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1 Artigo apresentado no Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Disciplina: A formação do Contrato Negócios Preliminares nos Contratos Internacionais Introdução Com o fim da 2ª Guerra Mundial e todo o desgaste nas relações internacionais por ela produzida, surgiu um novo movimento de integração nos campos econômico, social, cultural e político, à partir da criação de Organismos Internacionais, voltados a atingir aquele objetivo. No campo da economia global, temos em conta o crescimento das relações públicas e/ou privadas entre sujeitos de Estados distintos. Um aspecto importante para este desenvolvimento global pode ser atribuído ao comércio internacional. Nesse sentido, e no contexto daquela época até os dias de hoje, o crescimento da contratação internacional, representado pela compra e venda internacional, contratos de transferência de tecnologia, cooperação industrial, associação entre empresas, entre outros contratos , foi e é peça fundamental no crescimento do cenário econômico internacional. 1 Mais recentemente, com a globalização e o surgimento de novos meio de comunicação, as relações comerciais internacionais, antes restritas aos grandes grupos empresariais, passaram a ser praticadas, também, por empresas mais modestas, assim como por pessoas físicas, abrangendo aí outros tipos de contrato internacional, v.g., os de consumo e trabalho. Todavia, a contratação internacional, ainda que disponível a todos, se mostra bem mais complexa do que a interna, de modo que o processo para a conclusão de um contrato internacional é mais lento e requer certa cautela, além de ser um campo desconhecido para os que iniciam nesta seara. Aproveitando o ensejo do parágrafo anterior, oportuno se faz distinguir, em linhas gerais, os conceitos de contrato interno e internacional. O contrato interno, em regra, positivado no ordenamento jurídico de um Estado, consiste num acordo de manifestação de vontades, unilateral ou bilateral, atingindo um consenso sobre determinado objeto, gerador de obrigações juridicamente exequíveis, geralmente composto por dois atos, a oferta e a aceitação. Ademais, são subordinados a uma única lei. No que tange ao contrato internacional, este é inicialmente distinto do interno em razão do elemento da estraneidade, mas além, quando os “os elementos sejam vinculantes de dois ou mais sistemas jurídicos extraterritoriais, pela força do domicílio, nacionalidade, sede 1 CASELLA BORBA, Paulo. Negociação e Formação de Contratos Internacionais. São Paulo:1990, p.127
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Negócios Preliminares nos Contratos Internacionais.

Apr 25, 2023

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Artigo apresentado no Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ­ Disciplina: A formação do

Contrato

Negócios Preliminares nos Contratos Internacionais Introdução

Com o fim da 2ª Guerra Mundial e todo o desgaste nas relações internacionais por ela

produzida, surgiu um novo movimento de integração nos campos econômico, social, cultural e político, à partir da criação de Organismos Internacionais, voltados a atingir aquele objetivo. No campo da economia global, temos em conta o crescimento das relações públicas e/ou privadas entre sujeitos de Estados distintos.

Um aspecto importante para este desenvolvimento global pode ser atribuído ao

comércio internacional. Nesse sentido, e no contexto daquela época até os dias de hoje, o crescimento da contratação internacional, representado pela compra e venda internacional, contratos de transferência de tecnologia, cooperação industrial, associação entre empresas, entre outros contratos , foi e é peça fundamental no crescimento do cenário econômico internacional. 1

Mais recentemente, com a globalização e o surgimento de novos meio de

comunicação, as relações comerciais internacionais, antes restritas aos grandes grupos empresariais, passaram a ser praticadas, também, por empresas mais modestas, assim como por pessoas físicas, abrangendo aí outros tipos de contrato internacional, v.g., os de consumo e trabalho.

Todavia, a contratação internacional, ainda que disponível a todos, se mostra bem

mais complexa do que a interna, de modo que o processo para a conclusão de um contrato internacional é mais lento e requer certa cautela, além de ser um campo desconhecido para os que iniciam nesta seara.

Aproveitando o ensejo do parágrafo anterior, oportuno se faz distinguir, em linhas

gerais, os conceitos de contrato interno e internacional. O contrato interno, em regra, positivado no ordenamento jurídico de um Estado, consiste num acordo de manifestação de vontades, unilateral ou bilateral, atingindo um consenso sobre determinado objeto, gerador de obrigações juridicamente exequíveis, geralmente composto por dois atos, a oferta e a aceitação. Ademais, são subordinados a uma única lei.

No que tange ao contrato internacional, este é inicialmente distinto do interno em

razão do elemento da estraneidade, mas além, quando os “os elementos sejam vinculantes de dois ou mais sistemas jurídicos extraterritoriais, pela força do domicílio, nacionalidade, sede

1 CASELLA BORBA, Paulo. Negociação e Formação de Contratos Internacionais. São Paulo:1990, p.127

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principal dos negócios, lugar do contrato, lugar da execução, ou qualquer circunstância que exprima um liame indicativo de direito aplicável” . 2

Além destas especificidades, é fulcrado no princípio da autonomia privada que, no

âmbito internacional privado, confere as partes uma margem de discricionariedade na confecção do contrato que não seria possível num contrato interno , por exemplo, na escolha de uma lei 3

aplicável àquela relação jurídica que seja totalmente estranha as partes, podendo ser a de um terceiro ordenamento jurídico ou da Lex Mercatoria , quando houver convenção arbitral, ou no 4

fracionamento das partes do contrato em diversas normas jurídicas . 5

Outro aspecto não menos importante consiste no fator econômico do contrato

internacional, ou seja, as relações que tem por objeto a transferência de bens ou serviços e que movimentam a economia interna dos países.

Devido a complexidade que geralmente reveste o objeto do contrato internacional em

que as partes negociam, além da precaução em não finalizar um contrato de imediato, por desconhecer o ordenamento jurídico da outra parte ou pela necessidade em estudar a viabilidade do negócio, a negociação acaba sendo feita por etapas, ao que alguns doutrinadores chamam de contrato de formação progressiva . Estas negociações podem durar meses, ou até anos. Sendo 6

assim, tornou­se praxe no comércio internacional a utilização de negócios preliminares , objeto 7

de estudo do presente relatório. Dito isso, no primeiro capítulo, nos dedicaremos a analisar os negócios preliminares,

desde o seu surgimento até o cenário atual, num sentido amplo, abrangendo, também, os contratos preliminares, embora a ênfase seja dada aos negócios preliminares em sentido estrito, manifestamente mais utilizados na prática comercial internacional.

Para isso, cumpre destacar o posicionamento adotado nos dois principais sistemas do

direito, quais sejam, o common law e o civil law, tendo em vista que a problemática do tema surge a partir da divergência sobre a doutrina dos contratos de cada um destes sistemas, notadamente na sua fase pré­contratual.

2 Definição de STRENGER, Irineu. In:Contratos Internacionais, São Paulo, 2011, p.26. 3 JACQUET, Jean­Michel. Droit du Commerce International. 2nd. Edition, Paris:2010, p.199. 4 Consiste nos usos e costumes da praxe comercial internacional e se materializa por meio de cláusulas­tipo, jurisprudência arbitral, princípios gerais às legislações nacionais e regulamentações elaboradas por associações internacionais. VASQUES, Enzo. Princípios básicos do Direito Comercial Internacional. In: Manual Prático de Comércio Exterior. 2ª Ed. São Paulo, 2007, p.251. 5 Nos Contratos Internacionais, as partes podem optar por aplicar mais de uma lei ao contrato. Este fenônemo contratual denomina­se dépeçage. 6 BORTOLOTTI, Manual di Diritto…, Vol.I, p.165, 2002 e MENEZES LEITÃO, Negociações e Responsabilidade…, 2001, p.769. 7 Na doutrina portuguesa, há quem utilize a terminologia “acordos intermédios”, como é o caso de SANTOS JÚNIOR ou “contratação mitigada” denominação de MENEZES CORDEIRO. Na doutrina francesa, ao instituto é atribuído a expressão ‘pourparlers’’, enquanto na italiana “trattative”. No que tange aos países do Common Law, atribui­se o termo “in­between agreements”.

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Ademais, mostra­se pertinente analisar de forma autônoma cada um dos principais instrumentos preliminares, de modo que, ao fim, seja possível fazer uma sistematização.

Além disso, trataremos nesse tópico o problema central deste estudo que consiste em

saber se há eficácia jurídica ou não nestes acordos preliminares, para, caso haja ruptura injustificada, configurar­se a responsabilidade contratual ou pré­contratual.

No capítulo seguinte, a atenção será voltada aos instrumentos de regulação de direito

material, no âmbito internacional, os Princípios UNIDROIT, e no âmbito comunitário europeu, o Draft Common Frame of Reference.

Por fim, no último capítulo, dedicaremos atenção a determinação do direito aplicável

a formação, a validade substancial, aos efeitos e as consequências do incumprimento dos negócios preliminares, à partir dos ordenamentos Português e Brasileiro. Ainda neste tópico, trataremos do direito de Conflitos aplicável pelos tribunais estaduais, Português e Brasileiro, como também pela lei de arbitragem transnacional dos respectivos ordenamentos.

Embora o trabalho tenha um enfoque na formação do contrato internacional, não nos

debruçaremos sobre a questão da oferta e aceitação, mas no período considerado anterior à esta fase final da negociação. Além disto, devemos ressaltar que pelo espaço que nos fora concedido, não será possível exaurir a matéria em questão devido a sua amplitude, nem nos aprofundar nos debates doutrinários sobre os principais posicionamentos. Contudo, faremos uma análise a ponto de estabelecer os problemas que derivam da utilização dos negócios preliminares, embasando­se nos direitos português e brasileiro, mas, ocasionalmente, citando outras doutrinas que contribuíram para o desenvolvimento do tema ao longo dos anos.

1 ­ Os Negócios Preliminares

Hodiernamente, a formação clássica do contrato se mostra insuficiente para as relações no campo da contratação internacional, e até mesmo nas relações internas quando se trata de um contrato de grande porte ou complexidade. Ao invés, as partes optam por adiar, tanto quanto possível, a conclusão de um contrato.

Conforme fora dito acima, os contratos passaram a ser feitos por etapas, de modo que

,na fase de negociações, as partes dedicam­se a longas conversas envolvendo estudos preparatórios de mercado, redação de relatórios detalhados, combinação de dados extrajurídicos com dados jurídicos, a contratação de especialistas para emissão de pareceres, gastos com viagens, envolvimento dos quadros superiores das respectivas empresas e muito mais, antes que venham a tomar uma posição definitiva.

Nesse sentido, as partes que não querem logo vincular­se àquele contrato definitivo,

mas também não querem desperdiçar todo o tempo gasto e os investimentos feitos naquelas conversações, acabam por firmar negócios preliminares, que podem ter inúmeras finalidades.

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Estes negócios podem ser acordos preliminares(strictu sensu) ou contratos preliminares(lato sensu).

1.1 ­ Os Acordos Preliminares (Preliminary Agreements)

Criados através da prática comercial nos E.U.A e desenvolvidos pela jurisprudência deste ordenamento , estes instrumentos surgiram a partir da necessidade das partes 8

estabelecerem limites reguladores, na fase das negociações, através de acordos, sem a obrigação de se vincularem. Isto porque, conforme se extrai do sistema anglo­saxónico, designadamente da doutrina do all or nothing , as partes são livres para contratar(freedom of contract), ou seja, 9

podem entrar e sair das negociações sem a mínima atenção ao princípio geral consagrado no Civil law, o da boa­fé, nem seus deveres subjacentes, o da veracidade, proteção e confidencialidade.

A utilização destes instrumentos se mostrava como uma garantia de proteção contra a

arbitrariedade de uma parte em sair das negociações injustificadamente num estágio em que a outra já tinha criado certa expectativa. Mais além, de uma parte negociar com a outra e, no fim, firmar contrato com um terceiro ou aquela parte pudesse se prevalecer das informações trocadas com esta.

Nos países do civil law, designadamente os ordenamentos jurídicos em estudo , tal 10

precaução mostra­se irrelevante já que este sistema adota a teoria da culpa in contrahendo, de JHERING , que consiste na responsabilidade pré­contratual pela falta ao dever de boa fé. 11

Temos que ter em conta que estes instrumentos se situam entre o início e o termo das

negociações e sua utilização vai bem mais além do que o mero estabelecimento de dever de boa fé naquela relação. Além disso, a utilização destas ferramentas não implica na obrigação de celebrar um contrato final, mas, tão somente, uma forma de regular o processo negocial.

8 SANTOS JÚNIOR, Eduardo. Acordos Intermédios(...). R.O.A, 1997, p.572 e MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Vol.II, 311,, 2014. 9 A doutrina do all or nothing estabelece que as partes ou têm vinculo contratual, contraídos na celebração do contrato, ou não tem vínculo algum, de modo que as relações pré­contratuais não ensejarão qualquer vinculação às partes. Neste sentido: “The doctrine of freedom of contract demands that the performer be treated as a ‘risk­taker’ and receive no protection in the general ‘free­for­all’ preceding contract”, GILIKER, in: Pre­Contractual Liability in English and French Law, 2002, p.32. 10 Em Portugal, o Código Civil no seu art.227, estabelece, tanto nos preliminares quanto na formação, o dever de boa­fé. Já no Brasil, o art.422 preconiza os princípios da probidade e boa­fé, tanto na conclusão quanto na execução do contrato. Contudo, entende­se na doutrina que a boa­fé na fase pré­contratual seria subjetiva, de modo que, para operar a culpa in contrahendo, deve a parte agir de má­fé. Cfr. SÁ RIBEIRO, Batalha de formas…, In: Contratos Internacionais, 2002, p.264­265. 11 Esta teoria surgiu em 1861, a partir de estudo feito po Rudolf Von Jhering que deparando­se com grandes injustiças e visando alcançar soluções justas na fase précontratual, preencheu a lacuna existente nesta fase negocial com o princípio da boa fé. Disso resultou a imputação de danos à parte que interrompe as negociações sem que um motivo justo lhe revista, após a contraparte ter criado confiança na conclusão do contrato. Esta teoria foi fortemente recepcionada pelos ordenamentos do civil law,à exemplo de Portugal, Brasil, Itália, Alemanha e França. Contudo, não houve aceitação desta teoria no sistema anglo­saxónico.

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Todavia, o maior problema referente aos acordos consiste em delimitar sua natureza

jurídica, já que uns acordos, apesar da nomenclatura, constituem verdadeiros contratos. Tais instrumentos tem inúmeras utilidades, tais como, convite para uma negociação,

reduzir à escrita o simples fato de estarem em negociação, estabelecer regras(a exemplo de impor um dever de sigilo), fornecer garantias, estabelecer prazos para debater e acordar sobre determinados pontos, fixar os pontos já convencionados nas tratativas e dar sequência aos pontos ainda em aberto, servir de documento para obtenção de financiamento ou autorização de um terceiro, retratar o fim das negociações sujeitando o acordo a uma condição suspensiva, entre outras.

No que tange a sua denominação, acordos preliminares, intermédios ou contratação

minitigada, no português, assim como os in­between agreements ou preliminary agreements, no inglês, ou pourparles e trattative, no francês e intaliano, respectivamente, caracterizam o gênero destes instrumentos.

Conforme já fora dito, em razão da origem dos instrumentos serem nos países do

common law, a terminologia em inglês é mais comum, embora países do civil law tenham importado os termos e traduzido­os. Todavia, como estamos na seara da contratação internacional e o inglês é hoje a língua mais utilizada, daremos, sempre que possível, relevância ao termo neste idioma.

Os instrumentos mais comuns neste âmbito são as cartas de inteção(letter of intent),

reconhecidamente presente em todas as doutrinas pesquisadas para a composição deste relatório e instrumento mais comumente utilizado, os acordos de negociação(agreement to negotiate), os acordos parciais(agreement with open terms), os acordos­quadro, os acordos com a cláusula subjet to contract(de condição suspensiva), a cláusula de instruction to proceed(execução antecipada do contrato), sendo estas apenas algumas das denominações. Cumpre destacar que estes acordos têm natureza híbrida, ou seja, um único instrumento pode ter várias denominações, ao passo que vários instrumentos podem ser resumidos a uma única denominação . 12

No tópico seguinte dedicaremos atenção a definir cada um destes acordos, além de

citar outros que também são frequentes na praxe internacional.

1.1.1 ­ Tipos mais comuns a) Cartas de Intenção (Letter of Intent)

12 No inglês, as letter of intent também podem ser chamadas de memoranda of understanding, agreements in principle ou heads of agreement. Na outra mão, a depender da doutrina, os diversos instrumentos preliminares podem se resumir as cartas de intenção, vide classificação de COSTA, Ruptuta de negociações pré­contratuais e cartas de intenção. Coimbra Editora, 2011.

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Este é, sem dúvida, o acordo preliminar mais utilizado na praxe internacional, como também, é o mais estudado e desenvolvido. Seu conceito e classificação varia de doutrina à doutrina.

Conceituar esse instrumento se mostra um pouco difícil, em razão de cada

doutrinador estabelecer uma definição própria, por vezes englobando quase todos os outros tipos de instrumentos preliminares, por outras, sendo mais restrito.

Ao nosso ver, na acepção da expressão, as cartas de intenção traduzem­se em

declarações unilaterais, no qual, uma parte informa à outra seu desejo de dar início ou continuar nas negociações visando um futuro contrato, embora afirme expressamente que não deseja se criar expectativas e obrigações quanto a celebração deste contrato . 13

Contudo, na prática comercial internacional, esta carta pode representar uma

bilateralidade de vontades, onde as partes almejam prosseguir nas negociações, entretanto, sem que desse conteúdo resulte qualquer acordo ou responsabilidade.

Para isso, geralmente, as partes redigem estes instrumentos utilizando expressões

vagas e imprecisas, com a reserva mental de obrigar a contraparte, sem se obrigar . Geralmente 14

redigidas por experts jurídicos, comum se faz constatar expressões em que as partes conservam nitidamente a sua liberdade de contratar, como, por exemplo, “este acordo não possui qualquer eficácia jurídica, nem, tampouco, gera responsabilidade à parte que o redigiu” . 15

Essas expressões tem maior relevância nos sistemas do common­law, já que a

liberdade de contratar sobrepõe­se ao princípio da boa­fé. No civil law, a depender do estágio das negociações, não obstante os termos do acordo, surgirão obrigações.

Quanto à classificação, os estudos efetuados pelas mais diversas doutrinas não

mostram qualquer semelhança sistemática. Em Portugal, damos atenção as classificações de COSTA , que distingue as diversas modalidades de carta de intenção em função da sua 16

finalidade e natureza jurídica(nesta classificação a autora acaba por abranger todos os outros tipos de acordos preliminares na carta de intenção), RAQUEL REI, que utiliza como critério a estrutura destes acordos, e MENEZES CORDEIRO, que retira do relatório produzido pelo Working Group on International Contracts, quatro categorias principais, quais sejam, as cartas que consistem em contratos definitivos com variações particulares, as que representam estados

13 Nesse sentido, é comum a inserção de cláusulas do tipo: “This letter of intent does not constitute or create, and shall not be deemed to constitute or create, any legally binding or enforceable obligation on the party of either party to this letter of intent(...)”. Em tradução livre, “Esta carta de intenção não constitui ou cria, nem deverá ser considerada por criar qualquer vínculo legal ou obrigação executável sobre qualquer das partes desta carta de intenção(...).” Texto extraído de http://www.entrepreneur.com/formnet/form/1026(onde se encontram modelos dos mais diversos acordos preliminares). 14 BORTOLOTTI, Manual di Diritto…, Vol.I, 2002, p.168 15 Embora a utilização destas expressões vise atualmente desvincular as partes em qualquer obrigação, ad initio estes instrumentos eram utilizados pelas partes como meio de vinculação no período pré­contratual. 16 COSTA, Mariana Fontes da. Ruptuta de negociações pré­contratuais e cartas de intenção. 2011, p.83 e ss.; RAQUEL REI, O contrato quadro, 1998, p.17 e ss.; MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p.312 e ss..

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de negociações, as que têm efeito vinculativo e excluem responsabilidade e, por último, as que representam acordos firmes sobre aspectos particulares . 17

Já no Brasil, apesar da variedade de instrumentos, apenas as cartas de intenção têm

sido objeto de estudo pela doutrina. Segundo BAPTISTA, estas podem ser divididas em típicas e atípicas. As primeiras seriam os acordos em sentido estrito que, essencialmente, servem para estabelecer as regras de negociação(acordos de negociação e acordos parciais), além da classificação sugerida por BASSO, que determina dez tipos de cartas, abrangendo as finalidades dos outros instrumentos comumente utilizados. Já as cartas de intenção atípicas constituem os contratos preliminares que receberão devida atenção em tópico infra.

Na doutrina italiana , as cartas de intenção desempenham papel exclusivo nas 18

negociações preliminares, abrangendo as mais diversas finalidades, desde o simples convite a negociar até o acordo sobre todos os pontos, sujeito a condição futura. Segundo BORTOLOTTI, as cartas de intenção se dividem em: a) situações em que claramente não envolvem assunção de obrigações contratuais; b) situações relacionadas a um verdadeiro contrato; e, por último, c) situações intermédias, que se traduzem em acordos sobre elementos essenciais. Por outro lado, FRIGNANI classifica as cartas de intenção em quatro tipos: a) a que revela conteúdo organizatório; b) a de conteúdo declaratório; c) acordo com compromissos pré­contratuais; e, por fim, d) as cartas que são verdadeiros contratos, mas sujeitos a condições diversas.

Não obstante a falta de uniformidade no desenvolvimento, o que podemos ter em

conta é que as mais diversas classificações de cartas de intenção têm em comum um critério: interpretar a vontade real das partes. À partir desta interpretação, poderemos definir o sentido das cartas, podendo ser um mero convite a negociação ou um acordo sobre todos os pontos essenciais do contrato.

Feita esta interpretação, poderemos determinar a eficácia jurídica da carta de

intenção: se ela gera obrigações ou não as partes. E, caso gere, saber se se trata de obrigação contratual ou précontratual. Abordaremos este assunto em tópico infra.

b) Acordo de negociação(agreement to negotiate)

Assim como as cartas de intenção, este acordo tem mais de uma finalidade. Podem

ser utilizados no início das tratativas, quando as partes, desde já, pretendem estabelecer parâmetros para o decurso da negociação, ou, quanto após atingido certo estágio negocial, as partes se obrigam a empenhar esforços para chegar a conclusão do contrato, embora isto não implique na obrigação de contratar.

Deste acordo, extraímos dois tipos de conteúdo: um necessário, que implica num

dever positivo, e um eventual, que resultará num dever negativo . Do dever positivo, nascem às 19

17 FONTAINE, Marcel. Drafting International Contracts, 2009. 18 BORTOLOTTI, Manual di Diritto…, Vol.I, 2002, p.168 ss.; FRIGNANI, Il contratto internazionale, 156 ss., 1990. 19 PINTO OLIVEIRA, Princípios de Direito dos Contratos, 2011, p.252.

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partes a obrigação de negociar com base nos ditames da boa fé. A consequência desta obrigação é que as partes não podem interromper as negociações injustificadamente, ou, caso se justifique, por motivos vagos. Já no dever negativo, este consiste no direito de exclusividade, em outras palavras, a proibição em negociar com terceiros . 20

É quase pacífico na doutrina que este acordo resulta na obrigação de negociar com 21

boa­fé, onde as partes devem se esforçar ao máximo para chegar a um consenso. Além, implicitamente a este acordo, surgem às partes os deveres de veracidade, tendo em vista que a fase de negociações consiste em troca de informações e, sendo assim, uma omissão pode prejudicar todo este processo, além de acarretar responsabilidade à outra parte, e o dever de sigilo, no qual as partes devem manter em segredo todas as informações trocadas durante as negociações, como também a proibição de utilização destas com terceiros , subjacentes ao 22

princípio da boa fé. Tal instrumento, quando utilizado com o escopo de obrigar as partes a negociarem de

boa fé não tem muito sentido no sistema romano­germânico, isto porque, conforme já fora dito, o dever de boa fé é presente na fase negocial. Por outro lado, a sua aplicação no sistema anglo­saxão exerce maior utilidade.

Uma questão que surge no common law consiste em saber se o agreement to

negotiate impõe, além do dever de boa fé, um dever de exclusividade. SANTOS JÚNIOR, em seu estudo esclarece a questão, afirmando que este dever vai contra a prática do comércio, a 23

livre concorrência para obtenção de um melhor negócio. Sendo assim, caso as partes queiram exclusividade, devem celebrar um acordo de negociação exclusiva(lock­out agreement), onde estas, durante um lapso temporal, não poderão negociar com terceiro a aquisição de objetos similares ao objeto da negociação com a parte. Deriva daí uma obrigação de não fazer . Do seu 24

incumprimento surge responsabilização. Relativamente ao acordo de negociações, estes estabelecem deveres às partes, dos

quais, o mínimo será o respeito à boa fé. Desse incumprimento, surgirá responsabilidade. Resta saber se será précontratual ou contratual.

c) Acordos Parciais (Agreement with open terms)

20 No common law, esses deveres dão ensejo a acordos preliminares específicos. No que tange à boa­fé, é comum entre as partes a celebração de lock­in agreements. Quanto ao acordo de exclusividade, a denominação utilizada é de lock­out agreements. 21 No direito inglês, o entendimento é de não reconhecer uma obrigação de boa fé neste tipo de acordo<caso Waldorf vs Miles, onde Lord Ackner tomou posição afirmando: “inherently repugnant to the adversarial position of the parties when involved in negotiations”, embora a court reconheça a obrigação derivada de cláusula “use best endeavours”. Já no direito americano, a posição adotada é convergente com os sistemas do civil law, ou seja, há o reconhecimento de uma obrigação de fair dealing/good faith. POLKINGHORNE, Michael. The Paris Series no.3: Precontratual agreements… . 2009, p.4. 22 BAPTISTA, Contratos Internacionais, 2011, p.159. 23 SANTOS JÚNIOR, Eduardo. Acordos Intermédios(...). R.O.A, 1997, p.594. Em sentido convergente, RAQUEL REI, Do Contrato­quadro, 1998, p. 54 e 55. 24 MENEZES LEITÃO, Negociações e Responsabilidade Pré­contratual, 2001, p.783

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Este acordo surge num estágio mais avançado das negociações, após a troca de informações iniciais, numa altura em que as partes já criaram um sentimento de confiança quanto a celebração do futuro contrato.

A finalidade deste instrumento é de resguardar as partes de renegociarem sobre

pontos já acordados. Estes pontos podem ser marginais(fixação de prazos, divisão de custos negociais, calendarização, por exemplo), mas geralmente são substanciais, sendo estes últimos cláusulas que comporão o contrato final. Deste acordo surgem dois deveres: um dever positivo de fazer, que consiste na obrigação em negociar de boa fé sobre os pontos ainda em aberto, e um dever de não fazer, onde as partes ficam proibidas de renegociarem os termos já acordados . 25

Havendo acordado sobre os pontos essenciais do contrato, ou seja, obtendo um

acordo em área nuclear, este acordo pode ser denominado acordo de base(ou heads of agreement). As negociações prosseguem sobre pontos secundários . 26

Conforme SANTOS JÚNIOR , deste acordo resultam duas consequências: caso o 27

contrato não venha ser concluído, por ruptura injustificada de uma das partes, esta deverá ser responsabilizada. Noutro sentido, se a conclusão do contrato não for possível pelo consenso de ambas as partes, estas ficam obrigadas pelos termos em que acordaram e caberá ao tribunal regulamentar os pontos deixados em aberto.

Relativamente à seara internacional, o acordo que verse sobre pontos essenciais(além

dos acordos parciais, os acordos com cláusulas suspensivas que serão tratados infra) do contrato merece atenção. Isto porque, diferentemente dos ordenamentos internos, tanto no civil law 28quanto no common law(mirror image rule), que estabelecem o consenso sobre todos os pontos do contrato para a sua celebração, nos contratos internacionais, o acordo sobre pontos essenciais pode caracterizar um contrato e, se assim for, entrará em vigência . Sendo assim, cabe às partes, 29

na redação do acordo, redigir os termos de maneira que sua interpretação seja a menos contratual possível, afastando assim a caracterização de um contrato, e, consequentemente, as obrigações dele resultante.

d) As cláusulas específicas dos acordos preliminares

Não obstante a denominação empregada ao acordo preliminar, por vezes, as partes se utilizam de cláusulas específicas nesta fase negocial. A mais frequente é a claúsula subject to contract, expressão utilizada para afastar qualquer vínculo que possa ser retirado do conteúdo daquele instrumento, independentemente do estágio das negociações. Outra cláusula “negativa” que pode compor o instrumento preliminar é a subject to approval, a aprovação a que esta cláusula se refere caberá a um terceiro, que poderá ser o órgão superior/administrativo de uma das partes(empresas), o Estado(quando, devido a especificidade do contrato, seja necessária a

25 PINTO OLIVEIRA, Princípios de Direito dos Contratos, 2011, p.253. 26 MENEZES CORDEIRO, Tratado…, 2014, p.309. 27 SANTOS JÚNIOR, Eduardo. Acordos Intermédios(...). R.O.A, 1997, p.595. 28 No Código Civil Português esta previsão tem corpo no Art.233; 29 MENEZES LEITÃO, Negociações e Responsabilidade Pré­contratual, 2001, p.771 e ss.

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obtenção de licença administrativa, por exemplo) ou uma entidade financeira(em contratos de grande montante, onde as partes podem recorrer a um financiamento para poder dar início ao cumprimento do contrato).

Em sentido oposto à negatividade das cláusulas acima mencionadas, existe a cláusula

positiva de instructions to proceed, no qual as partes, ainda em fase de negociações, desejam dar início a execução do contrato, embora este não tenha sido concluído.

A cláusula subejct to contract, no inglês, se assemelha ao termo sans engagement, no

francês, ou “sem qualquer vínculo jurídico” no nosso vernáculo. Ocorre que o emprego desta cláusula no civil law tem o mesmo efeito que um acordo de negociação. Não há razão em firmar um acordo de negociação, quando este tem por fim atribuir um dever de boa fé, nos ordenamentos que já impõem tal dever nas relações pré­contratuais. No mesmo sentido, não faz sentido incluir tal cláusula de “escape” num acordo que por natureza será vinculativo . Contudo, 30

sua utilização nos países anglo­saxónicos merece maior atenção. O entendimento jurisprudencial destes ordenamentos, leia­se Inglaterra e Estados

Unidos, é o da vontade das partes em adiar a redação e assinatura do contrato para um documento futuro, o que implicaria na desconsideração dos termos acordados até o momento . 31

Todavia, este posicionamento vem sofrendo mudanças. Na inglaterra, não obstante o princípio da liberdade contratual ter mais preponderância, já é possível encontrar decisões onde um acordo com cláusula subject to contract vinculou as partes . Quanto aos Estados Unidos, a 32

jurisprudência tende a fazer uma interpretação mais flexível do acordo, tomando um dos seguintes posicionamentos: o de fazer referência a um futuro contrato formal, considerando ainda o acordo como meramente preliminar, ou recusando a dar qualquer importância ao acordo com aquela cláusula . A obrigação decorrente do acordo que contenha tal cláusula será 33

mensurado a partir do estágio em que as negociações se encontram e da vontade das partes, podendo caracterizar natureza contratual ou précontratual.

Relativamente às cláusulas subject to approval, este é o caso em que o acordo

preliminar mais se assemelha a um contrato. Isto porque, as partes se encontram num estágio avançado das negociações e já definiram todos os pontos necessários a conclusão do contrato, embora sua vigência esteja condicionada a um evento externo e dependa da “aprovação” de um terceiro. Este terceiro pode ser conhecido das partes, a exemplo do órgão administrativo de uma das partes, ou um sujeito totalmente estranho àquela relação, v.g., o Estado ou uma entidade financeira.

30 (...) Schmidt remarks that a reading of “sans engagement” will not suffice to exclude liability. There is no French equivalente of the english “subject to contract” clause, which the judiciary will generally respect. Em tradução livre: Schmidt assevera que o termo “sem engajamento” não será suficiente para eximir a responsabilidade. No direito Francês não existe o equivalente a cláusula “sujeito ao contrato”, do qual o judiciário inglês geralmente respeita. GILIKER, Paula. Pre­contractual liability in english and french law. 2002, p.52. 31 MENEZES LEITÃO, Negociações e Responsabilidade Pré­contratual, 2001, p.777. 32 ProForce Recruit Ltd v The Rugby Group Ltd, 2 February 2005, (High Court). Wales, Inglaterra. RTS Flexible Systems Ltd v Molkerei Alois Muller GmbH & Co KG, 2010 (Supreme Court) 33 BORTOLOTTI, Manual di Diritto…, Vol.I, 2002, p173.

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Sendo o primeiro caso, estamos diante de uma negociação por mandatário ou representante. Conforme se retira de alguma doutrina, apesar da manifestação de vontade pró­contrato de um representante, o órgão superior de uma empresa não fica vinculada ao posicionamento por ele adotado, de modo que sua “desaprovação” não gerará vínculos contratuais . 34

Neste caso, acreditamos que a responsabilidade contratual é evidente às partes,

mesmo que o órgão administrativo superior não venha a celebrar o contrato. Isto porque, se a empresa concedeu poderes de representação a um sujeito parar negociar em seu nome, não deveria se escusar posteriormente do posicionamento por ele adotado, em nome da empresa . 35

Quanto ao segundo caso, em que a celebração do contrato está sujeita a aprovação

por um terceiro estranho a relação, trata­se de um negócio jurídico com condição suspensiva, nos termos do art.270 do Código Civil Português.

Nessa situação, devemos ter em conta que a não conclusão do contrato é alheia a

vontade das partes, de modo que o seu insucesso não deve acarretar em obrigações ás partes. Entretanto, cumpre destacar que as partes, nesse contexto, assumem uma obrigação de promover os melhores esforços para conseguir as licenças governamentais . Essa obrigação funda­se na 36

boa fé e tem natureza pré­contratual. Por outro lado, se a parte que está encarregada de obter a licença governamental,

pratica comportamento oposto ao esperado, na expectativa que a licença não seja obtida e as partes tenham que renegociar os termos já acordados, ao nosso ver, caberia uma responsabilidade contratual, pois, assim como no acordo parcial, os termos acordados neste instrumento se farão presentes no contrato final e não podem ser rediscutidos, exceto por consenso das partes. Este não é o caso. Quanto a obtenção de financiamento por entidade bancária, acreditamos que o entedimento é análogo ao exemplo anterior.

Em sentido divergente ao das cláusulas negativas supra mencionadas, temos a clásula

instruction to proceed, que pode compor uma carta de intenção(ou qualquer outro acordo preliminar) ou ter denominação própria no qual uma parte, visando economia de tempo, solicita 37

que a outra inicie a execução do contrato, embora as negociações ainda estejam em andamento e a conclusão do contrato ainda seja incerta. Não se trata aqui de executar o objeto do contrato, em si, mas de dar início aos trabalhos preparatórios.

Por isso, seus termos estabelecem os limites em que os trabalhos devem ser

executados e as consequências pelo seu incumprimento. Ademais, geralmente também contém a especificação de custos para que, caso não se chegue ao acordo final, haja uma repartição de

34 Cit.65. RAQUEL REI, Do contrato­quadro, 1998, p.18. 35 Deve­se ter em conta que nosso posicionamento não se aplica as situações em que o mandatário age com excesso de poder ou, relativamente ao representante, quando este ultrapassa os limites de poder. 36 FONTAINE, Marcel. Drafting International Contracts(...). 2009, p.11. 37 É chamado, no common law, de stop­gap agreement e na importação para o português, SANTOS JÚNIOR, em seu estudo, atribui o nome de acordo instrumental de transição. Acordos Intermédios(...). R.O.A, 1997, p.603.

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despesas justa. Além disso, as partes, de praxe, expressam que o acordo não as vincula a assinar o contrato final.

Na prática comercial existem outros tipos de acordos preliminares que, não obstante a

denominação, acabam por ter a mesma função que os acima analisados ou são englobados por estes. Por exemplo, os acordos específicos de confidencialidade que são impícitos à boa fé, presente no acordo de negociação. Os acordos­quadro que, segundo MENEZES CORDEIRO , 38

em negociações que geram múltiplos contratos, as partes assentam um núcleo comum a todos eles. Já RAQUEL REI estabelece este acordo como um contrato base(preparatório) para os 39

futuros contratos de execução. Ao nosso ver, este acordo se assemelha ao acordo parcial que, após definir pontos

essenciais do futuro contrato, recebe o nome de acordo de base ou heads of agreement.

1.1.2 ­ Da relevância jurídica dos acordos preliminares Conforme extraímos do tópico anterior, os acordos preliminares podem retratar um

simples convite a negociar, como também um verdadeiro contrato. Da sua utilização podem surgir deveres, que podem ser negociais ou contratuais, e o incumprimento destes gerará responsabilidade aquiliana ou contratual.

Este tema se mostra delicado ao estudo que se segue, pois trata da problemática que

reveste os acordos preliminares. Primeiramente por não ser uniforme o entendimento de que os acordos têm relevância jurídica. Segundo que, aos ordenamentos que conferem relevância jurídica aos acordos, deve­se determinar se esta relevância acarreta em obrigação extra­contratual ou contratual.

Atualmente existe um reconhecimento, nos contratos comerciais internacionais, ao

princípio da boa fé no período de negociações . Contudo, os países do common law são 40

relutantes em admitir este princípio já que vai contra a doutrina histórica do all or nothing, já acima retratada . Ocorre que foi nesse sistema, mais precisamente nos Estados Unidos, que a 41

jurisprudência entendeu pela vinculatividade destes instrumentos, através de um dever de boa fé, conforme o caso PENNZOIL . 42

38 MENEZES CORDEIRO, Tratado…, 2014, p.309. 39 RAQUEL REI, O contrato quadro, 1998, p.65. 40 FRIGNANI, Il contratto internazionale, 1990, p.154. 41 Cf. nota 9. 42 Este caso ocorreu nos primórdios de 1984 e envolve as três importantes petrolíferas americanas, a Pennzoil, a Getty e a Texaco. Em 28/12/1983, a Pennzoil, pretendendo adquirir controle sobre a Getty, lançou uma oferta pública de aquisição das suas ações a 100 dólares cada. Os dois principais acionistas da Getty, Gordon P Getty, como representante fiduciário de Sarali C. Getty Trust e a Fundação J. Paul Getty Museum, que detinham respectivamente 40,2% e 11,8% das ações propuseram à Pennzoil negociações, que envolvessem a sua entrada consensual na Getty e a retirada da oferta pública. Em 2/01/1984 as partes assinam um memorandum of agreement, apresentando como plan, onde se prevê uma complexa operação societária no termo do qual ficariam como únicos acionistas da Getty , a Pennzoil e a Sarah C. Getty Trust, representado por Gordon P. Getty, respectivamente com 43% e 57% das ações. A Fundação J. Paul Getty Museum deveria vender suas ações à própria Getty, as quais seriam

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A partir deste julgado e de outros anteriores surgiram diversos estudos sobre a relevância jurídica que estes instrumentos podem ter. Para os operadores do comércio internacional, a opinião mais comum é a de que estes não possuem qualquer relevância jurídica, pois, delas não surgem qualquer assunção de obrigações e podem discutir livremente as negociações . Contudo, tal opinião não pode ser relevada já que são os operadores que, por meio 43

de comportamentos inaceitáveis e arbitrários, deram atenção ao estudo da matéria. Devemos nos situar. Estamos no campo das negociações, onde as partes tem ampla

liberdade de escolha, seja relativamente a sua vontade de contratar ou com quem contratar. Entretanto, esta liberdade é limitada no momento em que uma parte, motivada pelo comportamento da outra, gera confiança na celebração do contrato. Isto se dá pela declaração de uma parte à outra ou no acordo de vontade de ambas. Nesse sentido, este evento muda substancialmente o sentido de uma carta de intenção, por exemplo.

No sistema romano­germânico, influenciado por JHERING e sua teoria da culpa in

contrahendo, a visualização deste cenário se torna mais fácil. No período pré­contratual, as partes, ao iniciarem as negociações, e após gerar confiança na sequência das conversações, devem ter atenção a deveres mínimos pautados na boa fé, caso contrário, resta configurada a responsabilidade pré­contratual.

Esta pode ser constituída pelos seguintes fatos: a) rompimento injustificado das

negociações, quando já se criou uma relação negocial motivada pela vontade de contratar recíproca; b) incumprimento de uma obrigação voluntariamente assumida, é o caso das

compradas pela Pennzoil a 110 dólares cada. A Pennzoil e a Getty obrigavam­se in good faith a aprovar em 1984 um plano de reestruturação da Getty que envolvesse a sua gestão conjunta.

O fato de o memorandum ser apresentado como um plano dava uma ideia de não definitividade, o que era reforçado por nele se prever uma cláusula referindo “subject to approval by the board of Directors of the Company at the meeting of the board being held in January 2, 1984, and will expire if not approved by the board”. Só que simultaneamente em documento autónomo Gordon P. Getty obrigava­se a obter o consentimento da administração da Getty, se necessário com a substituição dos administradores discordantes.

A administração reúne no mesmo dia, expressando reservas ao acordo, mas aprova­o no dia seguinte, depois de a Pennzoil ter aceite aumentar o preço para 115 dólares por ação. As partes emitem assim um comunicado conjunto em 4/01/1984, onde se referem ao memorandum como agreement in principle, sendo sendo referido, porém, que “transaction is subject to a definitive mergeru and agreement”, dele dependendo a retirada da oferta pública pela Pennzoil. Faltavam, no entanto, apenas resolver questões de ordem fiscal.

Só que em 5/01/1984 os dois acionistas da Getty entram em negociações secretas com a Texaco para a aquisição da Getty a 128 dólares por ação, negociações que se concluem no dia seguinte, sendo emitido um comunicado que anunciava o acordo e a aprovação da administração, obtida no próprio dia. Curiosamente nesse acordo, Gordon P. Getty obriga­se a ressarcir a Texaco de qualquer ação que lhe seja intentada. A Pennzoil intenta nos tribunais de Delaware uma ação pedindo a execução específica do memorandum of agreement,mas o Tribunal indefere essa ação. Consequentemente, instaura contra a Texaco nos tribunais do Texas uma ação in tort em que pede a condenação da Texaco por ter induzido os acionistas da Getty a violar o seu acordo contratual, o que constituiria intentional interference with contractual relations. O Tribunal condisera efectivamente ilícita a atuação da Texaco, em virtude de já existir um vínculo contratual entre os acionistas da Getty e a Pennzoil, e condena­a a indenizar a Pennzoil por danos de sete bilhões de dólares, e punitive damages de três bilhões, depois reduzidos em recurso para um bilhão de dólares. Cf. MENEZES LEITÃO, Negociações e Responsabilidade Pré­contratual, 2001, p.775.; SANTOS JÚNIOR, Acordos Intermédios(...). R.O.A, 1997, p.584. 43 MENEZES LEITÃO, Negociações e Responsabilidade Pré­contratual, 2001, p777.

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obrigações convencionadas pelas partes nos termos dos acordos preliminares; c) celebração de um contrato ineficaz, por vício imputável à uma das partes; e, d) celebração de um contrato com violação aos deveres de boa fé, os aqui já mencionados deveres de lealdade, proteção e informação.

Deve­se ter em conta que as partes não são obrigadas a contratar, mas que devem

seguir as negociações visando a celebração do contrato. Sedimentado os motivos que dão ensejo à responsabilidade précontratual, o problema

que agora surge é determinar se este se trata de responsabilidade aquiliana ou contratual, já que não existe um regulamento próprio para este tipo de responsabilidade. Não obstante, os países do civil law se apoiarem na teoria de JHERING, as soluções encontradas para a caracterização da responsabilidade surgida no âmbito negocial divergem entre os ordenamentos.

MOURA VICENTE, em seu estudo , apresenta três soluções para definição da 44

obrigação derivada das negociações. A primeira, presente no sistema alemão, define a responsabilidade pré­contratual como sendo de natureza obrigacional, ou seja, surgida a negociação e os deveres dela decorrentes, caso haja violação a algum dever, este será regulado pelas regras da responsabilidade contratual.

Numa segunda solução, a responsabilidade in contrahendo é disciplinada pelas

normas da responsabilidade extra­contratual. Nesse sentido, as partes, no decorrer das negociações, não têm qualquer vínculo obrigacional quanto a conclusão de um futuro contrato e os danos que surgirem neste período devem ser tutelados segundo a responsabilidade aquiliana. Este é o posicionamento adotado pela França e os países influenciados por seu ordenamento, no 45

civil law, e pelos países do sistema anglo­saxónico. Por último, a responsabilidade pré­contratual residiria numa figura híbrida. Neste

sentido, em havendo incumprimento dos deveres da boa fé no iter negocial, e consoante a natureza do fato que induz a responsabilidade, esta poderá ser regulada pelas normas da responsabilidade contratual ou extra­contratual. É o caso de sistemas como o Português e o italiano.

Ao nosso ver, esta tende a ser a solução mais viável, tendo em vista que se adequa as

mais variadas situações que podem surgir no tráfico internacional, além de se amoldar a ambos os sistemas jurídicos em comparação.

Relativamente a Portugal, a doutrina majoritária e a jurisprudência(embora não

pacífica) entendem que a responsabilidade pré­contratual tem natureza obrigacional e se sujeita as regras da responsabilidade contratual . Esta remissão para o campo obrigacional deriva da 46

caracterização desta relação como relação obrigacional, nomeadamente, quanto ao comportamento e os deveres legais, vide art.227 do Código Civil.

44 A formação dos contratos internacionais. In: Estudos…, 2004, p.212 45 Cf. o caso Walford v. Miles. GILIKER, Pre­contractual liability, 2002, p.46 46 MOURA VICENTE, Da Responsabilidade Pré­contratual…, 2001, p.272.

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Porém, nem sempre foi assim, anteriormente ao Código Civil de 1966, a corrente

dominante entendia que a solução para as injustiças pré­contratuais seriam reguladas pela responsabilidade aquiliana.

De fato, apesar de alguns componentes que fazem referência à aplicação da

responsabilidade contratual, quais sejam, a relação obrigacional de fonte legal e a obrigação de indenizar em caso de violação dos deveres de conduta, não implica que o regime aplicável seja o deste tipo de responsabilidade . 47

Na prática, caberá ao julgador interpretar o acordo preliminar e decidir se a questão

trata, primeiramente, de natureza negocial ou obrigacional e depois aplicará um dos regimes da responsabilidade civil.

Nesse sentido, acreditamos que, na violação de um acordo de negociação, em sentido

estrito, no qual as partes estabelecem tão somente o dever de boa fé nas negociações, deve­se operar a responsabilidade extra­contratual. Outros exemplos, como a carta de intenção que tem por finalidade organizar as negociações ou calendarizar a negociação. Resumindo, os acordos que visam estabelecer parâmetros naquela fase, ao nosso ver, merecem a tutela da responsabilidade extra­contratual. Isto porque, as obrigações assumidas por estes instrumentos não serão incluídas no contrato final, pelo contrário, com a conclusão do contrato estas se extinguem. Sendo assim, caso configure­se a responsabilidade pré­contratual, caberá ao negociante que deu causa ao dano ressarcir a outra parte pelos danos negativos, que consistem em repor o lesado ao status quo à negociação, ressarcindo­o pelos prejuízos financeiros . 48

Por outro lado, no que tange aos acordos que tratam de temas que comporão o

contrato, à exemplo dos acordos parciais, ou os acordos de base, no qual o núcleo do contrato já fora decidido e agora a discussão gira em torno de pontos marginais, ou, na hipótese das cartas de intenção que se mostram verdadeiros contratos, mas com a sua formalização condicionada a aprovação de quadro superior de uma empresa.

Nestes casos, em razão da matéria tratada ser contratual, então, do seu

incumprimento caberá a responsabilidade contratual. Desta responsabilidade surge o dano positivo, no qual procura­se colocar o lesado na posição em que estaria, caso o contrato fosse válido.

No sistema anglo­saxónico, não obstante a ausência do dever de boa fé na fase

preliminar ao contrato, desenvolveram­se soluções alternativas para sancionar o comportamento reprovável das partes naquele período. Tais doutrinas são a misrepresentation e o promissory estoppel, reputados meios de responsabilizar a parte que abandona as negociações num momento em que a contraparte já criou expectativas quanto a celebração do contrato ou que, embora esteja negociando, não tem intenção de contratar.

47 Idem…, p.273 48 BORTOLOTTI, Manual di Diritto…, Vol.I, 2002, p. 167.

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A misrepresentation consiste numa declaração proferida na negociação, dotada de inexatidão ou contrária a uma verdade, que leva o declarante a celebrar o contrato baseando­se na confiança depositada naquela afirmação. Esta doutrina se faz presente tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, todavia, sua configuração tem peculiaridades em cada ordenamento.

Relativamente ao direito inglês, a misrepresentation tem por fonte decisões

jurisprudenciais e o Misrepresentation Act. Neste ordenamento, existem três espécies: a fraudulent, a negligent e a innocent misrepresentation. A primeira é revestida de dolo, quando o declarante faz a declaração falsa de forma consciente. Já na segunda espécie, a declaração é feita com descuido ou sem fundamento razoável, embora leve o declaratório a crer naquela afirmação. Por último, e residual, está a declaração que fora feita sem dolo, nem negligência . A 49

importância desta distinção de espécies reside nas consequências(remedies) impostos ao declarante e, consequentemente, no regime de responsabilidade imposto ao ato.

No que tange ao dever de informação, este não é devido às partes nos preliminares do

contrato e, portanto, a não divulgação de assuntos que fariam pesar na decisão em contratar ou não da outra parte não dão ensejo à misrepresentation . 50

Para caracterizar se a responsabilidade por misrepresentation, neste ordenamento, é de natureza contratual ou delitual, caberá ao julgador interpretar o teor da declaração e, a partir disto, definir se se trata de contract terms, que consistem nos termos do próprio contrato, onde do seu incumprimento possibilitará o lesado de intentar ação por violação do contrato, ou se se trata de mere representations, termos da negociação que não vinculam as partes, mas que merecem tutela, resultando na aplicação de indenização pelos danos sofridos.

Quanto ao ordenamento norte­americano, a previsão deste doutrina é estabelecida no

parágrafo 159 do Restatement 2nd. of Contracts, ao definí­la como “uma declaração que não corresponde à realidade dos fatos”. Sua classificação estabelece duas espécies: a fraudulent e a material misrepresentation. O primeiro tipo equipara­se à inglesa, tanto no nome quanto no conceito. Já a segunda, consiste na declaração capaz de induzir o homem médio a dar o seu consentimento ou se o autor souber que ela é susceptível de induzir o declaratário a proceder desse modo . Além destes casos, a misrepresentation fica caracterizada pela não conclusão das 51

49 MOURA VICENTE, Da Responsabilidade Pré­contratual…, 2001, p.276. 50 Excepcionalmente, existem contratos específicos no qual o dever de informação é exigido, como, por exemplo, os contratos uberrimae fidei (Contratos relativos a compra e venda de ações ou o contrato de seguro, onde o promisee deverá informar o promissor de todos os fatos e circunstâncias que possam determinar a sua vontade de contratar), in: SOARES DO NASCIMENTO, A responsabilidade pré­contratual…, 2000, p.44 51 Com maiores referências, cit. 1010 e 1011, in: MOURAVICENTE,Da Responsabilidade Pré­contratual…, 2001, p.282.

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negociações, quando uma das partes segue nas negociações sem intenção de contratar . Tal 52

situação se assemelha, um pouco, com as soluções apresentadas pela culpa in contrahendo. A outra solução que vem sendo utilizada nos países do common­law, com mais

incidência nos Estados Unidos, é a promissory estoppel. Neste sistema, além dos requisitos para a formação do contrato normais ao sistema

romano, existe um peculiar daquele sistema, a consideration. Para o contrato ser válido, necessário se faz que as partes tenham a vontade de contratar. Relativamente ao campo preliminar, as declarações também devem ser revestidas de consideration. Nesse sentido, se uma proposta não tiver esse vontade imposta, será inválida.

A promissory estoppel é o remédio jurídico previsto contra aquele que faz promessas

falsas com o objetivo de fazer a contraparte confiar e agir na base dela e, depois se prevalecer desta declaração, prejudicando esta parte. Nesse sentido, aquele que faz a promessa não pode se prevalecer da falta de consideration para invalidá­la . 53

Sua origem remete a jurisprudência dos Estados Unidos e teve sua previsão legal no Restatement of Contracts, de 1934. Atualmente, está consolidada no parágrafo 90 do Restatement 2nd of Contracts.

Já na Inglaterra, a jurisprudência adotou esta doutrina em 1940. Sua aplicação

diverge entre estes ordenamentos. Enquanto que no primeiro ordenamento, a jurisprudência admite a utilização desta doutrina para intentar ação contra o promitente, na segunda, apenas se admite a invocação da doutrina como meio de defesa contra o promissário . 54

A depender das promessas feitas, no tocante ao seu conteúdo, caberá uma

interpretação pelos julgadores para se estabelecer que responsabilidade será cabível no caso prático. No direito inglês, a tendência é que seja reconhecida a natureza delitual, tendo em vista

52 É o que se extrai do julgamento do Caso Markov v. ABC Transfer and Storage Co., em 1969: o locador de um armazém, pouco tempo antes do termo do contrato de arrendamento, fez crer ao locatário que renovaria o contrato por um período de três anos. Paralelamente, negociava com um terceiro a venda do local arrendado (posteriormente alegou que procedeu a duas negociações paralelas, dando prioridade à hipótese de venda do local; caso estas negociações não lograssem efeito, aí, sim, renovaria a locação). O certo é que a compra e venda realizou­se algumas semanas antes do termo do arrendamento. Seguidamente o novo proprietário exigiu ao locatário que deixasse devoluto o local. O locatário assim o fez, tendo sofrido prejuízos não só com a locação de um novo local (por uma renda mais elevada) mas também derivados da perda de um grande cliente, motivada pela repentina mudança das instalações. O locador foi demandado com base em misrepresentation, tendo o Supremo Tribunal do Estado de Washington condenado o mesmo no ressarcimento dos prejuízos, incluindo lucros cessantes pela perda do referido cliente. In: SOARES DO NASCIMENTO, A responsabilidade pré­contratual…, 2000, p.47. 53 Como exemplo, o caso Hoffman v. Red Owl Stories, decidido pelo Supremo Tribunal de Wisconsin em 1965: um franqueador fez crer a um candidato a franquiado que, caso quisesse celebrar o contrato, deveria investir somente $18.000; as negociações prosseguiram tendo em vista a celebração do contrato. O candidato, nessa expectativa, vendeu uma padaria e um pequeno mercado que explorava e mudou a sua residência para outra cidade. Posteriormente, o franquiador exigiu um investimento substancialmente superior ao que inicialmente indicara, que foi recusado pelo candidato. A responsabilidade aqui determinad é de natureza delitual. In: SOARES DO NASCIMENTO, A responsabilidade pré­contratual…, 2000, p.48. 54 Cfr. MOURA VICENTE, Da Responsabilidade Pré­contratual…, 2001, pag.287 e ss.

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que os campos contratuais e pré­contratuais são bastante definidos. Já na américa, dependerá da análise do caso concreto, tendo este ordenamento se aproximado mais dos sistema continental.

1.2 ­ Contratos Preliminares

Conforme expomos no início deste capítulo, os negócios preliminares, num sentido geral, abrangem os acordos preliminares, que vimos supra, e os contratos preliminares. Os contratos preliminares, por definição, são “o negócio jurídico bilateral por meio do qual uma das partes, ou todas, assumem uma obrigação de concluir, num futuro determinado ou determinável, um contrato sucessivo, chamado definitivo, com o qual não se confunde, mas cujos elementos essenciais as partes devem predispor” . 55

Não obstante ambos os instrumentos, acordos e contratos, se encontrarem na fase que

precede o contrato que visam celebrar, são distintos na sua teoria e prática. Primeiramente, podem alguns tipos receberem previsão legal, como é o caso do

contrato­promessa e do pacto de preferência, nos artigos 410 e ss. e 414 e ss. do Código Civil Português, enquanto que, no ordenamento brasileiro, sua previsão seja encontra nos arts.462 e ss., onde se faz uma referência ao contrato preliminar de uma forma geral.

Segundo, porque, exceto pela sua forma, estes contratos preliminares devem respeitar

os requisitos impostos aos contratos em geral. Além disso, os contratos preliminares representam o fim das negociações, ou seja, estabeleceu­se ali um consenso gerador de uma obrigação futura, onde não há mais a possibilidade de rediscussão. Desse modo, o contrato preliminar é um contrato cujo o objeto é a obrigação de celebração de um contrato futuro. Esta obrigação pode ser unilateral ou bilateral, a depender do contrato firmado. Ademais, este contrato exclui­se com a celebração do definitivo.

Vale dizer que neste negócio preliminar, apesar da denominação de que estamos

numa fase pré­contratual, onde opera a culpa in contrahendo, não será aqui cabível em caso de incumprimento. Sendo assim, do seu incumprimento poderá a parte lesada se utilizar dos meios legais para obter a prestação do contrato.

Dentre os tipos de contratos preliminares que iremos discorrer estão: o

contrato­promessa, o pacto de preferência e o contrato de opção.

a) O contrato­promessa

Este é, sem dúvida, o contrato preliminar que recebeu maior atenção, tanto da doutrina quanto da lei. Nas palavras de PINTO OLIVEIRA , este contrato é “a convenção pela 56

qual uma das partes se obriga perante a outra, ou ambas se obrigam reciprocamente, a emitir a declaração de vontade correspondente ao negócio jurídico prometido”.

55 VILLAR GAGLIARD, Contratos Preliminares, in: Teoria Geral dos Contratos, 2011, p.553. 56 PINTO OLIVEIRA, Princípio de Direito dos Contratos, 2011, p.255.

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A terminologia adotada para as partes neste contrato é de promitente, o devedor da obrigação, e promissário, o credor desta. Este contrato pode ser unilateral, onde somente uma parte se obriga, sendo o caso de haver um promitente e um promissário, ou, poderá ser bilateral(sinalagmático), onde ambas as partes se obrigam, ou seja, cada parte é promitente e promissário.

O objeto deste contrato é a celebração do contrato definitivo(contrato prometido)

onde as partes já definiram as condições e cláusulas do futuro contrato, o que não dá espaço para renegociações. Quanto à validade deste contrato, a lei exige que o contrato obedeça as mesmas disposições legais referente ao contrato prometido, exceto quanto a sua forma, conforme os arts. 410, n.1 do CC/Português e o 462 do CC/Brasileiro. Porém, a forma deverá ser respeitada quando a natureza do contrato impuser. É o exemplo dos contratos que exigem documento, seja particular ou autêntico(Art.410, n.2, CC/PT).

Relativamente a estes contratos que exigem documento, se a promessa for unilateral,

basta apenas a assinatura do promitente, enquanto que se for bilateral, necessita a assinatura de ambos. Caso falte a assinatura de uma das partes, o contrato será considerado nulo . Outro 57

aspecto importante neste contrato diz respeito ao prazo. Se o prazo final for estipulado, deve­se ver se, ao atingí­lo, ou o contrato caduca ou as partes tem o direito de revogá­lo. Se por outro lado, houver sido estabelecido um prazo inicial, então, só a partir desta data é que se poderá exigir o cumprimento . 58

Por fim, mas não menos importante, é a possibilidade de a parte prejudica pelo

incumprimento de promessa da contraparte, pedir em juízo a execução específica do contrato, conforme dispõe o Art.830, n.1 do CC/PT e o art.464 do CC/BR, mas esta não terá cabimento quando se opuser a natureza da obrigação, restanto a sanção por indenização.

b) Pacto de preferência

O pacto de preferência consiste num negócio jurídico unilateral no qual uma parte oferece a outra o direito de preferência caso decida celebrar um futuro contrato sobre determinado bem. Este pode surgir da vontade espontânea do obrigado ou durante negociações com vários sujeitos . No ordenamento Português, este contrato tem previsão nos arts. 414 e ss., 59

sendo o primeiro destinado a definí­lo. Embora se fale em venda de bem, o pacto de preferência pode ser utilizado preliminarmente a outros tipos de contrato, desde que compatíveis(art.423 do mesmo dispositivo).

57 Esta questão relativa a falta de assinatura de uma das partes e a consequência jurídica para o contrato, tem longa discussão doutrinária e foge do presente tema, de modo que não aprofundaremos neste trabalho. Para maiores aprofundamentos, vide: GALVÃO TELLES, Manual de direito dos Contratos, 2002, p.209 e ss.; PINTO OLIVEIRA, Principios do direito dos Contratos, 2011, p.256 e ss. 58 GALVÃO TELLES, Manual de direito dos Contratos, 2002, p.216. 59 Em inglês, atribui­se a denominação de right of first refusal agreement. Cfr. MENEZES LEITÃO, Negociações…, 2001, p.780.

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Este contrato tem semelhanças com o contrato­promessa unilateral, designadamente quanto à forma, já que ambos não necessitam de respeito a qualquer formalidade, exceto quando o contrato definitivo exija documento(Art.415 remissivo ao art.410, n.2), e também pelo fato de só gerar obrigação para uma parte. Esta obrigação consiste num dever de comunicação ao favorecido, quando decidir contratar, informando­lhe as condições do negócio(Art.416, n.I). A partir desta comunicação, terá o sujeito beneficiário um prazo de oito dias para dar sua resposta sob pena de caducidade, exceto se estiver vinculado a um prazo menor ou o ofertante lhe conceder um prazo maior(Art.416, n.2).

Contudo, não podem ser comparados, pois, enquanto o contrato­promessa já contém

os termos do contrato futuro, o pacto tem por objeto a preferência à um sujeito, caso o ofertante deseje firmar o contrato, e se assim o for, ter a liberdade de negociar as cláusulas do contrato futuro.

Segundo GALVÃO TELLES , da sua natureza jurídica se extraem duas condições: 60

uma suspensiva, referente ao ofertante, que somente dará a preferência ao ofertado caso decida celebrar o contrato sobre o determinado bem, e uma condição potestativa, está conferida ao ofertado que terá a faculdade de aceitar ou não o contrato, a partir da sua conveniência.

Já no Brasil, o instituto da preferência tem previsão legal nos artigos 513 e

seguintes, porém, apesar de ser matéria contratual, não se confunde com a designação atribuída no ordenamento português. Sua aplicação depende da existência de um contrato já celebrado entre as partes, além de gerar obrigação para ambos. Por exemplo, se A vendeu a B um imóvel, onde no contrato foi incluída uma cláusula de preferência, então, caso B deseje vender o imóvel, a preferência será de A.

Embora a essência dos institutos seja a mesma(se obrigar a dar preferência a um

sujeito por força da lei), sua aplicação neste ordenamento é dentro do contrato, enquanto que no ordenamento luso, será no pré­contrato. Do incumprimento da obrigação pelo ofertante, caberá indenização, caso, por meio de ato judicial não seja possível desfazer o negócio jurídico que violou o direito de preferência.

c) O Contrato de opção

Diferentemente dos contratos acima, este contrato não tem previsão legal. Consiste em um negócio no qual uma parte oferece um contrato à outra, e compromete­se a manter esta oferta em vigor, por certo prazo, bastando à outra parte aceitar ou não . Sua admissibilidade 61

deriva do princípio da liberdade contratual, conforme disposição dos arts. 405(CC/PT) e 425(CC/BR).

Esta oferta é irrevogável e obriga o proponente, conforme os arts. 230, n.1 e 427, dos

respectivos códigos em comparação. A questão que se põe quanto a este contrato diz respeito ao prazo de aceitação. Se as partem fixarem um prazo, então o contrato será válido até que a data

60 Idem, p.233. 61 VENOSA, Direito Civil, 2008, p.409

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vença. Se não fixaram, em Portugal, a proposta valerá até o quinto dia após a recepção da proposta(Art.228, n.1, c). Já no Brasil, se a proposta for feita sem prazo mas com a pessoa presente, então a resposta tem que ser imediata(Art. 428, I). Caso não esteja presente, então o prazo será o considerado suficiente para a resposta chegar ao conhecimento do proponente(Art.428, II).

Findo o prazo, o proponente se vê livre da obrigação.

2 ­ Instrumentos Internacionais de direito material

A partir do que relatamos até o presente momento, a singularidade dos ordenamentos jurídicos e a interpretação conferida por eles aos mais variados temas do direito, inclusive o dos contratos, é o que torna a prática das relações internacionais complexa. Caso o não fossem, os problemas provenientes destas relações não demandariam tantos esforços na sua concretização pelos sujeitos do comércio internacional nem na sua resolução, seja pelo tribunal estadual ou arbitral.

Com isso, visando facilitar a prática comercial, foram elaborados instrumentos de

normas materais com o intuito de uniformizar as regras referentes aos contratos, embora sem se basear num ordenamento específico, devido a divergência de interpretações que cada um pode fazer sobre um mesmo tema.

Embora estes instrumentos tratem do contrato, em geral, não trazem referências

expressas aos negócios preliminares, tema do nosso estudo, nomeadamente em sentido estrito, mas que pela prática jurisprudencial podem ser aplicados por analogia.

Num panorama global, damos atenção aos Princípios do UNIDROIT. Já no âmbito

regional europeu, cumpre discorre sobre os Draf Common Frame of Reference, a seguir expostos separadamente.

a) Os Princípios do UNIDROIT

Antes de nos debruçarmos quanto aos princípios, necessário se faz uma breve introdução ao instituto que criou a norma. O UNIDROIT é o Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado, criado em 1926, como uma extensão da Liga das Nações e, após a extinção desta liga, foi reestabelecido como um acordo multilateral do qual fazem parte sessenta e três nações, dentre elas Portugal e Brasil. Está situado em Roma e tem por escopo a uniformização, modernização e coordernação do direito privado e, em especial, do comércio internacional. Isto se dá através da criação de instrumentos, princípios e regras . 62

Os princípios são fruto de longos estudos, iniciados na década de 70 e feitos por

renomados doutrinadores e juristas de vários países. Sua primeira edição foi publicada em 1994 e fora composta por 120 artigos, dividos em 8 capítulos. Já no segundo, em 2004, ouvi uma adição

62 Cfr. http://www.unidroit.org/about­unidroit/overview (acessado em 09/06/2014)

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de mais dois capítulos, além de inclusão de alguns artigos no corpo já existente, totalizando 185 artigos. Por fim, na edição atualmente disponível, de 2010, foram inseridos mais um capítulo e alguns artigos, totalizando 211 artigos . 63

Do seu preâmbulo extraímos que a utilização dos princípios estabelece regras aos

contratos comerciais internacionais e faculta às partes a sua utilização, podendo ser: o direito 64

aplicável ao contrato; quando as partes estipularem os princípios gerais do direito ou a lex mercatoria; quando as partes não determinaram uma lei para o contrato; podem ser utilizados para interpretar instrumentos internacionais ou leis nacionais; e podem servir de modelo para legislações internacionais e internas. GAMA JR., um dos colaboradores do grupo de estudo dos princípios, afirma que estes podem ser denominados como uma soft law: ao oposto das leis rígidas impostas pelos Estados (hard law), consiste em norma de direito flexível, que não tem caráter vinculativo e que mais serve como base para fundamentação, ou, caso de verifique o caráter vinculativo, não gera obrigação de direito positivo . 65

Vale dizer que este instrumento não foi baseado num ordenamento jurídico

específico, nem visa privilegiar outro. Sua confecção recebeu influência dos mais distintos sistemas jurídicos para que pudesse se amoldar a realidade de cada ordenamento e, consequentemente, a adoção por estes.

Conforme já dissemos, não existem regras expresas quanto aos negócios

preliminares, contudo, a imposição dos deveres previstos nos princípios devem ser aplicados por analogia a este período da negociação contratual. Sendo assim, a liberdade contratual continua sendo preceito fundamental tanto nas negociações quanto nos contratos internacionais e sua previsão vem expressa no artigo 1.1(influência do common­law). Por outro lado, no art. 1.7(boa­fé), optou­se por aplicar este dever de forma ampla, de modo que faz referência ao comércio internacional, e não ao contrato especificamente . 66

Já no artigo 1.8, onde esta preconizada a vedação ao comportamento inconsequente,

deve­se entender que tal disposição se aplica a fase das negociações e, conforme dispõe, a parte não pode atuar contrariamente as expectativas criadas na outra parte, quebrando a confiança por esta depositada. Este artigo tem forte influência no sistema romano­germânico e, na prática, constitui um abuso de direito, na sua modalidade venire contra factum proprium.

63 Cfr. http://www.unidroit.org/english/principles/contracts/principles2010/integralversionprinciples2010­e.pdf p.5 (acessado em 09/06/2014) 64 Todavia, nos comentários oficiais aos princípios, há disposição em que o princípios podem ser aplicáveis a contratos domésticos, contudo, com a finalidade de suplementação a lei do Estado. Cfr. http://www.unidroit.org/instruments/commercial­contracts/unidroit­principles­2010/418­preamble/862­preamble­purpose­of­the­principles ponto 3. 65 GAMA JR., Os Princípios do Unidroit relativos aos Contratos Internacionais…, In: http://www.oas.org/dil/esp/95­142 Gama.pdf ­ 07/06/2012 (acessado em 10/06/2014) 66 Neste sentido, aplica­se também aos acordos preliminares, conforme o acórdão n. 8540/96 da ICC, onde o tribunal arbitral, baseando­se nos Princípios UNIDROIT, determinou o dever de boa­fé a um agreement to negotiate firmado entre as partes. Cfr.: http://www.unilex.info (acessado em 10/06/2014).

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Quanto ao art.1.9, pertinente se faz destacar a redação do inciso I, no qual atribui­se força vinculativa aos usos e costumes do comércio internacional e as práticas estabelecidas entre as partes. Contudo, essa interpretação requer cautela já que não se tem um conceito determinado do que seja uso e costume ou das práticas. É patente que os acordos preliminares são utilizados amplamente na contratação internacional. Resta saber se isso se configuraria como uma prática.

No comentário oficial deste artigo , faz­se uma breve referência aos acordos 67

firmados durante a negociação, o que nos leva a acreditar que este dispositivo abrange também os acordos preliminares.

Por fim, relativamente ao tema que se estuda, vamos falar no art. 2.1.15, que trata da

negociação de má­fé. Este dispositivo recebeu influência do sistema romano, nomeadamente da teoria da culpa in contrahendo. Se configura nas hipóteses em que uma das partes negocia sem intenção de contratar ou quando, após gerar a confiança na outra parte, suspende as negociações, restando a esta prejuízos. A consequência deste comportamento é a responsabilização pelos danos causados.

b) Draft Common Frame of Reference

Assim como os Princípios, o DCFR é um instrumento internacional, embora limitado ao espaço Europeu, de direito material que versa sobre obrigações em geral. Trata­se de um “projeto de quadro comum de referência”que contém princípios, regras e definições sobre as diversas matérias de direito obrigacional, nas relações privadas, instituídos a partir do direito comparado, tomando por base os direitos nacionais europeus, visando encontrar soluções satisfatórias e uniformes nas relações interestaduais. É fruto de um longo projeto de pesquisa, feito por grandes acadêmicos, tomando por base os Principles of European Contract Law, nomeadamente nos livros II e III . 68

Quanto a sua estrutura, mais parece um código ao dividir as matérias em livros(são

dez), que contém capítulos, seções e artigos, embora não seja essa a finalidade. Também neste instrumento não há disposição expressa que trate dos negócios

preliminares, contudo há previsão de deveres durante as negociações, além da consagração da boa fé e da negociação justa.

No art. 1:103, estabeleceu­se a definição de boa fé e, em sentido oposto, no inciso

segundo, a definição de má­fé, onde preconiza “it is, in particular, contraty to good faith and fair dealing for a party to act inconsistently with that party’s prior statements or conduct when the other party has reasonably relied on them to that other party’s dentriment”.

67 Cfr. comentário 3, p.26. In: UNIDROIT Principles of International Commercial Contracts 2010 http://www.unidroit.org/english/principles/contracts/principles2010/integralversionprinciples2010­e.pdf (acessado em 10/06/2014). 68 Cfr. http://ec.europa.eu/justice/contract/files/european­private­law_en.pdf p. 26 e ss. (acessado em 12/04/2014)

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Já no livro II, no art. 1:101, defini­se os termos “contract” e “juridical act”. Quanto a este segundo, dispõe que o ato jurídico é uma declaração ou um acordo, seja expresso ou implícito a conduta, do qual deve haver efeito legal como tal. Podendo ser unilateral, bilateral ou multilateral.

Nesse sentido, as disposições do instrumento abrangem os negócios preliminares,

sejam os acordos ou os contratos. Mais adiante, no capítulo terceiro deste mesmo livro, que versa sobre marketing e

deveres pré­contratuais, há previsão quanto ao comportamento que as partes devem respeitar, impondo deveres de informação(art. 3:101) e sua respectiva sanção(art.3:109). Ademais, dispõe sobre a negociação de má­fé(art.3:301), com texto praticamente idêntico ao dos princípios UNIDROIT. Quanto ao artigo seguinte(art.3:302) trata do dever de sigilo, no qual as partes devem manter para si as informações trocadas durante as negociações e, caso não o faça, cabe indenização pelo incumprimento do dever.

A ausência de previsão específica sobre os acordos preliminares implica na

interpretação da matéria pela jurisprudência no caso concreto.

3 ­ Do direito aplicável ao negócios preliminares nos contratos internacionais e o direito de conflitos pelos tribunais estadual e arbitral.

Diferentemente do período de formação e conclusão dos contratos internos, onde o

conteúdo do contrato deve obedecer obrigatoriamente a lei vigente do estado nacional onde fora celebrado, de modo que as partes não fazem se quer menção àquela lei, apenas atuando nos limites por ela impostos, os contratos internacionais são mais complexos, pois, pela sua natureza, abrangem, ao menos, dois ordenamentos jurídicos. Por este motivo, muitas vezes as partes negociam o futuro contrato e chegam a celebrá­lo escolhendo lei diversa a do seu ordenamento jurídico, instrumentos supraestatais, princípios gerais do direito ou até mesmo deixam para momento posterior esta escolha.

Ademais, caso não se chegue a um consenso sobre o direito que rege aquela relação

e, em havendo descumprimento contratual ou responsabilização pré­contratual , restará as partes recorrerem à justiça para reaver os danos sofridos pela contraparte. Este litígio poderá ocorrer nos tribunais arbitrais(por excelência) ou nos tribunais estaduais, onde as soluções para resolução do litígio serão diversas.

As soluções trazidas por cada ordenamento nacional divergem e disso resultou a

criação de textos internacionais procurando uniformizar esta matéria, como é o caso do Regulamento n.593/2008(Roma I), no âmbito europeu, e da Convenção Interamericana de Direito Internacional Privado(CIDIP V), de 1994, no âmbito americano. Estes se destinaram a criar norma material sobre obrigações contratuais, com o intuito de estabelecer um direito de conflitos que seja previsível aos sujeitos do comércio internacional.

a) Do direito aplicável ao negócio preliminar.

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No âmbito do direito internacional privado, devido a pluralidade de ordenamentos

nacionais, existem meios criados para identificar e justificar uma lei aplicável àquela relação interestadual. Estes meios são conhecidos como elementos de conexão e consistem nos aspectos relativos a esta relação designando­a a determinado foro. Dentro os diversos elementos utilizados pelos ordenamentos jurídicos, temos: a nacionalidade, o local onde o contrato é celebrado, o domicílio, o local da obrigação, o princípio da autonomia privada entre outros.

Cabe a cada ordenamento nacional definir o elemento de conexão que relevará no

exame pelo juiz ou intérprete na determinação da lei aplicável ao contrato internacional. Contudo, é reconhecido no direito internacional privado a aceitação(quase geral) do

princípio da autonomia privada , presente na maioria dos sistemas nacionais, ao direito de 69

conflitos das jurisdições internacionais e no direito da arbitragem internacional . Isto porque, 70

diferentemente dos outros elementos de conexão, este se justifica pela “certeza, previsibilidade e facilidade para as partes na determinação da disciplina material do caso, ligadas à proteçção da confiança recíproca” . 71

Em Portugal, vigora o Regulamento n. 593/2008, doravante denominado ROMA I,

sobre a lei aplicável as obrigações contratuais. Já em seu considerando n. 11, sedimenta que “a liberdade das partes de escolherem o direito aplicável deverá constituir uma das pedras angulares do sistema de normas de conflitos” . Em seu art.3 vem a disposição expressa do princípio da 72

autonomia privada. Quanto a sua previsão legal interna, Portugal também adotou o princípio da

autonomia da vontade, previsto no art.405 do CC, onde permite às partes a liberdade em escolher a lei ao contrato. Segundo LIMA PINHEIRO, a lei que poderá ser escolhida não precisa apresentar nenhum laço objetivo com o contrato, nem tampouco as partes devem demonstrar um interesse sério na escolha da lei . 73

Ademais, na arbitragem internacional de Portugal também se admite a autonomia da

vontade na escolha da lei aplicável, conforme os art.52, 1 da Lei 63/2011(Nova lei de Arbitragem).

Em sentido oposto, no Brasil não houve desenvolvimento nesse sentido, mas sim

retrocesso. Isto porque, anteriormente a promulgação do novo Código Civil, de 2002, a

69 Este princípio difere entre o direito interno e o internacional. No primeiro, consiste numa “liberdade que têm as partes de autorregular seus interesses, determinando o conteúdo das obrigações constituídas. No direito internacional privado, tal noção admite uma concepção mais restrita, que é justamente a faculdade concedida aos indivíduos de exercer a escolha e determinação da lei aplicável a certas relações jurídicas, considerando­se tal faculdade limitada pela observância de normas de ordem pública e imperativas”. BASSO, Maristela. Curso de Direito Internacional Privado, 2013, p.237. 70 Cfr. LIMA PINHEIRO, Joint Venture, 1998, p.456 e ss. 71 Idem, p.460. 72 Cfr. http://eur­lex.europa.eu/legal­content/PT/ALL/?uri=CELEX:32008R0593 (acessado em 21/06/2014) 73 Cfr. LIMA PINHEIRO. Direito Internacional Privado(Parte Especial), 1999, p.169

Page 26: Negócios Preliminares nos Contratos Internacionais.

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interpretação da Lei de Introdução ao Código Civil, de 1942, presumia a validade do princípio da autonomia privada , mas, atualmente, determina como regra a lei do local da celebração do 74

contrato(art.9 da Lei de Introdução as Normas de Direito Brasileiro). Todavia, nomeadamente quanto a arbitragem, o ordenamento brasileiro admite o

princípio da autonomia privada, havendo que respeitar a ordem pública e os bons costumes. Feitas estas considerações sobre os elementos de conexão na determinação do direito

aplicável ao contrato internacional, cabe, agora, determinar a aplicação da lei ao negócio preliminar, nomeadamente quanto a sua formação, validade substancial, efeitos e incumprimentos das obrigações derivadas destes instrumentos, quando as partes não houverem estipulado uma lei específica.

A começar por Portugal, devido ao Regulamento Roma I, no que se refere a validade

substancial do negócio preliminar, conforme dispõe o Art.10, 1 do Regulamento, a lei aplicável ao acordo preliminare será a mesma aplicável a substância do contrato se este fosse válido, ou seja, caso houvessem negociações para a conclusão de um contrato de prestação de serviços internacional, aplicar­se­ia a este acordo preliminar a lei do domicílio do prestador do serviço, conforme art. 4, n.1, “b”.

Porém, conforme o n.2 deste artigo, poderá a parte demonstrar que não deu o seu

acordo, invocando a lei de sua residência habitual. Este preceito visa proteger as partes nas negociações, já que nesta fase as partes provavelmente ainda não definiram a lei que será aplicável ao contrato, nem conhecem o ordenamento jurídico da contraparte e, conforme já vimos neste estudo, a atuação das partes podem dar azo a deveres no ordenamento diverso ao seu. A exemplo disso, a vinculatividade resultante de certos acordos que para uns ordenamentos se caracteriza por simples condutas, enquanto noutros não existe qualquer vínculo, v.g., os sistemas portugûes e inglês, quanto aos deveres decorrentes da boa­fé pré­contratual.

Quanto aos efeitos do negócio preliminar, assim como a sua interpretação e o

cumprimento das obrigações dele decorrentes, devem ser regidas pela lei que for definida na análise do negócio preliminar, neste caso pelo juízo, já que o Regulamento de Roma não engloba a arbitragem(art.1, 1, “e”).

Deve­se ter em conta que, como já visto, a depender do ordenamento jurídico, os

acordos preliminares podem gerar obrigações contratuais ou pré­contratuais que resultarão em responsabilidade contratual ou aquiliana. Sendo constatada a primeira, então a lei aplicável ao negócio preliminar será determinada pelo Regulamento Roma I(Art.12, 1, “b”), todavia, caso seja

74 Da redação do Art.13 do referido Código, estabelecia como regra o local da celebração do contrato, além da expressão “salvo estipulação em contrário” que consistiria na liberdade de escolha da lei. Cfr. ARAÚJO. In:Contratos Internacionais, 2002, p. 200.

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o segundo tipo de responsabilidade, então o Regulamento n. 864/2007 (Roma II) tratará da matéria, com fulcro no artigo 12 . 75

Relativamente aos negócios preliminares unilaterais, vide, as cartas de intenção que tratam de temas iniciais das conversações, a lei aplicável será a do seu subscritor, já que neste caso não existe conflito de lei . Neste caso, sendo o subscritor português, aplica­se a lei 76

portuguesa nos termos do Art.42, 1. No que tange aos contratos preliminares, o art.410, 1 do CC/PT consagrou o

princípio da equiparação entre o contrato promessa e o prometido, sendo assim, a lei aplicável 77

ao contrato preliminar deve ser aquela que aplicar­se­ia ao contrato final. Já no Brasil, conforme acima assinalado, o art.9 da LINDB impõe limites as partes na

escolha de uma lei àquele contrato. Em regra, aplica­se a lei do local da celebração e esta abrangerá a qualificação do ato jurídico, sua substância, seus efeitos e obrigações . 78

Supletivamente, aplica­se a lei do local da execução do contrato ou o do domicílio do proponente, quando aquela não puder se identificada.

Com isso, podem as partes se valer de uma aplicação indireta da autonomia privada , 79

por exemplo, celebrando o contrato no país da lei que queiram aplicar, respeitando, obviamente, as matérias de ordem pública e as normas imperativas. Contudo, nos contratos em que a as partes têm o mesmo domicílio e a substância do contrato tem laços fortes com aquel estado, o contrato celebrado em outro estado será nulo, pois, essa manobra resultará em fraude à lei.

Em relação aos acordos preliminares, caso as partes não tenham definido a lei que

regerá o futuro contrato, então serão aplicadas as regras de conflito para determinar a lei aplicável ao negócio preliminar, contudo, quanto ao negócio preliminar unilateral, acreditamos que deve­se aplicar a lei do subscritor, ou seja, a lei do domicílio do declarante, assim como ocorre no ordenamento português. No que pese aos contratos preliminares, assim como em Portugal, no Brasil consagrou­se o princípio da identidade, de modo que o contrato preliminar deve conter os requisitos do contrato definitivo e o conteúdo previamente definido. Todavia, parte da doutrina brasileira não poupa críticas a este entendimento, isto porque, este princípio “não deixará espaço para a recepção de normas supletivas do direito estrangeiro sobre os quais pretendam as partes contratadas fazer valer seu intento negocial, cuja complexidade poderá, eventualmente, admitir modificações de cláusulas na vigência de contratos diferidos no tempo e espaço” . 80

75 Na prática, este dispositivo trará o mesmo resultado proposto pelo art.12, 1, b do Reg. Roma I, pois, determina que a lei aplicável as obrigações extracontratuais resultantes de negociações devem ser regidas pela lei que seria aplicável ao contrato se este fosse celebrado. 76 MOURA VICENTE, A formação dos contratos Internacionais. In: Estudos…, 2004, p.205. 77 Cfr. PINTO OLIVEIRA, Principios do direito dos Contratos, 2011, p.256. e GALVÃO TELLES, Manual de direito dos Contratos, 2002, p.215. 78 BAPTISTA, Contratos Internacionais, 2011, p.38 79 BAPTISTA, Contratos Internacionais, 2011, p.53. 80 BOUCAULT, Carlos Abreu. O regime jurídico do contrato preliminar e definitivo…In: Contratos Internacionais, 2002, p.287.

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Disso extraímos que a legislação brasileira se mostra obsoleta neste sentido, merecendo uma reforma que se adapte ao tráfico comercial internacional atual.

Já afirmamos que o princípio da autonomia da vontade não é cabível às partes, tendo

em vista que o art.9 da LINDB é norma imperativa e não pode ser derrogada. Entretanto, com a promulgação da Lei da Arbitragem(Lei n.9037/96), este princípio voltou a integrar o ordenamento brasileiro. Segundo preconiza o Art.2, parágrafo 1, “poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública”. Ou seja, podem aplicar a lei de outro país, ou se utilizar dos instrumentos internacionais, usos e costumes da prática internacional, ou a lex mercatoria.

b) Do direito aplicável pelos Tribunais Estadual e Arbitral

Não obstante a liberdade conferida as partes na confecção do contrato internacional, por vezes estas não determinam a lei aplicável ao contrato e, apesar disto, continuam nas negociações e até concluem o contrato que tem em vista. Ocorre que nem sempre os contratos são celebrados, cumpridos e extintos, embora daí surjam obrigações. É comum que hajam desentendimentos entre as partes, seja na formação ou no cumprimento daquela relação. Destes impasses podem surgir litígios que serão apresentados aos tribunais do Estado de alguma das partes ou do foro elegido por estas, ou então, perante os tribunais arbitrais, quando houver naquele acordo ou contrato uma convenção de arbitragem, que já dissemos ser a via mais comum de resolução de controvérsias no comércio internacional.

A começar por Portugal, no que se refere aos tribunais estaduais, devido ao

Regulamento Roma I, a determinação da lei aplicável ao negócio preliminar se mostra mais simples. Conforme o considerando n.19, na falta de escolha da lei, deverá aplicar­se ao contrato a lei do local onde se verificar a prestação característica do contrato, por exemplo, no contrato de compra e venda, a lei da residência do vendedor. Por prestação característica entende­se ser a prestação “que traduz o conteúdo característico do contrato em causa, que lhe dá uma configuração própria, por traduzir sua função econômica e social essencial” . 81

O art.4 do Regulamento, sedimenta este critério como geral e objetivo, além de

tipificar os contratos e definir a lei aplicável a eles, conforme n.1, alíneas a a h. Sendo assim, se, por exemplo, ocorrem negociações para um futuro contrato de franquia internacional, entre partes domiciliadas nos Estados­membros, então o direito aplicável será o do lugar em que o franqueado tem residência habitual.

Como critério de conexão supletivo a esta regra, admiti­se a aplicação da lei do país

que tiver uma conexão mais estreita com o contrato(n.4) . 82

81 GALVÃO TELES, Determinação do direito aplicável aos contratos internacionais, 2004, p.85 82 Na convenção de Roma, instrumento que antecedeu o Regulamento em questão, aplicava­se como regra a cláusula da conexão mais estreita na determinação da lei aplicável ao contrato. Cfr. GALVÃO TELLES. In: Determinação do Direito material aplicável…; in: Estudos de Direito Comercial Internacional, 2004, p.63 e ss.

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Em se tratando de uma relação entre um sujeito português e outro de estado diverso, não abrangido pelo Regulamento, então deverá o juiz se basear no direito de conflitos interno português. Conforme o art.41, n.1, estabelece o princípio da autonomia da vontade, embora limita­a quando estabelece que a lei designada pelas partes deve ter conexão com os elementos do contrato(n.2). Na falta de estipulação, em se tratando de negócio jurídico unilateral, o juiz deverá aplicar a lei da residência habitual do declarante(art.42,n.1). Já nos contrato bilateral, sendo este gratuito, a lei da residência daquele que atribui o benefício ou, sendo oneroso, o local da celebração do contrato.

O problema que aqui reside é o da hipótese de não se chegar a celebração do

contrato, havendo este sido interrompido durante as negociações. Neste caso, acreditamos que a solução mais viável seja a de se utilizar por analogia das regras do regulamento, já que não existe uma norma expressa que estabeleça direito de conflitos ainda na fase pré­contratual.

Por outro lado, na arbitragem, cumpre inicialmente destacar que não trataremos do

direito da arbitragem transnacional num sentido amplo, que abrange a determinação do estatuto da arbitragem, mas tão somente da determinação do direito aplicável pelos árbitros na ausência de escolha pelas partes.

Conforme o art.52, n.2, da nova Lei de Arbitragem Voluntária, na falta de escolha da

lei pelas partes, devem os árbitros aplicarem a lei do estado que tenha a conexão mais estreita com o objeto do litígio, não fazendo menção aqui especificamente aos contratos já celebrados ou ainda em formação. Esta disposição alterou o regime da lei anterior em que aplicava­se o direito mais apropriado ao litígio . 83

Entretanto, o campo da arbitragem é mais flexível e, nesse sentido, os árbitros podem

se utilizar de regulamentos de centros institucionalizados da arbitragem internacional, ou então, decidir com base nos princípios gerais ou em princípios comuns aos Estados que mantêm laços com o litígio, além dos já sedimentados usos e costumes do comércio internacional ou a lex mercatória.

Caso as partes não tenham estipulado a lei aplicável, mas estabeleceram um pacto de

jurisdição, isto não implica em presumir que o direito aplicável aos contratos seja o do local do foro , tendo em vista que a arbitragem transnacional é autônoma e não se submete a aplicação do 84

direito de um Estado. No Brasil, o elemento de conexão utilizado como definidor da lei aplicável ao

contrato internacional pelos tribunais estaduais é o do local da celebração do contrato(lex loci contractus) e vem regulado no Art.9 da Lei de Introdução as Normas de Direito Brasileiro(LINDB). Como elementos de conexão alternativos, os critérios a serem utilizados são o do local da execução do contrato, conforme o parágrafo 2 e o domicílio do proponente, parágrafo 3. O Brasil é assinante da Convenção Interamericana sobre o Direito Aplicável aos

83 LIMA PINHEIRO, Direito aplicável ao mérito da causa na arbitragem, 2004, p.23. 84 Idem, p.21.

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Contratos Internacionais (CIDIP­V), de 1994, que tem por regra o critério da autonomia da vontade das partes na escolha da lei aplicável, contudo, ainda não ratificou­a.

Esses critérios são insuficientes para a atualidade na contratação internacional e por

isso são alvo de críticas pela doutrina brasileira. A começar pela regra, atualmente, com o avanço tecnológico e a facilidade de comunicação, as negociações até a celebração do contrato geralmente ocorrem por meio da internet. Desse modo, como estabelecer o local da celebração de um contrato se uma parte se encontra no Brasil e a outra na China? Noutra hipótese, onde uma parte assina o contrato em um local, seu país, e a outra noutro? Os elementos de conexão surgem como meio de facilitar a localização dos contratos, embora, nestes casos específicos, acabe por dificultar. Restará ao julgador uma interpretação sobre o negócio juridico para chegar a uma lei, e desta, aplicar seu direito de conflitos.

Quanto à regra do n.1 do art.9, em que se estabelece a lei do local da execução, as

críticas que surgem no ordenamento brasileiro correspondem aos casos em que o contrato tem múltiplas execuções, por exemplo, o contrato de transporte. Neste caso, deve­se determinar a lei do local da execução principal, embora ainda seja necessária uma interpretação do contrato para estabelecer qual será. Ainda quanto a esta exceção, nos casos em que os contratos geram obrigações param ambas as parte resta saber qual lei será aplicável, a do local da execução de “A” ou “B” . 85

Quanto ao último critério, o local do domicílio do proponente, este tem mais ênfase

na matéria que hora se debate, já que por vezes os negócios preliminares, máxime, os acordos deixam de ser simples instrumentos regulatórios da negociação e passam a ser propostas contratuais, quando não verdadeiros contratos, conforme já discorremos.

Disso extraímos que, devido as insuficiências dos critérios quanto a utilidade em

localizar o contrato internacional, cabe aos juízes conjugá­los para determinar a lei aplicável. Noutro plano, nomeadamente o da arbitragem, a lei de Arbitragem brasileira não

dispõe sobre uma orientação na hipótese de ausência de escolha das partes, nem, tampouco, faz distinção entre arbitragem interna ou internacional, diferentemente de Portugal que estabelece o critério da internacionalidade do contrato. Sendo assim, ao nosso ver, a solução possível para a determinação do lei aplicável ao negócio jurídico internacional deve ter por base as regras da arbitragem transnacional que mais se aproximem da expectativa das partes, por exemplo, caso aplique­se uma lei nacional, a que tenha a conexão mais estreita com o objeto do contrato ou a partir de princípios fundamentais reconhecidos nas leis dos estados que tenham laços com a relação jurídica, ou, se optarem por uma fonte supraestatal, apliquem a solução prevista nas convenções internacionais que têm grande utilização e reconhecimento na prática comercial internacional. Não obstante a escolha da lei estadual ou de outra fonte para a aplicação ao contrato, os árbitros devem respeitar os bons costumes e a ordem pública.

85 BAPTISTA, Contratos Internacionais, 2011, p.36 e ss.; Cfr. ARAÚJO. In:Contratos Internacionais, 2002, p. 201 e ss..

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Apesar da resistência do legislador brasileiro em alterar suas normas, nomeadamente de DIPr, deve acompanhar as alterações a nível global, buscando um modelo que se adapte as necessidades do tráfico comercial, já que, como se viu, suas regras de direito de conflitos não correspondem com o modelo atual disseminado na grande maioria dos sistemas nacionais.

Conclusões

Diante do que nos propusemos a estudar, especificamente os negócios preliminares na contratação internacional, apesar de não termos nos aprofundado até o limite da matéria, desejamos que este trabalha possa trazer um contributo material aos que se “aventuram” em estudar o direito dos contratos internacionais. Do que retiramos do estudo podemos concluir aspectos importantes sobre estes negócios.

Primeiramente, a utilização destes instrumentos se tornou bastante comum no período

da formação contratual, num novo modelo de contratar que vai além da oferta e da aceitação. Apesar das cartas de intenção serem os negócios preliminares mais comuns e estudados pela doutrina, finalidades diversas da simples “intenção” em negociar obrigaram a criação de outros instrumentos que hoje se materializam em diversos tipos com nomenclatura variada, sendo os mais usuais os tipos citados neste texto. No que refere aos contratos preliminares, estes também são utilizados na contratação internacional, embora, por vezes, sejam evitados em razão das partes não intencionarem em criar vínculos obrigacionais. Os tipos destacados neste estudo são os mais correntes.

O que retiramos disso é que, não obstante o nome atribuído, estes instrumentos, antes

considerados irrelevantes no iter negocial, hoje têm relevância jurídica nos mais variados ordenamentos e sistemas de direito.

No sistema do civil law, devido a teoria da culpa in contrahendo e a previsão do

princípio da boa fé e seus deveres subjacentes na formação do contrato, no início houve certo receio por parte da doutrina, já que o instituto da responsabilidade pré­contratual já estabelecia às partes certos deveres, porém, viu­se que estes instrumentos tem finalidade além da justificação de condutas nas negociais e que merecem atenção.

Já no common law, embora não exista um dever de boa fé nas negociações, existem

institutos que visam proteger o negociante de boa fé contra as arbitrariedades da contraparte que são o misrepresentation e a promissory estoppel. Embora neste sistema prevaleça a liberdade contratual perante o dever da boa fé, os ordenamentos norte­americano e inglês têm reconhecido que essa doutrina clássica não supre as necessidades emergentes da contratação atual.

Devido a diversidade de ordenamentos jurídicos nacionais, as consequências que

derivam do uso destes negócios irá variar de lei para lei. Sendo assim, em caso de incumprimento da obrigação assumida no instrumento preliminar ou no caso de negociação sem o respeito a boa fé, surgirá responsabilidade à alguma das partes, podendo ser contratual ou aquiliana. Vimos que a solução adotada por Portugal corresponde a uma solução híbrida, onde, a depender da interpretação dos termos do negócio, aplicar­se­á um dos dois tipos de responsabilidade. No

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Brasil, a solução a se aplicar é a de configurar como responsabilidade contratual. Ao nosso ver, a opção portuguesa se mostra mais adequada.

Importante se faz destacar o papel das organizações supraestatais que dedicam longos

estudos na confecção de instrumentos materiais para uma uniformização do direito das obrigações. Se não houvesse esse movimento pró­uniformização, a dificuldade em interpretar e localizar um contrato internacional impediria o desenvolvimento desta seara nos tempos atuais. Vemos que embora não sejam baseados em ordenamentos específicos, os instrumentos normativos, Princípios do Unidroit e DCFR, norteiam os operadores do comércio ditando regras que são atribuíveis a maioria dos sistemas jurídicos. Ainda nesse sentido, percebemos a influência da teoria de JHERING no direito do contratos moderno, notadamente na contratação internacional, com a imposição do dever de boa fé nas relações negociais. Esta é uma realidade presente nos sistemas do civil law, mas que aos poucos vai se estabelecendo no sistema do common law, como vimos neste estudo.

No mais, quanto a questão do direito aplicável aos negócios preliminares, conforme

vimos, tem maior desenvolvimento no direito Português. Isto porque, aqui se admite o princípio da autonomia da vontade que, nas relações que abragem mais de um direito, ao nosso ver, parece mais razoável. Isto em razão da ratificação ao Regulamento Roma I, que traz uniformidade nesse aspecto, ao âmbito europeu, como também, em disposição interna do seu código civil.

Em sentido oposto, o ordenamento brasileiro não admite o princípio, mas somente,

localiza o contrato por meio do seu direito de conflitos que se mostra obsoleto, conforme as críticas aqui tecidas no capítulo infra.

Já no que refere ao direito aplicável pelos tribunais estadual e arbitrais, as soluções

são distintas. Em Portugal, caso a questão seja apresentada ao tribunal estadual, caso seja aplicável as regras do Reg. Roma I, então, aplica­se a lei do local da prestação característica do contrato e, como critério supletivo, o a lei do local com a conexão mais estreita. No direito interno, aplica­se a lei do local da celebração ou, caso seja negócio unilateral, o do lugar do domicílio do subscritor.

Na arbitragem, na falta de designação das partes, a nova lei de arbitragem vonluntária

determina a aplicação da lei do lugar que tiver a conexão mais estreita com o contrato. Já no Brasil, conforme já criticamos, o direito aplicável pelos tribunais não traz

solução razoável ao utilizar critérios de conexão que não acompanham o desenvolvimento da contratação. Determinar a regra do DIPr., lei do local da celebração, pode frustrar a expectativa das partes, sendo este um dos motivos em que a arbitragem seja amplamente mais utilizada pelos brasileiros.

Isto em razão da lei de arbitragem no Brasil não prever um direito de conflitos na

ausência de escolha das partes, de modo que essa escolha partirá da livre apreciação do árbitro. Contudo, ao nosso ver, deve haver um critério como norte para guiar os árbitros, trazendo um mínimo de segurança às partes.

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Por fim, acreditamos que a matéria aqui tratada é um tanto recente e merece maior

aprofundamento doutrinário. Ademais, conforme se extrai dos ordenamentos e da prática comercial internacional, não é imaginável pensar que num futuro próximo exista previsão legal de alguns destes instrumentos nas leis internas, conforme ocorrera com os contratos preliminares.

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