nem tanto, nem tão pouco algumas reflexões em educação socioambiental FRANCISCO ANTONIO ROMANELLI Varginha, MG – 2007 O presente trabalho constitui-se de pequenos artigos originalmente publicados entre os anos de 2004 e 2006 em colunas periódicas dos jornais Jornal do Sul de Minas e Correio do Sul, com circulação na região do Sul de Minas Gerais, e em outras publicações esparsas de diversas localidades.
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Nem tanto, nem tão pouco - reflexões em educação socioambiental
Coletânea de pequenos artigos voltados para o desenvolvimento de melhor consciência socioambiental e publicados em periódicos entre 2004 e 2006.
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nem tanto,
nem tão
pouco algumas reflexões em educação socioambiental
FRANCISCO ANTONIO ROMANELLI
Varginha, MG – 2007
O presente trabalho constitui-se de pequenos
artigos originalmente publicados entre os anos de
2004 e 2006 em colunas periódicas dos jornais Jornal
do Sul de Minas e Correio do Sul, com circulação na
região do Sul de Minas Gerais, e em outras
publicações esparsas de diversas localidades.
À guisa de apresentação
os que tiverem acesso a este trabalho, ou partes dele,
confiamos a tarefa de bem aproveitá-lo.
Como?
Inicialmente, reconhecendo que todos nós precisamos
melhorar nossas consciências ambientais: todos degradamos,
todos somos responsáveis pela redução da qualidade ambiental
do planeta e, por isso, sempre temos campo para aprimorar
nossa consciência ambiental e social, em busca de um mundo
melhor, mais justo, mais bonito, mais limpo, com mais saúde e
com melhor qualidade de vida.
Devemos isso ao nosso planeta, a nossos semelhantes, a nós
mesmos e, principalmente, a nossos descendentes. Nossos filhos
não deveriam ser onerados com a responsabilidade de
consertar aquilo que estragamos. Nem deveriam sofrer, na
saúde e na vida, as nefastas consequências de nossa
inconsequência.
Aprimorar a consciência é essencial. Mas não é tudo. O leitor
bem intencionado deverá aconselhar-se com sua consciência
ampliada e fazer coisas práticas. Melhorar efetivamente o
mundo que o rodeia, o mundo que é parte do universo a seu
redor e sobre o qual tem influência. Qualquer pequena ação
será sempre enorme, quando somada a inúmeras outras
pequenas ações.
Por fim, a cada um de nós sempre cabe a missão de
retransmitir, paciente e dedicadamente, a todos a quem
pudermos, nossa ansiedade pela cura do ambiente planetário; a
cessação da degradação e o início da recuperação. Somos
todos educadores e dessa tarefa missionária não devemos nos
apartar em nenhum instante de nossa existência.
A
NEM TANTO, NEM TÃO POUCO
xistiria uma medida exata em que fosse possível avaliar o
grau de consciência ecológica de cada indivíduo?
Estamos todos em um mesmo barco, ou uma mesma nave,
como queiram (ou em um lindo balão azul), viajando pelos
confins do espaço, na periferia de uma galáxia que nós
denominamos de Via Láctea. Sim. Somos punks da periferia. Algo
como estar morando em um bairro que ficasse a dois ou três
quilômetros do centro da cidade. Quando olhamos para o azul
noturno estrelado e aveludado do céu (isso onde não há
excesso de poluentes que ofusquem a visão), e vemos aquele
caminho conhecido como via láctea, estamos, nem mais nem
menos, que olhando as luzes do centro da "cidade", ou melhor,
da galáxia.
Somos, portanto, algo como um cidadão classe média do
espaço, que mora nos arredores do centro movimentado e
nervoso da cidade. Somos pouco importantes, em termos
astronômicos. Nossa estrela, uma estrela média, sem
características de grande importância, perdida dentre as
prováveis outras duzentos milhões de estrelas da galáxia. Não
bastasse isso, nossa galáxia se perde em seu próprio grupo local
de galáxias e nosso grupo local se perde nas estimadas duzentos
milhões de grupos. Enfim, olhar para o centro da cidade, para o
brilho das estrelas mais distantes - e todas as visíveis a olho nu
estão dentro da galáxia - é olhar para o infinito.
E o que isso tem a ver com o grau de consciência ecológica
do indivíduo? Muito. Se soubéssemos o quão frágil e pequeno é
nosso sistema planetário, a rede que abarca a vida e todos os
sistemas vivos, teríamos mais cuidado com esse pequeno ponto
azul esquecido em uma via secundária de uma periferia
distante, em uma galáxia perdida, onde, para o macro, somos
quimeras e poeira. Uma existência sem ser percebida, um
sistema que desaparece na distração do imenso colosso de
construções estelares que compõem a galáxia. Idem, para a
nossa galáxia em meio às demais. Idem, para o ser humano em
uma visão planetária...
Não somos tanto, mas também nem pouco. Partimos do
princípio que somos dotados da maior riqueza que se pode
imaginar no universo. A vida. E dentro de um quadro de
tamanha fragilidade, essa vida precisa e merece ser cuidada e
preservada. Conscientizar-se ecologicamente é perceber a
importância desse quase nada que merece quase tudo; é
batalhar pela sua permanência e persistência na vastidão do
espaço. Ao infinito e além, sempre. Conhecer problemas sociais,
E
econômicos, ambientais é uma coisa. Estar consciente o risco
que esses problemas representam ao nosso precioso tesouro, a
vida, é outra conversa...
Os números, os dados, as estatísticas não mentem. Somos a
maior das causas de destruição em massa da vida no planeta.
Estamos reduzindo nossa biodiversidade a uma acelerada
velocidade que pode estar chegando a duas ou três espécies
extintas por hora. Nem mesmo a famosa catástrofe cósmica
representada pela possível queda de um asteroide ou de um
cometa nas costas do México e que provocou a extinção da
dinastia sáuria no planeta se equipara à nossa força de
destruição. Vamos nos conscientizar de que se não somos tão
pouco, também não somos tanto a ponto de se arvorar na
espécie que pode subjugar, dominar e destruir as demais. Tarde
demais, aprenderemos que a extinção das espécies por nós
gerenciada será a nossa própria extinção.
ÁGUA, O TESOURO QUE VASA PELO RALO
im, quando se trata de recursos naturais, o Brasil é o grande
vencedor. Medalha de ouro em quantidade de água
(cerca de 13% da água potável disponível no planeta), em
biodiversidade (quase 20% das espécies vivas), em florestas
(cerca de 60% da maior floresta tropical úmida, a Amazônica).
Mas, na direção oposta, somos também grandes competidores:
alto índice de desmatamento (a Mata Atlântica está reduzida a
míseros 5 ou 6% da área original – tendo como parâmetro o
descobrimento oficial, 1500 -, a floresta Amazônica está sofrendo
um desmatamento equivalente a uns três mil metros quadrados
por hora), poluição atmosférica crescente (milhares de
toneladas de carbono originárias das queimadas, dos motores a
combustíveis fósseis, das fábricas) etc.
Fixemo-nos, por ora, no enorme desperdício da água. A
metade da água distribuída é desperdiçada, quantidade que
daria para abastecer ao mesmo tempo a França, Bélgica, Suíça,
Norte da Itália e Holanda, conforme atesta o teólogo, filósofo e
ecologista Leonardo Boff. Ressalta, ainda, que, para que seja
produzido um quilo de carne bovina, são gastos 15 mil litros de
água; um quilo de vegetais, mil e 300 litros. Um ovo nos custaria
mais de mil litros.
Apenas 3% da água existente no planeta são potáveis e
somente 0,75% está acessível para consumo humano e utilização
agrícola e industrial. A maior parte, cerca de 70%, vai para a
irrigação e produção agrícola e para a agroindústria. As
indústrias utilizam a média de 20% e 10% são utilizados nas casas.
O maior desperdício vem na má utilização, distribuição irregular
e poluição da água urbana e industrial. As construções e vias
impermeabilizam o solo, cerca de ¼ parte da água tratada e
distribuída se perde em vazamentos, entre o fornecedor e as
torneiras do consumidor. A destruição da cobertura vegetal,
principalmente a eliminação das matas de topo, alteram
radicalmente a distribuição dos reservatórios. A falta das matas
ciliares permite que as águas escoem em velocidade
inconveniente para os cursos principais, provocando
assoreamentos e não raramente enchentes no período de
chuvas e escassez no período de secas.
O excesso de agrotóxico utilizado nas lavouras, além de
contaminar lençóis freáticos, escoa com rapidez, água abaixo,
contaminando cursos de água. Idem, no que se refere ao lixo
irregularmente atirado no ambiente. As queimadas ressecam e
S
aquecem em demasia o ar, alterando os ciclos dos ventos e das
chuvas. As consequências: desertificação, tempestades tropicais
e extratropicais anômalas, secas em um dos pratos da balança,
com temperaturas extremamente altas, e esfriamento em outro,
com tempestades de neve, inundações etc. etc.
Hoje, perto de 70% das internações hospitalares e doenças
tratadas têm origem em veiculações hídricas, ou seja, vêm da
água ou de sua carência. Mais de 2 bilhões de humanos, dos 6
que habitam o planeta, padecem pela falta ou má qualidade
da água, segundo dados da ONU, que também adverte que
essa proporção crescerá, em menos de vinte e cinco anos, para
2/3 do contingente populacional.
A água, também segundo dados da ONU, mata, pela má
qualidade, dez vezes mais que as guerras armadas. Informa que
cerca de 70 conflitos existem hoje pelo acesso a esse precioso
líquido. O grande tesouro do século atual se degrada
rapidamente. Nós estamos sofrendo as consequências da
degradação. Sofreremos cada vez mais, enquanto não
soubermos aproveitar bem tão precioso. Sem dúvida, estamos
deixando escapar pelos ralos uma riqueza inestimável. Nossos
descendentes nos cobrarão essa dívida.
DE VOLTA AO MEU ACONCHEGO
e volta ao meu aconchego, depois de uns dias em
missões extra urbanas, penso no quão bom e agradável
é estar em nossa casa, nosso Lar. E faço, em meus
devaneios, uma analogia com o planeta. Se de volta de uma
viagem interestelar, encontrasse o descanso em nossa casa
global. Imagino a sensação de ver surgir na escotilha reluzente
de minha nave, na escuridão do espaço, uma pérola azul,
brilhando ao ser iluminada pela estrela mais próxima, de início
pequena, depois aumentando... aumentando... Tanto
contentamento, só no campo da imaginação. Nos devaneios
de quem se recorda que é morador de uma casa comum, o
planeta Terra.
Hoje, dia em que escrevo esta coluna, 22 de abril, é dia
internacional da Terra. Nosso planeta lar. Uma pérola azul
perdida na imensidão do espaço. Um abrigo para algo em torno
de alguns milhões de espécies de vida, inclusive para mais de 6
bilhões de indivíduos da espécie dominante, conhecida como
humana, que se arvorou em proprietária absoluta e definitiva
desse lindo balão azul. No artigo da semana passada, que não
chegou a ser publicado, pois se extraviou nas linhas complexas
da rede mundial de computadores (ah, essas tecnologias
terrestres de ponta...), refletia sobre o dia da conservação do
solo, 15 de abril, e constatava que a degradação continuou e
continua cada vez mais acelerada. Estamos corroendo nossa
mãe Terra, nosso lar, quais vorazes cupins cuja fome é insaciável.
Ki, meu imaginário amigo do imaginário planeta Og (se
existisse, estaria orbitando a estrela Tetha da Constelação de
Centauros), depois de visitar uma vez mais a Terra, para colher
materiais para sua dissertação de mestrado, volta ao seu próprio
lar, esboçando um tópico do trabalho (em hologramas de
altíssima resolução, já que a tecnologia ogniana superou, há
milênios, a necessidade de se fabricar papéis utilizando a
celulose da madeira, evitando derrubadas espetaculares e
desmatamentos formidáveis), pondera: "Há vida inteligente no
Planeta Terra? Provavelmente, sim. Pesquisas recentes,
contrariando as linhas de pensamento acadêmicas majoritárias,
demonstraram que uma das bilhares de espécies de vida
existentes no planeta, conhecida por canina, e que vive se
fazendo acompanhar e habitando junto com a espécie
dominante, conhecida como humana, tem demonstrado
manifestar uma espécie de inteligência, ainda que primária e
rude".
D
A pergunta sobre a existência de vida inteligente no espaço
não é recente, mas foi retomada após alguns fatos ufológicos
da década de 50. As décadas de 60 e 70 viveram momentos de
uma fantástica revolução intelectual e de costumes. A pergunta
cada vez mais aguçou o pensamento pseudocientífico e
científico do período. Mas os olhos estavam voltados para o
espaço, para as utopias, para os sonhos, para os ideais e
ninguém se olhou. Nem se olhou no espelho. Perguntaram,
movimentos culturais e comunidades hippies, se havia
inteligência no Planeta Terra. Ninguém soube responder.
Os mesmos, hoje, desbastados de suas vastas cabeleireiras,
substituídas por calvas da idade, despidos de suas vestes floridas
e da embriaguez sonambúlica dos ideais que trajavam e que
foram substituídas por terno e gravata, se assentam nas cadeiras
do poder. São os dirigentes do mundo. Agitaram a bandeira do
"paz e amor". Hoje fabricam guerras e sugam riquezas, atos iguais
aos ancestrais, então combatidos. Mero erro conceitual. A frase
deveria ser "paz é amor"...
MEIO AMBIENTE COMO INSTRUMENTO DE BEM ESTAR
SOCIAL
dequada condição ambiental propicia qualidade de
vida ao indivíduo e, consequentemente, contribui com o
bem estar social.
O bem estar social depende da sadia qualidade de vida da
população. E a sadia qualidade de vida é baseada em um meio
ambiente equilibrado e em um ideal de cidade sustentável. Isso
significa uma população que tenha acesso à saúde, ao
emprego pleno, à moradia, à educação, à segurança etc.
Os instrumentos técnicos de proteção ambiental são
disponibilizados constitucionalmente para uso do Estado como
um todo (englobados os três poderes políticos – Executivo,
Legislativo e Judiciário – e os três níveis de governo da
federação – Federal, Estadual e Municipal). São eles,
principalmente, o processo legislativo (Legislativo), a execução
das normas legais (Administração) e sua aplicação coercitiva
(Judiciário).
Da soma desse encadeamento político surge a efetividade
das normas de proteção ambiental visando o bem estar social.
Esse processo visa, primordialmente, nos agrupamentos
sociais, o saneamento básico, a disposição de resíduos sólidos e
a preservação de ambientes necessários à qualidade de vida e
à saúde da população.
Na parte de saneamento, destacam-se a qualidade das
águas, seu tratamento e distribuição, o esgotamento sanitário de
resíduos líquidos e seu tratamento para devolução aos cursos de
água etc.
Quanto aos resíduos sólidos, a maneira de coleta (coleta
seletiva, reciclagem etc.) e a deposição final dos resíduos (aterro
sanitário, aterro controlado, lixão).
A
Na preservação ambiental, a proteção de áreas verdes, a
educação ambiental, criação de unidades de preservação
(parques, estações ecológicas etc.), o monitoramento da
qualidade das águas, o combate às diversas formas de poluição
(incluindo a poluição do ar: queima de combustíveis fósseis,
emissões oriundas do processo fabril, queimadas etc.).
O Estado dispõe de um sistema de meio ambiente, tanto a
nível federal, como estadual e municipal. Na União, o Ministério
do Meio Ambiente, no Estado a Secretaria Estadual de Meio
Ambiente e nos municípios a Secretaria Municipal de Meio
Ambiente ou um serviço especializado e adequado às funções
de preservação ambiental.
Todos esses sistemas são assessorados por Conselhos
(CONAMA, da União, COPAM, no Estado de Minas Gerais, e
CODEMA, no Município de Varginha), que são órgãos de
elaboração da política ambiental e por autarquias ou
fundações, que são os órgãos técnicos (IBAMA – federal -, IEF,
FEAM – estaduais. O município de Varginha ainda não possui
órgão equivalente).
Através desse sistema de proteção ambiental são feitas as
análises de impacto e o licenciamento de atividades
potencialmente poluidoras, a fiscalização e a punição
administrativa dos infratores.
Todo esse sistema visa o bem estar social através do ambiente
equilibrado e que possa abrigar vida que tenha uma qualidade
ideal e seja saudável.
AMAZÔNIA, SOB FOGO CERRADO
Amazônia nunca esteve tão em evidência nos meios
científicos e governamentais. Em primeiro lugar, uma
revista de circulação nacional, em fins do ano passado,
informou que o desmatamento estava diminuindo. E os que se
preocupam com aquele vasto ecossistema respiraram aliviados.
Afinal, a informação vinha de fontes possivelmente bem
credenciadas. Dois anos antes, o IPA – Instituto de Pesquisas da
Amazônia, em trabalho conjunto com o Smithonian Institution,
face iminente risco de desastre que se potencializava no projeto
governamental “Avança Brasil”, publicaram um relatório nada
confortável. Segundo suas previsões, até 2020 pelo menos 25%
da Floresta Amazônica brasileira teria desaparecido (utilizando-
se como parâmetro o ano de 1500, ano da descoberta oficial do
Brasil). Isso em uma visão otimista. Uma visão pessimista
apontava o desmatamento de cerca de 47%. Até 2000, segundo
o mesmo estudo, já haviam desaparecido 13% da imensa
floresta.
A alegria durou pouco. Quando o INPE – Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais, que monitora, via satélite, a degradação
amazônica, publicou seu relatório 2003 (que inclui as medições
entre agosto de 2001 a julho de 2002) o susto foi geral. De uma
devastação de cerca de 17 mil e 500 quilômetros quadrados
apurada no período anterior (agosto 2000 a julho de 2001), o
desastre saltara para 23 mil e 500 quilômetros quadrados. O
Presidente da República, assustado, pediu novas medições, que
confirmaram o quadro nada agradável. A devastação
galopante assola sem piedade a floresta.
Culpados foram apontados, ora pecuaristas, que estariam
desmatando e queimando áreas enormes para criação de
gado. Ora, agricultores, que causavam semelhante desastre
para abrir áreas de plantação, principalmente de soja.
Madeireiros abocanham um bom naco da culpa. A construção
da BR 163, que liga Cuiabá a Santarém (fruto do projeto Avança
Brasil) é outra dos muitos vilões que interpretam esse drama.
Em seguida, vieram ideias de privatização das áreas públicas
amazônicas colocando mais lenha na fogueira – digo, na mata.
O Estado de São Paulo, publicação renomada de circulação
nacional, publicou ontem – 16/8, na seção Geral (pág. A-13),
que “Pesquisadores brasileiros e americanos vão tocar fogo na
Amazônia a partir de hoje. O experimento faz parte do Projeto
Savanização, que vai estudar a dinâmica do fogo e os seus
A
efeitos sobre a floresta em áreas de transição com o Cerrado, a
savana brasileira. Os pesquisadores querem saber detalhes
como a velocidade de propagação, a temperatura e a altura
das chamas de uma queimada em diferentes situações”.
Os ruralistas, bancada de produtores rurais na Câmara e no
Senado, querem que a lei seja modificada, para que apenas
20% da Amazônia brasileira possam ter o status de área de
preservação. A soja avança, a criação de gado avança, a
economia avança, a estrada, a despeito das muitas
controvérsias e brigas judiciais a respeito, também avançará. O
fogo transforma parte do território em cerrado. A floresta chorou
gotas de chuva maiores de que quaisquer outras anteriormente
anotadas pela ciência. Sem dúvida, a maior floresta tropical do
mundo, que abriga o maior volume da água do planeta, a
maior biodiversidade da Terra, está declinando, sob fogo
cerrado...
OS PROPRIETÁRIOS RURAIS E A RESPONSABILIDADE
NA RECARGA HÍDRICA
assa da hora de focalizar atenção nas propriedades rurais,
como principais colhedores e receptáculos das águas. As
informações escolares sobre o “nascimento” das fontes de
água são, dentro de um padrão didático, razoáveis. O aluno
aprende que a água vem das chuvas, que vêm das nuvens, que
vêm da evaporação da água. Em níveis mais adiantados,
aprende até que grandes evaporações ocorrem nos oceanos e
que o regime dos ventos conduz grandes nuvens que deságuam
nos continentes. Pronto: o milagre da formação da água
aconteceu.
Tal quantidade de informação acadêmica poderia ser
suficiente não houvesse necessidade de otimizar o
aproveitamento dessa dádiva preciosa da natureza. Os seres
vivos são, no geral e na média, água em mais de 70% de sua
composição. Para os humanos, além do consumo direto, a água
ainda é preciosa para lazer, higiene, processos industriais etc.
Ocorre que o século XX terminou com a consciência e o
conhecimento humanos em xeque. A razão: pela forma e no
ritmo em que é utilizada, a água aproveitável está ficando cada
vez mais escassa.
A população aumenta, o consumo também e em
proporção ainda muito maior. Há sobrecarga de poluentes e
resíduos que são direcionados para o solo ou cursos de água – e
daí sempre para os reservatórios hídricos. Atividade humana
pressupõe crescimento econômico: mais produção, mais
construções, o que equivale a desmatamento, e
impermeabilização de solo; o que equivale a menos retenção
hídrica em ambiente natural.
Qual a solução imediata? “Fabricar” mais água. É possível?
Claro, mas apenas se houver esforço maciço e conjunto de
todos os órgãos de educação e preservação ambiental,
públicos ou privados, para alertar os proprietários e produtores
rurais da sua responsabilidade na captação de água e na
ampliação da recarga hídrica. Demonstrar a importância,
como preciosos instrumentos de captação e retenção da água,
das matas de topo, das barragens e poços de contenção das
chuvas, das áreas de nascentes, das matas ciliares e áreas de
reserva legal etc. Basicamente, tornar nítido que a propriedade
valiosa do futuro será aquela que possuir um melhor índice de
riquezas naturais, principalmente água.
P
QUEM É O VILÃO DA NOSSA HISTÓRIA?
de junho, Dia Mundial da Ecologia está próximo. Muitas
manifestações preparadas ao redor de todo o planeta. Há
o que comemorar? Plantar mudas de árvores, participar de
encontros em escolas, falar sobre os muitos problemas e as
poucas soluções que existem... Mas vamos fazer um exame de
consciência ecológica? Reconhecer as nossas culpas? Ótimo. A
reflexão é a mãe da sabedoria. Mas, daí, até vestir a carapuça
de vilão ecológico de nossa história, ainda há muita distância.
"Você já foi ao espelho, nego? Não?! Então, vá" (*). Nós temos
medo de ir ao espelho, fitar os nossos olhos de vilões. Ser
obrigado a reconhecer nossa vilania. Porque, se assim fizer,
teremos que repensar nosso modo de vida, mudar nossa
maneira de pensar e, por acréscimo, nossa maneira de habitar o
planeta. E quebrar um paradigma é muito mais difícil que
quebrar um recorde.
Aliás, em termos de degradação ambiental, o ser humano
nem mais se surpreende, tantos os recordes quebrados. Estudos
da ONU concluíram que 60% da água potável do planeta já
foram degradadas, poluídas e contaminadas e que a
veiculação hídrica é responsável por cerca de 50% das doenças
e óbitos, matando 10 vezes mais que as guerras. A NASA já
concluiu que temos tanta poluição suspensa na atmosfera que o
planeta precisaria de cerca de 500 anos para reciclar-se. O
desmatamento da Amazônia no último ano, bateu o recorde de
mais de 25.000 k² devastados no período. Na Mata Atlântica, se
muito, restam 5 a 7% da área original. Pesquisas dão conta que
nos dias atuais, dos prováveis 30 ou 40 bilhões de espécies que
compõem a biodiversidade planetária, estamos vorazmente
extinguindo de uma a duas por hora... Houve um aquecimento
médio de 1ºC desde 1850 - e isso representou um aumento de 15
cm no nível dos oceanos, por degelo de calotas polares.
Pressupõe-se que a temperatura irá se elevar em até 10°C até o
final do século. Dá para imaginar as catástrofes que isso
representaria?
Tá bem. Sua consciência está pedindo-lhe que plante uma
muda de árvore. Faça-o. A Natureza agradecerá. Mas não
deixe de se olhar fundo nos olhos, na frente do espelho, e
questionar o percentual de vilania com que você tem tratado o
meio ambiente. Claro que você não poderá, de uma hora para
outra, deixar de degradar. Afinal, precisamos de veículos
motorizados, precisamos de minérios e madeiras, precisamos ler
e nos informar, ao custo da vida de algumas árvores. Não se
pode estancar bruscamente o crescimento. O problema social
5
seria, de imediato, uma catástrofe ainda maior e mais
perniciosa. Mas vamos por passos, aos poucos. Que tal começar
a pensar na separação seletiva do lixo? Doe os materiais
recicláveis (papeis secos e limpos, latas, garrafas plásticas etc.).
Que tal começar a fiscalizar as incipientes queimadas? Não as
faça, não deixe que outros as façam. Denuncie os piromaníacos
ao CODEMA ou à Polícia Militar Ambiental. Que tal não atirar
resíduos a esmo? Que tal....?? Que tal fazer um profundo exame
de consciência na frente do espelho, no dia internacional da
ecologia?
Falta ao ser humano a humildade de reconhecer que ele, e
sua gananciosa maneira de querer, é o grande vilão da nossa
história atual. E começar, com os pequenos gestos, uma
grandiosa ação de socorro à vida humana.
(*) trecho da letra de música de Raul Seixas
TERRA, UMA MÃE ESQUECIDA
ais uma vez, com a vinda do segundo domingo de
maio, comemoramos o dia das mães. Festividades.
Abraços. Risos. Choros. Presentes... Homenagens e mais
homenagens. Mensagens, cartões, flores, comerciais e notícias,
muitas notícias. A mãe nos deu luz, vida e amor; carinho,
renúncias, cuidados, ternura e alimentos. Foi quem nos gerou e
nos nutriu, física, psicológica e espiritualmente. São justas as
homenagens. Merecidas, apropriadas e apreciadas.
Mas, como é habitual, uma mãe continua esquecida e
carente das homenagens que merece: a Mãe Terra. Doa-se a
nós, como qualquer mãe faz. Está se sacrificando, exaurida,
vilipendiada, ofendida e degradada, com o risco da própria
existência, para nos manter vivos. Não foi lembrada, nem
homenageada, nem ao menos, nem por isso, pelo menos
poupada um pouco dos ataques reais que lhe são desferidos, a
golpes duros e impiedosos.
Se não lhe posso render as merecidas homenagens, nem me
comprazer daquelas que por outros filhos seriam prestadas,
mitigo minha dor de inconsciência em uma oração:
Querida Mãe,
tu, que nos geraste no amor
de tuas benditas dádivas,
que nos nutres com a vida de teu sopro e a matéria de teu
corpo;
que nos dás calor, luz, alimento;
que nos acolhes e abrigas na segurança de tua proteção,
no carinho de teu aconchego,
na confiança de tua provisão;
tu, que nos concedes todas essas graças
pela benignidade paciente e gratuita
da grande Mãe que és;
M
tu, que dás arrimo
às obras da razão,
aos voos de sonhos e ideais
que em ti são concretizados;
tu, que nos sustentas e amparas
e nos conduzes com o carinho de teu amor
em nossa viagem pelo universo infinito,
perdoa-nos.
Perdoa-nos se subjugamos
e oprimimos nossos semelhantes
aviltando neles o milagre e a graça da vida que lhes
concedeste;
perdoa-nos se em troca dos alimentos que, gentil, nos ofereces,
nós devastamos as tuas riquezas,
destruímos tuas belezas
e fazemos desertos de teu solo;
perdoa-nos se pelo ar que nos concedes
como alento e vida,
nós, desastrados,
envenenamos a atmosfera
e na ganância de adquirir poder e lucro
nela depositamos elementos perniciosos a toda forma de vida;
perdoa-nos se em troca de teu abrigo e de tua proteção
nós desmatamos,
destruímos,
matamos,
ofendemos,
queimamos;
se cegamente, ferozes,
te violentamos todo o tempo,
e tantas e tão profundas chagas te provocamos;
perdoa-nos se, impiedosos, te degradamos,
arrancando com ganância, dores e danos os frutos de tuas
vísceras;
perdoa-nos se tornamos estéril e venenosa a abençoada água,
que tão docemente nos concedeste para sangue de nosso
corpo
e para alimento de todos os teus rebentos;
se depositamos detritos e sujeiras e escórias
nos tapetes das habitações que em ti nos acolhem;
perdoa-nos se em troca da abundância que nos concedes,
nós fomentamos a miséria
e a degradação física e moral
dos que são mais fracos
e menos afortunados;
se lhes destruímos a dignidade,
e os humilhamos,
e os aniquilamos
pelas doenças não tratadas,
pela fome não satisfeita,
pela esperança destruída,
pela instrução sonegada;
perdoa-nos se por tantas bênçãos e dádivas
que a cada segundo nos ofereces,
em troca te devolvemos todos esses e tantos outros sofrimentos;
perdoa-nos porque era de nossa obrigação e responsabilidade
conhecer que enquanto houver um só ferimento na harmonia
da Criação,
em ti, em toda a tua extensão,
em cada um dos elementos de tua existência,
existirá a dor agoniante e o lamento angustiante
que, pelo filho,
só a mãe é capaz de sofrer.
Perdoa-nos, Mãe,
perdoa-nos, se puderes,
porque...
...nós não sabemos o que fazemos!
MEIO AMBIENTE COMO INSTRUMENTO DE BEM ESTAR
SOCIAL
dequada condição ambiental propicia qualidade de
vida ao indivíduo e, consequentemente, contribui com o
bem estar social.
O bem estar social depende da sadia qualidade de vida da
população. E a sadia qualidade de vida é baseada em um meio
ambiente equilibrado e em um ideal de cidade sustentável. Isso
significa uma população que tenha acesso à saúde, ao
emprego pleno, à moradia, à educação, à segurança etc.
Os instrumentos técnicos de proteção ambiental são
disponibilizados constitucionalmente para uso do Estado como
um todo (englobados os três poderes políticos – Executivo,
Legislativo e Judiciário – e os três níveis de governo da
federação – Federal, Estadual e Municipal). São eles,
principalmente, o processo legislativo (Legislativo), a execução
das normas legais (Administração) e sua aplicação coercitiva
(Judiciário).
Da soma desse encadeamento político surge a efetividade
das normas de proteção ambiental visando o bem estar social.
Esse processo visa, primordialmente, nos agrupamentos
sociais, o saneamento básico, a disposição de resíduos sólidos e
a preservação de ambientes necessários à qualidade de vida e
à saúde da população.
Na parte de saneamento, destacam-se a qualidade das
águas, seu tratamento e distribuição, o esgotamento sanitário de
resíduos líquidos e seu tratamento para devolução aos cursos de
água etc.
Quanto aos resíduos sólidos, a maneira de coleta (coleta
seletiva, reciclagem etc.) e a deposição final dos resíduos (aterro
sanitário, aterro controlado, lixão).
A
Na preservação ambiental, a proteção de áreas verdes, a
educação ambiental, criação de unidades de preservação
(parques, estações ecológicas etc.), o monitoramento da
qualidade das águas, o combate às diversas formas de poluição
(incluindo a poluição do ar: queima de combustíveis fósseis,
emissões oriundas do processo fabril, queimadas etc.).
O Estado dispõe de um sistema de meio ambiente, tanto a
nível federal, como estadual e municipal. Na União, o Ministério
do Meio Ambiente, no Estado a Secretaria Estadual de Meio
Ambiente e nos municípios a Secretaria Municipal de Meio
Ambiente ou um serviço especializado e adequado às funções
de preservação ambiental.
Todos esses sistemas são assessorados por Conselhos
(CONAMA, da União, COPAM, no Estado de Minas Gerais, e
CODEMA, no Município de Varginha), que são órgãos de
elaboração da política ambiental e por autarquias ou
fundações, que são os órgãos técnicos (IBAMA – federal -, IEF,
FEAM – estaduais. O município de Varginha ainda não possui
órgão equivalente).
Através desse sistema de proteção ambiental são feitas as
análises de impacto e o licenciamento de atividades
potencialmente poluidoras, a fiscalização e a punição
administrativa dos infratores.
Todo esse sistema visa o bem estar social através do
ambiente equilibrado e que possa abrigar vida que tenha uma
qualidade ideal e seja saudável.
COMPETIÇÃO x COOPERAÇÃO
natureza, protegendo a evolução da vida no planeta,
criou a competição entre espécies e entre seres de uma
mesma espécie. Uma maneira de especializar e de
controlar raças. De proporcionar proles mais fortes e mais
adaptadas ao ambiente, aumentando, assim, a chance de
sobrevivência da espécie. Mas, dentro de um mesmo quadro de
evolução, alguns seres aprenderam que a cooperação
proporcionaria uma melhor oportunidade de evoluir e passaram
a ter uma relação simbiótica. Assim, a Criação trabalha seu
próprio progresso, protegendo e preservando a vida.
O que dizer dos seres humanos? Tal e qual os irmãos naturais,
são também seres viventes que compartilham ambiente comum,
mas desenvolveram técnicas diferentes de competir, partindo
de cérebros mais complexos. Seres racionais, enquanto o resto
da vida planetária é, segundo rotulado, irracional. Razão
utilizada como ferramenta de crescimento tecnológico e
avaliação unilateral dos sistemas vivos que coabitam o meio
ambiente planetário, causando visão equivocada de
superioridade aos demais seres da biodiversidade - supremacia
predatória e destrutiva. Os artefatos tecnológicos humanos não
permitem a competição honesta e equilibrada. Afetados ou
atacados por alguns "seres", como microrganismos, têm pronta
resposta tecnológica através de drogas e medicamentos que
restabelecem condições saudáveis ou aumentam a vida.
Nessa deslealdade competitiva, a raça dominou, procriou
em excesso e colocou seus rebentos em um patamar cada vez
mais alto de segurança contra os demais seres. Nada de errado
em ser a raça dominante da atualidade. Outras, como a dos
dinossauros, dominaram em tempos remotos. Ao contrário,
deveria ser motivo de orgulho. Aliada à razão, essa supremacia
coroaria a obra prima da Criação: a vida comandada pela
razão e pela inteligência. Mas esse "projeto divino", digamos
assim, está naufragando. A arca de Noé afunda rapidamente.
Em nome da razão, se arremessa para o extermínio da raça,
levando junto inúmeras outras. A razão se aliou à vaidade e à
competitividade. Isso gerou a máquina que está nos devorando.
Um monstro que embala uma desmedida ânsia de poder e de
domínio. Poder, sempre poder e, por fim, mais poder. Traduzindo:
competição elevada ao grau de sofisticação que permitiu o uso
de uma razão mais refinada.
A
Gostamos de levar vantagem em tudo, certo? Lei de
Gerson, artigo único. Pobre ex-jogador que, submisso ao poder
econômico, naturalmente inconsciente do deslize, além de
propagandear o uso dos reconhecidos venenos tabaco e
nicotina, teve seu nome agregado a uma norma que é
expressão exata de nosso cinismo desmascarado. Sim, gostamos,
queremos e exigimos levar vantagem em tudo quanto nos for
possível. Ao custo da própria permanência no planeta. E da vida
de milhões de outros seres da biodiversidade.
Está na hora de revogar esse artigo e editar a provável Lei
do Bom Senso, para sustento e esteio da vida. Cooperar, ao
invés de competir. Afinal, irracionais, os dinossauros dominaram
cerca de 300 milhões de anos. Nós estamos no comando há
pouco tempo - 150 mil anos? - e naufragando. Se não taparmos
logo os furos do barco, desta vez a arca de Noé não poderá nos
conduzir a uma sobrevida além de um curto, negro e doloroso
futuro. De que nos valeram a inteligência e a razão?
A LUTA CONTRA A DESERTIFICAÇÃO E A
CONSERVAÇÃO DO SOLO
m dos problemas ambientais de grande potencial de
danos a médio e longo prazo é a insidiosa desertificação.
Como o próprio nome indica, a desertificação é um
processo de esterilização do ambiente afetado. A imagem de
um ambiente desértico não é novidade para qualquer pessoa
de cultura mediana ou que tenha atravessado os primeiros anos
escolares do ensino básico. Fala-se em deserto e logo vêm à
mente as paisagens arenosas, quase estéreis e inóspitas do
grande Saara, o maior do planeta. Não é esse conceito de
deserto que se pretende destacar aqui, mas sim aquele que
teve origem em ações humanas.
O grande erro do raciocínio civilizado a respeito é
exatamente esse: não conceber a grandiosidade do problema
nas pequenas, múltiplas e espalhadas áreas de desertificação
que brotam em todos os lugares, na imensidão do planeta, onde
a conservação do solo não é parte da preocupação dos
habitantes locais. Diz-se aqui conservação do solo uma vez que
o foco dessa pequena análise é exatamente o deserto que
nasce nas regiões secas, deixando-se por ora a denúncia das
áreas aquáticas, de corpos hídricos menores, rios e oceanos,
que têm sido esterilizadas pela ação direta do ser humano.
Os desertos somados ocupam cerca de 1/3 da superfície
seca do planeta, o que representa mais de 51 milhões de
quilômetros quadrados de solo. Grande parte deles tem seu
ponto inicial nas ações típicas do ser humano. Em razão do
descuido na preservação do solo, nascem e crescem,
insidiosamente, geralmente sem que sejam percebidos, os
pequenos e perniciosos desertos domésticos.
De onde vêm? Para onde vão?
Esses nocivos desertos têm início em ações simples,
habitualmente consideradas necessárias para a sobrevivência
humana: desmatamentos para ocupação, construção, plantio e
pecuária. O solo desnudo é presa fácil para processos erosivos,
provocados habitualmente pelas chuvas e auxiliados pelos
ventos. A terra descoberta é levada de roldão pelos volumes de
água das precipitações. No meio desse processo também é
levada a verdadeira riqueza produtiva do solo: a cobertura de
U
compostos orgânicos que lhe dão fertilidade. E um pequeno
deserto começa a aparecer.
Mas não somente os locais de fácil erosão são vítimas da
desertificação. Desde a deposição de resíduos produzidos pelos
humanos, como as áreas transformadas em lixões ou aterros, até
o pisoteio provocado pela atividade do gado, uma enorme
gama de intervenções quebra o frágil equilíbrio da proteção
verde do terreno e cria uma chaga que nem sempre tem
condições de se cicatrizar. Um bom exemplo disso são as
queimadas ditas controladas. Com o interesse de limpar o solo
para plantio de culturas vegetais necessárias ao consumo
humano, ou pastos necessários à sobrevivência da pecuária,
utiliza-se do fogo como instrumento de capina. A alta eficácia e
o baixo custo do processo motivam essa antiga prática rural
extremamente danosa ao solo.
O empobrecimento da fertilidade da área é rápido, porém
gradual, dando de início ao proprietário a falsa ilusão de que o
sistema é eficaz. Quando chega a se conscientizar dos danos
que provoca, de modo geral já é muito tarde e a área já se
tornou estéril e improdutiva.
O ciclo de desertificação é, por outro lado, um círculo
vicioso: qualquer processo de redução da cobertura vegetal
diminui a fertilidade e provoca o empobrecimento produtivo da
área, tornando-a sempre mais suscetível aos processos erosivos e
cada vez menos protegida. Como consequência,
paulatinamente sem vida. A morte do solo dá oportunidade ao
surgimento de um deserto que, como uma ferida infectada, vai
quase sempre se expandindo para horizontes sempre mais
distantes.
Os seres humanos, cegos à sua interferência, de um modo
geral abandonam aquela gleba destruída e vão reiniciar o
processo em outro local, dando início a um novo movimento
degenerativo.
A situação ameaça o equilíbrio ecológico do planeta e,
nessa esteira, a sobrevida da espécie e a sadia qualidade de
vida que se pretende destinar ao homem. Por isso, inúmeros
encontros internacionais têm ocorrido desde os anos setenta, no
final do século XX, para avaliação da extensão do problema,
sua evolução e os mecanismos de luta contra o processo de
desertificação. Esses encontros culminaram com a aprovação e
assinatura, por mais de 160 países, em 17 de junho de 1994, em
Paris, da Convenção Mundial de Luta contra a Desertificação.
Por esse motivo, o dia 17 de junho passou a ser considerado
o dia mundial de combate à desertificação. Não é uma data
que incentiva qualquer comemoração, mas incita a uma luta
que emerge como uma das mais importantes batalhas
ambientais: a preservação do solo.
A RESPEITO DE HUMANOS E HUMANIDADE
emos como uma das definições do termo humano um
agregado moral que enaltece as qualidades nobres do
indivíduo: bondade, caridade, grandeza de alma etc.
Segundo o Houaiss eletrônico, “que mostra piedade,
indulgência, compreensão para com outra(s) pessoa(s)”. No
mesmo dicionário a etimologia apontada é “lat. humánus,a,um
'próprio do homem, bondoso, erudito, instruído nas
humanidades'”.
Pela lógica caolha do humor típico das comunidades de
internautas, se ser humano é ser bondoso logo o Ser Humano é
bondoso. Certo? Infelizmente, não. Essa talvez seja uma das
máximas menos adequadas a qualificar essa espécie de
mamífero que adquiriu capacidades tecnológicas, se expandiu,
adaptou-se, habitou e dominou todo o planeta.
A toda poderosa espécie humana, que se diz criação direta
das mãos da Divindade Suprema, e se gaba de ser
representação material da imagem e semelhança do Criador, é
também a única que se diverte pela perversidade. De todas as
espécies vivas que habitam o planeta, e que os cientistas
estimam em cerca de dez ou quinze milhões, uma única goza e
se compraz no sofrimento de outras e de outrem de sua própria
espécie. Infelizmente, fala-se aqui da espécie humana. De
cérebro capaz de elaborar questões metafísicas da mais alta
indagação, processar cálculos de extrema complexidade e de
engendrar e construir parafernálias tecnológicas de altíssima
precisão e complexos arquitetônicos de assustadora
grandiosidade, o indivíduo da espécie humana sente prazer em
provocar e presenciar dor.
Para que houvesse equilíbrio no desenvolvimento da vida no
planeta, a Criação, em sabedoria quase didática, adotou um
mecanismo de controle rígido conhecido por predação. Todos
os seres vivos que compõem o sistema natural do planeta Terra
são predadores. Isso significa que há um processo natural de
seleção através do desenvolvimento da chamada cadeia
trófica, isto é, ainda nas palavras do Houaiss eletrônico, “forma
esquemática us. para representar a transferência de energia ou
as relações alimentares, em parte de uma comunidade ou
ecossistema, através de uma série em que os seres vivos se
alimentam e servem de alimento para outros seres vivos”. Nesse
processo, a crueldade inerente ao indivíduo de qualquer
espécie tem como característica a utilidade. O impulso de
T
sobrevivência está diretamente ligado à predação de indivíduos
de outra espécie que, por solução da própria natureza,
passaram a compor a cadeia alimentar do predador.
O mecanismo natural é simples e eficaz, embora muitas
vezes reputado de cruel. Propicia a manutenção da vida, o
controle da quantidade de indivíduos, a sobrevivência dos mais
aptos e o desenvolvimento do processo de seleção natural.
Fora desse sistema, os animais sempre nos surpreendem com
atos de verdadeira caridade, sem discriminar espécies. Exemplo
recente, fartamente explorado pelas mídias, é o da cadelinha
que salvou um recém nascido humano. O ser humano, no
entanto, quebrou a regra natural. Privilegiado com a evolução
de cérebro dotado de maior capacidade de processamento de
dados, aprendeu a burlar os mecanismos naturais de existência
e aumentou suas possibilidades de sobrevivência. Graças a seu
processo mental pôde se adaptar às mais variadas e adversas
condições do ambiente.
Esse mesmo mecanismo cerebral de extrema complexidade
e altíssima capacidade de elaboração acabou por solidificar
processos psicológicos intrincados e enigmáticos. Um deles é a
gratificação psicológica que o humano sente em presenciar ou
provocar a dor em outros seres vivos. Nem Freud explicaria. E se
explicasse, não se justificaria. As crueldades gozosas enfocam
não só a própria espécie – vejam-se exemplos de esportes
violentos, como os de luta – mas as demais espécies naturais,
principalmente animais. Nem é preciso apontar exemplos, que
abundantes eles são: maltratos em rodeios, circos, zoológicos,
rinhas de galo, caçadas, adestramento etc. Isso sem falar em