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Mundo Afora - Educação Básica No Mundo

Mar 08, 2016

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Edilson Aguiais

A Coleção Mundo Afora é publicada pelo Ministério das Relações Exteriores com o intuito de fomentar o debate no Brasil sobre questões de relevo para o desenvolvimento nacional, a partir da experiência de outros países. Edições anteriores trataram de políticas de incentivo à inovação, de internacionalização de universidades, da inclusão social de afrodescendentes, da promoção da igualdade de gênero, da criação de espaços verdes em áreas urbanas, entre outros temas.
Esta edição é dedicada à educação básica e ensino médio e tem o objetivo de estimular o intercâmbio de ideias no Brasil a respeito de tema tão estratégico para o desenvolvimento nacional. Busca descrever e, sobretudo, analisar experiências bem-sucedidas de outros países, tanto em instâncias públicas quanto privadas.
A cada capítulo são examinadas soluções encontradas por instituições privadas e governos estrangeiros para os desafios impostos pela constante necessidade de aperfeiçoamento das premissas e condições que regem as diversas políticas, programas e ações relativos à educação básica e ao ensino médio.
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  • mundo afora

  • Braslia, 2014

    Educao Bsica e Ensino Mdio

    mundo afora#11

  • 4Prefcio A Coleo Mundo Afora publicada pelo Ministrio das Relaes Exteriores com o intuito de fomentar o debate no Brasil sobre questes de relevo para o desenvolvimento nacional, a partir da experincia de outros pases. Edies anteriores trataram de polticas de incentivo inovao, de internacio-nalizao de universidades, da incluso social de afrodescendentes, da promoo da igualdade de gnero, da criao de espaos verdes em reas urbanas, entre outros temas.

    Esta edio dedicada educao bsica e ensino mdio e tem o objetivo de estimular o intercmbio de ideias no Brasil a respeito de tema to estratgico para o desenvolvimento nacional. Busca descrever e, sobretudo, analisar experincias bem-sucedi-das de outros pases, tanto em instncias pblicas quanto privadas.

    A cada captulo so examinadas solues encontra-das por instituies privadas e governos estrangeiros para os desafios impostos pela constante necessida-de de aperfeioamento das premissas e condies que regem as diversas polticas, programas e aes relativos educao bsica e ao ensino mdio.

    O artigo acerca do ensino finlands, por exemplo, destaca as peculiaridades curriculares, alm do pro-cesso de formao de professores que tm garantido ao pas ocupar, nas ltimas avaliaes, os primei-ros lugares no ranking do Programa Internacional de Avaliao de Alunos (PISA), desenvolvido pela

  • 5Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico (OCDE). O texto dedicado analise do sis-tema educacional japons, por seu turno, apresenta as caractersticas do programa de merenda escolar implementado no pas, que tem garantido sade aos alunos, diminuio de desperdcio de comida em alguns distritos, alm de excelente aceitao das refeies pelas crianas.

    J o captulo sobre o sistema adotado no estado da Georgia, nos Estados Unidos, apresenta deta-lhadamente o programa STEM (acrnimo que, em ingls, designa Cincia, Tecnologia, Engenharia e Matemtica), que parte do diagnstico de que, no sculo XXI, a onipresena das novas tecnolo-gias recomenda que todos os jovens devero ter, necessariamente, uma formao slida naquelas disciplinas, de modo a estarem aptos a competir no mercado de trabalho global. Esse programa constitui uma mudana de paradigma no ensino, no depende de recursos pblicos de monta para sua realizao e poderia ser adaptado realidade brasileira, a partir do estabelecimento de um ncleo de empresas parceiras.

  • 6ndicePrefcioPG. 4

    FRICA DO SUL Educao bsica na frica do Sul ps-1994: redemocratizao quantitativa e qualitativaPG. 12

    ALEMANHA A educao bsica e o ensino mdio na Alemanha PG. 22

    ARGENTINA Educao bsica na Argentina: histria, estrutura e desafiosPG. 34

    AUSTRLIA Educao bsica e ensino mdio na Austrlia: aposta para a manuteno do crescimento econmicoPG. 44

    USTRIA A organizao da educao bsica e do ensino mdio na ustriaPG. 70

    BANGLADESH Educao primria e secundria em Bangladesh: conquistas e desafiosPG. 78

    CANAD | Montreal Educao bsica e ensino mdio no Canad: as peculiaridades do sistema educacional da provncia do QuebecPG. 96

    CANAD | Ottawa O ensino bsico e mdio no Canad: tendncias e desafiosPG. 110

  • 7CANAD | Toronto O sistema educacional na provncia de Ontrio, CanadPG. 118

    CHILE A educao bsica e o ensino mdio no Chile: a experincia do estado subsidirioPG. 124

    CHINA Tradio e inovao: perspectivas sobre a educao bsica e o ensino mdio na ChinaPG. 140

    CINGAPURA Educao em Cingapura: sucessos e desafiosPG. 156

    COLMBIA O sistema de ensino colombianoPG. 168

    COREIA DO SUL Educao na Coreia do Sul: um modelo em transioPG. 190

    ESTADOS UNIDOS | Atlanta O programa STEM Georgia: despertando vocaes e preparando profissionais do futuroPG. 218

    ESTADOS UNIDOS | Chicago Charter schools: a atual poltica educacional aplicada na cidade de ChicagoPG. 232

    ESTADOS UNIDOS | Nova York Escolas charter: poltica ou despoltica pblica? O caso da cidade de Nova YorkPG. 241

  • 8ESTADOS UNIDOS | So Francisco Califrnia: consideraes sobre o sistema de ensino fundamentalPG. 254

    ESTADOS UNIDOS | Washington A educao bsica nos EUA: complexidades e desafiosPG. 267

    FILIPINAS Coraes e mentes: a apropriao educacional nas FilipinasPG. 276

    FINLNDIA O sistema de ensino finlands: os pilares de uma sociedade baseada no conhecimentoPG. 290

    FRANA A escola da Repblica: reflexos de uma sociedade em mutaoPG. 310

    HOLANDA A educao bsica neerlandesa entre igualdade e liberdade: evoluo e horizontes das tenses constitutivas de um sistema ps-pilarizado e multiculturalPG. 322

    NDIA Educao bsica e ensino mdio na ndiaPG. 336

    IRLANDA Estrutura da educao bsica na IrlandaPG. 350

    ITLIA Educao bsica e ensino mdio na ItliaPG. 356

  • 9JAPO Comendo e aprendendoPG. 374

    MALSIA Educao bsica na Malsia: progressos e desafiosPG. 384

    MXICO Educao bsica e ensino mdio no Mxico: projetos exitosos PG. 396

    NORUEGA Educao bsica e ensino mdio na NoruegaPG. 412

    NOVA ZELNDIA Uma breve comparao entre mtodos antpodas de ensino: Brasil e Nova ZelndiaPG. 434

    RSSIA Educao na Federao da RssiaPG. 444

    SUA Principais caractersticas do sistema de educao bsica (ensinos fundamental, mdio e tcnico) na SuaPG. 456

    VIETN O ensino fundamental e mdio no Vietn: conquistas e desafiosPG. 480

  • Educao bsica na frica do Sul ps-1994: redemocratizao quantitativa e qualitativa

    frica do Sul

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    FRICA DO SUL

    Educao bsica na frica do Sul ps-1994: redemocratizao quantitativa e qualitativaPedro Luiz Carneiro de Mendona

    INTRODUO

    Com a redemocratizao do pas em 1994, a frica do Sul iniciou importante processo de transfor-mao de sua poltica pblica de educao, regida durante a vigncia do apartheid por legislao explicitamente discriminatria da maioria negra sul-africana. Fato marcante nesse sentido foi a criao de um Ministrio de Educao nico, em nvel nacional, em substituio aos anteriores 19 ministrios divididos por critrios raciais, tnicos e regionais. Iniciava-se, assim, o esforo de criao de acesso igualitrio ao ensino para todo cidado sul-africano. Tratava-se de esforo complexo, em que se buscou, simultaneamente, oferecer a todos os estudantes possibilidades de acesso a um mes-mo sistema educacional, que deveria representar as particularidades tnicas e lingusticas do pas. Um processo de universalizao do acesso a uma educao pluralista.

    A Constituio aprovada em 1996 e sua Carta dos Direitos Humanos determinam que:

    - todos tm direito educao bsica, sendo obri-gao do Estado buscar, progressivamente, utili-zando meios razoveis, tornar acessvel educao complementar a todos;

    - todos tm direito a receber educao na lngua de sua escolha (dentre as 11 oficiais no pas) onde tal hiptese seja praticvel;

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    - no poder ser negado a nenhum indivduo o direito de desfrutar de sua cultura, praticar sua religio e usar sua lngua ou de formar organizaes com esse objetivo.

    Como em todas as demais reas da vida do pas, bus-cava-se delinear diretrizes para pautar o surgimento de um Estado democrtico aps longos anos de ditadu-ra racial institucionalizada. As esperanas equivaliam s dimenses dos desafios a serem enfrentados.

    A ESTRUTURA ATUAL (2013)

    Em 2009, aps a eleio do Presidente Jacob Zuma, com vistas a melhor tratar questes especficas de cada rea, o Ministrio da Educao foi dividido em dois: o da Educao Bsica (DBE), responsvel pela educao primria e secundria, e o da Educao Superior e Treinamento (DHET), responsvel pela educao superior e o treinamento profissionalizante.

    As escolas pblicas so financiadas pelo governo, mas so autorizadas, em certos casos, a comple-mentar o oramento com a cobrana de taxas, en-quanto as escolas particulares (tambm denomina-das independentes) so financiadas privadamente, podendo receber incentivo governamental em casos especficos (por exemplo, o ensino especial). Em 2010, o sistema de educao bsica sul-africano era composto por universo de 12.644.208 alunos, 439.394 professores e 30.586 escolas.

    Desde a criao, o DBE chefiado pela Ministra Angie Motshekga. Em 2010, teve o oramento de aproximadamente 6.200 milhes de rands (equiva-lentes a aproximadamente 600 milhes de dlares norte-americanos) e contava com 730 funcion-rios, respondendo pelas escolas pblicas e privadas, centros de desenvolvimento da primeira infncia e escolas para crianas com necessidades especiais. Cada uma das nove provncias conta com secretarias de educao responsveis pela implementao das polticas nacionais e por lidar com questes locais.

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    A educao bsica dividida em duas faixas: a Educao Geral e Treinamento (GED), vai do nvel 0 ao 9; e a Educao Complementar e Treinamento (FET), que compreende os nveis 10 a 12 e os cen-tros de treinamento vocacional no superior. Aps a concluso do 12 ano (equivalente, no Brasil, con-cluso do ensino mdio), os alunos prestam exame administrado pelo governo, os Senior Certificate Examinations, geralmente denominados the mat-ric exams. A qualificao obtida nesses exames o National Senior Certificate. Aqueles estudantes que preenchem determinados requisitos recebem o Matriculation Endorsement em seus certificados, que o requisito mnimo para a admisso em qual-quer universidade sul-africana.

    A SITUAO ATUAL (2013)

    Apesar das expectativas positivas com que foi estru-turado, no sentido da democratizao de acesso ao ensino, o sistema de educao bsica sul-africano enfrenta srias crticas de educadores e alunos. Sem dvida, o acesso s instituies de ensino foi democratizado, mas a qualidade do ensino oferecido e o nvel de capacidade de leitura e compreenso de textos de alunos, bem como de raciocnio matem-tico, que chegam ao ensino superior considerado, em mdia, preocupante.

    Em janeiro de 2013, a Ministra da Educao Bsica Angie Motshekga comemorou a taxa de aprovao de 73,9% dos alunos que realizaram o matric. A turma de 2012, a primeira integralmente nascida aps a redemocratizao do pas, teve mdia de aprovao 3,7% maior que os alunos que conclu-ram o ensino secundrio em 2011 e 13,3% mais alta que em 2009. Essa performance seria, segundo a ministra, demonstrao inequvoca do sucesso das polticas de sua pasta, como a capacitao de professores e a melhoria dos recursos fsicos das escolas. O anncio do resultado dos exames em Johanesburgo foi recebido com euforia. Contudo, im-portantes educadores relativizaram os motivos para

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    comemorao. O melhor desempenho dos alunos no matric estaria mais relacionado diminuio dos parmetros de avaliao que efetiva melhoria da educao oferecida. Os critrios mnimos para aprovao so, atualmente, 50% em quatro matrias, 30% na lngua de aprendizado e 33,3% nas outras trs disciplinas. Esses critrios possibilitam que alunos cheguem ao ensino superior sem condies de acompanhar os cursos, o que tem motivado, em alguns casos, taxas de abandono de at 40% do total de novos matriculados.

    Prova disso seriam as dificuldades que as instituies de nvel superior encontram para oferecer a nmeros crescentes de novos alunos cursos de recuperao em reas do ensino bsico em que deficincias no ensino recebido inviabilizam o acompanhamento dos cursos acadmicos.

    O debate em torno dos critrios de aprovao no ma-tric insere-se em crticas mais generalizadas ges-to do ensino pblico na frica do Sul. Em novembro de 2013, a Progressive Principals Association-PPA (Associao dos Diretores de Escola Progressistas) entrou com ao junto Corte Suprema da Provncia do Cabo Ocidental contra o Ministrio da Educao Bsica pelo no cumprimento adequado de suas fun-es, embora tenha reservado 18,5% do oramento anual, em 2012, para a educao.

    A ao da PPA diz que, em particular estudantes negros, alunos de escolas das townships e de reas rurais no so funcionalmente alfabetizados e, por-tanto, incapazes de continuar os estudos para alm do ensino secundrio (como evidenciado pelas altas taxas de abandono de cursos universitrios) e no so capazes de assumir empregos que demandem grau funcional de alfabetizao de seus empregados. Segundo o PPA, o governo falhou em sua obrigao de oferecer educao adequada nas escolas pblicas; fornecer material didtico de qualidade, principal-mente livros, capacitar professores; tomar medidas para controlar o absentesmo docente, responsabili-zar profissionais envolvidos no ensino pela qualidade

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    de seu trabalho; oferecer oportunidades amplas de educao precoce e assegurar que os alunos apren-dam em sua lngua materna. A busca por solues apresenta quadro complexo: a professora Brenda Modisaotsile, pesquisadora do Instituto Africano da frica do Sul, aponta que a taxa de acesso educao bsica excelente, com cerca de 98% das crianas matriculadas nas escolas primrias dado que apontado pelo governo como indicativo do sucesso de sua poltica de universalizao do acesso ao ensino. J nos nveis 3 e 6, levantamentos feitos em 2011 demonstraram que, em mdia, apenas 35% dos alu-nos tinham nvel de leitura funcional (com nmeros variando entre 12% na provncia de Mpumalanga a 43% no Cabo Ocidental).

    A autora aponta que a melhoria desse quadro impli-ca a interveno no apenas dos governos federal e provincial, mas tambm de professores, famlias (muitas vezes desprovidas de educao formal que as habilite a participar da educao dos filhos), comuni-dades e os School Governing Bodies (SGBs), criados pelo Ato das Escolas Sul-Africanas de 1996 com o objetivo de engajar a comunidade na definio das diretrizes das escolas localmente, alm de monitorar os resultados obtidos. O funcionamento dos SBGs ressente-se, contudo, da falta de comprometimento dos atores envolvidos, muitas vezes em virtude da dificuldade de entendimento dos objetivos desejados para um projeto pedaggico bem-sucedido. Acresce complexidade desse quadro, a necessidade de colocar em prtica o elevado princpio de respeito diversi-dade cultural. Meier e Hartell, em interessante artigo intitulado Handling cultural diversity in education in South Africa (2009), consideram que as diferentes estratgias utilizadas pelas escolas para lidar com o influxo de alunos com diferentes referenciais raciais, culturais e tnicos, demonstraram-se ineficazes em promover o ideal de integrao social. Vrias das estratgias analisadas (enfoques assimilador, colour blind approach, contribucionismo) pouco avanam na busca da integrao porque evitam o dilogo sobre a realidade concreta da diversidade e do relacionamento entre diferentes grupos.

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    De maneira geral, continuam a ser adotados progra-mas que ignoram, na prtica, a diferena pela expec-tativa de sua assimilao a programa preexistente, muitas vezes com a justificativa de que lidam com alunos, no com cores. Outras vezes a diversidade reconhecida apenas superficialmente, com a criao de dias festivos dedicados a cada etnia, quase como nas antigas aulas de folclore da escola brasileira. Apenas uma profunda reforma curricular, apta a possibilitar o dilogo entre as diferenas inclusive com o reconhecimento das muitas formas de racismo no explicitadas por diretores de escolas, professo-res, funcionrios, alunos e familiares possibilitar, segundo os autores, o rduo processo de construo de uma sociedade unida e plural.

    CONCLUSO

    Hoje ponto pacfico, e no apenas na frica do Sul, que uma educao bsica de qualidade pilar fundamental para o desenvolvimento humano de um pas, bem como para o exerccio da cidadania e o funcionamento de sistemas polticos e econmicos socialmente responsivos. O debate contemporneo sobre educao na frica do Sul remete ao que foi travado quando da definio das aes afirmativas do governo democrtico para a reparao das injus-tias historicamente cometidas contra a maioria no branca da populao do pas. Ao estabelecimento de um princpio de equidade formal, deveriam ser acrescidas medidas para superar as disparidades socioeconmicas fomentadas durante a vigncia legal da discriminao apartesta.

    Concordes quanto aos objetivos, duas correntes enfren-taram-se ento quanto aos meios. A primeira enfatizava a necessidade de investimento em meios de habilitar as populaes at ento desprivilegiadas, por meio de educao e treinamento tcnico de qualidade para todos, de modo a disponibilizar ferramentas de superao das deficincias e participao em condies de igualdade nos cenrios poltico e econmico. Essa teria sido, segundo o Instituto de Relaes Raciais Sul-Africano,

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    a interpretao adotada pelos legisladores ao tratar da equidade na elaborao da Constituio de 1996.

    A segunda vertente, adotada pelos governos demo-crticos desde ento, priorizou o sistema de cotas para a ocupao de cargos tanto na iniciativa privada quanto no governo, de modo a favorecer em licita-es pblicas, por exemplo os empregadores que observassem propores equivalentes composio racial sul-africana, em poltica conhecida como Black Economic Empowerment (BEE). Apesar das crticas a que foi submetida (por, dentre outras, onerar as folhas de pagamento com pessoal incapacitado para o desempenho das tarefas requeridas e intensificar favorecimentos de cunho poltico), a poltica do BEE possibilitou o surgimento de expressiva elite econ-mica negra, objetivo primeiro de sua implantao.

    No obstante, a insatisfao com o estado da edu-cao bsica no pas parece sugerir que, para alm dos resultados de curto alcance obtidos pela BEE, caber ao governo garantir que o sonho democrtico de assegurar a todo cidado sul-africano acesso educao pblica de qualidade torne-se realidade, como requisito incontornvel para o exerccio da cidadania e o desenvolvimento sustentvel.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BOOYSE, JJ; LE ROUX, CS; SEROTO, J; WOLHUTER, CC. A History of schooling in South Africa: method and context. Pretria: Van Schaik Publishers, 2011.

    JEFFERY, Anthea. Chasing the Rainbow: South Africas move from Mandela to Zuma. Johannesburg: South African Institute of Race Relations, 2010.

    JANSEN, Jonathan. We need to act. Johannesburg: Bookstorm Ltd & Pan Macmillan South Africa Ltd., 2013.

    ____. Declare crisis in education, 2012. Disponvel em: http://www.moneyweb.co.za/moneyweb-south-africa/declare-crisis-in-education-jonathan-jansen.

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    ____. Employers dismayed by graduates lack of basic skills, 2012. Disponvel em: http://mg.co.za/article/2012-01-19-graduates-lack-of-skills-affect-workplace-says-jansen.

    JANSEN, Jonathan; TAYLOR, Nick. Educational Change in South Africa, 1994-2003. Country Studies, Education Reform and Management Publication Series, vol. II, n 1, 2003.

    JONES, Michelle. Schools take minister to court, 2013. Disponvel em: http://www.iol.co.za/news/crime-courts/schools-take-minister-to-court-1.1609062#.Up36ZCd5dh8.

    GERNETZKY, K; MAGUBANE, K; BLAINE, S. Motshekga hails 73.9% matric pass rate success, 2013. Disponvel em: http://www.bdlive.co.za/national/education/2013/01/03/motshekga-hails-73.9-matric-pass-rate-success.

    GLASS, Todd. Unlocking South Africas economic potential, 2013. Disponvel em: World Economic Forum, http://forumblog.org/2013/05/unlocking-south-africas-economic-potential/.

    MACUPE, Bongekile. Matric pass rate celebrations premature, 2013. Disponvel em: http://www.iol.co.za/news/south-africa/matric-pass-rate-celebrations-premature-1.1448143#.Up37Byd5dh8.

    MEIER, C; HARTELL, C. Handling cultural diversity in education in South Africa. In: SA-EDUC Journal, vol. 6, n 2, pp. 180-192. Special edition on Education and Ethnicity, 2009.

    MODISAOTSILE, Brenda. The failing standard of basic education in South Africa. In: Policy Brief. Africa Institute of South Africa, briefing n 72, 2012.

    STIOS ELETRNICOS

    Department of Basic Education: http://www.education.gov.za/

    Pedro Luiz Carneiro de Mendona Embaixador do Brasil em Pretria.

  • A educao bsica e o ensino mdio na Alemanha

    Alemanha

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    ALEMANHA

    A educao bsica e o ensino mdio na AlemanhaMaria Luiza Ribeiro Viotti

    A Alemanha uma repblica federativa. A organiza-o do ensino bsico (isto , primrio e secundrio), observadas linhas gerais, competncia dos estados. O sistema reconhecidamente complexo e conside-rado pouco flexvel, o que frequentemente ocasiona intenso debate sobre a necessidade de reforma.

    O ensino bsico no pas est dividido em escola primria (Primrstufe ou Grundschule) e escola secundria ou ensino mdio (Sekundarschule ou Sekundarstufe). A educao secundria, por sua vez, pode ocorrer em quatro tipos de escolas: Hauptschule, Realschule, Gymnasium e Gesamtschule.

    EDUCAO PR-ESCOLAR E PRIMRIA

    Para crianas menores de trs anos, existem creches (Kinderkrippe), cada vez mais requisitadas. Segundo estatsticas de 2012, cerca de 27% das crianas me-nores de trs anos frequentam creches, geralmente enquanto os pais trabalham. A educao pr-escolar propriamente dita, embora no obrigatria, asse-gurada a todas as crianas a partir dos trs anos de idade (para permanncia at os seis anos). H pr--escolas pblicas e privadas. No so gratuitas, mas os governos municipais geralmente tm polticas de subveno, em especial para famlias de baixa renda. Algumas dessas instituies so mantidas por enti-dades religiosas e empresas privadas, em benefcio de seus funcionrios. A procura costuma ser elevada, e o tema da falta de vagas nos jardins de infncia constante nos debates polticos. A alfabetizao das crianas comea geralmente aos cinco anos, ou seja, no ltimo ano da pr-escola. Antes disso, as atividades pedaggicas, em geral, tm carter

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    ldico, para desenvolvimento de habilidades motoras e sensoriais, bem como para a socializao.

    O acesso das crianas de famlias imigrantes educa-o pr-escolar considerado um fator crtico para a integrao na sociedade alem. Isso vlido especial-mente para as famlias de origem turca, tendo-se em conta que muitas dessas famlias preferem cuidar das crianas at o incio da idade escolar, aos seis anos.

    A escola primria (Grundschule ou Primrstufe) obrigatria para crianas a partir dos seis anos de idade e tem durao de quatro anos. Em alguns estados, porm, dura seis anos. Como muitos pais trabalham o dia inteiro, algumas escolas primrias adaptaram suas estruturas e passaram a oferecer horrio integral de aulas (manh e tarde).

    Ao completar a escola primria (desconsideradas variaes regionais), os alunos so encaminhados s diferentes escolas secundrias, com base em seu desempenho nos quatro (ou seis) anos anteriores. A classificao feita pelos professores, na maior parte dos casos com a participao dos pais. Os melhores alunos recebem indicao para frequen-tarem o Gymnasium. Os alunos com notas medianas so indicados para a Realschule, e os alunos com desempenho considerado baixo so encaminhados para a Hauptschule. Esse sistema criticado j que, na prtica, define se uma criana, aos nove anos de idade, estar apta ou no a cursar uma faculdade, quando chegar idade para tanto. Alguns crticos afirmam que os filhos de pais com diplomas uni-versitrios tendem a exercer maior presso sobre os professores para que os seus filhos recebam indicao para os cursos secundrios de acesso s universidades, o que contribuiria para a desigualdade educacional e, consequentemente, social.

    As caractersticas de cada uma dessas escolas so listadas a seguir. Cabe esclarecer, a propsito, para melhor entendimento do texto, que o plural de Schule [escola] Schulen. J o plural de Gymnasium Gymnasien.

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    HAUPTSCHULE

    Para estudantes a partir dos dez anos de idade. Os alunos podem entrar na Hauptschule depois dos quatro anos de escola primria. Ela equivale aos perodos, no Brasil, entre a 5 e a 9 sries. Ao ter-minarem essa etapa, portanto, os alunos tm, geral-mente, entre 15 e 16 anos de idade. A Hauptschule tem uma durao menor de somente cinco anos em comparao com os seis anos da Realschule e os nove do Gymnasium, tratados mais adiante junta-mente com a Gesamtschule, que um caso parte.

    As Hauptschulen oferecem uma educao secun-dria mais generalista. As matrias ministradas so geralmente as mesmas dos outros tipos de escolas secundrias, mas o contedo programtico menor e mais elementar. Esto presentes nos seguintes estados: Bayern, Baden-Wrttemberg, Hessen, Niedersachsen e Nordrhein-Westfalen. As Hauptschulen so mais comuns nas cidades pequenas e comunidades agrcolas.

    O currculo compe-se das seguintes matrias: Matemtica, Fsica, Qumica, Biologia, Geografia, Histria, Religio (ou tica), Msica, Artes, Poltica (Cincias Sociais), Esportes e Lngua Estrangeira. Os alunos aprendem o idioma ingls a partir do primeiro ano e recebem tambm educao sobre o mercado de trabalho, o que lhes ajuda a escolher uma carreira de nvel mdio.

    Os alunos formados em uma Hauptschule esto aptos a trabalhar no servio pblico de nvel bsico ou a seguir curso em instituio profissionalizante (especialmente a chamada educao dual, tratada mais adiante). As profisses almejadas pelos alunos que saem de uma Hauptschule requerem, portanto, mais habilidades prticas do que formao terica. O aluno que tenha boas notas nos cinco anos do curso e que deseje, por exemplo, seguir curso universitrio, dever frequentar alguns anos adicionais em uma Realschule. Mas essa possibilidade remota, por conta da pouca flexibilidade do sistema educacional.

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    Muitas Hauptschulen so estigmatizadas como es-colas problemticas. Os professores geralmente se queixam da tarefa de nivelar nessas escolas alunos de origens diversificadas, especialmente os de famlias de imigrantes, com pouco domnio do idioma alemo. Como se pode prever, os estudantes que possuem somente um certificado de concluso da Hauptschule muitas vezes se encontram em desvantagem se comparados aos egressos das Realschulen e dos Gymnasien. Mesmo os cursos profissionalizantes que deveriam, em teoria, ser destinados especificamente aos alunos das Hauptschulen podem demonstrar preferncia por alunos oriundos das outras escolas.

    Por esses motivos, alguns governos estaduais tm-se mostrado pouco dispostos a criar novas Hauptschulen, o que estimula o debate sobre a reforma do sistema educacional. Alguns outros estados tomaram, j nos anos 1990, a deciso de abolir por completo o sistema das Hauptschulen, preferindo criar um sistema integrado, que as une s Realschulen. Essa nova modalidade tem nomes diferentes, dependendo da regio - Oberschule, Integrierte Sekundarschule, Regionalschule ou Stadtteilschule. Essas novas esco-las possibilitam aos alunos estudar juntos por mais tempo e acabam com a classificao antes ocorrida aos nove anos de idade.

    REALSCHULE

    A Realschule segue o mesmo padro da Hauptschule, mas se distingue por ter durao maior (seis anos) e por oferecer ao aluno os recursos necessrios para que siga etapas mais avanadas em escolas profis-sionalizantes. Os alunos ingressam na Realschule normalmente com dez ou 11 anos de idade, e iro receber o diploma entre os 16 e 17 anos. Em alguns casos (raros, de novo, por conta da rigidez do sis-tema), os alunos com notas excelentes tm a pos-sibilidade de serem transferidos de uma Realschule para um Gymnasium. O caminho contrrio tam-bm teoricamente possvel: alunos que estejam cursando o Gymnasium podem ser encaminhados a

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    uma Realschule, se suas notas carem. Dessa ma-neira, segundo os crticos, a competitividade tpica do mundo adulto transmitida aos jovens, com os resultados negativos esperados. Essa rigidez do sistema apontada como uma das causas da evaso escolar, j que muitos alunos no conseguem obter o desempenho que se exige deles.

    A Realschule considerada uma educao intermedi-ria. Alm das disciplinas comuns, que tm contedos mais aprofundados do que na Hauptschule, os alunos recebem aulas de uma segunda lngua estrangeira e de Informtica. A Realschule propriamente dita vai at o dcimo grau. Aps sua concluso, o aluno deve realizar um teste para receber um certificado chamado Mittlere Reife, que lhe permitir entrar em instituies de ensino profissionalizante superior, as chamadas Fachoberschulen (so exemplos: negcios, sade, design, nutrio e economia).

    GYMNASIUM

    O Gymnasium propicia aos jovens educao mais aprofundada e tempo maior de estudos, de cerca de nove anos. Uma das diferenas do Gymnasium para os outros dois modelos apresentados est no aprendizado das lnguas estrangeiras. O Gymnasium prepara os estudantes para uma prova de concluso do ensino mdio, chamada Abitur, prerrequisito para a admisso no ensino superior. Essa prova feita somente uma vez (ou seja, sua pontuao vlida para toda a vida) e aceita para todas as universidades. Em outras palavras, as universidades no dispem de um vestibular prprio. Os estudantes devem esforar--se para obter o maior nmero possvel de pontos no Abitur para ingressarem nos cursos universitrios mais concorridos.

    Geralmente, no Abitur, os alunos egressos do Gymnasium fazem provas orais e escritas em trs ou quatro disciplinas que eles prprios escolhem. Desse modo, se um aluno, por exemplo, tem mais afinidade com Biologia, ele provavelmente ir esco-

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    lher um curso superior nessa rea (e talvez outras duas ou trs). Nos cursos universitrios em que a demanda por vagas maior que a oferta, a pontuao no Abitur usada como critrio de desempate. Na maioria dos estados alemes, apenas os alunos com as melhores notas entram em instituies desse tipo. Mas h casos como o da cidade-estado de Berlim, em que 30% das vagas so sorteadas, independen-temente do desempenho do aluno.

    Em 2005, em vrios Gymnasien na Alemanha foi in-troduzido o chamado sistema G8, ou seja, a reduo do tempo total de nove para oito anos de estudo. Com o G8 procurou-se modernizar o sistema de ensino, possibilitando que os alunos ingressassem nas uni-versidades mais cedo. Em comparao com outros pases, os alunos alemes ingressam relativamente tarde em cursos universitrios, com uma mdia de 20 anos. Uma crtica frequente, porm, que o contedo programtico no foi adaptado, mas comprimido, em prejuzo dos alunos, que passaram a ser mais demandados. Em alguns Gymnasien a carga horria chega a 35 horas por semana. As crticas ao G8 tm sido to grandes que de 107 Gymnasien ouvidos em pesquisa feita pela revista Der Spiegel, 39 resolveram retornar ao antigo currculo de nove anos.

    GESAMTSCHULE [ESCOLA UNIFICADA]

    Nesta modalidade, os alunos no so classificados aos nove anos, mas aos 15 anos de idade, quando decidem se querem parar de estudar ou seguir curso superior. Nesse sistema, existe a possibilidade de se fazer exame para o certificado de concluso Mittlere Reife, que permite o ingresso em instituies superio-res de ensino profissionalizante. Caso o aluno deseje continuar com os estudos propriamente acadmicos, ele pode estudar mais dois ou trs anos, e ao cabo desse perodo realizar o Abitur.

    Nas Gesamtschulen, o currculo em geral mais amplo, havendo mais disciplinas prticas, como Design & Tecnologia e aprendizagem profissional.

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    Os alunos so avaliados de outras formas, alm das provas. Alguns crticos desse modelo alegam que, por conta da grande heterogeneidade dessas esco-las, o nvel de ensino mais baixo, na comparao com os Gymnasien. Para outros, a Gesamtschule um desafio pedaggico, que exige abordagem diferenciada do contedo programtico, para que todos possam ter rendimentos aceitveis, levando--se em conta os vrios nveis socioeconmicos e culturais dos alunos.

    Como se pode supor, a complexidade e a baixa fle-xibilidade desse modelo de ensino bsico patente mesmo aos alemes, que muitas vezes criticam tambm a baixa qualidade geral do ensino. O tema da reforma do sistema frequente no debate poltico. Por trs vezes consecutivas (2000, 2003 e 2006), o sistema educacional alemo obteve notas baixas no Programa Internacional de Avaliao de Alunos (PISA), patrocinado pela OCDE. Mesmo represen-tantes do governo alemo dizem que a melhora observada nos resultados do PISA em 2009 deveu--se em grande parte maior exigncia de domnio do idioma alemo aos novos migrantes ou seja, a melhor avaliao no refletiria mudana no sistema de ensino per se.

    EDUCAO PROFISSIONAL, EDUCAO DUAL

    Na comparao com a educao bsica (competncia dos Estados), a educao profissionalizante oferecida na Alemanha (competncia do governo federal) reconhecidamente uma histria de sucesso.

    A educao profissional tem na Alemanha longa tradio de excelncia. O conceito atual deriva ul-timamente da prtica das guildas medievais, que selecionavam e acolhiam jovens aprendizes. A con-formao presente do chamado sistema de formao dual (isto , na escola e na empresa) est baseada em leis e instituies que entraram em vigor nos ltimos 40 anos.

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    Institucionalmente, o rgo que regula as prti-cas do ensino profissional o Bundesinstitut fr Berufsbildung (BiBB, Instituto Federal de Educao Profissional), subordinado ao Ministrio da Educao (BMBF). O BiBB, em cooperao com a iniciativa privada, coordena a oferta de cursos e determina os currculos a cumprir.

    Por formao profissional dual (duale Ausbildung) entende-se aquela aprendida na teoria (escola) e na prtica (empresa). Essa formao profissio-nal no substitui ou complementa a escolaridade formal. A educao dual tem lugar nas chamadas Berufschulen. H na Alemanha atualmente 1.627 escolas desse tipo.

    A educao profissional na Alemanha tem lugar basicamente na sequncia do nvel mdio. Como dito anteriormente, a maioria dos alunos com formao de nvel mdio no continua no ensino superior. Alm das razes apontadas, recorde-se que os jovens alemes j esto habilitados a exercer profisso capaz de lhes garantir bons salrios e estabilidade com a formao profissional que recebem logo em seguida ao nvel mdio. Os custos para a educao superior (mesmo quando a universidade gratuita) e a quase impossibilidade de desenvolverem ativi-dade profissional durante os quatro ou cinco anos de estudos universitrios desestimulam tambm essa alternativa. De fato, e sobretudo em pocas de eco-nomia aquecida, os jovens alemes tm demonstrado crescente preferncia pela formao profissional, em detrimento da acadmica. Em 2011, por exemplo, 570 mil estudantes matricularam-se nas escolas profissionalizantes, contra 520 mil novos universi-trios. Atualmente h cerca de 1,6 milho de jovens matriculados em escolas de formao profissional, contra 2,2 milhes de universitrios.

    O incremento do nmero de estudantes no sistema dual s pode ocorrer quando a oferta de vagas au-menta, por iniciativa dos Estados federados (Lnder) mas que depende de autorizao do BiBB, que procura regular a oferta de vagas com as demandas

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    da indstria. Segundo dados mais recentes, para cada 100 jovens interessados existem apenas 92 vagas. O BiBB reconhece que os jovens de origem no alem (em especial turcos) tm maiores dificuldades para conseguir vagas. A demanda grande porque a formao profissional aumenta consideravelmente a chance de emprego para o jovem cerca de 60% dos formados conseguem emprego aps o fim do curso. O BiBB oferece atualmente 344 cursos pro-fissionalizantes no sistema dual, cobrindo todos os setores produtivos e de servios.

    Conseguir uma vaga numa escola de formao pro-fissional, portanto, , na prtica, como conseguir um emprego. No h limite de idade para candidatar--se a uma vaga, mas a grande maioria dos alunos tem entre 15 e 20 anos. O jovem interessado deve em primeiro lugar verificar junto a uma entidade patronal onde h vagas de seu interesse, ou, mais comumente, tentar contato direto com uma empresa. Se essa empresa o selecionar, procede-se assi-natura de um contrato que estipula obrigaes das duas partes e fixa o pagamento devido. Esse contrato ter normalmente a durao do curso, dois ou trs anos. Um aprendiz/estagirio (ou Azubi, como se diz informalmente em alemo) recebe em mdia 700 euros por ms, mas o valor, alm de aumentar a cada ano estudado, varia muito em funo da cidade e da atividade escolhida. Os salrios mais baixos so pagos, por exemplo, aos aprendizes das profisses de cabeleireiro e pintor de paredes (269 euros por ms, no leste da Alemanha). Um Azubi mecni-co na Volkswagen ganha por volta de 1.000 euros por ms. A esse pagamento somam-se obrigaes previdencirias, s vezes um adicional natalino e mesmo gorjetas, a depender da atividade. Uma vez formados e efetivados, esses jovens podem receber salrios trs ou quatro vezes mais altos do que os recebidos durante o curso.

    O sistema certamente no perfeito. A concorrncia pelas melhores vagas tem favorecido estudantes com nvel mais elevado de educao (j com Abitur), em detrimento dos menos preparados. Muitas vezes,

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    ainda, demanda e oferta no se encontram. Em 2011, as empresas alems no conseguiram contratar 30 mil aprendizes de que tinham necessidade. Isso se explica tendo em conta disparidades demogrficas regionais mas deve-se ter em mente tambm que a escolha, pelo jovem, de um curso profissionalizante depende de fatores subjetivos que muitas vezes vo contra a realidade do mercado de trabalho embo-ra o BiBB recomende sesses prvias de aconse-lhamento profissional (Berufsberatung) junto aos escritrios locais da Agncia Federal de Trabalho (Bundesagentur fr Arbeit) ou semelhantes.

    Os alunos tm aulas na escola normalmente apenas um ou dois dias por semana (geralmente 12 horas--aulas por semana), os outros dias so dedicados prtica nas empresas. Outro arranjo possvel concentrar as aulas na escola em algumas semanas do ano (Blockunterricht), sendo o restante da carga horria exercido na prtica.

    Nas escolas profissionais, o currculo obviamente variado, de acordo com cada atividade, mas so disciplinas bsicas e comuns a todos os estudan-tes: Comunicao Oral e Escrita, Poltica (Estudos Sociais), Educao Fsica e tica. Para os cursos com pouca matria terica, comum que se juntem numa mesma turma alunos de vrias especializaes para essas aulas. Os alunos fazem normalmente duas provas, no meio e ao fim do curso. Para muitas profisses, as provas constam tambm de uma parte prtica. A empresa que oferece o estgio est obriga-da a preparar seus aprendizes para essas provas, e cabe-lhe desaconselhar o aluno de prest-la, se achar que ele ainda no dispe da habilidade necessria.

    O sistema de educao dual oferece vantagens para aprendizes e seus empregadores. As empresas ale-ms tm sido historicamente comprometidas com a educao profissional, da qual colhem benefcios como a oferta constante de mo de obra qualificada. comum que jovens contratados ainda como apren-dizes trabalhem por dcadas na mesma empresa. Cerca de 500 mil empresas na Alemanha (cerca de

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    30% do total) oferecem regularmente vagas para estudantes das Berufschulen. Prova da vitalidade do sistema dual alemo o relativamente baixo desemprego entre os jovens menores de 25 anos: 7,9%, contra a mdia de 22,7% na Unio Europeia (atualmente em 52% na Espanha).

    Maria Luiza Ribeiro Viotti Embaixadora do Brasil em Berlim.

  • Educao bsica na Argentina: histria, estrutura e desafios

    Argentina

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    mundo aforaARGENTINA

    Educao bsica na Argentina: histria, estrutura e desafiosEverton Vieira Vargas Fernando Perdigo

    HISTRIA E ESTRUTURA

    A educao argentina foi considerada, pela mais recente publicao sobre desenvolvimento humano das Naes Unidas (maro de 2013)1, uma das mais avanadas e bem-organizadas da Amrica Latina, superada apenas por Cuba na regio.

    Responsabilidade dos governos nacional, provincial e da cidade autnoma de Buenos Aires, a educa-o bsica na Argentina oferecida gratuitamente em escolas pblicas e mediante remunerao em instituies privadas de ensino, muitas delas sub-sidiadas pelo Estado com o objetivo de manter seu custo baixo e, ao mesmo tempo, aumentar a remunerao dos docentes.

    Vista como instrumento de promoo da igualdade e motivo de orgulho para os argentinos, a educao costuma ter destaque nos debates polticos e elei-torais do pas, que foi um dos primeiros da Amrica Latina a tratar o tema de forma prioritria.

    O primeiro passo importante para o desenho do sis-tema educacional argentino como conhecido hoje foi a Lei 1.420, de 1884 Lei de Educao Comum que estabeleceu o carter obrigatrio, estatal, laico e graduado da educao. Outro marco fundamental na evoluo do sistema foi o governo do Presidente Domingo Faustino Sarmiento (1868-1874), que priori-zou a educao como instrumento de desenvolvimen-to nacional e individual, inaugurou grande nmero de escolas e bibliotecas pblicas e criou facilidades

    1 http://hdrstats.undp.

    org/es/cuadros/

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    para atrair imigrantes vindos da Europa. Aps o termo de sua presidncia, Sarmiento continuou a influen-ciar de forma determinante o sistema educacional argentino e ocupou importantes cargos pblicos na rea. Lanadas essas duas pedras fundamentais, o sistema educacional argentino evoluiu em qualidade e abrangncia, ainda que tenha sido negativamente afetado por interrupes totalitrias e perodos de dificuldade econmica.

    Na estrutura vigente, a educao bsica se divide em trs nveis: inicial (45 dias a cinco anos de idade), primrio (seis a 12 anos de idade) e secundrio (13 a 17 anos). A educao obrigatria para todos, desde os cinco anos de idade (ltimo ano do nvel inicial) at a concluso do nvel secundrio.

    A educao secundria se divide em dois ciclos: o bsico, de carter comum a todas as orientaes; e o orientado, de carter diversificado, segundo distintas reas do conhecimento, do mbito social e do trabalho. As reas do Ciclo Orientado so: Arte, Comunicao, Cincias Naturais, Economia e Administrao, Educao Fsica, Lnguas, Cincias Sociais e Turismo.

    No mbito da educao bsica (inicial, primria e secundria) existem modalidades especficas, com o objetivo de atender necessidades e situaes deter-minadas. So elas: i) tcnico-profissional; ii) artstica; iii) especial; iv) permanente de jovens e adultos; v) rural; vi) intercultural bilngue; vii) no contexto da privao da liberdade; e viii) domiciliar e hospitalar. Segundo dados do governo argentino, do PNUD e do Banco Mundial2, a taxa de alfabetizao na Argentina de aproximadamente 98%. Segundo informaes oficiais3, 99% das crianas entre seis e 11 anos esto matriculadas no nvel primrio e 89% dos jovens entre 12 e 17 anos esto matriculados na escola, sendo 82,2% no nvel secundrio.

    Atualmente, o principal desafio do sistema educa-cional argentino a manuteno de seus nveis de qualidade e abrangncia, independentemente de

    2 http://datos.bancomundial.

    org/indicador/SE.ADT.

    LITR.ZS; http://www.

    censo2010.indec.gov.ar/

    resultadosdefinitivos_

    totalpais.asp

    3 http://www.me.gov.ar/

    doc_pdf/PlanNacionalde.pdf

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    mundo aforaARGENTINA

    eventuais dificuldades econmicas. A percepo des-se desafio e sua relao com a identidade argentina se tornam evidentes nas palavras utilizadas pelo Ministro da Educao da Nao, Professor Alberto E. Sileoni, no prlogo do Plano Nacional de Educao Obrigatria e Formao Docente 2012-2016:

    Nunca sern menos nuestros sueos futuros; ya nunca nos plan-tearemos una educacin con menos recursos y menos calidad que la al-canzada hasta hoy. Siempre en este campo y en todos los que hacen a los derechos de nuestro pueblo, ire-mos por ms, con amor, abrazados a la bandera de la patria.

    O SISTEMA ATUAL

    O sistema educacional argentino regulamenta-do, principalmente, pelas Leis 26.206, de 2006 (Lei de Educao Nacional); 26.075, de 2005 (Lei de Financiamento Educativo); 26.058, de 2005 (Lei de Educao Tcnico-Profissional); e 25.864, de 2003 (Lei dos 180 Dias de Aula). Seguindo a tradio na-cional, essas normas colocam o Estado em posio central na promoo do direito de ensinar e aprender, e destacam o papel da educao como instrumento do desenvolvimento nacional e de justia social.

    O sistema federativo e a responsabilidade dos en-tes subnacionais (provncias e cidade autnoma de Buenos Aires) no sistema educacional argentino impem a necessidade de coordenao da admi-nistrao pblica em vrios nveis. Essa coordena-o se d, principalmente, por meio do Conselho Federal de Educao4, rgo composto pelo Ministro da Educao, que o preside, pelas mximas autori-dades em educao dos entes federativos e por trs representantes do Conselho de Universidades.

    4 http://portal.educacion.

    gov.ar/consejo/

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    mundo aforaARGENTINA

    O Plano Nacional de Educao Obrigatria e Formao Docente 2012-20165, elaborado pelo Ministrio da Educao e aprovado pelo Conselho Federal de Educao, estabelece diretrizes e medidas, bem como prioridades e responsabilidades de cada ente federativo, com o intuito de atingir, de forma concer-tada, os objetivos e determinaes dos dispositivos legais que regulam o sistema educacional.

    Em que pese a obrigatoriedade do ensino iniciar aos cinco anos de idade, desde 2009 o Estado argentino vem envidando esforos no sentido de universalizar o acesso sala de quatro anos (equivalente ao jardim de infncia no Brasil). Segundo dados oficiais, em 2010, 70% das crianas com quatro anos estavam matriculadas na escola e a matrcula na sala de cinco anos chegou a 91,1%6.

    Uma das preocupaes atuais no sistema educati-vo da Argentina a manuteno das crianas nas escolas. As dificuldades econmicas que afetam a populao em geral nos pases em desenvolvimento tm, na maior parte das vezes, reflexos negativos na trajetria escolar e na permanncia das crian-as no sistema de ensino at a finalizao do nvel secundrio. Atentas a essa realidade, as autorida-des argentinas tm priorizado programas de apoio especial a crianas em situao de vulnerabilidade.

    A repetncia e as trajetrias irregulares so dois dos principais desafios para que seja completado o perodo de ensino obrigatrio. Considerando-se que o fracasso no aprendizado da leitura e da escrita um dos fatores que afetam negativamente a regula-ridade na trajetria escolar. Tendo-se verificado que as escolas rurais demonstraram maior dificuldade em enfrentar a questo, foram criadas propostas espec-ficas de capacitao nessas instituies, destinadas a fortalecer o ensino no perodo de alfabetizao.

    Implantou-se, ainda, em escolas rurais, o sistema de plurigrado, no qual estudantes de diferentes idades so agrupados na mesma seo escolar, como meio de garantir espaos para todas as crian-

    5 http://www.me.gov.ar/

    doc_pdf/PlanNacionalde.pdf

    6 http://www.me.gov.ar/

    doc_pdf/PlanNacionalde.pdf

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    as, bem como para diminuir trajetrias irregulares. Ambas as iniciativas fazem parte do Projeto para Melhoria do Ensino Rural (PROMER), parcialmente financiado pelo Banco Mundial7. A essas iniciativas se somam as atividades regulares, tanto no meio urbano quanto no rural, de produo de materiais educativos especficos para crianas com trajetrias irregulares e de alfabetizao de crianas que no tenham conseguido atingir os requisitos mnimos de alfabetizao na idade programada.

    Para fortalecer a trajetria escolar das crianas em situao de vulnerabilidade foram criados os Centros de Atividades Infantis (CAIs). Nos CAIs, as crianas tm oportunidade de participar de atividades culturais, artsticas, cientficas, esportivas e outras, fora do hor-rio escolar ordinrio. As crianas contam, ainda, com apoio e acompanhamento de suas atividades escolares.

    A essas iniciativas principais somam-se diversos programas que tm como foco as artes, o fortale-cimento da identidade nacional e a integrao das famlias e da comunidade na vida escolar.

    Alm das atividades voltadas para os estudantes, verifica-se no planejamento da educao bsica na Argentina nfase no melhoramento e na capaci-tao do corpo docente. Nesse sentido, h planos especificamente implementados para a formao e o aprimoramento contnuo de professores, super-visores e diretores.

    No nvel secundrio, a educao tcnica tem sido um dos focos da ateno do governo nacional. Entre 2003 e 2010, registrou-se aumento de mais de 90% no nmero de matrculas no ensino secundrio tcnico (de 324.437 para 628.248). Nesse perodo foram criadas nada menos que 274 novas escolas tcnicas na Argentina.

    Especial ateno tambm destinada educao de jovens e adultos, de pessoas com necessidades especiais e de indivduos em contexto de privao de liberdade, uma vez que, apesar da alta taxa de alfabetizao, a evaso escolar e o no cumpri-

    7 http://www.worldbank.

    org/projects/P070963/

    argentina-rural-education-

    improvement-project-

    promer?lang=en

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    mundo aforaARGENTINA

    mento de todo o perodo de educao obrigatria ainda preocupam. Investimentos sustentados nessas modalidades de educao e a criao de um plano especfico para este fim (Plano de Finalizao de Estudos Primrios e Secundrios FINES) tiveram o efeito positivo de aumentar, nos ltimos dez anos, em 40% a quantidade de habitantes com o nvel secundrio completo.

    No sistema educacional argentino todos os alunos que terminam o nvel secundrio tm direito a in-gressar na universidade, sem necessidade de exa-me vestibular. Nesse contexto, a articulao entre os ciclos bsico e orientado no nvel secundrio e, ainda, do ltimo ano do nvel secundrio com o nvel superior conta com iniciativas especficas, de carter extracurricular e no obrigatrio8.

    O ensino privado tem se tornado cada vez mais impor-tante na Argentina. O crescimento da quantidade de matrculas em instituies privadas tem superado, por grande margem, o de matrculas em escolas pblicas.

    Segundo estudo do Instituto para o Desenvolvimento Social Argentino (IDESA), com base em dados do Ministrio da Educao, entre os anos de 2004 e 2010 os estabelecimentos escolares pblicos na Argentina passaram de 28 a 53 mil, um crescimento de quase 90%, e os cargos docentes passaram de 398 a 453 mil, aumento de quase 15%, o que demonstra a destinao de montante significativo de recursos pblicos para a educao pblica. No mesmo perodo a matrcula total nos trs nveis da educao bsica passou de 9,4 para 9,9 milhes de alunos, ou seja, ao redor de 500 mil novas matrculas em seis anos.

    O mesmo estudo indica, porm, que o crescimento das matrculas em escolas privadas superou, por grande margem, o daquelas feitas em escolas pblicas. Do total de 452 mil novas matrculas, 83% (373 mil alunos) foram feitas em escolas privadas, enquanto apenas 17% foram em instituies pblicas de ensino (79 mil alunos)9. Vale lembrar que boa parte das instituies privadas de ensino recebe subsdios governamentais.

    8 http://portal.educacion.gov.

    ar/secundaria/articulacion-

    entre-niveles-educativos/

    9 http://www.idesa.

    org/informes/579

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    mundo aforaARGENTINA

    PLANEJAMENTO E DESAFIOS

    A avaliao do sistema educacional responsabilida-de da Direo Nacional de Informao e Avaliao da Qualidade Educativa (DiNIECE)10, rgo do Ministrio da Educao argentino. Informaes estatsticas e quantitativas obtidas por censos e anurios produ-zidos pelo rgo so combinadas com os resultados de iniciativas internacionais (PISA-OCDE), regionais (SERCE) e nacionais de aferio da qualidade edu-cativa, bem como com a avaliao de programas especficos no sistema educacional. A finalidade prover os subsdios necessrios ao planejamento contnuo da poltica educacional do pas.

    Esse planejamento cabe ao Conselho Federal de Educao que, por meio dos Planos Nacionais de Educao Obrigatria e Formao Docente, define objetivos, diretrizes, medidas e competncias dos entes federativos para a educao nos nveis inicial, primrio e secundrio.

    Alm das medidas especficas no mbito do sistema educacional, a Argentina tem implantado medidas na-cionais com vistas a aumentar os recursos financei-ros disponveis para a melhoria da educao no pas. O oramento nacional para a educao supera 6% do PIB, como determina a Lei de Educao Nacional, e o salrio dos docentes encontra-se atualmente acima do PIB per capita, em grande parte graas ao Fundo Nacional de Incentivo Docente.

    Apesar dessas medidas, o pas tem encontrado di-ficuldades para implementar todas as atividades planejadas e para realizar melhorias significativas na qualidade da educao oferecida pelas instituies de ensino. A organizao do sistema educacional, o aumento dos recursos pblicos destinados educa-o e o crescimento do ensino privado tm permitido, no entanto, a manuteno da ampla abrangncia e do elevado nvel de acesso educao primria e secundria na Argentina.

    10 http://www.me.gov.

    ar/diniece/

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    mundo aforaARGENTINA

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    MINISTRIO DA EDUCAO DA NAO:www.me.gov.ar/doc_pdf/PlanNacionalde.pdf portal.educacion.gov.ar/secundaria/articulacion-entre-niveles-educativos/ www.me.gov.ar/diniece/ www.me.gov.ar/doc_pdf/PlanNacionalde.pdf.

    CONSELHO FEDERAL DE EDUCAO:portal.educacion.gov.ar/consejo/

    PROGRAMA DAS NAES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO: hdrstats.undp.org/es/cuadros/

    BANCO MUNDIAL: www.worldbank.org/projects/P070963/argentina-rural-education-improvement-project-promer?lang=en; datos.bancomundial.org/indicador/SE.ADT.LITR.ZS

    INSTITUTO NACIONAL DE ESTATSTICAS E SENSOS (INDEC): www.censo2010.indec.gov.ar/resultadosdefinitivos_totalpais.asp

    INSTITUTO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL ARGENTINO (IDESA): www.idesa.org/informes/579

    BRIGIDO, Ana Maria. El Sistema Educativo Argentino. Editorial Brujas, 2006.

    ASCOLANI, Adrin (Compilador). El sistema educativo em Argentina. Civilidad, derechos y autonoma, dilemas de su desarrollo histrico. Laborde Editor, 2009.

    RIVAS, Axel. Radiografa de la educacin argentina. CIPPEC. 2010. Disponvel em: www.cippec.org/files/documents/Libros/Radiografia-edu.pdf

    Everton Vieira Vargas Embaixador do Brasil em Buenos Aires.

    Fernando Perdigo diplomata lotado na Embaixada do Brasil em Buenos Aires.

  • Inovao na Austrlia: contornos, tendncias e possibilidades conjuntas

    Austrlia

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    mundo aforaAUSTRLIA

    Educao bsica e ensino mdio na Austrlia: aposta para a manuteno do crescimento econmicoRubem Corra Barbosa Camila Serrano Giunchetti Pio da Costa

    INTRODUO

    A Austrlia virtualmente o nico pas do mun-do que vem apresentando crescimento econmico ininterrupto por mais de 20 anos. Como no caso brasileiro, a elevao constante do PIB australiano tem-se apoiado fortemente nas exportaes de com-modities China.

    Diferentemente do Brasil, no entanto, que tem im-plantado polticas de fortalecimento do setor indus-trial e de combate pobreza para a manuteno do crescimento econmico, a ateno do governo australiano est voltada para a implementao de medidas que favoream o aumento da produtividade geral da economia e a consequente exportao de manufaturas de maior valor agregado e de servios para a regio asitica. essa a aposta do pas para quando o boom das commodities se esgotar1.

    Nesse diapaso, so expressivos os investimentos que vm sendo destinados formao de capital humano e cincia, pesquisa e inovao2. Como fruto dessa viso de mundo, os servios educacionais j se encontram entre as principais exportaes da Austrlia, logo atrs do setor de minerao (carvo, ferro e ouro)3.

    Em discurso realizado em 23 de janeiro de 2007, na Universidade de Melbourne, Kevin Rudd, pouco antes

    1 Ver a esse respeito o relatrio

    (White Paper) do governo

    australiano Australia in

    the Asian Century: http://

    asiancentury.dpmc.gov.au/

    sites/default/files/white-

    paper/chapter-6.pdf.

    2 Ver BARBOSA, Rubem A.

    C.; GIUNCHETTI PIO DA

    COSTA, Camila S. Inovao

    na Austrlia: contornos,

    tendncias e possibilidades

    conjuntas. In: Mundo

    Afora, no 10, DIVULG/

    Ministrio das Relaes

    Exteriores: Braslia, 2013.

    3 Ver BARBOSA, Rubem A. C.;

    GIUNCHETTI PIO DA COSTA,

    Camila S. Internacionalizao

    do ensino na Austrlia:

    grande oportunidade para

    parcerias em cursos tcnicos,

    graduao, pesquisa e

    desenvolvimento. In:

    Mundo Afora, no 9, DIVULG/

    Ministrio das Relaes

    Exteriores: Braslia, 2012.

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    mundo aforaAUSTRLIA

    de se tornar Primeiro Ministro da Austrlia, articulou essa posio de forma explcita:

    Elevar significativamente a produtivi-dade por meio de uma revoluo edu-cacional a melhor maneira de lidar com o desafio econmico do futuro. Caso contrrio, poderemos vir sim-plesmente a acabar como a pedreira da China e a praia do Japo. [traduo livre dos autores]4.

    Para que a revoluo educacional pudesse se tornar realidade, o governo federal australiano passou a adotar medidas especficas, e mais incisivas, a par-tir de 2008, de interveno nos sistemas estaduais de educao bsica e mdia. As principais dessas medidas so abordadas no presente artigo.

    A Austrlia, como o Brasil, organizada de forma federativa. H seis governos estaduais e dois go-vernos territoriais (daqui para frente, designados conjuntamente como governos estaduais), que administram os estados e territrios que compreen-dem a federao australiana. Os governos estaduais so, constitucionalmente, responsveis pela ofer-ta de educao escolar (pr-primria, primria e secundria).

    Tal arranjo federativo implica razovel variao tanto na estrutura do ensino como no desempenho de escolas e estudantes ao longo do territrio.

    A preocupao do governo federal com a formao de capital humano no conjunto da nao imps, por-tanto, como primeiro passo, a necessidade de criao de uma rede nacional de governana educacional.

    Tendo em vista a semelhana dos desafios entre Austrlia e Brasil decorrentes da estrutura descen-tralizada de governo, o presente artigo, ao expor as principais medidas adotadas para aprimorar a educao bsica e secundria na Austrlia, conferir nfase estruturao dessa rede nacional de go-

    4 Boosting productivity through

    an education revolution is

    the best way to deal with the

    economic challenge of the

    future. Otherwise, we may

    simply end up being Chinas

    quarry and Japans beach. (O

    discurso pode ser encontrado

    em: http://australianpolitics.

    com/2007/01/23/rudd-

    calls-for-an-education-

    revolution.html).

  • 46

    mundo aforaAUSTRLIA

    vernana educacional. Antes, porm, convm traar panorama do sistema escolar australiano, nos nveis bsico e mdio.

    PRINCIPAIS CARACTERSTICAS DA EDUCAO PRIMRIA E SECUNDRIA

    Existem na Austrlia tanto escolas pblicas (ou go-vernamentais) quanto particulares, normalmente referidas como no governamentais (non-gov-ernment schools). As escolas pblicas (government schools) so estabelecidas pelos governos estaduais e operam sob condies por eles determinadas. J as no governamentais podem tanto integrar um grupo de escolas normalmente, uma rede escolar confessional, particularmente catlica quanto ser independentes.

    Em 2009, havia na Austrlia 3,48 milhes de es-tudantes de nveis primrio e secundrio, distri-budos em 9,5 mil escolas, das quais 6,8 mil eram governamentais (71,4% do total). A rede de escolas catlicas abrangia 1,7 mil unidades e existiam na Austrlia aproximadamente mil escolas indepen-dentes. Naquele ano, 66% do total de estudantes encontravam-se matriculados em escolas gover-namentais, enquanto os 34% restantes, em escolas catlicas ou independentes.

    Em 2010, as escolas governamentais eram respon-sveis pela matrcula de 80% dos estudantes de nvel socioeconmico mais baixo, 78% dos estudantes com necessidades especiais, 85% dos indgenas e 68% daqueles cuja lngua materna era outra que no o ingls.

    As escolas governamentais so primordialmente financiadas pelos governos estaduais (91,4% do total de recursos), enquanto o governo federal constitui a principal fonte de financiamento pblico das escolas no governamentais (72% dos recursos, contra 28% dos estados).

  • 47

    mundo aforaAUSTRLIA

    A educao formal composta pelas escolas primria e secundria que oferecem, via de regra, um total de 13 anos de ensino (sendo o primeiro, o ano de fun-dao foundation year , considerado um ano de recepo, preparao ou jardim, de acordo com as denominaes que recebe nas diferentes unidades federativas). Ressalte-se que apenas no estado da Tasmnia as sries 11a e 12a no so compulsrias.

    Observa-se, ademais, alguma variao entre os es-tados e territrios na estrutura do sistema educacio-nal. Por exemplo, a idade mnima para ingresso na educao primria vai de quatro anos e cinco meses no estado de Nova Gales do Sul aos cinco anos na Tasmnia e na Austrlia do Sul. Da mesma forma, h estados que consideram a 7a srie como parte da escola primria enquanto outros a consideram parte da secundria.

    Os indicadores da OCDE colocam a Austrlia na se-gunda posio entre os pases nos quais os estudan-tes passam mais horas (por ano) na sala de aula. De um modo geral, os estudantes frequentam as escolas de segunda sexta-feira, das 9h s 15h305.

    Algumas escolas australianas oferecem programas de Educao e Treinamento Vocacional (VET, na sigla em ingls), correspondentes aos cursos profissio-nalizantes no Brasil, como parte dos certificados de ensino secundrio avanado. Os crditos cursados nesses programas podem vir a ser aproveitados, posteriormente, na ampla rede de ensino e treina-

    5 No entanto, h que se ter

    presente que esse indicador

    no to importante, j

    que o nmero de horas

    de instruo formal no

    est necessariamente

    correlacionado ao

    desempenho dos alunos.

    Estudantes primrios e

    secundrios finlandeses

    e sul-coreanos, bastante

    bem classificados no PISA

    (Programme for International

    Student Assessment,

    avaliao organizada pela

    OCDE), por exemplo, ficam

    muitas horas a menos em

    sala de aula do que a mdia

    dos estudantes dos pases

    da OCDE, enquanto os

    estudantes que mais tempo

    permanecem em sala, os

    italianos, ranqueiam em 29

    lugar no PISA (ver OCDE,

    Education at a Glance, 2011.

    Disponvel em: http://www.

    oecd.org/education/skills-

    beyond-school/48631122.pdf).

    Tabela 1 Financiamento Educao

    Setor% da populao estudantil

    Participao no total de fundos governamentais

    Mdia do financiamento estatal combinado por estudante/ano

    Mdia lquida do investimento por estudante (fontes governamentais e privadas)/ano

    Pblico 66% 73% US$ 10.868 US$ 11.523

    Catlico 20% 16% US$ 8.286 US$ 10.344

    Independente 14% 11% US$ 6.798 US$ 14.456

    Fontes: Australian Bureau of Statistics; ACARA; citado por HINZ (2013).

  • 48

    mundo aforaAUSTRLIA

    mento vocacional que uma das marcas distintivas da educao terciria da Austrlia.

    Com a recente adoo do Australian Curriculum (AC)6, discutida mais adiante, houve a padronizao dos objetivos e dos contedos daquilo que as escolas ensinam nos seis estados e dois territrios, nas 12 sries do sistema escolar que se seguem ao ano de fundao.

    De acordo com o AC, as matrias ensinadas do ano de fundao 10 srie so: Ingls, Matemtica, Cincias, Geografia, Histria, Artes, Lnguas Estrangeiras, Tecnologias, Sade e Educao Fsica, Civismo e Cidadania (a partir da 3 srie), Economia e Negcios (a partir da 5 srie) e Cursos Profissionalizantes (apenas nas 9 e 10 sries). As habilidades que devem ser desenvolvidas durante esses anos so: alfabetizao lingustica; alfabetizao numrica; uso de tecnologias de informao e comunicao; pensamento crtico e criativo; habilidades pessoais e sociais; compreenso tica; e compreenso intercul-tural. As prioridades transcurriculares so: Histria e Cultura Indgena; sia e Engajamento da Austrlia na sia; e Sustentabilidade7.

    Nos 11 e 12 anos do ensino secundrio, so lecio-nados: Ingls (Ingls, Ingls como Segunda Lngua ou Dialeto; Ingls Essencial; e Literatura), Matemtica (Matemtica Essencial; Matemtica Geral; Mtodos Matemticos; e Matemtica para Especialistas); Cincias (Biologia; Qumica; Fsica; e Cincias da Terra e do Meio Ambiente), Histria (Histria Antiga e Histria Moderna), e Sade e Educao Fsica8. Um total de 150 escolas australianas oferecem aos estu-dantes a possibilidade de seguirem o International Baccalaureate9, sendo que 87 oferecem o progra-ma primrio, 42, o programa intermedirio e 63, o diploma do ensino secundrio.

    Na Austrlia, no existe um piso salarial nacional. Cada estado tem autonomia para estruturar a car-reira docente, o que inclui o salrio mnimo dos professores.

    6 Na esteira do que ocorreu, ou

    est ocorrendo, em diversos

    pases da OCDE, como Sua,

    Alemanha e Estados Unidos.

    7 Informaes sobre o

    AC obtidas em: www.

    australiancurriculum.edu.au.

    8 Idem.

    9 Ver, a esse respeito, o stio

    da fundao privada que

    gerencia o programa em

    3,6 mil escolas distribudas

    em 145 pases, disponvel

    em: http://www.ibo.org.

  • 49

    mundo aforaAUSTRLIA

    O salrio anual mdio dos professores australianos (nveis primrio e secundrio) varia de US$ 60 mil a US$ 75 mil por ano; a remunerao mnima en-contrada na rede escolar US$ 34,2 mil anuais e, a mxima, em torno de US$ 90 mil. No h grande diferena entre os salrios de professores primrios e secundrios.

    Estudo realizado pela Universidade de Sydney indica que o salrio pago pelos estados australianos para um professor recm-contratado tende a estar acima da mdia dos salrios pagos aos recm-graduados de maneira geral. O estudo tambm indica que o salrio tem aumentado em termos reais, pelo menos desde 200910.

    A variao entre o salrio inicial e o salrio mais elevado tem sido objeto de muita contestao pelos sindicatos australianos. Nessa crtica, so utilizados dados da OCDE que indicam que o salrio do pro-fessor pode at triplicar ao longo de sua carreira nos pases com melhor desempenho nos testes internacionais de avaliao de alunos.

    Em sntese, o salrio inicial dos professores na Austrlia no ruim, mas se deteriora relativa-mente com o passar do tempo, podendo levar os melhores professores a abandonar as salas de aulas para assumir funes administrativas, normalmente melhor remuneradas11.

    10 Para se ter uma ideia, no

    estado de Nova Gales do

    Sul, onde se localiza aquela

    universidade, o salrio anual

    de um professor recm-

    contratado, com quatro anos

    de treinamento universitrio

    (bacharelado em Pedagogia

    ou com licenciatura), passou

    de US$ 52,7 mil em 2009 para

    US$ 56,8 mil em 2011. Um

    professor com cinco anos

    de formao superior (duplo

    diploma de bacharelado ou

    mestrado em Pedagogia)

    percebia US$ 55,4 mil em

    2009 e recebe atualmente

    US$ 59,7 mil. O salrio

    anual mais elevado para

    um professor sem funes

    administrativas passou

    de US$ 78,7 mil em 2009

    para US$ 84,7 mil em

    2011 naquele estado.

    11 Para ilustrar o problema, o

    salrio inicial anual dos admi-

    nistradores escolares situa-se

    em cerca de $136 mil para di-

    retores de escolas primrias,

    e, ao redor de $145,6 mil, para

    os de escolas secundrias.

  • 50

    mundo aforaAUSTRLIA

    Enquanto na OCDE a mdia de alunos por professor , na escola primria, de 21,3 nas escolas pblicas e 20,3 nas privadas, na Austrlia, essa mdia de 23,2 e 25, respectivamente. J na escola secundria, a mdia na OCDE de 23,3 nas escolas pblicas e 22,4, nas escolas privadas; enquanto na Austrlia as mdias so de 22,8 e 25,3, respectivamente12.

    As escolas australianas no fornecem aos estudantes nenhum tipo de alimentao gratuita ou subsidiada13. Existem, contudo, listas com sugestes de cardpio para as cantinas escolares e de restries de alimen-tos, as quais atendem a preocupaes nutricionais.

    Quanto ao transporte escolar, cada governo esta-dual dispe de programas de subsdio14 e/ou pro-viso direta de transporte, de acordo com critrios especficos de elegibilidade. De forma geral, h preocupao maior com estudantes com necessi-dades especiais, que vivem em reas isoladas ou que provm de famlias com baixo status socioe-conmico. Atendidos os critrios de elegibilidade, tende a no haver discriminao entre estudantes de escolas governamentais ou no governamentais, requerendo-se apenas que o deslocamento se d para a escola mais prxima da residncia15.

    12 H que se ter presente, no

    entanto, que avaliaes

    quanto eficincia de

    sistemas educacionais no

    so conclusivas em termos

    do tamanho ideal das salas

    de aula. Os dados existentes

    no comprovam a hiptese de

    que quanto menos estudantes

    na sala de aula, melhor o

    rendimento dos alunos. Para

    melhor compreender as

    disparidades existentes nesse

    quesito, a Coreia do Sul, pas

    melhor colocado no ranking

    de leitura do PISA, tem as

    salas de aula mais numerosas

    da amostra; j Luxemburgo,

    o pas com a menor razo

    aluno/professor, ranqueia

    na 30 posio do PISA

    (disponvel em: http://www.

    saasso.asn.au/wp-content/

    uploads/2012/10/SAASSO-

    Fact-Sheet-Class-Size-2012.

    pdf). Por conta disso, a prpria

    OCDE sugere que a poltica

    mais indicada para melhorar

    o desempenho dos alunos

    no reduzir o tamanho

    das classes, mas elevar os

    salrios dos professores.

    13 H razes para acreditar que

    as necessidades particulares

    das famlias com baixo

    status socioeconmico

    so contempladas pelas

    polticas de renda mnima dos

    governos federal e estaduais.

    14 A maior parte dos recursos

    destinados ao transporte

    escolar subsidia o uso de

    transporte coletivo urbano

    regular (nibus, metr,

    trens ou bondes), por meio

    da emisso de passes

    estudantis. Por conseguinte,

    a maior parte dos estudantes

    que fazem jus ao subsdio

    desloca-se por tais meios.

    15 A proviso direta do servio

    de transporte pelos governos,

    mais rara, d-se, no mais das

    vezes, por meio da contratao

    de empresas privadas e, s

    em casos muito especiais,

    por meio de viaturas e

    condutores do prprio estado,

    pois existem esquemas de

    subsdio at mesmo para

    os pais que transportam os

    filhos para a escola em seus

    prprios automveis, quando

    no h oferta de transporte

    coletivo entre a casa e a

    escola. Ver, a esse respeito, o

    Private Vehicle Conveyance

    Scheme do governo do

    estado de Nova Gales do Sul.

    Informaes disponveis em:

    http://www.transport.nsw.gov.

    au/content/private-vehicle-

    conveyance-subsidy-pvc.

  • 51

    mundo aforaAUSTRLIA

    No existe na Austrlia ensino especial, por exemplo, em lngua nativa, para a populao dos Aborgenes e Ilhus do Estreito de Torres (conjuntamente referidos por indgenas daqui por diante). Digno de nota o fato de que 86% dessa populao diz falar ingls em sua prpria famlia, e trs quartos dos 14% que dizem falar uma lngua indgena com seus familiares tambm se descreve como fluente em ingls16.

    No que concerne populao dos Aborgenes e Ilhus do Estreito de Torres, o principal foco das polticas educacionais do governo australiano na reduo do hiato no desempenho e nos nveis mximos de escolaridade entre esses estudantes e os no indgenas. Em outras palavras, no h pro-gramas estatais relevantes, seja do ponto de vista oramentrio ou em termos da populao atingida, voltados preservao, por meio do ensino, da ln-gua ou da cultura dos mais de 400 grupos indgenas identificados na Austrlia. As medidas governamen-tais existentes para esse grupo populacional so tratadas mais adiante.

    Quanto ao mtodo de alfabetizao empregado na Austrlia, assim como ocorreu em boa parte do mundo desenvolvido e em desenvolvimento, prin-cipalmente a partir da dcada de 1980, verificou-se queda no uso do mtodo fnico de alfabetizao e sua rpida substituio pela sistemtica referida na Austrlia como whole-word method (o equivalente ao mtodo construtivista, adotado no Brasil).

    Em dezembro de 2005, no entanto, o governo federal endossou o retorno ao mtodo fnico como ferramen-ta primordial para a alfabetizao lingustica, o qual passou a ser aplicado, especial mas no exclusiva-mente, nos primeiros trs anos da escola primria17. Todavia, esse endosso no implicou qualquer impo-sio formal, quer aos governos estaduais quer s escolas, tendo, na prtica, se expressado na forma de diretrizes curriculares que enfatizam elementos caractersticos do mtodo fnico.

    16 Ver A statistical overview of

    Aboriginal and Torres Strait

    Islander peoples in Australia:

    Social Justice Report 2008,

    disponvel em:

    http://www.humanrights.gov.

    au/publications/statistical-

    -overview-aboriginal-and-

    -torres-strait-islander-

    -peoples-australia-social.

    17 Essa deciso do

    governo federal deu-se

    em consequncia das

    concluses de uma pesquisa

    especialmente encomendada

    pelo ento Ministrio

    da Educao, Cincia e

    Treinamento, intitulada

    Investigao Nacional sobre

    o Ensino da Alfabetizao,

    cujo relatrio est disponvel

    em: http://www.curriculum.

    edu.au/leader/report_of_

    the_national_inquiry_into_

    the_teaching_o,12633.

    html?issueID=9803.

  • 52

    mundo aforaAUSTRLIA

    FORMAO DA REDE NACIONAL DE GOVERNANA EDUCACIONAL

    Atualmente, existem dois fruns principais de coorde-nao intergovernamental na Austrlia que regulam o setor educacional: o Council of Australian Governments (COAG), responsvel por formular, implementar e mo-nitorar reformas estruturais em todos os setores da administrao que requeiram cooperao federativa18, e o Standing Council on School Education and Early Childhood (SCSEEC)19, responsvel pelo estabelecimento de prioridades e estratgias nacionais para as escolas, alm da negociao de acordos intergovernamentais em torno de objetivos e interesses compartilhados20.

    Alm desses dois fruns intergovernamentais, em 2009, o governo federal criou a Australian Curriculum, Assessment and Reporting Authority (ACARA), rgo p-blico independente, cofinanciado pelos governos federal e estaduais, que se reporta diretamente ao SCSEEC21. A ACARA pea fundamental da Rede Nacional de Governana Educacional australiana, pois tem mandato legislativo para gerenciar a criao e a implementao do currculo nacional, avaliar os estudantes e elaborar relatrios sobre os resultados educacionais por escola e para o conjunto do sistema escolar.

    Quadro 1 Marcos institucionais recentes

    Marcos institucionais recentes1999 Declarao de Adelaide

    2003 Aplicao do 1 NAP, amostragem (alfabetizao em cincias)

    2008 Aplicao do 1 NAPLAN, censo (alfabetizao lingustica e matemtica)

    2008 Agenda Nacional de Produtividade do COAG, Acordo Educativo Nacional (NEA)2008 Declarao de Melbourne2008 Australian Curriculum2008 National Partnerships2009 Criao do ACARA e do stio MySchool2009 Poltica Educacional Indgena

    2010 Plano de Ao Educacional para Populaes Indgenas 2010-142011 Relatrio Gonski2012 Australian Education Act

    18 O COAG foi criado em 1992

    e integrado pelos chefes

    dos poderes executivos

    federal (a primeira-

    ministra), dos estados

    (chamados premires),

    e dos territrios

    (denominados chefes),

    alm do presidente

    da associao dos

    governos municipais.

    19 Anteriormente, Ministerial

    Council on Education,

    Early Childhood

    Development and Youth

    Affairs (MCEECDYA).

    20 Interessante notar que

    alm da presena esperada

    do ministro (nacional)

    e dos secretrios

    estaduais de educao,

    desenvolvimento pr-

    escolar e da juventude,

    tambm integra este

    conselho o ministro

    neozelands da educao.

    21 A Unio conseguiu criar

    o ACARA estabelecendo

    que as contribuies dos

    governos estaduais para

    sua manuteno seriam

    requisitos formais para

    o desembolso de novos

    recursos federais para

    projetos estaduais.

  • 53

    mundo aforaAUSTRLIA

    A criao da ACARA faz parte de processo de institucio-nalizao e padronizao do sistema escolar australiano que comeou em 1999, com a Declarao de Adelaide (ver Quadro 1 acima). Naquele ano, foi estabelecido padro nacional para alfabetizao lingustica e mate-mtica, marco da mudana de foco dos relatrios dos governos estaduais (da nfase anterior em inputs para maior ateno aos resultados do processo educativo).

    Esse processo de padronizao do sistema educacio-nal australiano continuou e, em 2008, o COAG criou agenda de reformas chamada Agenda Nacional de Produtividade, fundada nas metas de elevar a pro-dutividade, a participao e a mobilidade geogrfica dos trabalhadores, em sintonia com os objetivos mais amplos de melhorar a oferta de servios para a co-munidade, a incluso social, a eliminao do atraso relativo dos indgenas e a sustentabilidade ambiental. No terreno da educao, estabeleceu-se o Acordo Educativo Nacional (NEA, na sigla em ingls) sobre os resultados almejados. O NEA inicialmente deixava os estados relativamente livres para definir os processos necessrios para os resultados acordados, o que po-deria incluir o desenvolvimento de polticas pblicas, a oferta de servios, a regulao das unidades escolares, o monitoramento e a reviso do desempenho das escolas, dentre outras medidas. No entanto, passados alguns meses, o governo federal preferiu condicionar a destinao de recursos do oramento federal para a realizao das metas acordadas implementao pelos governos estaduais de processos especficos, determinados pelo governo federal.

    nesse contexto de proeminncia crescente do governo federal em relao aos governos estaduais que foi gesta-da a nova agenda educacional da Austrlia, que comeou a ser delineada na Declarao de Melbourne, de 2008.

    A nova agenda est centrada na adoo do j men-cionado currculo nacional, de avaliaes externas (de estudantes, professores e escolas), de mecanismos para dar maior transparncia aos dados escolares e na promoo de oportunidades para estudantes em condies socioeconmicas mais frgeis.

  • 54

    mundo aforaAUSTRLIA

    A Declarao de Melbourne estabeleceu como objetivo primordial do sistema educacional da Austrlia a formao de estudantes exitosos, indivduos confiantes e criativos e cidados ativos e informados. Tambm estabeleceu que a escola deve promover tanto a equidade (em especial, a maior incluso dos indgenas e dos estudantes oriundos de famlias mais pobres) quanto a excelncia, a ser medida em testes padronizados e comparados internacionalmente.

    Digno de nota o fato de que apenas em 2008 todos os secretrios estaduais de educao se comprometeram com o desenvolvimento e a implementao de um cur-rculo nacional, o Australian Curriculum (AC), para os nveis primrio e secundrio.

    A Austrlia optou por uma estratgia de elaborao e implementao gradual do currculo nacional22. A primeira fase de implementao teve incio em 2011, quando um currculo comum, da alfabetizao 10 srie, em quatro disciplinas Ingls, Matemtica, Cincias e Histria , comeou a ser adotado pelos estados e territrios. Esta fase foi concluda com xito no incio de 2013 (ver Quadro 2, abaixo).

    Antes de concluda a primeira etapa, teve incio a for-mulao do currculo (naquelas mesmas disciplinas) para os dois anos finais da escola secundria (sries 11 e 12), que ainda est em fase de implementao.

    Alm disso, em maio de 201323 aproximava-se o fim da etapa de formulao dos currculos de Artes, Sade e Educao Fsica, Lnguas Estrangeiras e Tecnologias de Informao e Comunicao para todo o ensino primrio at a 10 srie do secundrio, e de Geografia (at a 12 srie). A fase final de montagem do Currculo Australiano, com prazo ainda no definido para concluso, envolve as reas de Civismo e Cidadania, Economia e Administrao/ Negcios, alm de Educao e Treinamento Vocacional (equivalente ao ensino profissionalizante no Brasil).

    Em seguimento a seu mandato, o ACARA se tornou res-ponsvel pelo gerenciamento dos instrumentos nacionais de avaliao de estudantes anteriormente existentes, chamados de National Assessment Plans (NAPs)24. Os

    22 O Australian Curriculum

    pode ser acessado, como

    j mencionado, no www.

    australiancurriculum.edu.au.

    23 Quando este artigo

    foi redigido.

    24 Alm dos NAPs, a

    mensurao da qualidade do

    ensino na Austrlia feita

    por meio de instrumentos

    padronizados de avaliao

    de estudantes produzidos

    internacionalmente. Os

    instrumentos internacionais

    mais utilizados pelo

    governo australiano so o

    Programme for International

    Student Assessment (PISA),

    preparado pela OCDE, o

    Trends in International

    Mathematics and Science

    Study (TIMSS) e o Progress

    in International Reading

    Literacy Study (PIRLS),

    ambos elaborados pela

    International Association for

    the Evaluation of Educational

    Achievement, uma

    organizao independente

    estabelecida na Holanda.

  • 55

    mundo aforaAUSTRLIA

    NAPs vinham sendo aplicados: (a) desde 2003, na forma de avaliaes amostrais de alfabetizao em cincias (science literacy), em civismo e cidadania, e em tecnologias de informao e comunicaes (alternadamente, ao longo de trs anos); e (b) desde 2008, na forma de censos anuais de alfabetizao lingustica e matemtica (chamados NAPLAN) para a 3, 5, 7 e 9 sries (ver Quadro 1). A ACARA tam-bm criou e mantm um eficiente sistema de coleta e anlise de dados educacionais, os quais so abertos ao pblico por meio do stio eletrnico MySchool.edu.au, inaugurado em 200925.

    Quadro 2 Currculo Australiano Progresso na formulao e implementao (maio/2013)

    Definio Formulao Implementao

    Artes F-10

    Ingls F-10

    Ingls 11-12

    Educao Fsica e Sade F-10

    Civismo e Cidadania F-10

    Economia e Negcios F-10

    Geografia F-12

    Histria F-10

    Histria 11-12

    Lnguas Estrangeiras F-10

    Matemtica F-10

    Matemtica 11-12

    Cincias F-10

    Cincias 11-12

    Tecnologias F-10

    Profissionalizante 9-10

    Profissionalizante 11-12

    Legenda: F-10: alfabetizao (foundation) 10 srie; 11-12: 11 e 12 sries; F-12: alfabetizao

    (foundation) 12 srie; 9-10: 9 e 10 sries; Tecnologias: tecnologias de informao e

    comunicao; Profissionalizante: chamados na Austrlia de National Trade Cadetships

    Fonte: ACARA (disponvel em: http://www.acara.edu.au/curriculum/curriculum.html)

    25 Antes da existncia do stio MySchool (www.myschool.edu.au),

    os formuladores de polticas educacionais nos diferentes nveis

    da administrao pblica careciam de informaes sobre as

    transferncias oramentrias para cada uma das escolas da rede e,

    por isso, no tinham como identificar as mais carentes de recursos.

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    mundo aforaAUSTRLIA

    Alm dos recursos providos por meio do referido Acordo Educativo Nacional (NEA), o governo federal ainda elaborou outras estratgias para promover a renovao e maior uniformidade nos sistemas estaduais de ensino. Entre elas, merece destaque o estabelecimento pelo COAG de Parcerias Nacionais (NP, na sigla em ingls) com governos estaduais, em torno de metas e programas especficos.

    Uma das principais parcerias firmadas a Parceria Nacional para Melhorar a Qualidade dos Professores (Improving Teacher Quality NP), com recursos da ordem de US$ 550 milhes ao longo de cinco anos.

    No mbito dessa parceria, foram criados: o Instituto Australiano para Liderana de Ensino e Escolar26; os Padres Profissionais Nacionais para os Professores do Ensino Primrio e Secundrio27; o sistema nacio-nal de acreditao de professores; mecanismos de coleta e anlise de dados sobre o desempenho dos estudantes; instrumentos de premiao e reconhe-cimento dos professores e das escolas cujos estu-dantes apresentaram melhor desempenho e maior avano nos indicadores educacionais28; e instrumen-tos de acreditao de programas universitrios de formao de professores.

    CONQUISTAS E DESAFIOS GERAIS

    Apesar da complexidade institucional da rede nacio-nal de governana educacional, o desempenho dos estudantes australianos em testes padronizados internacionalmente PISA29 e TIMSS30 notvel.

    Os estudantes australianos que participaram do PISA em 2009 (ltimo ano em que h dados disponveis31) estavam significativamente acima da mdia para os pases da OCDE em cada um dos domnios do teste Leitura (6 colocado em 34 pases), Matemtica (9) e Cincias (7).

    Apesar disso, a Austrlia vem perdendo posio relativa em ambos os rankings. Os pases que mais

    26 Ver http://www.aitsl.edu.au.

    27 Disponvel em: http://

    www.teacherstandards.

    aitsl.edu.au/Static/docs/

    submissions/National_

    Partnership_on_Improving_

    Teacher_Quality_-_NPST_-_

    Submission_2010.pdf.

    28 Chamados em seu

    conjunto de Certification

    of Highly Accomplished

    and Lead Teachers.

    29 Programme for International

    Student Assessment.

    30 Trends in International

    Mathematics and

    Science Study.

    31 Em 2012, houve nova

    aplicao do PISA, mas seus

    resultados somente sero

    divulgados em 3/12/2013.

  • 57

    mundo aforaAUSTRLIA

    tm crescido esto justamente em seu entorno geo-grfico (entre eles, esto as regies de Xangai e Hong Kong, na China, e a Coreia do Sul). Para reverter essa tendncia, observadores independentes sugerem, especialmente, reduzir a disparidade entre os estu-dantes classificados entre os melhores e os piores do pas. De fato, entre os primeiros colocados no PISA, a Austrlia tem a pior medida de uniformidade entre os estudantes.

    Com vistas a identificar alguns dos problemas res-ponsveis pela situao, em 2010, o governo federal comissionou um grupo de especialistas para revisar a estrutura governamental de financiamento escolar. O resultado foi entregue em dezembro de 2011 e ficou conhecido como Relatrio Gonski32. O rela-trio identificou um sistema de financiamento des-necessariamente complexo, inconsistente e pouco transparente, que seria responsvel pelo declnio relativo dos indicadores de qualidade dos estudantes australianos. O relatrio tambm apontou a existncia de conexo inaceitvel entre os baixos resultados educacionais, de um lado, e aquilo que considera desvantagens educacionais de estudantes com origem socioeconmica baixa ou indgena, de outro33.

    As respostas do governo s recomendaes do Relatrio Gonski foram divulgadas em setembro de 2012 e posteriormente sistematizadas em proposta de lei educacional (Australian Educational Bill 2012), que ainda aguarda a chancela dos governos esta-duais no mbito do COAG antes de ser submetida ao Parlamento. A proposta prev o estabelecimento de padro de recursos por aluno (student resource standard)34, alm de mais recursos dos governos federal (65%) e estaduais (35%), na ordem de US$ 14,5 bilhes ao longo de seis anos, para reduzir as desvantagens das escolas da rede com desempenho mais baixo, na forma de um Plano Nacional para Melhoria das Escolas35.

    A proposta legislativa encontra forte resistncia dos governadores (chamados na Austrlia de premiers ou chief ministers) liberais, que esto na oposio,

    32 Em referncia ao empresrio

    e filantropo David Gonski,

    encarregado da misso pela

    ento ministra federal da

    Educao e hoje Primeira-

    Ministra da Austrlia, Julia

    Gillard. O relatrio pode

    ser acessado em: http://

    foi.deewr.gov.au/system/

    files/doc/other/review-

    of-funding-for-schooling-

    final-report-dec-2011.pdf.

    33 Review of Funding for

    Schooling: Final Report,

    disponvel em: http://foi.

    deewr.gov.au/system/

    files/doc/other/review-

    of-funding-for-schooling-

    final-report-dec-2011.pdf.

    34 Os valores foram fixados

    em AU$ 9.271 por aluno

    da escolar primria e

    AU$ 12.193 por aluno do

    ensino secundrio.

    35 Foram iden