Denúncia pública e o uso da corrupção como instrumento político de acusação: Um olhar sobre os escândalos de corrupção no governo Vargas: 1951-1954. 1 Giuliana Monteiro da Silva. 2 Este artigo propõe examinar como a questão da corrupção é mobilizada como instrumento político de acusação no Brasil através da denúncia pública por meio da imprensa 3 . Privilegia-se como eixo temporal o segundo governo de Getúlio Vargas devido ao indicativo nos jornais da época de denúncias de irregularidades contra agentes da administração pública e do governo. Foram analisados três grandes escândalos associados à corrupção no período: Inquérito do Banco do Brasil, Caixa de Exportação e Importação do Banco do Brasil (Cexim) e o Caso Última Hora, examinando o papel do conflito político e as disputas de projetos políticos de poder em vigor. Para tal análise foram utilizados três jornais: Correio da Manhã, Tribuna da Imprensa e Última Hora. A escolha destes obedeceu respectivamente aos critérios de jornal de grande tiragem, de oposição e governista. As informações que são noticiadas nos meios de comunicação interferem de forma geral na leitura que o público faz sobre determinado acontecimento. Por mais que um acontecimento tenha distintos pontos de vista, ao adotar um posicionamento, a mídia contribui para condicionar o olhar de quem consome sua cobertura, sendo, portanto, um importante instrumento político capaz de interferir na “opinião pública” e consequentemente na política. É importante observar que o termo “opinião pública” apenas tem sido empregado aqui para caracterizar um consenso coletivo acerca de variados assuntos. Contudo há concordância com a observação de Bourdieu de que a opinião subordina-se a interesses políticos, sua função consiste talvez em impor a ilusão de que exista uma opinião pública. Para Bourdieu, a opinião pública é a opinião daqueles que são dignos de ter uma opinião (Bourdieu, 1983). A imprensa, assim como os meios de comunicação em geral, desempenha importante papel não somente para a transmissão de informação a indivíduos, mas também interfere na criação de novas formas de ação e de interação no mundo social, assim, a imprensa se 1 Este artigo é uma versão modificada de capítulos de minha dissertação de mestrado intitulada “Corrupção, narrativas de imprensa e moralidade pública nos anos 50: A conversão da corrupção em problema público no Brasil” (PPGS/UFF). 2 Doutoranda em História (PPHR/UFRRJ), mestre em Sociologia (PPGS/UFF), especialista em História do Brasil (PPGH/UFF) e professora da rede estadual de educação do Rio de Janeiro (SEEDUC/RJ). 3 Ao propor tal análise, não se pretende conceber um conceito de corrupção, nem mesmo se apropriar de uma definição sobre o termo.
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na “opinião pública” e consequentemente na política ... · fortalecimento de um capital nacional, criação de empresas estatais em setores estratégicos e a valorização
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Denúncia pública e o uso da corrupção como instrumento político de acusação: Um olhar
sobre os escândalos de corrupção no governo Vargas: 1951-1954.1
Giuliana Monteiro da Silva.2
Este artigo propõe examinar como a questão da corrupção é mobilizada como
instrumento político de acusação no Brasil através da denúncia pública por meio da
imprensa3. Privilegia-se como eixo temporal o segundo governo de Getúlio Vargas devido ao
indicativo nos jornais da época de denúncias de irregularidades contra agentes da
administração pública e do governo. Foram analisados três grandes escândalos associados à
corrupção no período: Inquérito do Banco do Brasil, Caixa de Exportação e Importação do
Banco do Brasil (Cexim) e o Caso Última Hora, examinando o papel do conflito político e as
disputas de projetos políticos de poder em vigor. Para tal análise foram utilizados três jornais:
Correio da Manhã, Tribuna da Imprensa e Última Hora. A escolha destes obedeceu
respectivamente aos critérios de jornal de grande tiragem, de oposição e governista.
As informações que são noticiadas nos meios de comunicação interferem de forma geral
na leitura que o público faz sobre determinado acontecimento. Por mais que um
acontecimento tenha distintos pontos de vista, ao adotar um posicionamento, a mídia contribui
para condicionar o olhar de quem consome sua cobertura, sendo, portanto, um importante
instrumento político capaz de interferir na “opinião pública” e consequentemente na política.
É importante observar que o termo “opinião pública” apenas tem sido empregado aqui para
caracterizar um consenso coletivo acerca de variados assuntos. Contudo há concordância com
a observação de Bourdieu de que a opinião subordina-se a interesses políticos, sua função
consiste talvez em impor a ilusão de que exista uma opinião pública. Para Bourdieu, a opinião
pública é a opinião daqueles que são dignos de ter uma opinião (Bourdieu, 1983).
A imprensa, assim como os meios de comunicação em geral, desempenha importante
papel não somente para a transmissão de informação a indivíduos, mas também interfere na
criação de novas formas de ação e de interação no mundo social, assim, a imprensa se
1 Este artigo é uma versão modificada de capítulos de minha dissertação de mestrado intitulada “Corrupção,
narrativas de imprensa e moralidade pública nos anos 50: A conversão da corrupção em problema público no
Brasil” (PPGS/UFF). 2 Doutoranda em História (PPHR/UFRRJ), mestre em Sociologia (PPGS/UFF), especialista em História do
Brasil (PPGH/UFF) e professora da rede estadual de educação do Rio de Janeiro (SEEDUC/RJ). 3 Ao propor tal análise, não se pretende conceber um conceito de corrupção, nem mesmo se apropriar de uma
definição sobre o termo.
converte num poderoso instrumento capaz de ditar normas, comportamentos e interferir na
construção de representações sociais (Thompson, 2000). Esse processo não é isento de
disputas e interesses políticos.
No tocante a análise dos jornais para a compreensão do fenômeno da corrupção no
período, as práticas consideradas ‘corruptas’, se apresentavam em diferentes contextos que
reuniam práticas variadas resultando numa pluralidade de ações. Tal questão contribui por
reforçar como o estudo da corrupção se torna complexo, pois não há uma uniformidade nas
práticas nem um contexto específico para sua produção e permanência. As práticas designadas
como corruptas e corruptoras não são idênticas, elas sofrem uma variação significativa no
tempo e espaço, isto é, o fenômeno da corrupção possui uma dimensão legal, histórica e
cultural que não pode ser negligenciada ao analisá-lo (Bezerra, 1995). Por essa razão, situar o
contexto político em que projetos de poder estão em disputa é de grande relevância para o
entendimento da realidade histórica do contexto estudado.
Projetos políticos de poder em disputa nos anos 1950.
Durante o processo democrático vivenciado pelo Brasil entre os anos de 1945 e 1964,
dois projetos políticos passaram a ser defendidos por distintos grupos. Segundo Ferreira, o
getulismo, de caráter nacional-estadista:“pautado no nacionalismo, proposta de
fortalecimento de um capital nacional, criação de empresas estatais em setores estratégicos e
a valorização do capital humano com redes de proteção humana” (Ferreira, 2008, p.303). E o
projeto de caráter liberal-conservador que “defendia a abertura irrestrita a investimentos,
empresas e capitais estrangeiros; ressaltando as leis do mercado e negando a intervenção
estatal na economia, reticente aos movimentos sociais e da participação popular”. (Ferreira,
2008, 304). Esses dois projetos mediram forças gerando momentos de grandes tensões
políticas, tendo com resultado graves crises na República brasileira. Estas são apontadas por
Ferreira como situações de grande conflito com possibilidade real de guerra civil no país, uma
delas seria a crise de agosto de 1954, que culmina com o suicídio de Getúlio Vargas.
A década de 1950 foi marcada por intensas agitações políticas, Vargas assume pela
segunda vez a presidência da República, contrariando as expectativas noticiadas pela
imprensa da época, e ‘nos braços do povo’, atribuindo caráter popular ao presidente que se
autointitulava “um líder das massas” (Wainer, 1988). ‘Nos braços do povo’ também
configurava a forma pela qual Vargas assume seu segundo mandato, através de eleições
diretas, diferentemente de seu primeiro governo entre 1930 e 1945. Sua chegada ao poder pela
segunda vez e de forma democrática, com a adoção de uma postura mais nacionalista,
contrariava os interesses conservadores da elite brasileira do período, inscrita numa lógica de
redução do papel do Estado e na exclusão da participação popular (Benevides, 1981).
A disputa entre o projeto representado por Vargas e o liberalismo conservador
localizado no antigetulismo atingiria seu auge causando uma divisão de posicionamentos na
sociedade. Nos meses que antecederam a crise de agosto que resultou no suicídio de Vargas,
os parlamentares udenistas (principais opositores do governo), bem como a grande imprensa,
atuaram como fatores desestabilizadores do governo (Ferreira, 2008). Com grande espaço na
imprensa do período, “a oposição difundia imagens que procuravam ao mesmo tempo
desqualificar o governo, indignar e mobilizar a população contra ele”, assim expressões
como: “caudilho, corrupto, desonesto, violento, imoral” entre outras imagens negativas eram
constantemente mobilizadas para referir-se ao presidente. (Ferreira, 2008 p. 307).
A tentativa de golpe de Estado sobre o governo Vargas em 1954 mobilizou, dentre
outros fatores, as denúncias de corrupção envolvendo como arma política para o
enfraquecimento do Estado getulista. Sob o discurso da necessidade de moralização da
administração pública, apropriado e difundido pela UDN, cunharam-se as expressões “mar de
escândalos”4 e “ mar de lama”5 para referirem-se as irregularidades envolvendo o governo
Vargas, ou seja, as denúncias de corrupção desempenharam importante papel no desfecho
político de Getúlio Vargas (Silva, 2017).
Os jornais.
No Brasil dos anos 40 e assim também nos anos 50, o clube da imprensa era restrito,
franqueado a umas poucas famílias eleitas6. O maior deles era o Correio da Manhã, o
4 Jornal Tribuna de Imprensa, 12/09/1952, p. 3. 5 Idem, 07/12/1953, manchete. 6 “No Rio Grande do Sul reinava o Correio do Povo, comandado pelo jovem Breno Caldas. No Paraná e em
Santa Catarina, como em quase todos os outros Estados, não havia jornais importantes. Em São Paulo, o
Estadão, da família mesquita, já era hegemônico, embora também tivesse influência A Gazeta, de Cásper Líbero,
e o tradicional Correio Paulistano, que fora porta-voz do Partido Democrático, controlado pelo grupo de
Francisco Morato. No Nordeste e no Norte, só tinham algum peso A Tarde, da Bahia, pertencente à família
poderoso ‘feudo’ de Paulo Bittencourt, seguido pelo Diário de Notícias da família Dantas. O
Globo ainda alcançava repercussão reduzida, e o Jornal do Brasil configurava ainda uma
espécie de catálogo de classificados. Havia vários outros jornais e alguns deles tinham boa
penetração, mas não se podia compará-los de modo algum com o que representava aos
grandes, sobretudo, o Correio da Manhã. Nos anos seguintes, o Brasil assistiria à escalada
dos Diários Associados, liderado por Assis Chateaubriand (Wainer, 1988).
Outro fator era que no Brasil ao contrário do que acorre em países como os Estados
Unidos, o jornal era porta voz do seu dono. “Sempre foi assim, é assim ainda. O Estadão, por
exemplo, reflete os humores, idiossincrasias, valores e preconceitos dos Mesquitas. A Folha
de São Paulo é a família Frias, O Globo é Roberto Marinho, o Jornal do Brasil, é a família
Nascimento Brito” (Wainer, 1988, p.137). Por trás da aparente independência que
ostentavam, os jornais são o que seus donos desejam que seja (Wainer, 1988).
O levantamento do material jornalístico publicado pela imprensa escrita sobre os casos
de corrupção foi realizado através de três veículos que atuavam no Rio de Janeiro, então
Capital Federal. Os jornais Correio da Manhã, Tribuna da Imprensa e o jornal Última hora. O
Correio da Manhã (1901- 1974) fundado pelo advogado Edmundo Bittencourt foi um dos
mais respeitáveis periódicos da imprensa diária e considerado um dos veículos de informação
mais importantes do século XX com tiragem de até 200 mil exemplares em seus melhores
momentos7. Destacava-se como um jornal de ‘opinião’, e num primeiro momento
identificava-se com as classes populares, mas gradativamente atraiu a atenção da classe média
do Rio de Janeiro (Sodré, 1966) . Sua linha editorial “se posicionava a favor de medidas
modernizadoras e contra forças políticas vistas como bloqueadoras do desenvolvimento e do
acesso popular a alguns direitos fundamentais”8.
O Jornal Tribuna da Imprensa (1949- 2008) foi fundado pelo jornalista por Carlos
Frederico Werneck de Lacerda (UDN)9. Antes da fundação do jornal, Carlos Lacerda era
Simões, o Jornal do Commercio, de Pernambuco controlado pelos Pessoa de Queiroz, e O Liberal, do Pará. Mas
os grandes jornais brasileiros, os que realmente contavam, eram editados no Rio de janeiro” (Wainer, 1988, p.
135) 7 Hemeroteca digital – Biblioteca Nacional / Correio da manhã. 8 Hemeroteca digital – Biblioteca Nacional / Correio da manhã. 9 Nasceu na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal em 1914. Oriundo de família militante comunista
Lacerda participou do grupo articulador da Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização fundada em 1935.
articulista do Correio da Manhã, onde assinava a coluna “Tribuna da imprensa”. Por tê-la
usado para atacar a família Soares Sampaio, ligada por laços de amizade a família Bittencourt,
proprietária do Correio, foi afastado desse matutino conservando, entretanto, o direito de usar
o título de sua coluna. Assim, em fins de 1949, no final do governo do marechal Eurico
Gaspar Dutra, Lacerda usou o antigo título para batizar um novo jornal que, representando as
principais proposições da União Democrática Nacional (UDN), viria fazer oposição às forças
remanescentes do getulismo10.
O jornal Última Hora (1951-1984) foi um dos grandes jornais brasileiros do século XX.
Fundado pelo jornalista Samuel Wainer11, a UH transformou o jornalismo: “instalou
máquinas modernas, pagou ótimos salários, adotou paginação inovadora e a atualização das
notícias em várias edições ao longo do dia. Seis meses depois do lançamento, era o vespertino
mais vendido no país” (Diniz, 2011). Na campanha presidencial de 1950, Wainer entrevistou
Getúlio Vargas, na ocasião o jornalista trabalhava para o ‘Diários Associados’ de Assis
Chateaubriand e nesta entrevista Vargas afirmara que voltaria nos braços do povo (Diniz,
2001). A partir daí Wainer se aproxima de Getúlio e cobre sua campanha, nascia aí uma
relação de amizade. Vargas foi eleito com larga vantagem sobre os adversários, mas
enfrentava dura oposição no meio político e na imprensa. Era preciso um veículo que desse
voz ao presidente. Vargas quis um jornal para divulgar as ações do seu segundo governo para
atingir as massas. Wainer aceitou a proposta de ter um diário e dar apoio político à Vargas
(Diniz, 2001 e Losnack, 2012).
Escândalos de corrupção no governo Vargas.
Na década de 1950, que compreende o primeiro período de redemocratização vivido
pelo Brasil entre 1945 e 1964, surge uma peculiaridade: o termo corrupção sofre um
deslocamento, ele passa a entrar no discurso, adquire visibilidade e é amplamente explorado
A partir de 1938, dedicou-se às atividades jornalísticas. A ruptura de Lacerda com os comunistas e o ingresso na
direita conservadora teve suas raízes no episódio de sua expulsão do partido comunista em 1939. Lacerda foi um
do principais expoente de oposição do governo Vargas. 10 http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tribuna-da-imprensa 11 Famosa eram as divergências entre os jornalistas Carlos Lacerda e Samuel Wainer. Seus jornais eram palco de
suas polarizações políticas expressas respectivamente no antigetulismo e getulismo.
pela imprensa. As denúncias na imprensa atribuem à corrupção dimensão de problema
público.
A segunda gestão de Vargas foi palco de três casos de corrupção envolvendo órgãos
e agentes do governo: Inquérito do Banco do Brasil, Cexim e Última Hora. Tais casos
expressam e ao mesmo tempo contribuem por fixar certa concepção social do que seja
corrupção na sociedade brasileira nos anos 50. Examiná-los implica em considerar que estes
são apenas amostras de uma realidade bem mais ampla de práticas que recortam a sociedade,
mas que podem nos fornecer ingredientes para observar outras questões que tangenciam o
estudo da corrupção no período, como a presença de um conflito político e o uso corrupção
como um instrumento de acusação política.
1. O inquérito do Banco do Brasil.
No início de seu mandato no ano de 1951 o presidente Getúlio Vargas determinou a
constituição de comissões de inquérito em ministérios, autarquias e órgãos subordinados para
averiguar a atuação de seus antecessores. No caso do Banco do Brasil, a comissão de
inquérito presidida por Miguel Teixeira tinha por objetivo examinar de forma minuciosa
irregularidades no banco a partir do governo Dutra.12
Em junho do mesmo ano a comissão de inquérito denunciava o ex-presidente do
Banco do Brasil, Guilherme da Silveira, por distribuir milhões de cruzeiros para fins
particulares e políticos inteiramente estranhos aos objetivos do principal estabelecimento de
crédito. Em matéria do jornal Última Hora sobre o relatório da comissão encaminhado ao
presidente, é afirmado que constava impressionante documentação sobre uma verdadeira
‘orgia de verbas’ de publicidade distribuídas pelo Banco do Brasil a partir de 1946, custeando
campanhas políticas e publicidades de indústrias particulares. Também foi apurado que
grande parte dos valores custeados pelo Banco do Brasil era para publicidade da fábrica de
tecidos do ex-presidente do Banco do Brasil, a fábrica Bangu. Por outro lado, grandes
fortunas foram usadas para custear a propaganda de desmoralização política e pessoal do
presidente Getúlio Vargas. A matéria ainda afirmava que não só a transcrição de discursos
12 Correio da Manhã, 14/02/1951, p. 8.
parlamentares, mas a encomenda de artigos e entrevistas, e até caricaturas e charges, foram
distribuídas a preço de ouro a diversos jornais e revistas do país.13
Tive acesso ao ofício de Miguel Teixeira encaminhado a Getúlio Vargas acerca do
relatório parcial da comissão de inquérito do Banco do Brasil. Foram selecionados alguns
trechos que reforçam a reportagem do ‘Última Hora’, os quais evidenciam que interesses
particulares se sobrepunham aos interesses do Banco. “Publicações estranhas aos interesses do
estabelecimento, despesas de finalidade desconhecida, interesses privados, publicidade
irregular”14 são expressões que apontam para utilização de recursos públicos para fins
particulares, isto é, há indicação no relatório de irregularidades que comprometem o bom
funcionamento da administração pública. O relatório da Comissão ainda observava que as
irregularidades surgem a partir de 1946, na ocasião da sucessão do primeiro mandato de
Getúlio, pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. A suspeição da irregularidade é comprovada na
indicação da utilização da verba do banco, tanto para interesses particulares, para a
publicidade da fábrica Bangu, como para ataques políticos a Getúlio Vargas, que na ocasião
era senador.
Outra observação indicada no relatório, mas não explorada pela matéria do ‘Última
Hora’, foi a questão da imprensa: a quase totalidade da imprensa carioca usufruiu da
publicidade irregular, excetuando-se o jornal Tribuna da Imprensa. Reside uma preocupação
no relatório em indicar o não envolvimento do jornal Tribuna da Imprensa, de oposição ao
governo. Esse silêncio na matéria do jornal evidencia que a imprensa possuía relações com o
governo Dutra e os interesses envolvidos nos possíveis ataques a Getúlio Vargas envolvia
disputas políticas. Disputas custeadas pelo dinheiro público.
No inquérito promovido por Vargas para investigar irregularidades no governo
Dutra, o nome de seu Ministro da Fazenda, Horácio Lafer, foi citado como beneficiado por
dinheiro público. Essa questão também não foi abordada pela matéria do jornal Última Hora
ao tratar sobre o relatório parcial do inquérito. Com a criação da comissão nos meses iniciais
do governo e indicado seu posicionamento em apurar as irregularidades cometidas no Banco
do Brasil, ao longo de 1951 pouco se obteve informações sobre o andamento do inquérito,
apenas indicação de que este estaria sendo apurado com rigor. Tal postura rendeu logo no