1 Negociações das Nações Unidas sobre Financiamento para o Desenvolvimento: Que resultados deverão ser alcançados em Adis Abeba, em 2015? Este documento é uma iniciativa do African Forum and Network on Debt and Development (AFRODAD) www.afrodad.org European Network on Debt and Development (EURODAD) www.eurodad.org Jubilee South - Asia Pacific Movement on Debt and Development 1 (JSAPMDD) www.apmdd.org Latin American Network on Debt, Development and Rights (LATINDADD) www.latindadd.org Third World Network (TWN) www.twn.my Este documento foi escrito pelas redes da sociedade civil listadas acima, com a colaboração e comentários de muitas outras organizações da sociedade civil. Foi endossado por 142 organizações da sociedade civil (lista no final do documento). Endossos posteriores poderão ser enviados para Hernán Cortés ([email protected]). A tradução para português é da responsabilidade da Plataforma Portuguesa das ONGD. 1 A JSAPMDD endossou a maior parte das recomendações deste relatório.
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Negociações das Nações Unidas sobre
Financiamento para o Desenvolvimento:
Que resultados deverão ser alcançados em Adis Abeba, em 2015?
Este documento é uma iniciativa do
African Forum and Network on Debt and Development (AFRODAD)
www.afrodad.org
European Network on Debt and Development (EURODAD)
www.eurodad.org
Jubilee South - Asia Pacific Movement on Debt and Development1 (JSAPMDD)
www.apmdd.org
Latin American Network on Debt, Development and Rights (LATINDADD)
www.latindadd.org
Third World Network (TWN)
www.twn.my
Este documento foi escrito pelas redes da sociedade civil listadas acima, com a colaboração e
comentários de muitas outras organizações da sociedade civil. Foi endossado por 142
organizações da sociedade civil (lista no final do documento). Endossos posteriores poderão
ADPIRC – Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio
AGNU – Assembleia Geral das Nações Unidas
ALC - Acordos de Livre Comércio
APD – Ajuda Pública ao Desenvolvimento
CAD – Comité de Apoio ao Desenvolvimento
COP – Conferência das Partes
COP UNFCCC – Conference of the Parties (COP) on United Nations Framework Convention on
Climate Change [Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
as Alterações Climáticas]
DSE – Direitos de Saque Especiais
ECOSOC – Conselho Económico e Social das Nações Unidas
FCD – Fundo de Cooperação para o Desenvolvimento
FfD – Financing for Development [Financiamento para o Desenvolvimento]
FMI – Fundo Monetário Internacional
FSB – Financial Stability Board
GAI – Grupo de Avaliação Independente do Banco Mundial
IDE – Investimento Directo Estrangeiro
IFD – Instituições Financeiras de Desenvolvimento
IFI – Instituições Financeiras Internacionais
ISDS – Investor-State Dispute Settlement [Resolução de Conflitos entre Investidor e Estado]
MPME – Micro, Pequenas e Médias Empresas
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
ODS - Objectivos de Desenvolvimento Sustentável
OSC – Organizações da Sociedade Civil
PNUA – Programa das Nações Unidas para o Ambiente
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPP – Parcerias Público-Privadas
RNB – Rendimento Nacional Bruto
UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development [Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento]
UNDESA – United Nations Department of Economic and Social Affairs [Departamento de
Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas]
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SUMÁRIO EXECUTIVO
O ano de 2015 será marcante para a luta global contra a pobreza e para um desenvolvimento
mais equitativo e sustentável, com três cimeiras cruciais a acontecer num período de apenas 6
meses. Uma questão transversal a estas três cimeiras tem a ver com propostas concretas para
a reforma dos sistemas financeiro e comercial internacionais de modo a que estes contribuam
para os objectivos globais de desenvolvimento sustentável. Estas reformas devem basear-se
no direito ao desenvolvimento para todos os países, assegurando os direitos económicos e
sociais a todas as pessoas. Há fundos disponíveis que são suficientes para alcançar os direitos
humanos para todos, eliminar a pobreza e alcançar os objectivos globais de desenvolvimento
sustentável, mas para que isto seja possível é necessário tomar decisões políticas que alterem
estruturas e sistemas. A Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Financiamento para o
Desenvolvimento (FfD, na sigla em inglês), que irá ter lugar em Adis Abeba em Julho de 2015,
terá um papel crucial no que diz respeito a estas questões.
Este documento sintetiza a nossas recomendações para que ocorram mudanças concretas na
Cimeira de Adis Abeba, ao abrigo das seis rubricas do Consenso de Monterrey, com um sétimo
capítulo sobre outras questões importantes:
1. Mobilização de recursos financeiros internos
Uma cooperação verdadeiramente global é fundamental para resolver o problema dos fluxos
financeiros ilícitos e para combater eficazmente a evasão e a fraude fiscais. A inexistência de
uma agenda comum para a cooperação internacional em matéria fiscal está a custar aos
governos grandes quantidades de recursos, que poderiam ser alocados ao desenvolvimento
sustentável. As normas fiscais actuais a nível global estão a ser discutidas à porta fechada na
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), impedindo que 80%
dos países tenham acesso aos processos de tomada de decisão a este respeito. As nossas
recomendações-chave são:
Estabelecer um novo órgão intergovernamental sobre a cooperação internacional em
matéria fiscal e fornecer os recursos necessários que permitam que este órgão opere
eficazmente;
Assegurar um mandato abrangente para o novo órgão fiscal intergovernamental,
incluindo a erosão de base tributável e transferência de resultados, tratados fiscais e
de investimento, incentivos fiscais, tributação das indústrias extractivas, transparência
quanto aos beneficiários efectivos, sistemas de informação país por país e partilha
automática de informações para fins fiscais.
2. Investimento directo estrangeiro e outros fluxos privados internacionais
É necessária uma abordagem muito mais equilibrada do financiamento privado internacional,
reconhecendo os riscos e a necessidade de os países em desenvolvimento gerirem os fluxos
cuidadosamente. Há dois níveis de preocupação diferentes. Por um lado, existem riscos
macroeconómicos associados a estes fluxos, tais como a volatilidade dos fluxos financeiros de
curto-prazo. Por outro, há preocupações a respeito do conteúdo e dos termos do investimento
a longo-prazo, particularmente o Investimento Directo Estrangeiro (IDE). As nossas
recomendações são as seguintes:
5
Reconhecer a regulamentação da conta de capitais como ferramenta política
fundamental para todos os países e remover quaisquer obstáculos a estas políticas
importantes de todos os acordos de comércio e investimento;
Apontar claramente quais são os problemas mais significativos relacionados com o uso
das instituições públicas e dos recursos na alavancagem do financiamento privado
internacional.
3. Comércio Internacional
A política comercial deve permitir que os países em desenvolvimento tenham espaço político,
incluindo a capacidade de centrarem a sua atenção nos impactos do desemprego, nas pessoas
mais vulneráveis, na igualdade de género e no desenvolvimento sustentável. Não deve
promover a liberalização como um fim em si mesmo. O comércio internacional desempenha
um papel de relevo no desenvolvimento e as políticas comerciais são uma ferramenta
importante que os países em desenvolvimento podem utilizar no apoio ao crescimento de
indústrias nacionais com um maior valor acrescentado e não apenas como produtores de
produtos de base. Contudo, o regime de comércio actual tem levado os países em
desenvolvimento a abrirem os seus mercados, não só através da Organização Mundial de
Comércio (OMC) como de tratados comerciais e de investimento regionais e bilaterais,
reduzindo assim o espaço político que têm para dar resposta às suas necessidades de
desenvolvimento e contribuindo pouco para inverter as políticas de distorção comercial
levadas a cabo pelos países ricos. Recomendamos:
Uma revisão abrangente de todos os acordos comerciais e dos tratados de
investimento, de modo a identificar todas as áreas que possam limitar a capacidade
de os países em desenvolvimento prevenirem e gerirem crises, regular os fluxos de
capitais, proteger o direito ao sustento e a um emprego decente, reforçar a
tributação justa, prestar serviços públicos essenciais e assegurar o desenvolvimento
sustentável;
Uma revisão de todos os regimes de direitos de propriedade intelectual que foram
introduzidos nos países em desenvolvimento através dos Acordos de Livre Comércio
(ALC), identificando os impactos adversos na saúde pública, no ambiente e no
desenvolvimento de tecnologia, entre outras áreas.
4. Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e outros apoios públicos internacionais ao
desenvolvimento
São necessários compromissos reforçados para melhorar a qualidade e a quantidade da APD,
com mecanismos de acompanhamento mais firmes, e também novas e adicionais fontes de
financiamento público. A APD continua a ser um recurso fundamental, nomeadamente para os
países mais pobres, mas o seu valor tem vindo a ser severamente prejudicado pelo
incumprimento, por parte dos países ricos, da meta das Nações Unidas que previa que 0.7% do
Rendimento Nacional Bruto (RNB) destes países fosse direccionado para a APD e pela falta de
progresso ao nível dos compromissos assumidos em Paris/Acra/Busan sobre a eficácia da
ajuda ao desenvolvimento, no sentido de pôr fim às más práticas que prejudicam gravemente
a qualidade da APD. Meios de financiamento público inovadores podem vir a fornecer recursos
adicionais muito necessários. As nossas recomendações-chave são:
6
Estabelecer calendários vinculativos para alcançar o compromisso dos 0.7% do RNB
enquanto APD;
Assegurar que a APD representa uma transferência genuína de ajuda ao
desenvolvimento, pondo fim à ajuda ligada, removendo os custos reportados nos
países financiadores e associados ao alívio da dívida, proporcionando a maioria na
forma de subsídios e reformando os empréstimos concessionais ao reflectir os custos
reais dos empréstimos aos países parceiros;
Implementar uma taxa sobre as transacções financeiras efectuadas por empresas
financeiras e utilizar as receitas daí derivadas para financiar o desenvolvimento
sustentável.
5. Dívida externa
A recente Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU)2 que mandata o
“estabelecimento de um enquadramento legal multilateral para a reestruturação dos
processos de dívida soberana” é uma oportunidade de extrema importância – e que não deve
ser desperdiçada – para pôr em prática mecanismos internacionais eficazes de modo a
prevenir e a resolver crises futuras. As crises da dívida ameaçam anular os progressos globais
que foram alcançados a nível do desenvolvimento ao longo de décadas. Mesmo em países que
não sofreram nenhuma crise da dívida grave, o serviço da dívida compete com os gastos em
desenvolvimento por recursos públicos limitados. Apesar das promessas feitas em Monterrey,
em 2002, a arquitectura da prevenção e gestão das crises da dívida não foi desenvolvida. A
resposta às crises da dívida continua a ser feita tardiamente e de forma muito lenta. As nossas
recomendações-chave são:
Reafirmar o compromisso de se chegar a um acordo quanto a um enquadramento
legal multilateral para os processos de reestruturação da dívida soberana num fórum
neutro e assegurar que este é abrangente e baseado numa abordagem das
necessidades humanas, fazendo com que credores e devedores prestem contas em
caso de comportamentos irresponsáveis e oferecendo a todas as partes interessadas o
direito a serem ouvidas;
De modo a escrutinar a existência de dívida de acordo com padrões de financiamento
responsáveis, incluindo a avaliação da legitimidade da dívida, devem ser realizadas
auditorias da dívida, com compromissos de cancelamento da dívida no caso de esta ser
considera ilegítima.
6. Questões sistémicas: governação global eficaz e inclusiva e reforma do sistema monetário
O sistema de governação global da economia precisa urgentemente de uma revisão que
permita facultar aos países em desenvolvimento um lugar justo e equitativo na mesa da
tomada de decisões em todas as organizações internacionais e instituições financeiras,
reforçar a transparência e a prestação de contas e dar resposta a problemas-chave
internacionais, respeitando simultaneamente o espaço político dos países em
desenvolvimento. Se a mudança do G8 para o G20, enquanto cerne das discussões económicas
globais, representou uma alteração na dinâmica do poder, o G20 está a demonstrar-se
desadequado e ineficaz ao nível da coordenação global, ao passo que os órgãos legítimos das
2 Resolução da AGNU A/RES/68/304 (2014).
7
Nações Unidas não estão mandatados nem têm recursos para assumir uma coordenação eficaz
nesta área. O sistema monetário internacional está construído com base num papel
insustentável do dólar americano, que precisa de ser gradualmente substituído enquanto
moeda de reserva mundial mas que, simultaneamente, confere estabilidade adicional ao
sistema ao aumentar os activos de reserva disponíveis para os países em desenvolvimento.
Recomendamos:
A preparação de um processo que estabeleça um Conselho de Coordenação
Económica Global ao nível das Nações Unidas (Global Economic Coordination
Council), que deverá assumir a liderança no que respeita às questões económicas;
A emissão anual de 250 mil milhões de dólares em novos Direitos de Saque
Especiais (DSE), a maioria deles direccionados para os países em desenvolvimento.
7. Outros assuntos importantes
Destacamos quatro questões que nos parecem merecer particular atenção:
As Nações Unidas devem considerar seriamente a necessidade de abordagens mais
adequadas para medir os progressos que vão para além dos indicadores económicos
de curto-prazo, tais como o Rendimento Nacional Bruto (RNB), incluindo medidas de
bem-estar social e ambiental e enfatizando quão significantes as desigualdades,
nomeadamente as de género, podem ser;
Ao desenvolverem uma iniciativa sobre padrões de financiamento responsáveis, as
Nações Unidas podem reunir e reforçar as várias iniciativas e propostas já existentes e
ajudar a assegurar que os padrões são devidamente implementados;
Dado o crescente reconhecimento de que todas as formas de financiamento para o
desenvolvimento apresentam ameaças e oportunidades específicas para os direitos
das mulheres, esta agenda vital deve ser integrada no FfD;
As Nações Unidas devem avançar com a agenda para a reforma da regulamentação
financeira e do sector financeiro, iniciada na conferência da AGNU de 2009.
O texto acima é um resumo das principais recomendações que são elencadas em detalhe de
seguida, com dados que demonstram por que razão estas e outras questões devem estar no
centro da conferência sobre FfD que decorrerá em Adis Abeba, em Julho de 2015.
8
INTRODUÇÃO
O ano de 2015 será marcante na luta global contra a pobreza e para o desenvolvimento
equitativo e sustentável, com três cimeiras cruciais a decorrer no espaço de apenas seis meses.
A Terceira Conferência das Nações Unidas sobre FfD, que decorrerá em Adis Abeba, em Julho,
será seguida pela Cimeira das Nações Unidas para a adopção da Agenda de Desenvolvimento
Pós-2015 em Nova Iorque, em Setembro, e pela Conferência das Partes (COP) da Convenção-
Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, em Dezembro, em Paris. Uma
questão transversal a estas três cimeiras é a apresentação de propostas concretas para a
reforma dos sistemas internacionais de comércio e financeiro de modo a que contribuam para
alcançar os objectivos globais de desenvolvimento sustentável. Estas reformas devem basear-
se no direito ao desenvolvimento para todos os países e assegurar os direitos económicos e
sociais para todos. A Conferência sobre FfD em Adis Abeba vai ter um papel fundamental no
que diz respeito a estas questões.
A Conferência de Julho de 2015 é o seguimento da primeira Conferência sobre FfD3 que teve
lugar em Monterrey, no México, em 2002. O resultado – o Consenso de Monterrey –
introduziu seis capítulos ou “acções destinadas” ao FfD que estiveram no centro da Agenda
para o Desenvolvimento Sustentável e que formam a estrutura deste documento. A Segunda
Conferência sobre FfD teve lugar em Doha4, em 2008, e acrescentou um capítulo sobre novos
desafios e questões emergentes, abordando os impactos da crise financeira e das alterações
climáticas, entre outros. Em 2009, a AGNU realizou, em Nova Iorque, uma Conferência sobre a
Crise Económica e Financeira Mundial e os seus Impactos no Desenvolvimento, tendo sido a
única conferência global a dar resposta aos impactos da crise financeira global nos países em
desenvolvimento, estabelecendo um importante plano para combater as falhas sistémicas que
fizeram vergar o sistema financeiro global.
O processo rumo à terceira Conferência sobre FfD foi precedido por relatórios do Grupo de
Trabalho Aberto sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (Open Working Group
on Sustainable Development Goals)5, do Comité Intergovernamental de Especialistas em
Desenvolvimento Financeiro Sustentável (Intergovernmental Committee of Experts on
Sustainable Development Finance – ICESDF)6, e o Relatório Síntese do Secretário Geral das
Nações Unidas, os quais forneceram informações relevantes de base e sobre o contexto.
As questões abordadas em Monterrey, Doha e Nova Iorque continuam a revestir-se de uma
enorme importância e o desafio para Adis Abeba é definir um plano de acção concreto que dê
resposta a questões sistémicas e estruturais e que assegure a disponibilidade de recursos para
financiar o desenvolvimento sustentável. Este documento apresenta as nossas propostas para
compromissos concretos que consideramos que os governos devem assumir em Adis Abeba.
O documento contém recomendações e questões fundamentais, incluindo os compromissos
consagrados nos seis “capítulos de Monterrey” e um capítulo sete final sobre novos assuntos:
1. Mobilização de recursos financeiros internos;
2. Investimento directo estrangeiro e outros fluxos privados internacionais;
3 ONU. (2003). Consenso de Monterrey sobre Financiamento para o Desenvolvimento. 4 ONU. (2009). Declaração de Doha sobre Financiamento para o Desenvolvimento
5 ONU. (2014). Relatório do Grupo de Trabalho Aberto sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável
instituído em conformidade e com a Resolução da Assembleia Geral 66/288. 6 ONU. (2014). Relatório do Comité Intergovernamental de Especialistas em Desenvolvimento Financeiro
Sustentável.
9
3. Comércio Internacional;
4. Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e outros apoios públicos internacionais ao
desenvolvimento;
5. Dívida externa;
6. Questões sistémicas: governação global eficaz e inclusiva e reforma do sistema
monetário;
7. Outros assuntos importantes: questões que devem ser introduzidas e os processos de
acompanhamento que devem ser acordados, incluindo a medição do desenvolvimento
sustentável para além do RNB; padrões de financiamento responsável, reforma do
sector financeiro e integração dos direitos das mulheres.
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1. MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS INTERNOS
Recomendações
Uma cooperação verdadeiramente global é fundamental para resolver o problema dos fluxos
financeiros ilícitos e para combater eficazmente a evasão e a fraude fiscais. As nossas
recomendações-chave são:
Estabelecer um novo órgão intergovernamental no seio das Nações Unidas sobre a
cooperação internacional em matéria fiscal e fornecer os recursos necessários que
permitam que este órgão opere eficazmente. Uma tarefa central deste órgão será
desenvolver um novo instrumento multilateral que reforce a cooperação internacional
em matéria fiscal. O comité de peritos que actualmente existe pode ser mantido
enquanto órgão subsidiário que fornece assessoria técnica às negociações
intergovernamentais;
O mandato para o novo órgão fiscal intergovernamental deve incluir trabalho sobre a
erosão de base tributável e a transferência de resultados, tratados fiscais e de
investimento, incentivos fiscais, tributação das indústrias extractivas, transparência
quanto aos beneficiários, sistemas de informação país por país, partilha automática de
informações para fins fiscais, alternativas à abordagem da “independência das
sociedades” e minimização dos efeitos de contaminação das políticas fiscais.
Questões fundamentais
Um dos principais obstáculos à mobilização de recursos internos nos países em
desenvolvimento corresponde à quantidade de financiamentos que saem desses países sem
serem taxados, não contribuindo, dessa forma, para os orçamentos dos governos
direccionados ao financiamento de serviços públicos essenciais, tais como cuidados de saúde
ou educação. A globalização e as regras fiscais globais desactualizadas tornaram possível que
as empresas transnacionais evitassem e fugissem à tributação fiscal em grande escala. Os
dados demonstram que os países em desenvolvimento estão a perder mais recursos devido à
fraude fiscal das empresas do que aqueles que recebem por via da Ajuda Pública ao
Desenvolvimento7.
A falta de uma agenda comum para a cooperação internacional em matéria fiscal está a custar,
a todos os governos, avultados recursos que poderiam ter sido alocados ao desenvolvimento
sustentável. No entanto, num estudo recente8 sobre as repercussões na tributação do
rendimento das empresas, o Fundo Monetário Internacional (FMI) sublinhou que: “O efeito de
contaminação de base (spillover base effect) é maior nos países em desenvolvimento.
Comparados com os países da OCDE, o efeito de contaminação de base de outras taxas de juro
é duas a três vezes maior e estatisticamente mais significativo. A aparente perda de receitas
decorrente do efeito de contaminação, relativa a uma referência semelhante à tributação na
fonte, é também maior para os países em desenvolvimento”.
Uma parte substancial do trabalho internacional sobre questões tributárias está actualmente a
decorrer no âmbito do G20 e da OCDE. Isto inclui o processo sobre troca automática de
7 Christian Aid. (2008). Death and taxes.
8 FMI. (2014). Spillovers in International Corporate Taxation.
11
informação tributária, que ambiciona assegurar a cooperação das autoridades tributárias no
sentido de evitar a evasão fiscal, e o processo sobre a erosão de base tributável e a
transferência de resultados, que se prevê combater a fraude e a evasão fiscais por parte de
empresas transnacionais. Ambos os processos incluíram “consultas” aos países em
desenvolvimento que não fazem parte do G20, mas as actuais negociações
intergovernamentais e a tomada de decisão estão a decorrer à porta fechada e sem a
realização de um processo de consulta aos países em desenvolvimento. Por isso, e uma vez
mais, 80% dos países do mundo não estão a ser incluídos nos processos de tomada de decisão.
A própria OCDE já admitiu que o seu trabalho relativamente à questão da erosão de base
tributável e à transferência de resultados não dá resposta a algumas das maiores
preocupações dos países em desenvolvimento9. A promessa feita em Monterrey de “reforçar a
cooperação fiscal internacional… dando particular atenção às necessidades dos países em
desenvolvimento e dos países com economias em transacção” não tem sido cumprida.
A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em
inglês) também referiu que: “uma vez que estas iniciativas são maioritariamente lideradas
pelas economias desenvolvidas – algumas das quais com jurisdições opacas e empresas
transnacionais poderosas – corre-se o risco de o debate não tomar em consideração todas as
necessidades e os pontos de vista da maioria das economias em desenvolvimento e em
transição. Será importante, por isso, atribuir um papel mais importante a instituições como o
Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Matéria Fiscal e
considerar a adopção de uma convenção internacional contra a evasão e a fraude fiscais. É
essencial adoptar-se uma abordagem multilateral porque, caso apenas algumas jurisdições
aceitem prevenir fluxos ilícitos de capitais e perdas fiscais, estas práticas vão simplesmente
transferir-se para outros locais não-cooperativos”10.
O trabalho das Nações Unidas sobre questões relacionadas com impostos tem sido sobretudo
realizado ao nível do Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em
Matéria Fiscal. Não obstante o Comité fornecer aconselhamento e recomendações de valor,
ele é, por natureza, um comité de peritos – e não um comité intergovernamental – pelo que
não tem capacidade para liderar negociações intergovernamentais. O acordo de Doha sobre o
FfD solicitou ao Conselho Económico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) que “examinasse o
reforço dos acordos institucionais, incluindo o Comité de Peritos das Nações Unidas sobre
Cooperação Internacional em Matéria Fiscal”. Contudo, o trabalho do Comité continua a sofrer
constrangimentos severos devido à falta de recursos.
No seu relatório de 201411, a Relatora Especial das Nações Unidas para a Pobreza Extrema e os
Direitos Humanos recomendou que os Estados façam uma actualização do Comité para um
“estatuto intergovernamental”. O reconhecimento da necessidade de envolver os países em
desenvolvimento na criação de normas fiscais globais remonta há já bastante tempo. Por
exemplo, o “Painel Zedillo”12 recomendou, em 2001, que fosse estabelecida uma “Organização
Internacional de Impostos”. O G77 também tem vindo a propor repetidamente13 que o Comité
de Peritos das Nações Unidas se transforme num órgão internacional, mais recentemente no
9 OCDE. (2014). Parte 1 do Report to G20 Development Working Group on the Impact of BEPS in low income. Julho de 2014. 10
UNCTAD. (2014). UNCTAD Trade and Development Report 2014. 11 http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/RegularSessions/Session26/Documents/A_HRC_26_28_ENG.doc 12
CESR; Christian Aid. (2014). A Post-2015 Fiscal Revolution. 16 http://www.imf.org/external/pubs/ft/survey/so/2014/POL031314A.htm 17
ActionAid; Eurodad. (2011). Approaches and Impacts. IFI Tax policy in developing countries. 18 FMI. (2014). Spillovers in International Corporate Taxation.
desta informação será possível avaliar se as empresas transnacionais estão efectivamente a
pagar a sua justa parte dos impostos e se esses estão a ser pagos nos países onde as
actividades económicas têm lugar e onde é criado valor acrescentado.
Por fim, os governos devem estabelecer um verdadeiro sistema global para uma troca
automática de informação sobre questões fiscais. Um sistema deste género deve ser
elaborado de forma a permitir uma participação significativa dos países em desenvolvimento,
aos quais deveria ser permitido o acesso automático a informação mesmo que não tenham
ainda a capacidade de enviar o mesmo tipo de informação de volta.
14
2. INVESTIMENTO DIRECTO ESTRANGEIRO E OUTROS FLUXOS PRIVADOS INTERNACIONAIS
Recomendações
A Conferência em Adis Abeba pode apoiar a adopção de uma abordagem equilibrada para o
financiamento privado internacional, reconhecendo a necessidade que os países em
desenvolvimento têm de gerir cuidadosamente os fluxos. As nossas recomendações-chave são:
Reconhecer a regulamentação da conta de capital como uma ferramenta política
fundamental para todos os países, em particular para os países em desenvolvimento,
que são os que mais sofrem com os efeitos de contaminação globais, incluindo fluxos
de capital de curto-prazo voláteis, com o compromisso de remover de todos os
acordos de comércio e investimento, incluindo na OMC, quaisquer constrangimentos a
estas importantes políticas;
Apontar claramente quais são os problemas mais significativos associados ao uso das
instituições e dos recursos públicos na alavancagem do financiamento privado
internacional, incluindo a falta de clareza sobre a complementaridade, a finalidade e o
impacto no desenvolvimento, a influência limitada das partes interessadas dos países
em desenvolvimento e as diminuídas transparência e prestação de contas.
Questões fundamentais
Os fluxos de capitais privados internacionais, nomeadamente o Investimento Directo
Estrangeiro (IDE), podem ajudar a fomentar o crescimento económico sustentável, mas podem
também trazer vários riscos associados que têm de ser geridos cuidadosamente. Estes fluxos
têm o potencial de criar empregos decentes, facilitar a transferência de tecnologia e gerar
recursos internos através do pagamento da justa parte dos impostos por parte de empresas e
indivíduos. No entanto, uma má gestão destes fluxos privados pode propiciar um aumento das
desigualdades e ter um impacto adverso na vida das pessoas mais pobres e vulneráveis e no
meio ambiente, podendo aumentar os riscos para os países em desenvolvimento. Há duas
categorias diferentes de preocupações: por um lado, existem riscos macroeconómicos
associados a estes fluxos, tais como a volatilidade dos fluxos financeiros de curto-prazo; por
outro, há preocupações quanto ao conteúdo e aos termos do investimento de longo-prazo,
especialmente do IDE. Monterrey sublinhou as necessidades de as empresas “tomarem em
consideração não apenas as implicações económicas e financeiras das suas actividades, como
também aquelas ao nível do desenvolvimento, do género e do ambiente”.
Os fluxos financeiros transfronteiriços privados de curto-prazo, nomeadamente a carteira de
investimentos, podem ser extremamente voláteis com oscilações abruptas ao nível do
investimento e às saídas massivas de capital que ocorrem durante as crises. Estas são também
conhecidas como saídas de “dinheiro quente” (hot money outflows), podendo despoletar
crises severas nos mercados cambiais e no sector financeiro e vir a ter impactos prejudiciais e
geralmente de longo-prazo na economia real. Este tipo de saída de emergência (panic exit) de
capitais desencadeou a crise financeira asiática de 1997-1998, dando início a uma repentina
desvalorização da moeda que desestabilizou economias nacionais por completo, tendo sido
um importante mecanismo para a transmissão para os países em desenvolvimento da crise
financeira global. Sem uma regulamentação financeira mais forte por parte dos governos, é
provável que fluxos financeiros privados, voláteis e de curto-prazo, “voltem” a provocar uma
15
próxima crise. Monterrey ressalvou o seguinte: “Medidas que mitiguem o impacto de uma
volatilidade excessiva dos fluxos de capital de curto-prazo são importantes e devem ser
consideradas”.
Os recentes sinais de que o FMI19 está limitadamente disponível para diminuir a sua oposição à
regulamentação de contas de capital são bem-vindos e o acompanhamento da posição firme
adoptada em Doha quanto ao facto de “não ser negado aos países em desenvolvimento o
direito a (…) impor restrições de capital temporárias e procurar negociar acordos sobre
congelamentos temporários da dívida entre credores e devedores”. Contudo, dada a escala
dos riscos, é necessário adoptar urgentemente uma agenda mais pró-activa. Vai ser
determinante reconhecer que a regulamentação de contas de capital é uma ferramenta
política fundamental que deve fazer parte do conjunto de ferramentas para todos os países
que procuram prevenir crises causadas pelas entradas e saídas de “dinheiro quente”,
nomeadamente para os países em desenvolvimento mais afectados.
Relativamente ao IDE e a outros financiamentos de longo-prazo, um recente estudo do
Parlamento Europeu20 identificou as seguintes limitações:
O IDE dificilmente chega a países de baixo rendimento, com excepção dos maiores
exportadores de recursos naturais. Isto pode ser altamente problemático, visto que o
sector extractivo de recursos tem um potencial reduzido de criação de empregos
decentes, pode ter grandes impactos sociais, ambientais e ao nível dos direitos
humanos e pode aumentar os problemas de gestão macroeconómicos;
Tem vindo a ser difícil direccionar o IDE para micro, pequenas e médias empresas
(MPME), as quais são responsáveis pela criação do maior número de postos de
trabalho e do RNB nos países em desenvolvimento;
A propensão natural para a obtenção de lucros que caracteriza o IDE significa que ele
não pode dar resposta a várias questões-chave, incluindo uma maior provisão de
serviços públicos, vital para o crescimento do sector privado;
O IDE é frequentemente associado a significativas saídas de recursos, através do
repatriamento dos lucros, estimado em 90% do valor das entradas de IDE em 201121.
Além disso, tal como vimos no Capítulo 1, os fluxos financeiros ilícitos associados a
uma avaliação incorrecta das operações comerciais (trade mispricing) e a outros tipos
de tácticas de evasão fiscal contribuem para um esgotamento massivo dos recursos
internos nos países em desenvolvimento.
Ademais, os investidores externos colocam frequentemente pressão sobre os governos
nacionais para introduzirem condições favoráveis, tais como isenções fiscais ou uma
regulamentação laboral, social e ambiental menos restritiva, que podem ter impactos
negativos tanto directamente como através da criação de um campo de acção injusto face ao
sector privado nacional. Por fim, os números sobreavaliam claramente a quantidade líquida
dos fluxos financeiros privados que entram nos países em desenvolvimento. Por exemplo, de
19
http://www.imf.org/external/pp/longres.aspx?id=4720 20 Griffiths, J., Martin, M., Pereira, J., Strawson, T. (2014). Financing for Development Post-2015: improving the contribution of private finance. União Europeia. 21 Development Initiatives. (2013). Investments to end poverty.
acordo com a UNCTAD22, as transacções ou posições que envolvem as Entidades com um Fim
Específico (Special Purpose Entities) são consideráveis, embora não representem normalmente
fluxos de investimento genuínos, podendo conduzir a uma interpretação incorrecta dos dados
relativos ao IDE.
Por isso, a questão fundamental tem a ver com a qualidade e a contribuição para o
desenvolvimento dos fluxos privados, as quais acabam por ser mais valorizadas do que a sua
quantidade. Doha referiu que “o impacto do investimento directo estrangeiro no
desenvolvimento deve ser maximizado” e sublinhou a necessidade de estabelecer a ligação
entre IDE e melhorias concretas nas economias nacionais, nomeadamente “através da
promoção da transferência de tecnologia e da criação de oportunidades de formação para a
força de trabalho local, incluindo mulheres e jovens”. Uma abordagem importante terá a ver
com o desenvolvimento de um conjunto de princípios para o investimento responsável em
prol do desenvolvimento sustentável, tal como enunciado no Capítulo 7.
Infelizmente, em vez de se centrar na forma de gestão dos custos e dos benefícios associados
ao investimento directo estrangeiro e a outros fluxos financeiros privados a nível nacional23, a
maioria dos debates desde Doha tem-se focado na questão de como usar os financiamentos e
as garantias públicas no processo de alavancagem do financiamento privado. Isto inclui uma
mistura com a APD, tal como discutido no Capítulo 4. Ao fazerem isso, os bancos de
desenvolvimento multilaterais e as instituições financeiras de desenvolvimento (IFD)
tornaram-se alguns dos principais actores no panorama actual do desenvolvimento. Relatórios
recentes24 sublinharam os problemas sérios associados a esta agenda comandada pelas IFD:
Problemas em produzir resultados mensuráveis a nível do desenvolvimento, com
dificuldades em delinear programas que funcionem com MPME em países de
rendimento baixo;
Êxito limitado na geração de investimento “adicional”, com avaliações externas a
demonstrarem que muitos dos investimentos que beneficiam de apoio dos Estados
substituem ou suplantam verdadeiros investimentos do sector privado;
A maioria das IFD recorre a centros financeiros offshore para canalizar os seus fundos,
o que dá luz verde para a sua utilização, ajudando assim a legitimar o uso
potencialmente nefasto de jurisdições deste tipo25;
Fraca apropriação por parte dos países em desenvolvimento – governos, parlamentos
e partes interessadas locais – no que concerne às instituições e aos programas das
22
UNCTAD World Investment Report 2014, que sublinha a dificuldade no acesso a dados para avaliar o IDE por via das entidades com um fim específico. O relatório salienta que é necessária uma maior recolha de dados. Disponível em http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2014_en.pdf. 23 Veja-se, por exemplo, o “conjunto de princípios comuns para investir em entidades com um fim específico” da UNCTAD, presente no seu mais recente World Investment Report. Disponível em http://unctad.org/en/pages/PublicationWebflyer.aspx?publicationid=937. 24
Ver Griffiths, J., Martin, M., Pereira, J., Strawson, T. (2014). Financing for Development Post-2015: improving the contribution of private finance. União Europeia | Romero, M.J., Van de Poel, J. (2014). Private finance for development unravelled. Assessing how Development Finance Institutions work. Eurodad. Bruxelas | Kwakkenbos, J. (2012). Private profit for public good? Eurodad. Bruxelas. 25
Vervynkt, M. (2014). Going Offshore. How development finance institutions support companies using the world’s most secretive financial centres. Eurodad. Bruxelas.
IFD. Isto é evidente quando analisamos a estrutura de governação das IFD existentes26
ou os mecanismos de blending da UE27;
Problemas significativos ao nível da transparência e da prestação de contas,
especialmente quando se canaliza dinheiro através de intermediários financeiros, tais
como bancos e fundos privados de investimento;
As normas e salvaguardas existentes são insuficientes para proteger os grupos mais
vulneráveis e o ambiente, e a implementação das normas actuais tem sido irregular.
As parcerias público-privadas (PPP) são, em muitos casos, os mecanismos seleccionados para
implementar projectos de infraestruturas, mas existem graves problemas associados a esta
abordagem. O enfoque crescente nas enormes necessidades dos países em desenvolvimento
no que diz respeito a infraestruturas, actualmente estimado em um bilião (one trillion) de
dólares americanos por ano de financiamento adicional, levou a que os doadores multilaterais
e bilaterais e os fóruns discutissem propostas para aproveitar o financiamento privado para
perfazer o défice estimado, incluindo através da Global Insfrastructure Initiative do G20, da
Global Infrastructure Facility (GIF) do Banco Mundial e o Programme for Infrastructure
Development in Africa (PIDA). Contudo, há indícios crescentes, incluindo de um relatório
recente do Grupo de Avaliação Independente do Banco Mundial (GAI/BM)28, que demonstram
que as PPP têm grandes problemas:
São um método de financiamento muito caro e têm vindo a aumentar
significativamente os custos para o erário público. Isto deve-se, em parte, ao facto de
financiadores de capital e outros credores exigirem ter entre 20 e 25% de lucros
anuais, mesmo nos projectos mais susceptíveis de obterem financiamentos bancários,
e aos custos até um máximo de 10% para obtenção do financiamento29;
Com frequência, estes custos não são transparentes nem passíveis de prestação de
contas perante auditores, parlamentares ou grupos da sociedade civil. De acordo com
o relatório do GAI/BM, as dívidas escondidas por parte de PPP “raramente são
quantificáveis na sua totalidade” a nível do projecto e “raramente é dado um
aconselhamento sobre como gerir as implicações fiscais das PPP”. As avaliações da
sustentabilidade das dívidas não costumam ter em consideração este custo na medida
em que são tratadas como transacções extra-orçamentais, encorajando assim de
forma perversa os países a recorrerem a PPP de modo a contornarem os limites de
dívida acordados;
Tendem também a assumir a forma de financiamentos de alto risco. As evidências dos
países em desenvolvimento demonstram que entre 25% e 35% dos projectos deste
género falham em executar os projectos tal como planeado, devido a derrapagens nos
custos, atrasos na implementação ou especificações de trabalho limitadas e à
bancarrota ou falhas no reembolso dos financiamentos30. Nos países em
26 Romero, M.J., Van de Poel, J. (2014). Private finance for development unravelled. Assessing how Development Finance Institutions work. Eurodad. Bruxelas. 27
desenvolvimento com uma fraca capacidade de negociação/gestão, as taxas de
incumprimento têm sido ainda maiores;
Se falharem, as PPP podem acabar por “privatizar os benefícios e, simultaneamente,
socializar as perdas” nos casos em que o sector público acaba por ter de socorrer ou
salvar o projecto.
As PPP devem, por isso, ser abordadas com cuidado e devem apenas ser consideradas se
outras opções de financiamento, menos arriscadas e caras, não estiverem disponíveis. Na
altura em que se elaboram os projectos, as necessidades de desenvolvimento devem ser
explicitamente avaliadas e as preocupações ao nível da equidade devem ser tidas em
consideração em termos de acesso equitativo e fácil a serviços e infraestruturas. Aquando da
implementação dos projectos em PPP, devem ser incluídos os seguintes elementos-chave:
análise exaustiva do custo-benefício; transparência total ao longo de todo o processo;
elaboração e implementação cuidadosas; envolvimento das partes interessadas locais;
supervisão e regulamentação reforçadas, incluindo a prestação de contas transparente; e
fortes mecanismos de monitorização e avaliação. Tendo em conta que os acordos de comércio
e investimento podem comprometer a capacidade dos governos de aplicar as
regulamentações, é importante assegurar que existem políticas eficazes de regulamentação e
salvaguarda para as PPP, garantindo o respeito pelos direitos humanos, incluindo os direitos
das mulheres, e também a protecção e a sustentabilidade ambientais.
Por fim, os sistemas de governação e de prestação de contas das parcerias multi-stakeholder
nas Nações Unidas devem ser estabelecidos antes de qualquer parceria ser sancionada ou
levada a cabo. É necessário haver critérios claros, aplicados ex ante, para determinar se um
actor privado está capacitado para uma parceria que vá ao encontro dos objectivos pós-2015.
Os Estados-membros das Nações Unidas devem estar, por isso, na vanguarda da formulação
de um enquadramento de prestação de contas e de governação baseado em critérios que
incluam parcerias de supervisão, regulamentação, avaliação independente por terceiros e
monitorização e relato com o sector privado.
19
3. COMÉRCIO INTERNACIONAL
Recomendações
A política comercial deve permitir que os países em desenvolvimento tenham espaço político –
incluindo a capacidade para se concentrarem nos impactos do desemprego, nas pessoas mais
vulneráveis, na igualdade de género e no desenvolvimento sustentável – em vez de promover
a liberalização como um fim em si mesmo. Recomendamos:
Uma revisão abrangente de todos os acordos comerciais e dos tratados de
investimento, de modo a identificar as áreas que possam limitar a capacidade de os
países em desenvolvimento prevenirem e gerirem crises, regularem os fluxos de
capitais, protegerem o direito ao sustento e a um emprego decente, reforçarem a
tributação justa, prestarem serviços públicos essenciais e assegurarem o
desenvolvimento sustentável;
Uma revisão de todos os regimes de direitos de propriedade intelectual que foram
introduzidos nos países em desenvolvimento através dos Acordos de Livre Comércio
(ALC), identificando os impactos adversos na saúde pública, no ambiente e no
desenvolvimento de tecnologia, entre outras áreas.
Questões fundamentais
O comércio internacional desempenha um papel importante no desenvolvimento e as políticas
comerciais são uma ferramenta importante que pode ser utilizada pelos países em
desenvolvimento para apoiarem o crescimento das indústrias nacionais com maior valor
acrescentado e não apenas enquanto produtores de base. Contudo, o actual regime comercial
levou os países em desenvolvimento a abrirem os seus mercados, tanto através da
Organização Mundial do Comércio como por via de tratados de comércio e de investimento
bilaterais e regionais, reduzindo o seu espaço político para dar resposta às suas necessidades
de desenvolvimento, ao mesmo tempo que pouco ou nada faz para corrigir as políticas
praticadas pelos países ricos e que têm distorcido o comércio.
O ponto fundamental para todos quantos se preocupam com o desenvolvimento sustentável
prende-se com o facto de ter de se dar espaço político suficiente aos países em
desenvolvimento para que estes determinem se, como e quando querem liberalizar sectores e
mercados. A liberalização do comércio não deve agravar o desemprego, prejudicar as pessoas
mais vulneráveis, pôr em causa a igualdade de género ou ameaçar o desenvolvimento
sustentável ou o ambiente.
Apesar de nos centrarmos no investimento enquanto questão fundamental para o FfD, há
muitas outras importantes questões relacionadas com as políticas comerciais que não devem
ser esquecidas. Monterrey identificou as questões de desenvolvimento que os países em
desenvolvimento queriam ver respondidas e elencou algumas:
(…) barreiras comerciais, subsídios e outras políticas que distorcem o comércio,
nomeadamente nos sectores de particular interesse para as exportações dos
países em desenvolvimento, incluindo a agricultura; o abuso de medidas anti-
dumping; barreiras técnicas e medidas sanitárias e fitossanitárias; liberalização do
20
comércio em mão de obra intensiva; comércio de serviços; picos tarifários, tarifas
elevadas e escaladas dos direitos aduaneiros, bem como barreiras não pautais; o
movimento de pessoas singulares; a falta de reconhecimento dos direitos de
propriedade intelectual para a protecção do conhecimento tradicional e da cultura
popular; a transferência de conhecimento e de tecnologia; a implementação e
interpretação do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
Relacionados com o Comércio de uma maneira que apoie a saúde pública; a
necessidade de disposições especiais e um tratamento diferenciado para os países
em desenvolvimento nos acordos comerciais, para que estes sejam mais precisos,
eficazes e operacionais.
Contudo, muitas destas questões têm sido marginalizadas, facto que explica por que as
negociações da “Ronda de Desenvolvimento” de Doha ainda não estão finalizadas e muitas
questões-chave ainda continuam pendentes. Por exemplo, como os Chefes de Estado
referiram em Doha, os países desenvolvidos devem ambicionar “o objectivo de conferir um
pleno acesso aos mercados, isento do pagamento de direitos, a todos os países em
desenvolvimento”. No entanto, isto ainda não é uma realidade. Flexibilizações políticas para
proteger a agricultura nos países em desenvolvimento devem ser proporcionais às
flexibilizações actuais já disponíveis para os países desenvolvidos. Em particular, os países em
desenvolvimento devem poder proteger a sua agricultura utilizando, flexível e eficazmente, o
Mecanismo de Salvaguarda Especial. Os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
Relacionados com o Comércio (ADPIRC), acrescidos de disposições, como a exclusividade dos
dados e a prorrogação do período da patente, têm vindo a empurrar os produtores mais
pequenos, a maioria localizada nos países em desenvolvimento, para fora da produção,
conduzindo a um aumento dos custos de medicamentos essenciais e cuidados de saúde,
agroquímicos (e, consequentemente, dos alimentos), o que prejudica o desenvolvimento e
causa danos às pessoas pobres. Mesmo o uso das flexibilidades ADPIRC permitidas pela OMC,
no sentido de proteger a saúde pública ou o ambiente, está a ser desafiado e o acesso a
tecnologia claramente dificultado pelos direitos de propriedade intelectual exigidos pelo
Acordo sobre os ADPIRC. É tempo de se proceder a uma revisão urgente de todos os regimes
de propriedade intelectual que foram introduzidos nos países em desenvolvimento através dos
Acordos de Livre Comércio, de modo a identificar quaisquer impactos adversos na saúde
pública, no ambiente e no desenvolvimento de tecnologia, entre outras áreas.
No que concerne às políticas de investimento, o FfD tem conseguido dar passos significativos.
Em 2012, existiam a nível global 3.196 tratados de investimento31, muitos deles prejudiciais
aos países em desenvolvimento. Há também importantes capítulos consagrados ao
investimento a nível dos acordos de livre comércio. Apesar de ser suposto estes tratados e
acordos protegerem os investidores estrangeiros e beneficiarem os países receptores, o Banco
Mundial e outras [instituições] concluíram que existe uma pequena correlação entre ter um
tratado de investimento e um aumento no investimento32. Existe também um número
crescente de diferendos relativos a investimentos e “preocupações persistentes a respeito das
deficiências sistémicas do regime [de arbitragens de investimento]”33. Em 2012, registou-se o
31 UNCTAD. (2013). World Investment Report 2013: Global Value Chains: Investment and Trade for Development. UNCTAD. Genebra. 32 Ver Banco Mundial. (2003). Do Bilateral Investment Treaties Attract FDI? e Savant and Sachs. (2009). The Effect of
Treaties on Foreign Direct Investment. 33 Ibid.
21
número mais elevado de reclamações internacionais apresentadas contra Estados por parte de
empresas estrangeiras, 66% das quais contra países em desenvolvimento34.
Frequentemente, os tratados padecem de vários problemas que tornam praticamente
impossível para os governos dos países em desenvolvimento prever os impactos das
negociações, incluindo definições vagas de termos-chave como “investimento” e “tratamento
justo e equitativo”35. Na prática, estes tratados e acordos podem dificultar a maximização dos
benefícios do IDE por parte dos países em desenvolvimento, ao restringirem, por exemplo, a
sua habilidade para requerer uma transferência de tecnologia ou a empregabilidade de mão-
de-obra local. Podem ainda limitar a capacidade que os governos têm para evitar que o fluxo
de “dinheiro quente” venha a desestabilizar as suas economias.
É necessário proceder-se a uma revisão abrangente dos tratados existentes de modo a
identificar todos os elementos que restrinjam o espaço político de grande valor para os países
em desenvolvimento ou que possam ter resultados negativos ao nível do desenvolvimento.
Essa revisão deve prever a participação de todas as partes interessadas relevantes, incluindo
grupos da sociedade civil. Deve incluir o exame das cláusulas de resolução de conflitos entre
Investidor e Estado (ISDS na sigla em inglês) e também a definição de investimento. A cláusula
sobre o mecanismo de ISDS nos tratados internacionais de investimento e nos ALC permite às
empresas transnacionais processarem os governos em tribunais arbitrais internacionais à
porta fechada, reclamando indemnizações exorbitantes. Esta tendência está a paralisar a
regulamentação das políticas que apoiem o interesse público a nível mundial. A maioria dos
governos dos países em desenvolvimento perde estes casos devido à inexistência de recursos
financeiros adequados para defenderem os seus interesses. Mais de metade destes casos está
relacionada com recursos naturais36, ameaçando o acesso à terra, a água potável e a ar limpo e
impedindo a sustentabilidade e a conservação ambientais. Também acabam por punir
desproporcionalmente as mulheres e as crianças, os povos indígenas e as comunidades locais,
bem como os mais idosos e os portadores de deficiências.
Além disso, os governos deveriam realizar obrigatoriamente avaliações de impacto humano
dos acordos de investimento e dos tratados de comércio multilaterais, plurilaterais e bilaterais,
especialmente dos acordos entre países no norte global e no sul global, centrando-se
particularmente nos direitos ao desenvolvimento e nos direitos específicos à alimentação, à
saúde e a um sustento, tomando em consideração o impacto sobre os grupos marginalizados.
A OMC (bem como os acordos de comércio bilaterais e plurilaterais e os acordos de
investimento) está a afectar negativamente os direitos das pessoas, incluindo o direito destas
ao desenvolvimento, ao forçar cortes pautais em sectores-chave como a agricultura, as
indústrias nascentes e serviços essenciais; ao permitir regimes injustos de ajuda à agricultura;
ao forçar o investimento em recursos naturais e em bens e serviços delicados. Muitos destes
acordos também previnem a adição de valor acrescentado aos produtos locais ao banir os
encargos à exportação (através dos ALC). Por exemplo, a recusa em conceder um tratamento
especial e diferenciado aos países em desenvolvimento e aos países menos desenvolvidos está
a ameaçar o seu direito ao desenvolvimento. Neste momento, por exemplo, o facto de a OMC
não permitir a concessão de subsídios a pequenos produtores, essenciais ao apoio do
34 Ibid, p. 110. 35
Khor, M. (2013). The emerging crisis of investment treaties. South Centre. Genebra. 36 http://www.thirdworldnetwork.net/finance/articlef.php?ac=st&aid=25
programa público de distribuição alimentar, está a pôr em causa o direito à alimentação das
pessoas na Índia.
Como sublinha o South Centre e outros, o resultado da Conferência Ministerial da OMC, que
decorreu em Dezembro de 2013, em Bali, foi desequilibrado, com os países desenvolvidos a
conseguirem garantir um acordo vinculativo e executório sobre facilitação comercial – a
chamada “questão de Singapura” – e os países menos desenvolvidos a alcançarem apenas
resultados não-vinculativos. Desde então, os países desenvolvidos têm continuado a
pressionar para a inclusão de outras questões de Singapura, nomeadamente a liberalização do
investimento, apesar da oposição dos países em desenvolvimento, que continuam a apelar
para que a ronda de Doha seja genuinamente centrada no desenvolvimento.
Finalmente, a ajuda ao comércio não deveria ser concebida como substituta de um sistema
comercial reformado que recentre os seus objectivos no alcance do pleno emprego e do
desenvolvimento sustentável. A ajuda ao comércio pode apenas vir a ter sucesso se for
incondicional, não geradora de dívida, adicional aos compromissos já existentes e orientada
para a construção de capacidades produtivas nos países receptores, em vez de corresponder
meramente à implementação de regras de comércio.
23
4. AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO (APD) E OUTROS APOIOS PÚBLICOS
INTERNACIONAIS AO DESENVOLVIMENTO
Recomendações
A Conferência de Adis Abeba sobre FfD apresenta-se como uma oportunidade para reforçar os
compromissos em matéria de quantidade e qualidade da APD, para pôr em prática
mecanismos de acompanhamento mais firmes e específicos e para impulsionar fontes de
financiamento público novas e adicionais. As nossas recomendações são:
Os países desenvolvidos devem estabelecer calendários vinculativos através de
legislação nacional que lhes permitam alcançar o compromisso por eles assumido de
canalizar 0.7% do RNB para a APD, bem como os compromissos para com os países
menos avançados, e dentro de cinco anos garantir que estes fluxos confluem para a
apropriação democrática, a transparência, a prestação de contas e a inclusão e
maximização dos impactos da erradicação da pobreza. O Fundo de Cooperação para o
Desenvolvimento (FCD) das Nações Unidas deve ser incumbido das tarefas de revisão,
monitorização e reporte destes impactos;
Todos os doadores devem assegurar que a APD representa uma transferência genuína
de ajuda ao desenvolvimento para os países em desenvolvimento, pondo fim à ajuda
ligada, tanto formal como informal, assegurando a complementaridade, removendo
da contabilização da APD os custos com estudantes, refugiados e com o alívio da
dívida reportados nos países financiadores, garantindo que a maioria da sua ajuda
pública ao desenvolvimento assume a forma de subsídios, e reformando os
empréstimos concessionais de modo a reflectirem os custos reais dos empréstimos
aos países parceiros, incluindo através da dedução dos pagamentos dos juros;
A cobrança de uma taxa sobre as transacções financeiras efectuadas por empresas
financeiras, mais do que por indivíduos, deve ser implementada sobre activos como
acções, obrigações, divisas e seus derivados, e as suas receitas devem ser utilizadas
para financiar o desenvolvimento sustentável.
Questões fundamentais
A APD continua a ser um recurso fundamental, particularmente para os países mais pobres do
mundo. Contudo, o seu valor tem vindo a ser severamente enfraquecido devido ao fracasso
dos países ricos em cumprirem a meta das Nações Unidas que previa que 0.7% do seu RNB
fosse alocado à APD e à ausência de progressos no que concerne aos compromissos assumidos
em Paris/Acra/Busan37 sobre a qualidade da ajuda ao desenvolvimento, no sentido de pôr fim
a práticas nefastas que abalam significativamente a ajuda pública ao desenvolvimento.
Apesar de a APD ter registado um aumento em 2013, após dois anos de declínio, permanece
nos 0.3% do RNB dos países-membros do Comité de Apoio ao Desenvolvimento (CAD) da
OCDE38. Este valor é menos de metade da meta dos 0.7% que a maioria dos doadores se
comprometeu a alcançar inicialmente até 1985 e novamente até 2015. Enquanto alguns
doadores continuam a levar muito a sério esta meta, com 5 países a terem já alcançado os
0.7%, é pouco provável que os doadores aumentem os seus compromissos antes do fim da
37
O acordo internacional mais recente é: OCDE. (2011). Busan Partnership for Effective Development Cooperation. 38 Consulte a lista dos membros aqui: http://www.oecd.org/dac/dacmembers.htm
colocada ao dispor dos países em desenvolvimento, de modo a permitir-lhes programar de
acordo com as suas prioridades, baseadas em medidas desenvolvidas pelos países parceiros.
Cada vez mais, os financiadores têm também vindo a distribuir a APD sob a forma de
empréstimos40, apesar das normas obsoletas que permitem que empréstimos geradores de
lucros sejam contabilizados como APD. Não obstante o aumento dos valores da ajuda ao
desenvolvimento em 2013, a maior subida (33%) correspondeu ao uso de instrumentos
distintos de subvenções, tais como os empréstimos. Esta tendência está a ocorrer à custa dos
países mais pobres, na medida em que os empréstimos são sobretudo dirigidos aos países de
rendimento médio, sendo testemunhada por um declínio de 4% na APD destinada aos países
da África subsaariana em 2013. O recurso a empréstimos em vez de subvenções irá conduzir a
reembolsos no futuro, aumentando o fardo da dívida dos países parceiros. Como demonstra o
Capítulo 5, há um consenso crescente quanto à probabilidade de vir a ocorrer uma nova crise
da dívida no futuro próximo, associada a um aumento dos níveis da dívida combinado com um
crescimento lento. Os doadores devem disponibilizar a sua ajuda financeira primeiramente
como subvenções de modo a garantir que não estão a aumentar o fardo da dívida e as
vulnerabilidades da dívida dos países em desenvolvimento.
Há outras lacunas nas regras de classificação da APD que permitem que os financiadores
contabilizem custos realizados em território nacional com estudantes e com refugiados como
APD – inflacionando a APD em cerca de 2.7 mil milhões de euros só na UE, em 201241. Muitos
doadores continuam a ligar a sua APD à aquisição de bens e serviços de empresas dos países
doadores – em vez de os adquirem a empresas locais – aumentando significativamente os
custos e excluindo o “dividendo duplo” (efeito duplamente benéfico) da estimulação da
economia dos países parceiros, através da compra local. Um estudo do Eurodad42 mostra que a
maioria da APD é gasta por via de contratos públicos, comprando bens e serviços a empresas,
e que grande parte destes contratos estão informalmente ligados e são ganhos por empresas
dos países doadores. Devem ser aumentados os esforços no sentido de travar as práticas da
APD informalmente ligadas que de facto excluem os empresários nos países parceiros de
ganharem contratos financiados pela APD. A reforma da ligação entre a APD e os contratos
públicos, incluindo através do encorajamento proactivo das empresas locais para participarem
nos concursos, do estabelecimento de metas sociais e ambientais e de preferências nacionais,
deve fazer parte de um compromisso mais abrangente para integrar contratos públicos
sustentáveis. Monterrey também sublinhou a necessidade de “os países doadores tomarem
medidas para assegurar que os recursos disponibilizados para o alívio da dívida não diminuem
os recursos em matéria de APD à disposição dos países em desenvolvimento”: uma promessa
que ainda não foi cumprida.
Finalmente, há uma tendência crescente para “combinar” a APD com fontes privadas de
financiamento, o que suscita preocupações significativas que nunca foram devidamente
reconhecidas nem tidas em consideração pelas agências doadoras que estão a conduzir esta
40
Colin, S. (2014). A matter of high interest. Assessing how loans are reported as development aid. Eurodad. Bruxelas. 41 CONCORD. (2013). Aidwatch Report 2013. http://www.concordeurope.org/publications/item/275-2013- aidwatch-report 42 Ellmers, B. (2011). How to spend it. Smart procurement for more effective aid. Eurodad. Bruxelas.
26
agenda, incluindo a Comissão Europeia. O relatório do Secretário-Geral da ONU ao FCD43
resumiu bem esta questão:
(…) falta de clareza na complementaridade e no propósito; influência limitada dos
doadores e receptores no design e implementação do investimento; transparência
e prestação de contas diminuídas; risco de desalinhamento do sector privado com
as prioridades sectoriais; perigo de um aumento do fardo da dívida; falta de
atenção às pequenas e médias empresas; os custos de oportunidade decorrentes
do uso de dinheiro público na mobilização de recursos privados, custos esses que
não têm o mesmo (ou maior) impacto sobre o desenvolvimento que teriam se
tivessem sido directamente dedicados a um propósito de desenvolvimento; e os
riscos de apropriação indevida.
Tendo em conta estes problemas sérios, e a ausência grave de uma apropriação, por parte do
país em desenvolvimento, dos mecanismos de combinação, acreditamos que não se deve
prosseguir com esta agenda até que esteja em curso uma revisão liderada por um país em
desenvolvimento, que inclua um exame sobre a possibilidade de outras modalidades da APD,
tais como apoio ao investimento público em saúde ou educação e infraestruturas, poderem vir
a revelar-se maneiras mais eficazes de apoiar o sector privado nos países em desenvolvimento.
A Declaração de Doha encorajou “(…) o reforço e a implementação, quando apropriado, de
fontes inovadoras de financiamento” e referiu que “estes fundos devem constituir um
suplemento e não um substituto das fontes tradicionais de financiamento”. Contudo, tendo
em consideração que o termo “inovadoras” tem sido utilizado num leque variado de
mecanismos, e não apenas nos referentes às fontes públicas tal como inicialmente previsto,
centramo-nos no seu significado original, tal como utilizado em Doha: a necessidade de novas
e adicionais fontes públicas de financiamento do desenvolvimento. Tais fontes geraram em
excesso sete mil milhões de dólares americanos desde 2006, através de medidas como taxas
sobre bilhetes de avião. Estas novas fontes de financiamento público podem fornecer os muito
necessários recursos adicionais para o desenvolvimento, que devem ser superiores e
ultrapassar o compromisso dos 0.7% do RNB alocados à APD. Em particular, recomendamos
que se faça uso dos lucros decorrentes da implementação de um imposto sobre as transacções
levadas a cabo por empresas financeiras, mais do que indivíduos, sobre activos como acções,
obrigações, divisas e seus derivados. A adopção de uma medida deste género irá contribuir
para reforçar a estabilidade do sistema financeiro mundial e, ao incentivar o investimento a
longo-prazo em detrimento do comércio a curto-prazo, beneficiará tanto os países
desenvolvidos com aqueles em desenvolvimento.
43
Relatório do Secretário-Geral das Nações Unidas. (2014). Trends and Progress in International Development Cooperation. ONU.
27
5. DÍVIDA EXTERNA
Recomendações
A recente Resolução da AGNU44 que mandata o “estabelecimento de um enquadramento legal
multilateral para a reestruturação dos processos de dívida soberana” é uma oportunidade
extremamente importante para pôr em prática mecanismos internacionais eficazes de
prevenção e resolução de crises futuras: não deve ser desperdiçada. Adis Abeba pode apoiar
este processo. Fazemos as seguintes recomendações:
Reafirmar o compromisso de se chegar a um acordo quanto a um enquadramento
legal multilateral para os processos de reestruturação da dívida soberana durante a
69.ª Sessão da AGNU, com uma proposta concreta apresentada antes de Julho. Este
enquadramento deve integrar-se num fórum neutro, independente de devedores e
credores, incluindo de grandes credores como o FMI; abranger todos os credores,
nomeadamente o sector privado, instituições multilaterais e governos; proporcionar
uma abordagem baseada nos Direitos Humanos para a sustentabilidade da dívida,
responsabilizando financiadores e devedores pelos seus comportamentos
irresponsáveis; dar a todas as partes interessadas, nomeadamente a sociedade civil, o
direito a serem ouvidas e a apresentarem evidências;
De modo a escrutinar a existência de dívida de acordo com padrões de financiamento
responsável, incluindo a avaliação da legitimidade da dívida, devem ser realizadas
auditorias independentes da dívida, com compromissos de cancelamento da dívida no
caso de esta ser considerada ilegítima.
Questões fundamentais
As vulnerabilidades da dívida estão a aumentar:
Os países menos desenvolvidos assumem perfis de dívida mais arriscados à medida
que aumentam os empréstimos e começam a adicionar os financiamentos privados
gerados nos mercados financeiros aos empréstimos concessionais que receberam dos
credores bilaterais e multilaterais. Apenas no grupo dos países de baixo rendimento,
16 deles encontram-se em situação ou em risco elevado de sobre-endividamento;
Muitos mercados emergentes sofrem da volatilidade e dos riscos da crise, causados
pelas inversões nos fluxos de capitais internacionais ou pelo rebentamento da bolha
especulativa;
Mesmo nos países desenvolvidos, incluindo na maioria da Europa, as dívidas
soberanas alcançaram os maiores níveis de sempre em período de paz.
As crises da dívida podem destruir os progressos feitos ao nível do desenvolvimento global
alcançados nas últimas décadas. Em países onde uma grande fatia da população vive próximo
ou abaixo da linha de pobreza, a desarticulação económica causada pelas crises da dívida
arrebatará vidas humanas. Enquanto os países de médio e alto rendimento são normalmente
mais resilientes, uma nova crise da dívida em uma das maiores economias emergentes, ou
numa economia avançada, teria repercussões globais devido à elevada interconectividade dos
mercados financeiros.
44 Ver nota de rodapé 2.
28
Mesmo em países que não sofrem de nenhuma crise da dívida severa, o serviço da dívida
compete com as despesas consagradas ao desenvolvimento por recursos públicos limitados.
Em Doha, voltou a reforçar-se a necessidade de “reconhecer que a promoção do
desenvolvimento e a restauração da sustentabilidade da dívida são os principais objectivos da
resolução da dívida”. É necessário reconsiderar a maneira como a comunidade internacional
pretende vir a financiar o desenvolvimento de forma sustentável, nomeadamente através do
desenvolvimento de um enquadramento para a sustentabilidade da dívida que tenha em
consideração as necessidades de financiamento dos objectivos de desenvolvimento
sustentável e que assuma padrões responsáveis de financiamento, enquadramento esse que
poderá orientar os processos de alívio e reestruturação da dívida. Isto será essencial se se
pretende alcançar os objectivos de desenvolvimento sustentável (ODS) em todos os países.
Este novo enquadramento deverá incluir os riscos comportados pelos níveis de financiamento
privado que estão a surgir e por novos instrumentos como as parcerias público-privadas.
A fim de escrutinar o legado da dívida existente ao longo de padrões de financiamento
responsável, incluindo a avaliação da legitimidade da dívida, os credores e os devedores
deverão encomendar auditorias independentes da dívida e comprometer-se com a anulação
da dívida considerada ilegítima. Sublinhamos a necessidade de haver uma liderança da ONU no
que concerne a padrões de financiamento responsável no Capítulo 7.
Ao passo que o quadro da dívida evoluiu, o mesmo não aconteceu com a arquitectura para a
prevenção e gestão de crises. A resposta às crises da dívida continua a ser demasiado tardia e
lenta. As instituições que conduzem as reestruturações da dívida – os credores ocidentais do
Clube de Paris e o FMI – são dominadas pelos credores e, por isso, incapazes de fazerem
julgamentos e avaliações independentes. Além disso, também não conseguem lidar de forma
abrangente com as crises da dívida, visto que apenas estão encarregues de certas categorias
da dívida. A participação dos credores privados nas reestruturações da dívida não é
juridicamente vinculativa e nem executória, facto que explica por que de os “fundos
oportunistas” (vulture funds) têm o direito de processar juridicamente os países com crise da
dívida para pagamento integral. Por fim, as necessidades de desenvolvimento e os direitos
humanos não estão a ser tidos em consideração pelas instituições existentes, pelo que os
danos que as crises infligem nas economias e nas populações dos países afectados não estão a
ser suficientemente mitigados.
Para dar resposta a estas questões, a comunidade internacional tem já muito trabalho
conceptual feito desde Monterrey sobre prevenção e gestão de crises da dívida, mas são
necessários instrumentos juridicamente vinculativos. A UNCTAD desenvolveu os Princípios
para a Promoção da Soberania de Financiamento e de Emissões45. Em Adis Abeba, os governos
deverão afirmar o seu compromisso para a implementação integral destes Princípios da
UNCTAD e deverão reportar periodicamente os progressos alcançados. Deverão também
reafirmar que os devedores e credores devem partilhar a responsabilidade pela prevenção de
resolução de situações insustentáveis de dívida.
Estão a ser desenvolvidos, ao nível da UNCTAD46 e do Departamento de Assuntos Económicos
e Sociais da ONU (UNDESA)47 e também por iniciativas da academia48, conceitos para um novo
ONU. (2009). Relatório da Comissão de Peritos do Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre Reformas do Sistema Monetário e Financeiro Internacional. ONU. Nova Iorque.
terminar o estabelecimento e a implementação eficaz de um código de conduta multilateral e
legalmente vinculativo para as empresas transnacionais, de modo a que assegurem a
responsabilidade social e a prestação de contas, prevenindo práticas empresariais restritivas.
3. Tendo em conta o reconhecimento de que todas as formas de financiamento do
desenvolvimento incluem ameaças e oportunidades específicas para os direitos das mulheres,
esta agenda vital deve ser integrada por completo nas negociações e resultados do FfD.
Monterrey sublinhou “que é essencial que o desenvolvimento seja centrado nas pessoas e
sensível ao género, em todas as partes do globo” e emitiu um apelo para que “se integre a
perspectiva de género nas políticas de desenvolvimento a todos os níveis e em todos os
sectores”. Não temos espaço suficiente para abordar esta questão a fundo aqui, mas damos
dois exemplos de como isto é muito importante. Os recursos que se perdem por via da evasão
fiscal põem em causa a capacidade dos governos de financiarem objectivos políticos de
compensação de discriminação de longa data, forçando-os a adoptar outras medidas fiscais
tais como o aumento dos impostos indirectos, os quais têm frequentemente impactos
negativos sérios sobre a capacidade de as mulheres acederem a bens e serviços essenciais. Tal
como consta do relatório elaborado por perito independente das Nações Unidas60, devido aos
papéis socialmente atribuídos às mulheres, com base no género, estas são afectadas de forma
desproporcional pelas crises da dívida e pelas reformas económicas subsequentes, tendo
quase sempre como resultado o empobrecimento e a marginalização das mulheres, tornando
os serviços sociais básicos ainda mais inacessíveis para elas, agravando assim as desigualdades
de género e contribuindo para a feminização da pobreza.
4. A Conferência da AGNU de 2009 colocou acertadamente a reforma da regulamentação
financeira e do sector financeiro na agenda e o relatório dos peritos que a alimentou forneceu
detalhes úteis sobre a miríade de problemas que contribuíram para o maior colapso financeiro
de há muitas décadas. A Conferência sobre FfD deveria levar avante esta agenda e apoiar o
desenvolvimento de propostas específicas em áreas-chave que irão fazer parte da agenda de
um Conselho de Coordenação Económica das Nações Unidas (ver Capítulo 6). Estas incluiriam a
prevenção do problema de haver bancos “grandes demais para ruir”, o realinhamento das
regulamentações bancárias para promover o investimento a longo-prazo e práticas contra-
cíclicas, a remoção de todos os produtos que possam ser perigosos ou desestabilizadores, e a
regulamentação dos mercados de produtos de base, para evitar actividades excessivamente
voláteis e especulativas, entre outras medidas. Em vez disso, um sistema financeiro
diversificado deveria servir as necessidades das populações e o desenvolvimento sustentável e
não ser propenso a crises financeiras nocivas. Estas políticas seriam um complemento
necessário para as medidas que lidam com os fluxos financeiros ilícitos e a evasão fiscal
enunciados no Capítulo 1 e para as medidas de controlo dos fluxos de capital e de
melhoramento do investimento internacional elencadas no Capítulo 2.
Por último, é evidente que o financiamento, para fazer frente às questões globais ambientais,
tem que aumentar drasticamente. Deve ser um financiamento inovador e complementar aos
compromissos em matéria de APD já existentes e deve ser desembolsado de acordo com os
planos conduzidos pelos países em desenvolvimento. O Painel de Alto Nível das Nações Unidas
encarregue de avaliar as necessidades financeiras estimou que, até 2020, estas rondarão as
várias centenas de milhares de milhões de dólares americanos61. De acordo com as estimativas
mais baixas, supõe-se que as necessidades de financiamento para luta contra as alterações
60
Ver nota de rodapé 12. 61 http://www.cbd.int/doc/meetings/fin/hlpgar-sp-01/official/hlpgar-sp-01-01-report-en.pdf
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climáticas dos países em desenvolvimento estejam entre os 27 e os 66 mil milhões de dólares
americanos por ano até 2030 para as questões de adaptação e nos 177 mil milhões de dólares
americanos por ano para as de mitigação62. É necessário que o financiamento público da
biodiversidade assegure que as intervenções pouco atractivas para o sector privado,
nomeadamente em países de rendimento baixo e em comunidades marginalizadas, recebem o
apoio necessário. O financiamento público e a regulamentação apropriada podem também
ajudar a garantir que os investimentos de financiamento privado não são prejudiciais mas
antes que beneficiam os mais pobres e vulneráveis. É fundamental reconhecer que as
avaliações mais abrangentes coincidem ao dizer que os custos da inacção são muitas vezes
superiores a estes valores.
Os governos devem responder a este desafio na próxima COP UNFCCC, que decorrerá em
Paris, onde os compromissos em matéria de financiamento climático devem ser incluídos
como “Intended Nationally Determined Contributions”, na sequência de um novo acordo
legalmente vinculativo. Será importante assegurar que estes compromissos financeiros de
Paris, na luta contra as alterações climáticas, não vão ser duplamente contabilizados como
APD, devendo ser, em vez disso, adequados, inovadores e complementares. Ademais, o
financiamento da luta contra as alterações climáticas não deve constituir-se na forma de
mecanismos geradores de dívida ou instrumentos especulativos. Deve basear-se nas lições
retiradas dos esforços feitos para melhorar a eficácia da ajuda ao desenvolvimento, o que
inclui a priorização da apropriação pelos países em desenvolvimento, o rastreamento das
verdadeiras transferências de recursos, evitando práticas pouco clarividentes dos
financiadores que tentem fazer uma ligação entre as transferências e interesses mesquinhos
das suas empresas.
62
UNTT Working Group on Sustainable Development Financing. (2013). Financing for sustainable development: review of global investment requirement estimates.