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Murray Rothbard Liberdade, Desigualdade,
Primitivismo e Diviso do Trabalho
Tradutor Rafael Hotz
ndice
INTRODUO
I NOVAS REAS DE DESIGUALDADE E OPRESSO
II COTAS PARA GRUPOS
III QUEM SO OS OPRIMIDOS?
IV OS ROMNTICOS E O PRIMITIVISMO
V A DIVISO DO TRABALHO
Notas do Autor
Notas do Tradutor
*********
I
II
III
IV
Notas do Autor
Notas do Tradutor
-
*********
INTRODUO
Nas duas dcadas aps esse artigo ter sido escrito, as principais
tendncias
sociais que eu analisei aceleraram, e ao que parece, numa taxa
exponencial. A
fuga do socialismo e planejamento central iniciada pela
Iugoslvia foi
impressionantemente bem sucedida em todo o bloco socialista da
Europa
Oriental, e agora existe ao menos comprometimento terico com a
idia de
privatizao e uma economia de livre mercado. Mais e mais o
Marxismo tem
ficado confinado aos acadmicos dos EUA e da Europa
Ocidental,
confortavelmente assentados como parasitas em suas economias
capitalistas.
Mas mesmo entre acadmicos, no h quase mais nada do Marxismo
triunfante
dos anos 30 e 40, com sua ostentao de eficincia econmica e
superioridade
do planejamento central socialista. Ao invs disso, mesmo os
Marxistas mais
dedicados agora pelo menos falam em favor da necessidade de
algum tipo de
mercado, no entanto restrito pelo governo.
I NOVAS REAS DE DESIGUALDADE E OPRESSO
Mas isso no significa que a luta contra o igualitarismo acabou.
Longe disso.
Pelo contrrio, aps a New Left [*1] do final dos anos 60 e comeo
dos 70 ter
sido desacreditada por sua virada bizarra em favor da violncia,
ela seguiu o
conselho de seus veteranos liberais [*2] e se juntou ao sistema.
Partidrios da
New Left iniciaram uma bem sucedida Gramsciana [*3] longa marcha
pelas
instituies, e ao se tornarem advogados e acadmicos
particularmente nas
humanidades, filosofia e cincias sociais leves conseguiram
adquirir
hegemonia em nossa cultura. Ao se verem derrotados e afugentados
no front
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estritamente econmico (em contraste com a Old Left dos anos 30,
economia
Marxista e a teoria do valor trabalho nunca foi o ponto forte da
New Left), a
Esquerda se voltou para o suposto campo moral superior do
igualitarismo.
E, como de fato, ela se voltou cada vez mais ao que foi sugerido
no ltimo
pargrafo do meu ensaio [*4]: mudar a nfase do antiquado
igualitarismo
econmico em favor de suprimir aspectos mais amplos da variedade
humana. O
igualitarismo antigo enfatizava igualar a renda ou a riqueza;
mas, como Helmut
Shoeck brilhantemente percebeu, a lgica de seu argumento [dos
igualitrios
N.T.] era suprimir em favor da justia, todas as instncias da
diversidade
humana e portanto a superioridade implcita ou explcita de
algumas pessoas
sobre outras [*5]. Em suma, a inveja da superioridade dos demais
deve ser
institucionalizada, e todas as fontes possveis de tal inveja
devem ser
erradicadas.
Em seu livro sobre a Inveja, Helmut Shoeck analisou um
assustador romance
distpico do escritor ingls L.P. Hartley. Em seu trabalho, Facial
Justice,
publicado em 1960, Hartley, extrapolando a partir das atitudes
que ele viu na
vida britnica aps a Segunda Guerra Mundial, comea ao notar que
aps a
Terceira Guerra Mundial a justia conseguiu grandes avanos. A
Justia
Econmica, a Justia Social e outras formas de justia foram
conquistadas, mas
ainda existiam reas da vida para serem conquistadas. Em
particular, a Facial
Justice (Justia Facial) ainda no havia sido obtida, uma vez que
garotas bonitas
possuam uma vantagem sobre garotas feias. Dessa forma, sob a
direo do
Ministro da Igualdade Facial, todas as garotas Alfa (bonitas) e
Gama (feias)
foram obrigadas a sofrer operaes nos Centros de Equalizao
(Facial) para
obterem rostos Beta (razoavelmente agradveis) [1].
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Coincidentemente, em 1961, Kurt Vonnegut publicou uma pequena
histria
concisa e ainda mais acidamente satrica ilustrando uma
sociedade
compreensivelmente igualitria, e ainda mais extremada que a de
Hartley.
Harrison Bergeron de Vonnegut comea assim:
O ano era 2081, e todos finalmente eram iguais. No apenas
iguais
perante Deus e a lei. Eram iguais em todos os sentidos. Ningum
era
mais esperto que ningum. Ningum era mais bonito que ningum.
Ningum era mais rpido ou mais forte do que outro. Toda essa
igualdade era devida s emendas 211, 212 e 213 Constituio, e
vigilncia incessante dos agentes do Zelador Geral dos EUA.
Os cuidados eram mais ou menos os seguintes:
Hazel tinha uma inteligncia perfeitamente mediana, o que
significava
que ela no era capaz de raciocinar sobre nada exceto em
pequenos
lampejos. E George, enquanto sua inteligncia era bem acima do
normal,
possua um pequeno rdio de monitoramento em seu ouvido. Ele
era
exigido por lei a us-lo sempre. Ele ficava ligado num
transmissor
governamental. A cada vinte minutos ou quase isso, o
transmissor
emitiria algum rudo agudo para impedir que pessoas como George
se
aproveitassem injustamente de seus crebros [2].
Esse tipo de nfase igualitria em desigualdades no econmicas se
proliferou e
se intensificou nas dcadas aps esses homens terem cunhado suas
distopias
Orwellianas um tanto quanto exageradas. Nos crculos acadmicos e
literrios o
politicamente correto agora propagado com uma cada vez mais
pesada
mo de ferro; e a chave para ser politicamente correto nunca,
jamais, em
qualquer rea, fazer julgamentos de diferena ou
superioridade.
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Assim, notamos que uma publicao do Escritrio de Assuntos
Estudantis do
Smith College lista dez tipos diferentes de opresso supostamente
infligidos
ao se fazer julgamentos sobre as pessoas. Incluem:
heterossexismo, definido
como opresso daqueles com orientaes no heterossexuais, o que
inclui
no reconhecer sua existncia; e habilitismo [*6], definido como
opresso
daqueles diferentemente habilitados [conhecidos em dias menos
ilustres
como deficientes ou desabilitados], por parte dos
temporariamente
habilitados. Particularmente relevante para nossos dois
escritores distpicos
o idadismo [*7], opresso dos jovens e velhos por parte dos
adultos recm
sados da adolescncia e de meia idade, e visualismo [*8],
definido como a
construo de um padro de beleza/atratividade.
Opresso obviamente definida amplamente para indicar a prpria
existncia
de possvel superioridade e, portanto, uma oportunidade para a
inveja em
qualquer campo. A dominante teoria literria do
desconstrucionismo
impetuosamente argumenta que no pode haver critrios para julgar
um
texto superior a outro. Numa conferencia recente, onde um
professor de
cincia poltica se referia corretamente ao livro de Czeslaw
Milosz, The Captive
Mind, como um clssico, outra professora declarou que a prpria
palavra
clssico a fazia se sentir oprimida [4]. A implicao clara que
qualquer
referncia ao produto superior de outra pessoa pode provocar
ressentimento e
inveja nas pessoas comuns, e que lidar com esses sentimentos de
opresso
deve ser o foco central do aprendizado e crtica.
O propsito da academia e outras instituies de pesquisa sempre
foi uma
procura irrestrita pela verdade. Esse ideal agora tem sido
desafiado e
substitudo por lidar com os sentimentos sensveis do
politicamente correto.
Essa nfase nos sentimentos subjetivos ao invs da verdade fica
evidente no
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furor atual quanto ao ensinamento do distinto antroplogo de
Berkeley, Vincent
Sarich. O exame de Sarich das influncias genticas nas diferenas
raciais de
resultados foi denunciado por um colega de faculdade como uma
tentativa de
destruir a auto-estima dos estudantes negros da classe [5].
II COTAS PARA GRUPOS
De fato, uma mudana radical desde a confeco desse artigo tem
sido a rpida
e acelerada transformao do igualitarismo antiquado, que
desejava
transformar todos os indivduos em iguais, num igualitarismo de
grupos em
favor dos grupos que so oficialmente designados como oprimidos.
Em
empregos, posies e status em geral, grupos oprimidos devem ter
garantida
sua cota determinada de posies bem pagas ou de prestgio. (Ningum
parece
estar agitando em favor de representao proporcional para
cavadores de
trincheiras.) Eu percebi pela primeira vez essa tendncia num
artigo escrito um
ano aps este ensaio num simpsio sobre A Natureza e Conseqncias
da
Ideologia Igualitria.
L eu reagi energicamente representao proporcional para
grupos
designados exigida pelo movimento de McGovern na Conveno do
Partido
Democrata de 1972. Esses triunfantes Democratas insistiam que
grupos tais
como mulheres, jovens, negros e Chicanos estavam representados
abaixo de
sua proporo populacional como delegados eleitos nas convenes
anteriores;
isso deveria ser retificado com o Partido Democrata revogando as
escolhas de
seus membros e insistindo numa cota de representao de tais
grupos
supostamente oprimidos. Eu notei a particular idiotice da alegao
de que
idades entre 18 e 25 anos estiveram deploravelmente
sub-representadas no
passado, e me dei o prazer fazer uma reductio ad absurdum
politicamente
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inapropriada ao sugerir uma correo imediata a atroz e crnica
sub-
representao de homens e mulheres abaixo dos cinco anos [6].
Contudo, apenas dois antes daquela conveno, outra forma de
apelo
proporcionalidade foi vista com o apropriado desdm e
ridicularizao pelos
liberais de esquerda. Quando um dos frustrados candidatos do
Presidente
Nixon Suprema Corte foi ridicularizado como sendo medocre, o
Senador
Roman Hruska (Republicano, Nebraska) questionou o fato do
camarada
medocre da Amrica no merecer representao na Corte mais
importante.
Crticos liberais jocosamente acusaram o Senador de praticar
uma
argumentao ilusria [*9]. A mesma acusao, apontada para os
denunciadores do logismo [*10] iria afastar tais crticos da vida
pblica. Mas os
tempos, e padres de justeza poltica mudaram.
difcil, de fato, parodiar ou satirizar um movimento que parece
ser uma auto-
pardia ambulante, e que s pode trazer resultados deplorveis.
Assim, dois
eminentes historiadores americanos, Bernard Bailyn e Stephan
Thernstron,
foram literalmente forados a abandonarem seu curso sobre a
histria das
relaes raciais americanas em Harvard, por causa das absurdas
acusaes de
racismo levantadas por alguns estudantes, acusaes que foram
tratadas com
seriedade extrema por todos envolvidos. De particular interesse
aqui foi a
acusao contra o curso de Bailyn sobre as relaes raciais na era
colonial.
A implicncia dos estudantes contra Bailyn foi que ele leu um
dirio de um
fazendeiro sulista sem dar tempo igual s memrias de um escravo.
Para os
reclamantes, essa prtica claramente remontou a uma defesa
disfarada da
escravatura. Bailyn pacientemente explicou durante tal leitura
ofensiva que
nenhum dirio, jornal ou cartas de escravos naquele perodo
foram
encontrados. Mas para esses estudantes, Bailyn claramente falhou
ao
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compreender o problema: Uma vez que era impossvel dar
representao igual
aos escravos, Bailyn deveria ter aberto mo do dirio do
fazendeiro de qualquer
maneira [7].
Porta-vozes defensores de cotas para grupos oprimidos (rotulados
para
propsitos de relaes pblicas com a cativante frase ao
afirmativa)
geralmente alegam que um sistema de cotas a coisa mais distante
de suas
cabeas: tudo o que querem ao positiva para aumentar a
representatividade
dos grupos favorecidos. Ou eles esto sendo flagrantemente falsos
ou ento
falharam em compreender aritmtica elementar. Se o grupo oprimido
X tem
que ter sua representatividade aumentada de, digamos, 8 para
20%, ento
algum grupo ou combinao de grupos ter que ter sua representao
reduzida
em 12%. A agenda por trs, ou s vezes nem tanto assim por trs,
que a
queda de representatividade deve ocorrer entre os membros dos
grupos
designados como opressores, que presumivelmente merecem tal
destino.
III QUEM SO OS OPRIMIDOS?
Nesse regime de igualitarismo de grupos, se torna
particularmente importante
se colocar em meio aos Oprimidos ao invs dos Opressores. Quem,
ento, so
os Opressores? difcil determinar, uma vez que novos grupos de
oprimidos
esto sempre sendo descobertos. quase de se sentir saudades dos
bons
velhos dias do Marxismo clssico, quando havia apenas uma classe
oprimida
o proletariado e uma ao no mximo algumas poucas classes de
opressores: os
capitalistas ou burguesia, acompanhados s vezes dos senhores
feudais ou
talvez da pequena burguesia. Mas agora, conforme as fileiras dos
oprimidos e
consequentemente os grupos especialmente privilegiados pela
sociedade e
Estado continuam se multiplicando, e as fileiras dos opressores
continuam
minguando, o problema do igualitarismo de renda e riqueza
reaparece e de
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forma dobrada. Isso porque uma variedade cada vez maior de
grupos est
sendo continuamente adicionada ao fardo parasita que recai sobre
uma
quantidade cada vez menor de opressores. E uma vez que
obviamente
interessante para todos abandonar as fileiras dos opressores e
se moverem em
direo s dos oprimidos, grupos de presso iro cada vez mais serem
bem
sucedidos ao faze-lo isso enquanto essa ideologia disfuncional
continue a
florescer. Especificamente, atingir o status de Oficialmente
Oprimido garante
uma participao no fluxo incessante de benefcios em dinheiro,
status e
prestgio vindo dos infortunados Opressores, que so feitos se
sentirem
culpados eternamente, mesmo quando so forados a sustentar e
expandir tal
fluxo incessante. No de surpreender que atingir o status de
oprimido requer
muita presso e organizao. Como Joseph Sobran sabiamente
coloca:
necessria muita influencia para ser uma vtima. Eventualmente, se
tudo
continuar desse jeito, o resultado deve ser a morte de ambos,
parasita e
hospedeiro, e um final para qualquer economia ou civilizao
florescente.
H virtualmente um nmero infinito de grupos ou classes na
sociedade: a
classe das pessoas chamadas Smith, a classe das pessoas com 6 ps
de altura, a
classe dos carecas, e por a vai. Qual desses grupos pode se
enxergar entre os
oprimidos? Quem vai dizer? fcil inventar um novo grupo oprimido.
Eu
posso chegar com um estudo em mos, por exemplo, demonstrando que
a
classe das pessoas chamadas Doe possuem uma renda mdia ou uma
riqueza
ou status inferior quela dos outros nomes. Eu poderia ento
propor uma
hiptese de que as pessoas chamadas Doe tem sido discriminadas
porque
seus nomes John Doe e Jane Doe tem sido estereotipados como
associados com anonimato, e pronto, temos mais um grupo que
capaz de
deixar as sobrecarregadas fileiras dos oprimidos e se juntar s
alegres fileiras
dos oprimidos.
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Um terico poltico amigo meu achou que poderia cunhar um Grupo
Oprimido
satrico: pessoas pequenas, que sofrem com o altismo. Eu o
informei que ele
havia sido seriamente antecipado h duas dcadas, novamente
demonstrando a
impossibilidade de parodiar e ideologia vigente. Eu notei h
quase vinte anos,
num artigo escrito pouco aps esse ensaio, que o Professor Saul
D. Feldman,
um socilogo da Case Western Reserve, e o prprio uma distinta
pessoa de
baixa estatura, j havia feito a cincia lidar com a antiga
opresso dos baixos
pelos altos. Feldman reportou que dos recentes formandos da
Universidade de
Pittsburgh, aqueles com altura igual ou superior a 6 ps e 2
polegadas recebiam
um salrio inicial mdio 12,4% mais alto do que formandos menores
que 6 ps,
e tambm que um professor de marketing na Eastern Michigan
University
perguntou a 140 recrutadores sobre suas preferncias entre dois
candidatos
hipotticos, igualmente qualificados para o trabalho de vendedor.
Um dos
hipotticos vendedores teria 6 ps e 1 polegada, e o outro 5 ps e
5 polegadas.
Os recrutadores responderam da seguinte forma: 27% expressaram
a
indiferena politicamente correta; 1% disse que contrataria o
baixo; e nada
menos que 72% contrataria o mais alto.
Alm dessa explcita opresso dos altos sobre os baixos, Feldman
mostrou que
as mulheres notoriamente preferem homens altos a homens baixos.
Ele poderia
ter mostrado tambm, que Alan Lass poderia apenas desempenhar o
papel de
gal nos filmes produzidos por executivos intolerantes de
Hollywood ao subir
em cima de uma caixa escondida, e que mesmo o timo ator
Sydney
Greenstreet foi filmado por uma cmera colocada em baixo para
faz-lo parecer
mais alto do que ele j . [Os prprios chefe de estdio eram
pessoas baixas,
mas estavam traindo seus camaradas baixos ao satisfazer a
cultura pr-altos.]
Feldman tambm mostrou perceptivamente o preconceito anti-baixos
que
permeia nossa linguagem: em frases tais como viso curta, rdeas
curtas,
-
curto circuito e curto de grana [*11]. Ele ainda disse que
dentre os dois
principais candidatos a Presidncia, o mais alto invariavelmente
eleito [8].
No meu artigo eu desejava incitar um movimento da libertao dos
baixos para
acabar com a opresso, e perguntei: onde esto os lderes baixos
de
corporaes, os banqueiros baixos, os Senadores baixos e os
Presidentes baixos
[9], [10]? Eu perguntei onde estava o orgulho baixo, institutos
de baixos, cursos
de histria dos baixos, cotas para baixos, e pedi para que os
baixos parassem de
internalizar a antiga propaganda de nossa cultura dos altos que
diz que os
baixos so gentica ou culturalmente inferiores. (Vejam s Napoleo)
Pessoas
baixas, levantem-se! Vocs no tm nada a perder a no ser seus
sapatos de
plataforma. Eu acabei garantindo aos altos que ns no somos
anti-altos, e que
vemos com bons olhos altos progressistas, demonstrando um
sentimento de
culpa, como simpatizantes pr-baixos e auxiliares em nosso
movimento. Se
minha prpria conscincia tivesse sido suficientemente despertada
naquele
momento, eu com certeza teria adicionado uma demanda para que os
altos
compensem os baixos por diversos milhares de anos de tirania
altista.
IV OS ROMNTICOS E O PRIMITIVISMO
Saindo do tpico dos oprimidos, minha prpria viso dos
Romnticos,
certamente distorcida h vinte anos, muito mais hostil hoje em
dia. Isso
porque eu aprendi atravs de fontes como Leszek Kolakowsky e
particularmente
do grande crtico literrio M. H. Abrams, da devoo dos
Romnticos,
Hegelianos e do Marxismo ao que pode ser chamado de teologia
da
reabsoro. Essa viso se originou com o egpcio Platnico do sculo
III,
Plotino, desembocando no Platonismo Cristo e a partir da
constituindo uma
alternatividade mstica e hertica no pensamento ocidental.
Brevemente, esses
pensadores viam a Criao no como um maravilhoso transbordamento
da
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bondade de Deus, mas sim como um ato essencialmente mau que
rompeu a
abenoada unidade pr-Criao das entidades coletivas Deus, Homem
e
Natureza, causando uma trgica e inevitvel alienao ao Homem.
Entretanto,
a Criao, o resultado natural das deficincias divinas, s redimvel
em um
nico sentido: a Histria um processo inevitavelmente dialtico
atravs do
qual a pr-Criao d origem ao seu oposto, o mundo atual. Mas no
final das
contas a histria est destinada a terminar numa poderosa reabsoro
dessas
trs entidades coletivas, apesar de um nvel de desenvolvimento
muito mais alto
para Deus e o Homem. Alm de outros problemas com essa viso, o
contraste
com o Cristianismo ortodoxo deveria estar claro. Ao passo que no
Cristianismo,
o indivduo feito imagem de Deus e a salvao de cada indivduo
de
importncia suprema, a supostamente benevolente fuga dos
partidrios da
reabsoro da alienao metafsica acontece apenas no final da
histria e
apenas para a espcie coletiva Homem, com o indivduo
desaparecendo dentro
do organismo espcie [11].
Quanto ao primitivismo, pesquisa antropolgica posterior tem
reforado a viso
desse ensaio de que as tribos primitivas, e culturas pr-modernas
em geral,
eram marcadas no pelo comunismo, a la Engels e Polanyi, mas por
direitos de
propriedade, mercados e troca monetria. O trabalho do economista
Bruce
Benson sublinhou esse ponto em particular [12].
V A DIVISO DO TRABALHO
Eu percebi, ao escrever esse ensaio, que eu dei muita
sobreestimei as
contribuies e importncia de Adam Smith sobre a diviso do
trabalho. E para
minha surpresa, eu no apreciei suficientemente as contribuies de
Ludwig von
Mises.
-
Apesar da enorme nfase na especializao e na diviso do trabalho
na Riqueza
das Naes, muita da discusso de Smith est fora de seu lugar e
enganosa.
Em primeiro lugar, ele deu importncia indevida diviso do
trabalho dentro da
fbrica (o famoso exemplo da fbrica de pregos), e pouco
considerou a bem
mais importante diviso do trabalho entre as vrias indstrias e
ocupaes.
Segundo, h a perversa contradio entre as discusses no Livro I e
V da
Riqueza das Naes. No Livro I, a diviso do trabalho saudada como
a
responsvel pela civilizao e crescimento econmico, e tambm
gratificada
como expandindo o sentimento de alerta e inteligncia da populao.
Mas no
Livro V a diviso do trabalho condenada como levando
degenerao
intelectual e moral da mesma populao, e perda de suas
virtudes
intelectuais, sociais e marciais. Essas queixas quanto a diviso
do trabalho bem
como temas similares na obra do amigo prximo de Smith, Adam
Ferguson,
influenciaram fortemente a crtica sobre alienao em Marx e
escritores
socialistas posteriores [13].
Mas de ainda maior importncia fundamental foi o abandono por
parte de
Smith da tradio desde Jean Buridan e Escolsticos que enfatizava
que duas
partes se engajavam numa troca porque ambas esperavam ganhar com
a
transao. Em contraste com essa nfase na especializao e troca
como um
resultado na ao humana consciente, Smith mudou o foco de
benefcio mtuo
para uma irracional e inata suposta propenso a cambiar, a troca,
ao escambo,
como se os seres humanos fossem roedores determinados por foras
externas a
seus prprios propsitos escolhidos. Como disse Edwin Cannan h
muito
tempo, Smith o fez porque ele rejeitava a idia de diferenas
inatas nos talentos
e habilidades humanas, diferenas que naturalmente levariam as
pessoas a
procurarem diferentes ocupaes especializadas [14]. Smith ao invs
escolheu
uma posio igualitria-tbula-rasa, ainda dominante hoje na
economia
neoclssica, dizendo que todos os homens so uniformes e iguais, e
que por
-
isso diferenas no trabalho ou em ocupaes s podem ser o resultado
ao invs
da causa da diviso do trabalho. Somando-se a isso, Smith
inaugurou a tradio
resultante de que diferenas de salrio entre essa populao
uniforme podem
refletir apenas diferenas no custo de treinamento [15],
[16].
Em contraste, o trabalho recente do Professor Joseph Salerno
iluminou as
profundas contribuies da nfase de Ludwig von Mises na diviso do
trabalho
como a essncia da sociedade e o fenmeno social fundamental. Para
Mises,
enquanto eu escrevo esse ensaio, a diviso do trabalho emana da
diversidade e
desigualdade dos seres humanos e da natureza. Salerno, alm
disso, nos explica
com clareza sem paralelos que para Mises a diviso do trabalho
uma escolha
consciente de ganho mtuo e desenvolvimento econmico. O processo
de
evoluo social se torna ento o desenvolvimento da diviso do
trabalho, e
isso permite Mises a se referir a diviso mundial do trabalho
como um
organismo social ou oecumene. Mises tambm mostra que a diviso
do
trabalho est no corao dos organismos biolgicos, e o princpio
fundamental de todas as formas de vida. A diferena do organismo
social
que, em contraste com os organismos biolgicos, a razo e a
vontade so a
forma originria e sustentadora da coalescncia orgnica. Assim,
para Mises a
sociedade humana ento espiritual e teleolgica, o produto da
vontade e
do pensamento. Ela ento se mostra como de importncia suprema
para que
as pessoas possam compreender a significncia de manter e
expandir a
oecumene que consiste no livre mercado e trocas humanas
voluntrias, e
perceberem que violar e impedir o mercado e a oecumene s pode
ter
conseqncias desastrosas para a raa humana [17].
Na viso comum, os escritores e tericos sociais acabam por
suavizar e moderar
suas vises conforme envelhecem. (Duas gloriosas excees a essa
regra so
duas figuras libertrias bem diferentes como Lysander Spooner e
Lord Acton.)
-
Olhando para essas duas dcadas aps ter escrito esse ensaio, est
claro que
minhas vises, pelo contrrio, se radicalizaram e polarizaram
ainda mais. Como
no pareceria a vinte anos atrs, eu sou ainda mais hostil ao
socialismo,
igualitarismo e ao Romantismo, ainda mais crtico da tradio
clssica britnica
e da neoclssica moderna, e mais apreciador dos grandes enfoques
de Mises do
que nunca. De fato, para algum que pensou que tinha absorvido
todo o
trabalho de Mises h alguns anos atrs, uma fonte constante de
surpresa
como reler Mises continua a garantir uma fonte de enfoques novos
e novas
maneiras de observar situaes aparentemente banais. Esse fenmeno,
que
muitos de ns j experimentamos, apenas refora o fato da
impressionante
riqueza e qualidade do pensamento de Mises. Apesar de ter
morrido h quase
duas dcadas, Ludwig von Mises continua verdadeiramente mais vivo
do que a
maioria dos nossos convencionalmente inteligentes
contemporneos.
Murray N. Rothbard
Las Vegas, Nevada
Fevereiro, 1991
Notas do Autor
[1] Ver a discusso em Helmut Schoeck, Envy: A Theory of Social
Behavior (Nova
Iorque: Harcourt, Brace & World, 1970), pp. 149-55. O
trabalho de Shoeck foi
publicado originalmente em alemo, em 1966, sob o ttulo Der Neid,
e a
traduo para ingls foi publicada primeiramente em 1969.
[2] Kurt Vonnegut, Jr., "Harrison Bergeron" (1961), em Welcome
to the Monkey
House (Nova Iorque: Dell, 1970), p.7.
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[3] John Taylor, "Are you Politically Correct?" New York
(Janeiro, 21, 1991, p.38.
Ver tambm ibid., pp. 32-40: "Taking Offense," Newsweek
(Dezembro, 24, 1990),
pp. 48-54.
[4] Newsweek, loc. cit., p. 53.
[5] Paul Selvin, "The Raging Bull of Berkeley," Science 251
(Janeiro, 25, 1991):
369.
[6] Murray N. Rothbard, "Egalitarianism as a Revolt Against
Nature,"
em Egalitarianism as a Revolt Against Nature and Other Essays
(Washington,
D.C.: Libertarian Review Press, 1974), pp. 7-8.
[7] Taylor, "Are You Politically Correct?", p. 33.
[8] O argumento de Feldman teria sido reforado se ele tivesse
escrito aps a
campanha de 1988: no apenas Bush era mais alto que Dukakis, mas
o
Deputado Charles Wilson (Democrata, Texas) foi capaz de
expressar a
intolerncia altista de sua regio: Nenhum ano grego capaz de
tomar conta
do Leste do Texas, sem incitar protestos e marchas das massas
baixas. Sobre o
estudo de Feldman, ver Arthur J. Snider, "Society Favors Tall
Men: Prof," New
York Post (Fevereiro 19, 1972). Sobre tudo isso, ver Murray N.
Rothbard, "Short
People, Arise!" The Libertarian Forum IV (Abril 1972): p. 8.
[9] Seria instrutivo estudar se o tratamento selvagem dado ao
Senador John
Tower em sua audincia de confirmao para Secretrio de Defesa foi
devido
discriminao contra ao seu tamanho pequeno.
-
[10] Um projeto possvel para historiadores americanos: a maior
parte dos
bares empresariais do fim do sculo XIX (por exemplo, Jay Gould e
John D.
Rockefeller, Sr.) eram muito baixos. Atravs de que processo os
altos
quietamente ganharam poder no mundo corporativo?
[11] Ver Leszek Kolakowski, Main Currents of Marxism, vol. I,
The
Founders (Oxford: Oxford University Press, 1981), pp. 9-39; M.H.
Abrams, Natural
Supernaturalism: Tradition and Revolution in Romantic Literature
(Nova Iorque:
Norton, 1971); M.H. Abrams, "Apocalypse: Theme and Variations"
em C.A.
Patrides e Joseph Wittreich, eds., The Apocalpse in English
Renaissance Thought
and Literature (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1984),
pp.342-68; Ernest L.
Tuveson, "The Millenarian Structure of the Communist Manifesto,"
em ibid., pp.
323-41; e Murray N. Rothbard "Karl Marx: Communist as
Religious
Eschatologist,"[PDF] The Review of Austrian Economics 4 (1990):
123-179.
[12] Bruce L. Benson, "Enforcement of Private Property Rights in
Primitive
Societies: Law Without Government,"[PDF] Journal of Libertarian
Studies 9
(Inverno 1989): 1-26; e Benson, The Enterprise of Law: Justice
Without the
State (San Francisco: Pacific Research Institute for Public
Policy, 1990), pp. 11-41.
Ver tambm Joseph R. Peden, "Property Rights in Celtic Irish
Law,"[PDF] Journal
of Libertarian Studies 1 (1977): 81-95: e David Friedman,
"Private Creation and
Enforcement of Law: A Historical Case," Journal of Legal Studies
8 (Maro 1979):
399-415.
[13] Sobre a influncia de Ferguson, ver Abrams, Natural
Supernaturalism, pp.
220-21, 508.
-
[14] Edwin Cannan, A History of the Theories of Production and
Distribution in
English Political Economy from 1776 to 1848, 3rd ed (Londres:
Staples Press,
1917), p. 35
[15] Contraste o igualitarismo de Smith com o grande Escolstico
italiano do
incio do sculo XV, San Bernardino de Siena (1380 1444). Em seu
On
Contracts and Usury, escrito em 1431-33, Bernardino mostrou que
a
desigualdade de salrios no mercado uma funo das diferenas de
habilidade e capacidade assim como de treinamento. Um arquiteto
mais bem
pago que um cavador de trincheiras, explicou Bernardino, porque
o trabalho do
primeiro necessita de mais inteligncia, habilidade e
treinamento, resultando
que poucos sero qualificados para a tarefa. Ver Raymond de
Roover, San
Bernardino of Siena and Sant'Antonino of Florence: The Two Great
Thinkers of the
Middle Ages (Boston: Baker Library, 1967), e Alejandro Chafuen,
Christians for
Freedom: Late Scholastic Economics (San Francisco: Ignatius
Press, 1986), pp.
123-31.
[16] A moderna economia neoclssica se encaixa nessa tradio ao
definir
discriminao como qualquer desigualdade de salrio maior do que
as
diferenas no custo de treinamento. Assim, ver o trabalho padro
de Gary
Becker, The Economics of Discrimination (Chicago: University of
Chicago Press,
1957).
[17] Joseph T. Salerno, "Ludwig von Mises as Social
Rationalist," [PDF] The
Review of Austrian Economics 4 (1990): 26-54. Ver tambm a crtica
de Salerno
da reao de incompreenso de Eamonn Butler dos enfoques de
Mises,
acusando Mises da falcia orgnica e de dificuldades com ingls.
Ibid., p.29n.
o contraste implcito da viso de Mises com a nfase de Hayek na
ao
inconsciente e aderncia cega regras tradicionais explicitada por
Salerno na
-
ltima parte desse artigo lidando com o debate do clculo econmico
no
socialismo, e em Salerno, "Postscript," in Ludwig von Mises,
Economic
Calculation in the Socialist Commonwealth (Auburn, Al,: Ludwig
von Mises
Institute, 1990), pp. 51-71.
Notas do Tradutor
[*1] Sobre a New Left. No final dos anos 60 e incio dos anos 70,
Rothbard e
outros libertrios decidiram se aliar com a New Left contra o
establishment
culturalmente conservador, pr-guerra e contrrio ao livre
mercado.
[*2] Nos EUA a palavra liberal usada para designar algo que no
Brasil seria
chamado de Social-Democrata.
[*3] Antonio Gramsci era um Marxista que defendia que o meio
para se
estabelecer o socialismo seria uma espcie de revoluo
cultural.
[*4] A primeira parte desse texto de 1991 e foi escrito como
introduo para a
segunda edio de Liberdade, Desigualdade, Primitivismo e Diviso
do Trabalho
(a segunda parte).
[*5] Em alguns campos, completaria eu.
[*6] Ableism.
[*7] Ageism.
[*8] Lookism.
-
[*9] Special pleading.
[*10] Rothbard usa o termo logism. No encontrei traduo, mas
suponho que
seja logismo.
[*11] As expresses usadas por Rothbard no foram fielmente
traduzidas, caso
contrrio no haveria sentido. Foram elas: short-sighted,
short-changed,
short-circuited, e short in cash.
*********
I
Se as pessoas fossem como formigas, no haveria interesse na
liberdade
humana. Se os indivduos, como formigas, fossem uniformes,
intercambiveis,
desprovidos de traos especficos de personalidade, quem ento se
importaria
se eles so livres ou no? Quem, na verdade, se importaria se eles
esto vivos
ou no? A glria da raa humana a unicidade de cada indivduo, o
fato de que
cada pessoa, apesar de similar em muitos aspectos s outras,
possui uma
personalidade completamente distinta e prpria. o fato da
unicidade de cada
pessoa o fato de que duas pessoas no podem ser completamente
intercambiveis que torna cada e toda pessoa insubstituvel e faz
nos importar
se ela est viva ou morta, se ela est contente ou oprimida. E,
finalmente, o
fato de que essas personalidades nicas necessitam de liberdade
para seu pleno
desenvolvimento que constitui um dos principais argumentos em
favor de uma
sociedade livre.
-
Talvez exista um mundo no qual seres inteligentes so
completamente
desenvolvidos em algum tipo de jaulas externamente determinadas,
sem
necessidade de um aprendizado interno ou escolhas por parte dos
prprios
indivduos. Mas o ser humano est necessariamente numa situao
diferente.
Os seres humanos no nasceram ou foram concebidos com
conhecimento
plenamente formado, valores, metas ou personalidades; cada um
deles precisa
formar seus prprios valores e metas, desenvolver sua
personalidade e aprender
sobre si mesmo e sobre o mundo ao seu redor. Toda pessoa precisa
ser livre,
precisa de um espao para criar, testar e agir de acordo com suas
prprias
escolhas, para que qualquer tipo de desenvolvimento de sua
prpria
personalidade acontea. Ela precisa, em suma, ser livre para que
ela seja
completamente humana. Num certo sentido, at mesmo as civilizaes
mais
rgidas e totalitrias permitiram ao menos um pequeno espao para a
escolha e
desenvolvimento individual. At mesmo o mais monoltico dos
despotismos
teve que liberar ao menos um mnimo de espao para a liberdade de
escolha,
mesmo que em meio s frestas das regras da sociedade. Quanto mais
livre a
sociedade, claro, menor tem sido a interferncia para com a ao
individual, e
maior o espao para o desenvolvimento de cada indivduo. Quanto
mais livre a
sociedade, ento, maior ser a variedade e diversidade entre as
pessoas, pois
mais desenvolvida ser a personalidade nica de cada uma delas.
Por outro
lado, quanto mais desptica a sociedade, quanto mais restries
sobre a
liberdade do indivduo, mais uniformidade haver entre os homens e
menor a
diversidade, e menos desenvolvida ser a personalidade nica de
cada e toda
pessoa. Num sentido profundo, ento, uma sociedade desptica
previne seus
membros de serem completamente humanos [1].
Se a liberdade uma condio necessria para o pleno desenvolvimento
do
indivduo, ela de forma alguma a nica. A prpria sociedade deve
estar
suficientemente desenvolvida. Ningum, por exemplo, pode se
tornar um fsico
-
criativo numa ilha deserta ou numa sociedade primitiva. Isso
porque conforme a
economia cresce, a margem de escolha aberta ao produtor e ao
consumidor se
multiplica consideravelmente [2]. Alm do mais, apenas uma
sociedade com um
padro de vida consideravelmente acima do de subsistncia pode se
dar ao
luxo de dedicar boa parte de seus recursos para melhorar seu
conhecimento e
desenvolver uma mirade de bens e servios acima do nvel de
subsistncia
fsica. Mas existe outra razo explicando porque o pleno
desenvolvimento dos
poderes criativos de cada indivduo no pode ocorrer numa
sociedade primitiva
ou subdesenvolvida, e ela a necessidade de uma abrangente diviso
do
trabalho.
Ningum pode desenvolver completamente seus poderes em qualquer
direo
sem se engajar em especializao. O campons ou tribal
primitivo,
comprometido com um conjunto interminvel de tarefas diferentes
para se
sustentar, no poderia ter tempo ou recursos disponveis para
perseguir
qualquer interesse em particular ao mximo. Ele no teria condies
de se
especializar, desenvolver qualquer campo no qual ele fosse mais
habilidoso ou
que possusse mais interesse. H duzentos anos, Adam Smith mostrou
que a
crescente diviso do trabalho uma chave para qualquer economia
avanar
acima do nvel de subsistncia. Uma condio necessria para qualquer
tipo de
economia desenvolvida, a diviso do trabalho tambm um requisito
para o
desenvolvimento de qualquer tipo de sociedade civilizada. O
filsofo, o
cientista, o construtor, o mercador nenhum deles poderia
desenvolver essas
habilidades ou funes se ele no tivesse escopo para a
especializao. Alm do
mais, nenhum indivduo que no viva numa sociedade desfrutando de
uma
ampla diviso do trabalho poder empregar seus poderes ao mximo.
Ele no
pode concentrar seus poderes num campo ou disciplina e avana-la
bem como
suas capacidades mentais. Sem oportunidade para se especializar
no que ele faz
-
melhor, ningum pode desenvolver totalmente seus poderes; ningum
ento,
poderia ser completamente humano.
Ao passo que uma contnua e crescente diviso do trabalho
necessria para
uma sociedade e economia desenvolvida, a extenso de tal
desenvolvimento
em qualquer tempo dado limita o grau de especializao que
qualquer
economia pode ter. No h, ento, espao para um fsico ou engenheiro
da
computao numa ilha primitiva; essas habilidades seriam
prematuras dentro
do contexto daquela economia em particular. Como disse Adam
Smith, a
diviso do trabalho est limitada pelo tamanho do mercado. O
desenvolvimento econmico e social ento um processo
mutuamente
reforador: o desenvolvimento do mercado permite uma mais ampla
diviso do
trabalho, o que por sua vez permite um maior tamanho de mercado
[3].
Se o tamanho do mercado e a extenso da diviso do trabalho se
reforam
mutuamente, o mesmo vale para a diviso do trabalho e os
interesses e
habilidades individuais entre as pessoas. Assim como uma cada
vez maior
diviso do trabalho necessria para garantir apoio total s
habilidades e
poderes de cada indivduo, a existncia dessa prpria diviso
depende da
diversidade inata dos seres humanos. No haveria escopo algum
para a diviso
do trabalho se todas as pessoas fossem uniformes e
intercambiveis. (Uma
condio adicional para a emergncia da diviso do trabalho a
variedade dos
recursos naturais; reas em especfico no globo tambm no so
intercambiveis.) Alm disso, logo se tornou evidente na histria
da
humanidade que uma economia de mercado baseada na diviso do
trabalho
profundamente cooperativa, e que tal diviso multiplicou
enormemente a
produtividade e por conseqncia a riqueza de cada pessoa
participante da
sociedade. O economista Ludwig von Mises colocou o assunto de
uma maneira
muito clara:
-
Historicamente a diviso do trabalho se originou em dois fatos
da
natureza: a desigualdade das habilidades humanas e a variedade
das
condies externas da vida humana no planeta. Esses dois fatos
na
verdade constituem um s: a diversidade da Natureza, que no se
repete,
mas cria o universo sem exausto, com uma variedade
infinita...
Essas duas condies... acabam quase que por forar a diviso do
trabalho na humanidade. Velhos e jovens, homens e mulheres
cooperam
ao fazer uso apropriado de suas diversas habilidades. Aqui tambm
se
encontra o germe da diviso geogrfica do trabalho; o homem vai
caa
e a mulher at a fonte coletar gua. Caso a fora e as habilidades
de
todos os indivduos, bem como as condies externas de produo
fossem iguais em todos os locais, a idia de diviso do trabalho
nunca
teria surgido... Nenhuma vida social poderia ter surgido entre
pessoas de
capacidade igual num mundo geograficamente uniforme...
Uma vez que o trabalho foi dividido, a prpria diviso exerce
uma
influncia diferenciadora. O fato de o trabalho ser dividido
possibilita um
maior cultivo do talento individual e dessa forma a cooperao se
torna
cada vez mais produtiva. Atravs da cooperao as pessoas so
capazes
de atingir o que estaria alm do seu alcance como
indivduos...
A maior produtividade do trabalho sob a diviso uma influncia
unificadora. Ela leva as pessoas a considerarem umas as outras
como
camaradas num esforo conjunto pelo bem estar, ao invs de
competidores numa luta pela existncia [4].
-
A liberdade, ento, necessria para o desenvolvimento do indivduo,
e tal
desenvolvimento tambm depende da extenso da diviso do trabalho e
da
influncia do padro de vida. Uma economia desenvolvida deixa
espao e
encoraja uma cada vez maior especializao e florescimento dos
poderes do
indivduo do que uma economia primitiva, e quanto maior o grau de
tal
desenvolvimento, maior tal espao para cada indivduo.
Se a liberdade e o crescimento do mercado so importantes para
o
desenvolvimento de cada indivduo e, portanto, para o
florescimento da
diversidade e diferenas individuais, ento existe uma conexo
causal entre
liberdade e crescimento econmico. Isso porque precisamente a
liberdade, a
ausncia ou limitao de restries ou interferncias inter-pessoais,
que propicia
as condies para o crescimento econmico e consequentemente da
economia
de mercado e diviso desenvolvida do trabalho. A Revoluo
Industrial e o
derivado e conseqente desenvolvimento econmico do Ocidente foram
um
produto de sua relativa liberdade de ao, para a inveno,
inovao,
mobilidade e avano do trabalho. Comparado a sociedades em outros
tempos e
lugares, a Europa Ocidental e EUA dos sculos XVIII e XIX foram
marcados por
uma bem maior liberdade social e econmica, liberdade de
movimento,
investimento, trabalho e produo, protegida de boa parte da
perturbao e
interferncia do governo. Comparado ao papel do governo em outros
locais,
seu papel nesses sculos no Ocidente foi notavelmente mnimo
[5].
Ao permitir espao total para o investimento, mobilidade, diviso
do trabalho,
criatividade e empreendedorismo, a economia livre cria ento as
condies para
o desenvolvimento econmico rpido. Foram a liberdade e o livre
mercado,
como bem disse Adam Smith, que desenvolveram a riqueza das
naes.
Assim, a liberdade leva ao desenvolvimento econmico e ambas as
condies
por sua vez multiplicam o desenvolvimento econmico e o
desdobramento dos
-
poderes do indivduo. Em duas formas cruciais, ento, a liberdade
est nas
razes; apenas pessoas livres podem ser completamente
individuadas, e,
portanto, podem ser completamente humanas.
Se a liberdade leva a uma cada vez maior diviso do trabalho e ao
pleno
desenvolvimento individual, ela tambm leva a uma crescente
populao. Assim
como a diviso do trabalho est limitada pelo tamanho do mercado,
da mesma
forma a populao total est limitada pela produo total. Um dos
fatos
notveis sobre a Revoluo Industrial no foi apenas uma grande
elevao no
padro de vida de todos, mas tambm a viabilidade de tais amplos
padres de
vida para uma populao enormemente maior. A rea da Amrica do
Norte era
capaz de prover apenas cerca de um milho de ndios h quinhentos
anos, e
isso num nvel prximo ao de subsistncia. Mesmo se quisssemos
eliminar a
diviso do trabalho, ns no conseguiramos fazer isso sem
literalmente
eliminar a vasta maioria da atual populao mundial.
II
Conclumos que a liberdade e sua concomitante, a crescente diviso
do
trabalho, so vitais para o florescimento de cada indivduo, bem
como
literalmente para a sobrevivncia da grande maioria da populao
mundial. Isso
nos deve fazer preocupar, ento, com o fato de que durante os
dois ltimos
sculos poderosos movimentos sociais emergiram, os quais tm se
dedicado de
corao a apagar todas as diferenas humanas, toda a
individualidade.
Ficou evidente nos anos recentes, por exemplo, que o corao da
complexa
filosofia social do Marxismo no est, como parecia nos anos 30 e
40, nas
doutrinas econmicas Marxistas: na teoria do valor trabalho, na
tradicional
proposta em favor da propriedade estatal dos meios de produo, e
no
-
planejamento central da economia e da sociedade. As teorias
econmicas e
programas do Marxismo so, para usar um termo Marxista, meramente
a
elaborada superestrutura erguida sobre o ncleo interno da
aspirao
Marxista. Consequentemente, muitos Marxistas estiveram, nas
dcadas recentes,
dispostos a abandonar a teoria do valor trabalho e at mesmo o
planejamento
central, conforme a teoria econmica Marxista tem sido cada vez
mais
abandonada e a prtica do planejamento central se mostrou
infrutfera.
Similarmente, os Marxistas da New Left nos EUA e no mundo tem se
mostrado
dispostos a jogar fora a teoria econmica e a prtica socialista.
O que eles no
tem se mostrado dispostos a abandonar o corao filosfico do ideal
Marxista
no o socialismo ou o planejamento central, que tratado de
qualquer forma
como sendo apenas um estgio temporrio de desenvolvimento, mas
o
prprio comunismo. o ideal comunista, a meta final do Marxismo,
que excita o
Marxista contemporneo, que desperta suas paixes mais ardentes. O
Marxista
da New Left no v com bons olhos a Rssia Sovitica porque os
Soviticos
claramente relegaram o ideal comunista para o futuro mais remoto
possvel. O
partidrio da New Left admira Che Guevara, Fidel Castro, Mao
Tse-Tung no
apenas graas ao seu papel como revolucionrios e lderes de
guerrilha, mas
por causa de suas seguidas tentativas de saltar ao comunismo o
mais rpido
possvel [6].
Karl Marx foi vago e nebuloso ao descrever o ideal comunista,
sem falar no
caminho especfico para atingi-lo. Mas uma caracterstica
fundamental a
erradicao da diviso do trabalho. Contrrio crena vigente, o agora
popular
conceito de alienao tem pouco a ver com o produto do trabalho.
Um
trabalhador, por exemplo, trabalha numa siderrgica. Obviamente,
ele mesmo
ir consumir muito pouco ou nada do ao que ele produz; ele ganha
o valor do
produto sob a forma de uma mercadoria-dinheiro, e ento ele
alegremente usa
esse dinheiro para comprar qualquer coisa dos produtos dos
outros que ele
-
escolher. Dessa forma, A produz ao, B ovos, C sapatos, etc., e
cada um deles
troca seus produtos pelos produtos dos demais atravs do uso do
dinheiro.
Para Marx esse fenmeno do mercado e a diviso do trabalho um mal
radical,
pois isso significa que ningum consumia seu prprio produto. O
operrio se
torna assim alienado de seu ao, o sapateiro de seus sapatos,
etc.
A resposta apropriada para esse problema, me parece ser: E da?.
Porque
algum deveria se importar com esse tipo de alienao? Certamente
o
fazendeiro, o sapateiro, o operrio esto bem contentes em vender
seu produto
e troca-lo por quaisquer outros produtos que desejarem;
priva-los dessa
alienao os faro infelizes, bem como mortos de fome. Se o
fazendeiro no
pudesse produzir mais trigo ou ovos do que ele mesmo consume, ou
o
sapateiro mais sapatos do que ele mesmo pode calar, ou o operrio
mais ao
do que ele capaz de usar, fica claro que a grande maioria da
populao iria
rapidamente morrer de fome e o resto seria reduzido a uma
subsistncia
primitiva, com a vida imunda, bruta e curta [7]. Mas para Marx
essa condio
era o resultado perverso do individualismo e do capitalismo e
deveria ser
erradicado.
Alm disso, Marx era completamente ignorante do fato de que
cada
participante na diviso do trabalho coopera atravs da economia de
mercado,
fazendo trocas com os produtos dos demais e aumentando a
produtividade e o
padro de vida de todos. Para Marx, as diferenas entre as
pessoas, e por
conseqncia, qualquer especializao na diviso do trabalho, uma
contradio, e o ideal comunista substituir essa contradio pela
harmonia
geral. Isso significa que para o Marxista qualquer diferena
individual, qualquer
diversidade entre as pessoas, so contradies a serem eliminadas
e
substitudas pela uniformidade do formigueiro. Friedrich Engels
mantinha que a
emergncia da diviso do trabalho havia dizimado a suposta
harmonia sem
-
classes e uniformidade da sociedade primitiva, e sido responsvel
pela clivagem
da sociedade em classes distintas e conflitantes.
Consequentemente, para Marx
e Engels, a diviso do trabalho deve ser erradicada para abolir o
conflito de
classes e para nos conduzir ideal harmonia da sociedade sem
classes, a
sociedade da uniformidade total [8].
Assim, Marx prev seu ideal comunista apenas aps ter sido extinta
a
subordinao escravista dos indivduos sob a diviso do trabalho, e
junto com
ela a anttese entre o trabalho mental e fsico [9]. Para Marx a
sociedade
comunista ideal aquela na qual, como colocou o Professor Gray,
todos devem
fazer tudo. De acordo com Marx na Ideologia Alem,
Na sociedade comunista, onde ningum tem uma esfera exclusiva
de
atividade, mas onde todos podem se tornar hbeis em qualquer
campo
que desejarem, a sociedade regular a produo geral e dessa
forma
possibilitar que eu faa uma coisa hoje e outra amanh, caar
durante a
manh, pescar durante a tarde, criar gado ao anoitecer, resenhar
aps o
jantar, tudo isso a meu bel-prazer, sem nunca me transformar
num
caador, pescador, vaqueiro, ou crtico [10].
E o Marxista August Bebel, aplicou consistentemente essa noo
amadora ao
papel a mulher:
Num momento uma trabalhadora prtica em alguma indstria, no
momento seguinte uma educadora, professora, enfermeira; na
terceira
parte do dia ela exercita alguma arte ou cultiva alguma cincia;
e na
quarta parte ela cumpre alguma funo administrativa [11].
-
O conceito de comuna no pensamento socialista ganha uma
importncia central
precisamente como um meio de erradicar as diferenas individuais.
No
apenas o fato da comuna possuir os meios de produo de seus
membros.
Crucial para o ideal comunista que cada pessoa pratique todas as
funes,
sejam todas elas uma vez ou em rotao rpida. Obviamente a comuna
ter que
subsistir num nvel no acima do primitivo, com apenas algumas
poucas tarefas
comuns, para que esse ideal seja atingido. Consequentemente
temos a comuna
da New Left, onde toda pessoa deve se ocupar igualmente com cada
tarefa;
novamente, a especializao erradicada, e ningum pode desenvolver
seus
poderes ao mximo. Assim temos a admirao atual por Cuba, que
tentou
enfatizar incentivos morais ao invs de econmicos produo, e que
tentou
estabelecer comunas na Ilha da Juventude. Assim temos a admirao
por Mo,
que tentou estabelecer comunas rurais e urbanas uniformes, e
que
recentemente exilou permanentemente milhes de estudantes nas
reas de
fronteira agrcola, para eliminar a contradio entre trabalho
intelectual e
fsico [12]. De fato, no corao do rompimento entre a Rssia e a
China est o
abandono virtual por parte da Rssia do ideal comunista sob os
olhos da
devoo fundamentalista chinesa ao credo original. A compartilhada
pela
comuna tambm explica as semelhanas entre a New Left e os
socialistas
utpicos do sculo XIX [13], e os anarquistas comunistas, uma ala
do
anarquismo que sempre dividiu o ideal comunista com os Marxistas
[14].
O comunista negaria que sua sociedade ideal iria suprimir a
personalidade de
cada um. Pelo contrrio, liberto do confinamento da diviso do
trabalho, cada
pessoa iria desenvolver por completo todos seus poderes em todas
as direes.
Todos estariam completamente desenvolvidos em todas as esferas
da vida e
trabalho. Como disse Engels em seu Anti-Dhring, o comunismo
daria a cada
indivduo a oportunidade de se desenvolver e exercitar todas as
suas
habilidades, fsicas e mentais, em todas as direes... [15]. E
Lnin escreveu em
-
1920 sobre a abolio da diviso do trabalho entre as pessoas... a
educao,
ensino e treinamento de pessoas com um desenvolvimento verstil e
um
treinamento verstil, pessoas capazes de fazerem de tudo. O
comunismo est e
deve marchar em direo a essa meta, e ir atingi-la... [16].
O absurdo ideal de pessoas capazes de fazerem de tudo apenas
vivel se (a)
todos fizerem de tudo porcamente, ou (b) se houverem muitas
poucas coisas a
serem feitas, ou ainda (c) se todos miraculosamente se
transformarem em
super-homens. O Professor Mises aptamente notou que o homem
comunista
ideal amador, um homem que sabe um pouco de tudo e no faz nada
direito.
Como ele pode desenvolver qualquer um de seus poderes e
capacidades se ele
no pode desenvolver nenhum deles at um ponto sustentvel? Como
diz
Mises sobre a Utopia de Bebel,
A arte e a cincia so relegadas s horas de lazer. Dessa forma,
pensa
Bebel, a sociedade do futuro possuir e cientistas e artistas de
todos os
tipos em nmeros incontveis. Esses, de acordo com suas
diversas
inclinaes, iro desenvolver seus estudos e suas artes em seu
tempo
livre... Todo trabalho mental ele trata como mero amadorismo...
Mas, no
entanto, ns devemos nos perguntar se sob essas condies a
mente
seria mais capaz de criar aquela liberdade sem a qual ela no
pode
existir.
Obviamente todo trabalho artstico e cientfico que demandasse
tempo,
viagens, educao tcnica e muitos gastos com materiais estaria
fora de
questo [17].
Todo o tempo e energia das pessoas na Terra so necessariamente
limitados;
consequentemente, para desenvolver qualquer uma de suas
capacidades ao
-
mximo, ela deve se especializar e se concentrar em algumas ao
invs de outras.
Como Gray escreve:
Todos indivduos tendo a oportunidade de desenvolver todas as
suas
capacidades, fsicas e mentais, em todas as direes, um sonho que
ir
aclamar a viso apenas dos mais ingnuos, esquecidos das
restries
impostas pelos estreitos limites da vida humana. A vida uma srie
de
atos de escolha, e cada escolha ao mesmo tempo uma
renncia...
At mesmo o habitante do futuro mundo mgico de Engels tero
que
decidir mais cedo ou mais tarde se ele deseja ser um Arcebispo
de
Canterbury ou Primeiro Lorde Naval, se ele deseja se sobressair
como
violinista ou pugilista, se ele deve saber tudo sobre literatura
Chinesa ou
sobre as pginas escondidas na vida de um carapau [18].
claro, a nica forma de resolver esse dilema fantasiar que o Novo
Homem
Comunista ser um super-homem. O Marxista Karl Kautsky afirmou
que na
futura sociedade um novo tipo de homem surgir... um
super-homem... um
homem exaltado. Leon Trotsky profetizou que sob o comunismo
... as pessoas se tornaro incomparavelmente mais fortes, sbias,
belas.
Seu corpo ser mais harmnico, seus movimentos mais rtmicos, sua
voz
mais musical... O ser humano mdio subir ao nvel de um
Aristteles, um
Goethe, um Marx. Acima desses outros novos picos surgiro
[19].
Em anos recentes, os comunistas intensificaram seus esforos para
acabar com a
diviso do trabalho e reduzir todos os indivduos uniformidade. As
tentativas
de Fidel Castro de construir o Comunismo na Ilha da Juventude, e
a Revoluo
Cultural de Mo-Tse-Tung foram ecoadas em miniatura pela New
Left
-
americana atravs de numerosas tentativas de formar comunas
hippies e criar
coletivos organizacionais nos quais todos fazem tudo sem
benefcios ou
especializao [20]. Em contraste, a Iugoslvia tem sido a quieta
dissidente do
movimento comunista ao se mover rapidamente na direo oposta
em
direo a uma cada vez maior liberdade, individualidade, e operaes
de livre
mercado e se provou influente ao liderar os demais pases
comunistas da
Europa Oriental (notavelmente a Hungria e a Checoslovquia) na
mesma
direo [21].
III
Uma maneira de estimar o desenvolvimento harmnico de todos os
poderes
individuais na ausncia da especializao considerar o que
realmente
aconteceu durante as eras primitivas ou pr-industriais. E, de
fato, muitos
socialistas e outros oponentes da Revoluo Industrial exaltam os
perodos
primitivos e pr-industriais como uma idade de ouro de harmonia,
comunidade
e pertencimento social uma pacfica e alegre sociedade destruda
pelo
desenvolvimento do individualismo, pela Revoluo Industrial, e
pela economia
de mercado. Em sua exaltao do primitivo e do pr-industrial, os
socialistas j
haviam sido perfeitamente antecipados pelos reacionrios do
movimento
Romntico, aquelas pessoas que desejavam reverter a onda do
progresso,
individualismo e indstria e retornar suposta idade de ouro da
era pr-
industrial. A New Left, em particular, tambm enfatiza uma
condenao da
tecnologia e da diviso do trabalho, bem como um desejo de
retornar ao solo
e uma exaltao da comuna e da tribo. Como John W. Aldridge
atentamente
mostrou, a atual New Left virtualmente constitui uma tribo de
gerao que
exibe todas as caractersticas de um rebanho uniforme e
intercambivel, com
pouca ou nenhuma individualidade entre seus membros [22].
-
Semelhantemente, o reacionrio alemo do incio do sculo XIX, Adam
Muller,
denunciou a
... tendncia viciosa de dividir o trabalho em todos os campos
da
indstria privada... [A] diviso do trabalho em grandes cidades
ou
provncias industriais ou mineradoras divide o homem, o homem
completamente livre, em rodas, cilindros, degraus, hastes, etc.,
lhe fora
oportunidade de ao completamente unilateral no campo j
unilateral
de atender um nico desejo... [23]
Os principais conservadores franceses do incio do sculo XIX,
Bonald e de
Maistre, que idealizaram a ordem feudal, denunciaram a interrupo
da ordem
social pr-existente e da coeso social por parte do
individualismo [24]. O
reacionrio francs contemporneo, Jacques Ellul, em The
Technological Society,
um livro muito em favor da New Left, condena nossas fbricas
desumanizadas,
nossos sentidos insatisfeitos... nosso estranhamento com a
natureza. Na Idade
Mdia, em contraste, alega Ellul, As pessoas buscavam lugares
abertos... a
possibilidade de se mover... de no trombar consistentemente com
outras
pessoas [25]. No nterim, do lado socialista, a influente The
Great
Transformation do historiador econmico Karl Polanyi faz dessa
tese da
perturbao de uma harmonia social prvia pelo individualismo,
economia de
mercado e diviso do trabalho o tema central de seu livro.
Por sua parte, a adorao do primitivo uma extenso lgica da adorao
do
pr-industrial. Essa adorao por parte de modernos e sofisticados
intelectuais
tem origens no nobre selvagem de Rousseau e na glorificao dessa
criatura
por parte do movimento Romntico, chegando at a adorao dos
Panteras
Negras por parte de intelectuais brancos [26]. Qualquer outra
patologia que a
admirao do primitivo reflita, uma parte bsica dela um dio
enraizado da
-
diversidade individual. Obviamente, quanto mais primitiva e
menos civilizada a
sociedade, menos diversa e individualizada ela capaz de ser
[27]. Tambm,
parte desse primitivismo reflete um dio do intelecto e suas
criaes, uma vez
que o florescimento da razo e do processo de compreenso leva
diversidade
desigualdade de realizaes individuais.
Para que o indivduo avance e se desenvolva, a razo e o intelecto
devem ser
ativos, devem incorporar a mente individual trabalhando e
transformando os
materiais da realidade. Desde o tempo de Aristteles, a filosofia
clssica
mostrava o homem como apenas satisfazendo a si mesmo, sua
natureza e
personalidade atravs de ao propositada sobre o mundo. Foi
partindo de tal
ao racional e propositada que os trabalhos da civilizao se
desenvolveram.
Em contraste, o movimento Romntico sempre exaltou a passividade
da criana
que, necessariamente ignorante e imatura, apenas reage
passivamente ao seu
meio ao invs de agir tentando muda-lo. Essa tendncia de exaltar
a
passividade e a juventude, e denegrir o intelecto, teve sua
incorporao atual na
New Left, que admira tanto a juventude per se e a atitude
passiva da
espontaneidade ignorante e despropositada. A passividade da New
Left, seu
desejo de viver com simplicidade e em hamonia com a terra e os
supostos
ritmos da natureza, remete totalmente ao movimento Romntico de
Rousseau.
Assim como o movimento Romntico, ela uma rejeio consciente
da
civilizao e do ser diferenciado em favor do primitivo, do
ignorante e do
homem da tribo [28].
Se a razo, o propsito, e a ao devem menosprezadas, ento o que
lhes ir
substituir no panteo Romntico so sentimentos espontneos, no
analisados. E uma vez que o conjunto de sentimentos
relativamente menor
comparado s realizaes intelectuais, e em qualquer caso no podem
ser
-
conhecidos objetivamente por outra pessoa, a nfase nos
sentimentos apenas
outra maneira de eliminar a diversidade e a desigualdade entre
os indivduos.
Irving Babbitt, um crtico apurado do Romantismo, escreveu sobre
o movimento
Romntico:
O movimento como um todo permeado pelo enaltecimento da
ignorncia e daqueles que ainda desfrutam de suas
inapreciveis
vantagens o selvagem, o campons e acima de tudo a criana. O
seguidor de Rousseau pode ser de fato creditado com tendo
descoberto
a poesia da infncia... mas ao que pareceria as vezes um tanto
quanto
grande sacrifcio da racionalidade. Ao invs de consentir em lidar
com as
coisas atravs de anlise, as pessoas deveriam, como nos diz
Coleridge,
retroceder ao estado sincero do espanto infantil [*1].
Entretanto, crescer
eticamente no retroceder, mas sim lutar bravamente para
seguir
adiante, afirmar o contrrio proclamar a incapacidade de
amadurecer...
[O Romntico] est pronto para afirmar que o que chega
espontaneamente para a criana superior ao esforo moral
deliberado
do homem maduro. Os discursos de todos os filsofos so, de
acordo
com Maeterlinck, desbancados pela sabedoria inconsciente da
criana
momentnea [29].
Outra crtica atenta do Romantismo e do primitivismo foi escrita
por Ludwig von
Mises. Ele nota que toda a tribo dos romnticos condenou a
especializao e a
diviso do trabalho. Para eles o homem do passado que desenvolvia
seus
poderes harmonicamente o ideal: um ideal que infelizmente no
inspira
mais nossa idade degenerada. Eles recomendam o retrocesso na
diviso do
trabalho... com os socialistas ultrapassando seus colegas
Romnticos nesse
-
assunto [30]. Mas os primitivos ou pr-industriais esto
privilegiados para se
desenvolver livre e harmonicamente? Mises responde:
ftil procurar pelo homem harmonicamente desenvolvido no incio
da
evoluo econmica. O habitante da economia quase
auto-suficiente
como o conhecemos na figura do campons solitrio dos vales
remotos
no mostra nada do nobre desenvolvimento harmnico do corpo,
mente
e sentimentos que os romnticos lhe atribuem. A civilizao um
produto do tempo livre e da paz mental que s a diviso do
trabalho
possibilita. Nada mais falso do que supor que o primeiro
homem
apareceu na histria com uma individualidade independente e
que
apenas durante a evoluo [da sociedade]... ele perdeu... sua
independncia espiritual. Toda a histria, evidncias e observaes
da
vida dos povos primitivos diretamente contrria a essa viso. O
homem
primitivo no possui nenhuma individualidade em nosso sentido.
Dois
habitantes da Ilha do Sul se parecem muito mais um com o outro
do que
dois Londrinos do sculo XX. A personalidade no foi concedida
ao
homem desde o incio. Ela foi adquirida no decorrer da evoluo
da
sociedade [31].
Ou podemos notar a critica de Charles Silberman das rapsdias de
Jacques Ellul
nos ritmos tradicionais da vida e da natureza vivenciados pelo
homem pr-
industrial, comparado s fbricas desumanizadas... ao nosso
estranhamento
com a natureza. Silberman pergunta:
Mas com o que devemos contrastar esse mundo desumanizado? Com
a
vida bela, harmnica, digamos, da mulher camponesa chinesa ou
vietnamita, que trabalha em campos prximos natureza, durante
doze
horas ao dia basicamente as condies nas qual a vasta maioria
que
-
mulheres (e homens) trabalhou... durante a histria humana? Pois
essa
a condio que Ellul idealiza.
E, quanto ao canto de glria de Ellul sobre a mobilidade,
espaamento e
tranqilidade da Idade Mdia:
Isso teria sido uma notcia impressionante para o campons
medieval,
que vivia com sua mulher e filhos, outros parentes e
provavelmente
outros animais numa cabana de palha de apenas um cmodo. E
mesmo
para a nobreza, havia realmente mais possibilidades de se
locomover
na Idade Mdia, quando as viagens eram feitas a p ou em animais,
do
que hoje, quando na Europa operrios desfrutam de licenas de um
ano
do servio [32]?
O selvagem tomado no s como nobre, mas tambm supremamente
feliz.
Desde os seguidores de Rousseau at o que Erich Fromm chamou de
Paraso
infantil de Norman O. Brown e Herbert Marcuse, os Romnticos
enalteceram a
felicidade desfrutada pelos espontneos e infantis. Para
Aristteles e para os
filsofos clssicos, a felicidade era agir de acordo com a
natureza nica e
racional do ser humano. Para Marcuse, qualquer ao racional,
propositada,
por definio repressiva, a qual ele contrasta com o estado
liberto do
comportamento espontneo. Deixando de lado a destituio universal
que a
proposta abolio do trabalho traria, o resultado seria uma
infelicidade
profunda, pois como nenhum indivduo seria capaz de se
satisfazer, sua
individualidade iria desaparecer em grande parte, uma vez que
num mundo de
comportamento polimorfo todos seriam virtualmente
semelhantes.
Se considerarmos a suposta felicidade do homem primitivo,
devemos
considerar tambm que sua vida era, na famosa frase de Hobbes,
imunda,
-
bruta e curta. Havia pouca ajuda mdica contra doenas; no havia
nenhuma
contra a fome, pois num mundo sem mercados inter-regionais e
parcamente
acima da linha de subsistncia qualquer diminuio da oferta local
de comida
iria dizimar sua populao. Satisfazendo os sonhos dos Romnticos,
a tribo
primitiva uma criatura passiva do seu meio e no possui
capacidade de agir
para super-lo e transforma-lo. Assim, quando a oferta local de
comida numa
rea acabar, a despreocupada tribo morrer em massa.
Alm disso, devemos perceber que o primitivo enfrenta um mundo o
qual ele
no capaz de compreender, uma vez que ele no est envolvido
numa
pesquisa cientfica, racional. Ns sabemos o que uma tempestade
eltrica, e,
portanto, tomamos medidas racionais contra ela; mas o selvagem
no sabe, e,
portanto assume que o Deus do Trovo est zangado com ele e deve
ser
agradado com sacrifcios e oferendas. Uma vez que o selvagem
possui apenas
um conceito limitado de um mundo conectado por uma lei natural
(um
conceito que emprega razo e cincia), ele cr que o mundo
governado por
um grupo de espritos e demnios caprichosos, cada um deles
podendo ser
agradado apenas atravs de rituais e mgicas, e por pajs que se
especializam
em tal tarefa [33]. O renascimento da astrologia e credos
msticos similares na
New Left marca um retrocesso a tais formas primitivas de magia.
To
amedrontado o selvagem, to ligado ele a tabus irracionais e ao
costume de
sua tribo, que ele no consegue desenvolver sua
individualidade.
Se o costume tribal impedia e reprimia o desenvolvimento de cada
indivduo, da
mesma forma o faziam os vrios sistemas de casta e redes de
restrio e
coero nas sociedades pr-industriais que obrigavam todos a
seguirem os
passos hereditrios da profisso do pai. Toda criana sabia desde
ao nascer que
estava fadada a caminhar onde seus ancestrais tinham ido antes
dela, no
importando sua habilidade ou inclinao ao contrrio. A harmonia
social, o
-
sentimento de pertencimento, fornecido pelo mercantilismo, pelas
guildas ou
pelo sistema de castas, garantia tal contentamento que seus
membros
deixavam a agonia do sistema assim que tinham uma oportunidade.
Dada a
liberdade de escolher, os membros abandonam o seio da tribo para
virem para
as atomsticas, mais livres cidades procurando empregos e
oportunidades.
curioso, de fato, que esses Romnticos que procuram restaurar a
mtica idade
de ouro das castas e do status se negam a permitir a liberdade
de escolher
entre o mercado de um lado, e a comuna tribal ou de casta do
outro.
Invariavelmente, a nova idade de ouro tem que ser imposta atravs
da coero.
Por acaso , na realidade, uma coincidncia de que os nativos dos
pases
subdesenvolvidos, quando possuem uma chance, abandonam sua
cultura
folclrica em favor de modos Ocidentais, seu padro de vida e
Coca-
Cocalizao? H alguns anos, por exemplo, as pessoas do Japo se
deliciaram
em abandonar sua cultura tradicional de sculos, e se voltarem
para as
realizaes materiais e economia de mercado do Ocidente. Tribos
primitivas,
tambm, quando possuem uma chance, esto vidas por se
diferenciarem e
desenvolverem uma economia de mercado, romper com sua
harmonia
estagnante e substituir sua mgica por conhecimento da lei
descoberta. O
eminente antroplogo, Branislaw Malinowsi, mostrou que os
primitivos so
mgicos apenas para cobrir aquelas reas da natureza sobre as
quais eles so
ignorantes; naquelas reas aonde vieram a compreender o processo
natural em
andamento, a magia , bem sensivelmente, descartada [34].
Um exemplo particularmente interessante do desenvolvimento vido
de uma
economia de mercado dentre primitivos tribais o quase
desconhecido caso da
frica Ocidental [35]. E Bernard Siegel mostrou que quando uma
economia
primitiva se torna grande e tecnologicamente e socialmente
complexa, como os
Penajachel da Guatemala, uma economia de mercado
inevitavelmente
-
acompanha esse crescimento, repleto de especializao, competio,
compras
monetrias, oferta e demanda, preos e custos, etc.
H ento ampla evidencia de que mesmo os prprios tribais
primitivos no tm
um gosto por seu primitivismo e aproveitam a primeira
oportunidade para
escapar dele; o principal refgio do amor pelo primitivismo
parece estar entre
os decididamente no primitivistas intelectuais Romnticos.
Outra instituio primitiva que tem sido saudada por muitos
cientistas sociais
o sistema de famlia estendida, uma harmonia e status
supostamente
quebrado pela individualista famlia nuclear do Ocidente moderno.
Ainda sim
o sistema de famlia estendida tem sido responsvel por impedir o
indivduo
criativo e produtivo bem como reprimir o desenvolvimento
econmico. Assim, o
desenvolvimento da frica Ocidental tem sido impedido pelo
conceito de
famlia estendida no qual se uma pessoa prospera, ela tem a
obrigao de
dividir sua recompensa com um conjunto de parentes, minando
assim a
recompensa por sua produtividade e sua motivao para ser bem
sucedido,
enquanto encoraja os parentes a viver desocupados das doaes. E
os membros
produtivos da tribo no parecem muito contentes com esse lao
social
supostamente harmnico. O Professor Bauer mostra que
... muitos admitem em discusses privadas que temem essas
obrigaes
extensas... O medo das obrigaes do sistema familiar
parcialmente
responsvel pelo uso disseminado de txteis e bijuterias como
escoadouros para poupanas, em detrimento de formas mais
produtivas
de investimento que provavelmente atrairo a ateno de
parentes.
-
E muitos africanos no confiam em bancos, temendo que eles possam
revelar a
situao de suas contas para os membros de suas famlias. Eles,
ento, preferem
manter suas poupanas sob a lareira ou enterradas no solo
[37].
De fato, a comunidade primitiva, longe de ser feliz, harmnica e
idlica, muito
mais capaz de ser pautada pela suspeita mtua e inveja dos mais
bem
sucedidos ou bem favorecidos, uma inveja to penetrante que
danifica, atravs
do medo de sua presena, todo desenvolvimento econmico pessoal ou
geral.
O socilogo alemo Helmut Schoeck, em seu importante trabalho
recente sobre
a Inveja, cita numerosos estudos desse efeito danificador
penetrante. Assim o
antroplogo Clyde Kluckhohn encontrou entre os Navaho a ausncia
do
conceito de sucesso pessoal ou realizao pessoal; e tal
sucesso
automaticamente atribudo a explorao dos outros, e, portanto, os
ndios
Navaho mais prsperos se sentem sob constante presso social para
darem seu
dinheiro. Allan Holmberg descobriu que o ndio Siriono da Bolvia
come sozinho
noite porque se ele o fizer de dia, uma multido se aglomera ao
redor para
observar com uma inveja odiosa. O resultado entre os Siriono
que, em reao
a essa presso penetrante, ningum ir dividir comida
voluntariamente com
ningum. Sol Tax descobriu que a inveja e o medo da inveja numa
pequena
comunidade onde todos os vizinhos observam e todos so vizinhos
era
responsvel pela falta de progresso, uma demora na mudana em
direo a
uma economia produtiva entre os ndios da Guatemala. E quando uma
tribo de
ndios Pueblo mostrou indcios de especializao e diviso do
trabalho, a inveja
de seus companheiros os impeliu a tomar medidas para finalizar
esse processo,
incluindo a destruio fsica da propriedade daqueles que pareciam
estar em
condies melhores do que seus companheiros.
-
Oscar Lewis descobriu um medo extremamente penetrante da inveja
dos
demais numa vila indgena Mexicana, um medo produzindo uma
reticncia
intensa. Lewis escreveu:
O homem que fala pouco, no revela seus planos, e mantm
alguma
distancia dos outros tem uma chance menor de criar inimigos ou
de ser
criticado ou invejado. Geralmente no se discute planos de
comprar e
vender ou de fazer uma viagem [38].
O Professor Schoeck comenta:
... difcil imaginar o significado para o desenvolvimento
econmico e
tcnico de uma sociedade quando, quase que automaticamente e
como
uma questo de princpios, a dimenso futura banida do
relacionamento e conversa humana, quando ela nem pode ser
discutida.
Inveja ubqua, medo da prpria e daquelas que a sentem, isola
as
pessoas de qualquer tipo de ao comunal direcionada ao futuro...
Todo
o esforo, preparao e planejamento para o futuro s pode ser
conduzido por seres socialmente fragmentados, reticentes
[39].
Alm disso, nessa vila mexicana ningum avisar ou contar sobre
perigo
iminente ameaando a propriedade alheia; no h nenhum senso de
solidariedade humana qualquer.
Dentre os ndios de Aritama, na Colmbia, Reichel-Dolmatoffs
anunciou:
Todo indivduo vive sob medo constante da agresso mgica dos
demais,
e a atmosfera social geral na vila uma de suspeita mutua, de
perigo
latente, e hostilidade escondida, que permeia todos os aspectos
da vida.
-
A razo mais imediata para a agresso mgica a inveja. Qualquer
coisa
que possa ser interpretada como uma vantagem pessoal acima
dos
demais invejada: boa sade, ativos econmicos, boa aparncia
fsica,
popularidade, uma vida familiar harmoniosa, uma nova roupa.
Todos
esses e outros aspectos implicam prestgio, e com ele poder e
autoridade
sobre outras pessoas. A mgica agressiva , ento, planejada
para
prevenir ou destruir esse poder e agir como uma fora niveladora
[40].
Reichel-Dolmatoffs tambm notou que se um membro do grupo em
Aritama
trabalha mais rpido ou melhor do que seus companheiros, seu
campo de
trabalho mercado com uma cruz antes que ele chegue na manh
seguinte, e
seus colegas invejosos rezam para Deus fazer esse trabalhador
mais capaz mais
lento e cansado.
Finalmente, Watson e Samora descobriram que a principal razo
para a
incapacidade de um grupo de cidados pobres de lngua espanhola
numa
cidadezinha montanhosa no Colorado em se igualar comunidade
Anglo-
Saxnica mais rica, era a forte inveja do grupo hispnico para com
qualquer
companheiro que conseguisse prosperar. Qualquer um que
conseguisse subir
era considerado como um homem que se vendeu aos Anglos, que
subiu
sobre as costas de seu povo [41].
O antroplogo Eric Wolf acabou por cunhar o termo inveja
institucionalizada
para descrever tais instituies penetrantes, incluindo a prtica e
o medo da
magia negra nessas sociedades primitivas [42]. Schoeck nota:
Inveja institucionalizada... ou o medo ubquo dela, significa
qyue
h pouca possibilidade de avano econmico individual e nenhum
contato com o mundo exterior, o que poderia alimentar
-
esperanas de progresso para a comunidade. Ningum se atreve a
mostrar algo que possa levar as pessoas a pensar que ele est
em
melhor situao. Inovaes so raras. Mtodos agrcolas
permanecem tradicionais e primitivos, ao detrimento de toda
a
vila, porque qualquer desvio da prtica anterior se depara com
as
limitaes ditadas pela inveja [43].
E Schoeck aptamente conclui:
No h nada aqui que lembre a prxima comunho que supostamente
existe entre povos primitivos em tempos pr-afluentes quanto
mais
pobre, se diz, maior o senso de comunidade. A teoria sociolgica
teria
evitado muitos erros se esses fenmenos tivessem sido
apropriadamente
observados e avaliados h um sculo. O mito de uma idade de
ouro,
quando a harmonia social prevalecia porque cada homem tinha
to
pouco quanto o prximo, o caloroso e generoso esprito comunitrio
das
sociedades simples, tambm era em grande parte um mito, e os
cientistas sociais deveriam ter feito melhor do que estabelec-lo
como
um padro utpico usado para criticar suas prprias sociedades
[44].
Somando-se a isso, as crticas de Ludwig von Mises ao Romantismo
no
parecem ter sido exageradas:
O Romantismo a revolta do homem contra a razo, bem como contra
a
condio sob a qual a natureza o obrigou a viver. O romntico
um
sonhador; ele facilmente imagina uma forma de ignorar as leis da
lgica
e da natureza. O homem pensador e racional agente tenta se
livrar do
desconforto dos desejos insatisfeitos atravs da ao econmica e
do
trabalho; ele produz para melhorar sua posio. O romntico...
imagina
-
os prazeres do sucesso mas no faz nada para atingi-lo, no faz
nada
para remover os obstculos; ele meramente os remove na
imaginao...
Ele odeia trabalhar, a economia e a razo.
O romntico toma todas as ddivas de uma civilizao social como
dadas
e deseja, alm disso, tudo de bom e belo que, como ele acredita,
tempos
e criaturas distantes tem ou poderiam oferecer. Cercado pelos
confortos
da cidade europia ele sonha em ser um raj indiano, um beduno,
um
corsrio, ou um trovador. Mas ele enxerga apenas a parte da vida
dessas
pessoas que lhe agrada... A natureza perigosa de sua existncia,
a
pobreza relativa de suas circunstncias, suas misrias e trabalho
essas
coisas sua imaginao tacitamente relega: tudo transfigurado
num
brilho favorvel. Comparado com esse ideal imaginado, a
realidade
parece rida e superficial. Esses so obstculos a serem superados
que
no existem no sonho... Aqui h trabalho a se fazer,
incessantemente,
arduamente... Aqui necessrio arar e plantar se se deseja colher.
O
romntico escolhe no admitir tudo isso. Obstinado como uma
criana,
ele se nega a reconhecer isso. Ele zomba e caoa; ele despreza e
odeia o
burgus [45].
A atitude Romntica, ou primitivista, tambm foi brilhantemente
criticada pelo
filsofo espanhol, Ortega y Gasset:
... possvel ter pessoas que so perenemente primitivas... aqueles
que
permaneceram no crepsculo esttico, congelado, que nunca avana
em
direo ao meio dia. Isso o que acontece no mundo que mera
Natureza. Mais isso no acontece no nosso mundo civilizado. A
civilizao no apenas est aqui, ela no auto-sustentvel.
artificial...
Se voc quer fazer uso das vantagens da civilizao, mas no est
-
preparado para se preocupar com seu sustento, voc est perdido.
Num
instante voc se v sem ela... A floresta primitiva aparece em seu
estado
nativo... A selva sempre primitiva e, vice versa, tudo primitivo
mera
selva [46].
Ortega adiciona que o tipo de pessoa que ele v chegando ao
poder, o
moderno homem das massas, acredita que a civilizao na qual ele
nasceu e
da qual se utiliza, to espontnea e auto-sustentvel quanto a
Natureza...
Mas o homem das massas, o homem do rebanho, tambm caracterizado
por
seu desejo de reprimir aqueles indivduos que diferem da massa: A
massa... no
deseja viver junto com aqueles que no so parte dela. Ela possui
um dio
mortal de tudo aquilo que no ela mesma [47].
IV
A Esquerda, claro, no introduz suas demandas em termos de acabar
com a
diversidade; o que ela deseja atingir soa semanticamente muito
mais agradvel:
igualdade. em nome da igualdade que a Esquerda vai em busca de
todo tipo
de medida, desde impostos progressivos at o estgio final do
comunismo.
Mas o que, filosoficamente, igualdade? O termo no deve ser
deixado sem
uma anlise e aceito ao valor de face. Vamos considerar trs
entidades: A, B e C.
A, B e C so postulados como iguais (ou seja, A=B=C) caso uma
caracterstica
na qual as trs entidades so uniformes ou idnticas seja
encontrada. Em suma,
temos aqui trs indivduos: A, B e C. Cada um deles pode ser
similar em alguns
aspectos mas diferente em outros. Se cada um deles possui
precisamente 5 ps
e 10 polegadas de altura, ento eles so iguais em altura. Isso
significa para
nossa discusso do conceito de igualdade que A, B e C s podem
ser
completamente iguais se so idnticos um uniformes em todas as
-
caractersticas em suma, se todos eles forem, como nozes ou
flechas,
completamente intercambiveis. Ns vemos, ento, que o ideal de
igualdade
humana s pode implicar uniformidade total e a absoluta eliminao
da
individualidade.
J passou da hora, ento, para aqueles que celebram a liberdade,
a
individualidade, a diviso do trabalho, e a prosperidade e
sobrevivncia
econmica, de parar de conceder a suposta nobreza ao ideal da
igualdade.
Freqentemente vemos conservadores abraando o ideal de igualdade
apenas
criticando sua impraticabilidade. Filosoficamente, no pode haver
divrcio
entre a teoria e a prtica. Medidas igualitrias no funcionam
porque elas
violam a natureza bsica do ser humano, ou o que significa para
um indivduo
ser completamente humano. O clamor por igualdade uma sirene que
pode
apenas significar a destruio daquilo que celebramos como ser
humano.
irnico que o termo igualdade traga sua conotao favorvel de um
uso
passado que era radicalmente diferente. O conceito de igualdade
atingiu
popularidade disseminada durante os movimentos liberais clssicos
do sculo
XVIII, quando ele no significava uniformidade de status ou
renda, mas sim
liberdade para todo e cada ser humano, sem exceo. Resumindo,
igualdade
naqueles dias significava o conceito individualista e libertador
de plena
liberdade para todos. Assim, o bioqumico Roger Williams
corretamente mostra
que a frase livres e iguais na Declarao de Independncia foi uma
parfrase
infeliz de uma melhor afirmao contida na Carta de Direitos de
Virgnia...
todos os homens so por natureza igualmente livres e
independentes. Em
outras palavras, as pessoas podem ser igualmente livres sem
serem uniformes
[48].
-
Esse credo libertrio foi formulado com coerncia particular por
Herbert
Spencer em sua Law of Equal Liberty, como sugeria o ncleo
fundamental de
sua filosofia social:
... a felicidade do homem s pode ser obtida atravs do exerccio
de suas
capacidades... Mas o cumprimento desse dever necessariamente
pressupe liberdade de ao. O homem no pode exercer suas
capacidades sem certo espao. Ele deve possuir liberdade para ir
e vir,
ver, sentir, falar, trabalhar; se alimentar, vestir, abrigar e
garantir para ele
e para todos as necessidades de sua natureza... Para exercitar
suas
capacidades ele deve ter liberdade para fazer tudo aquilo que
suas
capacidades acabam por impeli-lo a fazer... Logo, ele possui um
direito
quela liberdade. Isso, no entanto, no o direito de um, mas de
todos.
Todos so dotados com capacidades. Todos devem...
[exercita-las].
Todos, portanto, devem ser livres para fazer aquelas coisas que
consistem
no exerccio daquelas (das capacidades N.T.). Isto , todos devem
ter
direito a liberdade de ao. E consequentemente aparece
necessariamente uma limitao. Se todos os homens possuem direitos
a
tal liberdade que necessria para o exerccio de suas
capacidades,
ento a liberdade de cada deve ser restrita pela liberdade
similar de
todos... Chegamos assim na proposio geral, que todas as
pessoas
podem