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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES Departamento de Comunicação Curso de Comunicação Social Habilitação Jornalismo Juliny Guimarães Barbosa Sá Barreto NAÇÃO NORDESTINA: A valorização da identidade regional no Facebook.
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NACAO NORDESTINA JULINY BARRETO

Jan 20, 2023

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES

Departamento de Comunicação

Curso de Comunicação Social

Habilitação Jornalismo

Juliny Guimarães Barbosa Sá Barreto

NAÇÃO NORDESTINA:

A valorização da identidade regional no Facebook.

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João Pessoa

2014

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"O Brasil é um pais de sotaques diferentes isso é miscigenação da cultura irreverente

eu aceito o teu "mêu irmão" e tu respeita o meu oxente."

BRÁULIO BESSA UCHÔA

1. Introdução

A internet e as relações em rede online modificaram

o comportamento da sociedade e diminuíram distancias, nos

conectando com o mundo. Porém, o ambiente virtual aliado a

uma subjetiva liberdade incondicional torna o ambiente

propício à disseminação de práticas como a xenofobia.

No Brasil, dentre tantos alvos desta agressão está

a região nordeste e os nordestinos que migraram para as

regiões sulistas do país. O atraso no pensamento e no

discurso dos agressores se dá ao fato de que para alguns

brasileiros, muitos herdeiros do coronelismo, a imagem do

nordeste como um grande sertão que exporta mão de obra

desqualificada e ignorante se fixou ao longo da história,

gerando preconceito e estereótipos.

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Na contramão desta corrente, e em meio a tantos

ataques gratuitos, nordestinos orgulhosos de suas origens

encontraram também nas redes sociais um espaço para

defender e divulgar a cultura, os costumes e os valores de

suas raízes. No interior do Ceará, um analista de sistemas

criou uma página no Facebook dedicada ao Nordeste. Hoje com

955 mil inscritos a fanpage Nação Nordestina, é a maior

comunidade online destinada a valorização da cultura

nordestina do mundo.

O presente artigo propõe analisar, através de

pesquisas bibliográficas e análise de caso, (1) a formação

da identidade nordestina; (2) a potencialização da

xenofobia nas redes; (3) o uso de plataformas sociais para

a valorização da cultura nordestina.

2. Os diferentes Nordestes e seus estereótipos

Explorado desde os primórdios de sua história, o

Nordeste carrega um estigma que atravessa o tempo e supera

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gerações. Ainda hoje, com todo o avanço das tecnologias de

comunicação e a superpropagação de audiovisuais através da

internet, muitos são os brasileiros que visualizam a região

como sendo um grande deserto, castigado pela seca e

habitado por flagelados ignorantes, abastados de cultura e

informação.

Em “Notas sobre a formação social do Nordeste”,

BERNARDES (2007) ressalta que a imagem projetada pela mídia

colabora para a perpetuação de uma identidade equivocada.

As imagens sociais do Nordeste, inclusiveveiculadas pelas grandes emissoras de televisão,estão ligadas ao chamado coronelismo, aocangaceirismo e à persistência de formas arcaicas derelações sociais, situadas no universo do pré-capitalismo. O Nordeste seria, assim, a região ondeo arcaísmo se confunde com o atraso nas relaçõessociais e nas formas do exercício do poder. Seria,pois, uma região que conheceu um outro ritmohistórico e, portanto, conservou formas eestruturas das relações sociais e da dominaçãopolítica que, em outras áreas, já teriamdesaparecido, ou mesmo, nunca teriam tido vigência.(BERNARDES. 2007. p 42)

Para o autor, tais estereótipos compõe um complexo

jogo de identidade, formado por uma teia de relações entre

os que pertencem e os que não pertencem a região. As expressões paraíbas, baianos, cabeças-chatas,usadas para nomear migrantes nordestinos instaladosem outras regiões, mas, sobretudo, no Sul e noSudeste do Brasil, carregam uma forte carga depreconceito, discriminação e de exclusão. Aspersonagens, em geral caricaturais, que representampessoas do Nordeste, em diversas novelas detelevisão, inclusive com um pretenso sotaquenordestino situam-se nesse mesmo universo dodiferente, do exótico e do atraso. (BERNARDES.2007. p 42)

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Para compreender a gênese desse preconceito

enraizado é necessário voltar a história e entender a

formação da identidade entre os séculos XIX e início do

século XX. Naquela época as preocupações quanto a maior

liberdade dos negros, a expansão das cidades brasileiras e

as influências culturais de países como a Alemanha e a

França. Como recurso de proteção a uma identidade “pura”,

baseada na raça branca, pertencentes aos importantes clãs

da burguesia, se tentou realizar no Brasil uma espécie de

arianização, excluindo determinantemente os negros e índios

– que nem ao menos eram lembrados, já que para os

burgueses, não representavam traços de gente -, numa

atitude extremamente preconceituosa. Que parece resistir as

gerações.

Por ser uma região de diferentes características

físicas, o nordeste possuí sub-regiões com diferentes

níveis de desenvolvimento. A Zona da Mata, onde se localiza

as cidades litorâneas, por exemplo, parece não fazer parte

do mesmo Nordeste que o Sertão de chuvas escassas e longos

períodos de estiagem. Como descreve Carlos Garcia:O Nordeste é uma região de contrastes. Nele podemser encontradas populações vivendo num estádio deseminomadismo – como os moradores do serão que,todos os anos, se deslocam para trabalhar no corteda cana-de-açúcar na Zona da Mata – e grupos,principalmente nas grandes cidades, que atingiramas etapas mais avançadas da civilização moderna. Naregião existem desde comunidades que vivempraticamente sem utilizar dinheiro a pessoas que sededicam à especulação no mercado financeiro. Háaqueles que vivem a dezenas de quilômetros de

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qualquer estrada carroçável e os que diariamenteenfrentam problemas de engarrafamento de trânsitonas grandes capitais. (GARCIA, 1984, p.8)

3. Web-Preconceito

3.1 O caso Mayara Peruso

A internet foi sem dúvida um grande avanço para asociedade, especialmente ao que se refere à comunicação.Através das redes virtuais é possível se comunicar em temporeal com o mundo, e o que antes poderia ser uma conversaentre amigos, quando expressa em redes de relacionamento,passa de privado e pode tomar proporções inimagináveis.

Foi basicamente isto que aconteceu com a estudante dedireito Mayara Peruso, que em 2010, após o anuncio daeleição que levou Dilma Rousseff à presidência darepública, expressou seu ponto de vista em sua página doTwitter dizendo: “Nordestisno (sic) não é gente, façam umfavor a SP, mate um nordestino afogado!”, creditando aosnordestinos a maioria dos votos à Dilma. Após a publicaçãode seu declarado preconceito, uma onda de indignação seformou na rede. Instituições, personalidades e osinternautas em geral declaram seu repúdio ao que poderiaser apenas um comentário infeliz numa roda de amigos.

Culminando na exclusão dos perfis da estudante emtodas as redes sociais ao qual participava, sua demissão doescritório de advocacia ao qual trabalhava, a mudança decidade e faculdade, além do processo e condenaçãoimpetrados pela Justiça Federal de São Paulo, sob o crimede descriminação, com pena de 1 ano, 5 meses e 15 diasconvertidos em multa e prestação de serviço comunitário.

No entanto, os casos de preconceito e descriminação aregião nordeste não se resumem apenas a este fato. Nainternet, é possível encontrar diversos registros demensagens preconceituosas na rede.

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Imagem 1 – Mensagem postada por Mayara Petruso no Twitter

Imagem 2 – Mensagem postada por Mayara Petruso no Twitter

Imagem 3 – Mensagem postada por Mayara Petruso no Facebook

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Imagem 4 – Mensagem preconceituosas sendo reverberadas noTwitter

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Imagem 5 – “Retweet” de mensagens anti-nordestinos.

Imagem 6 – Ofensas e racismo de raça também se associam adeclarações de crimes, como a exploração sexual.

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Imagem 7 – Mensagens de preconceito ao nordeste no Twitter.

3.2 Samba-enredo x Ameaças virtuais

Em 2011, a escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi,levou para avenida o samba-enredo “Oxente, o que seria dagente sem essa gente? São Paulo, a capital do Nordeste!”,que contava a história dos imigrantes nordestinos naformação de São Paulo.

Após o lançamento do tema, não demorou muito para quea presidência da escola começasse a receber e-mailsanônimos com ameaças e mensagens preconceituosas. Em umdos emails relatados no boletim de ocorrência registradopela escola a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos deIntolerância (Decradi), o internauta dizia: “Vocês deveriamser proibidos de desfilar numa avenida de minha cidade comum enredo nojento e racista desses. [...] Querem exaltar o

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Nordeste, desfilem por lá e não na minha cidade que é SãoPaulo, capital do Estado de São Paulo”. Outro email,assinado por “paulistano de coração” ameaçava a organizaçãoda escola dizendo: “Vou dar um aviso. Na primeira ameaçaque alguém receber de qualquer verme dessa escola de sambade merda a coisa vai ficar preta. E outra coisa. São Paulonão é capital do NE (nordeste) porra nenhuma”.

A escola precisou reforçar a segurança de sua sede eas mensagens chegaram até ao SPTuris, órgão responsávelpela organização da festa no Sambódromo do Anhembi. Assolicitações exigiam que a Tucuruvi fosse impedida dedesfilar por trazer em seu enredo ofensas declaradas aospaulistanos. O órgão, no entanto, através do diretor deturismo Luiz Sales declarou que não havia ofensas no samba-enredo, pelo contrário.

Em abril de 2013, o Ministério Público de São Pauloindiciou três acusados da autoria dos e-mails localizadosapós informações concedidas pelos provedores de e-mails,por mandato judicial.

4. Nação Nordestina

A ideia de rede, embora difundida com maior amplitudeapós o advento da internet, não é novidade e já integra ahumanidade desde seus primórdios. Nichos com ideas ecomportamentos semelhantes sempre se formaram dentro e forado ambiente virtual, mas a internet propiciou uma interaçãoinédita, sem fronteiras e com novas formas desociabilidade.

Esse fenômeno explica como um dos 20 mil habitantes dapequena Alta Santo, localizada no sertão do Ceará, a 250 kmda capital Fortaleza, passou de simples usuário de uma redesocial à palestrante conhecido mundialmente, por criar damaior comunidade destinada ao Nordeste, mobilizando ereunindo mais de 966 mil pessoas.

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A criação da Fanpage “Nação Nordestina”, na redesocial Facebook, foi desenvolvida em dezembro de 2011, pelotécnico em Web-design e Design Gráfico e estudante deAnálise de Sistemas, Braúlio Bessa Uchôa, logo após asinúmeras manifestações de racismo e preconceito contra osnordestinos, que se repetiam por meio da internet naqueleano.

Tendo a capital paulista, como a segunda maior cidadede seguidores, a página “Nação Nordestina” se dedica adefender as raízes nordestinas, valorizando sua cultura.Diariamente são publicadas imagens, notícias e mensagensque falam dos costumes, das tradições e peculiaridades dopovo nordestino, além de destacar os filhos ilustres daregião, que seja através da arte ou de histórias desuperação conquistaram destaque e respeito no cenárionacional.

A página também serve como alento para os nordestinosque estão distantes de sua terra natal e que, através da“Nação Nordestina” e de suas publicações mais simplórias,mantém um vínculo com suas origens. Exemplo disto, é que aimagem que mais repercutiu na página tratava-se de um cachode Seriguela, fruta bastante comum na região Nordeste. Aimagem da fruta ainda no pé rendeu 250 mil curtidas e maisde 80 mil comentários.

Com o sucesso da página, Braúlio Bessa passou a serconvidado para participar de eventos e palestras, contandosua trajetória e o trabalho desenvolvido na página, quehoje recebe incentivos financeiros através de parcerias eaté já virou marca de camisetas.

Imagem 8 – Bráulio Bessa Uchôa foi o responsável pelacriação da maior página dedicada ao Nordeste no Facebook.

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Imagem 9 – Imagens valorizam a cultura nordestina, aexemplo das literaturas de cordel.

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Imagem 10 – Frases de valorização do Nordeste sãopublicadas na página.

Imagem 11 – Imagens valorizam os artistas nordestinos quese destacaram na música.

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Imagem 12 – Imagens valorizam os artistas nordestinos quese destacaram na literatura.

Imagem 13 – Imagens valorizam os artistas nordestinos quese consagraram no humor.

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4 CONCLUSÃO

Os estereótipos criados sobre o Nordeste sãoresultados de um histórico de exploração e ideologiasburguesas enraizados no país, desde sua colonização.

Porém, a internet tem transformado em definitivo asrelações sociais possibilitando uma maior propagação deconhecimento e cultura. A fanpage “Nação Nordestina”,desenvolvida pelo cearense Braúlio Bessa Uchôa, representaa criação de um novo espaço de interação, onde pessoas domundo inteiro podem ter acesso ao autêntico Nordeste, suagente e sua cultura.

Por outro lado, a sensação de um suposto anonimato nainternet pode transformar a rede numa grande propagadora depensamentos preconceituosos e retrógrados. Contudo, oscasos apresentados no presente estudo mostram que embora ainternet possibilite uma maior liberdade de expressão, estanão deve ser confundida com comportamentos preconceituosos,homofóbicos, racistas e sexistas. Pois, ao contrário do quepossa parecer a internet não é uma terra sem lei, e osmesmos deveres que nos são exigidos na vida social off-line,continuam valendo para as relações em rede.

A quebra de preconceitos e a mudança de ideologias nãoé algo tão simples, e talvez nem mesmo mais 500 anosbastassem para que atitudes preconceituosas não maisocorressem, mas sementes como o “Nação Nordestina” estãosendo lançadas e a nós basta continuarmos aguardando seusfrutos.

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BIBLIOGRAFIA

AQUINO, R. de. O preconceito das Mayaras. Época, São Paulo,8 nov. 2010, p. 138.

CARTA CAPITAL. As eleições e o preconceito contra o Nordeste. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/politica/as-eleicoes-e-o-preconceito-contra-o-nordeste>. Acesso em: 2 mar.2013.

DENIS, de Mendonça Bernardes. Notas sobre a formação socialdo Nordeste. Lua Nova  no.71 São Paulo. 2007. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452007000200003>. Acesso em:2 mar.2013.

GARCIA, Calos. O que é o nordeste brasileiro.  8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. 92 p. il. (Coleção Primeiros Passos) ISBN: 8511011196. 

OLIVEIRA, Luciano Amaral. “Mate um nordestino afogado” – Análise crítica de um artigo da revista época. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ld/v11n2/08.pdf>. Acesso em: 2 mar.2013.

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REQUERO, Raquel da Cunha. Comunidades Virtuais em Redes Sociais na Internet: Uma proposta de estudo. Disponível em:< http://www.ufrgs.br/limc/PDFs/com_virtuais.pdf>. Acesso em: 2 mar.2013.