a oferecer assistência médica a todos os trabalhadores
registrados, autônomos e profissionais inscritos em planos de
aposentadorias. No início da década de 1970, foi criado o Inamps,
vinculado ao inps, para dirigir o sistema de saúde e a Ceme
(Central de Medicamentos) para centralizar a compra, produção e
distribuição de medicamentos a todas as instituições. Depois de
estabele-cido, esse sistema dominou a assistência nacional à saúde
até a década de 1980, e o Inamps criou superintendências regionais
em todo o país para administrar seus programas. Embora as Forças
Armadas e o funcionalis-mo público tivessem seus próprios hospitais
e clínicas e muitos estados e prefeituras oferecessem esse serviço,
o Inamps era o principal provedor. No final da década de 1970,
calculava-se que 75% da população brasileira era atendida pelos
postos de saúde e hospitais do Inamps, que controlava perto de 340
mil leitos hospitalares no país.
O período entre o final da década de 1970 e o início dos anos
1980 presenciou a consolidação do sistema de assistência nacional à
saúde e um
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6 8
m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
crescente empenho para sua universalização. Entre as ações que
levaram a essa mudança conta-se a expansão do Funrural, na década
de 1970, que passou a prover atendimento médico para todos os
trabalhadores rurais, e a incorporação gradual de todos os
funcionários do governo, além de hospitais e postos regionais, à
rede nacional. Esses esforços para a univer-salização da
assistência à população foram seguidos, na década de 1980, de nova
ênfase na delegação aos estados e municípios de alguns poderes do
sistema federal. Em 1983, o Inamps começou a elaborar acordos
formais com diversas secretarias de saúde estaduais e municipais
para oferecer apoio financeiro federal à prestação de assistência
regional à população, e, paralelamente, as superintendências
regionais do Inamps foram integradas a essas secretarias. Todas
essas mudanças foram incorporadas à Constituição de 1988, que
garantiu a todos os cidadãos o direito à assistência gratuita à
saúde. A descentralização do sistema de assistência à saúde —
assunto predominante na época — também foi instituída na
Constituição, com o acréscimo da ideia de que os conselhos
regionais de saúde deveriam ser incorporados, compartilhando do
planejamento e da administração do sistema. O novo sus (Sistema
Único de Saúde) veio a absorver todas essas mudanças e todos os
institutos e organizações anteriores. O propósito de todas essas
reformas era tanto eliminar excesso de burocracia em todos os
níveis, como oferecer financiamento federal para sistemas
regionais.
Porém, a crise econômica e política do início da década de 1990
re-duziu drasticamente o financiamento do sistema nacional de
assistência à saúde e, consequentemente, o fornecimento desse
serviço. Coube ao governo de Fernando Henrique Cardoso iniciar uma
cuidadosa reestrutu-ração financeira desse dispendioso sistema,
através de tributação específica. A municipalização do sus foi
bastante bem-sucedida e, em 2000, a ele estavam incorporados mais
de 5,3 mil dos quase 5,7 mil municípios do país — abrangendo 93% da
população nacional. Dessa maneira, em 2000, o sistema foi
rapidamente municipalizado, com participação ativa dos estados nas
prefeituras que não haviam adotado a gestão plena da saúde. Os
recursos para esse sistema vinham dos três segmentos do governo,
mas com participação sempre crescente dos estados e municípios. Uma
grande proporção dessas prefeituras também tinha associações
populares regionais, que ofereciam apoio e aconselhamento ao
sistema municipal.
Todas essas iniciativas e investimentos provocaram grandes
mudanças na saúde do país. Em 2001, apenas 5% das parturientes não
haviam feito pré-natal e somente 4% não deram à luz em hospitais.
Algumas práticas inovadoras também foram implementadas. Na década
de 1990, o governo
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p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
Marcello Casal Jr.Comemoração à lei que obrigou o Sistema Único
de Saúde
a realizar exames de mamografiabrasília, df, 29 de abril de
2009
agência brasil
proveu tratamento gratuito e continuado para todos os portadores
de hiv/Aids — um programa bastante avançado para os padrões
mundiais. Em 1996, foram gratuitamente distribuídos medicamentos
antivirais para pessoas com Aids e, em 2001, mais de 100 mil
pacientes receberam tais medicamentos.
Embora ainda haja sérios problemas na assistência à saúde no
país, uma grande parcela da população parece ter algum tipo de
atendimento, con-siderando o sus e os planos privados. No passado,
a falta de atendimento estimulou o mercado privado de planos de
saúde. Mesmo com criação do sus, a persistência da baixa qualidade
e a oferta insuficiente dos serviços oferecidos pelo setor público
permitiu a expansão desse segmento, que atende principalmente a
classe média e parte dos trabalhadores do mercado formal de
trabalho. Em 2008, esse mercado privado atingia 45 milhões de
pessoas, cerca de um quarto da população. O mercado oferece planos
de
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
todos os tipos, abrangência e qualidade, e, apesar da
regulamentação e controle governamental, representa um dos
segmentos de maior conflito entre as empresas e os consumidores. A
evolução da área de saúde, com novas tecnologias e custos
crescentes e a visão empresarial das empresas do setor, explica a
natureza desse conflito. Uma Pnad sobre saúde, realizada em 2003,
revelou que cerca de 140 milhões de brasileiros — 79% da popu-lação
— tinham acesso regular a atendimento médico, sendo os postos de
saúde municipais o instrumento mais importante, utilizado por mais
da metade da população que havia necessitado de assistência.
Médicos parti-culares haviam feito 18% das consultas. Comprovou-se,
também, que 63% da população havia consultado um médico nos doze
meses anteriores — mais do que os 55% de 1998; essa proporção era
de 78%, considerando as crianças com menos de 5 anos, e de 80% para
as pessoas acima de 65 anos, no mesmo período. E ainda mais
impressionante: 66% das mulheres com mais de 40 anos fizeram o
exame de mama e, considerando o grupo acima dos 24 anos, 79% haviam
feito o exame preventivo “papanicolau”, e 84% de toda a população
foi ao dentista pelo menos uma vez.
Como essa pesquisa indicou, o Brasil de 1960 ainda apresentava
muitas características de uma sociedade pré-moderna tradicional.
Suas taxas de fertilidade e os padrões de família e casamento pouco
se diferenciavam do que acontecia no século xix, ou mesmo no xviii.
Era ainda uma sociedade predominantemente rural, com diferenças
regionais drásticas e um índice de analfabetismo altíssimo. Porém,
entre os anos 1960 e 2000, isso mudou. O Brasil não só mudou
radicalmente para uma sociedade urbana e relati-vamente instruída,
mas viveu uma revolução demográfica em termos de fertilidade, o que
causou impacto profundo em todos os aspectos sociais. A queda dos
níveis de fertilidade desacelerou o crescimento populacional e a
mulher assumiu um novo papel no controle da própria fertilidade.
Tudo isso, aliado a mudanças de postura em relação ao papel da
mulher, gerou uma enorme alteração na estrutura familiar e continua
em plena evolução no século xxi. Essa época foi também o momento em
que o Estado brasileiro, por fim, se comprometeu plenamente com a
adoção de um modelo moderno de assistência ao trabalhador e, pela
primeira vez, foi capaz de prover assistência à saúde e
aposentadoria a grande parte da população. Todas essas fundamentais
mudanças levaram a um contínuo aumento na expectativa de vida, à
melhoria da saúde e à queda gradativa nas diferenças regionais em
educação, saúde e assistência ao trabalhador. Apesar disso,
persistem graves problemas sociais e uma imensa desigual-dade
econômica. Assim, o Brasil continua com indicadores sociais
baixos,
-
7 1
p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e
Gerson GerloffAvó, mãe e filhas: três gerações
santa maria, rs, abril de 2010
pulsar imagens
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m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i
a
mesmo se comparado a vários países da América Latina, e uma
distribuição de renda das mais perversas do mundo. O país avançou,
mas muito precisa ser feito para melhorar as condições de vida e as
oportunidades de sua imensa população.
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