6/7/2008 11 SALVADOR DOMINGO 10 SALVADOR DOMINGO 6/7/2008 «Não estou preocupado em fazer sucesso» Texto PEDRO FERNANDES [email protected] r Fotos REJANE CARNEIRO [email protected]“É um convite superbem-vindo para mim. Diga a Tadeu que gosto muito dele. Maravilha“. Luis Miranda, 39, desliga o telefone. É a segunda vez que a entrevista é interrompida por um telefonema de trabalho. “Outro filme“, ele explica. Identidade é sobre o assassinato do bra- sileiro Jean Charles de Menezes e deve começar a ser gravado neste mês, em Londres. Luis é um ator que faz de tudo, mas não faz qualquer coisa. Com cinco longas no currículo, ainda grava este ano Quincas Berro Dágua, de Sérgio Macha- do, e O Trampolim do Forte, de João Ro- drigo Mattos. Neste meio tempo, ele ex- cursiona pelo Brasil com a peça 7 Conto (que deve virar DVD) e toca a sua produ- tora, a Cocada Puxa. “Acho que para 2008 está de bom tamanho”. Muitos atores baianos estão indo para São Paulo e Rio de Janeiro. Você acha que isso se deve à maior visibilidade de al- guns deles no cenário nacional? Você, que está voltando, ainda acredita nesse movimento? Esses expoentes geram uma expec- tativa das pessoas que estão aqui e querem fazer parte desse grupo de baianos do cacete. Mas acho que is- so é para um outro tipo de galera. Claro que todo mundo quer fazer te- vê e fazer sucesso. Quando saí da- qui, tinha a idéia do aprendizado, de ver o novo. A idéia de entender que existe um horizonte maior do que esse teatro e as coisas que a gente vive e está acostumado aqui. Acre- dito que a gente tem um teatro que sobrevive por conta de caminhos abertos por A Bofetada , Guerreiro, Wilson Melo e outras pessoas que fi- zeram o teatro baiano se fortalecer e geraram para as pessoas que estão
Entrevista com o ator Luis Miranda na Revista Muito
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aqui um ganha-pão e uma área de
trabalho muito pertinente. Há muita
gente que trabalha aqui há anos e
não tem vontade de sair e há os que-
rem sair e fazer novela. Mas isso é
para mim o resultado, não do baia-
no, mas do ator. Do Lázaro, do Wag-
ner, do João Miguel e de um monte
de gente. Eles são atores especiais.
Nenhum tem as características ba-
nais dos atores comuns que fazem
sucesso e são aclamados pela mídia,
nenhum é um desses modelos que
viraram galãs dentro dessa necessi-
dade de inserção do belo na mídia.
Por que você resolveu fazer o caminho de
volta para a Bahia? Quando você decidiu
que era hora de voltar?
Eu nunca fui. Estava emprestado ao
Rio e a São Paulo. Ator não tem esse
negócio de morar em um lugar. Ator
mora onde tem trabalho. Voltei para
fazer um espetáculo para as pessoas
da minha terra, para fazer dois fil-
mes sobre a minha terra, o Q u i n ca s
Berro Dágua, do Sérgio Machado, e
O Trampolim do Forte, de João Ro-
drigo Mattos. Eu vim trabalhar. Te-
nho projetos como o Via- Crúcis que
quero produzir no Museu du Ritmo,
nos moldes do que era o Caminho do
Senhor, escrito e dirigido por Sônia
Brito. Trazer a comunidade para par-
ticipar, dar oficinas para as pessoas,
instrumentação para elas percebe-
rem o quanto o teatro é interessan-
te. Acho que é importante oferecer
subsídios para aumentar o mercado
de trabalho e para trazer para nós
oportunidades e diversidade. É uma
vontade que eu tenho de fazer isso
aqui. Daqui a pouco, posso fazer isso
em outros lugares.
Como você resolveu montar sua produ-
tora, a Cocada Puxa? Você já fez algo pa-
recido antes?
Já. Eu já trabalhei muito com o Tea-
tro da Vertigem e, lá, todo mundo
tinha uma função além da de ator.
Montar a produtora já era um sonho
grande e resolvi montar aqui porque
acho que é importante a gente fazer
isso no lugar que gosta. A idéia não é
produzir somente as minhas coisas,
mas de trazer para cá espetáculos
pequenos, sem patrocínio, que nun-
ca viriam. Juntar pessoas que te-
nham vontade de organizar festivais
de teatro alternativo e para ver a
possibilidade de aumentar os nos-
sos espaços culturais.
A sua idéia é investir na montagem de to-
do tipo de espetáculo?
Sim. Tenho uma idéia com o Jauperi
de fazer um show em homenagem
ao sambista Riachão, depois de tu-
do que aconteceu com ele. Um show
com vários artistas da Bahia, falan-
do e cantando Riachão. Para que ele
se sinta amado e, de fato, ele é. Isso
já está na pauta da produtora. Só de-
pende de ele querer também. A gen-
te já tem um monte de amigos que já
deu seu o.k. Tonho Matéria, Carli-
nhos Brown também. Vai rolar em
b r eve .
Você pretende também levar espetácu-
los daqui para outros lugares?
A gente quer que o teatro daqui tam-
bém viaje e seja visto. Na medida do
possível, queremos que essas coisas
sejam exportadas.
Do que carece, principalmente, o teatro
feito na Bahia?
Primeiro, de patrocínio, dinheiro.
Soube notícias do J a va l i , peça mon-
tada no Castro Alves, Sala do Coro,
que eles não tinham dinheiro para
pagar as pautas. Teatro estadual, e
você não consegue apoio para fazer
o espetáculo lá. Acho também que
ainda temos algumas coisas de má
qualidade, equivocadas, calcadas
muito no besteirol, como se fossem
a única possibilidade. Carecemos de
produção, e os espetáculos saem
mal-acabados. É a condição dos R$ 5
mil para fazer tudo. Salvador precisa
de leis e de patrocinadores que quei-
ram fomentar e introduzir a cultura
do teatro.
Na sua opinião, qual é a maior virtude do
teatro baiano?
Criatividade. A gente faz do crepe,
do adesivo e da piaçava, roupas de
época. Como o Ricardinho [Castro]
fez da dificuldade de produção um
produto como 1,99. A gente vai na
rua buscar, como eu fiz, as persona-
gens que vão alimentar o discurso e
o que a gente quer dizer. Fazemos do
Bando de Teatro Olodum referência
nacional, sem dinheiro, sem nada,
no grito. A gente faz muito.
É verdade que você é formado em dança
pela Universidade Federal da Bahia?
Nunca consegui mudar isso. É men-
tira. Fiz lá na Ufba um curso de dan-
ça, de expressão e fiz parte de gru-
pos ligados à universidade. Isso saiu
em alguma nota e nunca consegui
mudar. Vamos corrigir. Mas tenho
formação de bailarino, fiz muito
tempo aulas de clássico e participei
de grupos de dança.
OS PERSONAGENSEntre a menininhade laços nos cabelos eo flanelinha, um universoque guarda característicasbem baianas e que são, aomesmo tempo, universais
«Ainda temos coisasde má qualidade,e q u i v o ca d a s ,calcadas muitono besteirol»
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sucessos no Brasil que são comé-
dias. Então, a gente fica na dúvida.
Talvez, o ser humano tenha uma ne-
cessidade de rir mais.
Para você, que peso o programa na TV
Globo tem em sua carreira?
Um peso imenso. Peso de carisma
que atingi com meu público, por cau-
sa do simpático Moreno, criado pe-
las minhas amigas Ingrid Guimarães
e Heloísa Perissé que tiveram a idéia
de me chamar. Pela oportunidade
de viver com o Tourinho enquanto
ele esteve aqui na Terra, pela ami-
zade de Otávio Müller, pela desco-
berta de parceiros e amigos dentro
da Rede Globo e porque foi mais um
t ra b a l h o.
O que você não faz, tanto em teatro como
em televisão e cinema?
Não sei. Preciso me deparar com o
problema para me questionar. Faria
tudo, menos o que acho que seja in-
ferior ao que eu posso oferecer. Essa
inferioridade diz respeito a coisas
que eu considere preconceituosas,
que eu considere depreciativas e
que tenham um discurso idiota.
Você disse que recebeu convites para no-
vela e não gostou? Você não gosta de no-
vela ou não gostou da novela que lhe ofe-
r e c e ra m ?
Geralmente me chamam para fazer
umas coisas... Não gostei da novela
que me ofereceram. Eu tinha outros
projetos. Cinema, teatro. No mo-
mento, essas coisas eram mais inte-
ressantes que uma novela. Não es-
tou preocupado em fazer sucesso.
Estou preocupado em construir uma
história coerente para mim. «
«Através do riso, você pode destituir umpresidente, dessacralizar uma lei. Só rindo»