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Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Apr 17, 2015

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Page 1: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.
Page 2: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Não tenho mais.

Já tive.

Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em

algum lugar em que eu pudesse sacá-la rápido,

num momento de desilusão.

Page 3: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Ela era bem maior quando eu era criança, aí foi

diminuindo com o passar dos anos. Mas

ainda me sobrava alguma, esta que eu

trazia comigo.

Page 4: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Resquício do tempo em que eu

acreditava que esperança servia

para alguma coisa.

Page 5: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Hoje ela se foi, não sobrou nem um

naquinho [pedacinho] pra eu seguir apostando.

Esperança zero.

Daqui para pior, é o que penso.

Page 6: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Ladeira abaixo, lá vamos nós.

Não acredito mais em virada, em

recuperação, em desenvolvimento,

em milagre. E estamos em ano eleitoral, o que torna tudo mais

patético.

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Se ao menos o Gabeira tivesse se candidatado, eu poderia cultivar alguma ilusão,

lembrar de uma época em que a

gente ainda possuía algum ideal,

alguma fantasia.

Page 8: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Mas o quadro que se apresenta é o que?

Uma pá de cal no nosso otimismo.

Quem é que está propondo uma idéia

nova, quem é que está seriamente

comprometido com o futuro do país e não com o próprio ego.

Page 9: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Nenhum deles fala a nossa língua.

William Bonner e Fátima Bernardes

falaram a nossa língua quando entrevistaram no Jornal Nacional os candidatos com mais chances de se eleger.

Page 10: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Mas não receberam respostas em

português claro e preciso, e sim em outro idioma, o

idioma extra-oficial do Brasil: o blablablá.

Page 11: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Ele ainda vai entrar para o currículo

escolar, não duvide. Matemática, Ciências, História, Geografia e

Blablablá.

Ensino básico para a criançada.

Page 12: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Culpa de quem?

De todos nós. Da nossa falta de inteligência, de comprometimento, de

projeto, de honestidade, de

coragem.

Ninguém para dizer “eu, fora”.

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Somos todos membros da mesma Família

Brasil. Algumas células sadias, outras

podres, mas é o mesmo corpo

Um corpo gorduroso, sujo e inerte.

Page 14: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Então é isso. Estamos chegando cada vez mais perto do fundo do poço.

Resta-nos preservar os pequenos luxos

individuais que merecem ser cultivados todos os dias, porque pode nos faltar esperança, mas

ainda há muita vida para ser vivida.

Page 15: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

O jeito é sentir-se confortado por poder

regar as plantas da varanda, por ver a lua nascendo no mar, por tomar uma caipirinha, por um livro bom que a gente ganhou, por uma conversa divertida com um amigo, por um filme

antigo que passou na tevê,

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por terem lembrado do nosso aniversário,

por um elogio recebido

inesperadamente, pelo pão quentinho

no sábado de manhã, pela única esperança

possível: a de que essas miudezas não

irão acabar.

Page 17: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

Porque o que era para ser grande – uma

população educada, alimentada e

consciente, cultura para todos, segurança, ética e saúde – não é

que já tenha acabado:

nem se conseguiu começar.

Page 18: Não tenho mais. Já tive. Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em algum lugar em que eu pudesse sacá-la.

CRÉDITOS

Autor do slide: Prado Slides

E-mail: [email protected]

Autora do texto: Martha Medeiros

Publicado no caderno Donna ZH de 20/08/2006

Imagens: Internet/Cadê

Música: Meu País Zezé Di Camargo & Luciano